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XII

PSICOPATOLOGIA DOS D,E,LíRIOS

ROTEIRO: 1 - Delimitação E t - ·
- A) Ambigüidad Se x ensao .e Bquac1on~mento do Problema
AnáU:f.
A '.

rantes e Idéias D ó'dmantica - 'l!mdade Conce1tual; B) Idéias Deli-


deiro 2 irln1 es - Conceito de Delírio Primário ou Verda-
p · _- e trospectiva da Formação Delirante Primária -
c:::r~es, Re~r~sentações e Co~ições Delirantes. 3 - Classificação
. . os ~hrios. 4 - Pesquisas Experimentais no Domínio da
AtlVid!de FDebrante. 5 - Explicação Psicanalítica e Ensaios de Com-
preensao enomenológico-Bxistencial dos Delírios.

1- DELIMITAÇAO, EXTENSÃO E EQUACIONAMENTO


DO PROBLEMA

. . São_ de tal amplitude e relevância as questões atinentes à matéria, que cons-


tltw_ ~bJeto central d~s:a explanação que, para bem conduzi-la, impõe-se-nos,
preliminarmente, a dec1sao de não exorbitar, sob qualquer pretexto, as limitações
do 9ue se contém no título em epígrafe, especialmente quanto ao que aí se quer
designar com o emprego do termo - Psicopatologia. Assim, pois, a rigor, não
cogitaremos aqui de nada do que se diga com o estudo clínico dos delírios, pot
mais importante e atraente que isso nos pareça. Tal estudo será, de testo, em-
preendido em outro volume desta obra, na parte reservada à Sistemática Psi-
quiátrica, e onde melhor couberem as questões respectivas. Dentre estas, lugar
de destaque conceder-se-á então à etiologia dos delírios propriamente, ocasião
em que cotejaremos as concepções antigas e modernas a respeito, surgidas no
decorrer de quase dois séculos de intenso trabalho de análise e depuração crítica.
Esses e outros aspectos, concernentes à problemática clínica das psicoses deli-
rantes crônicas sobreexcedem, evidentemente, o âmbito, a que devemos cingir-
nos, situando-s~, por co~seguinte, fora d? debat~ .. Ainda. ass~, isto é, aten-
do-nos aqui, quanto poss1vel, ao ângulo fStcopatolo~tco estrito, n~o tardaremos a
reconhecer seguramente, quão longa e aspera é a Jornada e quao numerosos os
escolhos a' remover para alcançar o fim colimado.

A) AMBIGÜIDADE SEMÂNTICA. UNIDADE CONCEITUAL

Eis aqui, efetivamente, a pri~eira dif~culdade _com, 9ue logo se defronta o


expositor isto é, a que se refere as questoes termmolog1cas. ~stas, ~or menos
significativas que à primeira vist~,. possam parecer, nem. por isso deixar~ ?e
ser vivamente discutidas em plenar10, por alguns dos maiores vultos da Ps1qu1a-

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"nea ao ensejo das realizações
tria internacional condit7mlpdoraPsiq'uiatria de Paris, em 1950 i.do primeiro
' tnerno.
rável Congresso Mun delíri a oe
( de de: fora~ e t·tros: suco I s ) costuma ser
utiliz
É que a palavra latino para designar duas classes de fenômeno ~da,
em idi~mas ~o grupo b:~ta nte 'diversos. Empregâmo-la, de
fato, quer ;atsic o.
patol6g1cos, t1d?s por queles desvarios, que acompanham, não raro ª de.
nominar, gener1cam~~te1!a a próprias das psicoses agudas e subag
- da udas llgaasd per.
turbaçoes . consc
. 1enc
_ ,
traum atism os etc. ( d l' · , ·
e trio omrico, elzriu d . m' tr as a
. f - mtox1 caçoe s,
m ecçoes, d f b ·o . quer quando alu mos a et~rm 'di d · d f l . . s daemensz-'
delíro agu O e ri ' alterações do juízo ( ou dos ;ul,gama as a St1tcaçõe
mentos) e definem d re~ z.
dade, que dexpressam peculiares às psicoses end6genas, de tipo paranóide esvi0s
mórbidos o P;11.sar,
óico e parafren1co. , Para.
. ,
n Essa ambigüidade semântica, que _Ja. co . ecemos! . ias, em nh a1·, 1
reação a outros
vocábulos do nosso léxico, nã~ ~orr e, todavia,. n~ idiomas
do g~po
,. . A azão é que para mdicar aquela primeira classe de fenom anglo-ger-
maruco. r ' es . ape1 . di . te enos, tant
os · alemaes
:.. . como os ingles am m stmta men para as vozes atinas 1 . deliro
. . Ao passo que . d ·
1 ·
para indicar o pensamento e irante propnamente dito' ·
'del,rzum. ,
valem-se os alemães do radical Wa hn, com _que f ormam entao -
, merce da_nqu ·
" '
·dade eza
.
1as tle1 de seu idioma toda uma série de vocábulos correlatos, tais
como
_e pWahn sinn (delírio), Wahn ' ideen ºd . d 1·
(_1 é1as e irantes ), W. ahn~ttt:z . m_ung (humo
delirante), W ahneinfall ( invasão delirante), W ahnerlebnts r
( v1venc1a ,delirante)
e tantos outros; da mesma forma que ~s mglese~, por sua
v~, tambétt1 lançam
mão, nessa circunstância, do termo deluszon e ?en~~dos ( delus
zve, delusory), que
significam literalmente - engano, enganoso, ilusor10.
Visando a contornar a dificuldade, Honorio Delgado passa
ra a adotar, faz
muitos anos, para o caso em apreço, vocábulos castelhanos
similares e de signi-
ficação homóloga - delusión, delusivo, delusional. Mas, o
certo é que a des-
peito do alto e justo prestígio internacional do ilustre Mest
re peruano, não nos
consta que a sua sugestão tenha viscejado nos demais países
de língua espanhola,
dentro e fora do continente sul-americano.
Quanto a nós, cremos oportuno assinalar que os vocábulos
delusão e delu-
sivo, conquanto existentes também em nossa língua, e até com o
mesmo signi-
ficado, acham-se hoje, na verdade, em completo desuso, perte
ncendo assim ~ por
conseguinte, à categoria dos arcaísmos. Acresce que aquilo
a que Horiorio Del-
gado e sua escola denominam ideas delusivas é, em nosso
sentir, o que melhor
torresponde, por sua descrição, ao que nós outros temos prefe
rido chamar, com
_a . ni.aio;ia - idéias deliróides ( apesar do flagrante hibridismo etimológico da
expressão) ou deliranteformes, como logo acodem, vigilantes
e pressurosos, os
n_?ss~s ,yernaculistas. Es~a locução tradu : as 'W_ahnhafte Id~en
dos alemães, que
sao _1de1as fals~s ou erroneas, embora nao delirantes propriame
nte,
sentido - vane~ad~ em que se incluem então principalmente, as em nenhum
lentes (qberw_ertzgezdeen) ou sobrevaloradas, como dizem os espan idéias sob~eva-
hóis; ou am1a,
-c0 m? ha mmto adotamos e sugerimos - idéias errôneas,
afetiva. por superestimaçao

· ~ Veja-se? sobre ~o, o _volume de Compt. Rend., corres


ponde
d ente . ª m!ervençao crítica de Honório Delgado, bem como nte à Secção I, especial-
as Discussoes, da autoria de J. M. Sutter (Paris, 1952). o esplêndido resumo geral
·

456
hto J)()•tP, 11atrovomo no• ""º'ª M ,ulu~lr, •om ho1h11çffo1 'tua o , ort111,li1ft
or, no complLc,ufo lfth"11nto d,01 011,
0
11
fh, do A, hu:ln o , "'"P" ~ do auh,r o nh•orv1d'4t10 1wftb1t do n,r dito, ti 11 n0 110
trntur•• ,Jrlhílm~•. c:1•1d prrt' lliAm c-1110, no
r«onhrdm cnli l Jo (11-11,Jo •lunlllcr.do "" p.-1,wtiM dolrr
fo, tido, eom axouaro, c,,mo
fonu, de per1H0•u• r1-J11fvo"' ,•• ~~1H, Impor,,. ,u·litritr a prav onlr, 1tom 1nitlN dulo11141ti. ,
JWN/Ntt ttl><:lkí1t' do cmv,ouo
A rtgnr, 110/it dhn J0"cl" Jouo, nio vomc-,11 como uom corr c11tu, flWI 1am1;:10 11tw1I1,
dr•~" vocA :mio, Jm,rnrnc:1110 ern '"" 1tco1)ÇR0 i. nrn mol1
rc,erv11ndo--o, 11<-Mid, P"'" P quo corro•(X'ndo à da•lsnMilIO Itt1dh,:lomt1. lt .l,om,
d rl~llffm/r, o doente (:JUC, 1tcorru,1lilo cio um 01Uitdu
101cln•
,orqn r, ,,.,,. 0611, rnntu
1
Iecdoic, fcbrfJ, auh11 a, Atcrrorl~.-.,lt, e 01111lo,1of à conA do eonstru~ffo do p1t1flmlo.
aixS• 11u11 condcnaçlo à morte e, como quo A, com ob,uo&·••o mo1 "orrA8 do urn p0101dolo
Jn1crmln~vcJ, 110 11cu Jmlnemo onforc1tmo1Ho1 o rnmbdm o d, 101H 1omo1'1\ dó
d~vJd11, ,ecwelc ouu'O 'J"c, crnborii •i,11rc1Homoiuo011,l ldc:Jdo o ordenado, vem, poli,
m1111ha, p11rtlcJpr1r, •olcnemcntc, no 11eu mddJeo uonto 'Juo, durnnto ,-. noJ1c,,
,ou, 111·,Hk,•011 JnlmlffOIJ Jd ""
receber.- ml1~crlo101 1JlnAIM, dcnunel.-dorcíl de que o pJtncJAm oso,·o tuno,:doçd-lo
haviam Introduzido '1l1forçRd1uncnto no hotJJhoJ,
t enrAJ1gufd.Jo, " gu1dq11ct· momento, Ju,·A1uo
o 1ono, n quo, do potHo tio visto
íenomenoló11Jco eatrho, nmbo11 a11 Que1dro1 rcCc ddo1 .rcvcJ@m em 8CU8 eontet1dCJ8
e em auo c1Hruturaa fund1mcnt1I, " pre1onçll de: CHR um tlfJnomJmulor comum - a
oll11id{1tJ(J tmotnrnl tmvolvo
a1J11ldade dt1t/r(lnfc do p.cn1itmcnto, Pol8 bem
modlílc11çõert e11pcclfJc111 dtt fJxc,,,ouç/Jo p1lq11lc11 que otln9cn1 e comprometem à
Cod Sehnolder )1 e tllo o.tJgcm,
Jnten cJo,,alldade do 1110 11041/co ( Hu11c1·l, .Kronfckl,tJ/11/J u ÓfJI r{lta,•IJ1Js significativa,
tanto num como noutro CAIO, a dc1ordon1 dll fJ/JfQ 1upr t1-lndirlldufJl do cntc11dl-
puras, que con1rlrucm, em óltlma Jn1t4nc:11, " bfJlfJ
mcn10 Jntcrumano. 11tlca do voc:dbulo dc11rlo -
Dcuc modo, por tr,, da ambl1iJldaJq scm4 o, unlcllmcnte, o plono dos
t11nto mais evidente, d certo, te 10 !ovor cm cont
Jiíert ncinçõc11 clfnkait 1upcrfJcJoi1 - 1ub11lst0
e provolece, em n1ve1 p8k:O()Oto•
e fenomc:mológlcus onlnoludos,
Jóglco profundo, e A luz dai c1u:octcrl11tlc01 formoh1d por elo deslgnodo,
o nilo menos evidente unldadfJ com:cltt,al do gue1·ecelo de que ca exten8ito clo con-
De onde ,e concJul que o tio 1,i·opolodo lnlcJontc ou
ceito de deJfrJo pou o corrcar confusões e mol-cntcndlclo1 oo lolto1·
menos avisado apenas denoto exceHo de esc,·úpLJlo , po1· 1880 qwa se Jnsph·o, cotno
-se conco1·dtu·, am p1·Jnclplo,
vemos, cm noda mais que um /also-J1robl(Jma. Pode lnuont@, om cc1·toH textos,
cm 9uc nem sempre é fdcJl idcmtlflcor, oo
pl'lmelro
notodomcntc obscuros qugl o accpçlto em que o dito termo estodo ttcmdo utlll:tudo3.
Nem por outro motiv~, ao que declo1·om, fo1 qm., Hcnd lly e 8Cl18 cofobo1·ad01·e11
91·ófico, C=fUC J1lto pudc:J'lo
dcddirom recorrer, com fins dlddtlcos, n um nrtl.fm1clo Jelb'Jo com Jnlclnl nrnldseulo
ser mais simples e prdtlco quol seja o de escrevere ont~, equivalente llO tlt1lusio11
(Dclirio), 11empre que se' u·utor de otivldode deHr 1culo, quondo referem te à
e ao W ahn dos autores unglo-germQnlcos; e com mlnm
atividade deHrante, próprio do11 estndos de doliri u111,
o e utllit'loç1to dcstto
Claro está que nenhumo objcçilo tedornos à nproovoçU
mesl~o critério, cujo único jnconvenJento seda tolve
:ti do contJnutu· n de8loc.:nr
a Lónica do questiio; mos J8Ho, se nffo estiv éssemos,
ontos do muilf, 1:>01'8trndJdolf

2 Sobre IHo, ra.,,.10 de wxJo lndltponstlvol rovor ogcm• o quo roJ oxpra88trn1onto con•
~ll!flMlo ftOi capltult>I V o VIJJ, ,1,
PNJJtJhlotr/1 (Loo, oJt,),
" V(J, - H. :By, p, Jlornord, Ch,, DrJ111ot: Man u,I
4j'1

écie são bem menos freqüentes do que se pe nsa e
_.u(vocos dessa esp d'
de que "'"1di . . maioria das vezes, me dtante o emprego oportuno e ade-
, am-se ss1par, na 1arece ora.
deix d' • -0 complementar esc
d da a 1etivaçatretanto o que sueede, por efeito . d mo
a
. bservância d
qua o .. é . . que permttem . . o verdad
def'trur ou . o
Tal nao
.
' en característ
t das
' icas essencuus
desconhecune
. n o ontecun'ento psicopato16g1co • sut· generzs, · e di strngui-lo
. Por etro
delírio como ac Ih - 6 · af' ' con-
. 'e de formações outras, que e sao pr ximas ou ~s, ~qui incluídos
segumt cÍ 'ufzos falsos errôneos, enganosos, outrora arbitrariamente en 1 '

b . ' 61
:S
s~:tusih m~sma denomÍnação. Por. isso, e em. oposição à tendência de alii;
atuais não podemos deixar de ·salientar e encarecer, com toei
s1copat ogos , "ê e6 · ·
át1cas desta distina_a
Pt,_r. na validez e fecundas consequ netas t nco-pr
CIUase, a p1e . f . ponto de parti'da para a acertad çao
·ta1 ex"'""'•nare mos a segwr, e que 01 o ..,t, a
cap1 , que c:uu-u.. , .

colocação do problema. ~A,/(}d /4,t(J ~/ U / 211/--lt«-l.,,U 7)1 ciA<J cy


/'. v,uuv0 ·YI; ,.ú-~ J; ,//tfzt.tiddv et ~ ~
_@
• • . N I J&
1

IDÉIAS DELIRANTES E -lDÉYÁS DELIRó itlES. CONCEITO - DE


~ .1, DELflUO PRIMARIO OU VERD.~ ijIR~ § ~ ~ .J.4;,-t,~ ~

r,R}J)I Eis aqui, efetivamente, o núcleo da questã~ ari:o ~~o ~~S


rJ1 IJUll}novas concepções sobre os delírios e, sem dúvida, uma das noçõeslogia mais soí,da-
Fenome-
.. .J.w / mente assentadas, na Psiquiatria CUnica, pela moderna Psicopato
.M/4i1Yf. /~. nol6gica.
, ~ AJJJv Devemo-!~, inc~n~est~velmente, ~ Karl Jaspers 9ue foi, de, fato,
4
o pri?1~iro
J,1/if" --,.,, a traçar aí a linha div1sór1a clara e fume que até hoJe se mantem - aqu1s1ção
~ ~ básica, desde logo enriquecida pelas contribuições substanciais de Gruhle, Mayer-
ti,/1.J.,t» Gross, Kurt Schneider ... , da famosa escola fenomenológica de Heidelberg. Sem
/ ~- · que nos mova o intuito de apurar e discutir prioridades, convém recordar que
o próprio Jaspers alude ao mérito de certas intuições anteriores de Karl Westpahl,
a esse respeito. E que Henri Ey, por outro lado, ao historiar as origens da
questão, em seu erudito e vigoroso ensaio sobre o assunto , não deixa de chamar
5

a atenção para pontos de vista algo semelhantes, igualmente esboçados por Falret,
Moreau ( de Tours) e, sobretudo, por Charles Blondel, em seus tão conhecidos
escritos, que datam aproximadamente da mesma época, acerca das formas de
• consciência mórbida".
Não obstante, o certo é que se liga indissoluvelmente ao nome de Jaspers
a distinção fundamental entre idéias delirantes (Wahnideen) e idéias deliróides
(Wahnhaft Ideen) - distinção, aliás, já em nosso entender, implicitamente
postulada em seu célebre artigo de 1910, sobre delírio de ciúme • É que, ao
6

relatar aí os dois casos que o consubstanciam - o do "relojoeiro Klug" e o do


"professor Mohr" - Jaspers vem a sustentar a certa altura que o verdadeiro
delírio. de. ciúme difere de qualquer outra for~a de produção 'mórbida d~ ,ci~me:
em pr1me1ro lugar, porque não parte de fatos reais logicamente ace1tave1s e
razoavelmente possíveis; depois, porque não guarda rel~ção alguma compreensível

00 já
·t_Veja-se também, sobre isso, a incisiva e brilhante intervenção de Lopez lbor,
~1tado Comp. Ren-d, do Cong. de Paris.
H. By_ e clbrs.;. Les Delires Vhroniques (E'.ncyl. Med. _ Chir., T. I. Paris, 1955) ·
feproduçao quas~ literal de seu Cours à St. Anne (inédito, 1953). . •t
K. Jaspers: Eifersuchtswahn, Ein Beitrag zur Frage: Entwicklun g einer Personlichkei
oder Prozess? (Loc. cit.).

458
personalid d
com disposições específicas sdeaní mi cos o a e, com e~e~tu:us e sec
retas preocupa.
ções, "co mp lex os" , co nfl ito ntecimentos
dos aco
ia O v du dc~m da Idinam1ca _ •,
internos ou ex ter no s em vigênc · er a eiro e ír'10 d e c1u
al de !11e nao pode, pois,. 1\ _, ;_. -
d d nv olv im en to ano rm
ser explica o co m? ese do ins tan t uma _personalidade, e sim, com
o~
da
yztgo novo qu e
supor a ocorrência de um
se ms ere , em
des vio ( Ah Z!
b~ cur va vital do indivíduo, º. que faz:
. ~
de,
orm açã o qu ali tat iv; e!Í iC. :e uma quebra_ (Umknzckung),
de uma pro fun da transf da ind aga çã~ "d_ de sua própria estrutura pes-
sol uta pe rtin ên cia processo?".
60aI. Daí a ab ve r sid o formul d esenvolvrmento ou
ha
Pergunta qu
que um jov
e,
em
a de
psi
spe
qu
ito
iat ra,
de
de 27 ano s de id ~: P:: 0
qu ~d era _entã~ nada mais
pd e. mais deixar de ser
po nd era da em situ açõ es análogas tão
severame nte
i~f luê n~raand e,PI~te~sa. e duma ra?o?ra
, em tod as as áre as de ger mca.
fora a sua repercussão 1 , . a s1qmatr1a
ine ada .
E bo · a1 o con cei to de pro ces so, Jaspers dei xas se del
~ ra, po1~, ~o -ançar no s est amos referindo, e' 1·ndubºt 1
, l que f 01· so-'
ave
a d1 stm çao a qu e ·e
como vimos, ·- d o .aparecimento da l.ª edição de sua Al igemem
mente emth l ·
19 13 , po r oca s1a o .,. . o fe.
nte começou a ser encarada com
Psychopa O ogte, q~ e ª. exper1en~1a delira copatológica, conquistando assim
c1a l pa ra a m~ e~t iga ç~o psi
nô m~ ~ cen tra l e pnma var ias retmpressões subseqüentes de
sua obra
a pos1çao qu e tem co nse rva do nas ,.
inclusive na 8.ª ( 19 65 ).
as dif ere nça s ess enc 1a1 s con cernentes às estruturas deli-
Es tab ele cen do en tão za das 'idéias, que constituem seu
subs-
s, em fun ção da nat ure
rantes e deliróide um fenômeno ~
rm a qu e o ver dad eiro delírio (Echtenwahn) é .
põe a existência de um processo,
trato, Jas pe rs afi
a, no sen tid o de qu e pre ssu
primário, po r excelênci me nte . Como fen_ô_meno_primár.io., ele
é então
e dir eta e im edi ata
a que se pre nd que sem raízes
ca me nte inc om pre ens íve l pa ra o homem normal, po r isso os.
J!!icol<!._gi
ad e e sem equ iva len tes nas experiências psíquicas, que som
em nossa pe rso na lid ente. Esses modos de experiênc
ia resultam
res en tar -no s con cre tam
capazes de rep
ran ho s e são , po r iss o, im pen etráveis. ou apenas, quando
para nós tot alm en te est o con c:pções bizarras ou sin~lar:es,
da
en te in~ elig íve ~s, , com
muito, fra gm en tar iam iuz z~ patolog1camente falseados. Ta
is Jutzos
ica das atr ave s de
realidade com un
aps olu J.íl, da con v~cção interior . i~amoví~el
trazem d tim bre da cer
im
tez
an
a
en
sub
te da
jet iva
idé ia delirante verdadeira - a sua tntn
/lu_encta-
e este é ou tro car áte r da
óg ica , sua irr ed uti bil ida de_ e-, inc0r.rigibilidad7 tanto .P?r ?1e10 a-
·bilidade_ psicol , ~º!11º ate mesmo atraves da
ev1denc1a esm
são lóg ica ma is irr esi stí vel . A~
persua
em con tra rio .
gadora dos fatos, trazidos ida de - é, cer tam e~ te,, den ~re todos, ,º. ~~1s. . . 1

Esse da do _ a incorrigibil con sid era do , pois e sabido que lha ideias ~
iso lad am ent e
discutido e discutível 1 se crit ério _ de Jas~er~, e que,o pe
O menos
s de aco rdo com o e qua 1quer
tidas po t deliróide · a1ment e 1mpermeave1s a tod ºd,. de ruína ,.
'po mostram-se igu 1 eias
durante cer to temd' ' - mp lo do que aco ntece comstaascom o o sabem. os,'
. , . a exe l d,
. en ogena. Ne ,
intento logico de 1ss uas ao, - da me anc o1ia inder1va-
de hu mildade e d e auto-a cusa_çao , .d d a pri·ma'ri·a , no sentido .de
. teza vzt• al ( K. Schneider) e con . d tí I constituindo apoq~
st era r isso mesmo,.
, a tris
so
ree nsí vel e ps~ col ogi cam en_t~ irre de V~~ romana ,. e' _r in cu la
do ao
vel, ~co mp
, au toc ton e e dor tgin a_, ~ q~ e ~a tiz am e dão conteú .
du lar
seu sintoma no 'd' ' d t· '"des enressivas ' tam u Trata-se aí po r consegumte ~
eta s__ .5... Jro t l:'..
toda a g~ma de também os denomina Jaspers,
t Á ;, ( : .. .

quadro clínico, particula r, ,e~ qu e se :fo :es ~~ mo ·


nd , . ' dentro do quadro clínico geralt de ~ rj l,,Q,
de pseudo del. írios . ou del
sec
trzos preenstveis,u . 1a, no tocan e as . ..,. !,.
,
formaço_es ps1co1og1came
mor, em
nte
qa e
com
se eng en
d
ram . O me sm o se assma
~~ LC
, , ;; J,. H.
1
depressão de hu
45 9 " j
l
_:_J
ºdé' d grandeza que se observam incidentalmente em estados maníacos, endó-
ias e ão como , expressão natura1 do sentimen
·1 ·
genos Ou n to de ompotc:n
· i1 cta,

que a
' d
l ação do humor, no sentido a eu ona, f . permite. 1'dentl'f'1car. Nesse passo, d
e-
e evos também considerar como pseudodelirio o classicamente chamado "délírio
vem
de grandezas" da paralisia geral, visto
. que este se mostra, a um s6 tempo, com-
preensível e explicável: compreensível, em função da forma clínica expansiva em
que se manifesta, na qual a euforia e o otimismo representam a nota clínica
-dominante, tantas vezes em desconcertante contraste com a precariedade do es-
tado físico e a indigência econômico-social do paciente; e explicável, em razão
do processo mórbid_o orgânic~-cerebral sujace1:t~, ~ue responde_ ?iretamente pelo
deficit da crítica ( nao apenas perda da autocritlca , como se dizia) - fenômeno
indicativo da presença de um estado demencional incipiente ou em marcha, e
.de que deriva o caráter de desproporcionalidade e completa inverossimilhança da
fábula pseudodelirante ( dizem-se tais doentes, por exemplo, proprietários de
extensos campos petrolíferos ou diamantíferos, de inesgotáveis minas de urânio,
da maior esquadra do universo; possuem milhões de títulos nobiliárquicos, bilhões
J .l. _ de mulheres famosas e belíssimas, em todas as partes do mundo, etc.). . . ·
~ Assim, pois, ao contrário das idéias delirantes verdadeiras, as idéias deliróides
l'\ . n:.'A;JIAocorrem com abundância nos estados maníacos e melancólicos; em psicoses or-
~ gânico-cerebrais; em certos oligofrênicos leves, como o sabemos desde o traba-
lho clássico de H. W. Maier, sobre os seus assim chamados - "delírios catatí-
micos "7 ; em personalidades psicopáticas e em pervertidos sexuais, como também
seria imperdoável ignorar ou omitir, após o admirável estudo de Birnhaum8 , nos
querelantes e nos sensitivos em geral; bem como nas psicoses reacionais, de
toda espécie, inclusive as desiderativas (W unschspsychosen) e as de expectação
( . ou de espera (Erwartungspsychosen).
~ Idéias sobrevalentes ou errôneas, por superestimação afetiva, as quais re-
O.~ ~resentam uma variedade das precedentes, podem ser igualmente observadas até
.:j)~ esmo em indivíduos psíquicamente normais. Mas, neste ponto, parece-nos de
"· todo necessário vincar a ressalva de que nem toda idéia sobrevalente é forçosa-
[j/J mente errônea, e vice-versa. As idéias contidas, por exemplo, nos códigos jurí-
dicos, morais, sociais, nos ideários políticos, nas Constituições, Estatutos e Regi-
mentos, bem como nos preconceitos de casta, profissionais, religiosos ou de
qualquer outra espécie incluem-se, sem dúvida alguma, na categoria de sobreva-
lentes, embora nem sempre errôneas, evidente\Ilente. . . Os enamorados, os cien-
tistas, os magistrados, os sacerdotes, cultivam idéias sobrevalentes, com respeito
ao seu amor, à pesquisa científica, à jurisprudência, aos dogmas, a que obedecem,
e que passam, muitas vezes, a monopolizar seu pensamento e a orientar, unilate-
ralmente, a sua conduta. Por outro lado, qualquer um pode alimentar, mais ou
menos episodicamente, idéias falsas ou errôneas sobre muitas coisas, sem que
isso envolva sobrevalência, vale dizer, adesão afetiva incondicional e a qualquer
preço, a tais idéias, o que já indicaria aí algo limítrofe da anormalidade, sob a
forma de sectarismo e fanatismo.

7 H. W. Maier; Uber kathathy me Wahnbildung und Paranoia (Z. f. g. Neurol. u.


Psycht., 13, 1912).
8
~· Bimbau~ ; Psychosen mit Wahnbildung und Wahnhaf te Einbildun
nerzerten (Berlin, 1908). gen der Dege-
·

460
De qualquer manei
. ,
ra O q uc 1m . part
reter, a esse respeito é . . l
errôneas por
e correspondem, no mais das
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diante de certas· circunstâ'd


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aJa · d oco rri O me- nte'fO .que no entanto deixa de ,._ll. lUU I.

-sidera o, d po r e f eit o e eve ntu ais tcn


lex~~s ª etf =18, ligadas. a estados de ~ =
pre ocu ~aç ões
nte s,
de
etc .
mo me nto , "co mp 1
' con itos emocionais, con scie ntes ~
inconscie .
Um exe mplo comum talvez sirva parª melhor pre. cisar esse concei. to. Digamos
· di fd sonalidade do
que um 1n v uo :-- em cuja perdente à b! ~m certos traços caracterio-
16gicos, que o definem como tenrevés tendusce~ ilidad~ .e à desconfiança _
venha a sofrer pesado e injusto nd~n:ch di: iti do do :mprego> sob
d~ son est ida de, e, a seg uir ,' aba
-suspeita. de ran cor e a ~in d:i '°s a, nao se m .~
nci on_ alm ent e pro voc ado pel o
rumor, mte and o ainda com den*.J seuas a.dfam
detra iliares
ida de
.
.Bastan te suc um bid o, é cla ro, ma s lut uuo con ers
.
l que ren ça, vem a cru zar , cas ual me nte na via pu'blica, com um velhov amigo
,e a ma - via · J'á h,a algum tem ' po mas com .
e 'nf
i "
anc · a quem nao
ia, ' que m sem pre ma nttv era
d - h d fortuna recentemente alçad ·unp ort ant e
s re1açoes, orndem e

=
as meIhore ' o a cargo
- d n e em pre sa. Nu m rela nce pas sou -lhe pelo espírito a
oa direçao e um a gra
_ de qu e aqu ele enc ont ro pro vid enc ial talvez representasse O pri m ·
vaga esperança no momento em que esboça
rea bi~ taç ão. Ma s,
passo !1º cam inh ~ de s~a
ao, com o de costume, de um cordial moviment
o
-sauda~ ao~ qu e ser ia seg md a, ent pondera
dir eça o u~ do ou tro , no~ a que o amigo, desta vez, nem sequer corres se dis-
em olhos para o lado oposto, "fingindo- ade
ao seu cumprunento. Pesv1ara os e propósito de evitá-lo. A possibilid
com iss o, ma nif est and o o firm
traído" e, lmente, e que seria talvez a hipótese
mais
o am igo não o tiv ess e vis to, rea
de que logo,
ple s e pla usí vel , est a não che ga a ser sequer cogitada. Ou é, desde
sim eira
am ent e rep eli da e afa s
. tad a, sem maior exame. E a partir daquela prim ,
sum ari ham
errônea inicial, a que o predispun
interpretação falsa daquela inferênciapessoais e circunstanciais, não admira que
,
como vimos, fatores convergentes sen tido, e os vá somando para alimentá-la
pre no vo s dad os, no me sm o
encontre sem fundo, dera crédito ao que se divulgara
ecê -la . Co m cer tez a o am igo , no
e robust velha
re a sua des on est ida de. E o ma is surpreendente é que, a despeito da
sob recer,
cer a est im a qu e os uni a, e da confiança qu~ 1ele sempr.e cuidara me dade.
e sin ver
desfazer a caluma e explicar-lhe a
nem ao menos tiv era chance de , com o vinha andando ultimamente, era
ma l ves tid o e des leix ado
Também tão ese jável, senão mesmo compro metedora,
e sua pre sén ça se tor nas se ind hom emd de
natural qu · hi de um próspero e. fut . uro
d
· ·
tanto mais par a ser vis to em com ·1 pan - ª ·1 -o vai o mdiví uo tecen o e
aça em i a_ça ,
o ..,
negócios, etc. De ste modo, ad etra1ma de su_as mterpretaçoeds, sempdre em canso-
complicando cada vez mais,, · d t imento externo que esenca eante.
' tco O aco~ e~ fl tt'da em as idéias errôneas
.11ância com o con teú do em ptr o re,t •ca ,
e determinada pela preponde-
. tod avi·a, d e uma. aprecz. aça
i, _
T rata-se aqu
çao e~ d; realidade. Esta, porém, não
1
-deriva m com
atí mi
pre
ca
ens
dos
ive lm
afe
ent
tos
e, da
sob re
znt
1
e,:d
O JU g~ en ° enas deformada, de acordo com
rância cat
nte . tra nsf orm ada , e sim nfi ~ur a a atitude reacional do índi-
-se acha qualitativame e co i·ra de •ulgar tudo se prende coml-
oló g1c a, que pla sm a 1 . exacerbadas pe a
a tendência caracteri ·1 1· mo de sua maneliaridades pessoa ' is,
, uo. Apesar do uni atera is UÍor-
v1d
con exõ es ei:i tre . sua s P_fC guo efe tuando-se, contud.o, de. cCl l .
preensivelmente às
. - oca sio nai s emnsaJOr e' ·mostrando-se, ad ema1s ps1co og1ca-
. uação, e as mottvaçoes , .
-sit d
O
pe
midade com as diretivas logicas 461
mente t•n,J'
4 Lenciável pela persuasão a notar que, algumas vezes até me
,,,,.

. ê o·a ocasional ou comei . 'd" • f •a 1 • , smo um
enc1a ortuit u terior pode abalar
conun g n , .
trama interpretativa decor_rente. ,
• 1 · .
a premissa falsa. origi.narza e, com isso, pu ver1zar, instantaneam ou corr1g·
, . .
ente, toda i:
. a

Coisa inteiramente diversa e o que se enten de por delzrzo primário ( p . ..


Wahn) ou verdadeiro, cujo substr ato é repr~se~tado, ,em primeiro
. " . delirantes com todas as suas caracteristtcas, ha pouco discrimplan~zma,:
v1vene 1as idade , etrab . ·Jad à in d' po
...
tnu r
Je ,·vabil
, impen tlt
. . d' e ana'l'tse, zncom
• preens .b ·t ·d
z t z ade psicoló a as
. -e
incorrigibilidade - as qu~s m tcam, por s~a presença, em um quadro clínico gzca
0 car
,ráter Drocessual d~ - Vale advertir, entret anto, que tal presen
- c::1w·~ a coexis de 1'dé'ias de1·1ró'd _>
exr..:1 tência 1 es, que ai' exercem, mmta · s vezes fça nao _
. . f 'li d
digamos, coligativa ou dcon;untzva> aci tan o a concatenaça_o e a sistem, ati·unçao _'
f 1
da fábula delirante. Po er-se-ia a ar ta1_vez, a esse propo,s1to,
. . zaçao
em pseudodelírio
explicativo, acessório, como t_emos prefer ido. , ,
Reproduziremos, a seg1;1ir, com os po3me?~res qu~, a epoca,
haviam sido
omitidos, por motivos óbvios_ d~ pr~ca1;1ça~ ettca, dois exe~p
l~s expressivosi,
publicados em nossa Intro1uçao a ~s!qutatrta (1945) os q~a~s
te~ a vantagem
.de nos oferecerem conteudos temattcos semelhantes, reqms tto
imprescindível
quando se tem em vista promo ver a comparação empírica entre as
duas formações~
.Ei-los:
(CASO I: observado em 1942, solteiro, funcionário público,
idade) - Refere estar sendo vítima de inominável calúnia. Talvez 28 anos de
despeito, inveja ou simples pilhéria de mau-gosto, possivelmente por maldade,
algum companheiro de trabalho. Não sabe de quem. Sempre fora por parte de
tanto boêmio, o que era natural, e "dado às mulheres": vivivam tido por um
para a sua Repartição. Mas um dia, acredita que tenha sido em telefonando
de doença venérea mal curada, tivera que ser submetido a uma consequência
cirúrgica em seus órgãos genitais. E, como então, alguém, não intervenção
import
lhe houvesse feito saber que correria o risco de vir a tomar-se impote a quem,
se havia fundamento nisso ou se era mero gracejo), ficara extrem nte (ignora
cado e preocupado, admitindo que talvez houvesse falado a respeit amente cho-
colega. Como quer que fosse, a operação fora realizada, com êxito, o com algum
meses, e sem as consequências prenunciadas. Mas, a verdade é que, havia pouc~
ao retom ar ao trabalho, logo começara a perceber umas tantas depois disso,
"coisas desagra-
dáveis". As vezes, com a sua entrada, paravam subitamente de
iniciavam, de repente, um assunto novo, mas em outro tom, "comoconversar, ou
para o des-
pistar". Com frequência, surpreendera troca de olhares, quando
passsava. Evi-
tavam sua companhia, à hora do lanche ou da saída, sempre sob
os mais v~ri~-
dos pretextos. Positivamente, havia alguma coisa contra ele, e
não era difícil
imaginar o que fosse. Alguém, provavelmente, espalhara o episód
io da operação.
E como antes o consideravam um grand e "gozador", "cheio das
mulheres", para
quem o "prazer do sexo" era a razão mesma e única da existên
cia, passavam
agora a aplicar-lhe o desfecho de certa anedo ta obscena muito
corrente entre
os adolescentes de seu tempo. Supun ham, em suma, que 'houvesse
ficado impo-
tente e, como ?,ão pudesse viver sem algum a forma de prazer
sexual, _acabara
por se tornar um pederasta passivo". Eis, em resumo, o que
deveria est:
correndo a seu respeito. Daí certas alusões sobre o assunto, palavr
as
apanhadas no ar, mas demasiado vagas para que se sentisse encora ou f ras
jado ª uma
interpelação frontal. O pior é que o própri o contín uo da Repartição,
um "mulato
abusa~? e negligente", parece que logo se inteira ra de tudo. E
bém, donze l~ casadouras", que antes haviam tentad o inutilm
as maças tam;
ente agarrá-lfvez
que agora se vmgavam, lançando-lhe olhares de desprezo quando
passava, e ta
~omentand0 a s~a s~posta desdita, "entre cochichos e' risadinhas".
bzado de um antigo companheiro de trabal ho e de farras " que O ar pen:~
com ele cruzad
à saída do elevador; o sorriso sarcás tico de um outro, ' com
quem dera e

462
cara, à porta do mictório, e que ao vê-l t. .
nunciando seu nome no diminu tivo co o, ivera a. audácia ?':saudá-lo, pro-
isso
já não dava margem à menor dúvid~ dem falsa e cannhosa s~hc1tude, tudo
mesmo um
"pobre anorma l", um pervertido sexual que estava send~ considerado
nte e
cada vez mais irritado e ansioso relata 'as:: ~-c~g~raçao. Insone, inapete de lágri-
mas e acessos de cólera incontida N da is na, entre explosõ es
antes, arreme ssara pesado tinteiro à
ca~:a ~es a~sos, que já . vinha tendo
nos, tendo sido então afastad o de serviço e m· tecmon d uo, por motivo de some-
II· b a o para tratame nto.
( ~ . o servado em 1940 34 anos casado ad
' " ' • CV,.
d
cedentes familia res, pessoai s e soci;is que fi~essem s'uspev1·tºa gra o) . - Semd. ant:-
- · d l'd ' quaISqu er 1Spos1-
entos da
çoes _ anormaIS e persona I ade. Casara-se. casto, conforme os mandam
ônio vinha transco rrendo sem inci-
IgreJa, há. cerca de 10 anos, _e seu matnm N

vivo interess e sexual recípro co A


dentes, ammad o por. forte afe1çao e
cerca de 5 anos mais 1velha,• •era tranquila e compreensiva• Com dOIS : f 'lhesposa,
I os sa-
· ·d d icos ou
dios_ e em 1 a e esco ar, VlVlam em harmonia, sem problemas econôm
as familias respecti vas. De tempe-
quaisquer outros~ manten do ~oas relações com
não teria sido fácil aos
r~ento predom m~ntem ente mtrovertido e supersensível,
quando e como as coisas haviam
circunstantes desavisados apurar, com precisão
apenas a
~omeça?o a mudar• A princípio, ao que observara a esposa, dava
ado, respond ia sempre
1mpressao. de ac~ar-se preocupado e tenso, mas interrog
in-
coi_n eva~1vas m~1s o~ menos aceitáveis. Depois, tomara-se excessivamente
o um
qmeto, asp~ro, 1mpac1ente. Em público, mostrava-se taciturno, afetand
ecia de
ar de alheiam ent?. e fu~ru:ido incessantemente. Outras vezes, perman
de ansieda de. Já
olhar atento e f 1S1onom1a mdagadora, refletindo certo grau
que algo de estranh o
a esta altura, é claro que não lhe era possível ocultar
sa e aterrad ora revelaçã o
vinha ocorrendo. Mas, a "chave do enigma", a espanto
quando , ao anoitec er de um
de toda a "infam e verdade", ele só viera a tê-la
um
domingo, estando em visita ao sogro, percebera que este, que sempre julgara
anos, transmi tia "sinais convenc ionais"
respeitável ancião, de setenta e tantos
que,
ao filho da cozinheira, um garoto de não mais de onze anos de idade,
a serviço dos "apetite s libidino sos" do velho! ...
descobriu-o então, achava-se
a entende r o que sempre, ingenua mente, ignorar a:
Começara agora, finalmente,
do qual,
existia, de fato, um verdadeiro "código secreto internacional", através
graças ao
a "extensa e ignóbil confrar ia da homossexualidade" se comunicava e
de como
qual se reconheciam os seus membros, uns aos outros, "à maneira de
fazem os maçons", em qualque r parte onde estivessem. Era uma espécie
e complic ado, incluind o, a um
"código Morse" , explica, mas muito mais rico
passar a
só tempo, sinais sernafóricos e acústicos. Certo jeito "inocente" de
r-se de que fora bem barbead o, ou de
mão pelo rosto, corno para certifica
testa, como há muito vinha observa ndo, sem
enxugar com o lenço o suor da
no ônibus, nos cafés, nos restaura ntes; o modo de
compreender, no trabalho,
deter-
cruzar a perna ou de bater com o pé no chão, repetidamente, mas com
de
minado ritmo, como o fizera um militar, hav'ia pouco, na sala de espera
meio de uma con-
um cinema; certa gesticulação, aparentemente natural, em
mesmo
versação, como tantas vezes vira e ouvira, sem suspeitar de nada; e até
em repouso sobre os braços
tais ou quais posições da mão e dos dedos, quando
. di~plice ntement e sobre um tampo
de uma poltrona, digamos, ou tambori_lando
síssimo s sma1s, de que se valem os perver-
da mesa, eis aí alguns dos numero
, com
tidos de todos ~s países para a difusão de seu "vício nefando". Admite
ecer, até ent~o, . o signific ado de~a~ coi!as, talv~z
desgosto que, por desconh esti-
msmuaç oes e
houvesse também emitido sem querer, sma1s de resposta a
o desesp~ rou. fo~ com-
vesse passando assim por 'homossexual. M_as o q~e mais e
provar que a depravação atingira a própria família da esposa (pai e 1rmaos)
o mundo inteiro estava a conve~t er-se em
talvez esta mesma ... Decididamente,
acabara
uma "nova e imensa Sodoma". A humanidade chafurdava no lodo, pois
nem a própria Igreja escapar a à ação daquele "proseli tismo
de descobrir que
~~tra, através
sórdido": os padres de uma catedral se comunicavam co~. os de para
dos sinos, que faziam tanger, espécie de "telégra!o sonoro , que ut1hzavam
sugestões e convites mútuos a toda sorte de práticas obscena s ... )

463:
O caso I mostra um sistema de idéias deliróides que se organizam e
coordenam coerentemente, a partir . de um acontecimento
. rea1, desencadeante se
qual ativara núcleos . para~óides, preexistentes1 da p~rsonali?~de. Mas O sist~m:
em si é, todo ele, psicologi~a~ente com~reensivel e mfluenciavel, tendo caminha-
do no sentido. de uma remissao .sem efeito, a~ cabo d~ pouco~ ~eses. Foi, por
isso, diagnosticado como -, . psic~se, 1e reaçao, de . tipo sensiuvo-paranóide. 0
caso II exemplifica um ?el~rio pr~mario ou verd~d~iro, em que às elaborações
iniciais vieram juntar-se idéias delirantes persecutorias .( s~ndo ele um "puro,, e
esforçando-se por manter-se puro, a todo custo, em meio a corrupção geral tudo
faziam, é lógico, e por todos os meios, para minar sua resistência e obri~á-lo a
ceder à tentação), seguidas de solilóquios, alucinações auditivas, risos imotivados
estereotipias de atitude e de movimento, etc. Com isso, justificava-se plenamen:
te o diagnóstico de esquizofrenia processual paranóide, que a evolução veio
confirmar. Tal não se verificou, todavia, seja dito, a bem da verdade, com relação
ao caso I, cujo diagnóstico teve que ser reformado, visto que após dois anos de
vida normal, e sem que nenhum novo acontecimento traumático pudesse ser
apontado como fator desencadeante, veio o paciente a apresentar também um
quadro delirante persecutório, com numerosas alucinações auditivas, roubo do
pensamento e impulsos agressivos, inclusive contra a própria genitora, manifes-
tações típicas de um processo esquizofrênico em marcha.
Isso, contudo, não invalida, como é de ver, a realidade do quadro deliróide
inicial ( início reacional de um processo) e em nada compromete por conseqüência
o alvo visado, que era justamente o de chamar a atenção para os caracteres dis-
tintivos, peculiares a cada uma das formações anormais referidas. Aprofundemos
agora um pouco mais a análise dos fenômenos, objetivamente considerados como
vivências delirantes primárias, focalizando particularmente o modo com que são
estas sujetivamente experimentadas pelos pacientes, na atividade representativa
mórbida do delírio.

2 - ANALISE INTROSPEOTIVA DA FORMAÇÃO


DELIRANTE PRIMÁRIA. PERCEPÇõES,
REPRESENTAÇõES E COGNIÇÕES DELIRANTES 1

É ainda, antes de mais nada, para as contribuições de Jaspers e seus segw-


dores que devemos nos voltar aqui, se quisermos alcançar um primeiro approach,
a caminho do esclarecimento concreto e positivo do problema. Para Jaspers, todo
delírio verdadeiro é sempre e necessariamente precedido, durante tempo variável,
~ de um vago, estranho, inquietante e indefinível estado de espírito ( como parece
., .vJ1~ haver ocorrido em nosso caso II), a que ele dá o nome de - humor delirante
W' (Wahnstimmung). Esse Wahnstimmung é vivido pelo doente como uma expe-
- ~J riência indescritível, em que se mesclam o espanto, a incerteza, a intranqüilidade,
w..r a confusão a perplexidade. Com freqüência nos dizem: "Há qualquer coisa no
ar" . .. "Essa luz, essa claridade, positivamente, não são comuns. Tudo está agora
mudado". E indagam, de súbito, aflita e reiteradamente: "Que é, hein? Que
está havendo?" "Parece tudo tão estranho aqui e tão diferente!" ... E, por fim,.
revelando a crescente ansiedade de que se acham possuídos, o presentimento de
um grave perigo que se aproxima, ameaça oculta, cheia de sombrios presságios,.
algo que, entretanto, não sabem ao certo o que seja, de onde vem e que significa,

464
,.m não raro, ora para o médico, ora para os seus familiares mais chegados·
I
~e ~rn..Po:sível, eu sei, inteiramente impossível que alguma coisa não venha ~
'' b un_,_ri N-ao é mesmo ? M as, que coisa
. sera' essa afinal?"
contl:;\,-- · · · · . • ' .
ll Eis, em linhas gera!s, o que se enten1e e como se mamf~sta O hu_mor delirante,
e é como um esquema mental , uma estrutura amda vazia e oca sem,
11Igo 'Jdos ideativos definidos, mero estado-de-espírito que tende a aten~ar-se
c00!eu mesmo a diluir-se com o aparecimento das vivências delirantes primária/
senao cristalizam e se expressam então através de palavras e atos na chamad;
q~~ . '
_ temática deltrante. . , .
Pensa Jaspers que todo verdadeiro de.hrto deve sobrevir dessa maneira, fora.
d0 que, trata-se de for~a de wahnhaft, isto é, de delírio secundário, assertiva.
que em absoluto, nao se pode concordar, à luz da experiência clínica e con-
com
soante a ' quase unan1mi
· "dJad e d os psico~at
· 61_ogos atuais.
· Mas,fbu!cando consolidar
posição, acrescenta aspers, que tres sao, a seu ver, os enomenos que iden-
sua · " · em um quadro cI'imco,
tificam a existencia, · d as vivências
· d ehrantes
· primárias,.
a saber: .
a) Percepções Delirantes (Wahnwahrnehmungen ) - Compreendem deter-
minados acontecimentos, de base senso-perceptiva, pelos quais freqüentemente se-
inicia o delírio propriamente dito, e consistem em uma tendência interna irrepri-
mível a viver si,gnificações. Essa espécie de compulsão consciente sucede, não,
raro, àquela vaguedade caótica e torturante do W ahnstimmung, trazendo, de al-
gum modo, certo alívio ao paciente, ao abrir-lhe a perspectiva das primeiras
"certezas". Outras vezes, porém, tais convicções aparecem ao mesmo tempo que-
o humor delirante e transcorrem sobre aquele mesmo fundo de ansiedade.. inse-
gurança e inquietude, que envolve as elucubrações do enfermo, até que se escla-
reça, finalmente, o significado da trama do delírio. É o que bem se pode verificar·
no caso seguinte, extraído de Jaspers:
"Enquanto estivera no café, observara a atitude suspeita do garçon que-
parecia saltitar diante dele, e entre os fregueses, de maneira assaz rápida e desa-
gradável. Mais tarde, em casa de um amigo, também não lhe passara desperce-
bido o seu inusitado comportamento. Ao sair, notara logo o olhar penetrante de·
um transeunte, provavelmente um detetive. Pouco depois, na rua, aproximara-se-
dele um cão, que parecia hipnotizado, pois era semelhante a um cão de borracha,.
como que movido por algum mecanismo".
Um doente nosso, estudante, com 18 anos de idade, iniciando um quadro
esquizofrênico, escreve, em seu caderno de apontamento de aula: "Barulhos de
carros à noite ( e também, às vezes, durante o dia, no Colégio) parecem estar
tr~nsmitindo algum recado em relação . . . ( intimidade excessiva com pessoas que-
nao conheço! . . . ) E mais adiante: "Na rua, no ônibus, em bares, parece que
todo mundo está me olhando, observando minhas atitudes, me criticando ( com
os olhos) ou querendo ( alguns deles ) me dar conselhos" ...
Dir-se-ia que todo o mundo perceptivo circundante do enfermo passa a
en~he~-se de significações ocultas, dantes inexistentes, abrangendo coisas, objetos,
ªri;mais, pessoas, um universo, enfim, de si,gnificações novas, que os doentes se
es orç~ cm vão por aclarar. Tudo em torno adquire sentido. Não há evento,
fr . mais banal e rotineiro, que não encerre alguma intenção, que o paciente
ese1e ardentemente decifrar. Tudo quer dizer alguma coisa. Nada ocorre por
acaso ("Ah! esses diabólicos acasos!" - exclamam em tom irônico, quando se in-

465
ssuadi-los). ou mesmo por simples coincidência ("Sempre essas malditas
tena t di , . ô')
coincidências" ... , retruca1!1, ~om a~1m ma . .. .
Salientando a importanc1a clínica da percepça o delirante de Jaspers, como
vivência primária, López Ibor refere o exemplo de um enfermo que, ao ver
9

uns homens correndo pela rua, logo lhe acode idéia de que aquilo significa o fim
do mundo. Ou de um outro que, ao entrar no ônibus, imediatamente percebe 0
,olhar fixo do cobrador, como que a dizer-lhe tacitamente que é um invertido.
Aqui, 0 caráter de vivência primária do primeiro exemplo é indubitável.
Mas O do segundo, menos nítido, presta-se a algumas discussões, em nosso entender.
Haja vista ao que, sobre isso, e fiel à doutrina de Jaspers, pôde ensinar-nos,
<:om insistência, Kurt Schneider, em tantos de seus inumeráveis e valiosos traba-
lhos a respeito, em cujas páginas nunca se cansa de acentuar que o verdadeiro
delírio deve ser concebido como "um estabelecimento de relações sem ensejo, não
oriundo de outras vivências, e claramente destacável de toda sorte de apreciações
falsas ou errôneas ( wahnhaften Irrtümern), nascidas compreensivelmente de dis-
timias ou de sobrevalências afetivas" • Assim, pois, não será exato falar em
10

percepção delirante, a propósito de alguém, por exemplo, que vá pesaroso e amar-


_gurado, caminhando à noite por uma rua, e que ao ver, de repente, apagarem-se
as luzes do quarteirão, sinta-se momentaneamente invadido pelo pressentimento
-de que alguma desgraça tenha acontecido à sua amada. É que tal vivência resulta
aí compreensível, em se tendo em conta o estado de ânimo, deprimido e ansioso,
<lesse indivíduo. O mesmo se pode dizer, talvez, daquele segundo exemplo, apon-
tado por López Ibor: vivência ainda passível, a nosso ver, de ser qualificada
como interpretação deliróide, por projeção do sentimento de culpa.
Urge, pois, neste ponto, tentar distinguir, com precisão, a verdadeira percep-
-ção delirante, base do que há muito se conhece por "delírio de observação", da
assim chamada "interpretação delirante" ou deliróide, substrato do quadro descri-
to em 1902, por Sérieux e Capgras, sob a denominação de - delírio de inter-
pretações. Teoricamente, e do ponto de vista fenomenológico, a distinção é fácil.
Na autêntica percepção delirante, a significação anormal característica, isto é, es-
tranha, simbólica, alusiva, está sempre adstrita e é, por iss~, coetánea do ato
perceptivo em si. Aí está por que Gruhle , que tanto enriqueceu o conhecimento
11

do problema, com sua larga experiência e acurado espírito crítico, achou preferível
.despojar o fenômeno, para evitar equívocos, de seu traço senso-perceptivo ima-
nente e designá-lo como "acontecimento ou consciência de significação". Na inter-
pretação, ao contrário, quer seja ela verdadeira ou falsa, normal ou anormal, a
-significação é sempre secundariamente atribuída ao objeto percebido, vale dizer, é
.algo dado a posteriori, até por vezes de imediato, é certo, nunca, porém, simul-
taneamente.
Nesse sentido, pode-se afirmar, sem hipérbole, que nos delírios ditos de
interpretações, não há propriamente interpretações, ou então, não se trata de de-

'9 Ver sua há pouco citada intervenção no Cong. de Paris (1950).


10 Esplêndida revisão crítica das contribuições da Psiquiatria de língua alemã
ao pro-
blema dos delírios, no período compreendido entre 1915/40 foi realizada por Gerhardt
Schmidt, em seu artigo: Der Wahn im Deutschsprachen Schiftem der Letzten 25 Jabre
Zentlb. f. d. g. Neurol. u. Psycht., 97, 1940). Veja-se, ademais, de K. Schneider Uber
den Wahn (Thieme, Stuttgart, 1952).
11 Dentre as suas múltiplas contribuições, em diversos setores, há que
destacar aqui,
especialmente, o seu - über den Wahn (Nervenarzt, 4, 1951).

466

í ·os verdadeiros. Estes são feitos, não de inte _
1/1,elações, que irrompem sem motivação externrpareta~oe s falsas da realidade, mas
oe o conexo- es s1gm · ·f·1cat1va · s novas na captação d f ou interna eompreens1ve, ,
1 origi-.
nand,_tere que t odo d el'1rio ! ou verdad . os ,atos da r ealid ade. De onde
· , 1o
· pr1mar
se lill h d . eiro e sempr d l' . d .
(Beziehungswa n, como o e~o.minam os alemães). Ess 1. e "e 1a ~rzo, e, _rela~ão
ive . para os chamados delmo s alucina tórios emb ªas nferenc e válida, 10•
duStrem , sempre part1cu armente evidentes nos d , . di · exoes a1udid as se
• 1 . , ora con -
mosseja, naqueIes cuJos . conteu, dos se articulam em e1mos _ tos de aut o-referencta .. . ,
' 1
re açao com a pessoa mesma
ou enfermo.
do .
Melhor que quanta·s outras explicações possam ser ad uz1'das será p
.. "
presentar, em sequencia, uns tantos exemplos ilustrati ,, cl' or c~rto,
a s.sa aquilatar do valor semiológico da vivência em estudos , atraveds o~ . quais se
. . ção 0 , a par as dificuld ades
pO
ue algumas vezes , ºferece a .sua correta 1'dentifica , . e 1mca. , .
q , , . _ , na pratica 1
Bastante t1p1cas, para começar,hsao as ocorrên cias referi'd Jaspers d e
" . . ' as por• . . ' .·
uroa sua doente, que ve na rua ·uns omens unifor.llllZados , e cone1UI, mcontm ent1
, · ,, L d' nif ·
"são soldados espanh01s . ogo -a 1ante~d vê outros , com . O s mesmos u armes '
· " - ld d
e pensa: sao so a os turcos; estao reuni os aqui; é uma guerra mundial».
Para um doente de Gruhle , esquizofrênico' a visa~o de " uma mesa com
· 'f' d
dos s1gm 1ca que to o mundo está maluco». Outro do mesmo au· tor,
pe's .tornea"A · l' · b ,. ,
escreve: o o~v1r o re o~~o ater tres horas, compreendi imediatamente que a
boné
minha hora havia chegado . Outra, ainda, de suas enfermas, relata: "O
:
vermelho do chefe-da-estação queria dizer: eu te reconheço". E mais adiante
"Mal chegara a Frankfurt, logo percebera que todo mundo ali já a conhec ia,,.
·. Um de nossos pacientes, jovem de 21 anos de idade, estudante universitário,
,
após haver ª!ravessado c~~-to .perí~o ~e secretas ruminações e desconfianças
condut a e à
começa a sentir-se alvo de mdiretas · e alusões tendenciosas,, à sua
er
sua pessoa, como se quisesem atribuir-lhe algo punível ou censurável, qualqu
io,
coisa de imoral ou de ilegal que, porventura, houvesse praticado. A princíp
se
neni sabia, ao certo, de que se tratava, e, menos ainda, quando, como e onde
que
originara, se entre os seus colegas da Faculdade ou mesmo na Pensão em
interio r. Acredi ta que
residia, havia mais de ano, pois seus pais moravam no
a
alguém da própria Pensão, talvez outro estudante, como ele, houvesse andado
suspeit o em suas
espioná-lo no banheiro ou houvesse notado qualquer vestígio
da
vestes, e logo se pusesse levianamente a "matraquear,,. É que ao contrário
recusan do-se a
maioria, mostrava-se sempre reservado, quanto às coisas do sexo,
s
acompanhar os colegas em suas idas aos bordéis, sempre sob diversas e variada
despert ar
alegações, e é provável que essa abstinência houvesse acabado por
em
curiosidade em torno de seus hábitos. Confessa que, de fato, masturbava-se
excesso "como tantos outros jovens, aliás,,, pois a verdade é que não lhe sobrava
t~mpo para conquistas, nem dinheiro para freqüentar mulheres públi~as. Mas
isso
n~o justificaria, afinal, o que "andavam espalhando"_ a ~~ r,..es~e1to, sem
que
at10asse com que fim. Percebia nitidamente na express ao f1S1ono m1ca d~s pessoas
com quem convivia, ora um ar de repulsa ou de desprezo, ora de b~~evola con-
descendência como se estivessem a considerá-lo "um pobre rapaz, v1C1ado, escra-
".
v~ado ao o~anismo e para sempre privado dos verd~deiros prazeres do s:~º
Nao conseguia saber qual a razão de ser de tudo_ aquilo: se eslava sendo,, v1tuna
de alguma perversidade ou se tudo não passava afmal, de pur,a palhaçada · ~as
o _certo é que se sentia hostilizado e ridicularizado, a um so tempo. _Com isso,
Pusera-se na defensivva, é lógico, retraindo-se e isolando-se cada vez mais. Parava

467
..0 onde só ia agora para dormir, fazendo a f.
roenos poss{ve1 na Pensa f qüen ' tava
as au1as, passando os d'ias a vagars re l'e1,--
fora; e também.
pelas ruas, em 1ar
P~;t ~blicos, ou perambulando de cinema em cincrn:º ltário
suas olheiras se acentuaram e aparecera-lhe urn. Com
"oes
,
st
. so emagrecera b~ ~ _e,f líveis,, que, a seu ver, denunciav
1s , nas roaos - , "smais m a am O seu " , _tremor
fino ..0 poderia sequer disf arçar. p arec1.a- lhe que v1c10 abo.
mtn. ávd" que J·á agora na tema de anedotas 11cenc . • O
1osas e pretexto par seu'Iheaso,
em certas r odas, torna ra-se d
. é que além de tu o, dev1a ·
estar passando pora p1 érias ·
d e mau- gosto . O
E pior do qu~ na rua, indivíduos desconhecidos e mal
covarde.
Ulwnamente, vinha. notan d provocad, ora ou camm • h
avaro ao seu encontro co radOs -enca
olhavam-no, embat1tu e al" e testa'r sua capac1ºdad e de
. " m es arro casu à reaça- o. Até ,me mo pa ra
1
simu ar u . antes fitavam-no, s vezes, com um o1har estranho srno mu
Iheres~ que nunc a vira , •
d -lhe algum aviso ou comurucar- e_ qua quer coisa 1h 1 . , como
·
se quisessem ar d r Certa feita, ao passar próx imo que, todav·
a um grupo de m ia,
não lograva enten e v·am animadamente, junto à entra da
azes que conversa . . . d de um edifício deOÇas e
rap t" que havia sido mJur b •
ia o, em voz aixa, e que todo o gru apar.
taroentos, dsen iupente numa gargalhada uníssona, que
espocara e re o deixara completame po
ºd d 'e arrasado ' Passara a noite . . . d 1 d d f
s1 era o · •f
,
6
imagman o um pano
· " · e e esa. Masntea
. d
partir e en ao, t- a "cam panh ·f·
a di amat ria mtensi icara-se, e passara a enxerga
. .
por t oda parte , alusõ es insul tuosas, pe1o rauvas e humiºlhantes a' sua pessoa ou r,
al uém de sua família: o título d e um filme de sucesso, •-
na ocas1!0, o cartaz dea
p!paganda de certo refrigerante e ~té os ve~sos ..de
uma cançao popular em
voga, qu e as casas de disco e as estaç oes de rádio nao se cansavam de transmitir
. . .. d . 1
várias vezes por dia, continham msm u~çoes esairosas, cara s o~ _ve1adas, a episó-'
dios de sua infância, já quase esquec~dos, ~ segredos
de fam1ha. qu: não sabe
como haviam sido descobertos, e _até as levi~nd~des de
uma _sua irma caçula, e
tida por predileta dos pais, envolvida nas peripécias de
um n01vado, compulsoria-
mente desfeito, com um "cafajeste", a quem consta que
se entregara ...
Esse caso exemplifica o desenvolvimento sorrateiro de
um delírio de relação,
egocêntrico, precedido, ao que parece, de certo traba lho
interior, preparatório, e
seguido do aparecimento insidioso de vivências anormais
delirantes, sem qualquer
evento desencadeante reconhecível, tudo gravitando, inici
almente, em torno dos
hábitos masturbatórios do paciente, à maneira .do que
se verifica em certo grupo
de sensitivo-paranóides, os Masturbantenwahn de Kretschm
er, variedade clínica de
seu famoso e impropriamente chamado "del írio sensitivo
de relação" ( sensitive
Beziehungswahn). Trata-se, porém, no exemplo, ora resum
ido, não propriamente
de interpretações deliróides de auto-referência, como a
princípio parecera, mas de
autêntico delírio primário de relação, com numerosas
conexões significativas de
auto:referência, imotivadas e absurdas, indicando isso
a direção evolutiva da en-
fer~idade, no sentido de uma esquizofrenia processual
paranóide, diagnóstico que,
efetivamente, não tardaria a ser formulado.
Como nô-lo ensina Kurt Schneider não sem certo exag
0nd ero como veremos.,
- e aparece O delírio verdadeiro, aí' se enco ntra a sintomáti
c~ esquizofrênica;
e mesmo à falta de etiologia demonstrável clinicame
prese_nte • 12 nte a esquizofrenia está
'

12
Além do seu ber d
Der Diagnose der O wh •
Sei . en . ª n (l~c. c1t.), • {t lo -
hâ que refer ir, a propósito, o cap u ,
Arzte (Thieme a {~f[)h reme, ~o hvro de sua autor ia; Psychiatrische Vorl~
2 zunge n fu
' · ' , traduzido em várias línguas, inclusive em portugues.
468
Mas já é tempo ?e .nos voltarmos agora para o estudo dos dois outros fenô-
me~os que, .cºf;l? foi dito ?epassagem, Jaspers eleva à categoria de vivências
dos quais denomina:
delirantes pr1mar1as, e ao pr1me1ro
_ b) Represent~ções Delir~ntes - Consistem estas na atribuição de significa-
çoes extravagantes, mv~rossíme1s e surpreendentes a certas reminiscências, que, de
reg;8, assaltam repentinamente o enfermo - lembranças fragmentárias de acon-
tecimentos remotos, ~uase. sempre reais ou pelo menos possíveis, embora evidente-
mente deformados, mclus1ve pelo próprio colorido especial que lhes adscreve o
doente1- ao relatá-l?s: Co~o ~xemplo, cita Jaspers o caso de certo paciente a
,. qu~m ocorre, .de subtto, a 1dé1a de que bem pode ser que ele seja filho do rei
1
LU1Z (da Baviera) e que, para corroborá-lo, refere a maneira com que o olhara
aquele monarca, do alto de sua montaria durante um desfile militar a que
assistira, havia várias dezenas de anos. ' '
~ssim caracterizado, guarda o fenômeno, tão-somente, uma relação longínqua
e indireta com o mundo das percepções, enquadrando-se preferentemente no grupo
das "representações espontâneas" (freisteigen Vorstellungen) . Com isso, porém,
toma-se forçoso reconhecer que nada tem de fácil, na prática, a justa detecção
objetiva, a adequada avaliação semiológica, de tal vivência, dada a possibilidade
de confusão, de um lado, com as interpretações deliróides, compreensíveis, de
falsas reminiscências; e de outro, com o terceiro tipo de vivências delirantes pri-
márias, que Jaspers especifica, e a que dá o nome de:
e) Cognições (Bewusstheiten) Delirantes13 - Sob essa designação, enterr,
dem-se certas convicções intuitivas, que surgem inesperadamente, sobretudo no
início de surtos psicóticos agudos, vivências que, não raro, se mantêm, arraigadas
e firmes, durante largo tempo. O característico dessas vivências é que, em con-
traste com as anteriores, elas prescindem, por completo, de conexões significativas
com quaisquer dados perceptivos ou representativos concretos, ocorrendo antes
à guisa de intuições puras atuais. É o que bem se evidencia no seguinte· relato
deste paciente de Gruhle:
"Súbito, escreve o enfermo, eu me dei conta de que a Situação significava
qualquer coisa de mau, mas eu não sabia o que".
O mesmo se verifica, neste outro exemplo, extraído também de Gruhle, em
que a paciente se revela repentinamente tomada da tranqüila convicção de sua
alta linhagem ( "Ela sabe que é filha do imperador Francisco José") , certeza que
se instala sob a f0rma de uma evidência interna imediata, isto é, que não lhe
advém de qualquer interpretação, suposição ou reflexão crítica ou lógica, referente
a acontecimentos vividos.
Permitimo-nos caracterizar, igualmente, como cognição delirante, a vivência
14
experimentada por certo paciente, citado por Elso Arruda , e que, acometido
de súbita alteração, saiu para a rua, dizendo: "Eu sou o filho da estrela d'Alva "..
Algumas vezes, contudo, essas cognições aparecem em estreita consonância:
com a temática delirante, ligando-se então, incidentalmente, a acontecimentos nela

13 Eis-nos aqui novamente às voltas com dificuldades idiomáticas, desta vez com res-
peito ao termo alemão Bewusstheit, derivado de Bewusstsein (consciência), e já algumas
vezes, literalmente traduzido por consciencité e por conscienciación, para o francês e para
o espanhol, respectivamente. Ao revés, cuidamos preferível adotar o vocábulo cognição,
já utilizado, em castelhano (cognición), na versão argentina da obra de Jaspers.
14 Vd. - Ensaio de Psicologia e Psicopatologia Husserlianas (Loc. cit.).

469
. . Tal é O que se observa, por exe~plo , com certo d
nnplicados. lin sob a denominação de "esnuuç adores da Bíbli ~entes, co
desdodeelKraedpeca~o referido por Jaspers, de certa jovem que aª I (Bibetf:rhecidos
a m eição o o Lázaro,' d t el , . ' o er scb
R de sente-~e, e repen ~' a propr1a, encarn d o episócliOer),
es~ur mã é Marta• Lazaro um primo
1.r·
d
seu; e passa a_ a na ,t'\;ssoa
enta0
h.o da
d
Marta· sua ' . como se fora sua , _a viver, e e
' . t sidade O acontecimento narra o,
g ran de m en ' d d- c~mteu'd'? _espec1·a1mente aos propr~a. e~Periê o~
d
. a Vivências dessa or em ao
int~al · ofetas e fundado res de seitas religiosa s, como os ehri0s tn' ~CJ.a
de 1 sos pr aparecem entre nos, , b d . . que d 1st1c0s
ainda so retu o no interior , emba· d, e quando etn
quan. do, m as suas "pre'dicas ,, e " m ilagres " . . . In o as Popula -
rurrus co d d . ( ,. çaeg
bém na erotoma nia ver a eira paranoi a erótica) co . _ d lir
Tam . d a aconteci.mentos fortui·t ' gruçoes e · ant
d m So brevir incidenta1mente I1ga as d .d d os cor I es
po e ,
quais passam a ser tido_s como pon!o , e par_tt a .ª. construção mó~bid reatos, Os
am, por st sos, razao suf1c1ente para a sua comp a, etnhora
d e nenhum modo, constitu · a1 K h , . D reensão.,
Assim como bem assm a retsc mer, a esse propos1to, em seu _ ·
' gswahn 15, o " suposto oIhar amoroso da prmcesa · " ( vermeintl'erh sen~ttive
Beziehun
blick der Prinzess in), com que o erotôma no. tantas vezes inicia O zc de Lzebes.
a1 ~u ~-
nada mais que um morden te merame nte ocas1on , assertiv a com qu st no, é
leno acordo. Aqui, como no caso da jovem leitora da Bíblia' ; eevento ªmos de
P . d d . - d 1· d e
questão atua apenas como m utor a cogmça o e irante, eflagrando e f omentandm
'd ·d 1' · · · Queremos dizer . o
a concatenação d e conteu os 1 eo og1cos preexistentes.. , com isso
que quando -ocorreu o ach a.d o d o,, trec h o b1'blico, ass1m como o episódio d " '
., 1m h . o su-
.
posto oIhar amoroso da prmcesa , -Jª provave ente avia delírio, senão
festo, pelo menos em fase de avançad a elaboraç ão. Daí, o valor incontras~~-
:atribuído pelos próprios paciente s a esses acicates, que tão bem condizem co~v '
conteúdos empíricos das vivências místicas ou eróticas da temática delirante. Ma~
precisamente neste ponto, é que se acentua a nossa dissidência, com respeito à
posição doutriná ria de Kretsch mer, que se recusa a aceitar, em tais casos, a pré-
existência de delírio, ativo ou potencia l, vale dizer precedid o de lenta fermenta-
ção subterrâ nea, até o momen to em que venha a emergir , com ou sem o concurso
dos fatores mencionados. Contrap ondo-se com efeito, a essa maneira de ver,
Kretschmer antecipa a objeção de que, se assim fosse, então seria mister conceituar
também como delirant es - a adolesce nte que se apaixon a por um cantor de ópera
ou o velho poeta pobre e fracassa do que se enche de amores por uma jovem
dama da alta sociedade, a quem vira, de relance, uma única vez, e que jamais
tomara sequer conheci mento de sua pessoa. Com essa objeção , Kretschmer revda
não haver assimilado a distinçã o essencia l entre idéias delirantes e deliróides, e,
portanto , a noção básica de delírio primário, fazendo por ignorar, mais ainda,__ ª
importância das famosas relações de compreensão ( verstandliche Zusammenhan-
gen), patentea das nos exemplo s citados, e sobre as quais tanto insistiram Jaspers
e seus seguidores.
. , d d 1· t os ardores
O ra, e, ev1.dente que mnguem se atreveri a a tachar e e tran es .d ve-
românticos, juvenis ou pressen is , de quantos ' a exempl o dos casos referi os, na-
nh , . de perso
am a enamorar-se, mais ou menos platonic amente , de toda especie

15
) existeJJl
Desse notável livro, cujo aparecim ento data de 1918 (Springer, Berlin '
.numerosas edições e traduções em várias línguas, inclusive em castelhano.

470
]idades proeminentes - celebridades artísticas aristocratas, milionários, etc. -
e que, em??rª. reconheci?amente inacessíveis, ~ontinuem sendo amados à distân-
cia ~. em silencio. E estribado nessa negativa, que ele próprio armara com notória
habilidade, Kretschmer passa então a desenvolver toda uma fina e brilhante dia-
lética, tend;nte a destruir a distinção, assentada por Kraepelin, entre desenvolvi-
mento autonomo (_Selbstentwicklung) e desenvolvimento racional ( Aussenentwi-
cklung), e n~ sen~i~o de desvalorizar o acontecimento externo ( Aussenerlebnis),
em favor da disposiçao caracteriológica básica e da vivência interna ( I nnenerlebnis),
na gênese dos delírios paranóicos.
Com isso, lança-se Kretschmer à elaboração de sua teoria sobre o "delírio
sensitivo", concepção que não tardou a ser vivamente refutada por Lange, como
o recorda . Mayer-Gross, em seu Relatório ao Congresso de Paris 16 • Sem chegar
a tanto, drremos que a posição aí sustentada por Kretschmer carece de validade,
tão-somente em relação aos casos em que há delírio primário ou verdadeiro; mas
não quanto aos querelantes e sensitivos, porque estes correspondem, não a pro-
cessos propriamente, e sim a desenvolvimentos paranóicos, e neles, a tramà de
idéias mórbidas resulta, em conseqüência, penetrável e compreensível. Daí que
não- se possa deixar de apoiar a ilação lógica, de Kretschmer, de que até mesmo
nesses casos, o acontecimento externo desencadeante tem significação apenas re-
lativa, por isso que, qualquer que seja, e com raras exceções, recebe sempre a
valência que lhe confere cada indivíduo, na situação.
Aí está por que também Kurt Schneider, pouco depois da publicação do
livro- de Kretschmer, veio, inclusive, a relatar um caso diagnosticado como "delírio
sensitivo de auto-referência", irrompido, ao que parece, sob a ação de "puras
causas internas" (aus reinem inneren Ursachen) 17 • É indubitável, contudo, e con-
tra isso devemos alertar-nos , de que pacientes :sq~izofrênicos ~º?:m igualm~nte
apresentar quadros querelantes ou d~ au!o-ref~rencia, tanto no inicio da manifes-
tações clínicas, como em estados res1dua1s, ate por vezes. acompanhados de pseu-
do-alucinações e paramnésias. . , ,., . . ,., . d
Faz-se mister acrescentar, ademais, que, alem dos ~res tl~s d~ ~1vencias e-
lirantes rimárias, que temos acabado de referir, mamfestaçoes v_arias, ~orno" ~s
p
que foram ev e
i'd nci·adas por Carl Schneiderd nas psicoses
d · processuai
s esqmzofrem
d t-
rrer na dependência da mu ança e execuçao 18pszquzca e .º a o
N , •

~:;n~::!z , ~:mo 'características formais da ª:iv_idade d~lirante • Os ardran7ods je


l - f ' não mediante a conexão log1ca e mais ou menos or ena a e
re aça?d aze~:ifi:: tivos empíricos anormais, e sim à custa da irrupção de signifi-
conteu os sig b d - d Hognigswald 19 .
cações puras, irracionais ou a sur as, na acepçao e

# bstante o alto mérito da maioria de suas contribuições


16 Cumpre obs~rvar ~ue, nao do Ma er-Gross (Psychopath<J!ogy o/ Delusions, Vol. I,
anteriores, o citado informe. e f' . ~ sob mais de um aspecto, nada acrescentando
Paris, 1950) afigurou-se-nos msu ;~~ens:~te-se, inclusive, o intento, que nã? sabemos bem
de novo ou de pessoal, a tal respe · G uhle (1915) 0 marco evolutivo das concep-
a que atribuir, de desloc;a.r, de Jasp:~~ Pvª:: te~am estancado em Kolle (1931). Pod~ ser
ções atuais sobre o dehno que ~ d . afinal a falecer em 1961, esse antigo e
q ue tendo emigrado para Dumf!1es, on e veIOe,rdi'do ~ontato durante certo tempo, com
denc1a é
' . • tra germâmco .houvesse P ' .
d í O reparo ora consignado, cuJa proce
A •

tão apreciado ps1qma


as novas aquisições da Fenomeno1ogia, e ª
fácil comprovar.
17 Apud. K._ Jaspers:
18 C. Schne1der: Psyc
:rc. 0
p
O o_giel
t Gen (Loc. cit.).
der S~hiz.Ophrenen (Loc. cit.).
•t (Capítulo XI).
19 Vd. Hõnigswald: Op. cit. oc. ci ·

471
Conhecer que essa posição de Carl Schn .d

Jropassívd é deixar de rede Jaspers e Gru hle,
o roais superando certas e1dif er
Permite
alg long e . qule da por este último que, em conseqüência tculd
ver d ssm
__,_rimenta as e a a a as tir insat1s . f ató . ades
A ssu.n , ' apel a
~.r -- - m noss
e . l o- sen
rias . e que, para G então'
explicsçoes, sem motivo é o uru , .
co traç o comum às dº ruhl e .
parade denomina vtn:_U adçda~..ante e passível ' isso
que 1aboraçao de per mit ir a distinção en1vtersas Ino.
dal1·dad es de e . .u.
f rma "d .
ções 1 eauvas, normai.s ou anormais ohre o
demais o
,um set\Tá \Ter.

dad~ 0~;,. delí rio
·
e as
de lo que qua ndo um tn • dº 'd
ivi uo norm al e .
E refere, à gutsa exemp , ' d · d • d . veis.
ntrarem em mm a o recmto, logo per bellrante
""'rsem1ido relatam que, ªºr: sen ça a única eter dife
r-_- e,- rença ent re eles está em ce eram o
roal-estar causado por ,
sua P
todos os 'mei.os, par a demo nstr ar e Just . que o •
roeiro se esforçara po; • ificar Pr1.
_ ocando a m1m1c , a os gest os, as palavras, atit ude s e comportamsuas con.
dusoes, ev
. tes ao que O segundo o ad m1t . . , . .
1ra a prtort, sem discuss~aento dOs
circunstan. , pass o b f
r1D1ente necess1·dade alguma de cor ro ,ora. r, com atos precisos . o e 1:-..1
que expe. d d G hl . e oh· .""u
· ostda e espertada · Mas • como o. propr10 ru e imediatamente Jet1vos, .
a anlDl tratar em qualquer dos dois casos, d e pes
nhe ces ese , . di soa que esteja sendoo reco. r al
' ºd por motivos po1íttcos, gamos, ent ao a situ - .
mente persegm a,
·dad l . l • ação se com lie .
e exp erimentada resu ta psico og1camente compree
porque a hostili
l nsível Pmca'
mo no caso do deli rant e~ em razão da ameaça rea que o cerca e , es-
, l . . . . ,. . d~ angú stia que
disso decOrre· Aqui' O zncompreenszve seria Just ame nte a mex 1ste nc1a de angu '
. as conseqüências. Enfim, · out ra dºf ºculdad e nften tar e' a
tia e su i 1 a e s-
à diferença entre O verdadeiro delfrio .
e as cren~as m ág1ca . . . . que concerne
ções modernas, para cuja solução, Gru hle
s pr1m1t1vas e supersti-
ren~nci~ a qua~quer tom a~ de posição
fenomenológica, recorrendo, antes, a uma exp
licaçao gen étic a, qual seJa a que con-
siste em levar em consideração o pad rão cult
ura l do gru po étni co e social, a que
pertence e de que procede o indivíduo, de
vez que , no verdadeiro delirante, as
analogias e relações simbólicas, por mais extr
ava gan tes que sejam, ocorrem inde-
pendente de sua inteligência e gra u de inst
ruç ão.
Foi, porém, sobretudo, à base da met odo log
ia e dos achados psicopatológicos
de Carl Schneider, que Kur t Kolle pôd e esta
bele cer, com exaustiva documentação,
a distinção fenomenol6gica fun dam enta l ent
re o ver dad eiro delírio paranóico e
o pseudodelírio dos querelantes20, con stit uin
do isso out ro pon to alto na evolução
das concepções atuais sobre o pro blem a.
Pro ced end o aí, efetivamente, à revisão
catamnéstica do material de KraepeJin, evid
enc iou Kol le, na formação delirante
paranóica, a presença das características form
ais, enc ont rad as por Carl Schneider
no delírio primário par anó ide e par afrê
nico , vale diz er - a fusã o (V erschmelzung),
ª suspensã
o (Schweben)) o descarrilhamento (Entgleisen
seln), etc. 21 - Tais fenômenos, inex iste ntes ), o disparatamento (Fa-
ent re os que rela ntes , expressam ª
alteração unitária do mod o de execução
psíquica do processo esquizofrênico, e
~parecem aí, ora isoladamente ora em con
hrant 1·unto tan to na pró pria formação de-
e em si,· como nos dem'ais sint oma s a
pseudo-alucinações, alomnésias, paramnésia~ ela' cor rela cion ado s ( a1ucm
· açoe,.,s,., e
e falsos reconhecimentos, alteraçoes

20
K Kolle· D·
21 A. isso 'á ze pr,m· ··
?re Verrucktheit (Thieme, Leipzig, 1931).
de voltar, Jco:osa ref~n;:1 ?S, de passagem, 1iavetn0'
volume qu no cap ítulo V do presente volu?Ie, c~ínica,
m n eia no
e a este se segue.devida, quando nos ocuparmos da sistemática

472
pensamentos, etc.) . Dentre
da consciência _do eu, sonoriz~ção e subtração dos
a que dá o nome de Letztheit
estes, fala-nos amd a Carl Schneider no fenômeno
ultimidade, "coisa última":
vocábul,? q~e, em nosso. idioma, significa literalmenteo temos entendido de uma
na realizaçao do conhecimento. Trata-se, se é que
e dos pensament~s, obser-
variedade de c?ncr:ti:m simbólico das representações não justificado, de algo,
0

vávd em esqmzofreruc~s, sob a forma de um "sab er",


ora sem dúvida concreto
até por vezes reconhecido como irreal e absurdo, emb
saber" advindo do conheci~
objetivo e palp_ável, para O enfermo; e isso, ao lado do
, o qual, todavia, tende
rnento perceptivo normal de um obje to real e presente vivencial do paciente.
do
sempre a esmaecer e a ocup ar o se~n do plano, no mun
à noite deitado em seu leito
Tal é o exemplo do doen te de L. Bmswanger, que
trilh ~, sobre os quais trafe~
na enfermaria, dizia ter a nítida impressão de que os
gavam ?s _bondes, se. desl ~ava m da :11ª e
penetravam em sua cabeça, através da
a, mas que se lhe impunha
1
jand a, idéia que sabia mutt o bem nao ser verdadeir
ecimento da realidade. Um
com gran de força, sobrepondo-se a todo o seu conh
seu caderno da anotações:
dos nossos pacientes, jovem esquizofrênico, escreve em
fato é que ontem, à tarde,
"Nã o sei dize r com o nem porq ue me veio isso. Mas o
re, num recanto do pátio,
já quase ao fim da visita, que se realizara, como semp
à sombra de enor me árvo re, vi-me, de repente,
invadido pela suspeita ( não, digo
ali estavam à minha frente
n:ial) pela certeza de que aqueles dois cavaleiros que
cunhado eram, em realidade
e que há tanto se faziam passar por meu pai e meu
talvez, pois tinham alguma
dois cínicos e rematados impostores. Seriam s6sias,
nego, mesmo porque, do
semelhança fisionômica com aqueles meus parentes, não que bem poderiam ser
nte,
contrário, não me teria m iludido. Admiti, nesse insta
ilad os a capricho ( fazem
dois agentes da Inte rpol , habilmente disfarç_ados e ~qu
r-me por _me suporem en-
cursos especiais para isso! ) e que apenas vmham vigia
outr o motivo. Contudo o
volvido em tráfi co de maconha, ou por qualquer
de continuar a tratá-los do
mais curioso é que essa conclusão não me impediu
do, pois, sem esforço, com
mesmo mod o com o se de nada desconfiasse, proceden
toda a natu ralid ade, conforme as regras do jogo."
~ ( Die Letztheit) de
Pelo que daí se depreende, caracteriza-se a "coisa final
perceptivo do fato presen~e,
Carl Schneider por uma forma de conhecimento não-
o fato, ocorrendo assim
ao lado do conhecimento perceptivo normal desse mesm cisão (Spaltung) da
duas formas simultâneas de saber, ? . <!ue implconh ica ~de nte
o fato,
_.cermo. Essa subd1visao do
· d o em:,
.,. cta
consc1en , ecunento de. um mesm .
eudo s perc eptiv os, e como cozsa
1 d · to é em função de seus cont b di d rimazia da
como cotsa aa a,r 1inde
·

final uer dize


s ,
pend ente diss o e, não o s:ant e, spu5 an ?. a P _
alter açao bas1c a da exec uçao
d, dq · d" ,' 1 absoluta só é possível merce da por C. Schneider.
ve~ a. e m iscuttve e aÍudimos anteriormente, definidos1933 e reimpressa
., . ,, "d
pszquzca, nos termos, a que aliosa "not a prevI ia d, apar eci a em '
E m sua pequ ena e v _ força de seu trágico e pre~
nao comp ~lta_ a, pouli~ de Moura 22 po"de aduzir
em 1943 , mas lamentavelmepnteiquia tra brasi eiro J pess o .
d •
maturo esaparec1mento,
0
,
i
d
05
d
e su
a casu ística oal,
t izar uma Letztheit.
0 prime ir<:>
Diz
dos
a
q1;1ai
pacre n-
s
alguns belos exemplos, e~tra co) pare ce-n os carac er
( delírio prim ário para frêm

Q e/antes (Reprodução do artigo de 1933,


:er Serv. Nac. de Doenças Mentais, Primeira
22 J. de Moura: Parafrenias,. ParanóiaÀerq. 0
ligeiramente modificado e amphado, em
Parte Vol. I, Rio, 1943).
473
te: "Ha, dois · Jesus ~ um e, perverso e procura se utilizar da minha
. do-à com propo:s1.tos libertinos); outro e' Jesus, o Bom Pasto Pess0
gum . r a (per
morreu cruel·f·t~a . d "
o . f rmal da fusão será , qu e é .. se,
tecimento o tal vez, dentre todos o . o qu
O aco n 'd •
•f'
e mais. f,ac il de 1 entl hicava.
r As sim
, um antigo paran01co o ma , mais f . e
, · d
. d or Kol1e ac a que O fato de haver ehcontrad ter1'al d reqüen.
revisa
..
oP , . de que seus m1m1. go . . • .
o um bes e -l~ 't1-.
aep te
ei:_
h
Brote en, era um aviso s continuariam a pers . rn ou ro
adente ao observar " a ac - d egu ort0 lllle1

pital. Esse ~desmo psua fic entuaçao to a especial,, o , lll 1.l


ba de admissão, fôra imed _no ho
pa1avr a nasci _o,. ·demque -am . h 'd iatamente lev d ª~ribuída s:
gan te cone 1usao e 1 ais seria recon eci o como pai. de aoa
f _
Na usao, os arra n,· ,.,
os-de-relaçao se fazem repe · seu filh Z! extrava,a
nt in o
gêneos, numa JUS . taposição absurda e m .
compreensive , 1 amen,te entre fatos· h
. u1ar significação e evi'dente l'd para nos outros , etero.
de paruc va i ez para o enfermo aco ' porem_ h .
_ de , . . , . mp
nao raro, outras caractet1st1cas psico
pato1ogicas, sobretudo, a an hande eia
. at me 'd
dzspar a nto, que· Carl Schnei er consi'dera, respe . sus p _ O-se,
expressões, categorial e fo l . f cti va m en te, co ensao e
rma , mais requ.. entes, . d mo d
Para exemplificá-lo, refere o pens~mento esquizofr sen O ao
. o caso de uma sua doen ênicos
estranho pensamento, que · e d te su bitam en te assaltad· ·
exprim . od
Cristo, como me'd'ico do l" E d o segumte m o: "E la vai casar-seªl?Or
so . da "q·ue,
pentear-se, diante do espelho . . ~ o~tra am d
, disse distraidamente: O estan o certa manhã coma
Singularmente claros e co pente traz o batismo"
ncisos são, todavia, os ex
ums, a seguir da citada "n emplos que reprod~ir.
ot
de um Parecer que Rui Ba a prévia" de Julio de Moura. Ei-los: "Por cau;a
rbos
desceu a 3" ... (Fusão sim a formulou sobre · a questão do seguro, 0 câmbio
ples, à base de uma falsif
Parecer jurídico sobre segu
ro, e sua correlação com a icação mnêmica, o suposto
que lhe é atribuída: caso im
de delírio primário parafrê aginária queda do câmbio,
mento de Infantaria ( então nico
sediado na Praia Vermelh ). "Sabe que o }<? 'Regi.
pital Psiquiátrico, onde o a, próximo ao antigo Hos-
paciente se achava interna
favor, porque ultimamente do)
tem desfilado, com freqü está trabalhando a seu
Calmeil" . . . ( Caso clinic ência, em frente à Seção
am
neste, a fusão se opera en ente análogo ao anterior, com a diferença de que
tre um dado perceptivo re
interno do doente, com a al, embora casual, e o estado
produção instantânea de
significação fortemente egoc um a
êntrica). "Nota que, quan conclusão inusitada e de
tá-lo, os outros doentes pa do sua genitora vem visi-
rece que aumentam de es
signo que ela tem no poleg tatura; isso é por causa do
ar direito e que se deno
( Aqui, a / usão se faz entre min
uma dismorfopsia e certa a "Arvore do ~e~"·· ·
momento, acompanhando-se s
de suspensão e disparatam lembranças ou ideias, ~e
primário esquizofrênico) . ento concomitante: delírio
No exemplo seguinte, do d
mesmo autor permitimo-
sas caracter,. istlcas, o aparecimento . , no s identi fic ar, alémEetse·
d
e paz com os homens, cru . . de uma Letztheit·. "Jesus deNazare'é oDº
cificado pela vontade do .
devido a razões de infâmia. Crist o Levy e do eus,
Jes~~ de ~a~~ré era ~lma
delmo pr1mat10 esquizofrê no
. . Cristo Levy é o Ente de
nico)
Es pa ço do Ente Apolo de Belvedere
guerra com os ~0
· · ·
ri:s~- d~
F' 1
_ma mente, em. um único ·
que tivemos oportunidade caso de paranó.ia pura, ~n
de conhecer, já então com dó ge~a
mais de vinte
º: pro ces
cinco anos'
5
ual

23
K. Kolle: Op, Cl·t ., 1OC, cit.

474
p
volução, tendo tido, ao que apuram os, quase dois decê • d
de te1·r da data em que viéram os a observá-lo, tudo se limitavamoàs ~ êsob_revd
nc1a
ida, a
e um
- "durad ouro e imutáv
. d e reIaçao, . extst
Par ·o primáno el resultante d .
s"
delfrl o as caracte rí sucas
· esta
' lin e acom
b e1ect'd as por Kraepe h mterna
e causas d d'
segu nd - d careza I d , pan an o-se e
" ..,.,pleta conser vaçao a e -or em no pensamento , na vontade e nas
cou• . • b f .
.., s" Esse pacien te, cuJa o servaçao d ora integralmente pub]i·cada em nossa
açoe · Concu rso para L'ivre-D ocente a Universidade do Ri·o d J . 24
de
r ese·ada em farto materi•al autob'10gra'f·1co ( d ocumentos pessoais anotaç-e ane1ro
'd , oes, d'á
. '
1 nos
apol . d , . à
cartas e parente s, queixa s e enuncias s autor1 ades, etc.), contava então 62 ano~
de idade, e adoecera,. segu~amente, aos 34 anos, isto é, ao tempo em que traba.
!hava como Engen heiro ~Judan te na Ço~iss ão ~iscai das Obras do Porto do
Pará ( 1911 ) , onde .exp~ri men tara os primei ros atr1 tos com O meio, exteriorizando
sinais de franca animos idade, em relação aos colegas e subordinados. Sendo sol,
teiro, fora interna 1o, algum t7mpo depois, por seu irmão mais velho, a princípio
em sanatór io particu lar no Rio, de onde, após haver sido submetido à perícia
psiquiátrico-forense para efeitos de interdição, veio, finalmente, a ser transferido
, . para a seção de pensio nistas do Hospit al Colônia de Vargem Alegre, onde se
achava interna do, embor a "sob os mais veementes protest os", desde 1924, e
onde nos foi dado entrar em contato pessoal com o enfermo, entre 1938-39.
Na seguin te carta em que envia pêsames à cunhada, após ter sido por ela
notificado da morte de seu irmão mais velho, deixa o paciente extravasar o
essencial de sua trama deliran te persecutória, a par da conservação de sua vida
afetiva, especia lmente quanto aos sentimentos éticos, nexos afetivos familiares e
inclusive deveres sociais, o que é tanto mais espantoso, quando se atenta em
que esta corresp ondênc ia está datada de 13 de março de 1935, isto é, após 24
anos do início da doença e 11 de internação no Hospit al Colônia de Vargem
Alegre. Ei-la:

"Preza da cunhad a e amiga, Lourencinha:


Só te escrevo, respon dendo ao telegrama em que me dás a triste notí~ia d?
falecimento de teu marido e meu irmão, Julião, porque sempre te cons1dere1,
uma mulher virtuos a. Fidelíssima esposa, que também desempenhou dignamente
os seus deveres de mãe.
Envio-te, pois, a ti e aos teus filhos, os meus mais sentidos pêsames."

Nore-se que, até aqui, nada se assinala de ª?orma l, a não ser aque~e "Só te
escrev o".. . 0 que parece indicar certo ressentimento por parte do enfermo e
su1:>seqüente 'afasta mento dos parente s, responsáveis por sua internação, como logo
adiante se conclui, quando prossegue: . , .
5
"Considero a morte de Julião incluída na volumosa e intermma~e! lt fa n_egra
das mortes misteriosas pratica das pela Igreja. Esta, com sua 1as1tucia, servil:1-s7
dele, que sempre fora ~m modelo de irmão e amigo dedicado e edia.'d0contra mim.
0
(Provável referência à sua interna ção.) E, depois, sentindo pedr_ (
triunfo e meu. per ao b
seu t:..a•
co?dserv açdao ~:
balho, matou-o para que ele após o meu . 1
O
que vira nos astl ores a J
dos sentime '
• ntos parent ais), não me viesse reve ar 0

24 1942) ·
Vd • Contrib uição ao Estudo Clinico da Paranóia (Rio,
475
a

. das inúmera& misérias da Igreja de São Pedro


aí o fim de u_ma cn·me'· Mas isto dacabará dentro em breve· Os,
I greJ·a· Eis . d e pratica O
.que prega ~ virtu e_ tados. Sentidos abraços o
<lias do Vaucano estao con Antero"

, d ao começar O terceiro parágrafo da carta, mostra 0


, · , a que se segue u1;1 pseudodelír.to expli-
Ja, ai,' ver, e primaria
como e. - e delirant
paciente uma _cogn~:odá apoio à trama delirant e persecu tória e possibilita a con-
cativo acess6r!o, dq teu'dos empíricos que a constituem. Em extensos doeu
.
conempresta a des1gnaçao e
os ue - d "Pedr P " b .
-catenação lógica. as retas , em como em
mentos pessoais,"Ca q fechadas" dirigidas ao Govern ador do Estado expõe 0
árias de suas artas ' . - Ih I '.
v . t longamente a história das persegu1çoes, que e move a greJa, "parte
pacren e d G ra dos Vinte e Cinco anos" (Docum ento datado de 21-9-1936)
mtegra1:te a uq:e alude, evidentementel ao início das hostilidades, de que s~
.ex:pressa o com . _
,.
·u1ga v1uma. Em meio ao rdato de suas utas incessan tes, escreve, entao, a certa
1 d · -
altura como para esclarecer e justificar as causas a persegu1çao:
"'A Igreja, tendo esgotado _todos _os meios, até os mai~ baixos e m,iorais, para
-corromper-me, e não o consegumdo, Jurou matar-me! E nao descansara, enquanto
não realizar o seu sinistro objetivo" ( 21-9-36 ).
Perseguido, assim, pela Igreja, através de seus prepost os e representantes,
-espalhados "por toda a superfície da Terra", infiltra~ os em um sem número de
instituições públicas ou privadas, que a ela prestav am servil obediência, rece-
bera o paciente a sua internação, como um "seqües tro", imposto pelo Vaticano,
e contra o qual não se rebelara, porque sabia que certame nte seria pior; e ainda
·_porque, provavelmente, ali, estaria menos exposto às provocações gerais e poderia
.defender-se melhor dos atentados contra a sua pessoa. Iniciand o então o relato
-de suas vicissitudes, escreve:
"Desde que, seqüestrado pela Igreja, dei entrada neste Hospita l" ...
E passa a narrar minuciosamente, uma a uma as sucessivas e infrutíferas
tentativas de eliminação, de que fora alvo, por parte da societas sceleris, que
-dirige o hospital, toda ela constituída de "prepos tos e sócios da Igreja, explorado-
ra, açambarcadora e administradora clandestina deste pântano social". E pros-
:segue:
"Desde. o Congre~so Eucarístico de Buenos Aires, principiaram a manifestar-
,se as tenta:1v_as de mmha eliminação, por intoxica ção e corrosão alimenta
r".
j Esse toxico ou corrosivo, que a Direção do hospita l fazia misturarfº aos'
l .alimentos
ró . , de sua pref ere?cia "' · - f rutas, ovos, pão, queijos, mel,. chá e por un _ª
.P pria agu~ _de sua mormga - era nada menos que "ácido oxálico" ' emd soluçao
a 40 % ' ad1c1onad0 ou 10st1 · ·1ad 0 , a f rio ou a quente conform e a quali ade d0
alim
en~o, mas sempre à sorrelfa , e gradativ amente ' em pequeníssimas doses,
.~:i: Ih
vida
dnao de~i:ertar suspeitas. Graças, porém à sua, vigilância constante e aos
previs~? e defesa inteligente que os s~s conhecimentos e experiências de
-de p e perm1t1am pôr em prática, vem podend o escapar ileso ' de uma infinidade
erversos atentado s d b " · ' o
d ' p que, re_ 0 ram de intensid ade e freqüencia, aPos
« movimento po ul
feita tendo solip ·t ªd e eti:opclis, ao entrar o ano de 193 5" ( ? ! ) . De certa
minada marca ci ,ª .º' por mtermédio da administração, um queijo, de det~-
receber um d ª umca que lhe parecia isenta de suspeição, tivera a surpresa , _e
, e outra marca, de outra fábrica, "com a declaração desnecessá!ta
476
que havia cust~do 15$0
.1,.
~ 00, número cabalí .
r,Jaquele mes~o dia.' e " d stico
areceu em sunbóhc~ e sem na a ter que fazer a -. um, cin .
ip n1'to ostentando visto af ro ~t os a atitude fazendoqui, o au co, três zeros' ,,
~uiu- , sa caixa encarnada d tomóvel da Casa Ba· .
, . 'dé' d po se
oo llleu espmto• a 1 1a a premeditação doe pneum't'cm frente à 1•anela d yer
ual
o q ' ostens 1
ivamente, em manife .
sta covardeªeico na · . trazeira e m·cuo•:me ... d
u
· "p · çã o terr . minoso atentado \.lll o
-0e • E con.c ui : h ' 01 provave1mente a Casa onsta revcri
J ,,

d B 1 , 'ed
Je que tanto se a
o .ta di usa o e abusado cont
ra ayer 'que fe ava a sua solidan com
d ' m·
fel ' alud n o as suas "cartas fechadas" em im, nesteorhneceu o ácido oxálicoa-
d "
aUtorida es, a guerdra de ms . 1'dias ' "verd ue
q d osp1.tal" . . . De outra'
...,anifesta a certeza e " e do d. av a co nh .
~ que, por obra da "inf a eiro caos" ec· 1mento oficial a's
i....
'b
repartiçoes pu .l'1cas ", su ilt r _ .' re ante no hosp,ital,
a correspondência estav açao e espionam
"Em segwda a cada um a sendo vi d gem da I .
a de minhas cartas f had O1 greJa nas
J
.,0cietas sceleris,
organizada contra mim
represe etc a~,
ª·
ª E escl~ece:
roeus olhos, os prmc1pa
1s assuntos nela tratad n ava simebopli·ca oucos dias depois, a
• • •
,
m
viam-se deles para tem
a de novas perversidad
os E
0
, e~te, di. ante dos
Em outro de seus "esc es.,, · · · ' que e pior
" rit ainda, ser-
t d C os in éd itos" ac us a nomi' alm
persona gra a o ardea1 L"
Para,,, (Estado nata1 d , e ca nd . ato
id ,
de ste a n ente Monsenhor M
. "d
onat ár10 ' d C . . · D·
"
arauto diabóli " d o pacie·nte -e daquele prelado) de a ap1tania do
. c? ,, as. ~aqumaç_oes , ·
r o mtermedian '.
"ratos de sacnsua e fié da Igreja, junto aos se di o 0
is cu mpridores de suas deter re tore s do hospi~al
e cum.plic1·dade d di r m ina ções Co
esses etores guardas improvisados Hi• m a coru·vencra
logo descobru. a serem . ,h os A

. po'lito e Cés
• '

.
ato,_ e d-a~ s: am
ex
'd -mann eu.os, vê m planei· ando fri, a e ten ar
assassm
a ~o re qu in d , azmente , que
te . e representar simbolicam
as suas !çoes cn ~ os as ente, dia ,o se u
cobertos . Mas, felizm , na ~oce_ e .ingênua ilusão de que jamais nte dele,
en se
bem de todos os povos, te, havia sinais de que nem tudo estava perd riam des-
cansados das exploraçõe ido. "Para
Reforma já levantou a s
sua onda na Espanha ( da Igreja, a força impetuosa da
1935), e não ficará
circunscrita aos seus lim alusão à guerra civil espanhola de
certo, escreve, que a ites
Igreja de Pedro desapa territoriais!. .. " "Tenho como
Lembrava-se então, mui recerá, dentro de poucos
to dia
"seqüestro" que lhe era bem, de que no mesmo ano em que decidira s" .. .
imposto, estando, certa ac
no Flamengo, notara qu vez, a assistir a um desfi eitar o
e le
ao local onde se encont os soldados haviam feito "alto", precisamente militar,
rava. E de que, quase em frente
que ali fazia evoluções ao
baixara o vôo bem em cim mesmo tempo, um avião militar
de que o próprio e~ér a
cito brasileiro estava do de sua cabeça. "Isso era a prova
provavelmente, a um seu lado e pretendia ele
alt
ocorridos há mais de o posto de Governo" . Relacionando_ agora ess vá-lo,
14 es
militar, entre Barra do anos com o recente acidente, havido com um fa~<:5,
Piraí ~ Ipiranga, cheg
prenúncio iniludível de ara à convicção de que aviao
sua próxima libertação. iss
ra~ga é um nome que sim - "Porque" - acr:scenta o" e~
- Ipi-
3c1dentada), marca segu boliza a liberdade e o número 326_ ~pre~ixo d~
ramente a data e a ho a;r
ra em que virao libertar ~nave

* * *
Do que acaba de ser su .
mariamente expo sto, e través dos diversos fragmen-
inferir que se trata de ª d 1, • unário de relação,
tos transcrito& : será lícito
egoce d
ntrico, r1g1 amente sis
A • • •
· tem · d · talado um e ir~odirríd de instrução
ati em um
superior, em meio a terceira décadazadao,vi~s d m v uO
da, e conserva o, com todas as suas carac-

477
assim a
terísticas iniciais, duran te mais de quarenta anos de evolução, revalidando nte
noção clássica, assentada desde Kraft-Ebbing e Kraepelin, da "terminação delira
do
crônica, inexorável" da paranóia genuína. Há informes seguros por parte de
anos·
Corpo Clínico do Hospital de que somente ao aproximar-se dos 76 ento
idade, é que esse paciente viera a apresentar nítido descenso de seu rendim
ário
intelectual, exteriorizando então, como seria natural, sinais de um estado deficit ta
de tipo orgânico-cerebral senil, não muito pronunciado. No que respeias
aram
ao início do processo psicótico, os atritos com o meio, que levant am
primeiras suspeitas, acerca de sua integridade mental, de nenhum modo poderi já
cimen to's
ser tidos como agentes causais ou desencadeanus, e sim, como aconte
" ·O
reveladores da anormalidade, que se vinha desenvolvendo automaticamente.
sa pór
caráte r primário iniludível das vivências delirantes apresentadas dispen
apurar,
si só qualq uer discussão, a respeito. Embora nada se tenha podido •. do
quand o a dados de herança e quant o à personalidade total pré-psicótica
com-
enfermo, que não era visitado e cuja família se extinguira ou se dispersara
mais que
pletam ente, ao longo dos anos, os elementos disponíveis mostraram-se
que o
suficientes para caracterizar a existência de um delírio de perseguições, em
seus
perseguidor, identificado em uma entidade única, a Igreja, fazia sentir
de ·cele-
maléficos propó sitos, através extensa rede de algozes a seu serviço, e
ndo-:o
rados de toda espécie, que não lhe davam um só instan te de trégua, obriga
de fun-
a defender-se contin uamen te de suas artimanhas. A par da imutabilida
io ex-
damen tal das idéias delirantes persecutórias, observa-se um pseudodelír
rvação · de
plicat ivo acessório bastan te desenvolvido, em razão da perfei ta conse
seus es·cri-
sua capacidade lógica e crítica, e visto tratar-se, como bem o denot am
o seu
tos, de pacien te lúcido, orden ado, atento , orientado e sintonizado com
de vi-
ambie nte imedi ato. O delírio persecutório é todo ele edificado à base
tíveis,
vências primá rias, pssicologicamente incompreensíveis, impenetráveis e irredu
s a atos
em que repon tam, a cada instan te, acontecimentos de significação, ligado
1-5-000, e
de percep ção norma l ( "senti do cabalístico",, atribu ído ao núme ro
atitud e"
prenu nciad or ao 3-2-6, prefix o do avião sinistrado; simbólica e afront osa
os demais
do carro de entreg a de medicamentos da Casa Bayer, com
visando à
porme nores referi dos; "repre sentaç ões simbólicas" de atos criminosos,
( con-
sua eliminação, etc.); bem como numerosas co;gnições espontâneas atuais
de tudo o
vicção do assassínio do irmão , da violação de sua correspondência,
envolvidas,
que concerne à "camp anha do ácido oxálico" e das pessoas nela
acionados
etc.); e um sem núme ro de fusões, em que são mobilizados e correl
es, e inclu-
abrup tamen te acont ecime ntos hetero gêneo s, tanto remot os como recent
conteúdo
sive alomnésias e param nésias , vividas retros pectiv ament e, em funçã o do
de Buenos
empírico da fábula delira nte ( relação entre o Congr esso Eucar ístico
intensificada
Aires, por exemp lo, e o início da "camp anha do ácido oxálic o",
a civil espa-
após um supos to "mov iment o popul ar de Petró polis" ; entre a guerr
e entre
nhola, os episódios do desfil e milita r, f! que assistira, havia muito s anos
de sua
ambos e a recen te queda do avião próxi mo a Ipiran ga, prenú ncios
io, que
imine nte liberta ção, após a derroc ada da Igreja , etc.). O pseud odelír
conju nto de
serve de supor te a essa estrut ura persec utória , é const ituído por um
elevação do
idéias deliróides, sobre tudo de grand eza, acomp anhad as de certa
ntada s por
humo r, com forte predo mínio de repres entaçõ es catatí micas , alime
leto, a des-
mocanism06 de racionalização e projeç ão. Faltam , porém , por comp

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. da natura l insistê ncia com que foram e .
diferen tes fases de suxau~d ttvamente pesquisadas , por m e10s .
pedi1totos e indiret os, em . a v1 a e de
re d l • - . nossos contatos pessoais·
a1 cinações, pseu o-a ucmaço es, dismor fopsias (
u adente supunh a caracte rizar os efeitos da "i ~s ~tnt~mas subjetivos, com qu;
-0__/! ou-se que eram distúrb ios dispép ticos ligndoxic~çao_ pelo ácido. oxálico" , ve-
r111c te favorec i'dos pel o genero " '
d e alimen tação aq os a. h1percl 'd
h ori na e provavel-
. - ue vm a adot ando ) . També m
,., nos f01. d a d o o servar sonorzz açao ou subtra - d
Jl'.len b
0
ª:os comple xos .de . influên cia, de conteú dos m fª? e pe~sa~ entos, nem fenô-
Jl'.l:adros deliran tes . parafrê nicos e paranó ides. O ~:~is d e cosmicos, próprios dos
O
P_fnsam:nto era normal
q ra todos os fatos estranh os ao delírio . Ausênc ia d
~a linguag em, de sinais da série catatôn ica bem come dª t
01 st
ªçoes de confusão
afetividade e da vontad e. Finalm ente, e ao'lado disso º_e ª teraçõe s _primárias da
.1a p.·e rsonali dade, que em vários decênio s de evolução trunter . ~ conservaçao_durado ura
. l . d' . d d f' h rupta >h nao exte .
o e e m amento psíquic o p . . . . no-
rizou O mais eve m 1c10
paranó ia persecu~órtar.nupte-nos OJe r?dtif1ca r,
em toda linha, o diagnó stico de , f ura, no senti o de
I(raepelin-K o IIe, conforme o h aviamo s ormula do e sustentªd o, ali,as, em nossa
já citada Tese-d e-Docê ncia, em 1942.

3 - CLAS SIFIC AÇÃO GERA L DOS DELfRIOS 1


Desde há quase· um século, ao que se saiba, vem-se buscando com insistênci

erigir em base sólida, e sob critério unívoc o, uma classificação g~ral dos delírio:
tarefa a que se devota ram, com empen ho, psiquia tras renoma dos solxetu do'
franceses e italian os, a exemp lo de Gerent e, Magnan, Morselli, T;nzi e Riva
Regis, Seglas, Dide e Guirau d, Ball e Ritti. . . e tantos mais. É verdade qu~
muitas das "classi ficaçõe s" então propos tas não passavam de meras enumerações
posto que se ressent iam, no mais das vezes> como era natural , de um princíp io or~
denador, unitári o, central e onipres ente, apoiado , por seu turno, em um feixe de
conhecimentos incontr overso s, claros e decisivos, sobre o assunto.
Não cremos , bem entend ido, que a esta altura estejamos já de posse de
elementos que nos levem a alcança r aqui critério livre de objeções, e nos facultem
empree nder, com desenv oltura, uma classificação mais rigorosa e sistemática da
atividade deliran te. Receam os, mais ainda, que talvez tão cedo não estejamos
e
equipados dos instrum entos necessá rios, que nos permita m testar, com precisão
segurança, os núcleo s fundam entais do problem a, em meio a riqueza e diversidade
a
de perspec tivas, nele implica das e subente ndidas. Po; isso, e visan~o apen,as_
~
oferecer ao leitor inician te nada mais que uma tentativ a de ordenaça? metod1c
e atualizada da matéri a, ensaiar emos também , por nossa parte, conside rar aqw 1
ª for~aç ã? deliran te em geral, à luz, a um só_ te~po, ~as id~ias c~rac!erísticas que
lhe sao atment es a saber - substân cia constlt utlva primordial, d1reçao, estrutu ra,
curso evoluti vo ~ modali dades de apresen tação ( temas típicos )· 0
Assim, quanto à substân cia primor dial, de que são feitos o_s de~rios, ~ ~m
que ~ão elabora dos, disting uiremo s: a) delírio dito intuitiv o, isto e, c?nStttmdo
e
~r ~nt:1ições mórbid as espont âneas, por bruscoss e ~~tra1:1hos. pr~ssentunento_s
on~icçoes, tão descab idas quanto arraiga das; b) deh;1? tmagt~at:vo, quer diz:r
nutrido ou foment ado por intensa ativida de fabul~t~:ma, fant~s.uca,. ª ~ue nao
fal~am geralm ente as ilusões e alucinações da memoria; c) delírio dtto mterp1:_e-
e absu rd ªs relaçoes
tatzvo ou de observa ção, constit uído por surpree ndentes
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