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LUIZ FERNANDO DA SILVEIRA MELLO MAIA

MATRÍCULA 2120038

O PROCESSO PENAL E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DA


INOCÊNCIA

PORTO ALEGRE
2022
1. INTRODUÇÃO

O princípio da Presunção de Inocência constitui um dos princípios basilares


do Direito brasileiro, sendo previsto no Texto Maior pelo art. 5º, LVII , que dispõe:
“ninguém será considerado culpado até trânsito em julgado de sentença penal
condenatória”, devendo assim toda a legislação infraconstitucional obedecer tal
princípio.

Este fundamento se desdobra duas vertentes, a primeira delas diz respeito ao


tratamento do acusado que deve ser considerado inocente durante todo o decorrer
do processo, do início ao trânsito em julgado da decisão final; o segundo
desdobramento diz respeito ao ônus probatório, eis que é de responsabilidade dos
acusadores o encargo de provar as alegações da denúncia, vez que a regra é que
este é inocente, assim, tais desdobramentos estabelecem garantias individuais
fundamentais e inafastáveis, questões que garantem um Estado Democrático de
Direito.

Neste sentido, cabe frisar também que o princípio do Estado de Inocência ou


Presunção da não culpabilidade é consagrado por diversos diplomas internacionais
tais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 em seu artigo XI,
dispõe: “Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida
inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em
julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias
necessárias à sua defesa”.

Ainda, é consagrado pela Convenção Americana Sobre os Direitos


Humanos/Pacto de San José da Costa Rica, em seu artigo 8º, 2, diz: “Toda pessoa
acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se
comprove legalmente sua culpa”; a Constituição Federal (CF) no inciso LVII do artigo
5º diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença
penal condenatória”, garantindo a premissa maior de que até o transito em julgado
da sentença penal o réu será considerado inocente.
Neste condão, presumir inocente o réu não o considerando culpado são
métodos utilizados pelo direito penal brasileiro a fim de assegurar, mesmo que o
acusado venha a ser preso em flagrante e ter confessado o crime, por exemplo, a
responder a uma investigação, a um devido processo legal devendo ser tratado
como se inocente fosse.

2. DESENVOLVIMENTO

A Presunção de Inocência foi consagrada pela Declaração de Direitos do


Homem e do Cidadão, de 1789, cujo art. 9° proclamava o duplo significado do
preceito idealizado pela Assembléia Nacional Francesa “Artigo 9º- Todo o acusado
se presume inocente até ser declarado culpado e, se se julgar indispensável
prendê-lo, todo o rigor não necessário à guarda da sua pessoa, deverá ser
severamente reprimido pela Lei.”1

De outra banda, a regra processual, segundo tal princípio é de que o acusado


não é obrigado a fornecer provas de sua inocência, vez que é presumida, bem como
a regra de tratamento advinda deste mesmo princípio determina a adoção de
medidas restritivas da liberdade do acusado apenas em os casos de absoluta
necessidade (Código de Processo Civil, em seu artigo 333).

Como bem salienta Alexandra Vilela:

O in dubio está directamente ligado à questão da produção da prova e da


distribuição do ónus da prova, por um lado, e que, por outro lado, uma das
mais importantes consequências da presunção de inocência se revela na
não necessidade do argüido provar a sua inocência para ser absolvido,
concluindo-se, em conseqüência que ambos os princípios actuam sobre o
mesmo campo, neste caso o da prova‖2

Neste sentido, surge o princípio amparado constitucionalmente no art. 5º,


LVII como norma jurídica descrita como direito fundamental do homem sendo assim
segundo Leonardo Martins, um dispositivo constitucional de caráter normativo
supremo dentro do Estado de Direito, tendo como finalidade a limitação do exercício
do poder estatal em face da liberdade individual3.
1
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DE 1789. Disponível em:
<https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/414/2018/10/1789.pdf> Acesso em 25 de abril de 2022.
2
VILELA, op.cit., p.78.
3
DIMITRI, Dimoulis; MARTINS, Leonardo. Teorias Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo:
Assim, disserta Francisco Gilney Bezerra de Carvalho Ferreira que os direitos
fundamentais são divididos em gerações criadas em 1979 pelo polonês Karel Vasak
e difundida pelo italiano Norberto Bobbio, surgindo gradativamente a partir de fatos
históricos relacionados à evolução da teoria constitucional, sendo que, um geração
não substitui a outra.4

As dimensões dos direitos fundamentais, consolidada pelo jurista Karel


Vasakformulou, em sua aula inaugural do Curso do Instituto Internacional dos
Direitos do Homem, baseadas na bandeira francesa que simboliza a liberdade, a
igualdade e a fraternidade expuseram a respeito das gerações dos direitos
fundamentais de forma que a primeira geração dos direitos seriam dos direitos civis
e políticos, fundamentados na liberdade (libertiné), que tiveram origem na revolução
francesa; a segunda geração, seria a dos direitos econômicos sociais e culturais,
baseados na igualdade (Égalite), impulsionada pela revolução industrial; Por fim, a
terceira geração que seria a dos direitos de solidariedade, especialmente o direito ao
desenvolvimento, à paz e ao meio ambiente (fraternité).5

A expressão “gerações” de direitos fundamentais, muitas vezes, poderá


implicar a ideia de exclusão dos demais direitos, estando separados dos
anteriores,substituindo por completo o primeiro rol de direitos, pensamento
totalmente errôneo, gerando críticas a respeito da terminologia.

Neste sentido, Sarlet verifica o dissídio na terminologia da divergência de


opiniões no que concerne a ideia de concepção de três (ou mais) gerações dos
direitos fundamentais , no sentido de que estes, possuem o reconhecimento formal
nas primeiras Constituições escritas dos clássicos direitos de matriz
liberal-burguesa, porém encontram-se em constante processo de transformação,

Editora Revista dos Tribunais, 2007.p 54


4
FERREIRA, Francisco Gilney Bezerra de Carvalho. Direitos e garantias fundamentais - já
podemos falar em quarta e quinta dimensões?.Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/26078/direitos-e-garantias-fundamentais-ja-podemos-falar-em-quarta-e-qui
nta-dimensoes> Acesso: 26 de abril de 2022.
5
MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1999. P. 40
cujo o conteúdo é tão variável quanto as transformações ocorridas na realidade
social, política, cultural e econômica ao longo dos tempos.6

Assim sendo, a teoria dimensional dos direitos fundamentais determina a


indivisibilidade no contexto do direito constitucional interno e, de modo especial, na
esfera do moderno “Direito Internacional dos Direitos Humanos”, logo, o princípio da
presunção de inocência está ligado diretamente com a limitação do poder estatal em
punir o acusado, assim como as duas primeiras gerações dos direitos fundamentais.

Como bem refere Paulo Bonavides, a garantia constitucional deve ser


entendida

[...] não somente como garantia prática do direito subjetivo, garantia que de
perto sempre o circunda toda vez que a uma cláusula declaratória do direito
corresponde a respectiva cláusula assecuratória, se não também como o
próprio instrumento (remédio jurisdicional) que faz a eficácia, a segurança e
a proteção do direito violado.7

Sintetizando, com Aury Lopes Júnior, o princípio da inocência na vertente aqui


tratada:
(...) exige uma proteção contra a publicidade abusiva e a estigmatização
(precoce) do réu. Significa dizer que a presunção de inocência (e também
as garantias constitucionais da imagem, dignidade e privacidade) deve ser
utilizada como verdadeiros limites democráticos à abusiva exploração
midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo judicial. O bizarro
espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser coibido pela eficácia
da presunção de inocência. (LOPES JR., 2010, v. I, p. 188)

Alexandra Vilela, ao comentar o posicionamento da escola clássica, forte nos


ensinamentos de Carrara, aduz:

Deste jeito, a presunção de inocência é encarada como um postulado


fundamental, de que parte a ciência penal nos seus estudos acerca do
processo penal, de tal forma que se manifestará inexoravelmente naquele,
seja ao nível das regras de competência, seja na legal, completa e
atempada notificação, seja na moderação a ter em conta aquando da prisão
preventiva, seja ao nível da matéria de prova, seja ao nível da prudência

6
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos
fundamentais na perspectiva constitucional. 11.ed. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2012. p. 53
7
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 532.
que deverá estar presente aquando da audição das testemunhas, seja nas
condições de legalidade para obtenção da confissão (...).8

Logo, o acusado pode, por exemplo, em seu interrogatório, afirmar que agiu
em legítima defesa e nada mais declarar, calando-se, neste momento a acusação
(Ministério Público ou querelante) ainda assim deverá comprovar os fatos alegados
na denúncia, ficando neste caso o réu até mesmo beneficiado pela confissão.

Ocorre que o direito penal brasileiro, conforme já mencionado transferir o


ônus da prova ao acusador, vez que haveria Presunção de Inocência se o réu se
calasse por completo, nada dizendo.

Outrossim, cabe mencionar que o princípio da presunção de inocência


também está amparado no direito internacional tal como na Declaração dos Direitos
do Homem e do Cidadão, aprovada pela ONU em 1948, dispõe em seu art. 11.1 que
"toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência
enquanto não se prove sua culpabilidade, conforme a lei e em juízo público no qual
sejam asseguradas todas as garantias necessárias à defesa".9

Tal princípio também está amparado no Pacto Internacional sobre os Direitos


Civis e Políticos, assinado pela Assembléia Geral da ONU, em 1966, que além de
reafirmar o princípio da Presunção de Inocência (art. 14.2), trata detalhadamente
acerca das garantias da pessoa acusada (art. 14.3)10

Ademais, a Convenção sobre Direitos Humanos, assinada na Conferência de


San José, Costa Rica, em 1969 ("Pacto de San José de Costa Rica"), subscrita por
nosso país, assegurou a Presunção de Inocência, em seu art. 8°, ao afirmar que

8
VILELA, Alexandra. Considerações Acerca da Presunção de Inocência em Direito Processual Penal.
Coimbra: Coimbra, 2000, p.38
9
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DE 1789. Disponível em:
<https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/414/2018/10/1789.pdf>. Acesso 26 de abril de 2022.
10
PROCESSO JUSTO: O ÔNUS DA PROVA À LUZ DOS PRINCÍPIOS DA PRESUNÇÃO DE
INOCÊNCIA E DO IN DUBIO PRO REO.Disponível:
<file:///C:/Users/Windows%2010/Downloads/23103-74569-1-PB%20(4).pdf>. Disponível: 26 de abril
de 2022.
"(...) toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência,
enquanto não se comprove legalmente sua culpa"

Assim, de forma a não esgotar os dispositivos internacionais cabe sempre


frisar que a partir da inclusão dos preceitos básicos do direito processual nos textos
internacionais, principalmente pós guerra, que o princípio da Presunção de
Inocência adquiriu status de verdadeira condição ao exercício da repressão no
Estado de Direito.

PRISÃO EM SEGUNDA INSTÂNCIA E PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

Analisando ainda o texto constitucional, para além do princípio da presunção


de inocência o art. 5º, em especial o inciso LXI, conclui-se que a pena privativa de
liberdade se divide em duas modalidades: prisão em flagrante (cautelar) e prisão por
sentença penal condenatória transitada em julgado. Porém, a prisão em flagrante é
apenas uma das espécies de prisão cautelar, sendo possível outras espécies que
serão tratadas adiante.

Em 2016, no julgamento do Habeas Corpus 126.292 o Supremo Tribunal


Federal modificou o entendimento que havia consolidado em 2009, a respeito da
possibilidade de executar provisoriamente a pena, antes do trânsito em julgado da
condenação penal. Em 2018, a Suprema Corte brasileira posicionou-se novamente
no sentido de permitir a execução provisória da pena, no julgamento do Habeas
Corpus 152.752.

No ano de 2019, o Supremo Tribunal Federal concluiu não caber prisão antes do
trânsito em julgado da sentença, ou seja, após a condenação em segunda instância
não poderá o réu ser submetido a execução provisória da pena, só podendo a prisão
ocorrer após o esgotamento de todas as vias recursais cabíveis.

Contudo, em relação aos crimes julgados pelo júri, embora muito criticada pelos
criminalistas a respeito deste trecho do pacote “anticrime”, é aceita a prisão após
decisão condenatória, em virtude do princípio da soberania dos vereditos do júri.
A Constituição prevê a competência do Tribunal do Júri para o julgamento de
crimes dolosos contra a vida (CF, art. 5º, XXXVIII).

Segundo o RE 1235340 / SC “A soberania dos veredictos do Tribunal do Júri


autoriza a imediata execução de condenação imposta pelo corpo de jurados,
independentemente do total da pena aplicada”

Com base no princípio da presunção de inocência ou não culpabilidade que se


encontra previsto no inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal, que é vista
como uma cláusula pétrea em nosso ordenamento jurídico, tornando-o uma garantia
individual e fundamental, bem como, ante ao princípio da dignidade da pessoa
humana, tendo em vista a privação da liberdade do réu sem uma sentença penal
condenatória tendo transitado em julgado, poderá mais a frente ser absolvido,
causando a desnecessidade da prisão e uma instabilidade jurídica.

Ademais, o que se leva em consideração na prisão após julgamento do júri, é


que pelo princípio constitucional da soberania dos veredictos, é impossível a
recorribilidade plena

Por fim, o Código Penal determina em seu art. 32, inciso I, que a pena privativa
de liberdade pode ser aplicada de duas formas: a reclusão e a detenção, conforme
exposto no art. 33-A da legislação supracitada, e dele é possível extrair que a
reclusão é a pena de prisão aplicada a punição dos delitos de maior gravidade, uma
vez impõe ao condenado, inicialmente, o regime mais severo, enquanto na detenção
é o contrário, se aplica para situações menos gravosas, e em início no regime
menos severo, embora seja possível a regressão.

CONCLUSÃO

Neste sentido, o valor normativo hierarquicamente superior da Constituição


Federal faz dela um parâmetro obrigatório de todos os demais dispositivos legais do
ordenamento jurídico, por conseguinte, a validade da norma dependerá da sua
conformidade constitucional, que deve ser compreendida em seu conjunto de
valores principiológicos.
Nesse sentido, a presunção de inocência deve ser referendada como uma
imprescindível garantia constitucional do indivíduo no processo penal, restando
perfectibilizada na necessidade de ocorrência do trânsito em julgado da sentença
penal condenatória para efetivação da prisão. Seja como ‘norma de tratamento’,
como ‘norma probatória’ ou como ‘norma de juízo’ (ou também como ‘regra de
fechamento’), a presunção de inocência caracteriza-se como regra imutável e,
portanto, não estando suscetível a variações interpretativas do alcance de seu
conteúdo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.


Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 26. ed. São Paulo: Malheiros,
2011. p. 532.

DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO DE 1789. Disponível


em: <https://www.ufsm.br/app/uploads/sites/414/2018/10/1789.pdf>

DIMITRI, Dimoulis; MARTINS, Leonardo. Teorias Geral dos Direitos Fundamentais.


São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.p 54

FERREIRA, Francisco Gilney Bezerra de Carvalho. Direitos e garantias


fundamentais - já
podemos falar em quarta e quinta dimensões?. Disponível em:
<https://jus.com.br/artigos/26078/direitos-e-garantias-fundamentais-ja-podemos-falar
-em-quarta-e-quinta-dimensoes>

MARMELSTEIN, George. Curso de Direitos Fundamentais. 2. ed. São Paulo: Atlas,


1999.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos
direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 11.ed. Porto Alegre: Livraria dos
Advogados, 2012.

VILELA, Alexandra. Considerações Acerca da Presunção de Inocência em Direito


Processual Penal. Coimbra: Coimbra, 2000,

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