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FOLHA DE S.PAULO * = * TENDENCIAS / DEBATES fotha.com/tendencias dabstes@srupototha.com.br (Gz areigor pubicados com aecinatura nso traguzer 3 opin do nal. Sua publeacio obedece 20 propéeito de escimular Sobre lobos, cordeiros e urnas Fabula remete a inusitada situacao do Brasil hoje Ricardo Lewandowski IMinistro de Supremo Wibunal Federal e professor tiutar de {Teoria do estado da Facudase de Direta da USP” As fabulas constituem um género li: terario, de cunho popular, dissemi- nado de boca a boca por diferentes 1s desde a mais remota antigui dade. Elas t¢m como personagens animais com caracteristicas huma- nas, Cujas agoes refletem os defei- toseasvirtudes das pessoas. Desde a origem, foram empregadas para criticar ricos e poderosos por meio de sdtiras e alegorias, culminando, usualmente, com uma frase que en: cerra uma ligao de moral. ‘Atribui-se a paternidade dessas narrativas ao escritor Esopo, que viveuna Grécia Antiga (620 3.C-564 a.C.), Sua vasta obraserviude inspi- ragao, além de outros, ao ensaistaro- mano Fedro (20a.C-50d.C.) eao lite rato francés La Fontaine (1621-1695), que reescreveram, com tragos est listicos proprios, algumas das his torietas do autor grego, dentre as quais uma das mais famosas, inti tulada “O Lobo ¢ 0 Cordeiro’, gros somodo abalxo reproduzida, Em um pequeno corrego, bebia gua um lobo faminto, quando se aproximou mais abaixo um cordei ro, que também comecou a beber. Com um olhar ameagador e den- tes arreganhados, o lobo grunhiu: “Como vocé ousa turvar a gua on- de bebo? Ocordeiro, humildemente, redar guiu. "Euestouabaixo dacorrenteza &, por isso, nao poderia sujar a sua gua” O lobo, enraivecido, rosnou. “Seja como for, sei que voce andou falando mal de mim no ano pasado" Ocordeizo, tremendo de medo, re trucou: “Nao € possivel, no ano) Sado, ew ainda nao tinka nascido” © lobo, pego de surpresa, repli cou. “Se nito foi vocé, foi seu irmio, © que di no mesmo? Apavorado, 0 cordeiro defendew se,maisumavez, yuindo: "Eu nao tenho irmao, Sou filo unico” Jasalivando, olobo rezingou: “Entio, foialguém quevo- cé conhece, um outro cordeiro, um pastor ou um dos ces que cuidam do rebanho”. E, saltando sobre ele, devorou-o. Moral da histéria: quem pretende usar a forga nao se sensibiliza com nenhum argumento. Estavelha fabularemete-nosainu- sitada situacdovivida atualmente no Brasil, na qual agentes governamen- tais, secundados por integrantes de estamentos armados —a0 que se sa- be, minoritarios- colocam em dti Urnas eletronicas, que 25 anos captam e computam, sem maiores contestacées, 0s votos dos eleitores brasileiros. ‘Quem acompanha essa polémica, no minimo farsesca, constata estu- pefato que, acada refutacio oferta da por juristas e técnicos em infor miitica, os detratores de nosso pro- cesso eleitoral, respeitado pela gran- demaioria dos cidadaos brasileiros eadmirado pela comunidade inter nacional, articulam renovadas ca vilagdes para solapar a credibilida jo pleito que se avizinha, coma Soon pa velnds Ge repetesr o'seu sultado, caso os candidatos pel guais externam despudorada pre- sréncia nao se sagrem vencedores. Ocorre que, desta feita, contrari na, os lobos nao Kevarao a melhor, ok mais que elaborem sofismas ¢ Ecce calmer avotar —os quais de cordeiros nao temnada— escaldadospelosincon. taveisretrocessosinstitucionaisque maculama crénica politica nacional, certamente haverao de fazer preva. lecer a sua vontade soberana. ‘A moral dessa nova narrativa tal- vex possa ser sintetizada na sem- pre oportuna adverténcia de Ulys seemmultiddes, reclamouarestau- ragao democratica, a justica sociale a dignidade do Estado.

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