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Principais manifestações e
apresentações das doenças
Seção 1 Dor
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Dor: fisiopatologia e manejo
James P. Rathmell, Howard L. Fields
A medicina tem por objetivo preservar e restaurar a saúde, bem como aliviar o
sofrimento. O conhecimento sobre a dor é essencial a esses dois propósitos. Por
ser universalmente considerada como um sinal de doença, a dor é o sintoma que
mais comumente leva um paciente a procurar auxílio médico. O sistema
sensitivo relacionado com a dor tem a função de proteger o corpo e manter a
homeostase. Essa tarefa consiste em detectar, localizar e identificar os processos
que estejam causando ou possam vir a causar lesão tecidual. Como diferentes
doenças produzem padrões típicos de lesão tecidual, o caráter, a evolução
cronológica e a localização da dor do paciente fornecem indícios diagnósticos
importantes. É responsabilidade do médico avaliar cada paciente imediatamente
para todas as causas remediáveis subjacentes à dor, fornecendo analgesia rápida
e efetiva sempre que possível.
O SISTEMA SENSITIVO PARA A DOR
A dor é uma sensação desagradável restrita a alguma parte do corpo. Com
frequência, é descrita em termos relacionados com processos penetrantes ou
destrutivos dos tecidos (p. ex., em punhalada, em queimação, em torção,
dilacerante, compressiva) e/ou como uma reação corporal ou emocional (p. ex.,
pavorosa, nauseante, debilitante). Além disso, qualquer dor de intensidade
moderada ou alta é acompanhada de ansiedade e do desejo de escapar da
sensação ou de interrompê-la. Essas propriedades ilustram a dualidade da dor: é
tanto uma sensação quanto uma emoção. Quando aguda, a dor está associada a
uma reatividade comportamental e a uma resposta de estresse que consiste em
elevação da pressão arterial, da frequência cardíaca, do diâmetro da pupila e dos
níveis plasmáticos de cortisol. Além disso, muitas vezes há contração de
músculos locais (p. ex., flexão dos membros, rigidez da parede abdominal).
MECANISMOS PERIFÉRICOS
O nociceptor aferente primário O nervo periférico é constituído de axônios de
três tipos diferentes de neurônio: sensitivos aferentes primários, neurônios
motores e neurônios pós-ganglionares simpáticos (Fig. 10-1). Os corpos
celulares dos sensitivos aferentes primários localizam-se nos gânglios das raízes
dorsais nos forames vertebrais. O axônio aferente primário possui dois ramos:
um se projeta centralmente para a medula espinal e o outro em sentido periférico
para inervar os tecidos. Os aferentes primários são classificados com base no seu
diâmetro, grau de mielinização e velocidade de condução. As fibras aferentes de
maior diâmetro, A-beta (Aβ), respondem em grau máximo a estímulos de tato
e/ou de movimento leves, sendo encontradas principalmente nos nervos que
suprem a pele. Nos indivíduos normais, a atividade dessas fibras não provoca
dor. Existem duas outras classes de fibras nervosas aferentes primárias: os
axônios mielinizados de pequeno diâmetro A-delta (Aδ) e os axônios não
mielinizados (C) (Fig. 10-1). Essas fibras são encontradas nos nervos que
suprem a pele e as estruturas somáticas e viscerais profundas. Alguns tecidos,
como a córnea, são inervados apenas por fibras aferentes Aδ e C. Em sua
maioria, as fibras aferentes Aδ e C respondem em grau máximo apenas a
estímulos intensos (dolorosos) e, quando estimuladas eletricamente, produzem a
experiência subjetiva da dor, característica que as define como nociceptores
(receptores para dor) aferentes primários. A capacidade de detectar estímulos
dolorosos é totalmente abolida quando a condução pelas fibras axônicas Aδ e C
é bloqueada.
FIGURA 10-1 Componentes de um nervo cutâneo típico. Há duas categorias funcionalmente distintas de
axônios: aferentes primários, com corpos celulares localizados na raiz do gânglio dorsal, e fibras simpáticas
pós-ganglionares, com corpos celulares localizados no gânglio simpático. Entre as fibras aferentes
primárias, estão os axônios mielinizados de grande diâmetro (Aβ), os mielinizados de pequeno diâmetro
(Aδ) e os axônios não mielinizados (C). Todas as fibras pós-ganglionares simpáticas são do tipo não
mielinizado.
MECANISMOS CENTRAIS
Medula espinal e dor referida Os axônios dos nociceptores aferentes primários
penetram na medula espinal via raiz posterior. Eles terminam no corno posterior
da substância cinzenta da medula (Fig. 10-3). As terminações dos axônios
aferentes primários fazem contato com neurônios medulares que, por sua vez,
transmitem o sinal às áreas do cérebro envolvidas com a percepção da dor.
Quando ativados por estímulos nocivos, os aferentes primários liberam
neurotransmissores em suas terminações que excitam os neurônios da medula
espinal. O principal neurotransmissor liberado é o glutamato, que rapidamente
estimula os neurônios de segunda ordem do corno posterior. As terminações dos
nociceptores aferentes primários também liberam peptídeos, incluindo a
substância P e o peptídeo relacionado com o gene da calcitonina, que estimulam
os neurônios do corno posterior de forma mais lenta e prolongada. O axônio de
cada aferente primário estabelece contato com muitos neurônios medulares, e
cada um desses neurônios recebe impulsos convergentes de inúmeros aferentes
primários.
FIGURA 10-3 A hipótese de projeção convergente para a dor referida. De acordo com esta hipótese, os
nociceptores aferentes viscerais convergem para os mesmos neurônios de projeção da dor que os aferentes
advindos das estruturas somáticas nas quais a dor é percebida. O cérebro não tem como saber qual é a
verdadeira origem do impulso e equivocadamente “projeta” a sensação à estrutura somática.
Vias ascendentes para a dor A maioria dos neurônios medulares com os quais
os nociceptores aferentes primários fazem contato emite seus axônios para o
tálamo contralateral. Esses axônios formam o trato espinotalâmico contralateral,
que se localiza na substância branca anterolateral da medula espinal, na borda
lateral do bulbo bem como na ponte e no mesencéfalo laterais. A via
espinotalâmica é de suma importância para a sensação de dor nos seres
humanos. A interrupção dessa via provoca déficits permanentes na discriminação
da dor e da temperatura.
Os axônios do trato espinotalâmico ascendem para várias regiões do
tálamo. Há uma enorme divergência do sinal de dor desses locais talâmicos para
áreas distintas do córtex cerebral que participam em diferentes aspectos da
experiência da dor (Fig. 10-4). Uma das projeções talâmicas tem como destino o
córtex somatossensitivo. Essa projeção faz a mediação dos aspectos puramente
sensitivos da dor, ou seja, sua localização, intensidade e caráter. Outros
neurônios talâmicos projetam-se para regiões corticais ligadas a respostas
emocionais, como o giro do cíngulo e outras áreas dos lobos frontais, incluindo o
córtex insular. Tais vias para o córtex frontal atuam na dimensão afetiva ou
emocional desagradável da dor. A dimensão afetiva da dor provoca sofrimento e
exerce um potente controle sobre o comportamento. Em razão dessa dimensão, a
dor é constantemente acompanhada pelo medo. Como consequência, as lesões
traumáticas ou cirúrgicas em áreas do córtex frontal ativadas por estímulos
dolorosos podem reduzir o impacto emocional da dor. Ao mesmo tempo, porém,
preservam em grande parte a capacidade do indivíduo de reconhecer estímulos
nocivos como dolorosos.
FIGURA 10-4 Transmissão da dor e vias moduladoras. A. Sistema de transmissão de mensagens
nociceptivas. Os estímulos nocivos, por meio do processo de transdução, ativam as terminações sensitivas
periféricas do nociceptor aferente primário. Em seguida, a mensagem é transmitida pelo nervo periférico até
a medula espinal, onde faz sinapse com células originadas na principal via ascendente da dor, o trato
espinotalâmico. A mensagem é retransmitida no tálamo para o giro do cíngulo anterior (C), bem como para
os córtices insular frontal (F) e somatossensitivo (SS). B. Rede de modulação da dor. Os impulsos vindos do
córtex frontal e do hipotálamo ativam as células do mesencéfalo que controlam as células transmissoras da
dor da medula espinal por meio das células bulbares.
MODULAÇÃO DA DOR
A dor provocada por lesões de intensidades semelhantes varia notavelmente em
diferentes situações e indivíduos. Por exemplo, sabe-se que atletas sofrem
fraturas graves com dor mínima, e o estudo clássico de Beecher, realizado
durante a Segunda Guerra Mundial, revelou que muitos soldados em batalha não
perceberam ferimentos que teriam provocado dor excruciante em civis. Além
disso, mesmo a sugestão de que um tratamento irá aliviar a dor pode exercer um
efeito analgésico significativo (o efeito placebo). Por outro lado, muitos
pacientes consideram lesões mínimas (como uma punção venosa) como
apavorantes e insuportáveis, e a expectativa de dor é capaz de provocá-la mesmo
na ausência de estímulo nocivo. A sugestão de que a dor irá piorar com a
administração de uma substância inerte pode aumentar a percepção de
intensidade (o efeito nocebo).
O poderoso efeito da expectativa e de outras variáveis psicológicas sobre a
intensidade percebida da dor é explicado pela existência de circuitos cerebrais
que modulam a atividade das vias de transmissão da dor. Um desses circuitos
possui conexões no hipotálamo, mesencéfalo e bulbo, controlando seletivamente
os neurônios medulares transmissores da dor por meio de uma via descendente (
Fig. 10-4).
Estudos com imagens do cérebro humano relacionaram esse circuito
modulador com o efeito de alívio da dor produzido por atenção, sugestão e
medicamentos analgésicos opioides (Fig. 10-5). Além disso, cada uma das
estruturas componentes dessa via contém receptores de opioides e é sensível à
aplicação direta de tais agentes. Em animais, as lesões produzidas nesse sistema
modulador descendente reduzem o efeito analgésico de opioides administrados
por via sistêmica, como a morfina. Juntamente com o receptor dos opioides, os
núcleos componentes de tal circuito contêm peptídeos opioides endógenos, como
as encefalinas e a β-endorfina.
FIGURA 10-5 Ressonância magnética funcional (RMf) revelando atividade cerebral intensificada por
placebo em regiões anatômicas correlacionadas com o sistema descendente opioidérgico de controle
da dor. Painel superior: RMf frontal revelando atividade cerebral intensificada por placebo no córtex pré-
frontal dorsolateral (CPFDL). Painel inferior: RMf em corte sagital revelando aumento de resposta ao
placebo no córtex cingulado anterior rostral (CCAr), bulbo ventral rostral (BVR), substância cinzenta
periaquedutal (SCPA) e hipotálamo. A atividade induzida por placebo em todas as áreas foi reduzida com a
administração de naloxona, demonstrando haver ligação entre o sistema opioidérgico descendente e a
resposta analgésica ao placebo. (Adaptada com permissão de F Eippert et al.: Neuron 63:533, 2009.)
DOR NEUROPÁTICA
As lesões nas vias nociceptivas periféricas ou centrais caracteristicamente
resultam em perda ou redução da sensação dolorosa. Paradoxalmente, a lesão ou
a disfunção dessas vias também podem provocar dor. Por exemplo, a lesão de
nervos periféricos, como a que ocorre na neuropatia diabética, ou de aferentes
primários, como no herpes-zóster, pode resultar em dor referida para a região do
corpo suprida pelos nervos afetados. A dor também pode ser produzida por lesão
do sistema nervoso central (SNC), por exemplo, em alguns pacientes após
traumatismo ou lesão vascular da medula espinal, tronco encefálico ou regiões
talâmicas contendo as vias nociceptivas. Essas dores são chamadas neuropáticas
e com frequência são graves e caracteristicamente resistentes aos tratamentos
convencionais.
A dor neuropática tem um caráter incomum, sendo descrita como em
queimação, formigamento ou semelhante a um choque elétrico, podendo ocorrer
espontaneamente, sem qualquer estímulo ou ser desencadeada por um toque
muito leve. Essas características são raras em outros tipos de dor. Ao exame
físico, é característica a presença de déficit sensitivo na área de dor do paciente.
A hiperpatia, uma resposta muito exagerada à dor produzida por estímulos
inócuos ou nociceptivos leves, especialmente quando aplicados repetidamente,
também é característica da dor neuropática; com frequência, os pacientes
queixam-se de que estímulos produzidos por movimentos muito suaves
provocam dor intensa (alodinia). Nesse aspecto, é clinicamente interessante o
fato de que uma preparação tópica de lidocaína a 5% sob a forma de adesivo é
eficaz para pacientes com neuralgia pós-herpética que apresentem alodinia
acentuada.
Diversos mecanismos contribuem para a dor neuropática. A exemplo dos
nociceptores aferentes primários sensibilizados, os aferentes primários lesados,
incluindo nociceptores, tornam-se altamente sensíveis à estimulação mecânica e
podem começar a gerar impulsos na ausência de estímulos. O aumento de
sensibilidade e de atividade espontânea ocorre, em parte, pela maior
concentração dos canais de sódio na fibra nervosa danificada. Os aferentes
primários lesados também podem desenvolver sensibilidade à norepinefrina.
Curiosamente, os neurônios medulares transmissores da dor, mesmo isolados de
seus impulsos aferentes normais, também podem se tornar espontaneamente
ativos. Por conseguinte, a hiperatividade de ambos os sistemas nervosos central
e periférico contribui para a dor neuropática.
TRATAMENTO
Dor aguda
O tratamento ideal para qualquer dor é eliminar sua causa; por essa razão, embora o tratamento possa ser
iniciado imediatamente, devem-se empregar esforços concomitantes para determinar a etiologia subjacente
no início da terapêutica. Algumas vezes, o tratamento do distúrbio subjacente não alivia imediatamente a
dor. Além disso, alguns distúrbios são tão dolorosos que é essencial obter uma analgesia rápida e eficaz (p.
ex., estado pós-operatório, queimaduras, traumatismo, câncer ou crise de anemia falciforme). Os
analgésicos são a primeira linha de tratamento nesses casos, e todos os médicos devem estar familiarizados
com o seu uso.
5- NE
HT
Antidepressivosa
Doxepina ++ + Alta Moderada Moderada Menos 200 75-400
Amitriptilina ++++ ++ Alta A mais alta Moderada Sim 150 25-300
Imipramina ++++ ++ Moderada Moderada Alta Sim 200 75-400
Nortriptilina +++ ++ Moderada Moderada Baixa Sim 100 40-150
Desipramina +++ ++++ Baixa Baixa Baixa Sim 150 50-300
Venlafaxina +++ ++ Baixa Ausente Ausente Não 150 75-400
Duloxetina +++ +++ Baixa Ausente Ausente Não 40 30-60
Fármaco Dose VO (mg) Intervalo Fármaco Dose VO Intervalo
(mg)
Anticonvulsantes e antiarrítmicosa
Fenitoína 300 Diariamente ao deitar Clonazepam 1 A cada 6 h
Carbamazepina 200-300 A cada 6 h Gabapentinab 600-1.200 A cada 8 h
Oxcarbazepina 300 2 vezes/dia Pregabalina 150-600 2 vezes/dia
aOs antidepressivos, anticonvulsivantes e antiarrítmicos não foram aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) para tratamento de
dor. bA gabapentina foi aprovada pela FDA para ser usada em doses de até 1.800 mg/dia no tratamento da neuralgia pós-herpética.
Siglas: 5-HT, serotonina; NE, norepinefrina; AINE, anti-inflamatório não esteroide; AAS, ácido acetilsalicílico; VO, via oral; IM,
intramuscular; IV, intravenoso.
Como se mostram efetivos para esses tipos comuns de dor e podem ser comercializados sem prescrição
médica, os inibidores da COX constituem, sem dúvida alguma, os analgésicos mais comumente utilizados.
São bem absorvidos pelo trato gastrintestinal e, se usados ocasionalmente, apresentam efeitos colaterais
mínimos. Com uso crônico, a irritação gástrica passa a ser um efeito colateral comum tanto para o ácido
acetilsalicílico quanto para os AINEs, sendo este o fator que mais frequentemente limita a dose que pode
ser administrada. A irritação gástrica é mais grave com o ácido acetilsalicílico, que pode causar erosão e
ulceração da mucosa gástrica, levando ao sangramento ou à perfuração. Como o ácido acetilsalicílico
acetila irreversivelmente a COX plaquetária e, dessa forma, interfere com a coagulação sanguínea, a
hemorragia digestiva passa a ser um risco específico. Idade avançada e história de doença gastrintestinal são
fatores que aumentam os riscos relacionados com o AAS e os AINEs. Além da reconhecida toxicidade
gastrintestinal dos AINEs, a nefrotoxicidade também é um problema significativo para os que utilizam esses
fármacos de forma crônica. Os pacientes sob risco de insuficiência renal, particularmente aqueles com
depleção significativa do volume intravascular como costuma ocorrer com o uso crônico de diuréticos ou
nos casos com hipovolemia aguda, devem evitar os AINEs. Os AINEs também podem elevar a pressão
arterial em alguns indivíduos. O tratamento em longo prazo com AINEs exige monitoramento regular da
pressão arterial e tratamento, se necessário. Embora seja hepatotóxico quando tomado em altas doses, o
paracetamol raramente provoca irritação gástrica e não interfere com a função plaquetária.
A introdução das formas parenterais de AINEs, cetorolaco e diclofenaco, ampliou a utilidade dessa
classe de medicamentos no tratamento da dor aguda intensa. Ambos os agentes são suficientemente
potentes e rápidos em seu início de ação para suplantar os opioides no tratamento de muitos pacientes com
cefaleia e dor musculoesquelética agudas intensas.
Há duas classes principais de COX: a COX-1 é expressa constitutivamente, e a COX-2 é induzida nos
estados inflamatórios. Os fármacos seletivos para a COX-2 possuem ação analgésica semelhante e
provocam menos irritação gástrica que os inibidores não seletivos da COX. O uso de agentes seletivos da
COX-2 não parece reduzir o risco de nefrotoxicidade em comparação com os AINEs não seletivos. Por
outro lado, os fármacos seletivos para a COX-2 proporcionam significativos benefícios no tratamento da
dor pós-operatória aguda, uma vez que não afetam a coagulação sanguínea. Os inibidores não seletivos da
COX geralmente são contraindicados no período pós-operatório, já que comprometem a coagulação
sanguínea mediada por plaquetas e, portanto, estão associados a aumento do sangramento no sítio cirúrgico.
Os inibidores da COX-2, incluindo o celecoxibe, estão associados ao aumento de risco cardiovascular,
incluindo morte cardiovascular, infarto agudo do miocárdio, AVC, insuficiência cardíaca ou evento
tromboembólico. O efeito parece ser uma propriedade da classe dos AINEs, exceto o AAS. Tais fármacos
estão contraindicados nos pacientes que estejam no período pós-operatório imediato da instalação de bypass
coronariano e devem ser usados com cautela em pacientes idosos e naqueles com história de doença
cardiovascular ou fatores de risco significativos para tal.
ANALGÉSICOS OPIOIDES
Os opioides são os agentes mais potentes para o alívio da dor atualmente disponíveis. Entre todos os
analgésicos, são os que apresentam a maior abrangência de eficácia e representam o método mais confiável
e efetivo para o alívio rápido da dor. Embora comuns, os efeitos colaterais em sua maioria são reversíveis:
náusea, vômitos, prurido e constipação são os mais frequentes e incômodos. A depressão respiratória é
incomum em doses analgésicas padrão, mas pode representar uma ameaça à vida. Os efeitos colaterais
relacionados aos opioides podem ser rapidamente revertidos com a naxolona, um antagonista dos
narcóticos. Muitos médicos, enfermeiros e pacientes têm certo receio de utilizar opioides em razão do medo
de possível adição em seus pacientes. Na realidade, a probabilidade de um paciente se tornar dependente de
narcóticos em consequência do seu uso clínico apropriado é muito pequena. Para a dor crônica,
particularmente aquela não relacionada a câncer, o risco de adição em pacientes que usam opioides
cronicamente permanece pequeno, mas o risco parece aumentar com o escalonamento da dose. O médico
não deve hesitar em prescrever analgésicos opioides a pacientes com dor aguda intensa. A Tabela 10-1 lista
os analgésicos opioides mais comumente utilizados.
Os opioides produzem analgesia atuando no SNC. Eles ativam os neurônios inibidores da dor e inibem
diretamente os neurônios que a transmitem. A maioria dos analgésicos opioides comercialmente disponíveis
atua no mesmo receptor de opioides (receptor-μ), diferindo principalmente na sua potência, velocidade de
início, duração da ação e via ideal de administração. Alguns efeitos colaterais resultam do acúmulo de
metabólitos não opioides específicos de determinados fármacos. Um bom exemplo disso é a normeperidina,
um metabólito da meperidina. Com doses maiores de meperidina, normalmente acima de 1 g/dia, o acúmulo
de normeperidina pode produzir hiperexcitabilidade e crises convulsivas não reversíveis com a naloxona. O
acúmulo de normeperidina é maior nos pacientes com insuficiência renal.
A forma mais rápida de alívio da dor é a obtida com a administração intravenosa de opioides; a
administração por via oral produz alívio de forma bem mais lenta. Em razão da possibilidade de depressão
respiratória, os pacientes com qualquer forma de comprometimento da respiração devem ser mantidos sob
observação estrita após a administração de opioide; há indicação de uso de monitor da saturação de
oxigênio, mas somente se este monitor for mantido sob vigilância constante. A depressão respiratória
induzida por opioide é caracteristicamente acompanhada por sedação e por redução da frequência
respiratória. A queda na saturação de oxigênio indica nível crítico de depressão respiratória com
necessidade de intervenção imediata a fim de prevenir a ocorrência de hipoxemia potencialmente fatal.
Novos dispositivos de monitoramento que incorporam capnografia ou fluxo aéreo faríngeo podem detectar
a apneia em seu início, devendo ser usados nos pacientes hospitalizados. Deve-se manter assistência
ventilatória até que a depressão respiratória induzida pelo opioide tenha sido resolvida. O antagonista dos
opioides naloxona deve estar imediatamente disponível sempre que sejam utilizados opioides em doses
elevadas ou em pacientes com função pulmonar comprometida. Os efeitos dos opioides são dose-
dependentes, e observa-se grande variabilidade entre os pacientes quanto às doses que aliviam a dor e
produzem efeitos colaterais. É comum haver efeito sinérgico de depressão respiratória quando são
administrados opioides em conjunto com outros depressores do SNC, especialmente com
benzodiazepínicos. Em razão dessa variabilidade, a instituição da terapia requer titulação para a
determinação de dose e intervalo ideais. O objetivo mais importante é obter alívio adequado da dor. Logo, é
preciso determinar se o fármaco foi capaz de aliviar adequadamente a dor com reavaliações frequentes para
determinar o intervalo ideal entre as doses. O erro mais frequentemente cometido pelos médicos no
tratamento da dor intensa com opioides é a prescrição de dose inadequada. Como muitos pacientes relutam
em se queixar, essa prática leva a sofrimento desnecessário. Não havendo sedação no momento em que é
esperado o efeito máximo, o médico não deve hesitar em repetir a dose inicial para obter alívio satisfatório
da dor.
Uma abordagem atualmente padronizada para o problema do alívio adequado da dor é o uso da
analgesia controlada pelo paciente (ACP). A ACP utiliza um dispositivo de infusão controlado por
microprocessador capaz de fornecer uma dose contínua basal de um opioide assim como doses adicionais
pré-programadas toda vez que o paciente apertar um botão. O paciente pode, então, titular a dose até o nível
ideal. Essa técnica é mais amplamente utilizada no tratamento da dor pós-operatória, mas não há motivo
para que não seja utilizada por qualquer paciente hospitalizado com dor intensa e persistente. A ACP
também é utilizada no tratamento domiciliar a curto prazo dos pacientes com dor refratária, como a causada
pelo câncer metastático.
É importante compreender que o dispositivo para ACP fornece doses pequenas e repetidas para manter
o alívio da dor; nos pacientes com dor intensa, primeiro é necessário controlar a dor com uma dose de
ataque antes que se possa iniciar a ACP. A dose em bolus do fármaco (comumente, 1 mg de morfina, 0,2 mg
de hidromorfona ou 10 μg de fentanila) pode, então, ser administrada repetidas vezes de acordo com a
necessidade. Para impedir a superdosagem, os dispositivos para a ACP devem ser programados para
bloquear a administração durante um determinado período (normalmente começando em 10 min) após cada
injeção adicional e limitar a dose total infundida por hora. Conquanto haja quem defenda a infusão
simultânea contínua ou basal do mesmo fármaco usado para a ACP, tal prática pode elevar o risco de
depressão respiratória e não foi demonstrado que aumente a eficácia global dessa técnica.
A disponibilidade de novas vias de administração ampliou as possibilidades de utilização dos
analgésicos opioides. A mais importante é a possibilidade de administração espinal. Os opioides podem ser
infundidos através de cateter medular intratecal ou extradural. Ao aplicar opioides diretamente na medula
espinal ou no espaço epidural adjacente à medula espinal, obtém-se analgesia regional utilizando uma dose
total relativamente baixa. De fato, a dose necessária para a produção de analgesia efetiva quando se usa
morfina por via intratecal (0,1 a 0,3 mg) é uma fração daquela necessária para produzir analgesia
semelhante por via intravenosa (5 a 10 mg). Dessa maneira, é possível minimizar efeitos colaterais, como
sedação, náusea e depressão respiratória. Essa abordagem vem sendo extensamente utilizada durante o
trabalho de parto bem como para alívio da dor pós-operatória que se segue a procedimentos cirúrgicos. A
administração intratecal contínua via implante com sistema de infusão espinal atualmente é usada com
frequência, particularmente para o tratamento da dor relacionada com câncer a requerer doses sedativas para
seu controle caso o fármaco fosse administrado por via sistêmica. Os opioides também podem ser
administrados pelas vias intranasal (butorfanol), retal, transdérmica (fentanila e bupremorfina), ou através
da mucosa oral (fentanila), evitando-se, assim, o desconforto de injeções frequentes em pacientes que não
possam receber medicação oral. Os adesivos transdérmicos de fentanila e bupremorfina têm a vantagem de
proporcionar níveis plasmáticos bastante uniformes, o que pode melhorar o conforto do paciente.
Um acréscimo recente ao arsenal para tratamento dos efeitos colaterais induzidos por opioides são os
antagonistas periféricos dos receptores opioides, alvimopan e metilnaltrexona. O alvimopan está disponível
para administração por via oral e fica restrito à luz intestinal por limitação da absorção; a metilnaltrexona
está disponível para administração subcutânea, praticamente sem penetração no SNC. Ambos os agentes
atuam ligando-se aos receptores μ periféricos, inibindo ou revertendo os efeitos dos opioides nesses sítios
periféricos. A ação de ambos os agentes é restrita aos sítios receptores fora do SNC; assim, esses fármacos
revertem os efeitos adversos dos analgésicos opioides que sejam mediados pelos receptores periféricos sem
reverter seus efeitos analgésicos. O alvimopan mostrou-se efetivo para redução na duração de íleo
persistente seguindo-se à cirurgia abdominal em pacientes tratados com analgésico opioide para controle da
dor pós-operatória. A metilnaltrexona se mostrou efetiva para alívio da constipação induzida por opioide em
pacientes fazendo uso crônico de tal analgésico.
TRATAMENTO
Dor crônica
Uma vez concluído o processo de avaliação e identificados os prováveis fatores etiológicos e agravantes,
deve-se elaborar um plano terapêutico explícito. Uma parte importante desse processo é identificar
objetivos funcionais específicos e realistas para o tratamento, como obter uma boa noite de sono, ser capaz
de sair para fazer compras ou voltar a trabalhar. Pode ser necessária uma abordagem multidisciplinar que
utilize medicamentos, orientação psicológica, fisioterapia, bloqueio nervoso e até mesmo cirurgia para
melhorar a qualidade de vida do paciente. Também há alguns procedimentos recentes e minimamente
invasivos que podem ser úteis para alguns pacientes com dor refratária. Entre esses estão intervenções
guiadas por imagem, como injeção epidural de glicocorticoide para dor radicular aguda e tratamento com
radiofrequência nas facetas articulares para lombalgia e cervicalgia crônicas relacionadas com as facetas
articulares. Para os pacientes com dor intensa e persistente que não tenham respondido a tratamento
conservador, a aplicação de eletrodos no canal medular sobrejacente às áreas colunar-dorsais da medula
espinal (estimulação medular) ou o implante de sistemas para administração intratecal de medicamentos se
mostraram significativamente benéficos. Os critérios para predição de quais pacientes responderão a esses
procedimentos continuam sendo desenvolvidos. Em geral, ficam reservados aos pacientes que não tenham
tido uma resposta satisfatória aos tratamentos farmacológicos convencionais. O encaminhamento do
paciente a serviços multidisciplinares para tratamento de dor, a fim de que seja feita uma avaliação
completa, deve preceder qualquer procedimento invasivo. Evidentemente, esse encaminhamento não é
necessário para todos os pacientes com dor crônica. Para alguns, o tratamento farmacológico é suficiente
para proporcionar alívio adequado.
MEDICAMENTOS ANTIDEPRESSIVOS
Os antidepressivos tricíclicos (ADTs), particularmente nortriptilina e desipramina (Tab. 10-1), são úteis no
tratamento dos pacientes com dor crônica. Embora desenvolvidos para o tratamento da depressão, os ADTs
possuem um espectro de atividades biológicas relacionadas com a dose que inclui a analgesia em uma
variedade de distúrbios clínicos crônicos. Embora seu mecanismo seja desconhecido, o efeito analgésico
dos ADTs tem início mais rápido e ocorre com doses mais baixas que as necessárias para o tratamento da
depressão. Além disso, os pacientes com dor crônica que não estejam deprimidos obtêm alívio com
antidepressivos. Há evidências de que os antidepressivos tricíclicos potencializam a analgesia dos opioides,
por isso podem ser úteis como adjuvantes no tratamento da dor intensa e persistente, como a que ocorre na
presença de tumores malignos. A Tabela 10-2 lista alguns distúrbios dolorosos que respondem aos ADTs.
Os ADTs são particularmente úteis no tratamento das dores neuropáticas, como na neuropatia diabética e na
neuralgia pós-herpética, para as quais existem poucas opções terapêuticas.
ANTICONVULSIVANTES E ANTIARRÍTMICOS
Esses fármacos são utilizados primariamente em pacientes com dor neuropática. A fenitoína e a
carbamazepina foram os primeiros a produzir alívio da dor na neuralgia do trigêmeo (Cap. 433). Esta dor
tem as características de um choque elétrico breve e agudo. De fato, os anticonvulsivantes parecem ser
particularmente úteis para o alívio das dores que possuem esse caráter lancinante. Os anticonvulsivantes
mais recentes, os ligantes da subunidade alfa-2-delta dos canais de cálcio gabapentina e a pregabalina,
mostraram-se efetivos no tratamento de uma ampla variedade de dores neuropáticas. Além disso, em razão
do perfil favorável de efeitos colaterais, esses novos anticonvulsivantes têm sido usados com frequência
como primeira linha de tratamento.
TABELA 10-3 ■ Diretrizes para seleção e monitoramento de pacientes para terapia crônica com opioide
(TCO) para dor crônica não causada por câncer
Seleção do paciente
• Anamnese, exame físico e testes apropriados incluindo avaliação do risco de uso abusivo ou indevido e de adição.
• Considere teste com TCO se a dor for moderada a intensa, se estiver produzindo impacto adverso na função ou na qualidade de vida e se os
possíveis benefícios terapêuticos sobrepujarem os potenciais malefícios.
• Deve-se realizar e documentar uma avaliação da relação entre benefício e dano, incluindo anamnese, exame físico e testes diagnósticos
apropriados antes e durante a TCO.
Consentimento informado e uso de planos de manejo
• Deve-se obter consentimento informado. A discussão permanente com o paciente acerca da TCO deve incluir metas, expectativas, riscos
potenciais e alternativas.
• Considere o uso de um plano de manejo escrito para documentar as responsabilidades e as expectativas do paciente e do médico e para
auxiliar na informação do paciente.
Início e ajuste da dose
• O tratamento inicial com opioides deve ser considerado um teste terapêutico para determinar se a TCO é apropriada.
• A escolha do opioide, a opção pela dose inicial e seu ajuste devem ser individualizados de acordo com estado de saúde do paciente,
exposição prévia a opioides, metas terapêuticas e malefícios previstos ou observados.
Monitoramento
• Os pacientes em TCO devem ser reavaliados periodicamente e de acordo com as mudanças circunstanciais. O monitoramento deve incluir
documentação da intensidade da dor e do nível funcional do paciente, avaliação do progresso em direção às metas terapêuticas, ocorrência
de eventos adversos e adesão ao tratamento prescrito.
• Nos pacientes em TCO considerados em risco ou que tenham tido comportamento inadequado relacionado com uso de drogas, os médicos
devem realizar periodicamente rastreamento de drogas na urina ou obter informações de outras fontes para confirmar a adesão ao plano de
cuidados da TCO.
• Nos pacientes em TCO que não sejam considerados de risco e sem antecedentes de comportamento inadequado relacionado com drogas, os
médicos devem considerar a possibilidade de realizar periodicamente rastreamento de drogas na urina ou obter informações de outras fontes
para confirmar a adesão ao plano de cuidado da TCO.
Fonte: Adaptada com permissão de R Chou et al: J Pain 10:113, 2009.
TABELA 10-4 ■ Checklist do Centers for Disease Control para a prescrição de opioides para dor crônica
Para profissionais da atenção primária que tratam adultos (18+) com dor crônica ≥ 3 meses, excluindo cuidados para câncer,
paliativos e terminais
CHECKLIST
LEITURAS ADICIONAIS
Dowell D et al: CDC guideline for prescribing opioids for chronic pain—United
States, 2016. JAMA 315:1624, 2016.
Finnerup NB et al: Pharmacotherapy for neuropathic pain in adults: A systematic
review and meta-analysis. Lancet Neurol 14:162, 2015.
Sun EC et al: Incidence of and risk factors for chronic opioid use among opioid-
naive patients in the postoperative period. JAMA Intern Med 176:1286,
2016.
11
Dor torácica
David A. Morrow
A dor torácica está entre as razões mais comuns que levam os pacientes a
procurar assistência médica nas emergências ou nos consultórios médicos. A
avaliação da dor torácica não traumática é um desafio inerente, devido à
variedade de causas possíveis, uma minoria sendo condições potencialmente
fatais que não devem passar despercebidas. É importante estruturar a avaliação
diagnóstica inicial e o rastreamento dos pacientes com dor torácica aguda em
três categorias: (1) isquemia miocárdica; (2) outras causas cardiopulmonares
(doença pericárdica, emergências aórticas e condições pulmonares); e (3) causas
não cardiopulmonares. Embora a identificação rápida de condições de alto risco
seja uma prioridade da avaliação inicial, as estratégias que incorporam o uso
liberal rotineiro de testes têm o potencial de implicar efeitos adversos de
investigações desnecessárias.
EPIDEMIOLOGIA E HISTÓRIA NATURAL
A dor torácica é a terceira razão mais comum de idas a emergências nos Estados
Unidos, resultando em 6 a 7 milhões de consultas anuais a esses departamentos.
Mais de 60% dos pacientes com esse problema são hospitalizados para a
realização de exames mais detalhados e o restante é submetido a uma avaliação
adicional no próprio departamento de emergência. Apenas cerca de 15% dos
pacientes avaliados acabam recebendo o diagnóstico de síndrome coronariana
aguda (SCA), com índices de 10 a 20% na maioria das séries de populações não
selecionadas e uma taxa de apenas 5% em alguns estudos. Os diagnósticos mais
comuns são causas gastrintestinais (Fig. 11-1), e menos de 10% são de outras
condições cardiopulmonares potencialmente fatais. Em uma grande proporção
de pacientes com dor torácica aguda transitória, são excluídas a SCA ou outra
causa cardiopulmonar, mas a causa não é determinada. Portanto, os recursos e o
tempo dedicados à avaliação da dor torácica na ausência de uma causa grave
são substanciais. Apesar disso, um número surpreendente de 2 a 6% de pacientes
com dor torácica de etiologia presumivelmente não isquêmica que têm alta da
emergência depois são diagnosticados com infarto agudo do miocárdio (IAM).
Pacientes cujo diagnóstico de IAM passa despercebido correm um risco duas
vezes maior de morrer em 30 dias em comparação com os que são
hospitalizados.
FIGURA 11-1 Distribuição de diagnósticos definitivos na alta de pacientes com dor torácica aguda
não traumática. (Figura preparada com dados de P Fruergaard et al: Eur Heart J 17:1028, 1996.)
TABELA 11-1 ■ Manifestações clínicas típicas das principais causas de dor torácica aguda
Sistema Condição Início/duração Qualidade Localização Características associadas
Cardiopulmonares
Cardíaco Isquemia Angina estável: Pressão, aperto, Retroesternal; em Galope de B4 ou sopro de
miocárdica Precipitada por compressão, peso, geral se irradia para insuficiência mitral (raro)
exercício, frio queimação o pescoço, a durante a dor; B3 ou estertores se
ou estresse; 2- mandíbula, os houver isquemia grave ou
10 min ombros ou braços; às complicação de infarto agudo do
Angina vezes epigástrica miocárdio
instável:
Padrão em
crescente ou
em repouso
Infarto agudo
do miocárdio:
Em geral > 30
min
Pericardite Variável; horas Pleurítica, aguda Retroesternal ou em Pode ser aliviada se o paciente
a dias; pode ser direção ao ápice sentar-se ereto e inclinar-se para
episódica cardíaco; pode frente; som de atrito pericárdico
irradiar para o ombro
esquerdo
Vascular Síndrome Início súbito de Lacerante ou Tórax anterior, Associada a hipertensão e/ou
aórtica aguda dor implacável lancinante; em frequentemente distúrbio subjacente do tecido
facada irradiando-se para as conectivo; sopro de insuficiência
costas, entre as aórtica; perda de pulsos
omoplatas periféricos
Embolia Início súbito Pleurítica; pode Frequentemente Dispneia, taquipneia, taquicardia
pulmonar manifestar-se com lateral, no lado da e hipotensão
embolia pulmonar embolia
maciça
Hipertensão Variável; em Pressão Subesternal Dispneia, sinais de aumento da
pulmonar geral com pressão venosa
exercício
Pulmonar Pneumonia Variável Pleurítica Unilateral, Dispneia, tosse, febre, estertores,
ou pleurite frequentemente às vezes atrito
localizada
Pneumotórax Início súbito Pleurítica No lado do Dispneia, diminuição dos sons
espontâneo pneumotórax respiratórios no lado do
pneumotórax
Não cardiopulmonares
Gastrintenstinal Refluxo 10-60 min Queimação Subesternal, Agravada por decúbito pós-
esofágico epigástrica prandial; aliviada por antiácidos
Espasmo 2-30 min Pressão, aperto, Retroesternal Pode se parecer bastante com a
esofágico queimação angina
Úlcera Prolongada; Queimação Epigástrica, Aliviada por alimentos ou por
péptica 60-90 min após subesternal antiácidos
as refeições
Doença na Prolongada Intensa ou em Epigástrica, Pode seguir-se a uma refeição
vesícula biliar cólica quadrante superior
direito; às vezes para
as costas
Neuromuscular Costocondrite Variável Intensa Esternal Às vezes edema, sensibilidade,
calor sobre a articulação; pode
ser reproduzida por pressão
localizada ao exame
Doença de Variável; pode Intensa; pode Braços e ombros Pode ser exacerbada pela
disco cervical ser súbita incluir dormência movimentação do pescoço
Trauma ou Geralmente Intensa Localizada na área Reproduzida por movimento ou à
estiramento constante de estiramento palpação
Herpes-zóster Geralmente Aguda ou em Distribuição por Exantema vesicular na área do
prolongada queimação dermátomo desconforto
Psicológico Transtornos Variável; pode Variável; em geral, Variável; pode ser Fatores situacionais podem
emocionais ser transitória se manifesta como retroesternal precipitar os sintomas; história
ou ou prolongada aperto e dispneia de ataques de pânico, depressão
psiquiátricos com sensação de
pânico ou morte
iminente
ISQUEMIA/LESÃO MIOCÁRDICA
A isquemia miocárdica que causa dor torácica, denominada angina pectoris, é
uma preocupação clínica primária em pacientes que se apresentam com sintomas
torácicos. A isquemia miocárdica é precipitada por um desequilíbrio entre a
necessidade miocárdica e o fornecimento miocárdico de oxigênio, resultando em
fornecimento insuficiente de oxigênio para satisfazer as demandas metabólicas
cardíacas. O consumo miocárdico de oxigênio pode estar elevado por aumentos
na frequência cardíaca, estresse da parede ventricular e contratilidade
miocárdica, enquanto o fornecimento miocárdico de oxigênio é determinado
pelo fluxo sanguíneo coronariano e pelo conteúdo de oxigênio arterial
coronariano. Quando a isquemia miocárdica é grave o suficiente e prolongada
(mesmo que apenas 20 minutos), ocorre lesão celular irreversível, resultando em
IAM.
A causa mais comum de cardiopatia isquêmica é uma placa ateromatosa
que obstrui uma ou mais artérias coronárias epicárdicas. A cardiopatia isquêmica
estável (Cap. 267) em geral resulta do estreitamento aterosclerótico gradual das
coronárias. A angina estável caracteriza-se por episódios isquêmicos que
costumam ser precipitados por um aumento superposto na demanda de oxigênio
durante exercício físico e aliviados com repouso. A cardiopatia isquêmica torna-
se instável mais comumente quando uma ruptura ou erosão de uma ou mais
lesões ateroscleróticas desencadeia trombose coronariana. A cardiopatia
isquêmica instável é classificada clinicamente pela presença ou ausência de lesão
miocárdica detectável e pela presença ou ausência de elevação do segmento ST
no eletrocardiograma (ECG) do paciente. Quando ocorre aterotrombose
coronariana aguda, o trombo intracoronariano pode ser parcialmente obstrutivo,
em geral ocasionando isquemia miocárdica sem elevação do segmento ST.
Acentuada por sintomas isquêmicos em repouso, com atividade mínima ou em
um padrão “em crescendo”, a cardiopatia isquêmica instável é classificada como
angina instável quando não há lesão miocárdica detectável e como IAM sem
elevação do ST (IAMSEST) quando há evidência de necrose miocárdica (Cap. 2
68). Quando o trombo coronariano causa obstrução aguda e completa, em geral
segue-se isquemia miocárdica transmural, com elevação do segmento ST no
ECG e necrose miocárdica, levando a um diagnóstico de IAM com elevação do
ST (IAMEST, ver Cap. 269).
Os médicos devem lembrar que sintomas de isquemia instável também
podem ocorrer predominantemente por aumento da demanda miocárdica de
oxigênio (p. ex., durante estresse psicológico intenso ou febre) ou por uma
liberação menor de oxigênio em decorrência de anemia, hipoxia ou hipotensão.
No entanto, a designação de síndrome coronariana aguda, que abrange angina
instável, IAMSEST e IAMEST, em geral é reservada para a isquemia precipitada
por aterotrombose coronariana aguda. Para orientar as estratégias terapêuticas,
um sistema padronizado de classificação do IAM foi ampliado para discriminar
o IAM que resulta de trombose coronariana aguda (tipo 1) do IAM que ocorre
secundário a outros desequilíbrios do fornecimento e da demanda miocárdicos
de oxigênio (tipo 2; ver Cap. 268).
Outros fatores podem contribuir para a cardiopatia isquêmica estável e a
instável, como disfunção endotelial, doença microvascular e vasospasmo,
sozinhos ou combinados com aterosclerose coronariana, e ser a causa dominante
de isquemia miocárdica em alguns pacientes. Além disso, processos não
ateroscleróticos, inclusive anormalidades congênitas dos vasos coronarianos,
ponte miocárdica, arterite coronariana e coronariopatia induzida por radiação,
podem acarretar obstrução coronariana. Condições associadas a uma demanda
miocárdica extrema de oxigênio e comprometimento do fluxo sanguíneo
endocárdico, como valvopatia aórtica (Cap. 274), miocardiopatia hipertrófica ou
miocardiopatia dilatada idiopática (Cap. 254), também podem precipitar
isquemia miocárdica em pacientes com ou sem aterosclerose obstrutiva
subjacente.
Características da dor torácica isquêmica As características clínicas da angina
pectoris, em geral citada simplesmente como “angina”, são altamente similares
se a dor isquêmica for uma manifestação de cardiopatia isquêmica estável,
angina instável ou IAM; as exceções são diferenças no padrão e na duração dos
sintomas associados a essas síndromes (Tab. 11-1). Heberden inicialmente
descreveu a angina como uma sensação de “aperto e ansiedade”. A dor torácica
característica da isquemia miocárdica é descrita geralmente como contínua,
intensa, excruciante, esmagadora ou constritora. Entretanto, em uma minoria
substancial de pacientes, a qualidade da dor é extremamente vaga e pode ser
descrita como um aperto leve ou meramente uma sensação desconfortável, às
vezes como dormência ou sensação de queimação. A localização da dor
geralmente é retroesternal, mas é comum ele irradiar-se para baixo da superfície
ulnar do braço esquerdo; o braço direito, ambos os braços, o pescoço, a
mandíbula ou os ombros também podem estar envolvidos. Essas e outras
características da dor torácica isquêmica pertinentes à discriminação de outras
causas de dor torácica são discutidas mais adiante neste capítulo (ver
“Abordagem ao paciente”).
A angina estável em geral começa gradualmente e atinge sua intensidade
máxima em questão de minutos antes de dissipar-se vários minutos depois com o
repouso ou a administração de nitroglicerina. É comum a dor ocorrer de maneira
previsível com um nível característico de exercício ou estresse psicológico. Por
definição, a angina instável manifesta-se por dor torácica anginosa que ocorre
com atividade física de intensidade cada vez mais baixa ou mesmo em repouso.
A dor torácica associada ao IAM costuma ser mais grave, é prolongada (em
geral, dura ≥ 30 minutos) e não é aliviada com o repouso.
Doenças da aorta (Ver também Cap. 274) A dissecção aórtica aguda (Fig. 11-
1) é uma causa menos comum de dor torácica, mas é importante pela história
natural catastrófica de certos subgrupos de casos, quando o diagnóstico é tardio
ou o problema não é tratado. As síndromes aórticas agudas abrangem um
espectro de doenças aórticas agudas relacionadas com a ruptura da camada
média da parede aórtica. A dissecção aórtica envolve uma laceração na íntima
aórtica, resultando em separação da média e criação de um lúmen “falso”
separado. Uma úlcera penetrante foi descrita como ulceração de uma placa
aórtica ateromatosa que se estende através da íntima e para a média aórtica, com
o potencial de iniciar uma dissecção intramedial ou ruptura na adventícia.
Hematoma intramural é um hematoma na parede aórtica sem flap ou laceração
da íntima demonstrável em radiografias e também sem lúmen falso. O hematoma
intramural pode ocorrer devido à ruptura dos vasa vasorum ou, menos
comumente, a uma úlcera penetrante.
Cada um desses subtipos de síndrome aórtica aguda costuma apresentar-se
com dor torácica em geral intensa, de início súbito e às vezes descrita como de
qualidade “dilacerante”. As síndromes aórticas agudas que envolvem a aorta
ascendente tendem a causar dor na linha média da parte anterior do tórax,
enquanto as síndromes aórticas descendentes manifestam-se com maior
frequência por dor nas costas. Assim, a dissecção que começa na aorta
ascendente e segue para a aorta descendente tende a causar dor torácica anterior,
estendendo-se para o dorso, entre as escápulas. As dissecções aórticas proximais
que envolvem a aorta ascendente (tipo A na nomenclatura Stanford) implicam
alto risco de complicações importantes que podem influenciar a apresentação
clínica, incluindo (1) comprometimento dos óstios aórticos das artérias
coronárias, que resulta em IAM; (2) ruptura da valva aórtica, causando
insuficiência aórtica aguda; e (3) ruptura de hematoma no espaço pericárdico,
ocasionando tamponamento pericárdico.
O conhecimento da epidemiologia das síndromes aórticas agudas pode ser
útil para lembrar esse grupo relativamente incomum de distúrbios (com
incidência anual estimada de 3 casos por 100 mil pessoas na população). As
dissecções aórticas não traumáticas são muito raras na ausência de hipertensão
ou condições associadas à deterioração dos componentes elásticos ou musculares
da média aórtica, incluindo gravidez, doença aórtica bicúspide ou doenças
hereditárias do tecido conectivo, como a síndrome de Marfan e a de Ehlers-
Danlos.
Embora os aneurismas aórticos sejam mais frequentemente assintomáticos,
os aneurismas da aorta torácica podem causar dor torácica e outros sintomas pela
compressão de estruturas adjacentes. Essa dor tende a ser constante, profunda e
ocasionalmente intensa. A aortite, seja de etiologia infecciosa ou não, na
ausência de dissecção aórtica, é uma causa rara de dor torácica ou nas costas.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Dor torácica
Ante a grande variedade de causas potenciais e o risco heterogêneo de
complicações graves em pacientes que se apresentam com dor torácica aguda
não traumática, as prioridades da avaliação clínica inicial incluem (1) a
estabilidade clínica do paciente e (2) a probabilidade de que ele tenha uma
causa subjacente da dor que seja potencialmente fatal. As condições de alto
risco mais preocupantes são processos cardiopulmonares agudos, incluindo
SCA, síndrome aórtica aguda, embolia pulmonar, pneumotórax hipertensivo
e pericardite com tamponamento. Entre as causas não cardiopulmonares de
dor torácica, é provável que a ruptura esofágica seja o diagnóstico mais
urgente a ser estabelecido. O estado dos pacientes com essas condições pode
deteriorar rapidamente, mesmo que inicialmente eles aparentem estar bem. A
população restante com condições não cardiopulmonares tem um prognóstico
mais favorável ao se completar a avaliação diagnóstica. Uma avaliação
rápida, voltada para uma causa cardiopulmonar grave, tem relevância
particular nos pacientes com dor aguda em andamento atendidos em
emergências. Entre os pacientes que se apresentam em ambulatórios com dor
crônica ou que se resolveu, é razoável fazer uma avaliação diagnóstica geral
(ver “Avaliação ambulatorial da dor torácica”, adiante). Uma série de
perguntas que podem ser feitas para estruturar a avaliação clínica de
pacientes com dor torácica é mostrada na Tabela 11-2.
HISTÓRIA
A avaliação da dor torácica não traumática baseia-se, em grande parte, na
anamnese clínica e no exame físico para orientar a realização dos exames
diagnósticos subsequentes. O médico deve avaliar a qualidade, a localização
(inclusive se há irradiação) e o padrão (incluindo o início e a duração) da dor,
bem como quaisquer fatores que a provocam ou aliviam. A presença de
sintomas associados também pode ser útil para estabelecer um diagnóstico.
FIGURA 11-2 Associação das características da dor torácica com a probabilidade de infarto
agudo do miocárdio (IAM). Observe que um estudo maior subsequente mostrou uma associação não
significativa com a irradiação para o braço direito. (Figura preparada com dados de CJ Swap, JT
Nagurney: JAMA 294:2623, 2005.)
RADIOGRAFIA DE TÓRAX
(Ver Cap. A12) A radiografia simples do tórax é feita rotineiramente quando
os pacientes apresentam-se com dor torácica aguda e de maneira seletiva
quando aqueles avaliados no contexto ambulatorial têm dor subaguda ou
crônica. A radiografia de tórax é mais útil para identificar processos
pulmonares, como pneumonia ou pneumotórax. Os achados em geral nada
têm de notável nos pacientes com SCA, mas edema pulmonar pode ser
evidente. Outros achados específicos incluem alargamento do mediastino em
alguns pacientes com dissecção aórtica, corcova de Hampton ou sinal de
Westermark em pacientes com embolia pulmonar (Caps. 273 e A12) ou
calcificação pericárdica na pericardite crônica.
BIOMARCADORES CARDÍACOS
Os exames laboratoriais em pacientes com dor torácica aguda se concentram
na detecção de lesão miocárdica. Essa lesão pode ser detectada pela presença
de proteínas circulantes liberadas pelas células miocárdicas danificadas.
Devido ao tempo necessário para essa liberação, os primeiros biomarcadores
de lesão podem estar nos níveis normais, mesmo em pacientes com IAMEST.
Graças à especificidade tecidual cardíaca superior em comparação com a
creatina-cinase MB, a troponina cardíaca é o biomarcador preferido para o
diagnóstico de IAM e deve ser medida em todos os pacientes que chegam
com suspeita de SCA e repetida 3 a 6 horas depois. Só é necessário repetir o
exame após 6 horas quando não se tem certeza a respeito do início da dor ou
quando os sintomas forem vagos. Não é necessário nem recomendável medir
a troponina em pacientes sem suspeita de SCA, a menos que tal estimativa
seja usada especificamente para estratificação do risco (p. ex., na embolia
pulmonar ou na insuficiência cardíaca).
O desenvolvimento de ensaios para medir a troponina cardíaca com
sensibilidade analítica progressivamente maior facilitou a detecção de
concentrações sanguíneas de troponina substancialmente mais baixas do que
antes era possível. Tal evolução permite a detecção precoce de lesão
miocárdica, aumenta a acurácia global de um diagnóstico de IAM e melhora
a estratificação do risco na suspeita de SCA. O maior valor preditivo
negativo de um resultado de troponina negativa nos ensaios atuais é uma
vantagem na avaliação da dor torácica no contexto de emergência. Protocolos
rápidos de exclusão que usam exames seriados e alterações na concentração
de troponina em um período curto de 1 a 2 horas parecem promissores e têm
sido adotados em alguns centros onde ensaios de alta sensibilidade para
troponinas são rotineiramente usados. Nos pacientes que consultam > 2 horas
após o início dos sintomas, uma concentração de troponinas cardíacas abaixo
do limite de detecção usando um ensaio de alta sensibilidade pode ser
suficiente para excluir IAM com valor preditivo negativo > 99% no momento
da apresentação ao hospital. No entanto, essas vantagens tiveram uma
consequência: a lesão miocárdica agora é detectada em uma proporção maior
de pacientes com condições cardiopulmonares que não a SCA, comparada
com os ensaios menos sensíveis. Tal evolução nos exames para detectar
necrose miocárdica gerou outros aspectos da avaliação clínica que são
cruciais para a determinação da probabilidade de que os sintomas
representem SCA. Além disso, a observação de uma alteração na
concentração de troponina cardíaca entre amostras seriadas é útil para
discriminar as causas agudas de lesão miocárdica da elevação crônica devida
a cardiopatia estrutural subjacente, doença renal em estágio terminal ou
interferência de anticorpos. O diagnóstico de IAM é reservado para a lesão
miocárdica aguda assinalada por uma padrão de elevação e/ou queda – com
pelo menos um valor excedendo o percentil 99 do limite de referência – e
que é causada por isquemia. Outras lesões não isquêmicas, como miocardite,
podem resultar em lesão miocárdica, mas não devem ser consideradas IAM.
Outras avaliações laboratoriais podem incluir o teste de D-dímeros para
ajudar na exclusão de embolia pulmonar (Cap. 273). A estimativa de um
peptídeo natriurético do tipo B é útil quando considerada em conjunto com a
anamnese e o exame clínico para o diagnóstico de insuficiência cardíaca. Os
peptídeos natriuréticos do tipo B também fornecem informação prognóstica
sobre os pacientes com SCA e aqueles com embolia pulmonar.
FIGURA 11-3 Exemplos de ferramentas de apoio à decisão usadas em conjunto com medidas
seriadas dos níveis de troponina cardíaca para a avaliação de dor torácica aguda (Figura
preparada a partir de dados de SA Mahler et al: Int J Cardiol 168:795, 2013.)
LEITURAS ADICIONAIS
Amsterdam EA et al: Testing of low-risk patients presenting to the emergency
department with chest pain: A scientific statement from the American Heart
Association. Circulation 122:1756, 2010.
Fanaroff AC et al: Does this patient with chest pain have acute coronary
syndrome? JAMA 314:1955, 2015.
Hermann LK et al: Yield of routine provocative cardiac testing among patients in
an emergency department-based chest pain unit. JAMA Int Med 173:1128,
2013.
Mahler SA et al: The HEART Pathway randomized trial: Identifying emergency
department patients with acute chest pain for early discharge. Circulation
Cardiovasc Qual Outcomes 8:195, 2015.
Shah AS et al: High-sensitivity cardiac troponin I at presentation in patients with
suspected acute coronary syndrome: A cohort study. Lancet 386:2481,
2016.
12
Dor abdominal
Danny O. Jacobs
IMUNOCOMPROMETIDOS
A investigação e o diagnóstico das causas de dor abdominal em pacientes
imunossuprimidos ou com qualquer forma de imunocomprometimento são muito
difíceis. Nessa situação, estão os pacientes submetidos a transplante de órgão;
aqueles sendo tratados com imunossupressores para doença autoimune;
quimioterapia ou glicocorticoides; com diagnóstico de Aids; ou os muito idosos.
Nessas circunstâncias, as respostas fisiológicas normais podem estar ausentes ou
ocultas. Além disso, infecções incomuns podem causar dor abdominal tendo
como agentes etiológicos citomegalovírus, micobactérias, protozoários e fungos.
Todos esses patógenos podem afetar os órgãos gastrintestinais, incluindo
vesícula biliar, fígado e pâncreas, assim como o restante do trato gastrintestinal,
onde podem causar perfuração oculta ou francamente sintomática. Também se
deve considerar a possibilidade de abscesso esplênico causado por infecção por
Candida ou Salmonella, especialmente ao se investigar pacientes com dor no
quadrante superior esquerdo ou no flanco esquerdo. A colecistite acalculosa
pode ser observada em pacientes imunocomprometidos ou naqueles com Aids,
podendo, frequentemente, ocorrer em associação à infecção por criptosporídio
ou por citomegalovírus.
A enterocolite neutropênica é frequentemente identificada como causa de
dor abdominal e febre em alguns pacientes com supressão da medula óssea por
quimioterapia. A possibilidade de doença aguda do enxerto contra o hospedeiro
deve ser considerada nessas situações. O manejo ideal desses pacientes exige o
acompanhamento meticuloso, incluindo exames seriados para avaliar a
necessidade de mais intervenções cirúrgicas para, por exemplo, localizar a
perfuração.
CAUSAS NEUROGÊNICAS
As doenças com lesão de nervos sensitivos podem causar causalgia. Essa dor
tem caráter em queimação e geralmente limita-se à distribuição de determinado
nervo periférico. Os estímulos que normalmente não são dolorosos, como toque
ou mudança de temperatura, podem induzir causalgia e frequentemente ocorrem
mesmo em repouso. A constatação de dor em pontos cutâneos irregularmente
espaçados pode ser a única indicação da presença de lesão nervosa antiga.
Embora a dor possa ser precipitada por palpação suave, não há rigidez dos
músculos abdominais, e a respiração geralmente não é afetada. A distensão do
abdome é incomum, e a dor não apresenta relação com a ingestão de alimentos.
A dor que se origina de nervos ou raízes espinais aparece e desaparece
subitamente, sendo do tipo lancinante (Cap. 14). Pode ser causada por herpes-
zóster, compressão por artrite, tumores, hérnia de núcleo pulposo, diabetes ou
sífilis. Não está associada a ingestão de alimentos, distensão abdominal ou
alterações na respiração. Espasmos musculares intensos, quando presentes, são
aliviados, ou pelo menos não acentuados, pela palpação abdominal. A dor é
agravada pelo movimento da coluna vertebral e, em geral, limita-se a poucos
dermátomos. A hiperestesia é muito comum.
A dor provocada por causas funcionais não obedece a nenhum dos padrões
anteriormente mencionados. Os mecanismos da doença não estão claramente
definidos. A síndrome do intestino irritável (SII) é um distúrbio gastrintestinal
funcional caracterizado por dor abdominal e alteração no hábito intestinal. O
diagnóstico é feito com base em critérios clínicos (Cap. 320) e após a exclusão
de anormalidades estruturais demonstráveis. Os episódios de dor abdominal
muitas vezes são desencadeados por estresse, e a dor varia consideravelmente na
sua natureza e localização. Náuseas e vômitos são raros. Dor localizada à
palpação e espasmo muscular são inconsistentes ou estão ausentes. As causas de
SII ou de distúrbios funcionais relacionados não são completamente conhecidas.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Dor abdominal
São poucos os distúrbios abdominais que exigem intervenção cirúrgica tão
urgente a ponto de ser necessário abandonar uma abordagem sistemática,
independentemente do quanto o paciente esteja enfermo. Apenas os pacientes
com hemorragia intra-abdominal exsanguinante (p. ex., ruptura de
aneurisma) devem ser levados imediatamente à sala de cirurgia, mas, nesses
casos, são necessários apenas alguns minutos para avaliar a natureza crítica
do problema. Em tais circunstâncias, devem-se remover todos os obstáculos,
obter-se um acesso venoso adequado à reposição de volume e iniciar a
cirurgia. Infelizmente, muitos desses pacientes podem morrer no setor de
radiologia ou no departamento de emergência enquanto aguardam por
exames desnecessários. Não há contraindicação absoluta à cirurgia na
presença de hemorragia intra-abdominal massiva. Felizmente, essa situação
é relativamente rara. Essa afirmativa não necessariamente se aplica aos
pacientes com hemorragia intraluminal gastrintestinal que, frequentemente,
podem ser conduzidos de outra forma (Cap. 44). Nesses pacientes, a
obtenção de anamnese detalhada, quando possível, pode ser extremamente
útil mesmo que possa ser trabalhosa e demorada. A tomada de decisão sobre
as próximas etapas é facilitada e um diagnóstico razoavelmente acurado pode
ser feito antes da realização de qualquer exame diagnóstico.
Nos casos de dor abdominal aguda, o diagnóstico pode ser prontamente
definido na maioria dos casos, enquanto o sucesso é menos frequente em
pacientes com dor crônica. A SII é uma das causas mais comuns de dor
abdominal, devendo-se sempre tê-la em mente (Cap. 320). A localização da
dor pode auxiliar a restringir o diagnóstico diferencial (Tab. 12-3);
entretanto, a sequência cronológica de eventos na história do paciente é, com
frequência, mais importante do que a localização da dor. Deve-se dar muita
atenção às regiões extra-abdominais. O uso de narcóticos ou analgésicos não
deve ser adiado até que se tenha estabelecido o diagnóstico definitivo ou
elaborado um plano final; é improvável que a analgesia adequada dificulte o
diagnóstico.
LEITURAS ADICIONAIS
Bhangu A et al: Acute appendicitis: Modern understanding of pathogenesis,
diagnosis and management, Lancet 386:1278, 2015.
Cartwright SL, Knudson MP: Diagnostic imaging of acute abdominal pain in
adults. Am Fam Phys 91: 452, 2015.
Huckins DS et al: Diagnostic performance of a biomarker panel as a negative
predictor for acute appendicitis in acute emergency department patients
with abdominal pain. Available from http://dx.doi.org/10.1016/j.ajem.2016.
11.027. Accessed November 2016.
Nayor J et al: Tracing the cause of abdominal pain. N Engl J Med 375:e8, 2016.
Phillips MT: Clinical yield of computed tomography scans in the emergency
department for abdominal pain. J Invest Med 64:542, 2016.
Silen W, Cope Z: Cope’s Early Diagnosis of the Acute Abdomen, 22nd ed. New
York, Oxford University Press, 2010.
13
Cefaleia
Peter J. Goadsby
A cefaleia está entre as razões mais comuns pelas quais os pacientes procuram
atendimento médico, sendo responsável, em um nível global, por mais
incapacidade do que qualquer outro problema neurológico. O diagnóstico e o
tratamento baseiam-se em uma abordagem clínica cuidadosa, amplificada pelo
conhecimento da anatomia, fisiologia e farmacologia das vias do sistema
nervoso que medeiam as várias síndromes de cefaleia. Este capítulo irá
concentrar-se na abordagem geral ao paciente com cefaleia; a migrânea e outros
distúrbios primários da cefaleia são discutidos no Capítulo 422.
PRINCÍPIOS GERAIS
Um sistema de classificação desenvolvido pela International Headache Society (
www.ihs-headache.org/ichd-guidelines) caracteriza a cefaleia como primária ou
secundária (Tab. 13-1). As cefaleias primárias são aquelas em que a cefaleia e
suas manifestações associadas constituem o distúrbio em si, enquanto as
cefaleias secundárias são aquelas causadas por distúrbios exógenos (Headache
Classification Comittee of the International Headache Society, 2018). A cefaleia
primária frequentemente resulta em considerável incapacidade e redução da
qualidade de vida do paciente. A cefaleia secundária leve, como a observada em
associação a infecções do trato respiratório superior, é comum, mas raramente
preocupante. A cefaleia ameaçadora à vida é relativamente incomum, mas é
necessário ter vigilância a fim de reconhecer e tratar de maneira apropriada os
pacientes.
Tipo % Tipo %
MENINGITE
A cefaleia aguda e intensa com rigidez de nuca e febre sugere meningite. A PL é
obrigatória. Frequentemente há acentuação marcada da dor com os movimentos
dos olhos. É fácil confundir meningite com migrânea, pois os sintomas cardinais
de cefaleia latejante, fotofobia, náuseas e vômitos frequentemente estão
presentes, talvez refletindo a biologia subjacente de alguns pacientes.
A meningite é discutida nos Capítulos 133 e 134.
HEMORRAGIA INTRACRANIANA
Cefaleia intensa aguda, com pico em < 5 minutos e durando > 5 minutos, com
rigidez de nuca, mas sem febre, sugerem hemorragia subaracnóidea. Um
aneurisma roto, malformação arteriovenosa ou hemorragia intraparenquimatosa
também podem apresentar-se apenas com cefaleia. Raramente, se a hemorragia
for leve ou abaixo do forame magno, a TC de crânio pode ser normal. Portanto, a
PL pode ser necessária para estabelecer o diagnóstico definitivo de hemorragia
subaracnóidea.
A hemorragia subaracnóidea é discutida no Capítulo 302 e a
hemorragia intracraniana no Capítulo 421.
TUMOR CEREBRAL
Cerca de 30% dos pacientes com tumores cerebrais consideram a cefaleia sua
queixa principal. A cefaleia costuma ser comum – uma dor maçante, profunda,
intermitente, de intensidade moderada, que pode piorar aos esforços ou por
mudança de posição e pode ser acompanhada de náuseas e vômitos. Esse padrão
de sintomas é resultado de migrânea com frequência muito maior do que de
tumor cerebral. A cefaleia de um tumor cerebral perturba o sono em cerca de
10% dos pacientes. Os vômitos que precedem o início da cefaleia em semanas
são altamente típicos de tumores cerebrais da fossa posterior. Uma história de
amenorreia ou galactorreia deve levar à suspeita de adenoma hipofisário secretor
de prolactina (ou de síndrome dos ovários policísticos) como a origem da
cefaleia. A cefaleia que surge originalmente em paciente com câncer conhecido
sugere metástase cerebral ou meningite carcinomatosa, ou ambas. A cefaleia que
surge abruptamente após a inclinação ou elevação do corpo ou tosse pode ser
causada por uma massa na fossa posterior, malformação de Chiari ou baixo
volume de líquido cerebrospinal (LCS).
Os tumores cerebrais são discutidos no Capítulo 86.
ARTERITE TEMPORAL
(Ver também Caps. 28 e 356) A arterite temporal (de células gigantes) é um
distúrbio inflamatório das artérias que frequentemente envolve a circulação
carotídea extracraniana. Constitui um distúrbio comum em idosos; sua
incidência anual é de 77 por 100 mil indivíduos com 50 anos de idade ou mais.
A idade média de início é 70 anos, e as mulheres respondem por 65% dos casos.
Cerca de metade dos pacientes com arterite temporal não tratada desenvolve
cegueira causada por envolvimento da artéria oftálmica e seus ramos; na
verdade, a neuropatia óptica isquêmica induzida por arterite de células gigantes é
a principal causa de cegueira bilateral de rápido desenvolvimento em pacientes
com > 60 anos. Como o tratamento com glicocorticoides é eficaz na prevenção
dessa complicação, o imediato reconhecimento do distúrbio é importante.
Os sintomas típicos de apresentação incluem cefaleia, polimialgia
reumática (Cap. 356), claudicação mandibular, febre e perda de peso. A cefaleia
é o sintoma dominante e frequentemente aparece associada a mal-estar e
mialgias. A dor na cabeça pode ser unilateral ou bilateral e localizar-se
temporalmente em 50% dos pacientes, embora possa envolver qualquer uma ou
todas as áreas do crânio. A dor em geral surge gradualmente durante um período
de algumas horas antes de atingir intensidade máxima; ocasionalmente, é de
início explosivo. A dor é raramente latejante; quase sempre é descrita como
maçante e incômoda, com episódios sobrepostos de dores lancinantes
semelhantes às dores agudas que surgem na migrânea. A maioria dos pacientes
consegue reconhecer que a origem da sua dor de cabeça é superficial, externa ao
crânio, e não com origem profunda no crânio (local da dor geralmente
identificado por quem sofre de migrânea). Há hipersensibilidade no couro
cabeludo, frequentemente em grau acentuado; devido à dor, pode-se tornar
impossível escovar os cabelos ou deitar a cabeça no travesseiro. A cefaleia
costuma piorar à noite e muitas vezes é agravada por exposição ao frio. Achados
adicionais podem incluir nódulos avermelhados sensíveis ou estrias vermelhas
na pele sobre as artérias temporais e dor à palpação das artérias temporais ou,
menos comumente, das occipitais.
A velocidade de hemossedimentação (VHS) muitas vezes apresenta-se
elevada, porém nem sempre; uma VHS normal não exclui arterite de células
gigantes. A biópsia da artéria temporal, seguida de tratamento imediato com
prednisona, 80 mg/dia, nas primeiras 4 a 6 semanas, deve ser instituída quando a
suspeita clínica é alta. A prevalência de migrânea entre idosos é substancial, bem
mais alta que a de arterite de células gigantes. Os que sofrem com migrânea
geralmente relatam melhora de sua cefaleia com prednisona; assim, deve-se ter
cautela ao interpretar a resposta terapêutica.
GLAUCOMA
O glaucoma pode apresentar-se com cefaleia debilitante associada a náuseas e
vômitos. A cefaleia frequentemente começa com dor ocular intensa. Ao exame
físico, o olho costuma estar vermelho com pupila fixa e moderadamente
dilatada.
O glaucoma é discutido no Capítulo 28.
Siglas: SNC, sistema nervoso central; SUNA, crises de cefaleia neuralgiforme unilateral de curta duração com sintomas autonômicos
cranianos; SUNCT, crises de cefaleia breve, unilateral, neuralgiforme com hiperemia conjuntival e lacrimejamento.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Cefaleia diária crônica
O primeiro passo no tratamento dos pacientes com CDC é diagnosticar e
tratar qualquer cefaleia secundária (Tab. 13-3). Isso algumas vezes pode ser
um desafio, em que a causa subjacente desencadeia uma piora de uma
cefaleia primária. Para pacientes com cefaleias primárias, o diagnóstico do
tipo de cefaleia irá orientar a terapia. Os tratamentos preventivos, como os
tricíclicos, seja amitriptilina ou nortriptilina, com doses de até 1 mg/kg, são
muito úteis aos pacientes com CDC originada da migrânea ou da cefaleia do
tipo tensional ou em que a causa secundária ativou a cefaleia primária
subjacente. Os tricíclicos são iniciados em doses baixas (10-25 mg)
diariamente e podem ser administrados 12 horas antes da hora esperada para
acordar, a fim de evitar excesso de sono na manhã seguinte. Medicamentos
incluindo topiramato, valproato, propranolol, flunarizina (não disponível nos
Estados Unidos) e candesartana também são úteis na migrânea.
Outras causas Em uma série, um terço dos pacientes com CPDI relataram
cefaleia que começa após uma doença gripal transitória caracterizada por
febre, rigidez de nuca, fotofobia e mal-estar acentuado. A avaliação
geralmente não revela nenhuma causa aparente para cefaleia. Não há
evidências convincentes de que a infecção persistente por Epstein-Barr
desempenhe um papel na CPDI. Um fator complicador é que muitos
pacientes se submetem à PL durante a doença aguda; a cefaleia iatrogênica
por baixo volume de LCS tem de ser considerada nesses casos.
LEITURAS ADICIONAIS
Headache Classification Committee of the International Headache Society: The
International Classification of Headache Disorders, 3rd ed. Cephalalgia
33:629, 2018.
Kernick D, Goadsby PJ: Headache: A Practical Manual. Oxford: Oxford
University Press, 2008.
Lance JW, Goadsby PJ: Mechanism and Management of Headache, 7th ed. New
York, Elsevier, 2005.
Olesen J et al: The Headaches. Philadelphia, Lippincott, Williams & Wilkins,
2005.
Silberstein SD, Lipton RB, Dodick D: Wolff’s Headache and Other Head Pain,
8th ed. New York, Oxford, 2008.
14
Dor nas costas e no pescoço
John W. Engstrom
FIGURA 14-1 Anatomia vertebral. (De A Gauthier Cornuelle, DH Gronefeld: Radiographic Anatomy
Positioning. New York, McGraw-Hill, 1998; com permissão.)
FIGURA 14-2 Coluna vertebral. (De A Gauthier Cornuelle, DH Gronefeld: Radiographic Anatomy
Positioning. New York, McGraw-Hill, 1998; com permissão.)
TABELA 14-1 ■ Lombalgia aguda: fatores de risco que indicam uma causa estrutural importante
História
Dor piora em repouso ou à noite
História anterior de câncer
História de infecção crônica (especialmente pulmonar, urinária, cutânea)
História de traumatismo
Incontinência
> 70 anos de idade
Uso de drogas intravenosas
Uso de glicocorticoide
História de déficit neurológico rapidamente progressivo
Exame
Febre inexplicada
Perda de peso inexplicada
Dor à palpação/percussão sobre a linha média da coluna
Massa abdominal, retal ou pélvica
Rotação interna/externa da perna ao nível do quadril; sinal da percussão do calcanhar
Sinais de elevação da perna estendida ou da perna estendida inversa
Déficit neurológico focal progressivo
EXAME
Recomenda-se um exame físico que inclua o abdome e o reto. A dor nas
costas referida de órgãos viscerais pode ser reproduzida durante a palpação
do abdome (pancreatite, aneurisma aórtico abdominal [AAA]) ou percussão
dos ângulos costovertebrais (pielonefrite).
A coluna vertebral normal exibe uma lordose cervical e lombar, bem
como cifose torácica. A exacerbação desses alinhamentos normais pode
resultar em hipercifose da coluna torácica ou hiperlordose da coluna lombar.
A inspeção pode revelar uma curvatura lateral da coluna (escoliose). Uma
assimetria na proeminência da musculatura paraespinal sugere espasmo
muscular. A dor na coluna que é reproduzida pela palpação de processos
espinhosos reflete lesão das vértebras afetadas ou de estruturas adjacentes
sensíveis à dor.
O espasmo dos músculos paravertebrais com frequência limita o
encurvamento para frente, podendo aplanar a lordose lombar usual. A flexão
dos quadris é normal em pacientes com doença da coluna lombar, porém a
flexão da coluna lombar se mostra limitada, sendo às vezes dolorosa. A
inclinação para o lado contralateral ao elemento vertebral lesionado pode
causar o estiramento dos tecidos danificados, agravar a dor e limitar a
mobilidade. A hiperextensão da coluna (com o paciente em decúbito ventral
ou na posição ereta) é limitada quando há compressão de raízes nervosas,
patologia da articulação facetária ou outra doença da coluna óssea.
A dor decorrente de doença do quadril pode simular a de doença da
coluna lombar. A dor no quadril pode ser reproduzida pela rotação passiva
medial e lateral no quadril, com o joelho e o quadril em flexão, ou quando o
médico percute com a palma o calcanhar enquanto o membro inferior está
estendido (sinal de percussão do calcanhar).
A manobra de elevação da perna estendida (EPE) é um teste simples à
beira do leito para a doença de raízes nervosas. Com o paciente em posição
supina, a flexão passiva da perna estendida sobre o quadril estira as raízes
nervosas de L5 e S1 e o nervo ciático; a dorsiflexão do pé durante a manobra
aumenta o estiramento. Em pessoas saudáveis, a flexão de pelo menos 80° é
normalmente possível sem causar dor, embora uma sensação de aperto ou
estiramento nos músculos isquiotibiais seja comum. O teste de EPE será
positivo se a manobra reproduzir a dor habitual do paciente nas costas ou no
membro. A produção do sinal da EPE na posição supina e sentada pode
ajudar a determinar se o achado é reproduzível. O paciente pode descrever a
ocorrência de dor na região lombar, nas nádegas, na parte posterior da coxa
ou na parte inferior da perna, porém a manifestação essencial é a reprodução
da dor habitual do paciente. O sinal da EPE cruzado estará presente quando
a flexão de uma perna reproduzir a dor na perna ou nádega oposta. O sinal da
EPE cruzado é menos sensível, porém mais específico, para hérnia de disco
que o sinal da EPE. O sinal da EPE reverso é suscitado ao pedir-se ao
paciente que fique de pé ao lado da mesa de exame e estenda passivamente
cada perna com o joelho completamente estendido. Essa manobra, que estira
as raízes nervosas L2-L4, o plexo lombossacro e o nervo femoral, será
considerada positiva se reproduzir a dor habitual do paciente nas costas ou no
membro. Em todos esses testes, a lesão do nervo ou da raiz nervosa é sempre
no lado da dor.
O exame neurológico inclui pesquisa de fraqueza focal ou atrofia
muscular, alterações de reflexos focais, sensibilidade diminuída nas pernas
ou sinais de lesão da medula espinal. O médico deve estar alerta quanto à
possibilidade de fraqueza de escape, definida como flutuações na força
máxima durante o exame muscular. A fraqueza de escape pode decorrer de
dor, de desatenção ou combinação de dor e fraqueza real subjacente. A
fraqueza de escape sem dor geralmente advém da falta de esforço. Em casos
incertos, uma eletromiografia (EMG) pode determinar se há fraqueza real
decorrente de lesão do tecido nervoso. Os achados nas lesões de raízes
nervosas lombossacrais específicas são apresentados na Tabela 14-2 e
discutidos adiante.
inervação a partir dessa raiz. cPresença de sinal de elevação da perna estendida – ver Exame em “Abordagem ao paciente”.
DISTÚRBIOS DEGENERATIVOS
A estenose do canal vertebral lombar (ECVL) descreve um estreitamento do
canal vertebral lombar. Claudicação neurogênica consiste em dor, normalmente
nas costas e nádegas ou pernas, a qual surge ao caminhar ou ficar de pé, sendo
aliviada ao sentar. Os sintomas nas pernas costumam ser bilaterais.
Diferentemente da claudicação vascular, os sintomas costumam ser provocados
pela posição em pé sem deambulação. Ao contrário da doença discal lombar, os
sintomas geralmente são aliviados pela posição sentada. Os pacientes com
claudicação neurogênica costumam conseguir caminhar muito mais longe
inclinados sobre um carrinho de compras e podem pedalar sentados em bicicleta
ergométrica com facilidade. Essas posições de flexão aumentam o diâmetro
anteroposterior do canal vertebral e reduzem a hipertensão venosa intraespinal,
produzindo alívio da dor. Fraqueza focal, perda sensitiva ou alterações dos
reflexos podem ocorrer quando a estenose vertebral está associada à
radiculopatia. Apenas raramente ocorrem déficits neurológicos graves, como
paralisia e incontinência urinária.
A ECVL por si só é comum (6-7% dos adultos), sendo frequentemente
assintomática. A correlação entre a intensidade dos sintomas e o grau de
estenose do canal vertebral é variável. A ECVL costuma ser adquirida (75%),
mas também pode ser congênita ou causada por uma mistura de ambos os tipos.
As formas congênitas (acondroplasia e idiopática) caracterizam-se por pedículos
curtos e espessos que produzem estenose do canal vertebral e do recesso lateral.
Os fatores adquiridos que contribuem para a estenose do canal vertebral incluem
doenças degenerativas (espondilose, espondilolistese e escoliose), traumatismo,
cirurgia na coluna vertebral, distúrbios metabólicos ou endócrinos (lipomatose
epidural, osteoporose, acromegalia, osteodistrofia renal, hipoparatireoidismo) e
doença de Paget. A RM proporciona a melhor definição da anatomia anormal (Fi
g. 14-5).
FIGURA 14-5 Imagens ponderadas em T2 axiais da coluna lombar. A. A imagem mostra um saco tecal
normal dentro do canal vertebral lombar. O saco tecal é brilhante. As raízes lombares são pontos escuros no
saco tecal posterior, com o paciente em decúbito dorsal. B. O saco tecal não é bem visualizado devido à
estenose grave do canal vertebral lombar, em parte resultante de articulações facetárias hipertróficas.
ESPONDILOSE E ESPONDILOLISTESE
A espondilose, ou doença osteoartrítica da coluna vertebral, em geral ocorre em
uma época mais tardia da vida e acomete principalmente as colunas cervical e
lombossacral. Com frequência, os pacientes queixam-se de dor nas costas que
aumenta com o movimento e está associada à rigidez e que melhora em repouso.
A relação entre os sintomas clínicos e os achados radiológicos não costuma ser
direta. A dor pode ser proeminente quando os achados em radiografia, TC ou
RM são mínimos, e pode-se observar doença vertebral degenerativa proeminente
em pacientes assintomáticos. Osteófitos isolados ou combinados com discos,
bem como espessamento de ligamento flavo podem causar estenose central do
canal vertebral ou contribuir para ela, estenose do recesso lateral ou
estreitamento de forame neural.
A espondilolistese é o deslizamento anterior do corpo vertebral, dos
pedículos e das facetas articulares superiores, deixando para trás os elementos
posteriores. A espondilolistese pode estar associada com espondilólise,
anomalias congênitas, doença degenerativa da coluna ou outras causas de
fraqueza mecânica da pars interarticularis (p. ex., infecção, osteoporose, tumor,
trauma, cirurgia prévia). O deslizamento pode ser assintomático ou pode causar
lombalgia e contratura da musculatura posterior da coxa, lesão de raiz nervosa
(mais frequentemente em L5), estenose espinal sintomática ou SCE em casos
graves. Um “degrau” ou dolorimento à palpação podem ser suscitados próximo
ao segmento que “deslizou” para frente (com maior frequência, L4 sobre L5 ou,
às vezes, L5 sobre S1). Também pode ocorrer anterolistese ou retrolistese focais
em quaisquer níveis cervicais ou lombares e ser a origem da dor nesses locais.
Radiografias simples com o pescoço ou a região lombar em flexão e extensão
revelam o movimento no segmento anormal da coluna. A cirurgia é realizada
para a instabilidade espinal (deslizamento de 5-8 mm) e é considerada para os
sintomas de dor que não respondem a medidas conservadoras (p. ex., repouso,
fisioterapia) e nos casos com déficit neurológico progressivo ou escoliose.
NEOPLASIAS
A dor nas costas é o sintoma neurológico mais comum em pacientes com câncer
sistêmico e o sintoma de apresentação em 20%. A causa geralmente provém de
metástases dos corpos vertebrais (85-90%), mas também pode resultar da
disseminação de câncer pelo forame intervertebral (especialmente no caso de
linfoma), de meningite carcinomatosa ou de metástases para a medula espinal. A
coluna torácica é a mais comumente afetada. A dor nas costas relacionada ao
câncer tende a ser constante, surda, sem alívio com repouso e pior à noite. Por
outro lado, as causas mecânicas de lombalgia geralmente melhoram com
repouso. A RM, a TC e a mielo-TC são os exames de escolha nos casos em que
se suspeita de metástase vertebral. Assim que se detecta uma metástase, a
imagem de toda a coluna é fundamental, pois revela lesões tumorais adicionais
em cerca de um terço dos pacientes. A RM é preferida para definição de tecidos
moles, porém a modalidade de imagem mais rapidamente disponível é a melhor,
visto que o estado do paciente pode deteriorar rapidamente sem intervenção. O
diagnóstico precoce é fundamental. Um forte preditor de desfecho é a função
neurológica basal antes do diagnóstico. Entre 50 e 75% dos pacientes não
caminham no momento do diagnóstico e poucos recuperam a capacidade de
caminhar. O tratamento de metástases vertebrais é discutido em detalhes no
Capítulo 86.
INFECÇÕES/INFLAMAÇÃO
Em geral, a osteomielite vertebral é causada por disseminação hematogênica de
estafilococos, mas outras bactérias ou a tuberculose (mal de Pott) podem estar
implicadas. A fonte primária de infecção costuma ser a pele ou o trato urinário;
uso de drogas intravenosas, dentição ruim, endocardite, doença pulmonar,
cateteres intravenosos ou sítios de feridas no pós-operatório também podem ser
responsáveis. Os achados mais comuns na osteomielite vertebral são dor nas
costas em repouso, dor à palpação da vértebra acometida e elevação da VHS ou
proteína C-reativa. Em uma minoria de pacientes, ocorrem febre ou leucocitose.
A RM e a TC são sensíveis e específicas para a detecção precoce de
osteomielite. O disco intervertebral também pode ser afetado por infecção
(discite) e, quase nunca, por tumor. A extensão posterior da infecção a partir da
vértebra pode produzir um abscesso espinal epidural.
O abscesso espinal epidural (Cap. 434) apresenta-se com dor nas costas
(agravada por movimento ou palpação do processo espinhoso), febre,
radiculopatia ou sinais de compressão da medula espinal. O desenvolvimento
subagudo de dois ou mais desses achados deve aumentar a suspeita de abscesso
espinal epidural. O abscesso é mais bem delineado por RM da coluna e pode se
expandir para vários níveis espinais.
A aracnoidite adesiva lombar com radiculopatia resulta de fibrose pós-
inflamatória dentro do espaço subaracnóideo. A fibrose resulta em aderências
das raízes nervosas e apresenta-se como dor nas costas e nas pernas em
associação a alterações multifocais motoras, sensitivas ou dos reflexos. As
causas da aracnoidite incluem múltiplas cirurgias lombares (mais comum nos
Estados Unidos), infecções vertebrais crônicas (em especial tuberculose no
mundo em desenvolvimento), lesão da medula espinal, hemorragia intratecal,
mielografia (rara), injeção intratecal (glicocorticoides, anestésicos ou outros
agentes) e corpos estranhos. A RM mostra raízes nervosas aglomeradas na
incidência axial ou loculações do líquido cerebrospinal (LCS) no interior do saco
tecal. A aglomeração de raízes nervosas isoladamente não é diagnóstica e
também pode ocorrer com polineuropatia desmielinizante ou infiltração
neoplásica. O tratamento costuma ser insatisfatório. Lise microcirúrgica de
aderências, rizotomia dorsal, ganglionectomia da raiz dorsal e glicocorticoides
epidurais foram tentados, mas os resultados se mostraram medíocres. A
estimulação da coluna dorsal para o alívio da dor tem produzido resultados
variáveis.
TRAUMATISMO
O paciente que se queixa de dor nas costas e incapacidade de mover as pernas
pode estar com fratura ou luxação da coluna vertebral e, no caso das fraturas
acima de L1, há risco de compressão da medula espinal. É preciso ter cuidado
para evitar qualquer lesão adicional da medula espinal ou de raízes nervosas por
meio da imobilização do dorso e do pescoço enquanto se aguardam os resultados
das radiografias. É comum que ocorram fraturas vertebrais na ausência de
trauma em associação com osteoporose, uso de glicocorticoides, osteomielite ou
infiltração neoplásica.
IDIOPÁTICA
A causa da lombalgia eventualmente permanece obscura. Alguns pacientes são
submetidos a múltiplas cirurgias para doença discal. As indicações originais para
a cirurgia podem ter sido duvidosas, com dor nas costas como único sintoma,
ausência de sinais neurológicos definidos ou pequena protuberância discal
observada em TC ou RM. Foram desenvolvidos sistemas de escores baseados
nos sinais neurológicos, fatores psicológicos, estudos fisiológicos e exames de
imagem para reduzir ao mínimo a probabilidade de insucesso das cirurgias.
CONSIDERAÇÕES GLOBAIS
Embora muitas características da anamnese e exame físico descritas neste
capítulo se apliquem a todos os pacientes, as informações referentes a
epidemiologia e prevalência globais da lombalgia são limitadas. O Global
Burden of Diseases Study 2010 relatou que a lombalgia estava em sexto lugar
geral como causa de anos de vida perdidos ajustados por incapacidade (AVAIs
[DALY, de disability-adjusted life years]), ficando em primeiro lugar geral
quanto a anos totais vividos com incapacidade (YLDs). Esses números
aumentaram substancialmente a partir das estimativas de 1990 e, com o
envelhecimento mundial da população, o número de pessoas sofrendo de
lombalgia deve aumentar ainda mais no futuro. Embora a posição da lombalgia
na lista de principais doenças fosse mais alta nos países desenvolvidos, esse não
foi uniformemente o caso; por exemplo, no Norte da África e no Oriente Médio,
a lombalgia ficou em segunda posição para AVAIs. Outra área de incerteza é a
extensão em que diferenças regionais existem em termos das etiologias
específicas de lombalgia e em como elas são manejadas. Por exemplo, a causa
mais comum de aracnoidite nos países em desenvolvimento é a infecção prévia
na coluna, mas nos países desenvolvidos são as múltiplas cirurgias na coluna
lombar. A história antiga e a aceitação da acupuntura na China também pode
explicar o grande número de estudos da China em relação à eficácia da
acupuntura em muitas situações de dor.
TRATAMENTO
Dor nas costas
Evidências crescentes de morbidade causada por terapia opioide de longo prazo (incluindo overdose,
adição, quedas, fraturas, riscos de acidentes e disfunção sexual) levaram à realização de esforços para
reduzir o seu uso para a dor crônica, incluindo a dor nas costas (Cap. 10). A segurança pode ser reforçada
com notificações automatizadas para doses altas, renovação precoce de receitas ou prescrições de múltiplas
farmácias ou sobrepostas de opioides e benzodiazepínicos. Um maior acesso a tratamentos alternativos para
dor crônica, como programas de exercícios personalizados e terapia cognitivo-comportamental (TCC),
também pode ajudar a reduzir a prescrição de opioides. A preocupação pública nos Estados Unidos resultou
na aprovação do Comprehensive Addiction and Recovery Act de 2016.
O custo elevado, amplas variações geográficas e o rápido aumento das taxas de cirurgia de fusão
espinal levaram a uma análise sobre a falta de padronização de indicações apropriadas. Algumas
seguradoras começaram a limitar a cobertura para as indicações mais controversas, como lombalgia sem
radiculopatia. Por fim, pode ser necessária a educação dos pacientes e do público sobre os riscos do
sobretratamento.
LOMBALGIA AGUDA (LA) SEM RADICULOPATIA
É definida como dor que dura < 3 meses. Espera-se recuperação completa em mais de 85% dos adultos com
LA sem dor nas pernas. A maioria exibe sintomas puramente “mecânicos” (i.e., dor agravada pelo
movimento e aliviada pelo repouso).
A avaliação inicial exclui as causas graves de patologia da coluna vertebral que exigem intervenção
urgente, como infecção, câncer ou traumatismo. Os fatores de risco para uma causa grave da LA são
mostrados na Tabela 14-1. Os exames laboratoriais e de imagens são desnecessários se não houver fatores
de risco. TC, RM ou radiografias simples da coluna vertebral raramente são indicadas no primeiro mês de
sintomas, a menos que haja suspeita de fratura, tumor ou infecção vertebral.
O prognóstico da LA costuma ser excelente, mas os episódios tendem a recorrer e até dois terços dos
pacientes experimentarão um segundo episódio dentro de 1 ano. Muitos pacientes não procuram assistência
médica e melhoram por conta própria. Mesmo entre aqueles examinados por médicos de atenção primária,
cerca de dois terços relatam melhora substancial após 7 semanas. A melhora espontânea pode confundir os
clínicos e os pacientes quanto à eficácia das intervenções terapêuticas, a menos que sejam sujeitas a ensaios
prospectivos rigorosos. Muitos tratamentos comumente usados no passado são agora considerados
inefetivos, incluindo repouso no leito e tração lombar.
Os médicos devem tranquilizar e orientar os pacientes no sentido de que a melhora é muito provável,
orientando-os ao autocuidado. A satisfação do paciente e a probabilidade de acompanhamento aumentam
quando os pacientes são orientados acerca do prognóstico, dos métodos de tratamento, das modificações nas
atividades e das estratégias empregadas para evitar exacerbações futuras. Pacientes que relatam não ter
recebido uma explicação adequada para seus sintomas têm mais chances de solicitar exames adicionais. Em
geral, o repouso no leito deve ser evitado para alívio de sintomas graves ou ser mantido no máximo por um
ou dois dias. Vários ensaios randomizados sugerem que o repouso no leito não acelera o ritmo da
recuperação. Geralmente, a melhor recomendação quanto à atividade é reassumir o mais cedo possível as
atividades físicas normais, evitando apenas trabalho manual cansativo. As vantagens possíveis da
deambulação precoce na LA incluem a manutenção do condicionamento cardiovascular, melhora da força
do osso, da cartilagem e do músculo, além de níveis maiores de endorfina. Exercícios específicos para as
costas ou exercícios vigorosos precoces não mostraram benefício na lombalgia aguda. A aplicação de
compressas ou cobertores quentes pode ser útil.
Diretrizes baseadas em evidência sugerem que medicamentos vendidos sem prescrição médica, como
os AINEs e o paracetamol, sejam opções de primeira linha para o tratamento da LA. Em pacientes de outro
modo saudáveis, um teste com AINE pode ser seguido por paracetamol por um período limitado de tempo.
Na teoria, os efeitos anti-inflamatórios dos AINEs podem fornecer uma vantagem sobre o paracetamol na
supressão da inflamação que acompanha muitas causas de LA, mas, na prática, não há evidências clínicas
que sustentem a superioridade dos AINEs. O risco de toxicidade renal e gastrintestinal com os AINEs
aumenta em pacientes com comorbidades preexistentes (p. ex., doença renal crônica, cirrose, hemorragia
digestiva prévia, uso de anticoagulantes ou glicocorticoides, insuficiência cardíaca). Alguns pacientes
preferem usar paracetamol e um AINE juntos na esperança de benefício mais rápido. Os miorrelaxantes,
como a ciclobenzaprina ou o metocarbamol, podem ser úteis, mas a sedação é um efeito colateral comum. A
limitação do uso de relaxantes musculares apenas ao período da noite pode ser uma opção para pacientes
com dor nas costas que interfere no sono.
Nâo há boas evidências que sustentem o uso de analgésicos opioides ou tramadol como terapia de
primeira linha para a LA. É melhor reservá-los para pacientes intolerantes ao paracetamol ou aos AINEs e
para aqueles com dor refratária grave. Como no caso dos relaxantes musculares, esses fármacos costumam
ser sedativos, podendo ser útil prescrevê-los apenas para uso à noite. Os efeitos colaterais do uso de
opioides em curto prazo incluem náuseas, constipação e prurido; os riscos em longo prazo incluem
hipersensibilidade à dor, hipogonadismo e dependência. Quedas, fraturas, acidentes automobilísticos e
impactação fecal são outros riscos. Não está comprovada a eficácia clínica dos opioides para dor crônica
além de 16 semanas de uso.
Não há evidências que sustentem o uso de glicocorticoides orais ou injetáveis, anticonvulsivantes,
antidepressivos, terapias para dor neuropática, como a gabapentina, ou fitoterápicos. Os tratamentos não
farmacológicos comumente usados para a LA também não têm benefício comprovado, incluindo
manipulação espinal, fisioterapia, massagem, acupuntura, terapia com laser, ultrassom terapêutico, coletes,
estimulação nervosa elétrica transcutânea (TENS), colchões especiais ou tração lombar. Embora
importantes na dor crônica, os exercícios para as costas na LA, em geral, não são apoiados por evidência
clínica. Também não há evidência convincente que comprove o valor da aplicação de gelo ou calor na LA;
porém muitos pacientes relatam alívio sintomático temporário com gelo ou bolsas de gel congelado, e o
calor pode proporcionar uma redução em curto prazo da dor após a primeira semana. Os pacientes
costumam relatar maior satisfação com o cuidado recebido quando participam de forma ativa na seleção das
abordagens sintomáticas.
C5 Bíceps Deltoide lateral Romboidea (extensão posterior do cotovelo Braço lateral, escápula medial
com a mão no quadril)
Infraespinala (rotação externa do braço
com cotovelo em flexão lateral)
Deltoidea (elevação lateral 30-45° do braço
lateralmente)
C6 Bíceps Polegar, dedo Bícepsa (flexão do braço no cotovelo em Antebraço lateral, polegar/dedo
indicador supinação) indicador
Dorso da Pronador redondo (pronação do antebraço)
mão/antebraço
lateral
C7 Tríceps Dedos médios Trícepsa (extensão do antebraço com Parte posterior do braço, dorso do
flexão do cotovelo) antebraço, dorso da mão
Dorso do antebraço Extensores dos dedos/punhoa
C8 Flexores Superfície palmar Abdutor curto do polegar (abdução do Quarto e quinto dedos, porção
dos dedos do dedo mínimo polegar) medial da mão e antebraço
Parte medial da Primeiro interósseo dorsal (abdução do
mão e antebraço dedo indicador)
Abdutor do dedo mínimo (abdução do
dedo mínimo)
T1 Flexores Axila e parte Abdutor curto do polegar (abdução do Parte medial do braço, axila
dos dedos medial do braço polegar)
Primeiro interósseo dorsal (abdução do
dedo indicador)
Abdutor do dedo mínimo (abdução do
dedo mínimo)
aTais músculos recebem a maior parte da inervação dessa raiz.
ESPONDILOSE CERVICAL
A osteoartrite da coluna cervical pode provocar dor no pescoço que se irradia
para a nuca, os ombros ou os braços, ou pode ser a origem de cefaleias na região
occipital posterior (suprida pelas raízes nervosas C2-C4). Osteófitos, protrusões
discais ou hipertrofia das articulações facetárias ou uncovertebrais podem,
isoladamente ou em conjunto, comprimir uma ou várias raízes nervosas nos
forames intervertebrais; essa compressão é responsável por 75% das
radiculopatias cervicais. As raízes mais comumente acometidas são C7 e C6. O
estreitamento do canal vertebral por osteófitos, a ossificação do ligamento
longitudinal posterior (OLLP) ou um grande disco central podem comprimir a
medula espinal cervical e produzir sinais de mielopatia isolada ou de
radiculopatia com mielopatia (mielorradiculopatia). Quando há pouca ou
nenhuma dor cervical no envolvimento da medula cervical, outros diagnósticos a
serem considerados incluem esclerose lateral amiotrófica (Cap. 429), esclerose
múltipla (Cap. 436), tumores da medula espinal ou siringomielia (Cap. 434). A
mielopatia espondilótica cervical deve ser considerada mesmo quando o paciente
apresenta apenas sinais da medula espinal ou sintomas nas pernas. A RM é o
estudo de escolha para definir os tecidos moles na região cervical incluindo a
medula espinal, enquanto a TC simples é ideal para identificar patologia óssea,
incluindo estenose do forame, do recesso lateral ou do canal medular. Na
mielopatia espondilótica pode haver realce focal na RM, às vezes em um padrão
característico de “panqueca”, no local da compressão máxima da medula.
Não há evidências que sustentem a cirurgia profilática na estenose espinal
cervical assintomática sem sinais de mielopatia ou achados anormais da medula
espinal na RM, exceto em casos de instabilidade dinâmica (ver espondilolistese
anteriormente). Se o paciente apresentar dor cervical postural, história prévia de
lesão em chicote ou de outro tipo na coluna/crânio, sinal de Lhermitte ou
presença de listese no segmento estenótico na RM ou TC cervical, então está
indicado fazer radiografias em flexão-extensão da coluna cervical para pesquisar
instabilidade hemodinâmica. A intervenção cirúrgica não está recomendada para
pacientes apenas com listese, sem instabilidade dinâmica.
OMBRO
A dor que surge no ombro pode, algumas vezes, simular a da coluna. Na
ausência de sinais e sintomas de radiculopatia, o diagnóstico diferencial deve
incluir dor mecânica no ombro (tendinite, bursite, ruptura do manguito rotador,
luxação, capsulite adesiva ou impacto do manguito sob o acrômio) e dor referida
(irritação subdiafragmática, angina, tumor de Pancoast). A dor mecânica
costuma ser mais intensa à noite, associada à hipersensibilidade local do ombro e
agravada por abdução passiva, rotação medial ou extensão do braço. A
demonstração de movimentação passiva completa normal do braço no ombro,
sem piora da dor habitual, pode ajudar a excluir patologia mecânica do ombro
como causa de dor na região do pescoço. A dor de uma doença do ombro pode
irradiar-se para o braço ou a mão, mas não há sinais neurológicos focais
(alterações sensitivas, motoras e dos reflexos).
CONSIDERAÇÕES GLOBAIS
Muitas das considerações anteriormente descritas para a lombalgia também
se aplicam para a dor cervical. A dor cervical ficou em 21º lugar como causa
de AVAIs no Global Burden of Diseases Study 2010, sendo responsável por
cerca de 40% da carga total de AVAIs por lombalgia. Em geral, a dor cervical
também se situava em posição mais alta na lista em regiões desenvolvidas do
mundo.
TRATAMENTO
Dor cervical sem radiculopatia
A evidência acerca do tratamento da dor cervical é menos completa que a da lombalgia, mas a abordagem é
muito semelhante em vários aspectos. Como na lombalgia, a melhora espontânea é a regra para a dor
cervical aguda. Os objetivos habituais do tratamento são a promoção de um rápido retorno à função normal
e o alívio da dor enquanto ocorre a cura.
A dor cervical aguda costuma ser tratada com uma combinação de AINEs, paracetamol, bolsa de gelo
ou calor enquanto se aguarda pela recuperação espontânea. Para os pacientes que perdem o sono devido aos
sintomas, a ciclobenzaprina (5-10 mg) à noite pode ajudar a aliviar o espasmo muscular e causa sonolência.
Para pacientes com dor cervical não associada a traumatismo, o exercício supervisionado, com ou sem
mobilização, parece ser efetivo. Os exercícios, em geral, incluem apoio para os ombros e extensores para o
pescoço. A evidência a favor de tratamentos não cirúrgicos para distúrbios associados à lesão em chicote
geralmente é de limitada qualidade e não confirma nem refuta os tratamentos comuns usados para o alívio
da dor. A mobilização leve da coluna cervical, combinada com programas de exercício, pode ser benéfica.
As evidências são insuficientes para recomendar o uso de tração cervical, TENS, ultrassom, terapia
eletromagnética, infiltrações em pontos gatilhos, injeções de toxina botulínica, antidepressivos tricíclicos e
ISRSs para a dor cervical aguda ou crônica. Alguns pacientes obtêm discreto alívio da dor usando um colar
cervical flexível; o risco e o custo são baixos. A massagem pode produzir alívio temporário da dor.
Para pacientes com dor cervical crônica, os programas de exercícios supervisionados podem fornecer
alívio dos sintomas e melhora da função. A acupuntura forneceu benefício em curto prazo para alguns
pacientes em comparação com o procedimento simulado, sendo uma opção. Não foi demonstrado que a
manipulação espinal isoladamente seja efetiva e ela tem risco de causar lesões. O tratamento cirúrgico da
dor cervical crônica sem radiculopatia ou instabilidade espinal não é recomendado.
TRATAMENTO
Dor cervical com radiculopatia
A história natural da dor cervical com radiculopatia aguda causada por doença discal é favorável, e muitos
pacientes melhoram sem terapia específica. Embora não haja ensaios clínicos randomizados sobre os
AINEs na dor cervical, um curso com AINEs, paracetamol ou ambos, com ou sem miorrelaxantes, além de
evitar atividades que desencadeiem dor, pode ser uma terapia inicial razoável. Exercícios suaves
supervisionados e evitar inatividade também são razoáveis. Um curso breve de dose alta de glicocorticoides
orais com redução gradual rápida, ou a administração epidural de esteroides com orientação por exame de
imagem, podem ser efetivos na radiculopatia cervical aguda ou subaguda relacionada a doença discal, mas
isto não foi submetido a estudos rigorosos. O risco de complicações de infiltrações é maior no pescoço do
que na região lombar; foi relatada a ocorrência de dissecção de artéria vertebral, punção da dura-máter e
embolia de partículas injetadas. Os analgésicos opioides podem ser usados no setor de emergência e por
prazos curtos em nível ambulatorial. Os colares cervicais flexíveis podem ter alguma utilidade, porque
limitam os movimentos cervicais espontâneos e reflexos que exacerbam a dor; os colares duros não
costumam ser tolerados.
Se a radiculopatia cervical for causada por compressão óssea por espondilose cervical com
estreitamento foraminal, o acompanhamento periódico para avaliar a progressão está indicado e a
consideração de descompressão cirúrgica é razoável. O tratamento cirúrgico pode proporcionar alívio
rápido da dor, embora não esteja claro se os desfechos em longo prazo são melhores do que com a terapia
não cirúrgica. Indicações de cirurgia de disco cervical incluem um déficit motor progressivo devido à
compressão de raiz nervosa, dor que causa limitação funcional e não responde ao tratamento conservador
ou compressão da medula espinal.
Os tratamentos cirúrgicos incluem a discectomia cervical anterior isolada, a laminectomia com
discectomia ou a discectomia com fusão. O risco de radiculopatia ou mielopatia subsequente nos segmentos
cervicais adjacentes à fusão é de aproximadamente 3% ao ano e de 26% por década. Embora às vezes seja
considerado uma complicação tardia da cirurgia, esse risco pode refletir a história natural da doença
degenerativa do disco cervical.
LEITURAS ADICIONAIS
Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ): Non-invasive treatments
for low back pain. AHRQ Publication No. 16-EHC004-EF. February 2016,
https://effectivehealthcare.ahrq.gov/ehc/products/553/2178/back-pain-treat
ment-report-160229.pdf.
Benzon HT et al: Improving the safety of epidural steroid injections. JAMA
313:1713, 2015.
Friedly JL et al: A randomized trial of epidural glucocorticoid injections for
spinal stenosis. N Engl J Med 371:11, 2014.
Goldberg H et al: Oral steroids for acute radiculopathy due to a herniated lumbar
disk. JAMA 313:1915, 2015.
Hoy DG et al: Reflecting on the global burden of musculoskeletal conditions:
Lessons learnt from the global burden of disease 2010 study and the next
steps forward. Ann Rheum Dis 74:4, 2015.
Katz JN, Harris MB: Clinical practice. Lumbar spinal stenosis. N Engl J Med
358:818, 2008.
Lamb SE et al: Group cognitive behavioural treatment for low-back pain in
primary care: A randomised controlled trial and cost-effectiveness analysis.
Lancet 375:916, 2010.
Malmivaara A et al: The treatment of acute low back pain—Bed rest, exercises,
or ordinary activity? N Engl J Med 332:351, 1995.
Melanica J et al: Spinal stenosis. Handb Clin Neurol 109:541, 2014.
Serinken M et al: Comparison of intravenous morphine versus paracetamol in
sciatica: A randomized placebo controlled trial. Acad Emerg Med 23:674,
2016.
Zygourakis CC et al: Geographic and hospital variation in cost of lumbar
laminectomy and lumbar fusion for degenerative conditions. Neurosurgery
81:331, 2017.
Seção 2 Alterações na temperatura
corporal
15
Febre
Charles A. Dinarello, Reuven Porat
CITOCINAS PIROGÊNICAS
Citocinas são proteínas pequenas (peso molecular de 10.000-20.000 Da) que
regulam processos imunes, inflamatórios e hematopoiéticos. Por exemplo, a
leucocitose intensa com neutrofilia absoluta observada em diversas infecções é
atribuível à ação das citocinas interleucina (IL) 1 e IL-6. Algumas citocinas
também causam febre; no passado, eram conhecidas como pirogênios
endógenos, sendo atualmente chamadas citocinas pirogênicas. Entre as citocinas
pirogênicas estão IL-1, IL-6, fator de necrose tumoral (TNF) e fator neurotrópico
ciliar, membro da família da IL-6. A febre é um efeito adverso proeminente da
terapia com α-interferona. Cada citocina pirogênica é codificada por um gene
diferente, e todas se mostraram causadoras de febre em animais de laboratório e
em humanos. Quando injetadas em humanos em doses baixas (10-100 ng/kg), a
IL-1 e o TNF produzem febre; já para a IL-6, é necessária uma dose de 1 a 10
μg/kg para que se produza febre.
Um amplo espectro de produtos bacterianos e fúngicos induz a síntese e a
liberação das citocinas pirogênicas. Entretanto, a febre pode ser uma
manifestação de doença mesmo na ausência de infecção microbiana. Por
exemplo, processos inflamatórios, como pericardite, traumatismo, acidente
vascular cerebral (AVC) e imunizações de rotina, induzem a produção de IL-1,
TNF e/ou IL-6; isoladamente ou em conjunto, essas citocinas induzem o
hipotálamo a elevar o ponto de ajuste até níveis febris.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Febre
EXAME FÍSICO
Deve-se estabelecer a cronologia dos eventos que precedem a febre,
incluindo exposição a indivíduos infectados ou a vetores de doenças. Os
dispositivos eletrônicos para medição da temperatura oral timpânica e retal
são confiáveis, mas o mesmo local de medição deve ser usado para o
acompanhamento da doença febril. Além disso, os médicos devem estar
cientes de que neonatos, idosos, pacientes com doença hepática crônica ou
insuficiência renal e aqueles que estejam fazendo uso de glicocorticoides ou
sendo tratados com anticitocina podem ter infecção ativa sem apresentar
febre, em razão da atenuação da resposta febril.
EXAMES LABORATORIAIS
A rotina deve incluir hemograma completo; a contagem diferencial deve ser
realizada manualmente ou com um instrumento sensível à identificação de
formas jovens ou em bastão, granulações tóxicas e corpúsculos de Döhle,
sugestivos de infecção bacteriana. Em algumas infecções virais, é possível
que haja neutropenia.
A medição das citocinas circulantes nos pacientes com febre não tem
utilidade uma vez que os níveis de citocinas, como IL-1 e TNF, na circulação
com frequência ficam abaixo do limite para o método de detecção ou não
coincidem com a febre. Contudo, em pacientes com níveis baixos de febre,
ou com suspeita de doença oculta, os parâmetros mais importantes são a
proteína C-reativa (PCR) e a velocidade de hemossedimentação. Esses
marcadores de processos infamatórios são particularmente úteis na detecção
de doenças ocultas. Pode ser útil a medida da IL-6 circulante, a qual induz a
PCR. Porém, enquanto os níveis de IL-6 podem variar durante uma doença
febril, os níveis de PCR permanecem elevados. Os reagentes de fase aguda
são discutidos no Capítulo 297.
LEITURAS ADICIONAIS
Dinarello CA et al: Treating inflammation by blocking interleukin-1 in a broad
spectrum of diseases. Nature Rev 11:633, 2012.
Kullenberg T et al: Long-term safety profile of anakinra in patients with severe
cryopyrin-associated periodic syndromes. Rheumatology 55:1499, 2016.
16
Febre e exantema
Elaine T. Kaye, Kenneth M. Kaye
ABORDAGEM AO PACIENTE
Febre e exantema
Uma anamnese detalhada dos pacientes com febre e exantema inclui as
seguintes informações relevantes: estado imune, fármacos usados nos últimos
30 dias, história de viagens específicas, imunização, exposição a animais
domésticos e outros, história de picadas de animais (incluindo artrópodes),
exposições dietéticas recentes, existência de anormalidades cardíacas, uso de
próteses artificiais, exposição recente a outros pacientes enfermos e
exposições sexuais. A história também deve incluir o local de início do
exantema, bem como sua direção e velocidade de disseminação.
O exame físico completo implica na atenção cuidadosa ao exantema
com avaliação e definição precisa das suas principais características. Em
primeiro lugar, é fundamental determinar que tipo de lesão constitui a
erupção. Máculas são lesões planas definidas por uma área com alteração na
coloração (i.e., uma área de eritema). Pápulas são lesões sólidas elevadas
com < 5 mm de diâmetro; placas são lesões com > 5 mm de diâmetro com
superfície plana do tipo platô; e nódulos são lesões com > 5 mm de diâmetro
e configuração mais arredondada. Placas urticadas (urticária) são pápulas ou
placas de coloração rosa-claro, que podem assumir configuração anular à
medida que crescem; as placas urticadas clássicas (não vasculíticas) são
transitórias, persistindo por apenas 24 horas em qualquer área definida.
Vesículas (< 5 mm) e bolhas (> 5 mm) são lesões elevadas e circunscritas que
contêm líquido. Pústulas são lesões elevadas que contêm exsudato purulento;
distúrbios vesiculosos, como a varicela ou o herpes simples, podem produzir
pústulas. Púrpura impalpável é uma lesão plana decorrente de sangramento
intradérmico. Se tiverem diâmetro < 3 mm, as lesões purpúreas são
classificadas como petéquias; se > 3 mm, são descritas como equimoses.
Púrpura palpável é uma lesão elevada, produzida por inflamação da parede
vascular (vasculite) com hemorragia subsequente. Úlcera é uma falha da pele
que se estende pelo menos até a camada superior da derme, enquanto escara
(tâche noire) é uma lesão necrótica coberta por uma crosta negra.
Outras características importantes dos exantemas são sua configuração
(ou seja, anular ou em alvo), a disposição das lesões e sua distribuição (ou
seja, central ou periférica).
Para discussão adicional, ver Capítulos 52, 54, 117 e 124.
CLASSIFICAÇÃO DO EXANTEMA
Este capítulo faz uma revisão dos exantemas causados por doenças sistêmicas,
mas não inclui as erupções cutâneas localizadas (i.e., celulite, impetigo), que
também podem estar associadas à febre (Cap. 124). Neste capítulo, não
pretendemos abordar todas as possibilidades, mas sim aquelas doenças mais
importantes e comuns associadas à febre com exantema. Os exantemas serão
classificados com base na morfologia e distribuição das lesões. Por motivos
práticos, esse sistema de classificação baseia-se nas apresentações mais típicas
das doenças. Contudo, os aspectos morfológicos podem variar à medida que o
exantema evolui, e as manifestações clínicas das doenças que cursam com
exantemas podem apresentar algumas variações (Cap. 54). Por exemplo, o
exantema petequial clássico da febre das Montanhas Rochosas (Cap. 182) pode
inicialmente se apresentar na forma de mácula eritematosa que desaparece com
pressão com distribuição periférica; contudo, algumas vezes, o exantema
associado à doença pode não ser predominantemente acral, ou é possível que não
haja qualquer exantema.
As doenças que evoluem com febre e exantema podem ser classificadas de
acordo com o tipo de erupção: maculopapulosa com distribuição central,
periférica, eritematosa descamativa confluente, vesiculobolhosa, urticariforme,
nodular, purpúrea, ulcerada ou com escaras. As doenças estão listadas segundo
essas categorias na Tabela 16-1, e muitas estão destacadas no texto. Contudo,
para uma descrição mais detalhada de cada doença exantemática, o leitor deverá
consultar o capítulo dedicado àquela doença específica. (Os capítulos de
referência são citados no texto e relacionados na Tab. 16-1.)
Erupções nodulares
Infecção Infecções fúngicas (p. ex., Nódulos Hospedeiros As manifestações –f
disseminada candidíase, histoplasmose, subcutâneos (até 3 imunossuprimidos variam de acordo com
criptococose, esporotricose, cm); flutuação e (p. ex., receptores de o microrganismo
coccidiodomicose); drenagem são transplantes de
micobactérias comuns nas medula óssea,
infecções por pacientes
micobactérias; submetidos a
nódulos necróticos quimioterapia,
(membros, regiões pacientes HIV-
periorbital ou positivos)
nasal) comuns com
Aspergillus, Mucor
Eritema nodoso Infecções (p. ex., Nódulos Mais comum em Artralgias (50%); as –f
(paniculite septal) estreptococos, fungos, subcutâneos mulheres entre 15 e manifestações variam
micobactérias, Yersinia); grandes, não 30 anos de acordo com a
fármacos (p. ex., sulfas, ulcerados, doença associada
penicilinas, contraceptivos violáceos;
orais); sarcoidose; idiopática extremamente
dolorosos;
geralmente na parte
inferior das pernas,
embora possam
ocorrer nos
membros
superiores
Síndrome de Sweet Infecção por Yersinia; Nódulos dolorosos, Mais comum em Cefaleia, artralgias, 54
(dermatose infecção das vias áereas edematosos, mulheres e nos leucocitose
neutrofílica febril superiores; doença avermelhados ou indivíduos entre 30
aguda) inflamatória intestinal; azulados, dando a e 60 anos; em 20%
gravidez, câncer (geralmente impressão de dos casos, há
hematológico); medicamentos vesiculação; associação com
(G-CSF) geralmente, em doenças malignas
face, pescoço e (neste grupo,
membros homens e mulheres
superiores; quando são igualmente
se localizam nos afetados)
membros
inferiores, podem
ser confundidos
com eritema
nodoso
Angiomatose bacilar Bartonella henselae, B. Diversas formas, Indivíduos Em alguns casos, há 167
quintana incluindo nódulos imunossuprimidos, peliose do fígado e do
vasculares especialmente baço; as lesões podem
eritematosos de aqueles com atingir vários órgãos;
superfície lisa; infecção por HIV bacteremia
lesões friáveis e em estágio avançado
exofíticas; placas
eritematosas
(podem ser secas e
descamativas);
nódulos
subcutâneos
(podem ser
eritematosos)
Erupções purpúricas
Febre maculosa das – – – – –f
Montanhas
Rochosas, febre da
mordedura do rato,
endocardite;g tifo
epidêmico;e
dengue;d,e infecção
pelo parvovírus
humano B19e
Meningococemia Neisseria meningitidis Inicialmente, lesões Mais comum entre Hipotensão, meningite 150
aguda maculopapulosas crianças, nos (algumas vezes
cor-de-rosa que indivíduos com precedida por infecção
evoluem para asplenia ou respiratória alta)
petéquias; essas deficiência dos
últimas aumentam componentes
rapidamente de terminais do
número, algumas complemento (C5-
vezes crescendo e C8)
se tornando
vesiculosas;
acometem mais
comumente o
tronco e os
membros; podem
surgir na face,
mãos e pés; pode
haver púrpura ful-
minante (ver
adiante) secundária
à CIVD
Púrpura fulminante CIVD grave Grandes equimoses Indivíduos em sepse Hipotensão 150, 297
com formato (p. ex., causada por
bastante irregular N. meningitidis),
que evoluem para doença maligna ou
bolhas traumatismo grave;
hemorrágicas e, em pacientes em
seguida, para lesões asplenia com risco
necróticas negras elevado de sepse
Meningococemia N. meningitidis Diversas erupções Indivíduos com Febres, algumas vezes 150
crônica recorrentes, deficiências de intermitentes; artrite,
incluindo complemento mialgias, cefaleia
maculopapulosa
rosada, nodular
(geralmente nos
membros
inferiores);
petequial (às vezes,
com centro
vesiculoso); áreas
purpúreas com
centro pálido azul-
acinzentado
Infecção gonocócica Neisseria gonorrhoeae Pápulas (1-5 mm) Indivíduos (com Febre baixa, 151
disseminada que evoluem ao maior frequência no tenossinovite, artrite
longo de 1-2 dias sexo feminino)
para pústulas sexualmente ativos,
hemorrágicas com alguns com
centros necróticos deficiência de
acinzentados; complemento
raramente, ocorrem
bolhas necróticas;
as lesões
(geralmente < 40)
distribuem-se
perifericamente na
proximidade das
articulações (mais
comumente nos
membros
superiores)
Exantema petequial Geralmente ecovírus 9 ou Lesões petequiais Frequentemente Faringite, cefaleia; 199
enteroviral coxsackievírus A9 disseminadas ocorre em surtos meningite asséptica
(também podem ser por ecovírus 9
maculopapulosas,
vesiculosas ou
urticariformes)
Febre hemorrágica Arbovírus (incluindo dengue) Exantema petequial Residente ou Tríade formada por 204, 205
viral e arenavírus viajante em áreas febre, choque,
endêmicas ou outra hemorragia pelas
forma de exposição mucosas ou pelo trato
ao vírus gastrintestinal
Púrpura Diarreia sanguinolenta Petéquias Indivíduos com Febre (nem sempre 54, 96,
trombocitopênica idiopática, causada por gastrenterite pela E. presente), anemia 11, 156
trombótica/síndrome bactéria produtora da toxina coli O157:H7 hemolítica 161
hemolítico-urêmica Shiga (p. ex., Escherichia coli (especialmente microangiopática,
O157:H7), deficiência de crianças), em trombocitopenia,
ADAMTS13 (responsável quimioterapia para disfunção renal,
pela clivagem do fator de von câncer, infecção disfunção neurológica;
Willebrand), medicamentos pelo HIV, com provas de coagulação
(p. ex., quinina, doenças autoimunes; normais
quimioterapia, gestantes ou
imunossupressão) puérperas
Vasculite dos Infecções (incluindo infecção Lesões purpúreas Ocorre em amplo Febre (nem sempre 54
pequenos vasos por Streptococcus do grupo palpáveis que espectro de doenças, presente), mal-estar,
cutâneos (vasculite A, hepatite B ou C), surgem em grupos tais como as artralgias, mialgias;
leucocitoclástica) fármacos, fatores idiopáticos nas pernas ou em doenças do tecido vasculite sistêmica em
outras regiões conectivo, alguns casos; na PHS,
inferiores; podem crioglobulinemia, é comum o
se tornar câncer, púrpura de envolvimento de rins,
vesiculosas ou Henoch-Schönlein articulações e trato
ulcerativas (PHS); mais comum gastrintestinal
nas crianças
Erupções com úlceras e/ou escaras
Febre – – – – –f
tsutsugamushi,
febres maculosas
por riquétsias, febre
da mordedura do
rato;e riquetsiose
variceliforme,
ectima gangrenosoh
Tularemia Francisella tularensis Forma Exposição a Febre, cefaleia, 165
ulceroglandular: carrapatos, linfadenopatia
pápula eritematosa mosquitos e animais
dolorosa que evolui infectados
para úlcera
necrótica dolorosa
com bordas
elevadas; em 35%
dos casos, ocorrem
erupções
(maculopapulosas,
vesiculopapulosas,
acneiformes,
urticariformes,
eritema nodoso ou
EM)
Antraz Bacillus anthracis C2
Pápula pruriginosa Exposição a animais Linfadenopatia,
que cresce para se ou produtos animais cefaleia
transformar em infectados ou
úlcera indolor com qualquer outra
1 a 3 cm, exposição aos
circundada por esporos de antraz
vesículas, até que,
finalmente, surge
uma escara central
com edema;
cicatriz residual
aVer “Erupções purpúricas”. bVer “Eritemas descamativos confluentes”. cÉ raro haver exantema na erliquiose ou anaplasmose granulocitótropica
humana (causada pelo Anaplasma phagocytophila; mais comum no Centro-Oeste e Nordeste dos Estados Unidos). dVer “Febre hemorrágica viral”
em “Erupções purpúricas”, para dengue hemorrágica e síndrome de choque da dengue. eVer “Erupções maculopapulares de distribuição central”.
fVer os capítulos específicos das etiologias. gVer “Erupções periféricas”. hVer “Erupções vesiculobolhosas ou pustulosas”.
Siglas: SNC, sistema nervoso central; CIVD, coagulação intravascular disseminada; G-CSF, fator estimulador da colônia de granulócitos; HLA,
antígeno leucocitário humano.
ERUPÇÕES PERIFÉRICAS
Esses exantemas são diferentes porque se distribuem predominantemente nos
segmentos periféricos ou começam nas áreas periféricas (acrais), antes de se
espalharem em direção centrípeta. O diagnóstico e a terapia precoces são
fundamentais na febre maculosa das Montanhas Rochosas (Cap. 182) devido ao
seu prognóstico grave sem tratamento. As lesões evoluem de máculas para
petéquias, começam nos punhos e tornozelos, espalham-se em direção centrípeta
e aparecem nas palmas e plantas apenas nos estágios subsequentes da doença. A
possibilidade de exantema da sífilis secundária (Cap. 177), que pode ser
generalizado, mas se destaca em palmas e solas, deve ser considerada no
diagnóstico diferencial da pitiríase rósea, especialmente em pacientes
sexualmente ativos. A febre Chikungunya (Cap. 204), transmitida por picada de
mosquito em regiões tropicais e subtropicais, está associada a uma erupção
maculopapulosa e poliartralgia intensa de pequenas articulações. A doença mão-
pé-boca (Cap. 199), mais comumente causada por coxsackievírus A16 ou
enterovírus 71, se diferencia por vesículas dolorosas distribuídas nas mãos e pés
e na boca; o coxsackievírus A6 causa uma síndrome atípica com lesões mais
extensas. As lesões em alvo típicas do eritema multiforme aparecem
simetricamente nos cotovelos e joelhos, nas palmas das mãos, plantas dos pés e
face. Nos casos graves, essas lesões se espalham difusamente e envolvem as
mucosas. Na endocardite, também é possível ocorrer lesões nas mãos e nos pés (
Cap. 123).
ERUPÇÕES URTICARIFORMES
Os pacientes com urticária clássica (“vergões”) geralmente apresentam reação de
hipersensibilidade sem febre associada. Quando há febre, as erupções
urticariformes na maioria dos casos são causadas por vasculite urticariforme (Ca
p. 356). Diferentemente das lesões isoladas da urticária clássica, que persistem
por até 24 horas, essa doença pode estender-se por 3 a 5 dias. Entre as etiologias
estão doença do soro (frequentemente causada por fármacos, como penicilinas,
sulfas, salicilatos ou barbitúricos), doenças do tecido conectivo (p. ex., lúpus
eritematoso sistêmico ou síndrome de Sjögren) e infecções (p. ex., vírus da
hepatite B, enterovírus ou parasitas). Os cânceres, principalmente os linfomas,
podem evoluir com febre e urticária crônica (Cap. 54).
ERUPÇÕES NODULARES
Nos pacientes imunossuprimidos, as lesões nodulares costumam ser causadas
por infecções disseminadas. Os indivíduos com candidíase disseminada
(geralmente causada pela Candida tropicalis) podem apresentar a tríade formada
por febre, mialgias e nódulos eruptivos (Cap. 211). As lesões por criptococose
disseminada (Cap. 210) podem se parecer com o molusco contagioso (Cap. 191
). A necrose dos nódulos deve levantar suspeita de aspergilose (Cap. 212) ou de
mucormicose (Cap. 213). O paciente com eritema nodoso se apresenta com
nódulos extremamente dolorosos nos membros inferiores. A síndrome de Sweet (
Cap. 54) deve ser considerada nos pacientes com vários nódulos e placas, às
vezes tão edematosos que assumem o aspecto de vesículas ou bolhas. A
síndrome de Sweet pode ocorrer em indivíduos com infecção, doença
inflamatória intestinal ou câncer, além de também poder ser induzida por
medicamentos.
ERUPÇÕES PURPÚRICAS
A meningococemia aguda (Cap. 150) classicamente ocorre em crianças na
forma de erupção petequial, mas as lesões iniciais podem ser máculas que
desaparecem à digitopressão ou urticária. A febre maculosa das Montanhas
Rochosas deve fazer parte do diagnóstico diferencial da meningococemia aguda.
A infecção por ecovírus 9 (Cap. 199) pode ser confundida com a
meningococemia aguda; os pacientes devem ser tratados para sepse bacteriana
porque talvez não seja possível diferenciar imediatamente essas duas doenças.
Grandes áreas de equimose da púrpura fulminante (Caps. 150 e 297) estão
associadas à coagulação intravascular disseminada grave subjacente, que pode
ser causada por processos infecciosos ou não infecciosos. As lesões da
meningococemia crônica (Cap. 150) podem ter várias morfologias, inclusive de
petéquias. Esses pacientes podem desenvolver nódulos purpúreos nas pernas,
que se assemelham ao eritema nodoso, mas não são muito dolorosos. As lesões
de gonococemia disseminada (Cap. 151) são pústulas hemorrágicas isoladas,
esparsas e contáveis, geralmente localizadas na proximidade de articulações. As
lesões da meningococemia crônica e da gonococemia podem ser indistinguíveis
quanto ao seu aspecto e distribuição. As febres hemorrágicas virais (Caps. 204 e
205) são uma possibilidade a ser considerada em pacientes com história de
viagem apropriada e exantema petequial. A púrpura trombocitopênica
trombótica (Caps. 54, 96 e 111) e a síndrome hemolítico-urêmica (Caps. 111, 15
6 e 161) estão intimamente relacionadas e são causas não infecciosas de febre e
petéquias. A vasculite dos pequenos vasos cutâneos (vasculite leucocitoclástica)
geralmente se apresenta como púrpura palpável e tem diversas etiologias (Cap. 5
4).
LEITURAS ADICIONAIS
Cherry JD: Cutaneous manifestations of systemic infections, in Feigin and
Cherry’s Textbook of Pediatric Infectious Diseases, 7th ed. JD Cherry et al
(eds). Houston, Elsevier Saunders, 2014, pp 741–768.
Weber DJ et al: The acutely ill patient with fever and rash, in Principles and
Practice of Infectious Diseases, vol 1, 8th ed. JI Bennett et al (eds).
Philadelphia, Elsevier Saunders, 2015, pp 732–747.
Wolff K et al: Fitzpatrick’s Color Atlas and Synopsis of Clinical Dermatology,
7th ed. New York, McGraw-Hill, 2013.
Wolff K et al (eds): Fitzpatrick’s Dermatology in General Medicine, 8th ed. New
York, McGraw-Hill, 2012.
17
Febre de origem obscura
Chantal P. Bleeker-Rovers, Jos W. M. van der Meer
DEFINIÇÃO
Os médicos costumam se referir a qualquer doença febril sem uma etiologia
óbvia inicial como febre de origem obscura (FOO). A maioria das doenças febris
melhora antes que um diagnóstico possa ser feito ou que desenvolva
características que possibilitem o diagnóstico. O termo FOO deve ser reservado
para doenças febris prolongadas sem uma etiologia estabelecida apesar de
avaliação e exames diagnósticos intensivos. Este capítulo se concentra na FOO
clássica no paciente adulto.
A FOO foi originalmente definida por Petersdorf e Beeson em 1961 como
uma doença de > 3 semanas de duração, com febre ≥ 38,3°C em duas ocasiões e
incerteza diagnóstica apesar de 1 semana de avaliação hospitalar. Atualmente, a
maioria dos pacientes com FOO é hospitalizada apenas se sua condição clínica
necessitar, e não apenas com propósito diagnóstico; assim, a necessidade de
avaliação hospitalar foi eliminada da definição. A definição de FOO foi
modificada ainda pela exclusão de pacientes imunocomprometidos, cuja
avaliação necessita de uma abordagem diagnóstica e terapêutica completamente
diferente. Para uma comparação ideal de pacientes com FOO em diferentes
regiões geográficas, foi proposto que critérios quantitativos (incerteza
diagnóstica após 1 semana de avaliação) fossem alterados para um critério
qualitativo que necessita da realização de uma lista específica de investigações.
Assim, a FOO é atualmente definida como:
ETIOLOGIA E EPIDEMIOLOGIA
A gama de etiologias da FOO evoluiu com o tempo como resultado de mudanças
no espectro de doenças que causam FOO, do amplo uso de antibióticos e
especialmente da disponibilidade de novas técnicas diagnósticas. A proporção de
casos causados por abscessos e tumores intra-abdominais, por exemplo,
diminuiu devido à detecção mais precoce por tomografia computadorizada (TC)
e ultrassonografia. Além disso, a endocardite infecciosa é uma causa menos
frequente devido a melhorias nas técnicas de hemoculturas e ecocardiografia.
Por outro lado, alguns diagnósticos, como infecção aguda por HIV, não eram
conhecidos há algumas décadas.
A Tabela 17-1 resume os achados de grandes estudos sobre FOO
conduzidos nos últimos 25 anos. Em geral, as infecções são responsáveis
por cerca de 20% dos casos de FOO em países ocidentais; a seguir, em
frequência, estão as doenças inflamatórias não infecciosas (DINIs, incluindo
“doenças do tecido conectivo ou doenças reumáticas”, síndromes vasculíticas,
distúrbios granulomatosos e síndromes autoinflamatórias) e as neoplasias. Fora
do Ocidente, as infecções são uma causa muito mais comum de FOO (43 vs.
17%), enquanto a proporção de casos causados por DINIs e neoplasias são
semelhantes. Até 50% dos casos causados por infecções em pacientes com FOO
fora das nações ocidentais se devem à tuberculose, a qual é uma causa menos
comum nos Estados Unidos e Europa Ocidental. É provável que o número de
pacientes com FOO diagnosticados com DINIs não diminua no futuro próximo,
pois a febre pode preceder as manifestações mais típicas ou as evidências
sorológicas em meses nessas doenças. Além disso, muitas DINIs podem ser
diagnosticadas apenas após uma observação prolongada e a exclusão de outras
doenças.
TABELA 17-1 ■ Etiologia da febre de origem obscura (FOO) nos últimos 25 anos: achados de grandes
estudos de FOO
Primeiro autor (país, N° de pacientes Porcentagem de casos conforme a causa indicada
ano de publicação) (período de
recrutamento) Infecções Doenças Neoplasias Outras Desconhecidas
inflamatórias não
infecciosas
Países ocidentais
De Kleijn et al. 167 26 24 13 8 30
(Países Baixos, 1997) (1992-1994)
Vanderschueren et al. 185 11 18 10 8 53
(Bélgica, 2003) (1990-1999)
Hot et al. 280 11 20 27 9 33
(França, 2005) (1995-2005)
Zenone et al. 144 23 26 10 15 26
(França, 2006) (1999-2005)
Bleeker-Rovers 73 16 22 7 4 51
(Países Baixos, 2007) (2003-2005)
Mansueto et al. 91 32 12 14 10 32
(Itália, 2008) (1991-2002)
Vanderschueren et al. 114 15 22 13 10 40
(Bélgica, 2009) (2003-2007)
Efstathiou et al. 112 30 33 11 5 21
(Grécia, 2010) (2001-2007)
Pedersen et al. 52 19 33 8 0 40
(Dinamarca, 2012) (2005-2010)
Robine et al. 103 12 30 3 5 51
(França, 2014) (2002-2012)
Vanderschueren et al. 436 17 24 11 10 39
(Bélgica, 2014) (2000-2010)
Total 1.757 19 24 12 8 38
Outras localizações geográficas
Tabak et al. 117 34 29 19 4 14
(Turquia, 2003) (1984-2001)
Saltoglu et al. 87 59 18 14 2 7
(Turquia, 2004) (1994-2002)
Ergonul et al. 80 52 16 18 3 11
(Turquia, 2005) (1993-1999)
Brahim et al. 97 36 8 16 5 35
(Turquia, 2005) (1990-2005)
Chin et al. 94 57 7 9 9 18
(Taiwan, 2006) (2001-2002)
Colpan et al. 71 45 27 14 6 9
(Turquia, 2007) (2001-2004)
Hu et al. 142 36 32 13 5 14
(China, 2008) (2002-2003)
Kucukardali et al. 154 34 31 14 5 16
(Turquia, 2008) (2003-2004)
Ali-Eldin et al. 93 42 15 30 0 12
(Egito, 2011) (2009-2010)
Bandyopadhya et al. 164 55 11 22 0 12
(Índia, 2011) (2008-2009)
Mete et al. 100 26 38 14 2 20
(Turquia, 2012) (2001-2009)
Ma et al. 397 49 18 16 7 10
(China, 2012) (2000-2009)
Ryuko et al. 174 41 27 7 6 19
(Japão, 2013) (2004-2010)
Mahmood et al. 205 49 20 13 2 17
(Paquistão, 2013) (2006-2011)
Alvi et al. 106 44 18 12 10 15
(Irã, 2013) (2007-2011)
Naito et al. 121 23 31 11 12 23
(Japão, 2013) (2011)
Yamanouchi et al. 256 28 18 10 15 29
(Japão, 2014) (1994-2012)
Moawad et al. 98 33 14 18 18 17
(Turquia, 2014) (1995-2008)
Yu et al. 107 30 17 18 14 22
(China, 2014) (2010-2011)
Mir et al. 91 44 12 12 4 27
(Índia, 2014) (2010-2012)
Kabapy et al. 979 79 17 1 1 2
(Egito, 2015) (2009-2010)
Montasser et al. 217 66 7 7 12 8
(Egito, 2015) (desconhecido)
Popovsa-Jovicic et al. 74 38 26 15 18 4
(Sérvia, 2016)
Total 4.024 43 20 14 7 16
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
O diagnóstico diferencial da FOO é extenso. É importante lembrar que a FOO é
com muito mais frequência causada por uma apresentação atípica de uma doença
comum do que por uma doença muito rara. A Tabela 17-2 apresenta um visão
geral das possíveis causas de FOO. Uma apresentação atípica de endocardite,
diverticulite, osteomielite vertebral e tuberculose extrapulmonar são os
diagnósticos de doenças infecciosas mais comuns. Febre Q e doença de Whipple
são muito raras, mas devem sempre ser lembradas como causa de FOO, pois os
sintomas podem ser inespecíficos. Os exames sorológicos para a febre Q, que
resulta da exposição a animais ou produtos animais, devem ser realizados
quando o paciente vive em áreas rurais ou tem história de doença cardíaca
valvar, aneurisma aórtico ou prótese vascular. Em pacientes com sintomas
inexplicados localizados no sistema nervoso central (SNC), trato gastrintestinal
ou articulações, o teste de reação em cadeia da polimerase (PCR) para
Tropheryma whipplei deve ser realizado. A viagem ou residência prévia em
países tropicais ou do Sudoeste Norte-Americano deve levantar a suspeita de
doenças infecciosas como malária, leishmaniose, histoplasmose ou
coccidioidomicose. A febre com sinais de endocardite e hemoculturas negativas
representa um problema especial. A endocardite com culturas negativas pode ser
causada por bactérias de difícil cultivo, como bactérias nutricionalmente
variantes, microrganismos HACEK (incluindo Haemophilus parainfluenzae, H.
paraphrophilus, Aggregatibacter actinomycetemcomitans, A. aphrophilus,
Cardiobacterium hominis, C. valvarum, Eikenella corrodens e Kingella kingae;
discutidos adiante), Coxiella burnetii, T. whipplei e espécies de Bartonella. A
endocardite marântica é uma doença trombótica estéril que ocorre como
fenômeno paraneoplásico, especialmente com adenocarcinomas. A endocardite
estéril também é vista no contexto de lúpus eritematoso sistêmico e síndrome
antifosfolipídeos.
(CINCA, também conhecida como doença inflamatória multissistêmica de início neonatal ou NOMID), a síndrome autoinflamatória fria
familiar (FCAS) e a síndrome de Muckle-Wells.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Febre de origem obscura
EXAMES DIAGNÓSTICOS DE PRIMEIRO ESTÁGIO
A Figura 17-1 mostra uma abordagem estruturada para pacientes com FOO.
A etapa mais importante na avaliação diagnóstica é a busca por pistas
potencialmente diagnósticas (PPDs) por meio de história e exame físico
completos e repetidos e de uma lista de exames obrigatórios (listados
anteriormente e na figura). As PPDs são definidas como todos os sinais,
sintomas e anormalidades localizadoras que podem indicar um diagnóstico.
Embora as PPDs possam levar a enganos, apenas com a sua ajuda é que uma
lista concisa de diagnósticos prováveis pode ser feita. A história deve incluir
informações sobre o padrão da febre (contínua ou recorrente) e sua duração,
história médica pregressa, uso atual e recente de fármacos, história familiar,
história sexual, país de origem, viagens recentes e remotas, exposição a
ambientes incomuns associados a viagens ou hobby e contato com animais.
Deve ser realizado um exame físico completo, com atenção especial aos
olhos, linfonodos, artérias temporais, fígado, baço, locais de cirurgias
prévias, toda a superfície da pele e membranas mucosas. Antes de novos
exames diagnósticos serem feitos, deve-se suspender o tratamento com
antibióticos e glicocorticoides, que podem mascarar muitas doenças. Por
exemplo, culturas de sangue e outros materiais não são confiáveis quando as
amostras são obtidas durante tratamento com antibióticos, e o tamanho de
linfonodos aumentados costuma diminuir durante o tratamento com
glicocorticoides, independentemente da causa da linfadenopatia. Apesar da
alta porcentagem de ultrassonografias falso-positivas e da relativa baixa
sensibilidade das radiografias de tórax, a realização desses exames simples e
baratos permanece obrigatória em todos os pacientes com FOO para separar
os casos que são causados por doenças facilmente diagnosticadas daqueles
mais difíceis. A ultrassonografia abdominal tem preferência sobre a TC
abdominal como exame obrigatório devido ao custo relativamente baixo, à
ausência de radiação e à ausência de efeitos colaterais.
FIGURA 17-1 Abordagem estruturada para pacientes com febre de origem obscura (FOO). ALT,
alanina-aminotransferase; AST, aspartato-aminotransferase; VHS, velocidade de hemossedimentação;
FDG-PET/TC, tomografia por emissão de pósitrons com 18F-fluorodesoxiglicose combinada com
tomografia computadorizada de baixa dose; IGRA, ensaio de liberação de gamainterferona; LDH,
lactato-desidrogenase; PPDs, pistas potencialmente diagnósticas (todos os sinais, sintomas e
anormalidades localizadores que podem indicar um diagnóstico); AINEs, anti-inflamatórios não
esteroides.
infantil crônica (CINCA, também conhecida como doença inflamatória multissistêmica de início neonatal ou NOMID), a síndrome
autoinflamatória fria familiar (FCAS) e a síndrome de Muckle-Wells.
FIGURA 17-2 FDG-PET/TC em um paciente com febre de origem obscura (FOO). Esta mulher de
72 anos apresentava febre baixa e fadiga intensa de quase 3 meses de duração. Foi obtida uma
anamnese extensa, mas a paciente não tinha queixas específicas e não tinha viajado recentemente. A
história prévia nada tinha de marcante, e ela não usava medicamentos. O exame físico, incluindo a
palpação das artérias temporais, tinha resultados completamente normais. Os exames laboratoriais
mostravam anemia normocítica, nível de proteína-C-reativa de 43 mg/L e velocidade de
hemossedimentação de 87 mm/h, além de hipoalbuminemia leve. Os resultados de outros exames
obrigatórios eram todos normais. Como não havia pistas diagnósticas potenciais, foi realizada a FDG-
PET/TC. Este exame mostrou aumento da captação de FDG em todos as grandes vasos (carótidas,
jugulares e artérias subclávias; aorta torácica e abdominal; artérias ilíacas, femorais epoplíteas) e em
tecidos moles ao redor dos ombros, quadris e joelhos – achados compatíveis com vasculite de grandes
vasos e polimialgia reumática. Dentro de 1 semana após o início do tratamento com prednisona (60 mg
uma vez ao dia), a paciente tinha se recuperado completamente. Após 1 mês, a dose de prednisona foi
lentamente reduzida.
Nos últimos anos, muitos estudos de coorte e várias metanálises se
concentraram no rendimento diagnóstico da PET e da PET/TC na FOO.
Embora esses estudos sejam altamente variáveis em termos da seleção de
pacientes e da seleção de um padrão-ouro para o ponto de referência, todas as
metanálises relatam um rendimento diagnóstico alto para a PET e a PET/TC
na avaliação de pacientes com FOO, com valores agrupados de sensibilidade
e especificidade de cerca de 85% e cerca de 50%, respectivamente, e um
rendimento diagnóstico total de cerca de 50% para a PET/TC e de cerca de
40% para a PET. Em um estudo, a FDG-PET nunca foi útil no diagnóstico de
FOO em pacientes com nível normal de proteína C-reativa e com VHS
normal. Em uma metanálise sobre desempenho, rendimento diagnóstico e
decisões de manejo, o impacto dos exames de imagem nuclear em pacientes
com FOO, o rendimento diagnóstico da cintilografia com gálio variou entre
21 e 54%, e, na média, a localização de uma fonte para a febre foi
corretamente encontrada em cerca de 33% dos pacientes. Além disso, na
cintilografia com gálio, os resultados demoram dias para ficarem disponíveis,
enquanto os resultados da FDG-PET/TC ficam prontos em questão de horas.
Nessa metanálise, as estimativas do rendimento diagnóstico da cintilografia
com leucócitos marcados variou entre 8 e 31%, e a causa geral da FOO foi
corretamente identificada com base nos resultados do exame em apenas 20%
dos pacientes. Comparações indiretas do desempenho do teste sugeriram que
a FDG-PET/TC era melhor que a FDG-PET isoladamente, a cintilografia
com gálio e a cintilografia com leucócitos marcados. Da mesma forma,
comparações indiretas de rendimento diagnóstico sugeriram que a FDG-
PET/TC tinha mais chance de identificar corretamente a causa da FOO que
outros exames.
Embora as técnicas de cintilografia não forneçam diretamente um
diagnóstico definitivo, elas costumam identificar localizações anatômicas de
um determinado processo metabólico em andamento e, com a ajuda de outras
técnicas, como biópsia e cultura, facilitam o diagnóstico e o tratamento. A
captação patológica de FDG é rapidamente erradicada pelo tratamento com
glicocorticoides em muitas doenças, incluindo vasculite e linfoma; assim, o
uso de glicocorticoides deve ser suspenso ou postergado até depois da
realização da FDG-PET/TC. Os resultados relatados na literatura e as
vantagens oferecidas pela FDG-PET/TC indicam que as técnicas
cintilográficas convencionais devem ser substituídas pela FDG-PET/TC na
investigação de pacientes com FOO em instituições onde essa técnica está
disponível. A FDG-PET/TC é um procedimento relativamente caro cuja
disponibilidade é ainda limitada em comparação com aquela da TC e da
cintilografia convencional. Contudo, a FDG-PET/TC pode ser custo-efetiva
na avaliação diagnóstica de FOO se for usada em uma etapa inicial, ajudando
a estabelecer um diagnóstico precoce, reduzindo os dias de hospitalização
para fins de diagnóstico e evitando testes desnecessários e inúteis.
TRATAMENTO
Febre de origem obscura
Tentativas terapêuticas empíricas com antibióticos, glicocorticoides ou agentes antituberculosos devem ser
evitadas na FOO, exceto quando a condição clínica do paciente estiver rapidamente piorando após os
exames diagnósticos descritos anteriormente não fornecerem um diagnóstico definitivo.
ANACINRA
A interleucina (IL) 1 é uma citocina fundamental na inflamação local e sistêmica e na resposta febril. A
disponibilidade de agentes dirigidos especificamente para a IL-1 revelou um papel patológico para a
inflamação mediada por IL-1 em uma lista crescente de doenças. A anacinra, uma forma recombinante do
antagonista do receptor de IL-1 (IL-1Ra) de ocorrência natural, bloqueia a atividade de IL-1α e IL-1β. A
anacinra é extremamente efetiva no tratamento de muitas síndromes inflamatórias, como a febre familiar do
Mediterrâneo, síndrome periódica associada à criopirina, síndrome periódica associada ao receptor do fator
de necrose tumoral, deficiência de mevalonato-cinase (síndrome de hiper-IgD) e síndrome de Schnitzler. Há
muitos outros distúrbios inflamatórios crônicos em que a terapia anti-IL-1 é altamente efetiva. Um teste
terapêutico com anacinra pode ser considerado em pacientes cuja FOO não foi diagnosticada após os testes
diagnósticos de estágio posterior. Embora a maioria das condições inflamatórias crônicas sem uma base
conhecida possa ser controlada com glicocorticoides, a monoterapia com o bloqueio da IL-1 pode fornecer
um melhor controle sem os efeitos colaterais metabólicos, imunológicos e gastrintestinais da administração
de glicocorticoides.
PROGNÓSTICO
As taxas de mortalidade relacionadas à FOO têm diminuído de forma contínua
nas últimas décadas. A maioria dos casos de febre é causada por doenças
tratáveis, e o risco de morte relacionado à FOO depende, obviamente, da doença
subjacente. Em um estudo de nosso grupo (Tab. 17-1), nenhum dos 37 pacientes
com FOO sem um diagnóstico morreu durante o período de acompanhamento de
pelo menos 6 meses; 4 de 36 pacientes com diagnóstico morreram durante o
acompanhamento devido a infecções (n = 1) ou câncer (n = 3). Um grande
estudo sobre o prognóstico da FOO (Vanderschueren et al., 2014; Tab. 17-1)
incluiu 436 pacientes e documentou uma taxa de mortalidade de 10%, dos quais
68% se relacionava com a doença febril – câncer na maioria dos casos. Neste
estudo, apenas 4 de 168 pacientes nos quais nenhum diagnóstico pôde ser feito
morreram, todos durante sua primeira hospitalização. Em dois desses pacientes,
o diagnóstico (linfoma e pneumonia) foi feito durante a necrópsia. Outros
estudos também mostraram que os casos de câncer são responsáveis pela maior
parte das mortes relacionadas à FOO. O linfoma não Hodgkin tem uma taxa de
mortalidade desproporcionalmente elevada. Na FOO não relacionada a câncer,
as taxas de morte são muito baixas. O bom desfecho em pacientes sem
diagnóstico confirma que doenças ocultas potencialmente letais são muito
incomuns e que a terapia empírica com antibióticos, agentes antituberculosos ou
glicocorticoides é raras vezes necessária em pacientes estáveis. Nas regiões com
menos recursos, as doenças infecciosas ainda são uma causa importante de FOO
e os desfechos podem ser diferentes.
LEITURAS ADICIONAIS
Bleeker-Rovers CP et al: A prospective multicenter study on fever of unknown
origin: The yield of a structured diagnostic protocol. Medicine (Baltimore)
86:26, 2007.
Knockaert DC et al: Fever of unknown origin in adults: 40 years on. J Intern
Med 253:263, 2003.
Mulders-Manders C et al: Fever of unknown origin. Clin Med 15:280, 2015.
Takeuchi M et al: Nuclear imaging for classical fever of unknown origin: Meta-
analysis. J Nucl Med 57:1913, 2016.
Vanderschueren S et al: Mortality in patients presenting with fever of unknown
origin. Acta Clin Belg 69:12, 2014.
Seção 3 Disfunções do sistema nervoso
18
Síncope
Roy Freeman
TABELA 18-1 ■ Fatores de alto risco que indicam hospitalização ou investigação intensiva da síncope
Dor torácica sugestiva de isquemia coronariana
Características de insuficiência cardíaca congestiva
Valvopatia moderada ou grave
Cardiopatia estrutural moderada ou grave
Alterações isquêmicas no eletrocardiograma (ECG)
História de arritmias ventriculares
Intervalo QT prolongado (> 500 ms)
Bloqueio sinoatrial repetitivo ou pausas sinusais
Bradicardia sinusal persistente
Bloqueio bi ou trifascicular ou retardo da condução intraventricular com duração de QRS ≥ 120 ms
Fibrilação atrial
Taquicardia ventricular não sustentada
História familiar de morte súbita
Síndromes de pré-excitação
Padrão de Brugada no ECG
Palpitações no momento da síncope
Síncope em repouso ou durante exercícios
FISIOPATOLOGIA
A postura ereta impõe um estresse fisiológico único sobre os humanos; a maioria
dos episódios de síncope – mas não todos – ocorre na posição ortostática. Tal
postura resulta em um acúmulo de 500 a 1.000 mL de sangue nas extremidades
inferiores e na circulação esplâncnica. Há diminuição no retorno venoso para o
coração e no enchimento ventricular, que resulta em redução do débito cardíaco
e da pressão arterial. Essas alterações hemodinâmicas provocam uma resposta
reflexa compensatória iniciada pelos barorreceptores no seio carotídeo e no arco
aórtico, resultando em aumento do efluxo simpático e diminuição da atividade
nervosa vagal (Fig. 18-1). O reflexo aumenta a resistência periférica, o retorno
venoso para o coração e o débito cardíaco e, portanto, limita a queda na pressão
arterial. Se essa resposta falhar, como é o caso cronicamente na hipotensão
ortostática e transitoriamente na síncope neuromediada, ocorre hipoperfusão
cerebral.
FIGURA 18-1 O barorreflexo. Uma queda na pressão arterial descarrega os barorreceptores – terminais de
fibras aferentes dos nervos glossofaríngeo e vago – que estão situados no seio carotídeo e no arco aórtico.
Isso leva a uma redução nos impulsos aferentes liberados desses mecanorreceptores através dos nervos
glossofaríngeo e vago para o núcleo do trato solitário (NTS) na região dorsomedial do bulbo. A redução da
atividade aferente barorreceptora causa uma queda no estímulo nervoso vagal para o nó sinusal, que é
mediado pelas conexões do NTS para o núcleo ambíguo (NA). Há aumento na atividade eferente simpática,
que é mediada pelas projeções do NTS para o bulbo ventrolateral caudal (BVLC, uma via excitatória), e daí
para o bulbo ventrolateral rostral (BVLR, uma via inibitória). A ativação de neurônios pré-simpáticos do
BVLR em resposta à hipotensão deve-se predominantemente, portanto, à desinibição. Em resposta a uma
queda sustentada da pressão arterial, a liberação de vasopressina é mediada pelas projeções do grupo de
células noradrenérgicas A1 no bulbo ventrolateral. Essa projeção ativa os neurônios que sintetizam
vasopressina na porção magnocelular do núcleo paraventricular (NPV) e do núcleo supraóptico (NSO) do
hipotálamo. Azul denota os neurônios simpáticos, e verde, os parassimpáticos. (De R Freeman: N Engl J
Med 358:615, 2008.)
TRATAMENTO
Síncope neuromediada
Tranquilizar, evitar estímulos provocativos e expandir o volume plasmático com líquido e sal são os
princípios fundamentais do tratamento da síncope neuromediada. Manobras isométricas de contrapressão
dos membros superiores (cruzar as pernas ou dar aperto de mão e tensionar o braço) podem elevar a pressão
arterial pelo aumento do volume sanguíneo central e do débito cardíaco. Ao manter a pressão na zona de
autorregulação, essas manobras evitam ou retardam o início da síncope. Ensaios clínicos controlados
randomizados corroboram essa intervenção.
Fludrocortisona, agentes vasoconstritores e antagonistas β-adrenorreceptores são usados em ampla
escala por especialistas para tratar pacientes refratários, embora não haja evidência consistente de ensaios
clínicos controlados randomizados sobre qualquer farmacoterapia para tratar a síncope neuromediada.
Como a vasodilatação é o mecanismo fisiopatológico dominante na síncope na maioria dos pacientes, o uso
de marca-passo cardíaco raramente é benéfico. Exceções possíveis são pacientes mais velhos (> 40 anos)
em que a síncope está associada a assistolia ou bradicardia grave e aqueles com cardioinibição proeminente
devido à síndrome do seio carotídeo. Nesses pacientes, o marca-passo de câmara dupla pode ser útil,
embora essa área continue incerta.
HIPOTENSÃO ORTOSTÁTICA
A hipotensão ortostática, definida como uma redução na pressão arterial sistólica
de pelo menos 20 mmHg ou na pressão arterial diastólica de ao menos 10 mmHg
dentro de 3 minutos com o paciente em pé ou com inclinação da mesa para cima
(tilt test), é uma manifestação de falha vasoconstritora simpática (autonômica) (F
ig. 18-4). Em muitos casos (mas não em todos), não há aumento compensatório
na frequência cardíaca, apesar da hipotensão; com insuficiência autonômica
parcial, a frequência cardíaca pode aumentar até certo ponto, mas isso não é o
bastante para manter o débito cardíaco. Uma variante da hipotensão ortostática é
a forma “tardia”, que ocorre depois que o paciente fica mais de 3 minutos na
posição ereta; pode ser que isso reflita uma forma discreta ou inicial de
disfunção simpática adrenérgica. Em alguns casos, ocorre hipotensão ortostática
dentro de 15 segundos em pé (a chamada hipotensão ortostática “precoce”),
achado que pode refletir um desajuste transitório entre o débito cardíaco e a
resistência vascular periférica, e não representa insuficiência autonômica.
FIGURA 18-4 A. Queda gradual na pressão arterial sem aumento compensatório na frequência cardíaca,
característica da hipotensão ortostática decorrente de insuficiência autonômica. A pressão arterial e a
frequência cardíaca são mostradas por 5 minutos (60-360 s) em uma inclinação para cima em uma mesa
inclinada. B. Mesmo traçado expandido para mostrar 40 s do episódio (180-220 s). PA, pressão arterial;
bpm, batimentos por minuto; FC, frequência cardíaca.
TRATAMENTO
Hipotensão ortostática
A primeira etapa é eliminar as causas reversíveis – em geral medicações vasoativas (Tab. 432-6). Depois
disso, devem ser introduzidas intervenções não farmacológicas. Essas intervenções incluem orientar o
paciente quanto a mudar da posição supina para a ereta, alertar sobre os efeitos hipotensivos das refeições
volumosas, instruir sobre as manobras de contrapressão isométrica que aumentam a pressão vascular (ver
anteriormente) e aconselhar a elevação da cabeceira no leito para reduzir a hipertensão supina. O volume
intravascular deve ser expandido pelo aumento do consumo dietético de líquido e sal. Caso essas medidas
não farmacológicas falhem, deve ser instituída uma intervenção farmacológica com acetato de
fludrocortisona e agentes vasoconstritores, como a midodrina, a L-di-hidroxifenilserina e a pseudoefedrina.
Alguns pacientes com sintomas difíceis de tratar requerem tratamento com agentes suplementares que
incluem piridostigmina, atomoxetina, ioimbina, acetato de desmopressina (DDAVP) e eritropoietina (Cap.
432).
SÍNCOPE CARDÍACA
A síncope cardíaca (ou cardiovascular) é causada por arritmias e cardiopatia
estrutural, podendo ocorrer de forma combinada, pois a doença estrutural deixa o
coração mais vulnerável à atividade elétrica anormal.
TRATAMENTO
Síncope cardíaca
O tratamento da síncope cardíaca depende do distúrbio subjacente. As terapias para arritmias incluem
marca-passo cardíaco para doença do nó sinusal e bloqueio AV, e ablação, medicamentos antiarrítmicos e
cardioversores desfibriladores para taquiarritmias atriais e ventriculares. Esses distúrbios são melhor
manejados por médicos especializados nessa área.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Síncope
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
A síncope é facilmente diagnosticada quando os aspectos característicos
estão presentes, porém vários distúrbios com perda transitória real ou
aparente da consciência podem causar confusão diagnóstica.
Convulsões generalizadas e parciais podem ser confundidas com
síncope, mas há aspectos que as diferenciam. Embora movimentos tônico-
clônicos sejam característicos de uma convulsão generalizada, movimentos
mioclônicos e outros movimentos também podem ocorrer em até 90% dos
episódios de síncope. Os espasmos mioclônicos associados à síncope podem
ser multifocais ou generalizados. Em geral, eles são arrítmicos e de curta
duração (< 30 s). Também pode ocorrer postura flexora e extensora discreta.
Convulsões parciais ou parciais complexas com generalização secundária
costumam ser precedidas por uma aura, comumente um odor desagradável,
ansiedade, medo, desconforto abdominal ou outras sensações viscerais. Esses
fenômenos devem ser diferenciados dos aspectos premonitórios de síncope.
As manifestações autonômicas de convulsões (epilepsia autonômica)
podem gerar um desafio diagnóstico mais difícil. Convulsões autonômicas
têm manifestações cardiovasculares, gastrintestinais, pulmonares,
urogenitais, pupilares e cutâneas que são semelhantes aos aspectos
premonitórios de síncope. Frequentemente, as manifestações
cardiovasculares de epilepsia autonômica incluem taquicardias e bradicardias
que podem ser de magnitude suficiente para causar perda da consciência. A
presença de auras não autonômicas acompanhantes podem ajudar a
diferenciar esses episódios da síncope.
A perda da consciência associada a uma convulsão em geral dura > 5
minutos e está associada a sonolência e desorientação prolongadas pós-ictais,
enquanto após um evento de síncope ocorre quase imediatamente a
reorientação. Pode ocorrer dores musculares tanto após síncope como após
convulsões, mas elas tendem a durar mais e ser mais graves após uma
convulsão. As convulsões, ao contrário da síncope, raramente são provocadas
por emoções ou dor. Pode ocorrer incontinência urinária, tanto com
convulsões quanto com síncope, mas é muito raro ocorrer incontinência fecal
com síncope.
A hipoglicemia pode causar perda transitória da consciência,
tipicamente em indivíduos com diabetes tipo 1 ou 2 tratado com insulina. Os
aspectos clínicos associados à hipoglicemia iminente ou instalada incluem
tremor, palpitações, ansiedade, diaforese, fome e parestesias. Tais sintomas
devem-se à ativação autonômica que se contrapõe à glicemia em queda. A
fome, em particular, não é um aspecto premonitório típico de síncope. A
hipoglicemia também prejudica a função neuronal, acarretando fadiga,
fraqueza, tontura e sintomas cognitivos e comportamentais. Pode ocorrer
dificuldades no diagnóstico de indivíduos sob controle glicêmico estrito; a
hipoglicemia repetida prejudica a resposta contrarreguladora e leva a uma
perda dos sintomas de alarme característicos da hipoglicemia.
Pacientes com cataplexia apresentam perda abrupta, parcial ou completa
do tônus muscular, desencadeada por emoções fortes, em geral raiva ou riso.
Em contrapartida à síncope, a consciência é mantida durante os ataques, que
costumam durar entre 30 segundos e 2 minutos. Não há sinais premonitórios.
Ocorre cataplexia em 60 a 75% dos pacientes com narcolepsia.
A entrevista clínica e o interrogatório de testemunhas oculares em geral
permite diferenciar a síncope de quedas devido a disfunção vestibular,
doença cerebelar, disfunção do sistema extrapiramidal e outros distúrbios da
marcha. O diagnóstico de síncope pode ser particularmente difícil em
pacientes com demência que experimentam quedas repetidas e não
conseguem fornecer uma história precisa dos episódios. Se a queda for
acompanhada por traumatismo craniano, uma síndrome pós-concussão,
amnésia quanto aos eventos precipitantes e/ou perda da consciência também
podem contribuir para a dificuldade diagnóstica.
A perda aparente da consciência pode ser uma das manifestações de
doença psiquiátrica, como ansiedade generalizada, transtornos do pânico,
depressão maior e transtorno de somatização. Tais possibilidades devem ser
consideradas em indivíduos que desmaiam com frequência sem apresentar
sintomas prodrômicos. É raro esses pacientes sofrerem alguma lesão, apesar
das inúmeras quedas. Não há alterações hemodinâmicas significativas
concomitantes com esses episódios. Em contrapartida, a perda transitória de
consciência devido à síncope vasovagal precipitada por medo, estresse,
ansiedade e sofrimento emocional é acompanhada por hipotensão,
bradicardia ou ambas.
AVALIAÇÃO INICIAL
As metas da avaliação inicial são determinar se a perda transitória da
consciência foi causada por síncope, identificar a causa e avaliar a
possibilidade de futuros episódios e danos graves (Tab. 18-1). A avaliação
inicial deve incluir anamnese detalhada, questionário abrangente para as
testemunhas e exame físico e neurológico completo. A pressão arterial e a
frequência cardíaca devem ser medidas na posição supina e após 3 minutos
em pé, para se determinar se há hipotensão ortostática. Deve ser feito um
ECG se houver suspeita de síncope devido a arritmia ou cardiopatia
subjacente. Anormalidades eletrocardiográficas relevantes incluem
bradiarritmias ou taquiarritmias, bloqueio AV, isquemia, infarto do miocárdio
antigo, síndrome do QT longo e bloqueio de ramo. A avaliação inicial levará
à identificação de uma causa de síncope em aproximadamente 50% dos
pacientes e também permitirá a estratificação de pacientes em risco de
mortalidade cardíaca.
LEITURAS ADICIONAIS
Al-Khatib SM et al: Risk stratification for arrhythmic events in patients with
asymptomatic pre-excitation: A systematic review for the 2015
ACC/AHA/HRS guideline for the management of adult patients with
supraventricular tachycardia: A report of the American College of
Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice
Guidelines and the Heart Rhythm Society. J Am Coll Cardiol 67:1624,
2016.
Freeman R et al: Consensus statement on the definition of orthostatic
hypotension, neurally mediated syncope and the postural tachycardia
syndrome. AutonNeurosci 161:46, 2011.
Gibbons CH et al: The recommendations of a consensus panel for the screening,
diagnosis, and treatment of neurogenic orthostatic hypotension and
associated supine hypertension. J Neurol 264:1567, 2017.
Sheldon RS, Raj SR: Pacing and vasovagal syncope: Back to our physiologic
roots. Clin Auton Res 27:213, 2017.
Varosy PD et al: Pacing as a treatment for reflex-mediated (vasovagal,
situational, or carotid sinus hypersensitivity) syncope: A systematic review
for the 2017 ACC/AHA/HRS guideline for the evaluation and management
of patients with syncope: A report of the American College of
Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice
Guidelines and the Heart Rhythm Society. J Am Coll Cardiol 70:664, 2017.
19
Tontura e vertigem
Mark F. Walker, Robert B. Daroff
ABORDAGEM AO PACIENTE
Tontura
HISTÓRIA
Quando um paciente apresenta-se com tontura, a primeira etapa é delinear
com mais exatidão a natureza do sintoma. No caso de distúrbios vestibulares,
os sintomas físicos dependem de a lesão ser uni ou bilateral e aguda ou
crônica. A vertigem, uma ilusão de que a própria pessoa ou o ambiente está
se movimentando, implica assimetria dos impulsos vestibulares vindos de
ambos os labirintos ou em suas vias centrais e, em geral, é aguda. A
hipofunção vestibular bilateral simétrica causa desequilíbrio, mas não
vertigem. Devido à ambiguidade dos pacientes ao descreverem seus
sintomas, o diagnóstico baseado simplesmente na característica do sintoma
não costuma ser confiável. Assim, a história deve se concentrar em outras
características, incluindo se é o primeiro ataque, a duração deste e de
episódios prévios, fatores desencadeantes e sintomas concomitantes.
A tontura pode ser dividida em episódios que duram segundos, minutos,
horas ou dias. As causas comuns de tontura breve (segundos) incluem
vertigem posicional paroxística benigna (VPPB) e hipotensão ortostática,
ambas provocadas por alterações na posição da cabeça e do corpo. Crises de
vertigem enxaquecosa e doença de Ménière, em geral, duram horas. Quando
os episódios têm duração intermediária (minutos), devem-se considerar
ataques isquêmicos transitórios da circulação posterior, embora a migrânea
(enxaqueca) e várias outras causas também sejam possíveis.
Os sintomas que acompanham a vertigem podem ser úteis para
distinguir lesões vestibulares periféricas de causas centrais. Perda auditiva
unilateral e outros sintomas auriculares (dor, pressão, plenitude na orelha)
apontam para uma causa periférica. Como as vias auditivas tornam-se
rapidamente bilaterais quando entram no tronco encefálico, é improvável que
as lesões centrais causem perda auditiva unilateral (a menos que a lesão se
situe perto da zona de entrada da raiz do nervo auditivo). Sintomas como
visão dupla, dormência e ataxia de membro sugerem lesão do tronco
encefálico ou cerebelar.
EXAME
Como a tontura e o desequilíbrio podem ser manifestações de uma variedade
de distúrbios neurológicos, o exame neurológico é importante na avaliação
desses pacientes. O foco particular deve ser na avaliação dos movimentos
oculares, da função vestibular e da audição. Deve-se observar a amplitude
dos movimentos oculares e se são iguais em ambos os olhos. Os distúrbios
periféricos dos movimentos oculares (p. ex., neuropatias cranianas, fraqueza
de músculo ocular) em geral são desconjugados (diferentes em cada um dos
olhos). Deve-se verificar o fenômeno de “perseguição” do olhar (capacidade
de acompanhar um alvo em movimento) e as sacadas (capacidade de olhar
para trás e para frente acuradamente entre dois alvos). Problemas no
fenômeno de perseguição ou sacadas inacuradas (dismétricas) em geral
indicam patologia central, quase sempre envolvendo o cerebelo. O
alinhamento dos dois olhos pode ser verificado com um teste de cobertura:
enquanto o paciente olha para um alvo, cobrir alternadamente os olhos e
observar a presença de sacadas corretivas. Um desalinhamento vertical pode
indicar uma lesão de tronco encefálico ou cerebelar. Por fim, deve-se
certificar se há nistagmo espontâneo, um movimento involuntário dos olhos
para trás e para frente. O nistagmo é mais frequentemente do tipo em
sacudida, em que um desvio lento (fase lenta) em uma direção alterna com
um movimento sacádico rápido (fase rápida) na direção oposta, que reajusta
a posição dos olhos nas órbitas. Exceto no caso de vestibulopatia aguda (p.
ex., neurite vestibular), se o nistagmo posicional primário for visto com
facilidade na luz, é provável que tenha uma causa central. Duas formas de
nistagmo características de lesões nas vias cerebelares são o nistagmo
vertical com fases rápidas para baixo (nistagmo inferior) e o nistagmo
horizontal, que muda de acordo com a direção do olhar (nistagmo evocado
pelo olhar). Por outro lado, as lesões periféricas tipicamente causam
nistagmo horizontal unidirecional. O uso de óculos de Frenzel (óculos
autoiluminados com lentes convexas que turvam a visão do paciente, mas
permitem que o examinador observe os olhos muito ampliados) pode auxiliar
na detecção do nistagmo vestibular periférico, pois reduz a capacidade do
paciente de usar a fixação visual na supressão do nistagmo. A Tabela 19-1
descreve as características fundamentais que ajudam a diferenciar as causas
de vertigem periféricas e centrais.
TESTES AUXILIARES
A escolha de testes complementares deve ser orientada pela anamnese e pelos
achados ao exame. Deve-se fazer audiometria se houver suspeita de um
distúrbio vestibular. Perda auditiva unilateral neurossensorial confirma a
existência de um distúrbio periférico (p. ex., schwannoma vestibular). A
perda auditiva predominantemente de baixa frequência é característica da
doença de Ménière. A eletronistagmografia ou a videonistagmografia
incluem registros de nistagmo espontâneo (se presente) e medidas do
nistagmo posicional. Os testes calóricos avaliam as respostas dos dois canais
semicirculares horizontais. A bateria de testes costuma incluir registros de
sacadas e do fenômeno de “perseguição” do olhar para avaliação da função
ocular motora central. Exames de neuroimagem são importantes se houver
suspeita de distúrbio vestibular central. Além disso, os pacientes com perda
auditiva unilateral inexplicada ou hipofunção vestibular devem ser
submetidos a uma ressonância magnética (RM) dos canais auditivos internos,
incluindo a administração de gadolínio, para excluir schwannoma.
FIGURA 19-1 Manobra de Epley modificada para tratamento da vertigem posicional paroxística benigna
dos canais semicirculares posteriores da direita (no alto) e da esquerda (embaixo). Etapa 1. Com o paciente
sentado, virar a cabeça dele em 45 graus para o lado da orelha afetada. Etapa 2. Mantendo a cabeça girada,
abaixar o paciente até a posição de cabeça pendente, mantendo essa posição por pelo menos 30 s e até o
nistagmo desaparecer. Etapa 3. Sem levantar a cabeça, virá-la 90 graus para o outro lado. Manter assim por
mais 30 s. Etapa 4. Girar o paciente de lado enquanto gira a cabeça mais 90 graus, de forma que o nariz
aponte para baixo em 45 graus. Manter assim por mais 30 s. Etapa 5. Sentar o paciente no lado da mesa.
Após breve repouso, a manobra deve ser repetida para confirmar o tratamento bem-sucedido. (Figura
adaptada de http://www.dizziness-and-balance.com/disorders/bppv/movies/Epley-480x640.avi.)
ENXAQUECA VESTIBULAR
A enxaqueca vestibular é uma causa muito comum, ainda que subdiagnosticada
de vertigem episódica. A vertigem algumas vezes precede uma enxaqueca típica,
mas mais comumente ocorre sem cefaleia ou com apenas com cefaleia leve.
Alguns pacientes com enxaquecas frequentes no passado apresentam-se mais
tarde com enxaqueca vestibular como problema predominante. Na enxaqueca
vestibular, a vertigem dura minutos a horas, e alguns pacientes também
apresentam períodos mais prolongados de desequilíbrio (com duração de dias a
semanas). Sensibilidade motora e para o movimento visual (p. ex., para filmes) é
comum. Mesmo na ausência de cefaleia, outras características de enxaqueca
podem estar presentes, como fotofobia, fonofobia ou aura visual. Embora
geralmente não haja dados de estudos controlados, o tratamento típico da
enxaqueca vestibular é feito com os medicamentos usados na profilaxia das
cefaleias da enxaqueca (Cap. 422). Antieméticos podem ser úteis para aliviar os
sintomas no momento de uma crise.
DOENÇA DE MÉNIÈRE
As crises da doença de Ménière consistem em vertigem, perda auditiva e dor,
pressão e/ou plenitude na orelha acometida. Os sintomas de aura ou perda
auditiva para baixas frequências são os aspectos mais importantes para distinguir
a doença de Ménière de outras vestibulopatias periféricas e da enxaqueca
vestibular. A audiometria no momento de uma crise mostra perda auditiva
assimétrica e de baixa frequência característica; a audição costuma melhorar
entre as crises, embora às vezes possa ocorrer perda auditiva permanente.
Acredita-se que a doença de Ménière se deva ao excesso de líquido (endolinfa)
na orelha interna, daí a designação hidropsia endolinfática. Os pacientes nos
quais se suspeite de doença de Ménière devem ser encaminhados para um
otorrinolaringologista para avaliação mais detalhada. Diuréticos e restrição de
sódio tipicamente constituem o tratamento inicial. Se as crises persistirem, pode-
se considerar o uso de injeções de glicocorticoides ou gentamicina na orelha
média. As opções cirúrgicas não ablativas incluem descompressão e derivação
do saco endolinfático. Raramente há necessidade de procedimentos ablativos
completos (secção do nervo vestibular, labirintectomia).
SCHWANNOMA VESTIBULAR
Os schwannomas vestibulares (às vezes denominados neuromas do acústico) e
outros tumores no ângulo cerebelopontino causam perda auditiva neurossensitiva
unilateral lentamente progressiva e hipofunção vestibular. Os pacientes não
costumam ter vertigem, porque o déficit vestibular gradual é compensado
centralmente à medida que se desenvolve. O diagnóstico, em geral, não é
estabelecido até que haja perda auditiva suficiente para ser notada. O exame
vestibular mostra uma resposta deficiente ao teste de impulso da cabeça quando
a cabeça do paciente é virada na direção do lado acometido, mas o nistagmo não
será proeminente. Conforme observado anteriormente, os pacientes com perda
auditiva neurossensitiva unilateral ou com hipofunção vestibular necessitam de
RM dos canais auditivos internos para a pesquisa de um schwannoma.
TRATAMENTO
Vertigem
Na Tabela 19-2, há uma lista das medicações comumente usadas para supressão da vertigem. Conforme
observado, tais medicações devem ser reservadas para o controle em curto prazo da vertigem ativa, como
durante os primeiros dias de neurite vestibular aguda ou nas crises agudas doença de Ménière. Elas são
menos úteis para a tontura crônica e, como dito anteriormente, podem impedir a compensação central. Uma
exceção é que os benzodiazepínicos podem atenuar a tontura psicossomática e a ansiedade associada,
embora os ISRSs em geral sejam preferíveis para tais pacientes.
vertigem. bDose oral de início habitual para adultos (a menos que prescrito de outra maneira); a dose de manutenção pode ser alcançada com
aumento gradual. cApenas para a cinetose. dPara a vertigem posicional paroxística benigna. ePara a doença de Ménière. fPara a enxaqueca
vestibular. gPara a neurite vestibular aguda (iniciada dentro de 3 dias do começo). hPara a vertigem postural-perceptual persistente e a
ansiedade.
A terapia de reabilitação vestibular promove processos de adaptação central que compensam a perda
vestibular e também pode ajudar o paciente a acostumar-se com a sensibilidade ao movimento e outros
sintomas de tontura psicossomática. A abordagem geral consiste em uma série gradual de exercícios que
desafiam progressivamente a estabilização do olhar e o equilíbrio.
LEITURAS ADICIONAIS
Dieterich M, Staab JP: Functional dizziness: From phobic postural vertigo and
chronic subjective dizziness to persistent postural-perceptual dizziness.
Curr Opin Neurol 30:107, 2017.
Kim JS, Zee DS: Benign paroxysmal positional vertigo. N Engl J Med 370:1138,
2014.
von Brevern M, Lempert T: Vestibular Migraine. Handb Clin Neurol 137:301,
2016.
20
Fadiga
Jeffrey M. Gelfand, Vanja C. Douglas
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Doenças psiquiátricas A fadiga é uma manifestação somática comum de muitas
síndromes psiquiátricas maiores, incluindo depressão, ansiedade e transtornos
somatoformes. Os sintomas psiquiátricos são relatados em mais de três quartos
dos pacientes com fadiga crônica inexplicada. Mesmo em pacientes com
síndromes sistêmicas ou neurológicas nas quais a fadiga é reconhecida de forma
independente como uma manifestação de doença, sintomas ou transtornos
psiquiátricos comórbidos podem ser ainda uma fonte importante de interação.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Fadiga
Uma anamnese detalhada com foco na qualidade, padrão, evolução temporal,
sintomas associados e fatores de alívio da fadiga é fundamental para definir a
síndrome e ajudar a guiar a futura avaliação e tratamento. É importante
determinar se fadiga é a designação adequada, se os sintomas são agudos ou
crônicos e se o problema é primariamente mental, físico ou uma combinação
dos dois tipos. A revisão dos sistemas deve tentar distinguir a fadiga de
sonolência excessiva, dispneia de esforço, intolerância ao exercício e
fraqueza muscular. A presença de febre, calafrios, sudorese noturna ou perda
de peso deve levantar suspeita de uma infecção oculta ou neoplasia. Uma
revisão cuidadosa da prescrição, medicações de venda livre, medicações à
base de ervas, drogas recreativas e consumo de álcool é necessária. As
circunstâncias em torno da instalação dos sintomas e gatilhos potenciais
devem ser investigadas. A história social é importante, com atenção dada aos
fatores estressores da vida, horário de trabalho, rede de suporte social e
assuntos domésticos, inclusive um rastreamento de violência doméstica. Os
hábitos do sono e a higiene do sono devem ser questionados. O impacto da
fadiga no funcionamento diário é importante para se compreender a
experiência do paciente e estimar a recuperação e o sucesso do tratamento.
O exame físico dos pacientes com fadiga é orientado pela história e
diagnóstico diferencial. Um exame detalhado do estado mental deve ser
realizado com especial atenção aos sintomas de depressão e ansiedade. Um
exame neurológico formal é necessário para determinar se a fraqueza
muscular objetiva está presente. Isso geralmente é um exercício simples,
embora ocasionalmente os pacientes com fadiga tenham dificuldade em
manter o esforço contra resistência e, às vezes, relatem que a geração de uma
força completa necessite de esforço mental substancial. No teste de
confrontação, a força completa pode ser gerada apenas por um curto período
antes que o paciente subitamente desista do esforço. Esse tipo de fraqueza
frequentemente é chamado de fraqueza de ruptura e pode ou não estar
associada a dor. Isso contrasta com a fraqueza devida a lesões nos tratos
motores ou unidade motora inferior, na qual a resistência do paciente pode
ser superada de forma suave e firme e a força completa nunca pode ser
gerada. Ocasionalmente, um paciente pode demonstrar fraqueza fatigável, na
qual a potência é completa no primeiro teste, mas se torna fraca na repetição
da avaliação sem um intervalo de repouso. A fraqueza fatigável, que
geralmente indica um problema na transmissão neuromuscular, nunca tem a
súbita qualidade de ruptura que é possível observar ocasionalmente em
pacientes com fadiga. Se a presença ou a ausência de fraqueza muscular não
puder ser determinada pelo exame físico, a eletromiografia com estudos de
condução nervosa pode ser um teste auxiliar útil.
O exame físico geral deve rastrear sinais de doença cardiopulmonar,
neoplasia, linfadenopatia, organomegalia, infecção, insuficiência hepática,
doença renal, desnutrição, anormalidades endócrinas e doença do tecido
conectivo. Em pacientes com dor musculoesquelética disseminada associada,
a avaliação dos pontos de dor pode ajudar a revelar a fibromialgia. Embora o
produto diagnóstico do exame físico geral possa ser relativamente baixo no
contexto da avaliação de fadiga crônica inexplicada, elucidando a causa em
apenas 2% dos casos em uma análise prospectiva, a rentabilidade de uma
avaliação detalhada neuropsiquiátrica e do estado mental provavelmente será
muito mais alta, revelando uma explicação potencial para a fadiga em até 75
a 80% dos pacientes em algumas séries. Além disso, o exame físico completo
demonstra uma abordagem séria e sistemática às queixas do paciente e ajuda
a construir confiança e uma aliança terapêutica.
O exame laboratorial provavelmente identificará a causa da fadiga
crônica em apenas cerca de 5% dos casos. Além de uns poucos testes de
rastreamento padronizados, a avaliação laboratorial deve ser orientada pela
história e pelo exame físico; estender a avaliação provavelmente levará a
resultados falso-positivos que requerem explicação, investigação e
acompanhamento desnecessários e deve ser evitada em vez de um
acompanhamento clínico frequente. Uma abordagem razoável ao
rastreamento inclui hemograma completo com diferencial (para investigar
anemia, infecção e neoplasia), eletrólitos (incluindo sódio, potássio e cálcio),
glicose, função renal, função hepática e função tireoidiana. O teste para HIV
e função suprarrenal também pode ser considerado. Diretrizes publicadas
para a síndrome de fadiga crônica também recomendam uma velocidade de
hemossedimentação (VHS) como parte da avaliação para simuladores; mas, a
não ser que o valor seja muito alto, esse teste inespecífico, na ausência de
outras características, provavelmente não irá esclarecer a situação. O
rastreamento de rotina com um teste de fator antinuclear (FAN)
provavelmente também não será informativo por si só e, frequentemente, é
positivo em baixos títulos em adultos saudáveis em outros aspectos. Estudos
adicionais não direcionados, como imagens de corpo inteiro, geralmente não
estão indicados; além da sua inconveniência, riscos potenciais e custo, eles
frequentemente revelam achados casuais não relacionados que podem
prolongar a investigação desnecessariamente.
TRATAMENTO
Fadiga
A prioridade do tratamento é abordar o distúrbio ou distúrbios subjacentes que são responsáveis pela fadiga,
porque isso pode ser curativo em contextos selecionados e paliativo em outros. Infelizmente, em muitas
doenças crônicas, a fadiga pode ser refratária a terapias tradicionais modificadoras da doença, mas é sempre
importante, em tais casos, avaliar outros contribuintes potenciais, porque a causa pode ser multifatorial. O
tratamento com antidepressivos (Cap. 444) pode ser útil para o tratamento da fadiga crônica quando há
sintomas de depressão e pode ser mais eficaz como parte de uma abordagem multidimensional. Contudo, os
antidepressivos também podem ser causa de fadiga e devem ser descontinuados se não forem claramente
eficazes. A terapia cognitivo-comportamental também mostrou ser útil no contexto da síndrome de fadiga
crônica bem como da fadiga associada ao câncer. A terapia cognitivo-comportamental é a terapia com
exercícios graduados, na qual os exercícios físicos, mais tipicamente a caminhada, são aumentados
gradualmente com atenção à meta de frequência cardíaca para evitar o excesso de esforço, mostraram
melhorar modestamente os tempos de caminhada e as medidas de fadiga autorrelatadas em comparação
com o cuidado médico padrão em pacientes do Reino Unido com fadiga crônica. Esses benefícios foram
mantidos após um seguimento médio de 2,5 anos. Os psicoestimulantes, como as anfetaminas, modafinila e
armodafinila, podem ajudar a aumentar a vigilância e a concentração e a reduzir a sonolência diurna
excessiva em certos contextos clínicos, que podem, por sua vez, ajudar com os sintomas de fadiga em uma
minoria de pacientes, mas eles, em geral, provaram ser inúteis em estudos randomizados para tratar fadiga
em lesão cerebral pós-traumática, doença de Parkinson, câncer e esclerose múltipla. Em pacientes com
vitamina D baixa, a reposição de vitamina D pode levar a uma melhora da fadiga.
O desenvolvimento de uma terapia mais eficaz para a fadiga é dificultado pelo conhecimento limitado
das bases biológicas desse sintoma, incluindo a forma como a fadiga é detectada e registrada no sistema
nervoso. Citocinas pró-inflamatórias, como a interleucina-1α e 1β, e o fator de necrose tumoral α, podem
mediar a fadiga em alguns pacientes. Dados preliminares sugerem que as terapias biológicas que inibem a
IL-1 ou outras citocinas podem ajudar a melhorar a fadiga em alguns pacientes com condições inflamatórias
em adição a, ou como parte de, seu efeito modificador da doença; assim, os antagonistas de citocinas
representam uma possível futura abordagem.
PROGNÓSTICO
A fadiga aguda significativa o suficiente para necessitar avaliação médica é mais
provável de levar a uma causa médica, neurológica ou psiquiátrica identificável
do que a fadiga crônica inexplicada. A avaliação da fadiga crônica inexplicada
leva mais comumente ao diagnóstico de uma condição psiquiátrica ou
permanece inexplicada. A identificação de uma etiologia grave previamente não
diagnosticada ou com risco de morte é rara no acompanhamento longitudinal em
pacientes com fadiga crônica inexplicada. A resolução completa da fadiga
crônica inexplicada é incomum, pelo menos em curto prazo, mas as abordagens
de tratamento multidisciplinar podem levar a melhoras sintomáticas que podem
melhorar substancialmente a qualidade de vida.
LEITURAS ADICIONAIS
David A et al: Tired, weak, or in need of rest: Fatigue among general practice
attenders. BMJ 301:1199, 1990.
Kroenke K et al: Chronic fatigue in primary care. Prevalence, patient
characteristics, and outcome. JAMA 260:929–934, 1988.
Roerink ME et al: Interleukin-1 as a mediator of fatigue in disease: A narrative
review. J Neuroinflammation 14:16, 2017.
Sharpe M et al: Rehabilitative treatments for chronic fatigue syndrome: Long-
term follow-up from the PACE trial. Lancet Psychiatry 2:1067, 2015.
White PD et al: Comparison of adaptive pacing therapy, cognitive behaviour
therapy, graded exercise therapy, and specialist medical care for chronic
fatigue syndrome (PACE): A randomised trial. Lancet 377:823, 2011.
21
Causas neurológicas de fraqueza e
paralisia
Michael J. Aminoff
PATOGÊNESE
Fraqueza associada ao neurônio motor superior As lesões dos neurônios
motores superiores ou de seus axônios descendentes para a medula espinal (Fig.
21-1) produzem fraqueza por redução da ativação dos neurônios motores
inferiores. Em geral, os grupos musculares distais são acometidos mais
gravemente do que os proximais, e os movimentos axiais são poupados a menos
que a lesão seja grave e bilateral. A espasticidade é típica, mas pode não estar
presente na fase aguda. Os movimentos repetitivos rápidos são lentos e
grosseiros, mas a ritmicidade normal é mantida. Com acometimento
corticobulbar, ocorre fraqueza na parte inferior da face e na língua; tipicamente,
os músculos extraoculares, da parte superior da face, faríngeos e da mandíbula
são poupados. Nas lesões corticobulbares bilaterais, costuma ocorrer paralisia
pseudobulbar: disartria, disfagia, disfonia e labilidade emocional acompanham a
fraqueza facial bilateral e um reflexo mandibular exacerbado. A eletromiografia
(EMG) (Cap. 438) mostra que, na fraqueza relacionada ao neurônio motor
superior, as unidades motoras têm redução da frequência máxima de descarga.
FIGURA 21-1 Vias dos neurônios motores superiores corticospinais e bulbospinais. Os neurônios
motores superiores têm seus corpos celulares na camada V do córtex motor primário (giro pré-central ou
área 4 de Brodmann), bem como nos córtices pré-motor e motor suplementar (área 6). Os neurônios
motores superiores no córtex motor primário estão organizados de maneira somatotópica (lado direito da
figura). Os axônios dos neurônios motores superiores descem através da substância branca subcortical e do
ramo posterior da cápsula interna. Os axônios do sistema piramidal ou corticospinal descem pelo tronco
encefálico no pedúnculo cerebral do mesencéfalo, base da ponte e pirâmides bulbares. Na junção
cervicobulbar, a maioria dos axônios corticospinais decussam para o trato corticospinal contralateral da
medula espinal lateral, mas 10-30% permanecem ipsilaterais na medula espinal anterior. Os neurônios
corticospinais fazem sinapse com interneurônios pré-motores, mas alguns – especialmente no alargamento
cervical e aqueles que fazem conexão com neurônios motores para músculos distais dos membros – fazem
conexões monossinápticas diretas com os neurônios motores inferiores. Eles inervam mais densamente os
neurônios motores inferiores dos músculos da mão e estão envolvidos na execução de movimentos finos
aprendidos. Os neurônios corticobulbares são semelhantes aos corticospinais, mas inervam os núcleos
motores do tronco encefálico. Os neurônios motores superiores bulbospinais influenciam a força e o tônus,
mas não fazem parte do sistema piramidal. As vias bulbospinais ventromediais descendentes originam-se no
teto do mesencéfalo (via tectospinal), nos núcleos vestibulares (via vestibulospinal) e na formação reticular
(via reticulospinal). Essas vias influenciam os músculos axiais e proximais e estão envolvidas na
manutenção da postura e nos movimentos integrados de membros e tronco. As vias bulbospinais
ventrolaterais descendentes, que se originam predominantemente no núcleo rubro (via rubrospinal),
facilitam os músculos distais dos membros. O sistema bulbospinal às vezes é designado como sistema
extrapiramidal do neurônio motor superior. Em todas as ilustrações, os corpos celulares dos nervos e os
terminais axônicos são mostrados, respectivamente, como círculos fechados e forquilhas.
DISTRIBUIÇÃO DA FRAQUEZA
Hemiparesia Resulta de lesão de neurônio motor superior acima da medula
espinal mediocervical; a maioria dessas lesões ocorre acima do forame magno. A
presença de outros déficits neurológicos ajuda a localizar a lesão. Assim,
distúrbios da linguagem, por exemplo, apontam para uma lesão cortical. Defeitos
homônimos do campo visual refletem uma lesão hemisférica cortical ou
subcortical. Uma hemiparesia “motora pura” da face, de um braço ou perna
geralmente deve-se a uma lesão pequena e discreta no ramo posterior da cápsula
interna, no pedúnculo cerebral mesenfálico ou na parte superior da ponte.
Algumas lesões do tronco encefálico causam “paralisias cruzadas”, consistindo
em sinais de nervo craniano ipsilateral e hemiparesia contralateral (Cap. 419). A
ausência de sinais de nervo craniano ou de fraqueza facial sugere que a
hemiparesia deve-se a uma lesão na medula espinal cervical alta, especialmente
se associada à síndrome de Brown-Séquard (Cap. 434).
A hemiparesia aguda ou episódica geralmente resulta de lesões estruturais
focais, particularmente lesões de crescimento rápido ou de processos
inflamatórios. A hemiparesia subaguda que evolui ao longo de dias ou semanas
pode estar relacionada com hematoma subdural, distúrbios infecciosos ou
inflamatórios (p. ex., abscesso cerebral, granumola ou meningite fúngica,
infecção parasitária, esclerose múltipla, sarcoidose) ou neoplasias primárias ou
metastáticas. A Aids pode se manifestar por hemiparesia subaguda decorrente de
toxoplasmose ou linfoma primário do sistema nervoso central (SNC). A
hemiparesia crônica que evolui durante meses, em geral, se deve a uma
neoplasia ou malformação vascular, a um hematoma subdural crônico ou a uma
doença degenerativa.
A investigação de hemiparesia (Fig. 21-3) de origem aguda começa com
uma tomografia computadorizada (TC) do cérebro e exames laboratoriais. Se a
TC for normal ou se for um caso subagudo ou crônico de hemiparesia, realiza-se
ressonância magnética (RM) do encéfalo e/ou coluna cervical (incluindo o
forame magno), dependendo da apresentação clínica.
FIGURA 21-3 Algoritmo para investigação diagnóstica inicial de um paciente com fraqueza. TC,
tomografia computadorizada, NMI, neurônio motor inferior; RM, ressonância magnética, NMS, neurônio
motor superior; ENMG, eletroneuromiografia.
Monoparesia Costuma ser causada por doença do neurônio motor inferior, com
ou sem comprometimento sensitivo associado. A fraqueza decorrente de afecção
do neurônio motor superior ocasionalmente manifesta-se como monoparesia dos
músculos distais e não antigravitacionais. A fraqueza miopática raramente se
limita a um único membro.
LEITURAS ADICIONAIS
Brazis P, Masdeu JC, Biller J: Localization in Clinical Neurology, 7th ed.
Philadelphia, Lippincott William & Wilkins, 2016.
Campbell WW: DeJong’s The Neurological Examination, 7th ed. Philadelphia,
Lippincott William & Wilkins, 2012.
Guarantors of Brain: Aids to the Examination of the Peripheral Nervous System,
4th ed. Edinburgh, Saunders, 2000.
22
Dormência, formigamento e perda
sensitiva
Michael J. Aminoff
TERMINOLOGIA
Parestesias e disestesias são termos gerais usados para descrever sintomas
sensitivos positivos. O termo parestesia refere-se a formigamento ou sensações
de alfinetada e agulhada, mas também pode incluir grande variedade de outras
sensações anormais, exceto dor; às vezes, traz a conotação de que as sensações
anormais são percebidas espontaneamente. O termo mais genérico disestesia
denota todos os tipos de sensação anormal, inclusive a dolorosa, com ou sem
estímulo evidente.
Outro conjunto de termos refere-se a anormalidades sensitivas detectadas
ao exame físico. Hipoestesia ou hipestesia refere-se à redução da sensibilidade
cutânea a um tipo específico de estímulo, como pressão, toque suave e calor ou
frio; anestesia, à ausência completa de sensibilidade cutânea aos mesmos
estímulos e à dor; e hipoalgesia ou analgesia, à redução ou ausência da
percepção de dor (nocicepção). Hiperestesia significa dor ou maior sensibilidade
em resposta ao toque. De modo semelhante, alodinia descreve a situação em que
um estímulo não doloroso, quando percebido, é sentido como doloroso ou
mesmo excruciante. Um exemplo é o desencadeamento de uma sensação
dolorosa pela aplicação de um diapasão em vibração. Hiperalgesia denota dor
intensa em resposta a estímulo levemente doloroso, enquanto hiperpatia é um
termo amplo que abrange todos os fenômenos descritos como hiperestesia,
alodinia e hiperalgesia. Na hiperpatia, o limiar para um estímulo sensitivo é
aumentado, e sua percepção é tardia, mas, quando percebido, parece
extremamente doloroso.
Os distúrbios da sensibilidade profunda oriunda de fusos musculares,
tendões e articulações, afetam a propriocepção (sensação de posição). Suas
manifestações incluem desequilíbrio (principalmente com os olhos fechados ou
em ambiente escuro), dificuldade para executar movimentos precisos e
instabilidade da marcha, denominados coletivamente ataxia sensitiva. Outros
achados ao exame físico geralmente, mas nem sempre, incluem redução ou
supressão das sensibilidades vibratória e proprioceptiva, além de ausência dos
reflexos tendíneos profundos nos membros acometidos. O sinal de Romberg é
positivo, o que significa que o paciente oscila bastante ou cai quando solicitado a
permanecer em pé com os pés unidos e os olhos fechados. Nos estados graves de
desaferentação envolvendo sensibilidade profunda, o paciente não consegue
deambular ou ficar de pé sem apoio, ou mesmo sentar-se sem ajuda. Ocorrem
movimentos involuntários contínuos (pseudoatetose) das mãos e dos dedos
estendidos, principalmente com os olhos fechados.
ANATOMIA DA SENSIBILIDADE
Os receptores cutâneos são classificados pelo tipo de estímulo que os estimula
melhor. Eles consistem em terminações nervosas desnudas (nociceptores, que
respondem a estímulos de dano tecidual, e termorreceptores, que respondem a
estímulos térmicos não lesivos) e terminais encapsulados (vários tipos de
mecanorreceptores, ativados pela deformação física da pele). Cada tipo de
receptor tem seu próprio conjunto de sensibilidades a estímulos específicos,
dimensão e precisão dos campos receptivos e propriedades adaptativas.
Fibras aferentes nos troncos nervosos periféricos percorrem as raízes
dorsais e entram no corno dorsal da medula espinal (Fig. 22-1). A partir das
projeções polissinápticas das fibras menores (não mielinizadas e mielinizadas
finas), que transmitem principalmente a nocicepção, o prurido, a sensibilidade
térmica e o tato, cruzam e ascendem pelas colunas anterior e lateral do lado
oposto da medula espinal, através do tronco encefálico para o núcleo ventral
posterolateral (VPL) do tálamo e, por fim, alcançam o giro pós-central do córtex
parietal e outras áreas corticais (Cap. 10). Essa é a via espinotalâmica ou o
sistema anterolateral. As fibras maiores, que servem às sensibilidades tátil e
proprioceptiva e à cinestesia, projetam-se em direção rostral nas colunas
posterior e posterolateral do mesmo lado da medula espinal e estabelecem a
primeira sinapse nos núcleos grácil ou cuneiforme no bulbo inferior. Axônios
dos neurônios de segunda ordem decussam e ascendem pelo lemnisco medial
situado medialmente na medula e no tegmento da ponte e do mesencéfalo,
fazendo sinapse no núcleo VPL; os neurônios de terceira ordem projetam-se para
o córtex parietal e para as outras áreas corticais. Esse sistema de fibras grossas é
conhecido como via da coluna posterior-lemnisco medial (ou apenas via
lemniscal). Embora os tipos e as funções das fibras que constituem os sistemas
espinotalâmico e lemniscal sejam relativamente bem conhecidos, muitas outras
fibras, principalmente aquelas associadas às sensações de tato, pressão e
propriocepção, ascendem em um padrão de distribuição difuso, ipsilateral e
contralateralmente, nos quadrantes anterolaterais da medula espinal, o que
explica por que uma lesão completa das colunas posteriores da medula espinal
pode ser associada a pouco déficit sensitivo detectável ao exame clínico.
FIGURA 22-1 Principais vias somatossensitivas. Estão ilustrados o trato espinotalâmico (dor,
sensibilidade térmica) e o sistema da coluna posterior-lemniscal (tato, pressão, posição das articulações). As
ramificações do fascículo anterolateral ascendente (trato espinotalâmico) para os núcleos no bulbo, na ponte
e no mesencéfalo e as terminações nucleares do trato estão indicadas. (De AH Ropper, MA Samuels: Adams
and Victor’s Principles of Neurology, 9th ed. New York, McGraw-Hill, 2009.)
Nervo e raiz nervosa Nas lesões focais dos troncos nervosos, as anormalidades
sensitivas são facilmente mapeadas e, em geral, têm limites bem definidos (Figs.
22-2 e 22-3). As lesões radiculares costumam ser acompanhadas por sensações
dolorosas profundas ao longo do trajeto do tronco nervoso acometido. Com a
compressão da quinta raiz lombar (L5) ou primeira sacral (S1), como ocorre na
ruptura de disco intervertebral, a dor ciática (dor radicular relacionada com o
tronco do nervo ciático) é manifestação clínica comum (Cap. 14). Quando a
lesão afeta uma única raiz nervosa, os déficits sensitivos podem ser mínimos ou
inexistentes porque há sobreposição significativa entre os territórios das raízes
adjacentes.
Mononeuropatias isoladas podem causar sintomas além do território
inervado pelo nervo acometido, mas as anormalidades ao exame em geral ficam
confinadas aos limites anatômicos apropriados. Nas mononeuropatias múltiplas,
os sintomas e sinais ocorrem em territórios distintos inervados por diferentes
nervos individuais e – à medida que mais nervos são acometidos – podem
simular uma polineuropatia se os déficits se tornarem confluentes. Nas
polineuropatias, os déficits sensitivos costumam ter distribuição graduada, distal
e simétrica (Cap. 438). As disestesias, seguidas por dormência, começam nos
dedos dos pés e sobem simetricamente. Geralmente, quando chegam aos joelhos
também aparecem nas pontas dos dedos das mãos. Esse processo depende do
comprimento do nervo, e o déficit costuma ser descrito pela distribuição em
“meia e luva”. Também ocorre o acometimento das mãos e dos pés no caso das
lesões da coluna cervical superior ou do tronco encefálico, mas então é possível
encontrar um nível sensitivo alto no tronco, assim como outras evidências de
lesão central, como o acometimento esfincteriano ou sinais de lesão no neurônio
motor superior (Cap. 21). Embora a maioria das polineuropatias seja
pansensitiva e altere todas as modalidades de sensação, pode ocorrer disfunção
sensitiva seletiva de acordo com o tamanho da fibra nervosa. As polineuropatias
de fibras finas caracterizam-se por disestesias dolorosas em queimação, com
redução das sensibilidades térmica e álgica, mas preservação da propriocepção,
da função motora e dos reflexos tendíneos profundos. O tato é envolvido de
maneira variável; quando poupado, o padrão sensitivo é chamado dissociação
sensitiva. A dissociação sensitiva também pode ocorrer com lesões da medula
espinal. As polineuropatias de fibras grossas caracterizam-se por déficits da
vibração e da propriocepção, desequilíbrio, reflexos tendíneos ausentes e
disfunção motora variável, mas com preservação da maior parte da sensibilidade
cutânea. As disestesias, se presentes, tendem a ser formigamento ou sensação em
faixa.
A neuronopatia sensitiva (ou ganglionopatia) caracteriza-se por perda
sensitiva disseminada, mas assimétrica, que ocorre de maneira não dependente
do comprimento, de modo que pode ocorrer proximal ou distalmente e nos
braços, nas pernas ou em ambos. A dor e a dormência progridem para ataxia
sensitiva e comprometimento de todas as modalidades sensitivas com o tempo.
Essa condição geralmente tem origem paraneoplásica ou idiopática (Caps. 90 e
438) ou está relacionada a uma doença autoimune, particularmente a síndrome
de Sjögren.
LEITURAS ADICIONAIS
Brazis P, Masdeu JC, Biller J: Localization in Clinical Neurology, 7th ed.
Philadelphia, Lippincott William & Wilkins, 2016.
Campbell WW: DeJong’s The Neurological Examination, 7th ed. Philadelphia,
Lippincott William & Wilkins, 2012.
23
Distúrbios da marcha, desequilíbrio e
quedas
Jessica M. Baker, Lewis R. Sudarsky
PREVALÊNCIA, MORBIDADE E MORTALIDADE
Os problemas da marcha e do equilíbrio são comuns no idoso e contribuem para
o risco de quedas e lesões. São descritos distúrbios da marcha em 15% dos
indivíduos com mais de 65 anos de idade. Aos 80 anos, 1 em cada 4 pessoas usa
algum auxílio mecânico para deambular. A partir dos 85, a prevalência de
anormalidades da marcha aproxima-se de 40%. Em estudos epidemiológicos, os
distúrbios da marcha são identificados consistentemente como um fator de risco
maior para quedas e lesões.
ANATOMIA E FISIOLOGIA
A deambulação bípede ereta depende da integração bem-sucedida do controle
postural e da locomoção. Tais funções se distribuem amplamente no sistema
nervoso central. A biomecânica da deambulação bípede é complexa, e o
desempenho, facilmente comprometido por déficit neurológico em qualquer
nível. Os centros de comando e controle no tronco encefálico, no cerebelo e no
prosencéfalo modificam a ação dos geradores do padrão espinal no sentido da
geração dos passos. Embora em quadrúpedes seja possível desencadear uma
forma de “locomoção fictícia” após transecção espinal, em primatas tal
capacidade é limitada. Nos primatas, a geração dos passos depende dos centros
locomotores no tegmento pontino, no mesencéfalo e na região subtalâmica. As
sinergias locomotoras são executadas por meio da formação reticular e das vias
descendentes na medula espinal ventromedial. O controle cerebral fornece um
objetivo e propósito para deambular, bem como está envolvido na prevenção de
obstáculos e adaptação dos programas locomotores com relação ao contexto e ao
terreno.
O controle postural requer a manutenção do centro de massa sobre a base
de suporte durante o ciclo da marcha. Os ajustes posturais inconscientes mantêm
o equilíbrio na posição ortostática: respostas de latência longa são mensuráveis
nos músculos das pernas, começando 110 ms após uma perturbação. O
movimento para frente do centro de massa proporciona força propulsiva para dar
os passos, mas a incapacidade de manter o centro de massa dentro dos limites de
estabilidade resulta em quedas. O substrato anatômico para o equilíbrio
dinâmico ainda não foi bem definido, mas o núcleo vestibular e o cerebelo na
linha média contribuem para o controle do equilíbrio nos animais. Pacientes com
lesão dessas estruturas apresentam déficit do equilíbrio na posição ortostática e
na deambulação.
O equilíbrio na posição ortostática depende de informações sensitivas de
boa qualidade sobre a posição do centro corporal com relação ao ambiente, à
superfície de apoio e às forças gravitacionais. As informações sensitivas para o
controle postural são geradas primariamente pelo sistema visual, pelo sistema
vestibular e pelos receptores proprioceptivos nos fusos musculares e
articulações. Em geral, há redundância saudável das informações sensitivas
aferentes, mas a perda de 2 das 3 vias é suficiente para comprometer o equilíbrio
na posição ereta. Os distúrbios do equilíbrio em idosos às vezes resultam de
múltiplas lesões nos sistemas sensitivos periféricos (p. ex., perda visual, déficit
vestibular, neuropatia periférica), prejudicando de forma significativa a
qualidade das informações aferentes essenciais à estabilidade do equilíbrio.
Os pacientes mais velhos com comprometimento cognitivo parecem
particularmente propensos a quedas e traumatismos. Há uma crescente literatura
sobre o uso de recursos de atenção que ajudam a controlar a marcha e o
equilíbrio. Em geral, considera-se a deambulação como inconsciente e
automática, mas a capacidade de deambular enquanto cumpre uma tarefa
cognitiva (caminhada de dupla tarefa) pode ficar particularmente comprometida
em idosos. Pacientes idosos com déficits na função executiva têm uma
dificuldade particular para manter a atenção necessária ao equilíbrio dinâmico
quando estão distraídos.
DISTÚRBIOS DA MARCHA
(Ver Vídeo 23-1) Os distúrbios da marcha podem ser atribuídos a causas
neurológicas e não neurológicas, embora costume haver significativa
sobreposição. A marcha antálgica resulta da evitação da dor associada com a
sustentação de peso, sendo comumente vista na osteoartrite. A assimetria é uma
característica comum dos distúrbios da marcha devido a contraturas e outras
deformidades ortopédicas. Os problemas visuais estão entre as causas não
neurológicas comuns de distúrbios da marcha.
Os distúrbios neurológicos da marcha são incapacitantes e igualmente
importantes de abordar. A heterogeneidade dos distúrbios da marcha observados
na prática clínica reflete a grande rede de sistemas neurais envolvidos na tarefa.
A deambulação é vulnerável a doenças neurológicas em qualquer nível. Os
distúrbios da marcha foram classificados de forma descritiva com base na
fisiologia e na biomecânica anormais. Um problema com essa abordagem é que
muitos tipos de marcha acabam parecendo muito semelhantes. Tal sobreposição
reflete padrões comuns de adaptação à estabilidade do equilíbrio ameaçada e ao
desempenho precário. Ao exame clínico, o distúrbio da marcha observado tem
de ser encarado como o resultado de um déficit neurológico e uma adaptação
funcional. Fatores singulares da marcha deficiente geralmente são sobrepujados
pela resposta adaptativa. Alguns padrões comuns de marcha anormal estão
resumidos adiante. Os distúrbios da marcha também podem ser classificados
pela etiologia (Tab. 23-1).
ATAXIA SENSITIVA
Conforme mencionado anteriormente neste capítulo, o equilíbrio depende de
informações aferentes de alta qualidade, provenientes dos sistemas visual e
vestibular, bem como da propriocepção. Quando essas informações se perdem ou
sofrem degradação, o equilíbrio durante a locomoção fica comprometido,
resultando em instabilidade. A ataxia sensitiva decorrente da neurossífilis
tabética é um exemplo clássico. O equivalente contemporâneo é o paciente com
neuropatia que afeta as fibras grandes. A deficiência de vitamina B12 é uma causa
tratável da perda sensitiva de fibras grandes na medula espinal e no sistema
nervoso periférico. As sensações proprioceptivas e vibratórias estão diminuídas
nos membros inferiores. A postura ortostática em tais pacientes se desestabiliza
quando fecham os olhos; em geral, ao deambular, olham para baixo, na direção
dos pés, e a dificuldade aumenta no escuro. Na Tabela 23-2, há uma comparação
da ataxia sensitiva com a cerebelar e o distúrbio frontal da marcha.
TABELA 23-2 ■ Características das ataxias cerebelar e sensitiva e do distúrbio frontal da marcha
Características Ataxia cerebelar Ataxia sensitiva Marcha frontal
DOENÇA NEUROMUSCULAR
Nos pacientes com doença neuromuscular, a marcha costuma ser anormal,
ocasionalmente como um dos primeiros sinais. Nos casos de fraqueza distal
(neuropatia periférica), a altura do passo aumenta para compensar a queda do pé,
cuja planta pode bater no solo durante o apoio do peso, a chamada marcha
escarvante. Os pacientes com miopatia ou distrofia muscular exibem fraqueza
proximal mais frequentemente. A fraqueza da cintura pélvica pode resultar em
alguma inclinação excessiva do quadril durante a locomoção. A postura
encurvada da estenose espinal lombar melhora a dor da compressão da cauda
equina que ocorre com uma postura mais ereta ao caminhar, podendo simular o
parkinsonismo inicial.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Distúrbio da marcha lentamente progressivo
Ao revisar a história, é útil inquirir sobre o início e a progressão da
deficiência. A percepção inicial de uma marcha instável pode vir após uma
queda. Evolução em etapas ou progressão súbita sugere doença vascular. O
distúrbio da marcha pode estar associado a urgência e incontinência urinária,
em particular nos pacientes com doença da coluna cervical ou hidrocefalia.
Sempre é importante rever o uso de álcool e medicações que afetem a marcha
e o equilíbrio. As informações acerca da localização obtidas no exame
neurológico podem ser úteis para estreitar a lista de diagnósticos possíveis.
A observação da marcha dá uma ideia imediata do nível de incapacidade
do paciente. As marchas artrítica e antálgica são reconhecidas pela
observação, embora possam coexistir problemas neurológicos e ortopédicos.
Às vezes, observam-se padrões típicos de anormalidade; porém, conforme já
mencionado, as marchas alteradas muitas vezes parecem fundamentalmente
semelhantes. A cadência (passos/minuto), a velocidade e a extensão do passo
podem ser registradas cronometrando-se a deambulação do paciente em uma
distância fixa. Observar um paciente erguer-se de uma cadeira proporciona
uma boa avaliação funcional de seu equilíbrio.
Os exames de imagem cerebrais podem ser informativos no caso dos
pacientes com um distúrbio da marcha não diagnosticado. A RM é sensível
para detectar lesões cerebrais originárias de doenças vasculares ou
desmielinizantes, sendo um bom exame de rastreamento para hidrocefalia
oculta. Os pacientes que sofrem quedas recorrentes correm risco de ter um
hematoma subdural. Conforme já mencionado, muitos pacientes idosos com
dificuldade para deambular e manter o equilíbrio têm anormalidades na
substância branca da região periventricular e no centro semioval. Embora
essas lesões possam constituir um achado incidental, a presença de doença
em uma área considerável da substância branca acaba tendo impacto sobre o
controle central da locomoção.
DISTÚRBIOS DO EQUILÍBRIO
DEFINIÇÃO, ETIOLOGIA E MANIFESTAÇÕES
O equilíbrio é um estado dinâmico em que o centro de massa da pessoa é
controlado em relação às extremidades inferiores, à gravidade e à superfície de
apoio apesar de perturbações externas. Os reflexos necessários para manter a
postura ereta exigem informações dos sistemas cerebelar, vestibular e
somatossensitivo; o córtex pré-motor, os tratos corticospinal e reticulospinal
medeiam a emissão de informações para os músculos axiais e proximais dos
membros. Essas respostas são fisiologicamente complexas e sua representação
anatômica não é bem conhecida. Pode haver falha em qualquer nível e isso se
manifesta como dificuldade em manter a postura ao ficar de pé e caminhar.
A anamnese e o exame físico podem diferenciar entre as causas subjacentes
do desequilíbrio. Os pacientes com ataxia cerebelar em geral não se queixam de
tontura, mas seu equilíbrio é visivelmente prejudicado. O exame neurológico
revela uma variedade de sinais cerebelares. No início, a compensação postural
pode evitar quedas, porém é inevitável que elas venham a ocorrer com a
progressão da doença. Em geral, a progressão de uma ataxia neurodegenerativa é
medida pelo número de anos decorridos até a perda da deambulação estável.
Os distúrbios vestibulares (Cap. 19) têm sinais e sintomas que se
enquadram em três categorias: (1) vertigem (percepção subjetiva inadequada ou
ilusão de movimento); (2) nistagmo (movimentos oculares involuntários); e (3)
prejuízo do equilíbrio na posição ereta. Nem todo paciente demonstra todas as
manifestações. Aqueles com déficits vestibulares relacionados com fármacos
ototóxicos podem não ter vertigem nem nistagmo óbvio, mas o equilíbrio
mostra-se comprometido na posição em pé e na deambulação, além de não
conseguirem transitar no escuro. Há exames laboratoriais disponíveis para
investigar déficits vestibulares.
Os déficits somatossensitivos também acarretam desequilíbrio e quedas.
Muitas vezes, há uma sensação subjetiva de equilíbrio inseguro e medo de cair.
O controle da postura é comprometido quando o paciente fecha os olhos (sinal
de Romberg); esses pacientes também têm dificuldade para transitar no escuro.
Um exemplo marcante é o do paciente com neuropatia sensitiva subaguda
autoimune, às vezes um distúrbio paraneoplásico (Cap. 90). Estratégias
compensatórias possibilitam que tais pacientes deambulem na ausência virtual
de propriocepção, mas a tarefa requer monitoração visual ativa.
Os pacientes com distúrbios do equilíbrio de nível superior têm dificuldade
para manter o equilíbrio no cotidiano e podem sofrer quedas. Sua percepção do
prejuízo do equilíbrio pode estar reduzida. Os pacientes em uso de sedativos
também se enquadram nessa categoria.
QUEDAS
As quedas são comuns em idosos; mais de um terço das pessoas > de 65 anos de
idade que vivem na comunidade caem a cada ano. Este número é ainda maior em
clínicas geriátricas e hospitais. As pessoas idosas não estão apenas sob maior
risco de quedas, mas têm mais chances de sofrer complicações graves devido a
comorbidades médicas, como a osteoporose. As fraturas de quadril resultam em
hospitalização, podem levar a internações em clínicas geriátricas e estão
associadas a risco de mortalidade aumentada no ano subsequente. As quedas
podem resultar em lesão cerebral ou da coluna, sendo que, nesses casos, pode ser
difícil para o paciente fornecer o relato. A proporção de lesões de medula espinal
devido a quedas em pessoas com > 65 anos de idade dobrou na última década,
talvez devido ao aumento de atividade nessa faixa etária. Algumas quedas
resultam em tempo prolongado deitado no chão; as fraturas e a lesão do SNC são
uma preocupação especial nesse contexto.
Para cada pessoa com deficiência física, há outras cuja independência
funcional é limitada por ansiedade e medo de cair. Cerca de 1 em cada 5
indivíduos idosos restringe voluntariamente sua atividade por medo de sofrer
quedas. Com a falta da locomoção, a qualidade de vida diminui e as taxas de
morbidade e mortalidade aumentam.
Exame físico O exame do paciente com quedas deve incluir um exame cardíaco
básico, incluindo pressão arterial ortostática se indicado pela história, e a
observação de quaisquer anormalidades ortopédicas. O estado mental é
facilmente avaliado enquanto se obtém a anamnese com o paciente; o restante do
exame neurológico deve incluir acuidade visual, força e sensibilidade nos
membros inferiores, tônus muscular e função cerebelar, com particular atenção a
marcha e equilíbrio como anteriormente descrito.
TRATAMENTO
Intervenções para reduzir o risco de quedas e lesão
Devem-se realizar esforços para definir a etiologia do distúrbio de marcha e o mecanismo subjacente das
quedas em um determinado paciente. Devem ser registradas as alterações ortostáticas na pressão arterial e
na frequência cardíaca. Deve-se avaliar a capacidade de levantar da cadeira e caminhar para a segurança do
paciente. Com o estabelecimento do diagnóstico, pode ser viável um tratamento específico. Em geral, a
intervenção terapêutica é recomendável para os pacientes idosos sob risco substancial de quedas, mesmo
que não se tenha identificado uma doença neurológica. Pode ser útil ir ao lar do paciente para verificar se há
perigos no ambiente em que ele vive. É possível recomendar uma variedade de modificações para aumentar
a segurança, como a melhora da iluminação, a instalação de barras de segurança e o uso de pisos
antideslizantes.
Técnicas de reabilitação tentam melhorar a força muscular e a estabilidade do equilíbrio, tornando o
paciente mais resistente a lesões. O treinamento de força e resistência de alta intensidade com pesos e
aparelhos é útil para aumentar a massa muscular, mesmo em pacientes idosos debilitados. Conseguem-se
melhoras na postura e na marcha, as quais são traduzidas por menor risco de quedas e lesões. O treinamento
de equilíbrio sensitivo é outra abordagem para melhorar a estabilidade do equilíbrio. É possível obter
ganhos mensuráveis em poucas semanas de treinamento, e os benefícios podem ser mantidos por mais de 6
meses com um programa de exercícios domiciliares durante 10 a 20 minutos por dia. Tal estratégia é
particularmente bem-sucedida em pacientes com distúrbios do equilíbrio vestibulares e somatossensitivos.
Foi demonstrado que um programa de exercícios de Tai Chi reduz o risco de quedas e lesões em pacientes
com doença de Parkinson.
LEITURAS ADICIONAIS
American Geriatrics Society, British Geriatrics Society, American Academy of
Orthopedic Surgeons Panel on Falls Prevention: Guideline for the
Prevention of Falls in Older Persons. J Am Geriatr Soc 49:664, 2001.
Nutt JG: Classification of Gait and Balance Disorders. Adv Neurol 87:135,
2001.
Pirker W, Katzenschlager R: Gait disorders in adults and the elderly. Wien Klin
Wochenschr 129:81, 2017.
24
Confusão e delirium
S. Andrew Josephson, Bruce L. Miller
FATORES DE RISCO
Uma estratégia de prevenção primária eficaz do delirium começa com a
identificação dos pacientes de alto risco, como os que estão se preparando para
cirurgias eletivas ou que serão hospitalizados. Foram desenvolvidos sistemas de
escores como rastreamento de pacientes assintomáticos, muitos enfatizando
fatores de risco bem estabelecidos para o delirium.
Os dois fatores de risco identificados com maior frequência são a idade
avançada e disfunção cognitiva prévia. Indivíduos > 65 anos de idade ou que
exibam baixa pontuação nos testes padronizados de cognição apresentam
delirium ao ser hospitalizados com incidência aproximada de 50%. Não se sabe
ao certo se a idade e a disfunção cognitiva prévia são fatores de risco realmente
independentes. Outros fatores predisponentes são a privação sensitiva, como
deficiências auditiva e visual preexistentes, além de índices de saúde geral
debilitada, incluindo imobilidade, desnutrição e doença clínica ou neurológica
subjacente prévia.
Os riscos hospitalares de delirium incluem o uso de cateterismo vesical,
contenção física, privação de sono e sensitiva, assim como o acréscimo de três
ou mais medicamentos novos. Evitar esses riscos continua a ser fundamental à
prevenção e tratamento do delirium. Os fatores de risco cirúrgicos e anestésicos
para o desenvolvimento de delirium pós-operatório incluem procedimentos,
como os que envolvem a circulação extracorpórea e tratamento insuficiente ou
excessivo da dor no período pós-operatório imediato e, talvez, agentes
específicos, como os anestésicos inalatórios.
A relação entre delirium e demência (Cap. 25) é complicada pela
superposição significativa entre esses dois distúrbios, e nem sempre é simples
distingui-los. A demência e a disfunção cognitiva preexistente servem como
fatores de risco importantes para o delirium, com pelo menos dois terços dos
casos de delirium ocorrendo em pacientes com demência subjacente coexistente.
Uma forma de demência com parkinsonismo, denominada demência por corpos
de Lewy, caracteriza-se por evolução flutuante com alucinações visuais
proeminentes, parkinsonismo e déficit de atenção que lembra clinicamente o
delirium hiperativo; os pacientes com essa condição são particularmente
vulneráveis ao delirium. No idoso, o delirium frequentemente reflete uma
agressão ao cérebro que está vulnerável devido a doença neurodegenerativa
subjacente. Assim, o desenvolvimento de delirium algumas vezes anuncia o
início de um distúrbio cerebral previamente não reconhecido e, após a melhora
do episódio agudo de delirium, o rastreamento cuidadoso para uma condição
subjacente deve ocorrer em ambiente ambulatorial.
EPIDEMIOLOGIA
O delirium é comum, mas sua incidência relatada varia muito de acordo com os
critérios empregados para defini-lo. As estimativas da ocorrência de delirium em
pacientes hospitalizados variam de 10 a > 50%, sendo as maiores taxas relatadas
em pacientes idosos e nos submetidos à cirurgia do quadril. Pacientes de mais
idade internados em UTI apresentam incidência particularmente alta de delirium,
a qual se aproxima de 75%. O distúrbio deixa de ser reconhecido em até um
terço dos pacientes internados com delirium, e o diagnóstico é especialmente
problemático no ambiente da UTI, onde costuma ser difícil observar disfunção
cognitiva no contexto de doença sistêmica grave e sedação. O delirium na UTI
deve ser visto como manifestação importante de disfunção orgânica, por
exemplo, insuficiências hepática, renal ou cardíaca. Fora do contexto hospitalar
agudo, o delirium ocorre em quase 25% dos pacientes em casas de apoio e em 50
a 80% daqueles no fim da vida. Tais estimativas enfatizam a altíssima frequência
dessa síndrome cognitiva em pacientes idosos, uma população que continua a
crescer.
Um episódio de delirium era antes considerado como distúrbio transitório
de prognóstico benigno. Agora ele é reconhecido como um distúrbio com
substanciais morbidade e mortalidade, geralmente representando a primeira
manifestação de uma doença subjacente grave. Estimativas da mortalidade
hospitalar de pacientes com delirium variaram de 25 a 33%, índice semelhante
ao dos pacientes com sepse. Os pacientes internados com um episódio de
delirium têm mortalidade cinco vezes mais alta nos meses após a doença, em
comparação com os pacientes hospitalizados da mesma idade que não tiverem
delirium. Os pacientes hospitalizados com delirium também permanecem
internados mais tempo, são mais propensos a serem transferidos para uma casa
de apoio e a terem episódios subsequentes de delirium e declínio cognitivo; em
consequência, esse distúrbio possui enormes custos econômicos.
PATOGÊNESE
A patogênese e anatomia do delirium não são bem compreendidas. O déficit de
atenção, a marca neuropsicológica do delirium, tem localização difusa no tronco
encefálico, no tálamo, no córtex pré-frontal e nos lobos parietais. Raramente,
lesões focais, como acidentes vasculares cerebrais (AVCs) isquêmicos, causaram
delirium em pessoas previamente sadias; lesões parietais direitas e talâmicas
dorsais mediais foram relatadas mais comumente, ressaltando a importância
dessas áreas na patogênese do delirium. Porém, na maioria dos casos, o delirium
resulta de distúrbios difusos nas regiões corticais e subcorticais do cérebro. O
eletrencefalograma (EEG) em geral mostra lentidão simétrica, achado
inespecífico que sustenta disfunção cerebral difusa.
Diversas anormalidades em neurotransmissores, fatores pró-inflamatórios e
genes específicos desempenham um papel na patogênese do delirium. A
deficiência de acetilcolina pode ter um papel, e medicamentos com propriedades
anticolinérgicas com frequência podem precipitar delirium. Conforme citado
antes, os pacientes com demência preexistente são particularmente suscetíveis a
episódios de delirium. Doença de Alzheimer, demência por corpos de Lewy e
demência da doença de Parkinson estão todas associadas com deficiência
colinérgica devido à degeneração de neurônios produtores de acetilcolina no
prosencéfalo basal. Além disso, é provável que outros neurotransmissores
estejam envolvidos nesse distúrbio cerebral difuso. Por exemplo, aumentos na
dopamina podem causar delirium, e os pacientes com a doença de Parkinson
tratados com fármacos dopaminérgicos podem apresentar um estado semelhante
ao delirium, caracterizado por alucinações visuais, flutuações e confusão.
Nem todos os indivíduos expostos ao mesmo fator desencadeante
manifestam sinais de delirium. Uma dose baixa de anticolinérgico pode não ter
efeitos cognitivos em um adulto jovem sadio, mas é capaz de precipitar delirium
intenso em pessoas idosas com demência subjacente conhecida, embora mesmo
pessoas jovens e sadias desenvolvam delirium com doses muito altas de
medicamentos anticolinérgicos. Atualmente, esse conceito do desenvolvimento
de delirium como resultado de uma agressão em indivíduos predispostos é a
hipótese de patogênese mais amplamente aceita. Por isso, se um indivíduo antes
sadio sem antecedentes conhecidos de doença cognitiva apresentar delirium por
um problema relativamente pequeno, como cirurgia eletiva ou hospitalização,
será preciso considerar uma doença neurológica subjacente despercebida, como
alguma afecção neurodegenerativa, AVCs múltiplos prévios ou outra causa
cerebral difusa. Nesse contexto, o delirium pode ser visto como um “teste de
esforço para o cérebro” em que a exposição a fatores desencadeantes
conhecidos, como infecção sistêmica e fármacos agressores, pode desmascarar
uma reserva cerebral diminuída e anunciar doença subjacente grave, mas
potencialmente tratável.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Delirium
Como o diagnóstico do delirium é clínico e firmado à beira do leito, são
necessários anamnese e exame físico minuciosos ao se avaliar pacientes com
possibilidade de estado confusional. Ferramentas de rastreamento podem
ajudar médicos e enfermeiros a identificar os pacientes com delirium,
incluindo o Método de Avaliação de Confusão (CAM) (Confusion
Assessment Method), a Escala de Triagem de Delirium em Enfermagem
(NuDESC, Nursing Delirium Screening Scale), a Escala da Síndrome
Cerebral Orgânica (Organic Brain Syndrome Scale), a Escala de Graduação
do Delirium (Delirium Rating Scale) e, na UTI, as versões do Escore para a
Detecção de Delirium (Delirium Detection Score) e do CAM para UTI.
Usando-se o bem validado CAM, faz-se um diagnóstico de delirium se
houver (1) início agudo e evolução flutuante e (2) desatenção acompanhada
por (3) pensamento desorganizado ou (4) alteração do nível da consciência (
Tab. 24-1). Essas escalas podem não identificar todo o espectro de pacientes
com delirium, e todos os pacientes agudamente confusos devem ser
considerados com delirium independentemente de sua apresentação devido à
ampla variedade de características clínicas possíveis. Uma evolução flutuante
durante horas ou dias e que pode agravar-se à noite (conhecida como
sundowning) é típica, mas não indispensável para o diagnóstico. A
observação do paciente em geral revela um nível alterado de consciência ou
algum déficit de atenção. Outras características que podem estar presentes
incluem alteração do ciclo de sono e vigília, distúrbios do raciocínio, como
alucinações ou delírios, instabilidade autonômica e alterações do afeto.
Fonte: Modificada de SK Inouye et al: Clarifying confusion: The Confusion Assessment Method. A new method for detection of
delirium. Ann Intern Med 113:941, 1990.
HISTÓRIA
Pode ser difícil obter-se uma anamnese adequada dos pacientes com delirium
e alteração dos níveis de consciência ou déficit de atenção. Por isso, a
colaboração de um informante, como o cônjuge ou outro membro da família,
é valiosa. As três partes mais importantes da anamnese consistem na função
cognitiva basal do paciente, no tempo de evolução da doença atual e nos
fármacos atuais.
Pode-se avaliar a função cognitiva pré-mórbida com algum informante
ou, se necessário, revendo-se o prontuário do paciente. Por definição, o
delirium representa alteração relativamente aguda, em geral ao longo de
horas a dias, da função cognitiva basal. É quase impossível diagnosticar um
estado confusional agudo sem algum conhecimento da função cognitiva
prévia. Sem essa informação, é possível confundir muitos pacientes com
demência ou depressão de longa data como tendo delirium durante uma
avaliação inicial. Os pacientes com apresentação mais hipoativa, apática e
lentidão psicomotora só podem ser identificados como diferentes de seu
estado basal mediante conversas com familiares. Mostrou-se que diversos
instrumentos validados diagnosticam com acurácia a disfunção cognitiva
usando um informante, que inclui a Blessed Dementia Rating Scale
modificada e o Clinical Dementia Rating (CDR). Deficiência cognitiva basal
é comum em pacientes com delirium. Mesmo quando não se consegue obter
uma história de deficiência cognitiva, deve-se manter alto índice de suspeita
de distúrbio neurológico subjacente não identificado.
É importante estabelecer o tempo de evolução da alteração cognitiva
para definir o diagnóstico de delirium, mas também correlacionar o início da
doença com etiologias potencialmente tratáveis, como trocas recentes de
medicação ou sintomas de infecção sistêmica.
Os fármacos continuam sendo uma causa comum de delirium, em
especial compostos com propriedades anticolinérgicas ou sedativas. Estima-
se que quase um terço de todos os casos de delirium sejam secundários a
medicamentos, em especial no idoso. A história medicamentosa deve incluir
todos os medicamentos prescritos e adquiridos sem prescrição, assim como
os fitoterápicos e quaisquer alterações recentes nas doses ou apresentações,
incluindo a substituição de medicamentos originais por genéricos.
Outros elementos importantes da anamnese incluem o rastreamento dos
sintomas de insuficiência orgânica ou infecção sistêmica, que muitas vezes
contribuem para o delirium no idoso. História de uso de drogas ilícitas,
alcoolismo ou exposição a toxinas é comum em pacientes jovens com
delirium. Por fim, inquirir o paciente e outras pessoas próximas dele sobre
outros sintomas que possam acompanhar o delirium, como depressão, pode
ajudar a identificar alvos terapêuticos potenciais.
EXAME FÍSICO
O exame físico geral do paciente com delirium deve incluir rastreamento
cuidadoso de sinais de infecção, como febre, taquipneia, consolidação
pulmonar, sopro cardíaco e meningismo. Deve-se avaliar o grau de
hidratação do paciente, pois tanto a desidratação como a sobrecarga hídrica
com hipoxemia resultante estão associadas ao delirium, e ambas podem ser
corrigidas com facilidade. A inspeção da pele pode ser útil, mostrando
icterícia nos casos de encefalopatia hepática, cianose nos pacientes com
hipoxemia ou trajetos de agulhas em usuários de drogas intravenosas.
O exame neurológico requer a avaliação cuidadosa do estado mental. Os
pacientes com delirium frequentemente apresentam-se com evolução
flutuante, de modo que o diagnóstico pode passar despercebido quando se
confia em um único momento da avaliação. Para os pacientes que pioram no
final do dia (sundowning), a avaliação apenas durante as visitas da manhã
pode ser falsamente tranquilizadora.
Na maioria dos pacientes com delirium, observa-se alteração do nível de
consciência que varia de um estado hiperalerta à letargia e até o coma,
podendo ser avaliado com facilidade à beira do leito. Em um paciente com
nível de consciência relativamente normal, é obrigatório rastreamento para
déficit de atenção, por ser a característica neuropsicológica clássica do
delirium. Isso pode ser feito ouvindo-se o paciente contar uma história. Fala
tangencial, fluxo fragmentado de ideias ou incapacidade de obedecer a
comandos complexos geralmente significam um problema de atenção.
Existem testes neuropsicológicos formais para avaliar a atenção, mas um
teste de memória simples, à beira do leito, de repetir séries de dígitos é
rápido e razoavelmente sensível. Nesse teste, solicita-se que o paciente repita
séries sucessivamente mais longas de números aleatórios, começando com
dois números seguidos ditos ao paciente em intervalos de 1 segundo. Os
adultos saudáveis repetem uma série de 5 a 7 dígitos antes de falhar; a
repetição de 4 ou menos dígitos geralmente indica déficit de atenção, a
menos que exista dificuldade de audição ou linguagem; muitos pacientes
com delirium conseguem repetir séries de 3 ou menos dígitos.
Os testes neuropsicológicos mais formais podem ser úteis para se
avaliar um paciente com delirium, mas também costumam ser incômodos e
demorados no contexto hospitalar. Um miniexame do estado mental
(MEEM) fornece informações sobre orientação, linguagem e habilidades
visuoespaciais (Cap. 25); entretanto, o desempenho de algumas tarefas no
MEEM, como soletrar a palavra “mundo” de trás para frente ou a subtração
seriada de números, irá se mostrar prejudicado por causa dos déficits de
atenção nos pacientes com delirium, e, por isso, seus resultados não serão
confiáveis.
O restante do exame neurológico de rastreamento deve ser voltado para
a identificação de novos déficits neurológicos focais. Raras vezes, AVCs
focais ou lesões expansivas isoladas são a causa de delirium, mas a
capacidade cognitiva dos pacientes com doença cerebrovascular extensa ou
doenças neurodegenerativas pode não resistir a novas lesões, mesmo que
relativamente pequenas. É recomendável procurar outros sinais de doenças
neurodegenerativas, como o parkinsonismo, observado não apenas na doença
de Parkinson idiopática, como também em outras afecções que acarretam
demência, como a doença de Alzheimer, demência por corpos de Lewy e
paralisia supranuclear progressiva. A presença de mioclonia multifocal ou
asterixe ao exame motor é inespecífica, mas geralmente indica etiologia
tóxica ou metabólica do delirium.
ETIOLOGIA
Algumas etiologias são facilmente detectadas por anamnese e exame físico
minuciosos, enquanto outras requerem confirmação com exames
laboratoriais, de imagem ou outros testes complementares. Um grande e
diversificado grupo de agressões pode acarretar delirium e, em muitos
pacientes, a causa costuma ser multifatorial. As etiologias comuns estão
citadas na Tabela 24-2.
Amônia sérica
Velocidade de hemossedimentação
Sorologias autoimunes: fatores antinucleares (FAN), níveis de complemento, p-ANCA, c-ANCA, considerar sorologias para encefalites
autoimune/paraneoplásica
Sorologias infecciosas: VDRL; sorologias fúngicas e virais se houver alto índice de suspeita; anticorpos anti-HIV
Punção lombar (se ainda não tiver sido realizada)
RM cerebral com e sem gadolínio (se ainda não realizada)
Siglas: c-ANCA, anticorpo anticitoplasma de neutrófilo citoplasmático; SNC, sistema nervoso central; TC, tomografia
computadorizada; RM, ressonância magnética; p-ANCA, anticorpo anticitoplasma de neutrófilo perinuclear; VDRL, Venereal Disease
Research Laboratory.
TRATAMENTO
Delirium
O tratamento do delirium começa com medidas para o fator incitante subjacente (p. ex., os pacientes com
infecção sistêmica devem receber antibióticos apropriados, e os distúrbios eletrolíticos subjacentes devem
ser corrigidos de forma criteriosa). Tais medidas geralmente acarretam na resolução imediata do delirium.
Combater cegamente de maneira farmacológica os sintomas do delirium serve apenas para prolongar a
confusão dos pacientes e pode mascarar informações diagnósticas importantes.
Métodos relativamente simples de assistência de apoio podem ser muito eficazes. A reorientação pela
equipe de enfermagem e pela família, combinada com relógios visíveis, calendários, janelas para o exterior
podem diminuir a confusão do paciente. O isolamento sensitivo deve ser evitado, fornecendo-se óculos e
aparelhos auditivos aos pacientes que deles necessitem. O agravamento noturno pode ser evitado com a
vigilância para ciclos de sono e vigília apropriados. Durante o dia, além de manter o quarto bem iluminado,
é bom programar atividades ou exercícios para evitar cochilos. À noite, um ambiente silencioso e escuro,
com poucas interrupções por parte da equipe hospitalar, pode assegurar o repouso adequado. Tais
intervenções no ciclo de sono e vigília são muito importantes no contexto da UTI, pois a atividade constante
habitual por 24 horas comumente causa delirium. Também se demonstrou que tentativas de simular o
ambiente doméstico o máximo possível ajudam a prevenir e tratar o delirium. Visitas de amigos e familiares
durante o dia atenuam a ansiedade associada ao fluxo constante de médicos e outras pessoas estranhas da
equipe hospitalar. Deixar que o paciente use a própria roupa e também a de cama de casa, bem como tenha
objetos que costumam ficar perto dele à noite, torna o ambiente hospitalar menos estranho e, portanto, causa
menos confusão. Práticas padronizadas simples de enfermagem, como manter a nutrição adequada e o grau
de hidratação do paciente, além de tratar a dor, a incontinência e feridas cutâneas, também ajudam a aliviar
o desconforto e a resultante confusão.
Em algumas circunstâncias, os próprios pacientes ameaçam sua segurança ou a da equipe, o que requer
tratamento agudo. Alarmes no leito e a presença de um acompanhante são muito mais eficazes e menos
desorientadores que a contenção física. A contenção química deve ser evitada, mas pode-se usar doses
muito baixas de antipsicóticos típicos ou atípicos administrados quando necessário; porém, há poucas
evidências de que esses medicamentos sejam efetivos no delirium e, assim, devem ser reservados para
pacientes com agitação grave e potencial significativo de dano para si ou para a equipe. A associação
recente do uso de antipsicóticos a aumento da mortalidade em idosos ressalta a importância do uso
criterioso desses fármacos e apenas como último recurso. Os benzodiazepínicos costumam piorar a
confusão por meio de seus efeitos sedativos. Embora muitos clínicos ainda usem os benzodiazepínicos para
tratar a confusão aguda, seu emprego deve ser limitado aos casos em que o delirium seja causado pela
abstinência de álcool ou de benzodiazepínicos.
PREVENÇÃO
Considerando-se a alta mortalidade e o custo extremamente elevado com
assistência médica associados ao delirium, o desenvolvimento de uma estratégia
eficaz para sua prevenção em pacientes hospitalizados tem importância
fundamental. A identificação bem-sucedida dos pacientes sob alto risco é a
primeira etapa, seguida pela instituição das intervenções apropriadas. Cada vez
mais, os hospitais estão usando ferramentas administradas por enfermeiros ou
médicos para rastrear as pessoas de alto risco, o que leva ao uso de protocolos
padronizados simples para manejo dos fatores de risco para delirium, incluindo a
inversão do ciclo de sono-vigília, a imobilidade, o déficit visual, o déficit
auditivo, a privação de sono e a desidratação. Nenhum medicamento específico
mostrou de forma definitiva ser efetivo na prevenção do delirium, incluindo
testes com inibidores da colinesterase e agentes antipsicóticos. A melatonina e
seu agonista ramelteon se mostraram promissores em pequenos estudos
preliminares. Estudos recentes em UTI se concentraram na identificação de
sedativos como a dexmedetomidina, que têm menos chance de causar delirium
em pacientes criticamente enfermos e no desenvolvimento de protocolos de
despertares diários, nos quais as infusões de sedativos são interrompidas e o
paciente é reorientado pela equipe. Todos os hospitais e sistemas de cuidados de
saúde estão tentando reduzir a incidência de delirium, reconhecendo
imediatamente e tratando o distúrbio quando ele ocorre.
LEITURAS ADICIONAIS
Constantin JM et al: Efficacy and safety of sedation with dexmede-tomidine in
critical care patients: A meta-analysis of randomized controlled trials.
Anaesth Crit Care Pain Med 35:7, 2016.
Hatta K et al: Preventive effects of ramelteon on delirium: A randomized
placebo-controlled trial. JAMA Psychiatry 71:397, 2014.
Neufeld KJ et al: Antipsychotic medication for prevention and treatment of
delirium in hospitalized adults: A systematic review and meta-analysis. J
Am Geriatr Soc 64:705, 2016.
25
Demência
William W. Seeley, Bruce L. Miller
A demência, uma síndrome com muitas causas, acomete > 5 milhões de pessoas
nos Estados Unidos e resulta em um custo total anual de assistência à saúde de
mais de 250 bilhões de dólares. A demência é definida como uma deterioração
adquirida das capacidades cognitivas que prejudica o desempenho das atividades
cotidianas. A memória episódica, a capacidade de lembrar eventos específicos no
tempo e no espaço, é a função cognitiva mais comumente perdida; 10% das
pessoas com idade > 70 anos e 20 a 40% dos indivíduos > 85 anos apresentam
perda de memória clinicamente identificável. Além da memória, a demência
pode desgastar outras faculdades mentais, como a linguagem, as capacidades
visuoespaciais, praxias, cálculo, julgamento e resolução de problemas. Os
déficits neuropsiquiátricos e sociais também surgem em muitas síndromes
demenciais, manifestando-se como depressão, apatia, ansiedade, alucinações,
delírios, agitação, insônia, distúrbios do sono, compulsões ou desinibição. O
curso clínico pode ser lentamente progressivo, como na doença de Alzheimer
(DA); estáticas, como na encefalopatia anóxica; ou pode oscilar dia a dia ou
minuto a minuto, como na demência por corpos de Lewy (DCL). A maioria dos
pacientes com DA, a forma mais prevalente de demência, começa com
deficiência episódica da memória, embora em outras demências, como a
demência frontotemporal (DFT), a perda de memória não seja uma manifestação
típica à apresentação. Os distúrbios cerebrais focais são discutidos no Capítul
o 26; discussões detalhadas sobre a DA podem ser encontradas no Capítulo
423; DFT e distúrbios relacionados no Capítulo 424; demência vascular no
Capítulo 425; DCL no Capítulo 426; doença de Huntington (DH) no Capítul
o 428; e doenças priônicas no Capítulo 430.
ANATOMIA FUNCIONAL DAS DEMÊNCIAS
As síndromes demenciais resultam da ruptura de redes neuronais de larga escala
específicas; a localização e a gravidade da perda sináptica e neuronal combinam-
se produzindo as manifestações clínicas (Cap. 26). O comportamento, o humor e
a atenção são modulados por vias noradrenérgicas, serotoninérgicas e
dopaminérgicas ascendentes, enquanto a atividade colinérgica é fundamental
para as funções de atenção e memória. As demências diferem nos perfis relativos
de déficit de neurotransmissor; consequentemente, o diagnóstico preciso orienta
a terapia farmacológica eficaz.
A DA começa na região entorrinal do lobo temporal medial, estende-se ao
hipocampo e, em seguida, move-se para o neocórtex temporal lateral e posterior
e o parietal, subsequentemente causando degeneração mais difusa. A demência
vascular está associada à lesão focal em um mosaico variável de regiões
corticais e subcorticais ou tratos da substância branca que desconectam núcleos
nas redes distribuídas. De acordo com a anatomia, a DA normalmente apresenta-
se com perda de memória episódica acompanhada mais tarde por afasia,
disfunção executiva ou problemas de orientação espacial. Diferentemente, as
demências que começam nas regiões frontal ou subcortical, como a DFT ou a
DH, são menos propensas a começar com problemas de memória e mais
propensas a apresentar dificuldades de julgamento, humor, controle executivo,
movimento e comportamento.
Lesões de vias fronto-estriatais1 produzem efeitos específicos e previsíveis
sobre o comportamento. O córtex pré-frontal dorsolateral tem conexões com
uma faixa central do núcleo caudado. As lesões do córtex pré-frontal dorsolateral
ou caudado ou suas vias da substância branca conectoras podem resultar em
disfunção executiva, manifestando-se como deficiência da organização e do
planejamento, redução da flexibilidade cognitiva e prejuízo da memória de
trabalho. O córtex frontal orbital lateral conecta-se com o caudado ventromedial,
e lesões nesse sistema causam impulsividade, distração e desinibição. O córtex
do cíngulo anterior e o córtex pré-frontal medial adjacente projetam-se para o
nucleus accumbens, e a interrupção desse sistema produz apatia, pobreza da fala,
atenuação emocional ou mesmo mutismo acinético. Todos os sistemas
corticoestriatais também incluem projeções topograficamente organizadas pelo
globo pálido e tálamo; uma lesão nesses núcleos pode, da mesma maneira,
reproduzir a síndrome clínica associada à lesão cortical ou estriatal
correspondente.
CAUSAS DE DEMÊNCIA
O fator de risco isolado mais forte para a demência é a idade avançada. A
prevalência da perda incapacitante da memória aumenta a cada década acima de
50 anos e, em geral, está associada às alterações microscópicas da DA à
necrópsia. Entretanto, algumas pessoas centenárias exibem função de memória
intacta e não têm qualquer evidência de demência clinicamente significativa. A
hipótese de que a demência seja uma consequência inevitável do envelhecimento
humano normal permanece controversa.
A Tabela 25-1 cita as muitas causas da demência. A frequência de cada
distúrbio depende da faixa etária sob estudo, do acesso do grupo à assistência
médica, do país de origem e talvez da constituição racial ou étnica. A DA é a
causa mais comum de demência nos países ocidentais, representando mais de
metade de todos os pacientes. A doença vascular é considerada a segunda causa
mais frequente de demência e é particularmente comum em pacientes idosos ou
em populações com acesso limitado à assistência médica, nas quais os fatores de
risco vasculares recebem tratamento insuficiente. Frequentemente, a lesão
cerebral vascular é misturada com outros distúrbios neurodegenerativos,
dificultando, mesmo para o neuropatologista, a estimativa de contribuição da
doença cerebrovascular para o distúrbio cognitivo em um paciente isolado.
Demências associadas à doença de Parkinson (DP) são comuns e podem
desenvolver-se anos após o início de um distúrbio parkinsoniano, como
observado com a demência relacionada com DP (DDP), ou podem ocorrer
concomitantemente ou preceder a síndrome motora, como na DCL. É comum
haver patologia mista, especialmente em pessoas muito idosas. Nos pacientes <
65 anos, a DFT disputa com a DA o posto de causa mais comum da demência.
As intoxicações crônicas, incluindo as resultantes do álcool e fármacos de
prescrição, são uma causa importante e, muitas vezes, tratável de demência.
Outros distúrbios citados na Tabela 25-1 são incomuns, mas importantes porque
muitos se mostram reversíveis. A classificação das doenças demenciais em
afecções reversíveis e irreversíveis é uma abordagem proveitosa ao diagnóstico
diferencial. Quando surgirem tratamentos eficazes para doenças
neurodegenerativas, essa dicotomia ficará obsoleta.
Siglas: ELA, esclerose lateral amiotrófica; CADASIL, arteriopatia cerebral autossômica dominante com infartos subcorticais e
leucoencefalopatia; DCL, doença por corpos de Lewy; DDP, demência relacionada com doença de Parkinson.
DA Aβ/tau APP (21), PS-1 (14), PS-2 (1) (< 2% são Apo ε4 (19) Placas amiloides, emaranhado
portadores dessas mutações, frequentemente em neurofibrilar e filamentos de
PS-1) neurópilo
DFT Tau Mutações de éxons e íntrons de MAPT (17) Haplótipos H1 Inclusões neuronais e gliais tau
(cerca de 10% de casos familiares) MAPT que variam em morfologia e
distribuição
TDP-43 GRN (10% de casos familiares), C9ORF72 (20- Inclusões neuronais e gliais
30% de casos familiares), VCP raro, TARDBP TDP-43 que variam em
muito raro, TBK1, TIA1 morfologia e distribuição
FUS FUS muito raro Inclusões neuronais e gliais
FUS que variam em morfologia
e distribuição
DCL α- SNCA muito rara (4) Desconhecidos Inclusões neuronais de α-
sinucleína sinucleína (corpos de Lewy)
DCJ PrPSc PRNP (20) (até 15% dos pacientes são portadores Homozigose no Deposição de PrPSc, espongiose
dessas mutações dominantes) códon 129 para a panlaminar
metionina ou valina
Siglas: DA, doença de Alzheimer; DCJ, doença de Creutzfeldt-Jakob; DCL, demência por corpos de Lewy; DFT, demência frontotemporal.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Demências
Deve-se ter em mente três questões principais: (1) Qual é o tipo de demência
mais provável clinicamente? (2) Que componente da síndrome demencial é
tratável ou reversível? (3) O médico pode ajudar a aliviar o ônus sobre os
cuidadores? A Tabela 25-3 mostra uma apresentação geral da abordagem à
demência. As principais demências degenerativas geralmente são
distinguíveis pelos sintomas iniciais; achados neuropsicológicos,
neuropsiquiátricos e neurológicos; e exames de neuroimagem (Tab. 25-4).
HISTÓRIA
A anamnese deve concentrar-se no início, duração e ritmo de evolução. Um
início agudo ou subagudo de confusão pode ser causado por delirium (Cap. 2
4) e deve desencadear a busca por intoxicação, infecção ou distúrbio
metabólico. Uma pessoa idosa, com perda de memória lentamente
progressiva ao longo de vários anos, provavelmente sofre de DA. Quase 75%
dos pacientes com DA apresentam-se com sintomas de memória, mas outros
sintomas precoces incluem dificuldade de lidar com dinheiro, dirigir, fazer
compras, seguir instruções, encontrar palavras ou navegar na internet.
Alteração da personalidade, desinibição e ganho de peso ou comer
compulsivamente sugerem DFT, não DA. A DFT também é sugerida por
apatia proeminente, compulsividade, perda de empatia pelos outros ou perda
progressiva da fluência da fala ou compreensão de palavras únicas e por uma
preservação relativa da memória ou das habilidades espaciais. O diagnóstico
de DCL é sugerido por alucinações visuais precoces, parkinsonismo,
tendência a delirium ou sensibilidade a medicamentos psicoativos, distúrbio
comportamental do sono REM (DCSR; perda da paralisia dos músculos
esqueléticos durante os sonhos) ou síndrome de Capgras, a ilusão de que um
familiar foi substituído por um impostor.
Uma história de acidente vascular cerebral (AVC) com progressão (em
etapas) irregular sugere demência vascular. A demência vascular também é
comumente observada no caso de hipertensão, fibrilação atrial, doença
vascular periférica e diabetes. Nos pacientes que sofrem de doença
cerebrovascular, pode ser difícil determinar se a demência advém de DA,
doença vascular ou uma mistura de ambas, pois muitos dos fatores de risco
da demência vascular, como o diabetes, hipercolesterolemia, homocisteína
elevada e pouco exercício, também são fatores de risco da DA. Além disso,
muitos pacientes com uma contribuição vascular importante para sua
demência não possuem história de declínio em etapas. Progressão rápida com
rigidez motora e mioclonia sugere DCJ (Cap. 430). Colvulsões podem
indicar AVCs ou neoplasia, mas também ocorrem na DA, particularmente
DA com início precoce. Um distúrbio da marcha é comum na demência
vascular, DP/DCL ou HPN. Uma história de comportamentos sexuais de alto
risco ou uso de drogas intravenosas devem suscitar uma pesquisa de infecção
do sistema nervoso central (SNC), especialmente o HIV ou sífilis. Uma
história de traumatismo craniano recorrente poderia indicar hematoma
subdural crônico, encefalopatia traumática crônica (uma demência
progressiva mais bem caracterizada em atletas de esportes de contato, como
boxeadores e jogadores de futebol americano), hipotensão intracraniana ou
HPN. O início subagudo de amnésia grave e psicose com hiperintensidades
na ressonância magnética (RM) mesial temporal em T2/fluid-attenuated
inversion recovery (FLAIR) devem alertar para existência de encefalite
límbica paraneoplásica, especialmente em um tabagista de longa data ou
outros pacientes em risco de câncer. Condições autoimunes relacionadas,
como encefalopatia mediada por anticorpo anticanal de potássio dependente
de voltagem (VGKC) ou antirreceptor de N-metil-D-aspartato (NMDA),
podem apresentar-se com evolução temporal e aspectos de imagens
semelhantes, com ou sem manifestações motoras típicas, como mioquimia
(anti-VGKC) e convulsões distônicas faciobraquiais (anti-NMDA) (Cap.
90). O alcoolismo cria o risco de desnutrição e deficiência de tiamina.
Veganismo, irradiação do intestino, diátese autoimune, história remota de
cirurgia gástrica e terapia crônica com anti-histamínicos para dispepsia ou
refluxo gastresofágico predispõem à deficiência de B12. Determinadas
profissões, como o trabalho em fábrica de baterias ou substâncias químicas,
podem indicar intoxicação por metais pesados. Uma revisão cuidadosa da
ingestão de medicamentos, especialmente de sedativos e analgésicos, pode
levantar a questão de intoxicação crônica por fármacos. Uma história familiar
autossômica dominante é encontrada na DH e em formas familiares de DA,
DFT, DCL ou distúrbios priônicos. Uma história de distúrbios do humor, o
luto recente ou sinais de depressão, como insônia ou perda ponderal,
levantam a possibilidade de comprometimento cognitivo relacionado com a
depressão.
EXAMES LABORATORIAIS
A escolha dos exames laboratoriais na avaliação da demência é complexa e
deve ser ajustada a cada caso. O médico deve tomar medidas para evitar
negligenciar uma causa reversível ou tratável, porém nenhuma etiologia
tratável é comum; assim, o rastreamento deve incluir múltiplos exames, cada
qual tendo baixa rentabilidade diagnóstica. As relações custo/benefício são
difíceis de serem avaliadas, e muitos algoritmos de rastreamento laboratorial
da demência desencorajam múltiplos exames. Não obstante, mesmo um
exame com taxa de positividade de apenas 1 a 2% deverá ser solicitado se a
alternativa for negligenciar uma causa tratável da demência. A Tabela 25-3
cita a maioria dos exames de rastreamento da demência. A American
Academic of Neurology recomenda a realização rotineira de hemograma
completo, eletrólitos, as provas de função renal e tireoidiana, nível de
vitamina B12 e exame de neuroimagem (tomografia computadorizada [TC] ou
RM).
Os exames de neuroimagem, especialmente a RM, ajudam a descartar
neoplasias primárias e metastáticas, áreas locais de infarto ou inflamação,
detectam hematomas subdurais e sugerem HPN ou doença difusa da
substância branca. Também ajudam a estabelecer um padrão regional de
atrofia. O suporte para o diagnóstico de DA inclui atrofia hipocampal além
de atrofia cortical posterior predominante (Fig. 25-1). Atrofia frontal e/ou
atrofia temporal anterior focais sugerem DFT (Cap. 424). A DCL
frequentemente apresenta menos atrofia proeminente, com maior
envolvimento das tonsilas do que do hipocampo. Na DCJ, as imagens de RM
em difusão revelam difusão restrita no córtex e gânglios basais na maioria
dos pacientes. Anormalidades multifocais extensas da substância branca
sugerem etiologia vascular da demência (Fig. 25-2). Hidrocefalia
comunicante com apagamento de vértice (agregamento dos sulcos de
convexidade dorsal), fissuras silvianas amplas apesar de atrofia cortical
mínima e caraterísticas adicionais mostradas na Figura 25-3 sugerem HPN.
A tomografia computadorizada por emissão de fóton único (SPECT) e a PET
revelam hipoperfusão ou hipometabolismo temporal-parietal na DA e déficits
frontotemporais na DFT; porém, essas alterações frequentemente refletem
atrofia e podem, portanto, ser detectadas apenas com RM em muitos
pacientes. Recentemente, a imagem do componente amiloide mostrou ser
promissora para o diagnóstico de DA, e composto B de Pittsburgh (PiB) (não
disponível fora de locais de pesquisa) e 18F-AV-45 (florbetapir; aprovado pela
Food and Drug Administration em 2013) são radioligantes confiáveis para
detecção de amiloide cerebral associado a angiopatia amiloide ou placas
neuríticas de DA (Fig. 25-4). No entanto, pelo fato de essas anormalidades
poderem ser observadas em pessoas mais velhas cognitivamente normais
(cerca de 25% dos indivíduos aos 65 anos de idade), a imagem amiloide
também pode detectar DA pré-clínica ou incidental em pacientes que não
apresentam síndrome demencial semelhante à DA. Atualmente, o principal
valor clínico da imagem amiloide é excluir a DA como a causa provável de
demência em pacientes que apresentam exames negativos. Quando terapias
modificadoras da doença tornarem-se disponíveis, o uso desses
biomarcadores pode ajudar a identificar candidatos ao tratamento antes da
ocorrência de lesão cerebral irreversível. Nesse meio tempo, o valor
prognóstico de detectar amiloide cerebral em um idoso assintomático
continua sendo um tópico de investigação. Do mesmo modo, RM de perfusão
e métodos de conectividade estrutural/funcional estão sendo explorados
como potenciais estratégias de tratamento-monitoramento.
FIGURA 25-1 Doença de Alzheimer (DA). Ressonâncias magnéticas em T1 axiais de um paciente
saudável de 71 anos de idade (A) e um de 64 anos de idade com DA (C). Observe a redução do volume
do lobo temporal medial no paciente com DA. A tomografia com emissão de pósitrons com
fluorodesoxiglicose dos mesmos indivíduos (B e D) demonstram metabolismo reduzido de glicose nas
regiões temporoparietais posteriores bilateralmente na DA, um achado típico nessa condição. CS,
controle saudável. (Imagens cortesia de Gil Rabinovici, University of California, San Francisco, e
William Jagust, University of California, Berkeley.)
FIGURA 25-2 Doença difusa da substância branca. Ressonância magnética axial em FLAIR (fluid-
attenuated inversion recovery) através dos ventrículos laterais revela múltiplas áreas de sinal
hiperintenso (setas) que envolvem a substância branca periventricular, bem como a coroa radiada e o
estriado. Embora observado em alguns indivíduos com cognição normal, esse aspecto é mais acentuado
em pacientes com demência de etiologia vascular.
FIGURA 25-3 Hidrocefalia de pressão normal. A. Ressonância magnética (RM) sagital ponderada
em T1 demonstra dilatação do ventrículo lateral e estiramento do corpo caloso (setas), depressão do
soalho do terceiro ventrículo (ponta de seta única) e aumento do aqueduto (duas pontas de setas). Ver
a dilatação difusa dos ventrículos laterais, bem como do terceiro e quarto ventrículos com aqueduto
pérvio, típico da hidrocefalia comunicante. B. RMs axiais ponderadas em T2 demonstrando dilatação
dos ventrículos laterais. Este paciente foi submetido com sucesso a uma derivação ventriculoperitoneal.
FIGURA 25-4 Tomografias com emissão de pósitrons (PET) obtidas com o agente para a
visualização de amiloide (composto B de Pittsburgh) ([C11]PIB) em controle normal (à esquerda);
três pacientes diferentes com comprometimento cognitivo leve (CCL; no centro); e paciente com
doença de Alzheimer (DA) leve (à direita). Alguns pacientes com CCL têm níveis de amiloide
semelhantes aos dos casos-controle, outros possuem níveis iguais aos da DA, e ainda outros têm níveis
intermediários. (Imagens cortesia de William Klunk e Chester Mathis, University of Pittsburgh.)
A punção lombar não precisa ser realizada rotineiramente na avaliação
da demência, mas será indicada quando infecção ou inflamação do SNC
forem possibilidades diagnósticas possíveis. Os níveis no líquido
cerebrospinal (LCS) de Aβ42 e proteínas tau apresentam padrões que diferem
nas várias demências, e a presença de níveis baixo de Aβ42 e tau no LCS
levemente elevado é altamente sugestiva de DA. O uso rotineiro de punção
lombar no diagnóstico de demência é debatido, mas a sensibilidade e a
especificidade das medidas diagnósticas de DA ainda não são altas o
suficiente para indicar uso rotineiro. Testes psicométricos formais ajudam a
documentar a gravidade do distúrbio cognitivo, sugerem causas psicogênicas
e fornecem um método mais formal para acompanhar a evolução da doença.
O eletrencefalograma (EEG) raramente é usado rotineiramente, mas pode
ajudar a sugerir DCJ (paroxismos repetitivos de ondas agudas difusas de alta
amplitude ou “complexos periódicos”) ou distúrbio epiléptico não convulsivo
subjacente (descargas epileptiformes). A biópsia cerebral (incluindo as
meninges) não é recomendada, exceto para o diagnóstico de vasculite,
neoplasias potencialmente tratáveis ou infecções incomuns quando o
diagnóstico permanece incerto. Os distúrbios sistêmicos com manifestações
do SNC, como sarcoidose, em geral podem ser confirmados por biópsia de
linfonodo ou órgão sólido que não o cérebro. A angiorressonância deve ser
considerada quando vasculite cerebral ou trombose venosa cerebral for uma
causa possível da demência.
CONSIDERAÇÕES GLOBAIS
A demência vascular (Cap. 425) é mais comum nos países asiáticos devido
à maior prevalência de aterosclerose intracraniana. As taxas de demência
vascular também estão aumentando nos países em desenvolvimento à medida
que os fatores de risco vascular, como hipertensão, hipercolesterolemia e
diabetes melito, ficam mais disseminados. As infecções do SNC, particularmente
pelo HIV (e infecções oportunistas associadas), sífilis e tuberculose também
contribuem bastante para a demência nos países em desenvolvimento. As
populações isoladas também contribuíram para nossa compreensão da demência
neurodegenerativa. O kuru, demência rapidamente progressiva associada ao
canibalismo vista em tribos da Nova Guiné, foi importante na descoberta das
doenças priônicas. O complexo esclerose lateral amiotrófica-parkinsonismo-
demência de Guam (ou doença de Lytico-Bodig) é uma poliproteinopatia,
geralmente com agregação de tau, TDP-43 e α-sinucleína. A causa de base
dessas doenças permanece incerta, mas sua incidência diminuiu muito nos
últimos 60 anos.
TRATAMENTO
Demência
Os principais objetivos do tratamento de demência são tratar quaisquer causas reversíveis e oferecer
conforto e apoio ao paciente e aos seus cuidadores. O tratamento das causas subjacentes inclui a reposição
de hormônio tireoidiano para o hipotireoidismo; terapia com vitamina para a deficiência de tiamina ou B12
ou para a homocisteína sérica elevada; antimicrobianos para infecções oportunistas ou antirretrovirais para
HIV; derivação ventricular para a HPN; ou cirurgia, radioterapia e/ou quimioterapia apropriadas para as
neoplasias do SNC. A remoção de fármacos comprometedores da cognição é frequentemente útil. Se as
queixas cognitivas do paciente se originarem de um transtorno psiquiátrico, deve-se buscar o tratamento
vigoroso dessa condição para eliminar a queixa cognitiva ou confirmar sua persistência apesar de resolução
adequada dos sintomas de humor ou ansiedade. Os pacientes com doenças degenerativas também podem se
mostrar deprimidos ou ansiosos e esses aspectos de sua condição podem responder ao tratamento. Os
antidepressivos, como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) ou os inibidores da
recaptação de serotonina-norepinefrina (IRSNs) (Cap. 443), que têm propriedades ansiolíticas e poucos
efeitos colaterais cognitivos, fornecem a base do tratamento, quando este for necessário. Usam-se
anticonvulsivantes para controlar as crises convulsivas. Levetiracetam pode ser particularmente útil, mas
ainda não houve ensaios randomizados para o tratamento de convulsões associadas à DA.
Agitação, alucinações, delírios e confusão são difíceis de serem tratados. Esses problemas do
comportamento representam causas importantes de internação em clínicas geriátricas e institucionalização.
Antes de tratar esses problemas com medicação, o médico deve procurar agressivamente fatores ambientais
ou metabólicos modificáveis. Fome, falta de exercício, dor de dente, constipação, infecção do trato urinário
ou respiratório, desequilíbrio eletrolítico e toxicidade medicamentosa representam causas facilmente
corrigíveis que podem ser remediadas sem fármacos psicoativos. Fármacos como os fenotiazínicos e
benzodiazepínicos podem melhorar os sintomas comportamentais, mas têm efeitos colaterais indesejáveis,
como sedação, rigidez, discinesia e, ocasionalmente, desinibição paradoxal (benzodiazepínicos). A despeito
de seu perfil de efeitos colaterais desfavoráveis, os antipsicóticos de segunda geração, como a quetiapina
(dose inicial: 12,5-25 mg, 1×/dia), podem ser usados em pacientes com agitação, agressão e psicose,
embora o perfil de risco para esses compostos seja significativo. Quando os pacientes não respondem,
geralmente é um equívoco prosseguir para doses mais altas ou introduzir fármacos anticolinérgicos ou
sedativos (como barbitúricos ou benzodiazepínicos). É importante reconhecer e tratar a depressão; o
tratamento pode começar com uma dose baixa de ISRS (p. ex., escitalopram, dose inicial 5 mg/dia, dose-
alvo 5-10 mg/dia) enquanto se monitoram a eficácia e a toxicidade. Às vezes, a apatia, as alucinações
visuais e outros sintomas psiquiátricos respondem aos inibidores da colinesterase, especialmente na DCL,
eliminando a necessidade de outras terapias mais tóxicas.
Os inibidores da colinesterase têm sido usados para tratar DA (donepezila, rivastigmina, galantamina)
e DDP (rivastigmina). Trabalhos recentes concentraram-se no desenvolvimento de anticorpos contra Aβ42
como tratamento para DA. Embora os ensaios clínicos controlados randomizados iniciais tenham falhado,
houve alguma evidência de eficácia nos grupos de pacientes com doença mais leve. Assim, pesquisadores
começaram a se concentrar nos pacientes com doença muito leve e indivíduos assintomáticos em risco para
DA, como aqueles que são portadores de mutações genéticas de herança autossômica dominante ou idosos
saudáveis com evidência no LCS ou de biomarcador de imagem amiloide que sustentam DA pré-
sintomática. A memantina é comprovadamente útil quando se tratam alguns pacientes com DA moderada a
grave; seu maior benefício está relacionado com a redução da carga para o cuidador, mais provavelmente
reduzindo a resistência ao suporte para vestir-se e fazer a higiene. Em DA moderada a grave, a combinação
de memantina e um inibidor de colinesterase retardaram a institucionalização em vários estudos, embora
outros estudos não tenham sugerido a eficácia da adição de memantina ao esquema.
Uma estratégia proativa demonstrou reduzir a ocorrência de delirium em pacientes hospitalizados. Essa
estratégia inclui orientação frequente, atividades cognitivas, medidas para melhora do sono, dispositivos
auxiliares para visão e audição e correção de desidratação.
A terapia não farmacológica do comportamento ocupa um lugar importante no tratamento da
demência. Os objetivos primários são tornar a vida do paciente confortável, descomplicada e segura. Muitas
vezes, a preparação de listas, agendas, calendários e lembretes diários é útil nos estágios iniciais. Também é
oportuno enfatizar as rotinas familiares, caminhadas e exercícios físicos simples. Para muitos pacientes com
demência, a memória para eventos é pior do que para atividades rotineiras, e eles ainda podem ser capazes
de participar de atividades como deambular, jogar boliche, dançar, cantar, jogar golfe e bingo. Os pacientes
com demência geralmente se recusam a perder o controle sobre tarefas familiares, como conduzir veículos,
cozinhar e lidar com as finanças. As tentativas de ajudar ou assumir o controle podem ser recebidas com
queixas, depressão ou raiva. Respostas hostis por parte do cuidador são contraprodutivas e, às vezes, até
mesmo prejudiciais. Tranquilização, distração e declarações calmas positivas são mais produtivas nesse
contexto. Posteriormente, tarefas como as finanças e a condução de veículos devem ser transferidas para
outras pessoas, e o paciente irá se conformar e se adaptar. A segurança é uma questão importante que inclui
não apenas a condução de veículos como também o controle de ambientes, como cozinha, banheiro e quarto
de dormir, assim como escadarias. Essas áreas precisam ser monitoradas, supervisionadas e preparadas para
serem tão seguras quanto possível. A mudança para uma instituição de aposentados, centro residencial
assistido ou casa de apoio inicialmente pode agravar a confusão e a agitação. A tranquilização repetida, a
reorientação e a apresentação cuidadosa dos novos funcionários ajudam a suavizar o processo. A oferta de
atividades sabidamente agradáveis ao paciente pode propiciar considerável benefício.
O médico deve prestar atenção especial à frustração e à depressão entre os familiares e cuidadores.
Culpa e exaustão são comuns nos cuidadores. Os familiares com frequência se sentem sobrecarregados e
impotentes, podendo descarregar suas frustrações no paciente, uns nos outros e nos profissionais de saúde.
Os cuidadores devem ser incentivados a procurar as instituições que oferecem assistência diurna e serviços
de descanso ao cuidador. A instrução e o aconselhamento sobre a demência são importantes. Os grupos de
apoio locais e nacionais, como a Alzheimer’s Association (www.alz.org) nos Estados Unidos, oferecem
ajuda valiosa.
LEITURAS ADICIONAIS
Barton C et al: Non-pharmacological management of behavioral symptoms in
frontotemporal and other dementias. Curr Neurol Neurosci Rep 16:14,
2016.
Griem J et al: Psychologic/functional forms of memory disorder. Handb Clin
Neurol 139:407, 2017.
EXAME CLÍNICO
O exame clínico da linguagem deve incluir a avaliação da nomeação, da fala
espontânea, da compreensão, da repetição, da leitura e da escrita. O déficit da
nomeação (anomia) é o achado mais comum em pacientes afásicos. Quando
solicitado a nomear um objeto comum, o paciente pode não pronunciar a palavra
apropriada, pode fornecer uma descrição em circunlóquio do objeto (“a coisa
para escrever”) ou pronunciar a palavra errada (parafasia). Se o paciente
enunciar uma palavra incorreta, mas relacionada (“caneta” em vez de “lápis”), o
erro de nomeação é chamado parafasia semântica; se a palavra aproximar-se da
palavra correta, mas for foneticamente imprecisa (“láfis” em vez de “lápis”), o
erro é conhecido como parafasia fonêmica. Na maioria das anomias, o paciente
não recupera o nome apropriado de um objeto, mas consegue apontar o objeto
correto quando o examinador enuncia o nome. Isso é chamado de déficit
unidirecional (ou baseado na recuperação) da nomeação. Há um déficit
bidirecional (baseado na compreensão ou semântica) da nomeação se o paciente
não conseguir fornecer nem reconhecer o nome correto. A fala espontânea é
descrita como “fluente” se mantiver um volume de emissão, uma extensão das
frases e melodia adequados, e “não fluente” se for esparsa, hesitante e a duração
média dos enunciados for inferior a quatro palavras. O examinador também deve
observar a integridade da gramática manifestada pela ordem das palavras
(sintaxe), tempo verbal, sufixos, prefixos, plurais e possessivos. A compreensão
pode ser testada pela avaliação da capacidade do paciente de acompanhar a
conversa, fazendo-se perguntas do tipo sim-não (“Um cachorro pode voar?”,
“Pode nevar no verão?”), pedindo para o paciente apontar os objetos apropriados
(“Onde está a fonte de luz nessa sala?”) ou solicitando definições verbais de
palavras isoladas. Avalia-se a repetição pedindo ao paciente para repetir palavras
isoladas, frases curtas ou séries de palavras como “nem aqui, nem ali, nem lá”. O
teste de repetição com trava-línguas como “hipopótamo” ou “paralelepípedo”
fornece uma avaliação melhor de disartria e palilalia do que de afasia. É
importante garantir que o número de palavras não exceda a capacidade de
atenção do paciente. Do contrário, a falha da repetição reflete a capacidade de
atenção reduzida (memória de trabalho auditiva), em vez de indicar déficit
afásico causado por disfunção de uma hipotética alça fonológica na rede de
linguagem. A leitura deve ser avaliada à procura de déficits na leitura em voz
alta, assim como na compreensão. Alexia descreve uma incapacidade de ler em
voz alta ou compreender palavras escritas e frases simples; usa-se o termo
agrafia (ou disgrafia) para descrever um déficit adquirido na soletração.
As afasias podem surgir de forma aguda em AVCs ou gradualmente nas
doenças neurodegenerativas. Nos AVCs, o dano compreende o córtex cerebral e
as vias da substância branca profunda interconectando áreas corticais não
afetadas sob outros aspectos. As síndromes listadas na Tabela 26-1 são mais
aplicáveis a este grupo, em que as substâncias branca e cinzenta no local da
lesão são destruídas de forma abrupta e conjunta. As doenças
neurodegenerativas progressivas podem ter especificidade celular, laminar e
regional para o córtex cerebral, gerando um conjunto diferente de afasias que
serão descritas separadamente.
TABELA 26-1 ■ Características clínicas de afasias e condições relacionadas comumente vistas em acidentes
vasculares cerebrais
Compreensão Repetição da Denominação Fluência
linguagem falada
De Wernicke Prejudicada Prejudicada Prejudicada Preservada ou aumentada
De Broca Preservada (exceto a Prejudicada Prejudicada Reduzida
gramática)
Global Prejudicada Prejudicada Prejudicada Reduzida
De condução Preservada Prejudicada Prejudicada Preservada
Transcortical não Preservada Preservada Prejudicada Prejudicada
fluente (anterior)
Transcortical fluente Prejudicada Preservada Prejudicada Preservada
(posterior)
De isolamento Prejudicada Ecolalia Prejudicada Ausência de fala com
significado
Anomia Preservada Preservada Prejudicada Preservada, exceto por pausas
para buscar palavras
Surdez pura para Prejudicada apenas para a Prejudicada Preservada Preservada
palavras linguagem falada
Alexia pura Prejudicada apenas para a Preservada Preservada Preservada
leitura
Surdez pura para palavras As causas mais comuns são AVCs da ACM
bilateral ou esquerda que afetam o giro temporal superior. O resultado final da
lesão subjacente é a interrupção do fluxo de informações oriundas do córtex de
associação auditivo para a rede de linguagem. Os pacientes não têm dificuldade
de compreender a linguagem escrita e se expressam bem pela linguagem falada
ou escrita. Também não apresentam dificuldade para interpretar e reagir aos sons
do ambiente se o córtex auditivo primário e as áreas de associação auditivas do
hemisfério direito estiverem poupadas. Entretanto, como as informações
auditivas não são transmitidas à rede de linguagem, elas não são decodificadas
em representações neurais de palavra, e o paciente reage à fala como se fosse
uma língua estranha, incompreensível. Os pacientes não conseguem repetir a
linguagem falada, mas não têm dificuldade para nomear objetos. Com o tempo,
os pacientes com surdez pura para palavras aprendem por si próprios a leitura
labial e parecem ter melhorado. Pode não haver achados neurológicos adicionais,
mas reações paranoides agitadas são frequentes nos estágios agudos. As lesões
vasculares cerebrais são a causa mais comum.
Alexia pura sem agrafia É o equivalente visual da surdez pura para palavras.
As lesões (em geral, uma combinação de lesão do córtex occipital esquerdo e de
um segmento posterior do corpo caloso – o esplênio) interrompem o fluxo de
informações visuais para a rede de linguagem. Geralmente há hemianopsia
direita, mas a rede de linguagem central permanece inalterada. O paciente pode
compreender e produzir linguagem falada, nomear objetos no hemicampo visual
esquerdo, repetir e escrever. Contudo, ele parece analfabeto quando solicitado a
ler até mesmo a frase mais simples, porque as informações visuais provenientes
das palavras escritas (apresentadas no hemicampo visual esquerdo intacto) não
chegam à rede de linguagem. Os objetos no hemicampo esquerdo são nomeados
com precisão, porque eles ativam associações não visuais no hemisfério direito,
as quais, por sua vez, têm acesso à rede de linguagem pelas vias transcalosas
anteriores ao esplênio. Os pacientes com essa síndrome também podem perder a
capacidade de nomear cores, porém são capazes de combiná-las. Isso se chama
anomia para cores. A etiologia mais comum da alexia pura é uma lesão vascular
no território da artéria cerebral posterior ou uma neoplasia infiltrativa no córtex
occipital esquerdo que envolva as radiações ópticas e as fibras que cruzam o
esplênio. Como a artéria cerebral posterior também supre os componentes
temporais mediais do sistema límbico, um paciente com alexia pura também
pode manifestar amnésia, mas ela costuma ser transitória porque a lesão límbica
é unilateral.
NEGLIGÊNCIA HEMIESPACIAL
A negligência hemiespacial contralateral à lesão resulta de dano aos
componentes corticais ou subcorticais dessa rede. A visão tradicional de que a
negligência hemiespacial sempre denota uma lesão de lobo parietal não é
acurada. Segundo um modelo de cognição espacial, o hemisfério direito dirige a
atenção para todo o espaço extrapessoal, enquanto o esquerdo dirige a atenção
principalmente para o hemiespaço direito contralateral. Em consequência, as
lesões no hemisfério esquerdo não originam negligência contralesional
significativa, uma vez que os mecanismos de atenção global do hemisfério
direito podem compensar a perda das funções de atenção do hemisfério esquerdo
dirigidas contralateralmente. Contudo, as lesões no hemisfério direito dão
origem à negligência hemiespacial esquerda contralesional grave, porque o
hemisfério esquerdo íntegro não contém mecanismos de atenção ipsilaterais.
Esse modelo é compatível com a experiência clínica, que mostra que a
negligência contralesional é mais comum, mais intensa e mais duradoura após
lesão no hemisfério direito que no esquerdo. A negligência severa do
hemiespaço direito é rara, mesmo em pacientes canhotos com lesões no
hemisfério esquerdo.
Exame clínico Os pacientes com negligência grave podem não conseguir vestir-
se, barbear-se ou cuidar do lado esquerdo do corpo, podem deixar de comer
alimentos dispostos no lado esquerdo da bandeja e não ler a metade esquerda das
frases. Quando solicitado a copiar um desenho de linhas simples, o paciente
deixa de copiar detalhes no lado esquerdo; e, quando ele é solicitado a escrever,
há uma tendência a deixar uma margem incomumente larga à esquerda. Dois
testes à beira do leito úteis na avaliação da negligência são a estimulação
bilateral simultânea e o cancelamento de alvos visuais. No primeiro, o
examinador apresenta estímulos unilaterais ou bilaterais simultâneos nas
modalidades visual, auditiva e tátil. Após lesão no hemisfério direito, pacientes
que não têm dificuldade em detectar estímulos unilaterais em qualquer lado
percebem o estímulo bilateral como se ele proviesse apenas da direita. Esse
fenômeno denomina-se extinção e é uma manifestação do componente
representacional sensitivo da negligência hemiespacial. No teste de detecção de
alvos, os alvos (p. ex., letras A) são intercalados com elementos distrativos (p.
ex., outras letras do alfabeto) em uma folha de papel de tamanho A4, e o
paciente é solicitado a circular todos os alvos. A incapacidade de detectar alvos à
esquerda é uma manifestação do déficit exploratório (motor) na negligência
hemiespacial (Fig. 26-3A). A hemianopia em si não é suficiente para causar a
falha na detecção do alvo, pois o paciente está livre para girar a cabeça e os
olhos para a esquerda. Portanto, a falha na detecção do alvo reflete uma
distorção da atenção espacial, não somente do estímulo sensitivo. Alguns
pacientes com negligência também negam a existência de hemiparesia e podem
até afirmar que o membro paralisado não é seu, um distúrbio chamado de
anosognosia.
FIGURA 26-3 A. Um homem de 47 anos de idade com uma grande lesão frontoparietal no hemisfério
direito foi solicitado a circular todas as letras A. Ele circulou somente os alvos à direita. Essa é uma
manifestação de negligência hemiespacial esquerda. B. Uma mulher de 70 anos com história de demência
degenerativa há 2 anos foi capaz de circular a maioria dos alvos pequenos, mas ignorou os maiores. Esta é
uma manifestação de simultanagnosia.
EXAME CLÍNICO
Um paciente com estado amnésico quase sempre está desorientado, em especial
com relação ao tempo, e tem pouco conhecimento das notícias atuais. Testa-se o
componente anterógrado de um estado amnésico por meio de uma lista de quatro
ou cinco palavras, lidas em voz alta pelo examinador por até cinco vezes, ou até
que o paciente consiga repetir toda a lista imediatamente sem hesitação. A
próxima fase da recordação ocorre após um período de 5 a 10 minutos, durante o
qual o paciente realiza outras testes. Os pacientes amnésicos falham nessa fase
do teste e podem até esquecer que receberam uma lista de palavras para recordar.
O reconhecimento preciso das palavras por múltipla escolha em um paciente que
não as recordou indica uma perturbação menos grave da memória, que acomete
principalmente o estágio de recuperação da memória. O componente retrógrado
da amnésia pode ser avaliado por meio de perguntas acerca de acontecimentos
autobiográficos ou históricos. O componente anterógrado dos estados amnésicos
costuma ser bem mais proeminente que o retrógrado. Em raros casos,
ocasionalmente associados à epilepsia do lobo temporal ou à encefalite por
herpes simples, o componente retrógrado pode predominar. Estados confusionais
causados por encefalopatias toxicometabólicas e alguns tipos de lesão do lobo
frontal causam déficits de memória secundários, especialmente nos estágios de
codificação e recuperação, mesmo na ausência de quaisquer lesões límbicas.
Esse tipo de déficit de memória é distinguível do estado amnésico pela presença
de deficiências adicionais nos testes relacionados com a atenção, descritas
adiante na seção sobre os lobos frontais.
EXAME CLÍNICO
O aparecimento de reflexos primitivos relacionados com o desenvolvimento,
também chamados de sinais de liberação frontal, como a preensão (suscitada por
batida delicada na palma da mão) e a sucção (suscitada por batida delicada nos
lábios), é observado, sobretudo, em pacientes com grandes lesões estruturais que
se estendam aos componentes pré-motores dos lobos frontais ou no contexto de
encefalopatias metabólicas. A grande maioria dos pacientes com lesões pré-
frontais e síndromes comportamentais do lobo frontal não apresenta esses
reflexos. A lesão do lobo frontal atinge uma variedade de funções relacionadas
com a atenção, incluindo a memória de trabalho (a conservação e manipulação
transitória de informações para a realização de uma tarefa), a capacidade de
concentração, a busca forçada e a recuperação de informações armazenadas, a
inibição de respostas imediatas, porém impróprias, e a flexibilidade mental. A
capacidade de repetir uma série de dígitos (que deve conter sete números para
repetição direta e cinco na inversa) está diminuída, refletindo problemas na
memória de trabalho; a enumeração dos meses do ano em ordem inversa (o que
deve levar menos de 15 segundos) é prolongada, sendo outra indicação de
memória de trabalho ruim; e a fluência na produção de palavras que começam
com as letras a, f ou s que podem ser geradas em 1 minuto (normalmente ≥ 12
por letra) está reduzida até mesmo em pacientes não afásicos, indicando prejuízo
na capacidade de procurar e recuperar informações de armazenamento de longo
prazo. Nos testes de “reagir ou não reagir” (quando a instrução é levantar o dedo
ao ouvir uma palma, mas permanecer imóvel quando ouvir duas palmas), o
paciente mostra incapacidade típica de inibir a resposta ao estímulo “não reagir”.
A flexibilidade mental (testada pela capacidade de mudar de um critério para
outro em testes de classificação ou equiparação) está limitada, a distração por
estímulos irrelevantes é aumentada e há uma tendência marcante à
impersistência e à perseveração. A capacidade de abstrair semelhanças e
interpretar provérbios também está prejudicada.
Os déficits de atenção comprometem o registro ordenado e a recuperação
de novas informações, além de acarretarem déficits secundários da memória
explícita. A distinção dos mecanismos neurais subjacentes é ilustrada pela
observação de que pacientes gravemente amnésicos que não se recordam de
acontecimentos ocorridos há alguns minutos podem ter capacidade de memória
de trabalho intacta, senão superior, conforme demonstrado em testes de séries de
dígitos. O uso do termo “memória” para designar duas faculdades mentais
completamente diferentes é confuso. A memória de trabalho depende da
manutenção de informações prontamente disponíveis por breves períodos,
enquanto a memória explícita depende do armazenamento distante e subsequente
recuperação da informação.
LEITURAS ADICIONAIS
Mesulam M-M: Behavioral neuroanatomy: Large-scale networks, association
cortex, frontal syndromes, the limbic system and hemispheric
specialization, in Principles of Behavioral and Cognitive Neurology, M-M
Mesulam (ed). New York, Oxford University Press, 2000, pp 1–120.
Mesulam M-M et al: Case 1-2017: A 70-year-old woman with gradually
progressive loss of language. N Engl J Med 376:158, 2017.
Miller BL, Boeve BF (eds): The Behavioral Neurology of Dementia, 2nd ed.
Cambridge University Press, 2017.
Teichmann M et al: Direct current stimulation over the anterior temporal areas
boosts semantic processing in primary progressive aphasia. Ann Neurol
80:693, 2016.
27
Distúrbios do sono
Thomas E. Scammell, Clifford B. Saper, Charles A. Czeisler
Os distúrbios do sono estão entre as queixas de saúde mais comuns com que os
médicos se deparam. Mais da metade dos adultos nos Estados Unidos
experimentam pelo menos distúrbios do sono intermitentes, e apenas 30% dos
adultos norte-americanos relatam obter de forma consistente uma quantidade
suficiente de sono. A National Academy of Medicine estimou que 50 a 70
milhões de norte-americanos sofram de um distúrbio crônico do sono e da
vigília, o que pode comprometer seriamente o funcionamento diurno e a saúde
física e mental. É cada vez mais reconhecida uma alta prevalência de distúrbios
do sono em todas as culturas, e a expectativa é de que esses problemas
aumentem ainda mais nos próximos anos à medida que a população envelhece.
Nos últimos 20 anos, a área da medicina do sono surgiu como uma especialidade
distinta em resposta ao impacto dos distúrbios do sono e da deficiência de sono
na saúde geral. Contudo, mais de 80% dos pacientes com distúrbios do sono
permanecem não diagnosticados e não tratados – custando mais de 400 bilhões
de dólares anualmente para a economia dos Estados Unidos por aumento de
custos com cuidados de saúde, perda de produtividade, acidentes e lesões, e
levando ao desenvolvimento de programas de educação em saúde do sono e de
rastreamento para distúrbios do sono no local de trabalho, projetados para
abordar essa necessidade médica não satisfeita.
FISIOLOGIA DO SONO E DA VIGÍLIA
Os adultos precisam de pelo menos 7 horas de sono por noite para a promoção
da saúde ideal, embora o momento, a duração e a estrutura interna do sono varie
entre as pessoas. Nos Estados Unidos, os adultos tendem a ter um episódio de
sono consolidado por noite, embora, em algumas culturas, o sono seja dividido
em um breve período no meio da tarde e um sono noturno encurtado. Esse
padrão muda de forma considerável ao longo da vida, com lactentes e crianças
pequenas dormindo bem mais que os idosos.
Os estágios do sono humano são definidos com base nos padrões típicos do
eletrencefalograma (EEG), do eletro-oculograma (EOG – uma medida da
atividade dos movimentos oculares) e da eletromiografia (EMG) de superfície
medida no queixo, pescoço e pernas. O registro contínuo desses parâmetros
eletrofisiológicos para definir o sono e a vigília denomina-se polissonografia.
Os perfis polissonográficos definem dois estados básicos do sono: (1) o
sono com movimentos oculares rápidos (REM) e (2) o sono sem movimentos
oculares rápidos (NREM). O sono NREM é ainda subdividido em três estágios:
N1, N2 e N3, caracterizados por aumento do limiar de despertar e alentecimento
do EEG cortical. O sono REM se caracteriza por EEG de baixa amplitude e
frequência mista semelhante àquele do sono NREM estágio N1, e o EOG mostra
REMs que tendem a ocorrer em “enxurradas” ou “surtos”. A atividade da EMG
está ausente em quase todos os músculos esqueléticos com exceção daqueles
envolvidos na respiração, refletindo a paralisia muscular mediada pelo tronco
encefálico, típica do sono REM.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Distúrbios do sono
Os pacientes procuram auxílio médico devido a: (1) sonolência ou cansaço
durante o dia; (2) dificuldade de iniciar ou manter o sono à noite (insônia);
ou (3) comportamentos incomuns durante o sono (parassonias).
Obter uma anamnese minuciosa é imprescindível. Em particular, a
duração, a intensidade e a constância dos sintomas são importantes, bem
como a estimativa pelo paciente das consequências da referida perda de sono
sobre a funcionalidade durante a vigília. Informações obtidas com um
parceiro de cama ou familiar costumam ser úteis, pois alguns pacientes
podem não estar cientes de sintomas, como roncos ruidosos, ou podem
subestimar sintomas, como adormecer em serviço ou ao dirigir. Os médicos
devem questionar sobre o horário que o paciente geralmente vai dormir,
quando ele dorme e acorda, se desperta durante o sono, se ele sente-se
descansado pela manhã e se tira cochilos durante o dia. Dependendo da
queixa primária, pode ser útil questionar sobre roncos, apneias
testemunhadas, sensações de pernas inquietas, movimentos durante o sono,
depressão, ansiedade e comportamentos próximos ao horário do sono. O
exame físico pode fornecer evidências de uma via aérea pequena, tonsilas de
tamanho aumentado ou um distúrbio neurológico ou clínico que contribua
para a queixa principal.
É importante lembrar que, raramente, convulsões podem ocorrer
exclusivamente durante o sono, simulando um distúrbio primário do sono;
tais convulsões relacionadas ao sono geralmente ocorrem durante episódios
de sono NREM e podem ser movimentos tônico-clônicos generalizados
(algumas vezes com incontinência urinária ou mordedura da língua) ou
movimentos estereotipados na epilepsia parcial complexa (Cap. 418).
Costuma ser útil que o paciente complete um diário de sono por 1 a 2
semanas para definir o momento e a quantidade de sono. Quando relevante, o
diário também pode incluir informações sobre os níveis de alerta, horários de
trabalho e uso de fármacos ou álcool, incluindo cafeína e hipnóticos.
A polissonografia é necessária para o diagnóstico de vários distúrbios,
como apneia do sono, narcolepsia e distúrbio dos movimentos periódicos dos
membros (DMPM). Uma polissonografia convencional realizada em um
laboratório do sono permite a medida dos estágios do sono, esforço e fluxo
respiratório, saturação de oxigênio, movimentos dos membros, ritmo
cardíaco e parâmetros adicionais. Um teste de sono domiciliar geralmente se
concentra nas medidas respiratórias e é útil em pacientes com probabilidade
moderada a alta de ter apneia obstrutiva do sono. O teste de latências
múltiplas do sono (TLMS) é usado para medir a propensão do paciente para
o sono durante o dia e pode fornecer evidências importantes para o
diagnóstico de narcolepsia e algumas outras causas de sonolência. O teste de
manutenção da vigília é usado para medir a capacidade do paciente para
sustentar a vigília durante o dia e pode fornecer evidências importantes para
a avaliação da eficácia de terapias para a melhora da sonolência em
condições como narcolepsia e apneia obstrutiva do sono.
Dificuldade para acordar pela manhã, sonolência Diário de sono Sono insuficiente Educação do sono e modificações
rebote nos fins de semana e férias com melhora comportamentais para aumentar a
da sonolência quantidade de sono
Obesidade, roncos, hipertensão arterial Polissonografia ou Apneia obstrutiva Pressão positiva contínua nas vias
teste de sono do sono (Cap. 291 aéreas; cirurgia em via aérea
domiciliar ) superior (p. ex.,
uvulopalatofaringoplastia);
dispositivos dentários; perda de peso
Cataplexia, alucinações hipnagógicas, paralisia Polissonografia com Narcolepsia Estimulantes (p. ex., modafinila,
do sono teste de latências metilfenidato); antidepressivos
múltiplas do sono supressores do sono REM (p. ex.,
venlafaxina); oxibato de sódio
Pernas inquietas, movimentos de chute durante o Avaliação de distúrbio Síndrome das Tratamento do distúrbio
sono clínico predisponente pernas inquietas predisponente; agonistas da
(p. ex., deficiência de com ou sem dopamina (p. ex., pramipexol,
ferro ou insuficiência movimentos ropinirol); gabapentina; opioides
renal) periódicos dos
membros
Medicamentos sedativos, abstinência de Anamnese e exame Sonolência Mudar medicamentos, tratar a
estimulantes, traumatismo craniano, inflamação físico completos, causada por condição subjacente, considerar
sistêmica, doença de Parkinson e outros incluindo exame fármaco ou estimulantes
distúrbios neurodegenerativos, hipotireoidismo, neurológico detalhado condição clínica
encefalopatia
Para determinar a extensão e o impacto da sonolência no funcionamento
diário, é útil questionar os pacientes sobre a ocorrência de episódios de sono
durante as horas normais de alerta, tanto de maneira intencional como não
intencional. As áreas específicas que devem ser investigadas são a ocorrência de
episódios involuntários de sono enquanto o paciente estava dirigindo ou
executando outras atividades relacionadas com a segurança, sonolência no
trabalho ou na escola (e a relação dela com o desempenho profissional ou
escolar) e o efeito da sonolência na vida social e familiar. Questionários
padronizados como a Escala Epworth de Sonolênica (Epworth Sleepiness Scale)
costumam ser usados clinicamente para medir a sonolência.
Obter uma história de sonolência diurna costuma ser adequado, mas a
quantificação objetiva é algumas vezes necessária. O TLMS mede a propensão
do paciente para dormir em condições calmas. Uma polissonografia noturna
deve preceder o TLMS para estabelecer que o paciente tenha tido uma
quantidade adequada de sono noturno de boa qualidade. O TLMS consiste em
cinco oportunidades de cochilos de 20 minutos a cada 2 horas ao longo do dia. O
paciente é orientado a tentar dormir, e os principais desfechos clínicos são a
latência média do sono e a ocorrência de sono REM durante os cochilos. Uma
latência média nos cochilos de menos de 8 minutos é considerada evidência
objetiva de sonolência diurna excessiva. O sono REM ocorre normalmente
apenas durante o episódio noturno de sono e a ocorrência de sono REM em dois
ou mais dos cochilos do TLMS sustenta o diagnóstico de narcolepsia.
Para a segurança da pessoa e do público em geral, os médicos têm a
responsabilidade de ajudar a manejar questões que envolvem o ato de dirigir em
pacientes com sonolência. As exigências legais de notificação variam em cada
estado, mas, no mínimo, os médicos devem informar aos pacientes sonolentos
sobre seu risco aumentado de sofrer um acidente e aconselhar tais pacientes a
não dirigir um veículo automotivo até que a sonolência tenha sido tratada de
forma efetiva. Essa discussão é especialmente importante para motoristas
profissionais e deve ser documentada no prontuário do paciente.
SONO INSUFICIENTE
O sono insuficiente é provavelmente a causa mais comum de sonolência diurna
excessiva. O adulto médio necessita de 7,5 a 8 horas de sono, mas, durante a
semana, o adulto médio norte-americano tem apenas 6,75 horas de sono. Apenas
30% da população adulta norte-americana relata obter de forma consistente sono
suficiente. O sono insuficiente é especialmente comum em pessoas que
trabalham por turno, em pessoas que trabalham em múltiplos empregos e em
pessoas de grupos socioeconômicos mais baixos. A maioria dos adolescentes
necessita de ≥ 9 horas de sono, mas muitos não conseguem sono suficiente
devido a atrasos na fase circadiana, mais pressões sociais para permanecerem
acordados até tarde, juntamente com horários escolares pela manhã cedo. Expor-
se à luz tarde da noite, assistir televisão, jogar videogame, acessar as mídias
sociais, e usar smartphones costumam atrasar a hora de dormir apesar dos
horários fixos para acordar pela manhã para trabalhar ou ir para a escola. Como
é típico em qualquer distúrbio que causa sonolência, as pessoas com sono
cronicamente insuficiente podem se sentir desatentas, irritáveis, desmotivadas e
deprimidas, apresentando dificuldades na escola, no trabalho e na direção. As
pessoas diferem quanto à quantidade ideal de sono, podendo ser útil perguntar
quanto sono o paciente obtém em uma calma viagem de férias quando pode
dormir sem restrições. Alguns pacientes podem pensar que uma pequena
quantidade de sono é normal ou vantajosa e podem não perceber sua necessidade
biológica de mais sono, especialmente se café ou outros estimulantes
mascararem a sonolência. Um diário de sono de 2 semanas documentando os
horários de sono e o nível diário de alerta é útil para o diagnóstico e fornece
informações úteis para o paciente. Estender o sono até a quantidade ideal de
forma regular pode melhorar a sonolência e outros sintomas. Como em qualquer
mudança de estilo de vida, a extensão do sono exige comprometimento e
ajustamentos, mas a melhora no estado de alerta diurno faz valer a pena essa
mudança.
NARCOLEPSIA
A narcolepsia se caracteriza por dificuldade em sustentar a vigília, má regulação
do sono REM e sono noturno perturbado. Todos os pacientes com narcolepsia
têm sonolência diurna excessiva. Essa sonolência costuma ser moderada a
intensa e, ao contrário dos pacientes com sono interrompido (p. ex., apneia do
sono), as pessoas com narcolepsia costumam se sentir bem descansadas ao
acordar e se sentem cansadas durante a maior parte do dia. Além disso, elas
costumam apresentar sintomas relacionados com uma intrusão de características
do sono REM. O sono REM se caracteriza por sonhos e paralisia muscular, e as
pessoas com narcolepsia podem apresentar: (1) fraqueza muscular súbita sem
perda de consciência, a qual costuma ser desencadeada por emoções fortes
(cataplexia; ver Vídeo 27-1); (2) alucinações tipo sonhos no início do sono
(alucinações hipnagógicas) ou ao despertar (alucinações hipnopômpicas); e (3)
paralisia muscular ao despertar (paralisia do sono). Na cataplexia grave, uma
pessoa pode estar rindo de uma piada e subitamente cair no chão, imóvel, mas
acordada, por 1 a 2 minutos. Com episódios mais leves, os pacientes podem ter
fraqueza da face ou pescoço. A narcolepsia é uma das causas mais comuns de
sonolência crônica e afeta 1 em cada 2 mil pessoas nos Estados Unidos.
Geralmente começa entre 10 e 20 anos de idade; após estabelecida, a doença
persiste por toda a vida.
A narcolepsia é causada por perda dos neurônios hipotalâmicos que
produzem os neuropeptídeos orexinas (também chamados de hipocretinas).
Pesquisas em camundongos e cães primeiramente demonstraram que uma perda
da sinalização de orexina devido a mutações nulas dos neuropeptídeos orexinas
ou de um dos receptores de orexinas causa sonolência e cataplexia quase
idênticas àquelas vistas em pessoas com narcolepsia. Embora as mutações
genéticas raramente causem narcolepsia em humanos, pesquisadores
descobriram que pacientes com narcolepsia com cataplexia (atualmente chamada
de narcolepsia tipo 1) têm níveis muito baixos ou indetectáveis de orexinas em
seu líquido cerebrospinal, e estudos de autópsias mostraram perda quase
completa de neurônios produtores de orexinas no hipotálamo. As orexinas
normalmente promovem episódios longos de vigília e suprimem o sono REM, e,
assim, a perda da sinalização de orexina resulta em invasões frequentes de sono
durante o habitual período de vigília, com sono REM e fragmentos de sono REM
em qualquer momento do dia (Fig. 27-3). Os pacientes com narcolepsia mas sem
cataplexia (narcolepsia tipo 2) geralmente têm níveis normais de orexinas e
podem ter outras causas ainda não caracterizadas para sua sonolência diurna
excessiva.
TRATAMENTO
Narcolepsia
O tratamento da narcolepsia é sintomático. A maioria dos pacientes com narcolepsia se sente mais alerta
após dormir e devem ser estimulados a dormir por tempo adequado todas as noites e tirar um cochilo de 15
a 20 minutos após o almoço. Esse cochilo pode ser suficiente para alguns pacientes com narcolepsia leve,
mas a maioria também necessita de tratamento com medicamentos promotores da vigília. A modafinila é
usada com muita frequência por ter menos efeitos colaterais que as anfetaminas e ter uma meia-vida
relativamente longa; para a maioria dos pacientes, 200 a 400 mg todas as manhãs é muito efetivo. O
metilfenidato (10-20 mg, 2×/dia) ou a dextroanfetamina (10 mg, 2×/dia) costumam ser efetivos, mas os
efeitos colaterais simpaticomiméticos, a ansiedade e o potencial para abuso podem ser problemáticos. Esses
medicamentos estão disponíveis em formulações de liberação lenta, estendendo sua duração de ação e
permitindo uma posologia mais fácil. O oxibato de sódio (gama-hidroxibutirato) é administrado duas vezes
a cada noite e costuma ser muito útil para melhorar o estado de vigília, mas pode produzir sedação
excessiva, náuseas e confusão.
A cataplexia costuma melhorar muito com antidepressivos que aumentem o tônus noradrenérgico e
serotonérgico, pois esses neurotransmissores suprimem fortemente o sono REM e a cataplexia. A
venlafaxina (37,5-150 mg todas as manhãs) e a fluoxetina (10-40 mg todas as manhãs) costumam ser muito
efetivas. Os antidepressivos tricíclicos, como a protriptilina (10-40 mg/dia) ou a clomipramina (25-50
mg/dia) são potentes supressores da cataplexia, mas seus efeitos anticolinérgicos, incluindo sedação e boca
seca, os tornam menos atraentes.1 O oxibato de sódio, administrado ao deitar e 3 a 4 horas mais tarde,
também é muito útil para reduzir a cataplexia.
AVALIAÇÃO DA INSÔNIA
A insônia é a queixa de sono ruim e costuma se apresentar como dificuldade de
iniciar ou manter o sono. As pessoas com insônia estão insatisfeitas com seu
sono e sentem que isso prejudica sua capacidade de funcionar bem no trabalho,
na escola e em situações sociais. As pessoas afetadas costumam experimentar
fadiga, humor deprimido, irritabilidade, mal-estar e déficit cognitivo.
A insônia crônica, com duração de mais de 3 meses, ocorre em cerca de
10% dos adultos e é mais comum em mulheres, idosos, pessoas de condições
socioeconômicas mais baixas e pessoas com distúrbios clínicos, psiquiátricos e
abuso de substâncias. A insônia aguda ou de curta duração afeta mais de 30%
dos adultos e costuma ser precipitada por eventos vitais estressantes, como uma
doença ou perda importante, mudança de ocupação, medicamentos e abuso de
substâncias. Se a insônia aguda desencadear comportamentos maladaptativos,
como aumento da exposição noturna à luz, verificação frequente do relógio ou
tentativas de dormir mais em cochilos, isso pode levar à insônia crônica.
A maioria dos casos de insônia começa na idade adulta, mas muitos
pacientes podem ser predispostos e relatam sono facilmente perturbável antes da
insônia, sugerindo que seu sono seja mais leve que o habitual. Estudos clínicos e
modelos animais indicam que a insônia está associada à ativação durante o sono
de áreas cerebrais normalmente ativas apenas durante a vigília. A
polissonografia raramente é usada na avaliação da insônia, e ela geralmente
confirma a impressão subjetiva do paciente de latência longa do sono e
numerosos despertares, mas costuma acrescentar pouca informação nova. Muitos
pacientes com insônia têm atividade rápida (beta) no EEG durante o sono; essa
atividade rápida está presente normalmente apenas durante a vigília, o que pode
explicar porque esses pacientes referem que se sentem acordados a maior parte
da noite. O TLMS raramente é usado na avaliação de insônia, pois, apesar da
sensação de pouca energia, a maioria das pessoas com insônia não pega no sono
facilmente durante o dia e, no TLMS, sua média de latência do sono costuma ser
maior do que o normal.
Muitos fatores contribuem para a insônia, e a obtenção de uma história
cuidadosa é fundamental, de forma que se possam selecionar terapias
direcionadas a esses fatores subjacentes. A avaliação deve se concentrar na
identificação de fatores predisponentes, precipitantes e de perpetuação.
TRATAMENTO
Insônia
O tratamento da insônia melhora a qualidade de vida e pode promover a saúde em longo prazo. Com a
melhora do sono, os pacientes costumam relatar menos fadiga diurna, melhora da cognição e mais energia.
O tratamento da insônia também pode melhorar as comorbidades. Por exemplo, o manejo da insônia no
momento do diagnóstico da depressão maior costuma melhorar a resposta aos antidepressivos e reduz o
risco de recaídas. A falta de sono pode aumentar a percepção de dor e uma abordagem semelhante é
justificável no tratamento da dor aguda e crônica.
O plano terapêutico deve ser dirigido a todos os possíveis fatores implicados: estabelecer uma boa
higiene do sono, tratar distúrbios clínicos, usar terapias comportamentais para ansiedade e condicionamento
negativo e usar farmacoterapia e/ou psicoterapia para transtornos psiquiátricos. As terapias
comportamentais devem ser o tratamento de primeira linha, seguidas pelo uso judicioso de medicamentos
promotores do sono se houver necessidade.
TABELA 27-2 ■ Métodos para melhorar a higiene do sono em pacientes com insônia
Comportamentos úteis Comportamentos a serem evitados
Usar a cama apenas para dormir e fazer sexo Evitar comportamentos que interfiram na
• Se não conseguir dormir dentro de 20 min, sair da cama e ler ou fazer outra atividade fisiologia do sono, incluindo:
relaxante com pouca iluminação antes de retornar para a cama • Tirar cochilos, especialmente após as 15
h
• Tentar dormir cedo demais
• Cafeína após o horário do almoço
Fazer da qualidade do sono uma prioridade Nas 2-3 h antes de deitar, evitar:
• Ir para a cama e levantar na mesma hora todos os dias • Alimentação pesada
• Garantir um ambiente relaxante (cama confortável, quarto silencioso e escuro) • Fumo ou álcool
• Exercícios vigorosos
Desenvolver uma rotina consistente na hora de dormir. Por exemplo: Ao tentar dormir, evitar:
• Preparar-se para o sono com 20-30 min de relaxamento (p. ex., música suave, meditação, • Resolver problemas
ioga, leitura agradável) • Pensar nos problemas da vida
• Tomar um banho quente • Recordar eventos do dia
TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL
A TCC usa uma combinação das técnicas anteriormente citadas mais métodos adicionais para melhorar a
insônia. Um terapeuta treinado pode usar técnicas de psicologia cognitiva para reduzir a preocupação
excessiva em relação ao sono e para reformular crenças erradas sobre a insônia e suas consequências
diurnas. O terapeuta também pode ensinar ao paciente técnicas de relaxamento, como relaxamento muscular
progressivo ou meditação, para reduzir a estimulação, pensamentos intrusivos e ansiedade.
PARASSONIAS
Parassonias são comportamentos ou experiências anormais que resultam do sono
ou ocorrem durante esse período. Várias parassonias podem ocorrer durante o
sono NREM, desde despertares confusionais breves até o sonambulismo e o
terror noturno. A queixa principal geralmente está relacionada com o próprio
comportamento, mas as parassonias podem perturbar a continuidade do sono ou
acarretar prejuízos leves na vigília diurna. Duas parassonias principais ocorrem
no sono REM: distúrbio comportamental do sono REM (DCSR) e pesadelos.
TRATAMENTO
Distúrbio do trabalho em turnos
A cafeína é usada com frequência para promover a vigília em pessoas que trabalham à noite. Contudo, ela
não consegue adiar o sono indefinidamente, e não protege seus usuários dos lapsos de desempenho
relacionados com o sono. Mudanças de postura, exercício e escolha estratégica de oportunidades para
cochilos às vezes reduzem temporariamente o risco de lapsos de desempenho secundários à fadiga.
Exposição em tempo adequado à luz azulada ou brilhante branca pode diretamente aumentar o estado de
alerta e facilitar a adaptação mais rápida ao trabalho noturno.
A modafinila (200 mg) ou a armodafinila (150 mg), tomados 30 a 60 minutos antes do início de cada
turno noturno de 8 horas, são um tratamento efetivo para a sonolência excessiva durante o trabalho noturno
em pacientes com DTT. Embora o tratamento com esses medicamentos melhore de forma significativa o
desempenho e reduza a propensão ao sono e riscos de lapsos de atenção durante o trabalho noturno, os
pacientes afetados permanecem excessivamente sonolentos.
Os programas de manejo do risco de fadiga para trabalhadores noturnos devem promover a educação
sobre o sono, aumentar o conhecimento dos riscos associados à deficiência de sono e ao trabalho noturno e
fazer o rastreamento para distúrbios do sono comuns. Os horários de trabalho devem ser programados para
minimizar: (1) exposição ao trabalho noturno; (2) frequência de mudanças de turnos; (3) número de noites
consecutivas trabalhadas; e (4) duração das noites trabalhadas.
Síndrome de alteração rápida do fuso horário (jet lag) Todos os anos, mais de
60 milhões de pessoas fazem viagens aéreas entre diferentes fusos horários,
muitas vezes resultando em sonolência excessiva durante o dia, insônia no início
do sono e despertares frequentes, principalmente na segunda metade da noite. A
síndrome é transitória e dura 2 a 14 dias de acordo com o número de fusos
horários atravessados, da direção da viagem e da idade e da capacidade de
adaptação do viajante. Os viajantes que despendem mais tempo ao ar livre em
seu destino parecem se adaptar mais rapidamente que os indivíduos que
permanecem em quartos de hotéis ou salas de conferência, supostamente devido
à exposição à luz intensa (solar). Evitar perda de sono precedente e um cochilo
na tarde anterior à viagem noturna pode reduzir a dificuldade da vigília
prolongada. Estudos laboratoriais sugerem que doses baixas de melatonina
podem melhorar a eficiência do sono, mas apenas se forem tomadas quando as
concentrações endógenas de melatonina estiverem baixas (i.e., durante o horário
diurno biológico).
Além do jet lag associado a viagens em que meridianos são transpostos,
muitos pacientes relatam um padrão de comportamento denominado jet lag
social, em que seus horários de ir dormir e despertar nos fins de semana ou
feriados ocorrem 4 a 8 horas mais tarde que nos dias da semana. Esse
deslocamento temporal recorrente do ciclo de sono e vigília é comum em
adolescentes e adultos jovens, estando associado com retardo da fase circadiana,
insônia no início do sono, sonolência diurna excessiva, baixo desempenho
acadêmico, maior risco de obesidade e sintomas depressivos.
LEITURAS ADICIONAIS
Ding F et al: Changes in the composition of brain interstitial ions control the
sleep-wake cycle. Science 352:550, 2016.
Ju YE et al: Sleep and Alzheimer disease pathology—A bidirectional
relationship. Nat Rev Neurol 10:115, 2014.
Lee ML et al: High risk of near-crash driving events following night-shift work.
Proc Natl Acad Sci USA 113:176, 2016.
Lim AS et al: Sleep is related to neuron numbers in the ventrolateral
preoptic/intermediate nucleus in older adults with and without Alzheimer’s
disease. Brain 137:2847, 2014.
Liu Y et al: Prevalence of healthy sleep duration among adults— United States,
2014. MMWR Morb Mortal Wkly Rep 65:137, 2016.
Riemann D et al: The neurobiology, investigation, and treatment of chronic
insomnia. Lancet Neurol 14:547, 2015.
Scammell TE: Narcolepsy. N Engl J Med 373:2654, 2015.
Scammell TE et al: Neural circuitry of wakefulness and sleep. Neuron 93:747,
2017.
Stothard ER et al: Circadian entrainment to the natural light-dark cycle across
seasons and the weekend. Curr Biol 27:508, 2017.
Xie L et al: Sleep drives metabolite clearance from the adult brain. Science
342:373, 2013.
VÍDEO 27-1 CATAPLEXIA CLÁSSICA Um episódio típico de cataplexia grave. O paciente está rindo
e, então, cai no chão com perda abrupta do tônus muscular. Os registros eletromiográficos (quatro traçados
inferiores à direita) mostram reduções na atividade muscular durante o período de paralisia. O
eletrencefalograma (dois traçados superiores) mostra vigília durante todo o episódio. (Vídeo cortesia de
Giuseppe Plazzi, University of Bologna.)
1 Nos Estados Unidos, nenhum antidepressivo foi aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para
pacientes com narcolepsia.
2 A trazodona e a amitriptilina não foram aprovadas pela FDA para tratamento da insônia.
3 Nenhuma medicação foi aprovada pela FDA para tratamento do DCSR.
Seção 4 Distúrbios de olhos, orelhas,
nariz e garganta
28
Doenças oculares
Jonathan C. Horton
O SISTEMA VISUAL HUMANO
O sistema visual é um meio extremamente eficiente de assimilação de
informações ambientais para auxiliar na orientação do comportamento. A visão
começa com a captura de imagens focalizadas pela córnea e pelo cristalino sobre
uma membrana fotossensível na parte posterior do olho denominada retina. A
retina, na verdade, é uma parte do cérebro transferida à periferia para servir de
transdutor para a conversão dos padrões de energia luminosa em sinais
neuronais. A luz é absorvida por pigmentos contidos em dois tipos de
fotorreceptores: os cones e os bastonetes. A retina humana contém 100 milhões
de bastonetes e 5 milhões de cones. Os bastonetes operam com baixa iluminação
(visão escotópica). Os cones funcionam com a luz do dia (visão fotópica). O
sistema de cones é especializado na percepção das cores e na alta resolução
espacial. A maioria dos cones fica dentro da mácula, a parte da retina
responsável pelos 10° centrais do campo visual. No centro da mácula, há uma
pequena fosseta denominada fóvea, preenchida exclusivamente por cones, em
que a acuidade visual é máxima.
Os fotorreceptores se hiperpolarizam quando expostos à luz, ativando as
células bipolares, amácrinas e horizontais na camada nuclear interna. Esse
complexo circuito processa os sinais dos fotorreceptores, e os sinais assim
produzidos convergem para uma via final comum: as células ganglionares, que
traduzem a imagem final incidente sobre a retina em uma sequência de
potenciais de ação cuja intensidade varia continuamente. Esses sinais se
propagam pela via óptica primária até os centros visuais do cérebro. Cada retina
tem 1 milhão de células ganglionares. Por isso, cada nervo óptico tem 1 milhão
de fibras.
Os axônios das células ganglionares seguem ao longo da superfície interna
da retina na camada de fibras nervosas, deixam o olho no disco óptico e seguem
através do nervo óptico, quiasma óptico e tratos ópticos até chegarem a seus
destinos dentro do cérebro. A maioria das fibras faz sinapse com células do
corpo geniculado lateral, um ponto de retransmissão localizado no tálamo. As
células do corpo geniculado lateral projetam-se até o córtex visual primário. Essa
via aferente retinogeniculocortical fornece o substrato neural da percepção
visual. Embora o corpo geniculado lateral seja o principal alvo da retina,
diferentes tipos de células ganglionares se dirigem para outros núcleos
subcorticais, responsáveis por diversas funções. As células ganglionares que
medeiam a constrição pupilar e os ritmos circadianos são fotossensíveis em
virtude de um pigmento visual original, a melanopsina. As respostas pupilares
são mediadas pelos estímulos aferentes ao núcleo olivar pré-tectal no
mesencéfalo. Os núcleos pré-tectais enviam impulsos aos núcleos de Edinger-
Westphal, que fornecem inervação parassimpática ao esfincter da íris por meio
de um interneurônio no gânglio ciliar. Os ritmos circadianos são coordenados
por uma projeção retiniana ao núcleo supraquiasmático. Os mecanismos de
orientação visual e os movimentos oculares recebem sinais de uma projeção da
retina ao colículo superior. A estabilidade do olhar e os reflexos optocinéticos
são comandados por um conjunto de pequenas regiões da retina denominado
sistema óptico acessório do tronco encefálico.
Os olhos precisam estar constantemente se movimentando dentro da
cavidade orbitária para posicionar e manter alvos de interesse visual sobre a
fóvea. Tal atividade, denominada foveação ou direcionamento do olhar, é
orientada por um elaborado sistema motor eferente. Cada olho é movimentado
por seis músculos extraoculares, inervados por nervos cranianos vindos dos
núcleos oculomotor (III), troclear (IV) e abducente (VI). A atividade desses
núcleos motores oculares é coordenada por mecanismos pontinos e
mesencefálicos, possibilitando acompanhamento suave dos objetos, movimentos
sacádicos, bem como estabilização do olhar durante a movimentação da cabeça e
do corpo. Grandes áreas dos córtex frontal e parieto-occipital controlam esses
centros de movimentos oculares do tronco encefálico por meio do fornecimento
de impulsos supranucleares descendentes.
AVALIAÇÃO CLÍNICA DA FUNÇÃO VISUAL
ESTADO DE REFRAÇÃO
Na abordagem ao paciente com redução da acuidade visual, o primeiro passo é
avaliar se a causa consiste em um erro de refração. Na emetropia, os raios
paralelos com origem no infinito são focalizados exatamente sobre a retina.
Infelizmente, apenas uma minoria da população é emétrope. Na miopia, o globo
ocular é longo demais, e os raios luminosos são focalizados à frente da retina. Os
objetos próximos são vistos com clareza, mas para os objetos distantes é preciso
usar uma lente divergente diante do olho. Na hipermetropia, o globo é curto
demais. Por isso, usa-se uma lente convergente para complementar a capacidade
refrativa do olho. No astigmatismo, a superfície da córnea não é perfeitamente
esférica, o que exige uma lente corretiva cilíndrica. A maioria dos pacientes
escolhe usar óculos ou lentes de contato para neutralizar o erro de refração. Uma
alternativa é alterar permanentemente as propriedades refrativas da córnea
realizando ceratomileuse in situ a laser (LASIK) ou ceratectomia fotorrefrativa
(PRK).
Com o início da meia-idade, surge a presbiopia, situação em que o
cristalino perde a capacidade de aumentar seu poder refrativo para acomodar-se
aos objetos próximos. Para compensar a presbiopia, o paciente emétrope precisa
usar óculos para leitura. Os pacientes que já usavam óculos para longe
geralmente passam a usar lentes bifocais. A única exceção é o paciente míope,
capaz de enxergar bem objetos a curta distância simplesmente tirando os óculos
usados para longe.
Os erros de refração costumam surgir lentamente e se estabilizam após a
adolescência, exceto em situações incomuns. Por exemplo, o início agudo de
diabetes melito pode causar miopia súbita em razão do edema do cristalino
induzido pela hiperglicemia. O teste da visão por meio de um pequeno orifício é
um modo útil de pesquisar com rapidez a presença de erro de refração. Se a
acuidade visual for melhor olhando através do orifício do que a olho nu, o
paciente necessitará de correção visual para obter melhor acuidade visual.
ACUIDADE VISUAL
Utiliza-se a tabela de Snellen para testar a acuidade visual à distância de 6
metros (20 pés). Um método mais conveniente é o cartão de Rosenbaum, uma
versão em escala menor da tabela de Snellen, mantido a 36 centímetros do
paciente (Fig. 28-1). Todos os indivíduos devem ser capazes de ler a linha 6/6
metros (20/20) com cada um dos olhos usando correção visual, se a tiverem. Os
pacientes que necessitam de óculos de leitura para presbiopia terão de usá-los
para que o teste com o cartão de Rosenbaum apresente um resultado preciso. Se
os dois olhos não tiverem acuidade 6/6 (20/20), a deficiência visual deverá ser
explicada. Sendo inferior a 6/240 (20/800), será necessária a medição da
acuidade em termos de contagem de dedos, movimentos da mão, percepção ou
não da luz. O Internal Revenue Service define cegueira legal como acuidade
máxima corrigida no melhor olho igual ou inferior a 6/60 (20/200), ou como
campo visual binocular igual a ou menor que 20°. A perda visual em apenas um
dos olhos não constitui cegueira legal. Nos Estados Unidos, as leis que
regulamentam a direção de veículos variam conforme o Estado, mas a maioria
exige acuidade corrigida de 6/12 (20/40) em pelo menos um dos olhos para que
se tenha permissão sem restrições. Os indivíduos que desenvolvem hemianopsia
homônima não devem conduzir veículos.
FIGURA 28-1 O cartão de Rosenbaum é uma versão em escala reduzida da tabela de Snellen para
testar a acuidade visual para perto. Quando a acuidade visual for registrada, a distância equivalente para
a tabela de Snellen deverá receber uma anotação indicando que a visão foi testada de perto, e não a uma
distância de 6 metros, ou então o sistema numérico de Jaeger deverá ser usado para o registro da acuidade.
PUPILAS
As pupilas devem ser examinadas separadamente, em ambiente pouco iluminado
e com o paciente olhando para um ponto distante. Não há necessidade de
verificar a reação de perto se as pupilas reagirem rapidamente à luz, já que não
há perda isolada da capacidade de constrição (miose) para acomodação. Por isso,
a sigla PIRRLA (pupilas isocóricas, redondas e reativas à luz e à acomodação)
indica desperdício de tempo com a última etapa do exame. Contudo, será
importante testar o reflexo de acomodação se a resposta fotomotora estiver
diminuída ou ausente. A dissociação entre os reflexos fotomotor e de
acomodação ocorre na neurossífilis (pupilas de Argyll-Robertson), em lesões do
mesencéfalo dorsal (síndrome de Parinaud) e após regeneração aberrante
(paralisia do nervo oculomotor, pupila tônica de Adie).
A pupila de um olho incapaz de perceber a luz não responde à estimulação
luminosa direta. Se a retina ou o nervo óptico sofrerem uma lesão parcial, a
reação pupilar direta será mais fraca que a resposta pupilar consensual,
provocada ao iluminar o olho contralateral saudável. O defeito pupilar aferente
relativo (pupila de Marcus Gunn) é pesquisado com o teste da lanterna oscilante
(Fig. 28-2). Trata-se de um sinal extremamente útil para o diagnóstico de neurite
óptica retrobulbar e de outras doenças do nervo óptico nas quais talvez seja o
único sinal objetivo de doença. Na neuropatia óptica bilateral, não se observa
defeito pupilar aferente se os nervos ópticos estiverem igualmente afetados.
FIGURA 28-2 Demonstração de defeito pupilar aferente relativo (pupila de Marcus Gunn) no olho
esquerdo, feita com o paciente olhando fixamente para um objeto distante. A. Com baixa iluminação
no ambiente, as pupilas ficam iguais e relativamente dilatadas. B. A incidência de um feixe de luz no olho
direito provoca forte constrição igual em ambas as pupilas. C. A oscilação da luz da lanterna sobre o olho
esquerdo lesado causa dilatação de ambas as pupilas, embora permaneçam menores que em A. A oscilação
do feixe de luz de volta ao olho direito saudável produz constrição simétrica igual à apresentada em B.
Observe que as pupilas se mantêm simétricas em todas as situações; a lesão na retina/nervo óptico esquerdo
é revelada pela constrição mais fraca em ambas as pupilas em resposta à luz sobre o olho esquerdo em
comparação com a mesma manobra sobre o olho direito. (De P Levatin: Arch Ophthalmol 62:768, 1959.
Copyright © 1959 American Medical Association. Todos os direitos reservados.)
ESTEREOPSIA
Para determinar a estereoacuidade, mostram-se imagens polarizadas com alvos
que incidam sobre pontos diferentes da retina. Os testes mais usados em
consultório medem uma série de limiares entre 800 e 40 segundos de arco. A
estereoacuidade normal é de 40 segundos de arco. Se o paciente apresentar esse
nível, pode-se ter certeza de que os olhos estão ortotropicamente alinhados e que
a visão em ambos é íntegra. Os estereogramas de pontos aleatórios não têm
indicadores de profundidade monocular e são um excelente teste para o
rastreamento de estrabismo.
VISÃO EM CORES
A retina contém três tipos de cones, com pigmentos de diferentes sensibilidades
espectrais máximas: vermelho (560 nm), verde (530 nm) e azul (430 nm). Os
pigmentos dos cones vermelhos e verdes são codificados no cromossomo X, e os
do cone azul, no cromossomo 7. Mutações no pigmento do cone azul são
extremamente raras. Mutações nos pigmentos vermelho e verde causam
acromatopsia congênita ligada ao X em 8% dos indivíduos do sexo masculino.
Os indivíduos afetados não são totalmente incapazes de distinguir cores; na
verdade, eles diferem dos indivíduos normais na forma como percebem as cores
e como combinam as luzes monocromáticas das cores primárias para igualar
uma determinada cor. Os tricromatas anômalos têm os três tipos de cone, mas
uma mutação de um pigmento de cone (em geral, o vermelho ou o verde)
modifica a sensibilidade espectral máxima, alterando a combinação de cores
primárias necessária para reproduzir uma determinada cor. Os dicromatas têm
apenas dois tipos de cone, por isso aceitam combinação de cores com apenas
duas cores primárias. Os tricromatas anômalos e dicromatas apresentam
acuidade visual de 6/6 (20/20), mas têm dificuldade de discriminar tonalidades.
As pranchas coloridas de Ishihara possibilitam detectar discromatopsia
vermelho-verde. As pranchas de teste contêm um número oculto, visível apenas
para os pacientes que confundem o vermelho com o verde. Como a acromatopsia
é quase exclusivamente ligada ao X, apenas crianças do sexo masculino devem
ser rastreadas.
As pranchas de Ishihara são muito usadas para a detecção de defeitos
adquiridos na visão em cores, embora tenham sido criadas como teste de
rastreamento para acromatopsia congênita. Os defeitos adquiridos da visão em
cores frequentemente são causados por doenças da mácula ou do nervo óptico.
Por exemplo, os pacientes que têm histórico de neurite óptica muitas vezes
referem diminuição na saturação das cores muito depois de sua acuidade visual
ter voltado ao normal. Também pode ocorrer acromatopsia em casos de
acidentes vasculares bilaterais que acometam a parte ventral do lobo occipital
(acromatopsia cerebral). Tais pacientes veem apenas tons de cinza, podendo
também apresentar dificuldade de reconhecer rostos (prosopagnosia). Infartos do
lobo occipital dominante às vezes produzem anomia para cores. Esses pacientes
conseguem distinguir as cores, mas não denominá-las.
CAMPOS VISUAIS
A visão pode ser afetada por alguma lesão em qualquer região do sistema visual:
dos olhos aos lobos occipitais. É possível localizar a lesão com bastante precisão
mapeando o déficit do campo visual por meio da confrontação com dedos e
correlacionando o resultado com a anatomia topográfica das vias visuais (Fig. 28
-3). O mapeamento quantitativo do campo visual é realizado por campímetro
computadorizado no qual alvos de intensidade variável são apresentados em
posições fixas do campo visual (Fig. 28-3A). Ao gerar um registro impresso dos
limiares de luz, esses instrumentos representam um meio sensível de detecção de
escotomas no campo de visão. Também são extremamente úteis na avaliação
seriada da função visual em doenças crônicas, como o glaucoma e o
pseudotumor cerebral.
FIGURA 28-3 Visão ventral do cérebro, correlacionando os padrões de perda do campo visual com as
localizações das lesões na via visual. Os campos visuais se sobrepõem parcialmente, criando 120° de
campo binocular central flanqueado por um crescente mononucular de 40° para cada lado. Nesta figura, os
mapas dos campos visuais foram feitos com um campímetro computadorizado (Humphrey Instruments,
Carl Zeiss, Inc.). O dispositivo plota a sensibilidade à luz da retina nos 30° centrais, usando um formato em
escala de cinza. As regiões com perda do campo de visão aparecem em negro. Os exemplos de defeitos
monoculares pré-quiasmáticos no campo visual mais comuns são apresentados no olho direito. Por
convenção, os campos visuais sempre são registrados com os campos do olho esquerdo à esquerda e os do
olho direito à direita, exatamente como o paciente enxerga.
FIGURA 28-5 A placa de Hollenhorst, alojada na bifurcação de uma arteríola retiniana, comprova
que o paciente está liberando êmbolos a partir da artéria carótida, dos grandes vasos ou do coração.
FIGURA 28-6 Oclusão de artéria central da retina em homem de 78 anos reduzindo a acuidade para
contar dedos no olho direito. Observe a hemorragia em chama de vela sobre o disco óptico e o aspecto
levemente leitoso da mácula com fóvea vermelho-cereja.
FIGURA 28-7 Retinopatia hipertensiva com borramento do disco óptico, hemorragia em chama de
vela, exsudatos algodonosos (infarto de fibra nervosa) e exsudato na fóvea em paciente de sexo masculino
de 62 anos de idade com insuficiência renal crônica e pressão sistólica de 220 mmHg.
FIGURA 28-8 A oclusão da veia retiniana central pode produzir hemorragia retiniana maciça (“sangue e
tempestade”), isquemia e perda da visão.
FIGURA 28-9 Neuropatia óptica isquêmica anterior por arterite temporal em mulher de 64 anos com
edema agudo do disco, hemorragia em chama de vela, perda da visão e velocidade de hemossedimentação
de 60 mm/h.
Neuropatia óptica tóxica Doença que pode causar perda visual aguda com
edema do disco óptico bilateral e escotomas cecocentrais. Já foi descrita após
exposição a etambutol, álcool metílico (bebida alcoólica falsificada),
etilenoglicol (anticongelante) e monóxido de carbono. Na neuropatia óptica
tóxica, a perda visual também pode ocorrer progressivamente e produzir atrofia
óptica (Fig. 28-11) sem uma fase aguda de edema do disco óptico. Vários
agentes foram implicados como causa de neuropatia óptica tóxica, porém as
evidências a favor de muitas dessas associações costumam ser fracas.
Apresentamos a seguir uma lista parcial de fármacos ou toxinas possivelmente
responsáveis: dissulfiram, etclorvinol, cloranfenicol, amiodarona, anticorpo
monoclonal anti-CD3, ciprofloxacino, digitálicos, estreptomicina, chumbo,
arsênico, tálio, D-penicilamina, isoniazida, emetina e sulfonamidas. A metalose
(cromo, cobalto, níquel) por falha de implante de quadril é uma causa rara de
neuropatia óptica tóxica. Estados de deficiência, induzidos por inanição, má
absorção ou alcoolismo, podem causar perda visual insidiosa. Os níveis de
tiamina, vitamina B12 e folato devem ser dosados em todos os pacientes que se
apresentem com escotomas centrais bilaterais sem explicação e palidez do disco
óptico.
FIGURA 28-11 A atrofia óptica não é um diagnóstico específico, mas se refere à combinação de palidez
do disco óptico, estreitamento arteriolar e destruição do feixe de fibras nervosas produzidos por diversas
doenças oculares, particularmente as neuropatias ópticas.
Papiledema Esse termo descreve o edema bilateral do disco óptico causado por
hipertensão intracraniana (Fig. 28-12). A cefaleia é um sintoma concomitante
comum, mas não obrigatório. Todas as outras formas de edema do disco óptico
(tais como o causado por neurite óptica ou por neuropatia óptica isquêmica)
devem ser denominadas simplesmente “edema do disco óptico”. Trata-se de uma
convenção, mas que serve para evitar confusões. Muitas vezes, é difícil
distinguir entre papiledema e outras formas de edema do disco óptico apenas
com fundoscopia. Obscurecimento transitório da visão é um sintoma clássico de
papiledema. Ele pode ocorrer apenas em um dos olhos ou simultaneamente em
ambos. Esse sintoma geralmente dura segundos, podendo persistir por mais
tempo. É possível que ocorram episódios de obscurecimento após mudanças
bruscas de posição ou espontaneamente. Se esses episódios forem prolongados
ou espontâneos, o papiledema será mais perigoso. A acuidade visual só será
afetada pelo papiledema se ele for intenso, de longa duração ou acompanhado de
edema macular e hemorragia. A campimetria revela aumento das manchas cegas
e constrição periférica (Fig. 28-3F). No papiledema crônico, a perda visual
periférica evolui insidiosamente, e o nervo óptico sofre atrofia. Nesse contexto, a
redução do edema do disco óptico é um sinal funesto de que o nervo está
morrendo, e não uma indicação promissora de resolução do papiledema.
FIGURA 28-12 Papiledema significa edema do disco óptico causado por elevação na pressão
intracraniana. Esta jovem desenvolveu papiledema, com hemorragias e exsudatos algodonosos, como um
efeito colateral raro do tratamento de acne com tetraciclina.
Na investigação de papiledema, há necessidade de neuroimagem para
excluir a presença de lesão intracraniana. A angiorressonância magnética (angio-
RM) é útil em alguns casos para investigar oclusão dos seios venosos ou shunt
arteriovenoso. Se os exames neurorradiológicos forem negativos, deve-se medir
a pressão liquórica subaracnóidea de abertura em decúbito lateral por meio de
punção lombar. As leituras inacuradas da pressão são um problema comum. A
pressão liquórica alta com líquido cerebrospinal normal aponta, por exclusão,
para o diagnóstico de pseudotumor cerebral (hipertensão intracraniana
idiopática). Quase todos os pacientes são mulheres, e a maioria tem obesidade. O
uso de inibidores da anidrase carbônica, como a acetazolamida, reduz a pressão
intracraniana ao diminuir a produção de líquido cerebrospinal, melhorando os
campos visuais. A redução do peso é vital: deve-se considerar indicar cirurgia
bariátrica aos pacientes que não consigam perder peso com controle da dieta. Se
a perda de visão for grave ou progressiva, deve-se proceder a um shunt
imediatamente para prevenção de cegueira. A fenestração da bainha do nervo
óptico é menos efetiva, e não trata outros sintomas neurológicos. Algumas vezes,
o papiledema fulminante produz início rápido de cegueira. Em tais pacientes,
deve ser realizada a cirurgia de emergência para instalar uma derivação sem
demora.
FIGURA 28-13 As drusas do disco óptico são depósitos calcificados semelhantes a amoras no interior do
disco óptico de etiologia desconhecida que causam “pseudopapiledema”.
Enxaqueca clássica (Ver também Cap. 422) Ocorre, em geral, associada a uma
aura visual que dura cerca de 20 minutos. Na crise típica, há um pequeno
distúrbio no centro do campo visual que progride em direção à periferia,
deixando atrás um escotoma transitório. Na enxaqueca, o limite de expansão do
escotoma tem borda cintilante, oscilante ou em zigue-zague. Essa borda se
assemelha às muralhas de uma cidade fortificada, daí a expressão espectro de
fortificação. Os pacientes fornecem descrições diferentes do espectro de
fortificação, e é possível que sejam confundidas com as da amaurose fugaz. Nos
casos de enxaqueca, o sintoma geralmente tem maior duração e é percebido nos
dois olhos, enquanto, na amaurose fugaz, é mais breve e ocorre em apenas um
olho. Os fenômenos relacionados com a enxaqueca continuam visíveis no escuro
ou quando o paciente fecha os olhos. Em geral, ficam restritos ao hemicampo
visual esquerdo ou direito, mas podem ocorrer nos dois campos ao mesmo
tempo. Os pacientes muitas vezes têm histórico de crises estereotipadas. Na
maioria dos pacientes, a cefaleia surge quando os sintomas visuais desaparecem.
FIGURA 28-18 Retinite pigmentosa com depósitos de pigmento negro conhecidos como “espículas
ósseas”. O paciente apresentava perda de visão periférica com preservação da visão central (macular).
PROPTOSE
Quando os globos oculares parecerem assimétricos, o médico deverá avaliar,
inicialmente, qual dos olhos encontra-se anormal. Um dos olhos está recolhido
dentro da órbita (enoftalmia) ou é o outro que se encontra saliente (exoftalmia ou
proptose)? Um globo ocular pequeno ou a síndrome de Horner podem conferir o
aspecto de enoftalmia. A enoftalmia verdadeira ocorre após traumatismo, por
atrofia da gordura retrobulbar ou fratura do soalho da órbita. O exoftalmômetro
de Hertel, instrumento portátil que mede a posição da superfície anterior da
córnea em relação à borda lateral da órbita, possibilita que seja medida a posição
dos olhos dentro das órbitas. Na ausência desse instrumento, é possível avaliar a
posição relativa dos olhos pedindo-se ao paciente que incline a cabeça para
frente e observando as órbitas de cima. Nessa posição, é possível detectar uma
proptose monocular de apenas 2 mm. A proptose sugere lesão expansiva dentro
da órbita e geralmente justifica o exame por TC ou RM.
PTOSE
Blefaroptose Trata-se de queda anormal da pálpebra. A ptose, uni ou bilateral,
pode ser congênita e causada por disgenesia do levantador da pálpebra superior
ou por inserção anômala de sua aponeurose na pálpebra. A ptose adquirida pode
ter uma evolução tão insidiosa que o paciente não percebe o problema. O exame
de fotografias antigas ajuda a determinar a época em que o problema se iniciou.
Na anamnese, devem-se procurar antecedentes de traumatismo, cirurgia ocular,
uso de lentes de contato, diplopia, sintomas sistêmicos (p. ex., disfagia ou
fraqueza muscular periférica) ou história familiar de ptose. Uma ptose flutuante
que piora no final do dia é característica da miastenia gravis. Na avaliação da
ptose, devem-se pesquisar evidências de proptose, massas ou deformidades
palpebrais, inflamação, anisocoria ou perda de mobilidade. Para determinar o
grau de ptose, mede-se a largura das fissuras palpebrais com o paciente na
posição primária do olhar. O grau de ptose será subestimado se o paciente
procurar compensar levantando as sobrancelhas com o músculo frontal.
Miastenia gravis (Ver também Cap. 440 e Vídeo 28-13) Trata-se da principal
causa de diplopia indolor. A diplopia, muitas vezes, é intermitente, variável e não
se restringe a uma única distribuição de nervos motores oculares. As pupilas
sempre estão normais. Medidas seriadas de uma ptose fatigável variável,
geralmente acompanhada por diplopia, são úteis para estabelecer o diagnóstico.
Muitos pacientes apresentam uma forma exclusivamente ocular da doença, sem
sinais de fraqueza muscular sistêmica. O diagnóstico pode ser confirmado por
injeção IV de edrofônio, que produz reversão transitória da fraqueza palpebral
ou da musculatura ocular. Os testes sanguíneos para anticorpos contra o receptor
da acetilcolina ou antiproteína MuSK são frequentemente negativos na forma
puramente ocular da miastenia gravis. O botulismo, por intoxicação alimentar ou
por ferimentos, pode simular miastenia ocular.
Tendo sido excluídas as possibilidades de doença orbitária restritiva e de
miastenia gravis, a causa mais provável para diplopia binocular é lesão de um
dos nervos cranianos que suprem os músculos extraoculares.
Nistagmo É uma oscilação rítmica dos olhos. Pode ser fisiológico, em resposta a
estímulos vestibulares ou optocinéticos, ou patológico. Várias doenças podem
provocar nistagmo (Cap. 19). As anormalidades dos olhos e dos nervos ópticos,
presentes ao nascimento ou adquiridas na infância, podem provocar nistagmo
complexo, com movimentos de busca, componentes pendulares (sinusoidais) e
verticais. São exemplos o albinismo, a amaurose congênita de Leber e a catarata
bilateral. Esse tipo de nistagmo é comumente referido como nistagmo sensitivo
congênito. Trata-se de denominação inadequada, porque, mesmo em crianças
com lesão congênita, o nistagmo só aparece semanas após o nascimento. O
nistagmo motor congênito, semelhante ao nistagmo sensorial congênito, surge na
ausência de qualquer anormalidade do sistema visual sensorial. A acuidade
visual também se mostra reduzida no nistagmo motor congênito provavelmente
em razão do próprio nistagmo, mas raramente abaixo de 20/200. Ver também Ví
deo 28-10.
LEITURAS ADICIONAIS
Bainbridge JW et al: Long-term effect of gene therapy on Leber’s congenital
amaurosis. N Engl J Med 372:1887, 2015.
Buttgerei TF et al: Polymyalgia rheumatica and giant cell arteritis. JAMA
315:2442, 2016.
Campochiaro PA et al: Anti-vascular endothelial growth factor agents in the
treatment of retinal disease. Ophthalmology 123:S78, 2016.
Gross JG et al: Panretinal photocoagulation vs intravitreous ranibizumab for
proliferative diabetic retinopathy. JAMA 314:2137, 2015.
Jaffe GJ et al: Adalimumbab in patients with active noninfectious uveitis. N Engl
J Med 375:932, 2016.
Pearson RA et al: Donor and host photoreceptors engage in material transfer
following transplantation of post-mitotic photoreceptor precursors. Nat
Commun 7:13029, 2016.
Stone JH et al: Trial of tocilizumab in giant-cell arteritis. N Engl J Med 377:317,
2017.
Wall M et al: Effect of acetazolamide on visual function in patients with
idiopathic intracranial hypertension and mild visual loss: The idiopathic
intracranial hypertension treatment trial. JAMA 311:1641, 2014.
Williams PA et al: Vitamin B3 modulates mitochrondrial vulner-ability and
prevents glaucoma in aged mice. Science 355:756, 2017.
Yanoff M, Duker J: Ophthalmology, 4th ed. Atlanta, Georgia, Saunders, 2014.
29
Distúrbios do olfato e do paladar
Richard L. Doty, Steven M. Bromley
ANATOMIA E FISIOLOGIA
Sistema olfatório As substâncias químicas que possuem cheiro penetram na
região anterior do nariz durante a inalação e a aspiração ativa, bem como na
parte posterior do nariz (nasofaringe) durante a deglutição. Após alcançar as
áreas mais elevadas da cavidade nasal, dissolvem-se no muco olfatório e se
difundem ou são ativamente transportadas por proteínas especializadas para os
receptores localizados nos cílios das células receptoras olfatórias. Os cílios,
dendritos, corpos celulares e segmentos axônicos proximais dessas células
bipolares estão localizados dentro de um neuroepitélio singular que cobre a placa
cribiforme, o septo nasal superior e partes do corneto superior e médio (Fig. 29-
1). Quase 400 tipos de receptores acoplados à proteína G (GPCRs) para odor são
expressos nos cílios das células receptoras, com apenas um tipo de receptor
GPCR sendo expressado em uma determinada célula. Outros receptores,
incluindo receptores associados a traços de aminas e membros da família de
proteínas não GPCR de domínio de distribuição na membrana 4, subfamília A
(MS4A), também estão presentes em algumas células receptoras. Essa
diversidade de células receptoras não existe em nenhum outro sistema sensitivo.
É importante observar que, quando comprometidas, as células receptoras podem
ser substituídas pelas células-tronco próximas à membrana basal, embora essa
substituição costume ser incompleta.
FIGURA 29-1 Anatomia do nariz, mostrando a distribuição dos receptores olfatórios no teto da cavidade
nasal. (Copyright David Klemm, Faculty and Curriculum Support [FACS], Georgetown University Medical
Center; usada com permissão.)
FIGURA 29-2 Esquema das camadas e ramificações do bulbo olfatório. Cada tipo de receptor
(vermelho, verde, azul) se projeta para um glomérulo comum. A atividade neural no interior de cada
glomérulo é modulada pelas células periglomerulares. A atividade das células de projeção primária, as
células mitrais e tufosas, é modulada pelas células granulares, células periglomerulares e dendritos
secundários de células adjacentes mitrais e tufosas. (De www.med.yale.edu/neurosurg/treloar/index.html.)
FIGURA 29-4 Esquema do botão gustatório e sua abertura (poro), bem como da localização dos botões
nos três principais tipos de papilas: fungiforme (anterior), foliácea (lateral) e circunvalada (posterior). CRP,
célula receptora do paladar.
É atualmente bem estabelecido que ambos os receptores relacionados com
os sabores amargo e doce também estão presentes em todo o corpo,
principalmente nos tratos alimentar e respiratório. Essa importante descoberta
generaliza o conceito da quimiorrecepção gustatória às outras áreas do corpo
além da boca e da garganta, com a α-gustducina, a subunidade α da proteína G
específica para o sabor, sendo expressa nas chamadas células em escova
encontradas especificamente no interior da traqueia, pulmão, pâncreas e vesícula
biliar humanos. Essas células em escova são ricas em óxido nítrico (NO) sintase,
conhecido por defender contra organismos xenobióticos, proteger a mucosa de
lesões induzidas por ácidos e, no caso do trato gastrintestinal, estimular os
neurônios aferentes vagais e esplênicos. O NO age posteriormente sobre as
células adjacentes, incluindo células enteroendócrinas, células epiteliais
absorventes ou secretoras, vasos sanguíneos da mucosa e células do sistema
imune. Membros da família T2R de receptores do sabor amargo e dos receptores
do sabor doce da família T1R foram identificados no interior do trato
gastrintestinal e nas linhagens celulares enteroendócrinas. Em alguns casos,
esses receptores são importantes para o metabolismo, com os receptores T1R3 e
a gustducina, desempenhando papéis decisivos na detecção e no transporte de
açúcares da dieta, vindos do lúmen intestinal para o interior dos enterócitos
absorventes via um transportador de glicose dependente de sódio e na regulação
da liberação de hormônio a partir das células intestinais enteroendócrinas. Em
outros casos, esses receptores poderão ser importantes para a proteção das vias
aéreas, com uma quantidade de receptores T2R de sabor amargo nos cílios
móveis das vias aéreas humanas que respondem às substâncias amargas
aumentando sua frequência de batimento. Um receptor gustatório específico
T2R38 é expresso no epitélio do trato respiratório superior humano e responde
às moléculas de quorum sensing acilmonoserina lactonas secretadas pela
Pseudomonas aeruginosa e outras bactérias Gram-negativas. Diferenças na
funcionalidade de T2R38, como as relacionadas com o genótipo TAS2R38,
correlacionam-se com a suscetibilidade às infecções do trato respiratório
superior em humanos.
A informação do sabor é enviada ao cérebro por meio de três nervos
cranianos (NCs): o VII NC (nervo facial, que envolve o nervo intermediário com
suas ramificações, os nervos petroso maior e corda do tímpano), o IX NC (nervo
glossofaríngeo) e o X NC (o nervo vago) (Fig. 29-5). O VII NC inerva a porção
anterior da língua e todo o palato mole, o IX NC inerva a parte posterior da
língua e o X NC inerva a superfície laríngea da epiglote, a laringe e a porção
proximal do esôfago. O ramo mandibular de V (V3) NC conduz a informação
somatossensitiva (p. ex., tato, queimação, resfriamento, irritação) ao cérebro.
Embora não seja tecnicamente um nervo gustatório, o V NC compartilha vias
nervosas primárias com diversas fibras nervosas gustatórias e acrescenta a
sensação de temperatura, textura, sabor picante e aromático à experiência do
sabor. O nervo corda do tímpano é famoso por traçar um curso recorrente através
do canal facial para a porção petrosal do osso temporal, atravessando a orelha
média e, em seguida, saindo do crânio pela fissura petrotimpânica, onde se junta
ao nervo lingual (uma divisão do V NC) próximo à língua. Esse nervo também
carrega fibras parassimpáticas para as glândulas submandibular e sublingual,
enquanto o nervo petroso maior supre as glândulas palatinas, influenciando,
assim, a produção de saliva.
FIGURA 29-5 Esquema dos nervos cranianos (NCs) que medeiam o sentido do paladar, incluindo os
nervos corda do tímpano (VII NC), o nervo glossofaríngeo (IX NC) e o nervo vago (X NC). (Copyright
David Klemm, Faculty and Curriculum Support [FACS], Georgetown University Medical Center; usada
com permissão.)
Os axônios das células de projeção, que estabelecem sinapse com os botões
gustatórios, penetram na porção rostral do núcleo do trato solitário (NTS) para o
interior do bulbo do tronco encefálico (Fig. 29-5). A partir do NTS, os neurônios
se projetam para uma divisão do núcleo talâmico ventroposteromedial (VPM)
através do lemnisco medial. A partir desse ponto, são emitidas projeções para a
parte rostral do opérculo frontal e ínsula adjacente, uma região do cérebro
considerada como o córtex gustatório primário (CGP). As projeções a partir do
CGP vão, em seguida, para o córtex gustatório secundário, denominado de COF
caudolateral. Essa região do cérebro está envolvida no reconhecimento
consciente das variedades gustatórias. Além disso, como ela contém células que
são ativadas por diversas modalidades sensitivas, representa provavelmente um
centro para o estabelecimento do “sabor”.
DISTÚRBIOS DO OLFATO
A habilidade de sentir odores é influenciada, na vida diária, por fatores como
idade, sexo, estado geral de saúde, nutrição, tabagismo e estado reprodutivo. As
mulheres, em geral, superam os homens nos testes de função olfatória e
conservam a função normal de sentir odores até uma idade mais avançada do
que os homens.
As estimativas de prevalência de disfunção olfatória na população geral
variam; uma recente análise transversal da National Health and Nutrition
Examination Survey (NHANES 2013-2014) encontrou uma prevalência geral de
13,5%. Porém, é aparente que significativas reduções na habilidade olfatória são
observadas em mais de 50% da população entre 65 e 80 anos de idade e em 75%
daqueles com ≥ 80 anos (Fig. 29-6). Essa presbiosmia ajuda a explicar por que
muitos indivíduos mais velhos relatam que a comida tem menos sabor, um
problema que poderá levar a distúrbios nutricionais. Ela também ajuda a explicar
por que um número desproporcional de idosos morre por envenenamentos
acidentais causados por gás. Uma lista relativamente completa de condições e
distúrbios que têm sido associados à disfunção olfatória está apresentada na Tab
ela 29-1.
FIGURA 29-6 Valores do University of Pennsylvania Smell Identification Test (UPSIT) em função da
idade e do sexo do indivíduo. Os números de cada ponto de dados indicam o tamanho das amostras.
Observe que as mulheres identificam odores melhor do que os homens em todas as idades. (De RL Doty et
al: Science 226:1421, 1984. Copyright © 1984 American Association for the Advancement of Science.)
DISTÚRBIOS GUSTATÓRIOS
A maioria dos pacientes que se apresenta com disfunção gustatória exibe perda
olfatória, e não gustatória. Isso ocorre porque a maior parte dos sabores
atribuídos à gustação na verdade dependem de estímulo retronasal dos receptores
olfatórios durante a deglutição. Como observado anteriormente, os botões
gustatórios apenas medeiam sentidos básicos, como as sensações de doce,
amargo, ácido, salgado e umami. O comprometimento significativo de toda a
função gustatória bucal é raro, exceto em distúrbios metabólicos generalizados
ou no uso sistêmico de algumas medicações, pois ocorre a regeneração dos
botões gustatórios, e o comprometimento periférico isolado acarretaria no
envolvimento de múltiplas vias dos NCs. A função gustatória pode ser
influenciada por idade, dieta, tabagismo, uso de medicamentos e outros fatores
relacionados à pessoa incluindo (1) liberação de materiais que mascaram o
paladar a partir da cavidade oral por condições médicas orais (p. ex., gengivite,
sialadenite purulenta) ou aparelhos ortodônticos; (2) problemas de transporte das
substâncias para os botões gustatórios (p. ex., ressecamento ou condições
inflamatórias da mucosa orolingual); (3) lesão dos próprios botões gustatórios
(p. ex., trauma local, carcinomas invasivos); (4) lesão das vias neurais que
inervam os botões gustatórios (p. ex., infecções da orelha média); (5) lesão das
estruturas centrais (p. ex., esclerose múltipla, tumor, epilepsia, acidente vascular
cerebral) e (6) distúrbios sistêmicos do metabolismo (p. ex., diabetes, doença da
tireoide, medicamentos). Ao contrário do VII NC, o IX NC está relativamente
protegido ao longo de sua via, embora intervenções iatrogênicas como
tonsilectomia, broncoscopia, laringoscopia, intubação endotraqueal e
radioterapia possam levar a uma lesão seletiva. A lesão do VII NC geralmente
resulta de mastoidectomia, timpanoplastia e estapedectomia, induzindo, em
alguns casos, sensações metálicas persistentes. A paralisia de Bell (Cap. 433) é
uma das causas mais comuns de lesão do VII NC, que leva ao distúrbio
gustatório. Em raras ocasiões, as enxaquecas (Cap. 422) estão associadas a um
pródromo ou aura gustatória e, em alguns casos, os sabores podem eliciar um
ataque de enxaqueca. É interessante que a disgeusia ocorre em alguns casos de
síndrome da boca ardente (SBA; também chamada de glossodinia ou
glossalgia), assim como boca seca e sede. A SBA está provavelmente associada
à disfunção do nervo trigêmeo (V NC). Algumas etiologias sugeridas para essa
síndrome pouco conhecida são sensíveis a tratamento, incluindo (1) deficiências
nutricionais (p. ex., ferro, ácido fólico, vitaminas B, zinco); (2) diabetes melito
(predispondo possivelmente à candidíase oral); (3) alergia à dentadura; (4)
irritação mecânica causada por dentaduras ou dispositivos orais; (5) movimentos
repetitivos da boca (p. ex., deglutição atípica, ranger de dentes, bruxismo); (6)
isquemia da língua resultante de arterite temporal; (7) doença periodontal; (8)
esofagite de refluxo e (9) língua geográfica.
Embora tanto o paladar quanto o olfato possam ser deleteriamente
influenciados por medicamentos, as alterações de paladar são mais comuns. Na
verdade, tem-se observado que mais de 250 medicamentos alteram a habilidade
de sentir o paladar. Os principais agressores incluem agentes antineoplásicos,
antibióticos e medicamentos para o controle da pressão arterial. A terbinafina,
um antifúngico comumente utilizado, tem sido associada a distúrbios do paladar
que duram até 3 anos. Em um ensaio clínico controlado, quase dois terços dos
indivíduos recebendo eszopiclona experimentaram uma disgeusia amarga que foi
mais forte nas mulheres, sistematicamente relacionada ao tempo de
administração do fármaco e positivamente correlacionada com os níveis
sanguíneos e salivares do fármaco. O uso intranasal de géis e sprays nasais
contendo zinco, que representam uma profilaxia comum (sem receita médica)
para as infecções virais das vias aéreas superiores, tem sido implicado na perda
da função olfatória. Estudos são necessários para determinar o quanto a sua
eficácia em prevenir tais infecções, que são as causas mais comuns de anosmia e
hiposmia, superam o potencial prejuízo na função olfatória. A disgeusia ocorre
geralmente no contexto de fármacos usados para tratar ou minimizar sintomas de
câncer, com uma prevalência ponderada de 56 a 76%, dependendo do tipo de
tratamento de câncer. Tentativas para prevenir problemas gustatórios devidos a
esses fármacos que usam sulfato de zinco ou amifostina profiláticos têm se
demonstrado minimamente benéficas. Embora medicamentos antiepilépticos
sejam ocasionalmente utilizados para tratar distúrbios olfatórios ou gustatórios,
tem-se mostrado que o uso de topiramato leva a uma perda reversível de uma
capacidade para se detectar e reconhecer paladares e odores durante o
tratamento.
Juntamente com o olfato, vários distúrbios sistêmicos podem afetar o
paladar. Eles incluem, mas não se limitam a, insuficiência renal crônica, doença
hepática em estágio terminal, deficiências de vitaminas e minerais, diabetes
melito e hipotireoidismo. No diabetes, parece haver uma perda progressiva de
paladar começando pela glicose e, em seguida, se ampliando para outros
adoçantes, estímulos salgados e, depois, para todos os estímulos. Condições
psiquiátricas podem estar associadas a alterações quimiossensitivas (p. ex.,
depressão, esquizofrenia, bulimia). Uma revisão recente sobre as alucinações
táteis, gustatórias e olfatórias demonstrou que nenhum tipo de experiência
alucinatória é patognomônica para qualquer diagnóstico estabelecido.
A gravidez representa uma condição única em relação à função do paladar.
Parece haver um aumento na aversão e intensidade dos sabores amargos durante
o primeiro trimestre, que poderá ajudar a garantir que a mulher grávida evite
venenos durante uma fase crítica do desenvolvimento fetal. Da mesma forma,
um aumento relativo na preferência pelo sal e sabores amargos no segundo e
terceiro trimestres pode suportar a necessidade maior de ingestão de eletrólitos
para expandir o volume de fluido e sustentar uma dieta variada.
AVALIAÇÃO CLÍNICA
Na maioria dos casos, uma história clínica cuidadosa irá estabelecer a provável
etiologia do problema quimiossensitivo, incluindo questões sobre a sua natureza,
aparecimento, duração e padrão de flutuações. A perda repentina sugere a
possibilidade de traumatismo craniano, isquemia, infecção ou uma condição
psiquiátrica. A perda gradual pode refletir o desenvolvimento de uma lesão
obstrutiva progressiva, embora a perda gradual também possa ocorrer após
traumatismo craniano. Uma perda intermitente sugere a probabilidade de um
processo inflamatório. O paciente deverá ser perguntado a respeito de potenciais
eventos precipitadores, como resfriados ou gripe prévios ao aparecimento de
sintomas, porque estes normalmente são pouco valorizados. Informações a
respeito de traumatismo craniano, hábitos de tabagismo, abuso de drogas e
álcool (p. ex., cocaína intranasal, alcoolismo crônico), exposições a pesticidas e
outros agentes tóxicos e intervenções médicas também são úteis. A definição de
todos os medicamentos que o paciente tomou antes e no momento do
aparecimento do sintoma é importante, porque muitos podem causar distúrbios
quimiossensitivos. Comorbidade clínicas associadas ao comprometimento do
olfato, como insuficiência renal, doença hepática, hipotireoidismo, diabetes ou
demência, devem ser avaliadas. A puberdade retardada em associação à anosmia
(com ou sem anormalidades craniofacial da linha média, surdez e anomalias
renais), sugere a possibilidade de síndrome de Kallmann. O relato de epistaxe,
secreção (clara, purulenta ou sanguinolenta), obstrução nasal, alergias e sintomas
somáticos, incluindo cefaleia ou irritação, pode auxiliar na localização. Questões
relacionadas à memória, sintomas parkinsonianos e atividades convulsivas (p.
ex., automatismos, ocorrência de blackouts, auras e déjà vu) deverão ser
consideradas. Um litígio iminente e a possibilidade de simulação devem ser
considerados. Testes olfatórios modernos de escolha forçada podem detectar a
simulação de doença a partir de respostas improváveis.
Exames neurológicos e otorrinolaringológicos (ORLs), juntamente com os
exames apropriados de imagem cerebral e nasossinusal, ajudam na avaliação de
pacientes com queixas olfatórias e gustatórias. A avaliação neural deverá se
focar na função dos NCs, com particular atenção às possíveis lesões
intracranianas e na base do crânio. Os exames de acuidade e campo visual e do
disco óptico auxiliam na detecção de lesões expansivas intracranianas que
produzem pressão intracraniana elevada (papiledema) e atrofia óptica. A
síndrome de Foster Kennedy se refere a pressão intracraniana elevada mais
neuropatia óptica compressiva; as causas típicas são meningiomas do sulco
olfatório ou outros tumores do lobo frontal. O exame ORL deverá avaliar
exaustivamente a arquitetura intranasal e as superfícies mucosas. Pólipos,
massas e adesões dos cornetos ao septo nasal podem comprometer o fluxo de ar
para os receptores olfatórios, pois menos de um quinto do ar inspirado atravessa
a fenda olfatória na ausência de obstrução. Testes séricos sanguíneos podem ser
de grande ajuda na identificação de condições como diabetes, infecção,
exposição a metais pesados, deficiência nutricional (p. ex., vitaminas B6 ou B12),
alergia e doenças renal, hepática e da tireoide.
Como acontece em outros distúrbios sensitivos, é aconselhável a realização
do teste sensitivo quantitativo. Registros autorreferidos de pacientes podem ser
inexatos, e alguns pacientes que se queixam de disfunção quimiossensitiva
apresentam função normal compatível com sua idade e sexo. Os testes
quantitativos de paladar e olfato fornecem informações objetivas para a
compensação trabalhista e outras exigências legais, bem como uma forma de
avaliar precisamente os efeitos das intervenções de tratamento. Diversos testes
padronizados para a avaliação do paladar e olfato estão disponíveis
comercialmente. O mais amplamente utilizado desses testes, o University of
Pennsylvania Smell Identification Test (UPSIT), que contém 40 itens, usa
normas baseadas em quase 4 mil indivíduos normais. É feita uma determinação
das disfunções absolutas (i.e., perda leve, perda moderada, perda grave, perda
total, provável simulação) e relativa (comparação percentual compatível com
idade e sexo). Embora o teste eletrofisiológico esteja disponível em alguns
centros de estudo dos sentidos de paladar e odor (p. ex., potenciais olfatórios
relacionados a eventos), eles necessitam da apresentação de estímulos
complexos e equipamento de gravação e raramente fornecem informações
diagnósticas adicionais. Com exceção do eletrogustômetro, os testes de paladar
comercialmente disponíveis foram disponibilizados apenas recentemente. A
maioria utiliza tiras de papel de filtro impregnadas com substâncias, de forma a
não ser necessária a preparação do estímulo.
TRATAMENTO E MANEJO
Considerando os vários mecanismos pelos quais os distúrbios olfatórios e
gustatórios ocorrem, o controle de pacientes tende a ser específico para cada
condição. Por exemplo, pacientes com hipotireoidismo, diabetes ou infecções
geralmente se beneficiam de tratamentos específicos para corrigir a doença
básica que influencia adversamente a quimiorrecepção. Para a maioria dos
pacientes que se apresenta primariamente com perda obstrutiva/de transporte
afetando as regiões nasais e paranasais (p. ex., rinite alérgica, polipose,
neoplasias intranasais, desvios intranasais), intervenções médicas e/ou cirúrgicas
normalmente são benéficas. O tratamento com antifúngicos e antibióticos pode
reverter problemas de paladar secundários à candidíase ou outras infecções orais.
O bochecho com clorexidina alivia algumas disgeusias para os sabores salgado
ou amargo, provavelmente como resultado de sua forte carga positiva. A secura
excessiva da mucosa oral é um problema causado por vários medicamentos e
condições, e os tratamentos com saliva artificial ou pilocarpina oral podem ser
benéficos. Outros métodos para melhorar o fluxo de saliva incluem o uso de
pastilhas expectorantes, de menta ou sem açúcar. Os ativadores de sabor podem
tornar o alimento mais palatável (p. ex., glutamato monossódico), mas
aconselha-se cautela para que seja evitado o uso excessivo de ingredientes
contendo sódio ou açúcar, particularmente em circunstâncias em que um
paciente também apresenta hipertensão ou diabetes. Medicamentos que induzem
distorções do sabor podem geralmente ser descontinuados e substituídos por
outros tipos de medicamentos ou formas de terapia. Conforme citado antes, os
agentes farmacológicos resultam em distúrbios do paladar com muito mais
frequência do que em distúrbios do olfato. Entretanto, é importante observar que
diversos efeitos relacionados com fármacos são duradouros e não são revertidos
por sua breve interrupção.
Um recente estudo de cirurgia endoscópica dos seios paranasais em
pacientes com rinossinusite crônica e hiposmia revelou que pacientes com
disfunção olfatória severa anterior à cirurgia apresentaram uma melhora mais
acentuada e sustentada ao longo do tempo quando comparados com pacientes
que apresentavam disfunção olfatória leve antes da intervenção. No caso de
condições inflamatórias intranasais e relacionadas aos seios paranasais, como as
observadas na alergia, infecção por vírus e traumas, o uso de glicocorticoides
intranasais ou sistêmicos também poderá ser de grande ajuda. Uma estratégia
comum consiste no uso de uma série decrescente de prednisona oral. A
administração intranasal tópica de glicocorticoides tem se mostrado menos
eficaz, em geral, do que a administração sistêmica; entretanto os efeitos de
diferentes técnicas de administração nasal não foram analisados. Por exemplo,
glicocorticoides intranasais são mais eficazes se administrados na postura de
Moffett (cabeça na posição invertida, como por sobre a beira da cama com a
ponte do nariz perpendicular ao chão). Após traumatismo craniano, um teste
inicial de glicocorticoides poderá ajudar a reduzir o edema local e a deposição
deletéria de tecido cicatrizante em torno dos filamentos olfatórios ao nível da
placa cribiforme.
Os tratamentos são limitados para pacientes com perda quimiossensorial ou
lesão primária das vias neurais. Apesar disso, a recuperação espontânea poderá
ocorrer. Em um estudo de acompanhamento de 542 pacientes que se
apresentaram ao nosso departamento com perda olfatória por uma variedade de
causas, ocorreu uma melhora modesta em um período de tempo médio de 4 anos
em aproximadamente metade dos participantes. Entretanto, apenas 11% dos
pacientes anósmicos e 23% dos hipósmicos recuperaram a função normal
compatível com a idade. É interessante mencionar que o grau de disfunção
presente no momento da apresentação, e não a etiologia, representou a melhor
indicação prognóstica. Outros preditores foram a idade e a duração da disfunção
anterior à avaliação inicial.
Vários estudos relataram que pacientes com hiposmia podem se beneficiar
da aspiração repetida de odores ao longo de semanas ou meses. O paradigma
habitual é aspirar odores como como eucaliptol, citronela, eugenol (cravo) e
álcool feniletílico antes de ir deitar e imediatamente ao acordar todos os dias. A
razão para tal estratégia vem de estudos com animais que demonstram que a
exposição prolongada aos odores pode induzir atividade neural aumentada no
interior do bulbo olfatório. Também há evidências limitadas de que o ácido α-
lipoico (400 mg/dia), um cofator essencial para vários complexos enzimáticos
com possíveis efeitos antioxidantes, pode ser benéfico na atenuação da perda
olfatória após infecção viral do trato respiratório superior. Porém, há necessidade
de estudos duplo-cegos para confirmar esta observação. O ácido α-lipoico
também foi sugerido como útil em alguns casos de hipogeusia e síndrome da
boca ardente.
O uso de zinco e vitamina A no tratamento de distúrbios olfatórios é
controverso, e não parece ocorrer benefício a não ser para a reposição de
deficiências estabelecidas. Entretanto, tem sido demonstrado que o zinco
melhora a função do paladar secundária às deficiências hepáticas, e os retinoides
(derivados da vitamina A bioativa) são conhecidos por desempenhar um papel
essencial na sobrevida de neurônios olfatórios. Um protocolo, no qual o zinco foi
infundido em tratamentos quimioterápicos, sugeriu um possível efeito protetor
contra o desenvolvimento de disfunção do paladar. Doenças do trato alimentar
podem não apenas influenciar a função quimiorreceptiva, como também
influenciar ocasionalmente a absorção de vitamina B12. Esse fato pode levar a
uma deficiência relativa de vitamina B12, contribuindo teoricamente para o
distúrbio do nervo olfatório. Suplementos de vitamina B2 (riboflavina) e
magnésio são considerados na literatura alternativa como adjuvantes no controle
de enxaquecas que, por sua vez, podem estar associadas à disfunção olfatória.
Como a deficiência de vitamina D representa um cofator da toxicidade
mucocutânea e disgeusia induzidas pela quimioterapia, a adição de vitamina D3,
1.000-2.000 unidades por dia, poderá beneficiar alguns pacientes com queixas
olfatórias e gustatórias durante ou após a quimioterapia.
Diversos medicamentos têm sido citados como bem-sucedidos na melhora
de sintomas olfatórios, embora, em geral, faltem evidências científicas fortes de
sua eficácia. Um registro de que a teofilina melhorou a função olfatória não foi
controlado e não considerou a ocorrência de alguma melhora significativa sem
tratamento; na verdade, a porcentagem de respostas foi aproximadamente a
mesma (cerca de 50%) do que a observada por outros para mostrar a melhora
espontânea durante um período de tempo semelhante. Antiepilépticos e alguns
antidepressivos (p. ex., amitriptilina) têm sido utilizados no tratamento de
disosmias e distorções olfatórias, particularmente após traumatismo craniano.
Ironicamente, a amitriptilina também aparece com frequência na lista de
medicamentos que podem distorcer os sentidos do olfato e do paladar,
possivelmente devido a seus efeitos anticolinérgicos. Um estudo sugeriu que o
inibidor de acetilcolinesterase de ação central donepezila na DA resultou em
aumento das medidas de identificação olfatórias que se correlacionam com
impressões médicas globais nos registros de gravidade da demência.
Terapias alternativas, como acupuntura, meditação, terapia cognitivo-
comportamental e ioga, podem auxiliar os pacientes a controlar experiências
desconfortáveis associadas ao distúrbio quimiossensitivo e às síndromes de dor
oral e a lidar com os estresses psicossociais em torno do comprometimento.
Além disso, a modificação da dieta e dos hábitos alimentares também é
importante. Acentuando-se outras experiências sensoriais de uma refeição, tais
como a textura, aroma, temperatura e cor do alimento, pode-se otimizar a
experiência global da alimentação para um paciente. Em alguns casos, um
acentuador de sabor, como o glutamato monossódico (GMS), pode ser
adicionado aos alimentos para aumentar a palatabilidade e estimular a ingesta.
A higiene nasal e oral adequada e o tratamento dentário rotineiro são formas
extremamente importantes para que os pacientes se protejam dos distúrbios da
boca e do nariz que possam levar, em última análise, aos distúrbios
quimiossensitivos. Os pacientes deverão ser aconselhados a não compensar sua
perda de paladar pela adição de quantidades excessivas de açúcar ou sal. O ato
de parar de fumar e a interrupção do uso oral de tabaco são essenciais no
tratamento de qualquer paciente com distúrbio olfatório e/ou gustatório e
deverão ser repetidamente enfatizados.
Um elemento terapêutico importante e geralmente negligenciado vem do
próprio teste quimiossensorial. A confirmação ou a falta de confirmação com a
perda é benéfica aos pacientes que se apresentam com a crença, à luz de
membros da família e profissionais de saúde não capacitados, de que podem
estar “loucos”. Nos casos em que a perda é menor, os pacientes podem ser
informados da probabilidade de um prognóstico mais positivo. É importante
mencionar que testes quantitativos localizam o problema do paciente na
perspectiva geral. Portanto, em geral é terapêutico para um idoso saber que,
embora sua função olfatória não seja a mesma que costumava ser, ainda se situa
acima da média do seu grupo. Sem a realização dos testes, muitos desses
pacientes simplesmente recebem a informação de que estão ficando mais velhos
e de que nada pode ser feito por eles, levando, em alguns casos, à depressão e à
redução da autoestima.
LEITURAS ADICIONAIS
Devanand DP et al: Olfactory identification deficits are associated with increased
mortality in a multiethnic urban community. Ann Neurol 78:401, 2015.
Doty RL: Olfaction in Parkinson’s disease and related disorders. Neurobiol Dis
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Doty RL: Neurotoxic exposure and alterations in olfaction and gustation.
Handbook Clin Neurol 131:299, 2015.
Doty RL (ed): Handbook of Olfaction and Gustation, 3rd ed. Hoboken, Wiley-
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cognitive function in the menopause. Neurobiol Aging 36:2053, 2015.
Doty RL et al: Taste function in early stage treated and untreated Parkinson’s
disease. J Neurol 262:547, 2015.
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review. Chem Senses 41:479, 2016.
Liu G et al: Prevalence and risk factors of taste and smell impairment in a
nationwide sample of the US population: A cross-sectional study. BMJ
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London B et al: Predictors of prognosis in patients with olfactory disturbance.
Ann Neurol 63:159, 2008.
Pekala K et al: Efficacy of olfactory training in patients with olfactory loss: A
systematic review and meta-analysis. Int Forum Allergy Rhinol 6:299,
2016.
Perricone C et al: Smell and autoimmunity: A comprehensive review. Clin Rev
Allergy Immunol 45:87, 2013.
30
Distúrbios da audição
Anil K. Lalwani
FIGURA 30-1 Anatomia da orelha. A. Ilustração de um corte coronal modificado passando pela orelha
externa e pelo osso temporal, com demonstração das estruturas das orelhas média e interna. B. Visão
ampliada em alta resolução da orelha interna.
DISTÚRBIOS DA AUDIÇÃO
A perda auditiva pode ser causada por anormalidades do pavilhão auricular, do
canal auditivo externo, da orelha média ou interna ou das vias auditivas centrais
(Fig. 30-2). Em geral, as lesões do pavilhão auricular, do canal auditivo externo
ou da orelha média – que impedem a transmissão do som do ambiente externo
para a orelha interna – causam perdas de audição condutiva, enquanto as lesões
que bloqueiam a mecanotransdução na orelha interna ou a transmissão do sinal
elétrico pelo oitavo nervo craniano ao cérebro causam perda da audição
neurossensorial.
FIGURA 30-2 Algoritmo para avaliação da perda auditiva. AVC, acidente vascular cerebral; OMA,
otite média aguda; RAET, resposta auditiva evocada do tronco encefálico; SNC, sistema nervoso central;
PA, perda auditiva; PANS, perda auditiva neurossensorial; OMS, otite média serosa; MT, membrana
timpânica; RM, ressonância magnética. *Tomografia computadorizada do osso temporal. †Ressonância
magnética.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Distúrbios da audição
O objetivo da avaliação do paciente com queixas auditivas é determinar (1) o
tipo de deficiência auditiva (condutiva vs. neurossensorial vs. mista); (2) a
gravidade do déficit (leve, moderado, grave ou profundo); (3) a correlação
anatômica da disfunção (orelhas externa, média ou interna ou vias auditivas
centrais); e (4) a etiologia. Deve ser determinada a presença de sinais e
sintomas associados com perda auditiva (Tab. 30-3). A história deve elucidar
as características da perda auditiva, inclusive a duração da surdez, o
acometimento unilateral ou bilateral, o tipo de início (súbito vs. insidioso) e a
taxa de progressão (rápida vs. lenta). Os sinais e sintomas como zumbido,
vertigem, desequilíbrio, sensação de plenitude auricular, otorreia, cefaleia,
disfunção do nervo facial e parestesias no pescoço e na cabeça devem ser
avaliados. As informações sobre traumatismo de crânio, exposição às
ototoxinas, exposições ocupacionais ou recreativas aos ruídos e história
familiar de perda auditiva também podem ser importantes. A perda auditiva
unilateral de início súbito, com ou sem zumbido, pode ser provocada por
uma infecção viral da orelha interna, por schwannoma vestibular ou por um
AVC. Os pacientes com perda auditiva unilateral (neurossensorial ou
condutiva) geralmente se queixam de audição reduzida, dificuldade de
localizar os sons e dificuldade de ouvir claramente na presença de ruído de
fundo. A progressão gradativa do déficit auditivo é comum com a
otosclerose, a surdez induzida pela exposição a ruídos, o schwannoma
vestibular e a doença de Ménière. Os schwannomas vestibulares pequenos
geralmente se evidenciam por disfunção auditiva assimétrica, zumbido e
distúrbios do equilíbrio (raramente com vertigem); a neuropatia craniana,
principalmente com acometimento dos nervos trigêmeo ou facial, pode estar
associada aos tumores mais volumosos. Além da perda auditiva, a doença de
Ménière pode estar associada à vertigem transitória, ao zumbido e à sensação
de plenitude auricular. Perda auditiva com otorreia é causada mais
provavelmente por otite média crônica ou colesteatoma.
TRATAMENTO
Distúrbios da audição
Em geral, as perdas de audição condutiva são passíveis de correção cirúrgica, enquanto os déficits
neurossensoriais são manejados clinicamente. A atresia do canal auditivo pode ser reparada cirurgicamente,
em geral com melhora significativa da audição. De modo alternativo, a perda de audição condutiva
associada com atresia pode ser tratada com um aparelho auditivo ancorado no osso (AAAO). As
perfurações da membrana timpânica associadas à otite média crônica ou aos traumatismos podem ser
reparadas pela timpanoplastia ambulatorial. Do mesmo modo, a perda auditiva condutiva associada à
otosclerose pode ser tratada por estapedectomia, que é bem-sucedida em > 95% dos casos. Os tubos de
timpanostomia possibilitam a recuperação imediata da audição normal nos indivíduos com efusões da
orelha média. Os aparelhos auditivos são eficazes e bem tolerados pelos pacientes com perdas de audição
condutiva.
Os pacientes com perdas auditivas neurossensoriais leves, moderadas e graves geralmente são
reabilitados com aparelhos auditivos com configurações e potências variáveis. Os aparelhos auditivos foram
aprimorados para assegurar maior fidelidade e foram miniaturizados. A geração atual de aparelhos auditivos
pode ser colocada inteiramente dentro do canal auditivo e, dessa forma, atenua quaisquer estigmas
associados à sua utilização. Em geral, quanto maior a gravidade do déficit auditivo, maiores serão as
dimensões do aparelho auditivo necessário à recuperação da audição. Os aparelhos auditivos digitais podem
ser programados individualmente, e os microfones múltiplos e direcionais posicionados no nível da orelha
podem ser úteis em ambientes ruidosos. Como todos os aparelhos auditivos amplificam o ruído e a fala, a
única solução definitiva para o problema dos ruídos é colocar o microfone mais perto da pessoa que fala
que da fonte dos ruídos. Essa adaptação não é possível com os aparelhos compactos esteticamente mais
aceitáveis. Uma limitação significativa da reabilitação com aparelho auditivo é que, embora o dispositivo
possa aumentar a detecção dos sons amplificados, ele não consegue recuperar a clareza da audição que foi
perdida com a presbiacusia.
O custo de um único aparelho auditivo (cerca de 2.300 dólares) é um obstáculo significativo para
muitas pessoas com perda auditiva e, em geral, costuma ser recomendada a amplificação bilateral. Para
reduzir o custo e incentivar a inovação, existem tentativas de criar uma nova categoria de aparelhos
auditivos “básicos” que poderiam ser vendidos sem prescrição médica, da mesma maneira que alguns
óculos ou lentes de contato. Ao reduzir o custo de aparelhos auditivos para os consumidores, promovendo a
inovação e aumentando a competição, essa nova classe de dispositivos poderia mudar fundamentalmente a
maneira como é oferecida a reabilitação auditiva.
Os pacientes com surdez unilateral têm dificuldade de localizar os sons e perdem a clareza da audição
nos ambientes ruidosos. Esses indivíduos podem se beneficiar de um aparelho auditivo de direcionamento
contralateral do sinal (CROS, de contralateral routing of signals), no qual um microfone é colocado no lado
do déficit auditivo e o som é transmitido ao receptor colocado na orelha contralateral. O mesmo resultado
pode ser conseguido com um AAAO, no qual o dispositivo é fixado a um parafuso integrado ao osso do
crânio no mesmo lado afetado. Assim como ocorre com o aparelho auditivo de CROS, o AAAO transfere o
sinal acústico para a orelha contralateral preservada, mas isso é obtido por meio de vibrações do crânio. Os
pacientes com surdez profunda unilateral e alguma perda auditiva na orelha melhor são candidatos ao
aparelho auditivo BI-CROS; esse dispositivo difere do aparelho auditivo de CROS porque o paciente utiliza
um aparelho auditivo (não apenas um receptor) na orelha que está melhor. Infelizmente, apesar dos
dispositivos CROS e AAAO fornecerem benefícios, eles não restauram a audição na orelha surda. Apenas
os implantes cocleares podem restaurar a audição (ver adiante). Os implantes cocleares estão sendo cada
vez mais investigados para o tratamento de pacientes com surdez unilateral; os relatos iniciais se mostram
muito promissores não apenas para a restauração da audição e redução do zumbido, mas também para
melhorar a localização do som e o desempenho em ambientes ruidosos.
Em muitas situações, inclusive palestras e cinema, os pacientes com déficits auditivos podem ser
beneficiados pelos dispositivos auxiliares baseados no princípio de colocar o indivíduo que fala mais perto
do microfone que de qualquer outra fonte de ruído. Entre esses dispositivos auxiliares estão os
transmissores infravermelhos e de frequência modulada (FM) e também um circuito eletromagnético
posicionado ao redor da sala para transmissão ao aparelho auditivo do paciente. Os aparelhos auditivos com
telespirais também podem ser utilizados em telefones adequadamente equipados da mesma forma.
Nos casos em que o aparelho auditivo não possibilita reabilitação satisfatória, os implantes cocleares
podem ser apropriados (Fig. 30-4). Entre os critérios para implantação estão perdas auditivas profundas
com reconhecimento de frases abertas ≤ 40% nas melhores condições facilitadas. No mundo todo, mais de
600 mil pessoas com deficiência auditiva já receberam implantes cocleares. Esses implantes são próteses
neurais que convertem a energia sonora em energia elétrica e podem ser utilizados para estimular
diretamente o ramo auditivo do oitavo nervo craniano. Na maioria dos casos de perda auditiva profunda, as
células ciliadas auditivas foram perdidas, mas as células ganglionares do ramo auditivo do oitavo nervo
estão preservadas. Os implantes cocleares consistem em eletrodos inseridos na cóclea por meio da janela
redonda, em processadores da fala que extraem os elementos acústicos da fala para conversão em correntes
elétricas e em um meio de transmissão da energia elétrica pela pele. Os pacientes com implantes percebem
o som e isso facilita a leitura labial, possibilita o reconhecimento de palavras e ajuda a modular a própria
voz da pessoa. Em geral, nos primeiros 3 a 6 meses após a implantação, os pacientes adultos conseguem
entender a fala sem estímulos visuais. Com a geração atual dos implantes cocleares multicanais, cerca de
75% dos pacientes conseguem conversar ao telefone. Os implantes cocleares bilaterais estão sendo cada vez
mais realizados, especialmente em crianças; esses pacientes têm melhor desempenho em ambientes
ruidosos, localizam melhor o som e têm menos fadiga pelo “trabalho” em comparação com a audição
monaural.
O primeiro implante coclear híbrido para o tratamento de perda auditiva de altas frequências já foi
aprovado pela Food and Drug Administration. Os pacientes com presbiacusia geralmente têm audição
normal para as baixas frequências, apesar de sofrerem pela perda auditiva para altas frequências associada a
falta de clareza, que nem sempre pode ser adequadamente recuperada com aparelhos auditivos. Porém,
esses pacientes não são candidatos a implantes cocleares convencionais, pois apresentam muita audição
residual. O implante híbrido foi especificamente desenvolvido para essa população de pacientes; ele tem um
eletrodo mais curto que o implante coclear convencional e pode ser introduzido na cóclea sem trauma,
preservando, assim, a audição das baixas frequências. As pessoas com implante híbrido utilizam sua própria
audição “acústica” natural para baixas frequências e utilizam o implante para providenciar a audição
“elétrica” das frequências altas. Os pacientes que receberam implantes híbridos se saem melhor nos testes
de discriminação da fala tanto em ambientes silenciosos como nos ruidosos.
Para os pacientes que tiveram seus oitavos nervos destruídos por traumatismo ou schwannomas
vestibulares bilaterais (p. ex., neurofibromatose tipo 2), os implantes auditivos do tronco encefálico
posicionados perto do núcleo coclear podem permitir a reabilitação auditiva. Atualmente, implantes no
tronco encefálico oferecem percepção sonora, mas, infelizmente, a compreensão da fala ainda não foi
alcançada.
Em muitos casos, o zumbido está associado à perda auditiva. Assim como ocorre com o ruído de
fundo, o zumbido pode dificultar a compreensão da fala dos indivíduos com déficit auditivo. Os pacientes
com zumbido devem ser aconselhados a minimizar a ingestão de cafeína, evitar altas doses de anti-
inflamatórios não esteroides (AINEs) e reduzir o estresse. Em geral, o tratamento do zumbido tem como
objetivo atenuar sua percepção pelo paciente. Pode-se aliviar o zumbido pela atenuação com uma música de
fundo. Os aparelhos auditivos também ajudam a suprimir o zumbido, assim como os dissimuladores de
zumbido, que apresentam um som à orelha afetada, que é mais agradável de ouvir que o zumbido. A
utilização do dissimulador de zumbido geralmente suprime sua percepção por várias horas. Alguns estudos
demonstraram que os antidepressivos são eficazes para ajudar os pacientes a lidarem com o zumbido.
Os indivíduos com dificuldade auditiva frequentemente melhoram com a atenuação dos ruídos
desnecessários do ambiente (p. ex., rádio ou televisão) para melhorar a relação sinal-ruído. A compreensão
da fala é facilitada pela leitura labial; por essa razão, o deficiente auditivo deve sentar-se de forma que a
face da pessoa que fala fique bem iluminada e facilmente visível. Embora a fala deva ser modulada em voz
alta e clara, deve-se estar ciente de que, com as perdas auditivas neurossensoriais em geral e nas pessoas
idosas com dificuldade auditiva em particular, o recrutamento (percepção anormal dos sons altos) pode ser
problemático. Acima de tudo, a comunicação ideal não pode ocorrer sem que as duas partes dediquem sua
atenção plena e exclusiva.
PREVENÇÃO
As perdas de audição condutiva podem ser evitadas pelo tratamento imediato da
OMA com antibiótico por um tempo suficiente e por ventilação da orelha média
com tubos de timpanostomia se houver efusão da orelha média há ≥ 12 semanas.
A perda da função vestibular e a surdez, causadas pelos aminoglicosídeos,
podem ser praticamente evitadas pela monitoração cuidadosa dos níveis séricos
máximos e mínimos.
Cerca de 10 milhões de americanos têm déficits auditivos induzidos pela
exposição aos ruídos e 20 milhões ficam expostos a níveis perigosos em seus
ambientes de trabalho. A perda auditiva induzida por ruídos pode ser evitada por
meio da prevenção da exposição aos ruídos intensos ou pela utilização habitual
de tampões de orelha ou abafadores auditivos cheios de líquidos para atenuar a
intensidade do som. A Tabela 30-4 lista os níveis de sonoridade para vários sons
ambientais. Entre as atividades de alto risco para perda auditiva induzida por
ruídos estão os trabalhos com equipamentos elétricos para madeira e metal e a
prática de tiro ao alvo e caça com armas de pequeno porte. Todos os
equipamentos de combustão interna e elétricos, inclusive sopradores de neve e
folhas, veículos de neve, motores de popa e serras circulares, exigem proteção
do usuário com protetores auditivos. Quase todas as perdas auditivas induzidas
por ruídos são evitáveis pela educação, que deve começar antes da adolescência.
Os programas industriais de preservação da audição são exigidos pela
Occupational Safety and Health Administration (OSHA) quando há exposição
média a 85 dB por um período de 8 horas. A OSHA exige que os trabalhadores
que atuam nesses ambientes ruidosos façam a monitoração da audição e
participem dos programas de proteção, que inclui um rastreamento pré-
admissional, exames audiológicos anuais e uso obrigatório de protetores
auriculares. A exposição a ruídos intensos acima de 85 dB no ambiente de
trabalho é proibida pela OSHA, com redução à metade do tempo de exposição
permitido para cada aumento de 5 dB acima desse limiar; por exemplo, a
exposição a 90 dB é permitida por 8 horas; a 95 dB, por 4 horas; e a 100 dB, por
2 horas (Tab. 30-5).
TABELA 30-5 ■ Exposição diária permitida conforme nível de ruído pela OSHAa
Nível do som (dB) Duração diária (h)
90 8
92 6
95 4
97 3
100 2
102 1,5
105 1
110 0,5
115 ≤ 0,25
Nota: A exposição a ruídos de impulsão ou impacto não deve exceder um nível de pressão sonora de pico de 140 dB.
Fonte: De https://www.osha.gov/pls/oshaweb/owadisp.show_document?p_table=standards&p_id=9735.
LEITURAS ADICIONAIS
Espinosa-Sanchez JM, Lopez-Escamez JA: Menière’s disease. Handb Clin
Neurol 137:257, 2016.
Moser T, Starr A: Auditory neuropathy—neural and synaptic mechanisms. Nat
Rev Neurol 12:135, 2016.
Patel M et al: Intratympanic methylprednisolone versus gentamicin in patients
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Tikka C et al: Interventions to prevent occupational noise-induced hearing loss.
Cochrane Database Syst Rev 7:CD006396, 2017.
Wilson BS et al: Global hearing health care: New findings and perspectives.
Lancet 390:2503, 2017.
31
Dor de garganta, dor de ouvido e sintomas do
trato respiratório superior
Michael A. Rubin, Larry C. Ford, Ralph Gonzales
ETIOLOGIA
A grande variedade de classificações das ITRSs pode ser explicada pela
multiplicidade de agentes causadores e pela variedade de manifestações
causadas pelos patógenos comuns. Quase todas as ITRSs inespecíficas são
causadas por vírus, que podem ser de diferentes famílias e de muitos tipos
antigênicos. Por exemplo, há pelo menos 100 imunotipos de rinovírus (Cap. 194
), a causa mais comum de ITRS (cerca de 30-40% dos casos); entre as demais
causas estão vírus influenza (três imunotipos; Cap. 195), vírus parainfluenza
(quatro imunotipos), coronavírus (no mínimo três imunotipos) e adenovírus (47
imunotipos) (Cap. 194). O vírus sincicial respiratório (VSR), um patógeno bem
reconhecido na população pediátrica, também é uma causa bem identificada de
doenças importantes nos idosos e nos indivíduos imunocomprometidos. Diversas
outras viroses, incluindo algumas não associadas às ITRSs (p. ex., enterovírus,
vírus da rubéola e vírus varicela-zóster) respondem por uma pequena
porcentagem de casos em adultos a cada ano. Embora novas modalidades
diagnósticas (p. ex., swab de nasofaringe para reação em cadeia da polimerase
[PCR]) possam determinar a etiologia viral, há poucas opções específicas de
tratamento, e, em uma proporção substancial de casos, não se identifica qualquer
patógeno. Em adultos saudáveis em outros aspectos, geralmente não há
necessidade de se proceder a uma investigação específica para além do
diagnóstico clínico.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Os sinais e sintomas das ITRSs inespecíficas são semelhantes aos das outras
ITRSs, mas sem que haja indícios que permitam determinar uma localização
anatômica específica, como seios paranasais, faringe ou vias aéreas inferiores.
Uma ITRS inespecífica geralmente se apresenta como uma síndrome catarral
aguda, leve e autolimitada, com duração média de 1 semana (variando entre 2-10
dias). Os sinais e sintomas são diversos e frequentemente variam entre os
pacientes, mesmo quando causados pelo mesmo vírus. Os principais sinais e
sintomas das ITRSs inespecíficas são rinorreia (purulenta ou não), congestão
nasal, tosse e dor de garganta. Outras manifestações, como febre, mal-estar,
espirros, linfadenopatia e rouquidão, são mais variáveis, sendo a febre mais
comum em crianças pequenas e lactentes. Essa variedade de apresentações
talvez reflita diferenças na resposta do hospedeiro assim como do organismo
infectante; por exemplo, mialgia e fadiga podem ocorrer nas infecções por
influenza e parainfluenza, enquanto a conjuntivite sugere infecção por
adenovírus ou enterovírus. A tosse secundária à inflamação do trato respiratório
superior após uma doença como essa costuma durar 2 a 3 semanas e pode ser
erroneamente interpretada como indicação de um processo que necessita de
terapia antibiótica. Ao exame físico, os achados com frequência são
inespecíficos e banais. As infecções bacterianas secundárias (p. ex.,
rinossinusite, otite média e pneumonia) complicam 0,5 a 2% dos resfriados,
sobretudo nas populações com risco elevado, como lactentes, idosos e pacientes
cronicamente enfermos ou imunossuprimidos. As infecções bacterianas
secundárias geralmente estão associadas a uma evolução prolongada da doença,
maior gravidade do quadro e localização dos sinais e sintomas, frequentemente
na forma de rebote após melhora clínica inicial (sinal da “dupla queda”). As
secreções purulentas oriundas das narinas ou da garganta com frequência são
mal interpretadas como indícios de rinossinusite ou faringite bacterianas. No
entanto, essas secreções também ocorrem nas ITRSs inespecíficas, razão pela
qual, na ausência de outros achados clínicos, não são boas indicadoras de
infecção bacteriana.
TRATAMENTO
Infecções inespecíficas do trato respiratório superior
Os antibióticos não são indicados no tratamento das ITRSs inespecíficas, e o seu mau uso facilita o
surgimento de resistência aos antimicrobianos; em voluntários saudáveis, um único curso de um antibiótico
comumente usado, como a azitromicina, pode causar resistência aos macrolídeos entre os estreptococos
orais muitos meses mais tarde. Na ausência de evidências clínicas de infecção bacteriana, o tratamento deve
ser apenas sintomático, com o uso de descongestionantes e anti-inflamatórios não esteroides. Os ensaios
clínicos feitos com zinco, vitamina C, equinácea e outros remédios alternativos não demonstraram qualquer
benefício consistente no tratamento das ITRSs inespecíficas.
INFECÇÕES DOS SEIOS PARANASAIS
O termo rinossinusite refere-se ao quadro inflamatório que envolve os seios
paranasais. Embora na maioria dos casos de rinossinusite haja comprometimento
de mais de um seio paranasal, o seio maxilar é o mais afetado, seguido, em
ordem de frequência, pelos seios etmoidais, frontais e esfenoidais. Todos os
seios paranasais são revestidos por epitélio respiratório produtor de muco; esse
muco é transportado pela ação ciliar, através do óstio sinusal, para dentro da
cavidade nasal. Normalmente, o muco não se acumula nos seios, que
permanecem praticamente estéreis apesar da proximidade com as vias aéreas
nasais, que contêm bactérias. A obstrução dos óstios dos seios, ou a deficiência
parcial ou total do movimento ciliar, pode resultar na retenção de secreções, o
que desencadeia os sinais e sintomas típicos de rinossinusite. O acúmulo das
secreções com a obstrução as torna mais suscetíveis à infecção por diversos
patógenos, incluindo vírus, bactérias e, raramente, fungos. A rinossinusite afeta
grande parte da população, é responsável por milhões de consultas a médicos da
atenção primária todos os anos, sendo o quinto diagnóstico mais comum a
justificar a prescrição de antibióticos. Normalmente, é classificada segundo a
duração da doença (aguda vs. crônica); a etiologia (infecciosa vs. não
infecciosa); e, quando infecciosa, segundo o tipo de patógeno implicado (viral,
bacteriana ou fúngica).
RINOSSINUSITE AGUDA
As rinossinusites agudas – definidas como aquelas com duração < 4 semanas –
representam a grande maioria dos casos. A maior parte dos diagnósticos é feita
em ambulatório, e a doença ocorre principalmente como consequência de uma
ITRS viral precedente. A distinção entre rinossinusite aguda bacteriana e viral
com base apenas nos achados clínicos é difícil. Não surpreende, portanto, que se
prescrevam antibióticos com tanta frequência (85-98% dos casos) para essa
doença.
TABELA 31-1 ■ Diretrizes para diagnóstico e tratamento da rinossinusite bacteriana aguda em adultos
Critérios diagnósticos Recomendações terapêuticasa
Tratamento inicial:
Sintomas moderados (p. ex., purulência/congestão nasal ou Amoxicilina/clavulanato, 500/125 mg, VO, 3×/dia, ou 875/125 mg, VO,
tosse) por > 10 dias ou 2×/diab
Sintomas intensos de qualquer duração, incluindo edema facial Alergia à penicilina:
unilateral/focal ou dor de dente Doxiciclina (100 mg, VO, 2×/dia); ou
Uma fluoroquinolona antipneumocócica (p. ex., moxifloxacino, 400 mg,
VO, 1×/dia)
Exposição a antibióticos nos últimos 30 dias ou prevalência de S.
pneumoniae resistente à penicilina > 30%:
Amoxicilina/clavulanato (liberação prolongada), 2.000/125 mg, VO,
2×/dia; ou
Doxiciclina 100 mg, VO, 2×/dia; ou
Fluoroquinolona antipneumocócica (p. ex., moxifloxacino, 400 mg, VO,
1×/dia)c
Fracasso terapêutico recente:
Amoxicilina/clavulanato (liberação prolongada), 2.000 mg, VO, 2×/dia;
ou
Uma fluoroquinolona antipneumocócica (p. ex., moxifloxacino, 400 mg,
VO, 1×/dia)c
aA duração do tratamento é de 5-7 dias se os sintomas melhorarem nos primeiros dias de tratamento, mas pode ser de até 7-10 dias, com
acompanhamento adequado. Nos casos de doença grave, deve-se indicar antibioticoterapia IV e admissão hospitalar. bEm regiões com baixa
prevalência de resistência aos antibióticos, a amoxicilina pode ser considerada como terapia inicial em pacientes sem exposição recente a
antibióticos. cFluoroquinolonas têm risco de tendinite e neuropatia, devendo ser usadas apenas se não houver outras opções razoáveis,
considerando os riscos e benefícios.
TRATAMENTO
Rinossinusite aguda
A maioria dos pacientes com diagnóstico clínico de rinossinusite aguda melhora sem antibióticos. A
conduta inicial nos pacientes com sintomas leves a moderados de curta duração deve ser o tratamento para
aliviar os sintomas e facilitar a drenagem dos seios paranasais, como uso de descongestionantes tópicos e
orais, lavagem nasal com solução salina e – ao menos nos pacientes com antecedentes de rinossinusite
crônica ou de alergias – glicocorticoides nasais. Estudos recentes colocaram em dúvida o papel dos
antibióticos e dos glicocorticoides nasais no tratamento da rinossinusite aguda. Em um ensaio clínico duplo-
cego, randomizado, controlado com placebo, nem os antibióticos nem os glicocorticoides tópicos
produziram impacto significativo sobre a cura na população estudada, cuja maioria apresentava sintomas
por < 7 dias. De forma semelhante, em outro estudo randomizado bem conduzido comparando antibióticos
e placebo em pacientes com rinossinusite aguda, não se demonstrou melhora significativa dos sintomas no
terceiro dia de tratamento. Ainda assim, pode-se considerar antibioticoterapia para pacientes adultos que
não apresentem melhoras após 10 a 14 dias, e qualquer paciente com sintomas mais graves
(independentemente da duração) deve ser tratado com antibiótico (Tab. 31-1). Entretanto, a conduta
expectante atenta continua sendo uma opção viável em muitos casos.
A antibioticoterapia empírica para adultos com rinossinusite adquirida na comunidade deve ser feita
com o agente de espectro mais estreito a cobrir os patógenos bacterianos mais comuns, incluindo S.
pneumoniae e H. influenzae – por exemplo, amoxicilina/clavulanato (sendo que a decisão deve ser
orientada pelas taxas locais de H. influenzae produtor de β-lactamase). Não há dados de ensaios clínicos que
corroborem o uso de agentes de espectro mais amplo em casos rotineiros de rinossinusite bacteriana,
mesmo nos dias atuais em que enfrentamos o S. pneumoniae com resistência farmacológica. Para os
pacientes que não responderem à antibioticoterapia inicial, deve-se considerar a possibilidade de aspiração
e/ou de lavagem dos seios paranasais por um otorrinolaringologista. Não se recomenda o uso profilático de
antibióticos para a prevenção de recorrências de rinossinusite bacteriana aguda.
A intervenção cirúrgica e a administração por via intravenosa de antibióticos geralmente são
reservadas aos pacientes com doença grave ou com complicações intracranianas, como abscessos ou
acometimento da órbita. Os pacientes imunocomprometidos com rinossinusite fúngica invasiva aguda em
geral necessitam de desbridamento cirúrgico extenso e de tratamento com antifúngicos IV ativos contra
hifas, como a anfotericina B. Deve-se individualizar o tratamento específico de acordo com a espécie
fúngica, suas suscetibilidades e as características individuais do paciente.
O tratamento da rinossinusite hospitalar deve começar com antibióticos de amplo espectro ativos
contra patógenos comuns e frequentemente resistentes, como o S. aureus e os bacilos Gram-negativos. Em
seguida, deve-se modificar o tratamento de acordo com os resultados da cultura e do teste de sensibilidade
dos aspirados dos seios paranasais.
RINOSSINUSITE CRÔNICA
A rinossinusite crônica é caracterizada por sintomas de inflamação sinusal com
duração > 12 semanas. A doença está mais comumente associada a bactérias ou
fungos, e, na maioria dos casos, é muito difícil obter a cura clínica. Muitos
desses pacientes já receberam várias prescrições de antibióticos e tiveram os
seios paranasais operados diversas vezes, fatores que aumentam os riscos de
colonização por patógenos resistentes a antibióticos e complicações cirúrgicas.
Tais pacientes frequentemente apresentam taxas elevadas de morbidade, às vezes
durante vários anos.
Na rinossinusite bacteriana crônica, acredita-se que a infecção ocorra em
razão de alguma deficiência na depuração mucociliar causada por infecções
repetidas, e não de infecção bacteriana persistente. Porém, a patogênese dessa
doença é pouco compreendida. O papel de biofilmes nessas infecções crônicas
continua a ser explorado, incluindo a contribuição que patógenos de baixa
virulência podem ter nesse meio interativo complexo. Embora algumas doenças
(p. ex., fibrose cística) predisponham à rinossinusite bacteriana crônica, a
maioria dos pacientes com rinossinusite crônica não tem problemas subjacentes
que afetem a drenagem sinusal, inibam a ação ciliar ou a atividade imunológica.
Tais pacientes sofrem congestão nasal constante e pressão dos seios paranasais,
com períodos intermitentes de maior gravidade que podem persistir por anos. A
TC pode auxiliar definindo a extensão da doença, detectando algum defeito
anatômico subjacente ou algum processo obstrutivo (p. ex., um pólipo) e
avaliando a resposta ao tratamento. O tratamento deve envolver um
otorrinolaringologista para fazer exames endoscópicos e obter amostras de
tecido para exame histológico e cultura. A cultura de material obtido por
endoscopia não apenas tem índice elevado de positividade, mas também permite
a visualização direta das estruturas na busca por alguma anormalidade
anatômica.
A rinossinusite fúngica crônica é uma doença de pacientes
imunocompetentes e geralmente não é invasiva, embora seja possível haver
doença invasiva de progressão lenta. A doença não invasiva, que costuma estar
associada a fungos hialinos, como Aspergillus sp., ou a fungos dematiáceos,
como Curvularia sp. ou Bipolaris sp., pode se apresentar sob diversas formas.
Nos casos de doença leve e indolente, que geralmente ocorrem num contexto de
repetidos fracassos com tratamento antibacteriano, a TC mostra apenas
alterações inespecíficas da mucosa. Embora haja controvérsias sobre esse ponto,
a cirurgia endoscópica geralmente é curativa nesses casos, e não há necessidade
de tratamento antifúngico. Outra possível apresentação da doença é aquela com
sintomas arrastados, muitas vezes unilaterais, e opacificação de apenas um dos
seios paranasais nos exames de imagem, causada por um micetoma (bola
fúngica) dentro do seio paranasal. A conduta nesses casos também é cirúrgica,
embora possa ser usado tratamento antifúngico sistêmico nos raros casos em que
houver erosão óssea. Uma terceira forma da doença, também chamada
rinossinusite fúngica alérgica, ocorre nos pacientes com história de polipose
nasal e asma e que, muitas vezes, já foram submetidos a várias cirurgias dos
seios paranasais. Os pacientes com essa doença produzem um muco espesso,
repleto de eosinófilos, de consistência semelhante à da manteiga de amendoim,
contendo hifas fúngicas esparsas ao exame histológico. Esses pacientes muitas
vezes se apresentam com pansinusite.
TRATAMENTO
Rinossinusite crônica
O tratamento da rinossinusite bacteriana crônica pode ser desafiador e consiste primariamente em vários
ciclos de antibióticos com escolha orientada por teste de sensibilidade e duração de 3 a 4 semanas ou mais;
administração de glicocorticoides intranasais; e irrigação do seio paranasal com solução salina estéril.
Quando essa conduta falhar, deve-se considerar a indicação de cirurgia dos seios paranasais, procedimento
que propicia significativa melhora, ainda que transitória. O tratamento da rinossinusite fúngica crônica
consiste na remoção cirúrgica do muco impactado. Infelizmente, a recorrência é comum.
INFECÇÕES DA ORELHA E DA MASTOIDE
As infecções da orelha e das estruturas associadas podem acometer ambas as
orelhas média e externa, bem como pele, cartilagem, periósteo, canal auditivo,
cavidades timpânicas e mastoides. Tais infecções podem ser causadas por vírus
ou bactérias, acarretando morbidade significativa se não forem tratadas
corretamente.
Leve a > 2 anos ou entre 6 meses e 2 anos sem efusão na orelha média Apenas observação
moderada (retardando a
antibioticoterapia por 48-72
h com tratamento apenas
sintomático)
< 6 meses; ou Terapia inicial:a
6 meses a 2 anos com efusão na orelha média (presença de líquido na orelha média Amoxicilina, 80-90
evidenciada por redução na mobilidade da MT, pela presença de nível hidroaéreo atrás da mg/kg/dia (até 2 g), VO,
MT, por abaulamento da MT ou por otorreia purulenta) e instalação aguda dos sinais e fracionado em doses (2 ou
sintomas de inflamação na orelha média, incluindo febre, otalgia, diminuição da audição, 3×/dia); ou
zumbido, vertigem, eritema de MT; ou Cefdinir, 14 mg/kg/dia, VO,
> 2 anos com doença bilateral, perfuração de MT, febre alta, paciente imunocomprometido em 1 dose ou fracionados em
ou com vômitos 2 doses; ou
Cefuroxima, 30 mg/kg/dia,
VO, em 2 doses diárias; ou
Azitromicina, 10 mg/kg/dia,
VO, no dia 1, seguidos por 5
mg/kg/dia, VO, por mais 4
dias
Exposição a antibióticos nos
últimos 30 dias ou fracasso
terapêutico recentea,b:
Amoxicilina, 90 mg/kg/dia
(até 2 g), VO, fracionados
em 2 doses, mais
clavulanato, 6,4 mg/kg/dia,
VO, fracionados em 2 doses;
ou
Ceftriaxona, 50 mg/kg/dia,
IV/IM, durante 3 dias; ou
Clindamicina, 30-40
mg/kg/dia, VO, fracionados
em 3 doses
Grave Como anteriormente, com temperatura ≥ 39°C; ou otalgia moderada a grave Terapia inicial:a
Amoxicilina, 90 mg/kg/dia
(até 2 g), VO, fracionados
em 2 doses, mais
clavulanato, 6,4 mg/kg/dia,
VO, fracionados em 2 doses;
ou
Ceftriaxona, 50 mg/kg/dia,
IV/IM, durante 3 dias
Exposição a antibióticos nos
últimos 30 dias ou fracasso
terapêutico recentea,b:
Ceftriaxona, 50 mg/kg/dia,
IV/IM, durante 3 dias; ou
Clindamicina, 30-40
mg/kg/dia, VO, fracionados
em 3 doses; ou
Considerar timpanocentese
com cultura
aDuração (a não ser que tenha sido especificada): 10 dias para os pacientes < 6 anos e para aqueles com doença grave; 5-7 dias (com
possibilidade de apenas manter sob observação os indivíduos previamente saudáveis com doença leve) nos pacientes ≥ 6 anos. bAusência de
melhora e/ou piora clínica após 48-72 h de observação ou de tratamento.
Siglas: MT, membrana timpânica, VO, via oral; IV, intravenosa; IM, intramuscular.
Fonte: American Academy of Pediatrics Subcommittee on Management of Acute Otitis Media, 2004.
ETIOLOGIA A otite média aguda em geral sucede uma ITRS viral. Os vírus
causadores (sendo os mais comuns VSR, influenza, rinovírus e enterovírus)
também são capazes de causar otite média aguda. No entanto, é mais comum que
eles predisponham à otite média bacteriana. Estudos com timpanocentese
mostraram que o S. pneumoniae é a causa bacteriana mais importante, tendo sido
isolado em até 35% dos casos. O H. influenzae (cepas não tipáveis) e a M.
catarrhalis também são causas bacterianas comuns de otite média aguda,
havendo preocupação crescente com o MRSA como agente etiológico
emergente. Em 17 a 40% dos casos, encontram-se vírus, como os mencionados
anteriormente, isolados ou associados a bactérias.
TRATAMENTO
Otite média aguda
Tem havido muita discussão sobre a utilidade dos antibióticos no tratamento da otite média aguda. Uma
proporção maior de pacientes tratados encontra-se livre da doença 3 a 5 dias após o diagnóstico em
comparação com os não tratados. A dificuldade de predizer quais pacientes se beneficiarão com a
antibioticoterapia levou à adoção de abordagens diferentes. Na Holanda, por exemplo, os médicos
costumam inicialmente apenas observar a otite média aguda e administrar anti-inflamatórios de forma
intensiva para controlar a dor. Os antibióticos são reservados aos pacientes de alto risco, com complicações,
ou para os que não melhoram após 48 a 72 horas. Já nos Estados Unidos, muitos especialistas continuam a
recomendar antibioticoterapia para crianças < 6 meses em razão da maior frequência de complicações
secundárias nessa população jovem e funcionalmente imunocomprometida. Entretanto, atualmente, nos
Estados Unidos, recomenda-se observação sem antibioticoterapia para crianças com idade > 2 anos com
otite média aguda e para os casos leves a moderados sem secreção na orelha média em crianças entre 6
meses e 2 anos de idade. O tratamento normalmente está indicado para pacientes com < 6 meses de idade;
para crianças com idade entre 6 meses e 2 anos que se apresentem com secreção na orelha média e sinais ou
sintomas de inflamação da orelha média; para todos os pacientes > 2 anos que se apresentem com doença
bilateral, perfuração da MT, imunocomprometidos ou com vômitos; e para qualquer paciente que tenha
sintomas intensos, incluindo febre ≥ 39°C ou otalgia moderada a intensa (Tab. 31-2).
Considerando que a maioria dos estudos sobre os agentes etiológicos da otite média aguda descreve
perfis semelhantes de patógenos, o tratamento, em geral, é empírico, exceto nos poucos casos em que se
justifica a timpanocentese – por exemplo, otite refratária ao tratamento, pacientes gravemente enfermos ou
imunodeficientes. Apesar da resistência à penicilina e amoxicilina encontrada em cerca de 25% dos isolados
de S. pneumoniae, aproximadamente em 33% dos H. influenzae e em quase todos os isolados de M.
catarrhalis, os estudos clínicos continuam a indicar que a amoxicilina é tão eficaz quanto qualquer outro
agente, continuando a ser a primeira escolha nas recomendações de diversas fontes (Tab. 31-2). Em geral, o
tratamento da otite média não complicada dura 5 a 7 dias nos pacientes ≥ 6 anos. Tratamentos mais longos
(p. ex., 10 dias) devem ser reservados a pacientes imunocomprometidos ou com doença grave para os quais
o tratamento de curta duração pode ser insuficiente.
Recomenda-se troca de esquema se não houver melhora clínica no terceiro dia de tratamento em razão
da possibilidade de infecção por uma cepa de H. influenzae ou M. catarrhalis produtora de β-lactamase ou
por uma cepa de S. pneumoniae resistente à penicilina. Descongestionantes e anti-histamínicos são usados
frequentemente como agentes adjuvantes para reduzir a congestão e aliviar a obstrução da tuba de
Eustáquio, embora não haja ensaios clínicos demonstrando evidências significativas de que sejam
benéficos.
Otite média aguda recorrente A otite média aguda recorrente (mais de três
episódios em 6 meses ou quatro episódios em 12 meses) geralmente decorre de
reincidência ou reinfecção, embora os dados indiquem que a maioria das
recorrências precoces seja constituída de infecções novas. Os mesmos patógenos
responsáveis pela otite média aguda, em geral, causam a doença recorrente.
Mesmo assim, recomenda-se o tratamento com um antibiótico ativo contra
microrganismos produtores de β-lactamase. A profilaxia com antibióticos em
pacientes com otite média aguda recorrente (p. ex., com amoxicilina) pode
reduzir os episódios em pacientes com otite média aguda recorrente para uma
média de um por ano. Porém, esse benefício é pequeno diante do alto risco de
colonização por patógenos resistentes a antibióticos. Outras abordagens, como a
colocação de tubos de timpanostomia, adenoidectomia e tonsilectomia com
adenoidectomia, são de valor global duvidoso, considerando o benefício
relativamente pequeno em relação ao potencial de complicações.
Otite média serosa Na otite média serosa (otite média com efusão), há líquido
presente na orelha média por longo período sem sinais ou sintomas de infecção.
Em geral, as efusões agudas são autolimitadas; a maioria dos casos melhora em
2 a 4 semanas. No entanto, em alguns casos, e especialmente após um episódio
de otite média aguda, a efusão pode permanecer por meses. Essas efusões
crônicas causam perda auditiva significativa na orelha acometida. A grande
maioria dos casos de otite média com efusão melhora espontaneamente em 3
meses sem antibioticoterapia. Os antibióticos e a miringotomia com inserção de
tubo de timpanostomia são reservados aos pacientes nos quais a efusão bilateral
(1) tenha persistido por mais de 3 meses ou (2) esteja associada a perda auditiva
bilateral significativa. Estima-se que, com essa abordagem conservadora e com o
uso de critérios diagnósticos meticulosos para otite média aguda e otite média
com efusão, poderiam ser evitados 6 a 8 milhões de ciclos de antibióticos por
ano nos Estados Unidos.
Otite média crônica A otite média crônica supurativa é caracterizada por uma
otorreia purulenta persistente ou recorrente que ocorre no contexto de perfuração
da MT. Em geral, ocorre alguma perda auditiva condutiva. Essa condição pode
ser classificada como ativa ou inativa. A doença inativa tem como característica
uma perfuração central da MT que permite a drenagem de líquido purulento da
orelha média. Quando a perfuração é mais periférica, é possível que epitélio
escamoso do canal auditivo invada a orelha média pela perfuração, formando
uma massa de debris ceratinosos (colesteatoma) no local da invasão. Essa massa
pode aumentar com potencial para erodir o osso e estimular mais infecção,
levando a meningite, abscesso cerebral ou paralisia do VII nervo craniano. O
tratamento da otite média crônica ativa é cirúrgico; a mastoidectomia, a
miringoplastia e a timpanoplastia podem ser feitas em ambulatório, com uma
taxa de sucesso de cerca de 80%. A otite média crônica inativa é mais difícil de
ser curada e costuma exigir vários ciclos de antibiótico tópico em gotas durante
os períodos de drenagem. Os antibióticos sistêmicos podem oferecer taxas de
cura maiores, mas ainda não está claro seu papel no tratamento dessa infecção.
FARINGITE AGUDA
A dor de garganta gera milhões de consultas a profissionais da atenção primária
todos os anos; a maioria dos casos de faringite aguda é causada pelas viroses
respiratórias comuns. A principal fonte de preocupação é a infecção por
estreptococos β-hemolíticos do grupo A (S. pyogenes), associada à
glomerulonefrite aguda e à febre reumática aguda. O risco de febre reumática
pode ser reduzido com o tratamento oportuno feito com penicilina.
TRATAMENTO
Faringite
A antibioticoterapia da faringite por S. pyogenes oferece vários benefícios, incluindo redução do risco de
febre reumática, o principal foco do tratamento. Entretanto, o grau de beneficio é bem pequeno, pois a febre
reumática atualmente é uma doença rara mesmo em pacientes que não recebem tratamento. De qualquer
forma, quando se institui o tratamento nas primeiras 48 horas da doença, a duração dos sintomas é reduzida
modestamente. Um benefício adicional do tratamento é a possibilidade de reduzir a transmissão da faringite
estreptocócica, sobretudo em áreas de aglomeração ou de contato próximo. Assim, recomenda-se
antibioticoterapia nos casos em que se tenha confirmado o S. pyogenes como agente etiológico pelo teste
rápido de detecção de antígeno ou por cultura de swab de orofaringe. Caso contrário, os antibióticos só
devem ser prescritos quando for identificada outra etiologia bacteriana. O tratamento efetivo para faringite
estreptocócica é feito com penicilina benzatina em dose única IM ou com penicilina oral por 10 dias (Fig. 3
1-2).
A azitromicina pode ser usada em lugar da penicilina, embora sua utilidade potencial esteja
diminuindo e seu uso em algumas partes do mundo (particularmente na Europa) seja proibido como
resultado da resistência entre cepas de S. pyogenes. Antibióticos de espectro mais amplo (e geralmente com
custo mais elevado) também são ativos contra estreptococos, porém não são mais eficazes que os agentes
mencionados. Não há necessidade de exames para comprovar a cura, que poderiam revelar apenas
colonização crônica. Não há evidências que corroborem o tratamento com antibiótico da faringite por
estreptococos dos grupos C ou G, ou das faringites nas quais se tenha isolado Mycoplasma ou Chlamydia. A
realização de cultura pode ser benéfica em razão da possibilidade de isolamento do F. necrophorum, uma
causa crescentemente comum de faringite bacteriana em adultos jovens que não é coberta por macrolídeos.
A profilaxia de longo prazo com penicilina (penicilina G benzatina, 1,2 milhão de unidades, IM, a cada 3-4
semanas; ou penicilina VK, 250 mg, VO, 2×/dia) é indicada aos pacientes sob risco de febre reumática
recorrente para prevenir o que poderia ser uma sequela catastrófica de faringite estreptocócica recorrente.
FIGURA 31-2 Algoritmo para diagnóstico e tratamento de faringite aguda.
INFECÇÕES ORAIS
Exceto pelas doenças periodontais, como a gengivite, as infecções da cavidade
oral envolvem com maior frequência o HSV ou espécies de Candida. Além de
causar uma erupção bolhosa dolorida nos lábios, o HSV também pode infectar a
língua e a mucosa oral, resultando na formação de vesículas dolorosas.
Antivirais tópicos (p. ex., aciclovir e penciclovir) podem ser usados sobre as
lesões com possível benefício, mas as infecções primárias exigem o uso de
aciclovir oral ou IV, assim como as infecções orais extensas ou em pacientes
imunocomprometidos. A candidíase orofaríngea (sapinho) é causada por várias
espécies de Candida, sendo mais comum a C. albicans. Ocorre principalmente
em recém-nascidos, nos pacientes imunocomprometidos (principalmente com
Aids) e naqueles em uso prolongado de glicocorticoides ou antibióticos. Os
pacientes, além de dor de garganta, relatam queimação na língua ou alteração no
paladar, e seu exame físico revela placas friáveis brancas ou cinzentas sobre a
gengiva, língua e mucosa oral, muitas vezes com eritema subjacente. O
tratamento, normalmente bem-sucedido, geralmente é feito com uma terapia
tópica antifúngica (nistatina ou clotrimazol) ou com fluconazol oral. Nos casos
incomuns de candidíase refratária ao fluconazol, observados em alguns pacientes
com HIV/Aids ou em pacientes com microrganismos resistentes que podem
algumas vezes complicar o tratamento da candidíase oral recorrente, outras
opções terapêuticas são formulações que contenham voriconazol oral,
equinocandina IV (caspofungina, micafungina ou anidulafungina) ou
desoxicolato de anfotericina B, se necessário. Nesses casos, o ideal é o
tratamento com base nos resultados de cultura com teste de sensibilidade.
A angina de Vincent, também conhecida como gengivite necrosante
ulcerativa aguda ou boca das trincheiras, é uma forma singular e grave de
gengivite que se caracteriza por dor e inflamação gengival com ulcerações das
papilas interdentárias que sangram com facilidade. Os causadores da doença são
os anaeróbios locais, e por isso os pacientes apresentam halitose, além de febre,
mal-estar e linfadenopatia. O tratamento consiste em desbridamento e
administração oral de penicilina e metronidazol. O uso isolado de clindamicina
ou de doxiciclina é uma alternativa.
A angina de Ludwig é uma forma de celulite rapidamente progressiva,
potencialmente fulminante, que acomete os espaços sublingual e submandibular
bilateralmente e se origina em um dente infectado ou recém-extraído, mais
comumente o segundo ou o terceiro molares inferiores. A melhora na assistência
odontológica reduziu substancialmente a incidência dessa doença. A infecção de
tais regiões resulta em disfagia, odinofagia e um edema “lenhoso” na região
sublingual que força a língua para cima e para trás com potencial para causar
obstrução da via aérea. Pode haver febre, salivação e disartria, e a voz pode
adquirir um timbre tipo “batata quente”. Podem ser necessárias intubação ou
traqueostomia para manter a via aérea, pois a asfixia é a causa mais comum de
morte. Os pacientes devem ser hospitalizados, observados de perto e tratados
rapidamente com antibióticos IV contra estreptococos e anaeróbios orais. Entre
os agentes recomendados, estão ampicilina/sulbactam, clindamicina ou
penicilina em altas doses mais metronidazol.
A tromboflebite séptica da veia jugular interna (doença de Lemierre) é uma
infecção orofaríngea rara causada por anaeróbios e cujo principal agente é o F.
necrophorum. A doença é mais comum em adolescentes e adultos jovens,
costumando começar com dor de garganta, que pode se apresentar como tonsilite
exsudativa ou abscesso peritonsilar. A infecção do tecido faríngeo profundo
permite que os microrganismos atinjam o espaço faríngeo lateral, que contém a
artéria carótida e a veia jugular interna. Assim, é possível a evolução com
tromboflebite séptica da veia jugular interna, cujos sintomas são dor, disfagia,
edema cervical unilateral e rigidez da nuca. A sepse costuma aparecer 3 a 10 dias
após o início da dor de garganta e, muitas vezes, ocorre também infecção
metastática nos pulmões e em outros locais distantes, com abscesso pulmonar e
empiema. Em alguns casos, a infecção se estende ao longo da bainha da carótida,
atinge o mediastino posterior e causa mediastinite; ou pode haver invasão da
artéria carótida, sendo o sinal precoce a ocorrência de pequenos sangramentos
repetidos para o interior da cavidade oral. A taxa de mortalidade associada a
essas infecções invasivas pode chegar a 50%. O tratamento consiste na
administração de antibióticos IV (clindamicina ou ampicilina/sulbactam) e
drenagem cirúrgica de quaisquer coleções purulentas. O uso concomitante de
anticoagulantes para prevenir a embolização permanece controverso e não
costuma ser aconselhado; os riscos e benefícios de seu uso devem ser
cuidadosamente considerados.
INFECÇÕES DA LARINGE E DA EPIGLOTE
LARINGITE
Define-se laringite como qualquer processo inflamatório que envolva a laringe,
podendo ter várias causas, infecciosas ou não. Em sua grande maioria, os casos
de laringite encontrados na prática clínica de países desenvolvidos são agudos. A
laringite aguda é uma síndrome comum causada predominantemente pelos
mesmos vírus responsáveis por outras ITRSs. De fato, a maioria dos casos de
laringite aguda ocorre no contexto de ITRS viral.
TRATAMENTO
Laringite
A laringite aguda geralmente é tratada apenas com umidificação e repouso da voz. Não se recomendam
antibióticos, exceto se tiver sido isolado um estreptococo do grupo A em cultura, caso em que a penicilina é
o fármaco preferido. A escolha do tratamento da laringite crônica depende do patógeno, cuja identificação
geralmente exige biópsia e cultura. Os pacientes com tuberculose laríngea são altamente contagiosos, pois
podem expelir com facilidade grande número de microrganismos em aerossóis. Devem-se tratar esses
pacientes da mesma forma que aqueles com doença pulmonar ativa.
CRUPE
O termo crupe é usado atualmente para indicar um conjunto de doenças
respiratórias agudas e predominantemente virais denominadas coletivamente
“síndrome de crupe”, caracterizadas por edema acentuado da região subglótica
da laringe. O crupe acomete principalmente crianças com < 6 anos de idade.
Para uma discussão detalhada, o leitor deve consultar um livro-texto de
pediatria.
EPIGLOTITE
A epiglotite aguda (supraglotite) é uma celulite aguda e rapidamente progressiva
da epiglote e de estruturas adjacentes que pode ocasionar obstrução completa – e
potencialmente fatal – da via aérea tanto em crianças quanto em adultos. Antes
do advento da vacina contra H. influenzae tipo b (Hib), essa doença era bem
mais comum nas crianças, com um pico de incidência em torno dos 3,5 anos de
idade. Em alguns países, a vacinação em massa contra o Hib reduziu em > 90%
a incidência anual de epiglotite. Por outro lado, no mesmo período, a incidência
anual entre os adultos pouco foi alterada. Em razão do risco de obstrução da via
aérea, a epiglotite aguda é uma emergência médica, sobretudo nas crianças. O
diagnóstico rápido e a proteção da via aérea são essenciais.
TRATAMENTO
Epiglotite
A segurança da via aérea é sempre a principal preocupação nos casos com epiglotite aguda, mesmo se
houver apenas a suspeita do diagnóstico. Não se recomenda a simples observação à procura de sinais de
obstrução iminente da via aérea, principalmente em crianças. Muitos adultos são tratados apenas com
observação, uma vez que se acredita que nesse grupo etário a doença seja mais leve. No entanto, alguns
dados sugerem que tal abordagem pode ser arriscada e deveria ser reservada apenas aos adultos que não
estejam apresentando dispneia ou estridor. Uma vez assegurada a via aérea e tendo sido enviadas amostras
de sangue e de tecido da epiglote ao laboratório, deve-se iniciar o tratamento com antibióticos IV contra os
microrganismos mais prováveis, sobretudo o H. influenzae. Como as taxas de resistência à ampicilina dessa
bactéria aumentaram muito nos últimos anos, recomenda-se o uso de um β-lactâmico associado a um
inibidor de β-lactamase ou a uma cefalosporina de terceira geração. Alguns esquemas tipicamente usados
são ampicilina/sulbactam, cefotaxima ou ceftriaxona. Em pacientes alérgicos aos β-lactâmicos, usam-se
clindamicina e SMX-TMP. A antibioticoterapia deve ser mantida por 7 a 10 dias e adaptada ao
microrganismo isolado na cultura. Se entre os contatos domiciliares de um paciente com epiglotite por H.
influenzae houver uma criança não vacinada com menos de 4 anos, todos os habitantes da casa, incluindo o
próprio paciente, deverão tomar rifampicina profilática por 4 dias para erradicar o estado de portador de H.
influenzae.
INFECÇÕES DAS ESTRUTURAS PROFUNDAS DO
PESCOÇO
As infecções cervicais profundas em geral são extensões de infecções de outros
locais primários, mais comumente da faringe ou da cavidade oral. Várias dessas
infecções podem ser fatais, porém é difícil detectá-las em sua fase inicial,
quando o tratamento é mais fácil. No pescoço, três espaços têm grande
importância clínica: o submandibular (e sublingual), o faríngeo lateral (ou
parafaríngeo) e o retrofaríngeo. Tais espaços comunicam-se entre si e com outras
estruturas importantes da cabeça, do pescoço e do tórax, oferecendo aos
patógenos acesso fácil a certas regiões, como o mediastino, a bainha da carótida,
a base do crânio e as meninges. Se a infecção alcançar essas áreas sensíveis, a
taxa de mortalidade pode atingir 20-50%.
A infecção dos espaços submandibular e sublingual se origina mais
comumente de um dente inferior infectado ou recém-extraído. O resultado é uma
infecção grave e potencialmente fatal denominada angina de Ludwig (ver
“Infecções orais”, anteriormente). A infecção do espaço faríngeo lateral (ou
parafaríngeo) costuma ser uma complicação de infecções comuns da cavidade
oral e do trato respiratório superior, como tonsilite, abscesso peritonsilar,
faringite, mastoidite e infecção periodontal. Esse espaço, situado profundamente
na parede lateral da faringe, contém várias estruturas sensíveis, como a artéria
carótida, a veia jugular interna, a cadeia simpática cervical e segmentos do IX ao
XII nervos cranianos; na sua extremidade distal, abre-se no mediastino posterior.
Assim, uma infecção nesse espaço pode ser rapidamente fatal. O exame físico
pode revelar algum deslocamento das tonsilas, trismo e rigidez do pescoço, mas
o edema da parede lateral da faringe pode facilmente passar despercebido. O
diagnóstico pode ser confirmado com TC. O tratamento consiste em manejo da
via aérea, drenagem cirúrgica de coleções líquidas e no mínimo 10 dias de
antibioticoterapia IV com antibióticos ativos contra estreptococos e anaeróbios
orais (p. ex., ampicilina/sulbactam). Uma forma especialmente grave dessa
infecção, envolvendo os componentes da bainha da carótida (sepse pós-angina
ou doença de Lemierre), foi descrita neste capítulo (ver “Infecções orais”). As
infecções do espaço retrofaríngeo também podem ser extremamente perigosas,
uma vez que esse espaço segue por trás da faringe desde a base do crânio até o
mediastino superior. As infecções de tal espaço são mais comuns em crianças
com < 5 anos em razão da presença de vários pequenos linfonodos retrofaríngeos
que se atrofiam aproximadamente aos 4 anos de idade. A infecção geralmente
ocorre como extensão de outro sítio de infecção – mais comumente da faringite
aguda. Outros focos possíveis são otite média, tonsilite, infecções dentárias,
angina de Ludwig e extensão anterior de osteomielite vertebral. A infecção do
espaço retrofaríngeo também pode ocorrer após traumatismo penetrante da
faringe posterior (p. ex., um procedimento endoscópico). As infecções, em geral,
são polimicrobianas, envolvendo uma combinação de aeróbios e anaeróbios. Os
estreptococos β-hemolíticos do grupo A e o S. aureus são os patógenos mais
comuns. O M. tuberculosis já foi uma causa comum, mas atualmente é raro nos
Estados Unidos.
Os pacientes com abscesso retrofaríngeo se apresentam caracteristicamente
com dor de garganta, febre, disfagia e dor cervical. Muitas vezes, têm salivação
causada pela dor e dificuldade de deglutição. O exame pode mostrar adenopatia
cervical dolorosa, edema cervical, eritema e edema difusos da faringe posterior,
bem como um abaulamento na parede posterior da faringe que pode não ser
evidente em um exame rotineiro. Geralmente, é possível identificar uma massa
de tecidos moles na radiografia cervical de perfil ou à tomografia. Em razão do
risco de obstrução da via aérea, o tratamento começa com a segurança da via
aérea, seguido de drenagem cirúrgica e antibióticos IV. O tratamento,
inicialmente empírico, deve cobrir estreptococos, anaeróbios orais e S. aureus;
ampicilina/sulbactam, clindamicina associada à ceftriaxona ou meropeném
geralmente são esquemas efetivos. As complicações resultam principalmente da
extensão para outras regiões; por exemplo, a ruptura da faringe posterior pode
causar pneumonia por aspiração e empiema. Também é possível haver
disseminação para o espaço faríngeo lateral e o mediastino, causando
mediastinite e pericardite, ou para os grandes vasos contíguos. Todos esses
eventos estão associados a altas taxas de mortalidade.
LEITURAS ADICIONAIS
Brook I: Microbiology of chronic rhinosinusitis. Eur J Clin Microbiol Infect Dis
35:1059, 2016.
Fletcher-Lartey S et al: Why do general practitioners prescribe antibiotics for
upper respiratory tract infections to meet patient expectations: A mixed
methods study. BMJ Open 6:e012244, 2016.
Jensen A et al: Fusobacterium necrophorum tonsillitis: An important cause of
tonsillitis in adolescents and young adults. Clin Microbiol Infect 21:266.e1,
2015.
Lee GC et al: Outpatient antibiotic prescribing in the United States: 2000 to
2010. BMC Med 12:96, 2014.
32
Manifestações orais das doenças
Samuel C. Durso
Doenças virais
Gengivoestomatite Lábio e mucosa oral Vesículas labiais que se rompem e formam Cicatrizam espontaneamente em 10-14
herpética aguda (mucosas bucal, crostas e vesículas intraorais que ulceram dias; a menos que secundariamente
primária (HSV gengival e lingual) com rapidez; extremamente dolorosas; infectadas, as lesões que duram > 3
gengivite aguda, febre, mal-estar, odor
tipo 1; raramente fétido e linfadenopatia cervical; ocorre semanas não são causadas por infecção
tipo 2) primariamente em lactentes, crianças e primária por HSV
adultos jovens
Herpes labial Junção mucocutânea Erupção de grupos de vesículas que podem Duram cerca de 1 semana, mas o
recorrente do lábio, pele perioral coalescer e, então, se romper e formar distúrbio pode ser prolongado se
crostas; dolorosas à pressão ou à exposição secundariamente infectado; quando grave,
a alimentos condimentados antivirais tópicos ou orais podem reduzir
o tempo de cicatrização
Herpes simples Palato e gengiva Pequenas vesículas no epitélio ceratinizado Cicatrizam espontaneamente em cerca de
intraoral que se rompem e coalescem; dolorosas 1 semana; quando grave, antivirais
recorrente tópicos ou orais podem reduzir o tempo
de cicatrização
Varicela (VZV) Gengiva e mucosa oral As lesões cutâneas podem ser As lesões cicatrizam espontaneamente em
acompanhadas de pequenas vesículas na um período de 2 semanas
mucosa oral que se rompem para formar
úlceras rasas; podem coalescer para formar
grandes lesões bolhosas que ulceram; a
mucosa pode ter eritema generalizado
Herpes-zóster Bochecha, língua, Erupções vesiculares unilaterais e ulceração Cura gradual sem formação de cicatrizes,
(reativação do gengiva ou palato em padrão linear seguindo a distribuição a menos que secundariamente infectadas;
VZV) sensitiva do nervo trigêmeo ou um dos seus neuralgia pós-herpética é comum;
ramos aciclovir, fanciclovir ou valaciclovir oral
reduzem o tempo de cicatrização e a
neuralgia pós-herpética
Mononucleose Mucosa oral Fadiga, dor de garganta, mal-estar, febre e As lesões orais desaparecem durante
infecciosa (vírus linfadenopatia cervical; inúmeras pequenas convalescença; nenhum tratamento é
Epstein-Barr) úlceras geralmente surgem dias antes da administrado, embora os glicocorticoides
linfadenopatia; sangramento gengival e sejam indicados se o edema tonsilar
múltiplas petéquias na junção dos palatos comprometer a via aérea
duro e mole
Herpangina Mucosa oral, faringe e Início súbito de febre, dor de garganta e Período de incubação de 2-9 dias; febre
(coxsackievírus A; língua vesículas orofaríngeas, geralmente em por 1-4 dias; recuperação sem
também crianças < 4 anos durante os meses de intercorrências
possivelmente verão; congestão faríngea difusa e vesículas
coxsackievírus B e (1-2 mm) branco-acinzentadas, circundadas
ecovírus) por aréolas vermelhas; as vesículas
aumentam e ulceram
Doença da mão- Mucosa oral, faringe, Febre, mal-estar, cefaleia com vesículas Período de incubação de 2-18 dias; as
pé-boca (mais palmas das mãos e orofaríngeas que se tornam úlceras rasas e lesões cicatrizam espontaneamente em 2-
comumente plantas dos pés dolorosas; altamente infecciosa; em geral, 4 semanas
coxsackievírus afeta crianças com menos de 10 anos
A16)
Infecção primária Gengiva, palato e Gengivite aguda e ulceração orofaríngea Seguida de soroconversão do HIV,
pelo HIV faringe associada a doença febril semelhante à infecção assintomática pelo HIV e, por
mononucleose e incluindo linfadenopatia fim, geralmente doença pelo HIV
Doenças bacterianas ou fúngicas
Gengivite Gengiva Gengiva dolorosa e hemorrágica Desbridamento e lavagem com peróxido
ulcerativa caracterizada por necrose e ulceração das diluído (1:3) fornecem alívio em um
necrosante aguda papilas gengivais e margens mais período de 24 h; antibióticos em pacientes
(“boca das linfadenopatia e odor fétido agudamente doentes; pode ocorrer
trincheiras”) recidiva
Sífilis pré-natal Palato, mandíbulas, Envolvimento gomatoso do palato, Deformidades irreversíveis na dentição
(congênita) língua e dentes mandíbulas e ossos da face; incisivos de permanente
Hutchinson, molares em amora, glossite,
placas mucosas e fissuras no canto da boca
Sífilis primária A lesão aparece onde o Pequena pápula que se desenvolve Cura do cancro em 1-2 meses, seguida de
(cancro) microrganismo penetra rapidamente em úlcera grande indolor com sífilis secundária em 6-8 semanas
no corpo; pode ocorrer borda endurecida, linfadenopatia unilateral;
nos lábios, língua ou cancro e linfonodos que contêm
área tonsilar espiroquetas; testes sorológicos positivos
nas terceira e quarta semanas
Sífilis secundária Mucosa oral Lesões maculopapulosas da mucosa oral, As lesões podem persistir de várias
frequentemente tendo 5-10 mm de diâmetro com ulceração semanas a 1 ano
envolvida com placas central coberta por membrana acinzentada;
mucosas, que ocorrem as erupções ocorrem em várias superfícies
primariamente no mucosas e na pele acompanhadas de febre,
palato e também em mal-estar e dor de garganta
comissuras da boca
Sífilis terciária Palato e língua Infiltração gomatosa do palato ou da língua A goma pode destruir o palato, causando
seguida de ulceração e fibrose; atrofia das perfuração completa
papilas da língua produz língua calva típica
e glossite
Gonorreia Podem ocorrer lesões A maioria das infecções faríngeas é Mais difícil de erradicar do que a infecção
na boca, no local da assintomática; podem produzir sensação de urogenital, embora a faringite se resolva
inoculação ou, queimação ou prurido; orofaringe e tonsilas com tratamento antimicrobiano
secundariamente, por podem estar ulceradas e eritematosas; saliva apropriado
disseminação viscosa e fétida
hematogênica a partir
do foco primário em
outro local
Tuberculose Língua, área tonsilar e Úlcera indolor, solitária, irregular, de 1-5 Autoinoculação a partir de infecção
palato mole cm, coberta por um exsudato persistente; a pulmonar é comum; as lesões
úlcera tem uma borda fina indefinida desaparecem com terapia antimicrobiana
apropriada
Actinomicose Edema nas regiões da A infecção pode ser associada a extração, Geralmente, o edema é duro e cresce de
cervicofacial face, do pescoço e fratura mandibular ou erupção de dente forma indolor; há desenvolvimento de
assoalho da boca molar; na forma aguda, é semelhante a um múltiplos abscessos com fístulas de
abscesso piogênico, mas contém “grânulos drenagem; penicilina é a primeira
de enxofre” amarelos (micélios Gram- escolha; em geral, é necessário cirurgia
positivos e suas hifas)
Histoplasmose Qualquer área da boca, Lesões nodulares, verrucosas ou Terapia antifúngica sistêmica necessária
particularmente língua, granulomatosas; as úlceras são endurecidas
gengiva ou palato e dolorosas; fonte habitual hematogênica ou
pulmonar, mas pode ser primária
Candidíasea
Doenças dermatológicas
Penfigoide da Em geral, produz Vesículas branco-acinzentadas e dolorosas, Evolução prolongada com remissões e
membrana mucosa eritema gengival ou bolhas de epitélio denso com zona exacerbações; o envolvimento de sítios
acentuado e ulceração; eritematosa periférica; as lesões gengivais diferentes ocorre lentamente; os
outras áreas da descamam, deixando uma área ulcerada glicocorticoides podem reduzir
cavidade oral, do temporariamente os sintomas, mas não
esôfago e da vagina controlam a doença
podem ser afetadas
EM menor e Primariamente, a Bolhas intraorais rompidas circundadas por Início muito rápido; em geral, idiopática,
maior (síndrome mucosa oral e a pele uma área inflamatória; os lábios podem mas pode ser associada a fator
de Stevens- das mãos e dos pés apresentar crostas hemorrágicas; a lesão em desencadeante como reação
Johnson) “íris” ou em “alvo” na pele é medicamentosa; a condição pode durar 3-
patognomônica; o paciente pode ter sinais 6 semanas; a mortalidade com EM maior
graves de toxicidade é de 5-15% se não for tratada
Pênfigo vulgar Pele e mucosa oral; Em geral (> 70%), apresenta-se com lesões Com a repetida ocorrência das bolhas, a
locais de traumatismo orais; bolhas frágeis, rompidas e áreas orais toxicidade pode levar a caquexia,
mecânico (palatos ulceradas; principalmente nos idosos infecção e morte em 2 anos;
duro/mole, frênulo, frequentemente controlável com
lábios e mucosa bucal) glicocorticoides orais
Líquen plano Pele e mucosa oral Estrias brancas na boca; nódulos violáceos Estrias brancas isoladas geralmente
na pele, em locais de fricção; assintomáticas; lesões erosivas
ocasionalmente causa úlceras na mucosa frequentemente difíceis de tratar, mas que
oral e gengivite erosiva podem responder aos glicocorticoides
Outras doenças
Úlceras aftosas Em geral, mucosa oral Úlceras dolorosas únicas ou agrupadas com As lesões curam em 1-2 semanas, mas
recorrentes não ceratinizada borda eritematosa circundante; as lesões podem recorrer mensalmente ou várias
(mucosas bucal e podem ter 1-2 mm de diâmetro em grupos vezes por ano; uma barreira protetora
labial, assoalho da (herpetiformes), 1-5 mm (menores) ou 5-15 com benzocaína e glicocorticoides
boca, palato mole e mm (maiores) tópicos aliviam os sintomas;
partes lateral e ventral glicocorticoides sistêmicos podem ser
da língua) necessários nos casos graves
Síndrome de Mucosa oral, olhos, Úlceras aftosas múltiplas na boca; alterações As lesões orais são frequentemente a
Behçet genitália, intestino e oculares inflamatórias, lesões ulcerativas na primeira manifestação; persistem por
SNC genitália; doença inflamatória intestinal e várias semanas e cicatrizam sem deixar
doença do SNC marcas
Úlceras Qualquer local na Lesões ulceradas bem limitadas, localizadas As lesões geralmente cicatrizam em 7-10
traumáticas mucosa oral; com borda vermelha; produzidas por dias quando o fator irritante é removido, a
dentaduras são mordedura acidental de mucosa, penetração menos que haja infecção secundária
frequentemente por objeto estranho ou irritação crônica por
responsáveis por dentadura
úlceras no vestíbulo
Carcinoma de Qualquer área da boca, Úlcera vermelha, branca ou vermelha e Invade e destrói os tecidos subjacentes;
células escamosas mais comumente no branca com borda elevada ou endurecida; frequentemente, metastatiza para os
lábio inferior, bordas falha em cicatrizar; dor não proeminente na linfonodos regionais
inferiores da língua e lesão precoce
assoalho da boca
Leucemia Gengiva Edema gengival e ulceração superficial Geralmente responde ao tratamento
mielocítica aguda acompanhada de hiperplasia da gengiva com sistêmico da leucemia; ocasionalmente
(geralmente necrose extensa e hemorragia; úlceras requer irradiação local
monocítica) profundas podem ocorrer em qualquer lugar
da mucosa, complicadas por infecção
secundária
Linfoma Gengiva, língua, palato Área elevada, ulcerada que pode ter rápida Fatal se não for tratada; pode indicar
e área tonsilar proliferação, tendo uma aparência de infecção pelo HIV subjacente
inflamação traumática
Queimaduras Qualquer área da boca Revestimento branco devido a contato com A lesão cura em várias semanas se não
químicas ou agentes corrosivos (p. ex., ácido estiver secundariamente infectada
térmicas acetilsalicílico, queijo quente) aplicados
localmente; a remoção do revestimento
deixa superfície ferida e dolorosa
aVer Tabela 32-3.
Siglas: SNC, sistema nervoso central; EM, eritema multiforme; HSV, herpes-vírus simples; VZV, vírus varicela-zóster; HIV, vírus da
imunodeficiência humana.
Doença causada pelo HIV e Aids Ver Tabelas 32-1 a 32-3 e 32-5; Capítulo 19
7; e Figura 189-3.
Úlceras A ulceração é a lesão da mucosa oral mais comum. Embora possa haver
muitas causas, o hospedeiro e o padrão das lesões, incluindo a presença de
características sistêmicas, estreitam o diagnóstico diferencial (Tab. 32-1). As
úlceras mais agudas são dolorosas e autolimitadas. As úlceras aftosas recorrentes
e a infecção pelos herpes simples constituem a maioria dos casos. Úlceras
aftosas persistentes e profundas podem ser idiopáticas ou acompanhar a infecção
por HIV/Aids. As lesões aftosas são frequentemente sintomas de apresentação
na síndrome de Behçet (Cap. 357). Lesões de aparência semelhante, porém
menos dolorosas, podem ocorrer na artrite reativa, e úlceras aftosas estão
ocasionalmente presentes durante fases do lúpus eritematoso sistêmico ou
discoide (Cap. 353). Úlceras semelhantes a aftas são observadas na doença de
Crohn (Cap. 319), mas, diferentemente da variedade aftosa comum, podem
exibir inflamação granulomatosa no exame histológico. Aftas mais recorrentes
são mais predominantes em pacientes com doença celíaca e sofrem remissão
com a eliminação do glúten.
Mais preocupantes são as úlceras crônicas relativamente indolores e as
placas vermelhas/brancas (eritroplasia e leucoplasia) com > 2 semanas de
duração. O carcinoma de células escamosas e a displasia pré-maligna devem ser
considerados precocemente, obtendo-se biópsia diagnóstica. Esse conhecimento
e o procedimento são de suma importância porque a malignidade em estágio
inicial é muito mais tratável do que a doença em estágio tardio. Locais de alto
risco são o lábio inferior, o soalho da boca, as partes ventral e lateral da língua,
bem como o complexo palato mole-pilar tonsilar. Fatores de risco significativos
de câncer oral em países ocidentais incluem exposição ao sol (lábio inferior),
assim como uso de tabaco e álcool e infecção por papilomavírus humano. Na
Índia e em alguns outros países da Ásia, o uso de tabaco sem fumaça misturado
com noz-de-areca, cal extinta e condimentos é uma causa comum de câncer oral.
As causas mais raras de úlceras orais crônicas, como tuberculose, infecção
fúngica, granulomatose com poliangeíte e granuloma em linha média, podem
parecer semelhantes ao carcinoma. O diagnóstico correto depende do
reconhecimento de outras características clínicas e da realização de uma biópsia
da lesão. O cancro sifilítico é indolor e, por isso, passa facilmente despercebido.
Sempre há linfadenopatia regional. A etiologia sifilítica é confirmada com testes
bacterianos e sorológicos apropriados.
Distúrbios de fragilidade da mucosa comumente resultam em úlceras orais
dolorosas que não cicatrizam em 2 semanas. O penfigoide da membrana mucosa
e o pênfigo vulgar são os principais distúrbios adquiridos. Embora as
manifestações clínicas sejam frequentemente distintas, uma biópsia do exame
imuno-histoquímico deve ser feita para diagnosticar essas entidades e distingui-
las do líquen plano e de reações medicamentosas.
LEITURAS ADICIONAIS
Durso SC: Interaction with other health team members in caring for elderly
patients. Dent Clin North Am 49:377, 2005.
Elad S et al: Novel anticoagulants: General overview and practical
considerations for dental practitioners. Oral Dis 22:23, 2016.
Sollecito TP et al: The use of prophylactic antibiotics prior to dental procedures
in patients with prosthetic joints: Evidence-based guidelines for dental
practitioners—a report of the American Dental Association Council on
Scientific Affairs. J Am Dent Assoc 146:11, 2015.
Seção 5 Alterações nas funções
circulatória e respiratória
33
Dispneia
Rebecca M. Baron
DEFINIÇÃO
A declaração de consenso da American Thoracic Society define dispneia como
uma “experiência subjetiva de angústia respiratória, que consiste em sensações
qualitativamente diferentes com intensidades variáveis. Essa experiência é
causada por interações de vários fatores fisiológicos, psicológicos, sociais e
ambientais e pode desencadear respostas fisiológicas e comportamentais
secundárias”. A dispneia, um sintoma, pode ser percebido apenas pela pessoa
que a experimenta e, dessa forma, deve ser autorrelatada. Em contraste, os sinais
de esforço respiratório aumentado, como taquipneia, uso de musculatura
acessória e retração intercostal, só podem ser medidos e relatados por médicos.
EPIDEMIOLOGIA
A dispneia é comum, sendo relatado que até a metade dos pacientes
hospitalizados e um quarto dos pacientes ambulatoriais experimentam esse
sintoma, com uma prevalência de 9 a 13% na comunidade, a qual aumenta para
até 37% em adultos ≥ 70 anos. A dispneia é uma causa frequente de consultas de
emergência, sendo responsável por até 3-4 milhões de consultas por ano. Além
disso, é cada vez mais reconhecido que o grau de dispneia pode predizer melhor
os desfechos na doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) do que o volume
expiratório forçado em 1 segundo (VEF1) e medidas formais de dispneia foram
incorporadas nas diretrizes de 2017 para avaliação da gravidade da DPOC da
Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD). A dispneia
também pode predizer os desfechos de outras doenças crônicas cardíacas e
pulmonares. Ela pode surgir por várias causas subjacentes pulmonares, cardíacas
e neurológicas, e a elucidação dos sintomas particulares pode apontar uma
etiologia específica e/ou o mecanismo da dispneia (embora exames adicionais
costumem ser necessários, conforme discutido adiante).
FIGURA 33-1 Vias de sinalização subjacentes à dispneia. A dispneia surge de vários estímulos
sensoriais, muitos dos quais levam a diferentes frases descritivas usadas pelos pacientes (mostradas entre
aspas na figura). A sensação de esforço respiratório provavelmente surge por sinais transmitidos do córtex
motor para o córtex sensitivo (seta verde) quando comandos motores são enviados para os músculos
ventilatórios (sinais eferentes, seta azul). Os estímulos motores enviados pelo tronco cerebral (seta azul)
também podem ser acompanhados de sinais transmitidos para o córtex sensitivo e contribuem para a
sensação de esforço (seta verde tracejada). A sensação de falta de ar provavelmente deriva de uma
combinação de estímulos que aumentam o drive respiratório, como hipoxemia ou hipercapnia (mediados
por sinais de quimiorreceptores no corpo carotídeo e no arco aórtico, indicado por sinais aferentes em
vermelho), hipercapnia aguda ou acidemia (medidas por sinais de quimiorreceptores periféricos e centrais,
indicado por sinais aferentes em vermelho), inflamação da via aérea e intersticial (mediada por aferentes
pulmonares, indicado por sinais aferentes em vermelho) e receptores vasculares pulmonares. A dispneia
surge em parte por desequilíbrio percebido entre mensagens eferentes para os músculos ventilatórios e
sinais aferentes dos pulmões e da parede torácica. O aperto no peito, geralmente associado com
broncospasmo, é, em grande parte, mediado por estimulação de receptores de irritação vagal. Os sinais
aferentes (setas vermelhas) de mecanorreceptores das vias aéreas, pulmões e parede torácica mais
provavelmente passam através do tronco encefálico antes de serem transmitidos para o córtex sensitivo,
embora também seja possível que alguma informação aferente passe diretamente para o córtex sensitivo
(seta tracejada) sem passar pelo tronco encefálico.
Setas vermelhas: sinais aferentes; setas azuis: sinais eferentes; setas verdes: sinais dentro do sistema
nervoso central; linha tracejada: vias hipotéticas; círculos ocos vermelhos: quimiorreceptores; quadrados
ocos vermelhos: mecanorreceptores. (Adaptada de UpToDate 2017.)
TABELA 33-1 ■ Exemplo de método clínico para graduação da dispneia: Modified Medical Research
Council Dyspnea Scalea
Grau de Descrição
dispneia
0 Não perturbado pela falta de ar, exceto com esforços intensos
1 Falta de ar ao caminhar em solo plano ou subir uma inclinação pequena
2 Caminha mais devagar que as pessoas de idade semelhante em solo plano devido à falta de ar ou tem que parar para descansar
ao caminhar em ritmo normal em solo plano
3 Para a fim de descansar após caminhar 100 metros ou após caminhar alguns minutos em solo plano
4 Falta de ar grave demais para sair de casa ou dispneia com as atividades da vida diária (p. ex., vestir-se/despir-se)
aFoi incorporada nas diretrizes GOLD 2017 como possível ferramenta para graduação da dispneia na DPOC.
Fonte: Modificada de DA Mahler, CK Wells: Evaluation of clinical methods for rating dyspnea. Chest 93:580, 1988.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Este capítulo se concentra mais na dispneia crônica, a qual é definida como
sintomas que duram mais de 1 mês e que podem surgir a partir de uma ampla
gama de condições subjacentes diferentes, mais comumente atribuíveis a
problemas pulmonares e cardíacos que são responsáveis por até 85% das causas
subjacentes de dispneia. Porém, até um terço dos pacientes podem ter razões
multifatoriais para a dispneia subjacente. Os exemplos de distúrbios que podem
causar dispneia com os possíveis mecanismos subjacentes aos sintomas de
apresentação são descritos na Tabela 33-2.
Pulmonar Doença das Asma, DPOC Aperto no peito, Sibilância, uso Aumento do trabalho Pico de fluxo
vias aéreas taquipneia, da musculatura respiratório, (reduzido);
aumento do acessória, hipoxemia, espirometria
esforço hipoxemia aos hipercapnia, (DVO);
respiratório, falta esforços estimulação de radiografia de
de ar, (especialmente receptores tórax
incapacidade de com DPOC) pulmonares (hiperinsuflação;
fazer inspiração perda de
profunda parênquima
pulmonar na
DPOC)
Doença Doença Falta de ar, Estertores Aumento do trabalho Espirometria e
parenquimatosa pulmonar incapacidade de secos no final respiratório, aumento volumes
intersticiala fazer inspiração da inspiração, do drive respiratório, pulmonares
profunda baqueteamento hipoxemia, (DVR);
digital, hipercapnia, radiografia e TC
hipoxemia aos estimulação de de tórax (doença
esforços receptores pulmonar
pulmonares intersticial)
Doença da Cifoescoliose, Aumento do Redução da Aumento do esforço Espirometria e
parede torácica fraqueza esforço incursão respiratório; volumes
neuromuscular respiratório, diafragmática; estimulação de pulmonares
(NM) incapacidade de atelectasia receptores (DVR); PIM e
fazer inspiração pulmonares (se PEM (reduzidas
profunda houver atelectasia) na fraqueza
NM)
Pulmonar Vasculatura Hipertensão Taquipneia Elevação das Aumento do drive Capacidade de
e cardíaco pulmonar pulmonar pressões no respiratório, difusão
lado direito do hipoxemia, (redução); ECG;
coração, estimulação de ecocardiografia
hipoxemia aos receptores vasculares (para avaliar as
esforços pressões na AP)b
Cardíaco Insuficiência Doença arterial Aperto no peito, Elevação de Aumento do esforço Considerar o
cardíaca coronariana, falta de ar pressões no e do drive exame de BNP
esquerda miocardiopatiac lado esquerdo respiratórios, em situações
Doença Pericardite do coração; hipoxemia, agudas; ECG,
pericárdica constritiva; estertores estimulação de ecocardiografia,
tamponamento úmidos ao receptores vasculares pode haver
cardíaco exame e pulmonaresd necessidade de
pulmonar; exame de
pulso esforço e/ou
paradoxal CCE
(doença
pericárdica)
Outros Variável Anemia Dispneia aos Variável Metaborreceptores Hematócrito
Falta de esforços (anemia, para anemia;
condicionamento Condicionamento condicionamento excluir outras
físico físico ruim físico ruim); causas
Doença Ansiedade quimiorreceptores
psicológico (metabolismo
anaeróbico por
condicionamento
físico ruim); algumas
pessoas podem ter
aumento da
sensibilidade à
hipercapnia
aDiagnóstico diferencial de doenças pulmonares intersticiais inclui fibrose pulmonar idiopática, doenças vasculares do colágeno, pneumonite
induzida por fármacos ou ocupacional, disseminação linfangítica de câncer; processos que são mais alveolares que intersticiais também podem
com menos frequência contribuir para a doença pulmonar parenquimatosa subjacente à dispneia crônica, incluindo entidades como
pneumonite de hipersensibilidade, pneumonia em organização criptogênica, etc. bSe poderia considerar também esses pacientes para
angiografia por TC para avaliação da presença de tromboembolismo, cintilografia de ventilação/perfusão para avaliação da presença de doença
tromboembólica crônica e cateterismo cardíaco direito (CCD) para avaliação adicional de hipertensão pulmonar. cCostuma haver disfunção
diastólica em casos de ventrículo esquerdo não complacente e isso contribui de forma significativa para a dispneia insidiosa que pode ser
difícil de tratar. dPode haver estimulação de metaborreceptores se o débito cardíaco for suficientemente reduzido para resultar em acidose
láctica.
Siglas: BNP, peptídeo natriurético cerebral; DPOC, doença pulmonar obstrutiva crônica; TC, tomografia computadorizada; ECG,
eletrocardiograma; CCE, cateterismo cardíaco esquerdo; PIM/PEM, pressões inspiratória máxima e expiratória máxima (obtidas no laboratório
de função pulmonar); DVO, distúrbio ventilatório obstrutivo; DVR, distúrbio ventilatório restritivo.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Dispneia (Ver Fig. 33-2)
FIGURA 33-2 Possível algoritmo para avaliação de paciente com dispneia. Conforme descrito no
texto, a abordagem deve começar com anamnese e exame físico detalhados, seguidos por exames
progressivos e, por fim, exames mais invasivos e encaminhamento para subespecialidades conforme
indicado para determinar a causa subjacente da dispneia. Dco, capacidade de difusão pulmonar de
monóxido de carbono; ECG, eletrocardiograma; TC, tomografia computadorizada. (Adaptada de NG
Karnani et al: Am Fam Physician 71:1529, 2005.)
GERAL
Para pacientes com alguma condição prévia conhecida pulmonar, cardíaca ou
neuromuscular e com piora da dispneia, o foco inicial da avaliação
geralmente será determinar se a condição conhecida progrediu ou se um novo
processo ocorreu e está causando a dispneia. Para pacientes sem uma causa
potencial prévia para a dispneia, a avaliação inicial se concentrará na
determinação da etiologia subjacente. A determinação da causa subjacente, se
possível, é extremamente importante, pois o tratamento pode variar muito
com base na condição predisponente. A anamnese e exame físico iniciais
ainda são fundamentais para a avaliação, seguidos por exames diagnósticos
iniciais, conforme indicado, que possam impulsionar encaminhamento para
subespecialidades (p. ex., pneumologia, cardiologia, neurologia, medicina do
sono e/ou clínicas especializadas em dispneia) se a causa da dispneia
permanecer oculta (Fig. 33-2). Até dois terços dos pacientes necessitarão de
exames diagnósticos além da apresentação clínica inicial.
HISTÓRIA
Deve-se pedir ao paciente para descrever com suas próprias palavras o
desconforto que sente, assim como os efeitos da posição, das infecções e dos
estímulos ambientais na dispneia, pois a sua descrição pode ser útil para
apontar uma etiologia. Por exemplo, os sintomas de aperto no peito podem
sugerir a possibilidade de broncoconstrição, e a sensação de incapacidade de
realizar uma inspiração profunda pode se correlacionar com a hiperinsuflação
dinâmica da DPOC. A ortopneia é um indicador comum de insuficiência
cardíaca congestiva (ICC), limitação mecânica do diafragma associada à
obesidade ou asma desencadeada por refluxo esofágico. Dispneia noturna
sugere ICC ou asma. Os episódios agudos e intermitentes de dispneia devem-
se mais provavelmente a episódios de isquemia miocárdica, broncospasmo
ou embolia pulmonar, enquanto a dispneia persistente crônica é mais típica
da DPOC, das doenças pulmonares intersticiais e da doença tromboembólica
crônica. Informações sobre fatores de risco para doença pulmonar induzida
por fármacos ou ocupacional e para doença arterial coronariana devem ser
pesquisadas. O mixoma atrial esquerdo ou a síndrome hepatopulmonar
devem ser considerados quando o paciente queixa-se de platipneia, ou seja,
dispneia na posição ortostática com alívio na posição supina.
EXAME FÍSICO
Os sinais vitais iniciais podem ser úteis para apontar a etiologia subjacente
no contexto do restante da avaliação. Por exemplo, a presença de febre pode
apontar para um processo subjacente infeccioso ou inflamatório; a presença
de hipertensão em casos de insuficiência cardíaca pode apontar para a
disfunção diastólica; a presença de taquicardia pode estar associada com
muitos processos subjacentes distintos, incluindo febre, disfunção cardíaca e
falta de condicionamento físico; e a presença de hipoxemia em repouso
sugere o envolvimento de processos que envolvam hipercapnia, desequilíbrio
ventilação-perfusão, shunt ou déficit na capacidade de difusão. Deve-se
medir a saturação de oxigênio aos esforços, conforme descrito adiante. O
exame físico deve começar durante a entrevista com o paciente. A
impossibilidade de o paciente falar frases completas antes de parar para fazer
uma respiração profunda sugere um distúrbio que estimula o centro de
controle ou uma anormalidade da bomba ventilatória com diminuição da
capacidade vital. Os indícios de aumento do esforço para respirar (retrações
supraclaviculares, uso dos músculos acessórios da ventilação e posição de
tripé – o paciente senta-se com os braços e as mãos ao redor dos joelhos)
sugerem aumento da resistência das vias aéreas ou rigidez dos pulmões e da
parede torácica. Ao medir os sinais vitais, o médico deve avaliar de forma
acurada a frequência respiratória e medir o pulso paradoxal (Cap. 265); se a
pressão sistólica diminuir > 10 mmHg, deve ser considerada a presença de
DPOC, asma aguda ou doença pericárdica. Durante o exame físico geral,
devem ser investigados sinais de anemia (palidez das conjuntivas), cianose e
cirrose (angioma aracniforme, ginecomastia). O exame do tórax deve
enfatizar a simetria dos movimentos; a percussão (macicez indica derrame
pleural; hipertimpanismo é um sinal de enfisema); e a ausculta (sibilos,
roncos, prolongamento da fase expiratória e diminuição do murmúrio
vesicular são indícios de distúrbios das vias aéreas; estertores sugerem edema
ou fibrose intersticial). O exame do coração deve enfatizar sinais de elevação
das pressões do coração direito (distensão das veias jugulares, edema,
acentuação do componente pulmonar da segunda bulha cardíaca); disfunção
ventricular esquerda (galopes por B3 e B4); e doença valvar (sopros).
Durante o exame do abdome com o paciente em posição supina, deve-se
verificar se há movimentos paradoxais do abdome além da presença de
aumento da disfunção respiratória na posição supina: o abdome que afunda
durante a inspiração é um sinal de fraqueza do diafragma, e o abaulamento
do abdome durante a expiração sugere edema pulmonar. O baqueteamento
dos dedos pode indicar fibrose pulmonar intersticial ou bronquiectasias, e
edema ou deformação articular, e as alterações compatíveis com doença de
Raynaud podem indicar uma doença vascular do colágeno, que também pode
causar doença pulmonar.
Os pacientes devem ser solicitados a caminhar enquanto o médico os
observa com oximetria de forma a reproduzir seus sintomas. O paciente deve
ser avaliado durante e após esforços quanto ao desenvolvimento de
anormalidades que não estavam presentes em repouso (p. ex., presença de
sibilos) e quanto às alterações na saturação de oxigênio.
EXAMES LABORATORIAIS
Os exames laboratoriais iniciais devem incluir um hematócrito para excluir
anemia oculta como causa subjacente de redução da capacidade de transporte
de oxigênio contribuindo para a dispneia, e um painel metabólico básico
pode ser útil para excluir acidose metabólica significativa subjacente (e, de
modo inverso, uma elevação no bicarbonato pode apontar para a
possibilidade de retenção de dióxido de carbono, que pode ser vista na
insuficiência respiratória crônica - em tais casos, uma gasometria arterial
pode ser útil para informações adicionais). Outros exames laboratoriais
devem incluir eletrocardiograma, para pesquisar evidências de hipertrofia
ventricular e infarto do miocárdio prévio, e espirometria que pode
diagnosticar a presença de defeito ventilatório obstrutivo e sugerir a
possibilidade de um defeito ventilatório restritivo (isso poderia levar à
realização de outros testes de função pulmonar, incluindo volumes
pulmonares, capacidade de difusão e possíveis testes da função
neuromuscular). A ecocardiografia está indicada para os pacientes com
suspeita de disfunção sistólica, hipertensão pulmonar ou cardiopatia valvar.
Os testes de estimulação brônquica e/ou o monitoramento domiciliar do pico
de fluxo (peak flow) podem ser úteis em pacientes com sintomas
intermitentes sugestivos de asma, mas com exame físico e espirometria
normais; até um terço dos pacientes com diagnóstico clínico de asma não
apresentam doença reativa das vias aéreas quando são testados formalmente.
A medida dos níveis de peptídeo natriurético cerebral sérico é cada vez mais
usada para avaliar ICC em pacientes com dispneia aguda, mas eles podem
estar elevados também na presença de sobrecarga ventricular direita.
TRATAMENTO
Dispneia
O primeiro objetivo é corrigir a(s) etiologia(s) subjacente(s) causadora(s) da dispneia, abordando as causas
potencialmente reversíveis com o tratamento apropriado para determinada condição. Pode haver
necessidade de múltiplas intervenções diferentes, pois a dispneia costuma ter causas multifatoriais. Se o seu
alívio com o tratamento da condição subjacente não for completamente possível, deve-se tentar reduzir a
intensidade dos sintomas e seus efeitos sobre a qualidade de vida do paciente. Apesar da maior
compreensão dos mecanismos subjacentes da dispneia, houve progresso limitado nas estratégias
terapêuticas para ela. É necessário administrar O2 suplementar se a saturação de O2 em repouso for ≤ 88%
ou se a saturação do paciente cair para esse patamar durante a atividade ou o sono. Em particular, para
pacientes com DPOC, foi demonstrado que o oxigênio suplementar para aqueles com hipoxemia melhora as
taxas de mortalidade, e os programas de reabilitação pulmonar demonstraram efeitos positivos sobre a
dispneia, a capacidade de exercício e as taxas de hospitalização. Foi demonstrado que os opioides reduzem
os sintomas de dispneia, em grande parte por reduzir a sensação de falta de ar e, assim, provavelmente
suprimindo o drive respiratório e influenciando a atividade cortical. Porém, os opioides devem ser
considerados para cada paciente individualmente com base no perfil de risco-benefício com relação aos
efeitos de depressão respiratória. Os estudos de ansiolíticos para dispneia não demonstraram benefício
consistente. Abordagens adicionais estão sendo estudadas para a dispneia, incluindo a inalação de
furosemida que pode alterar a informação sensitiva aferente.
LEITURAS ADICIONAIS
Banzett RB et al: Multidimensional dyspnea profile: An instrument for clinical
and laboratory research. Eur Respir J 45:1681, 2015.
Laviolette L, Laveneziana P on behalf of the ERS Research Seminar Faculty:
Dyspnoea: A multidimensional and multidisciplinary approach. Eur Respir
J 43:1750, 2014.
Parshall MB et al: An Official American Thoracic Society Statement: Update on
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Crit Care Med 185:435, 2012.
Wahls SA: Causes and evaluation of chronic dyspnea. Am Fam Physician
86:173, 2012.
34
Tosse
Christopher H. Fanta
MECANISMO DA TOSSE
A tosse espontânea é desencadeada por estimulação de terminações nervosas
sensitivas que se acredita serem primariamente fibras C e receptores de
adaptação rápida. Estímulos químicos (p. ex., capsaicina) e mecânicos (p. ex.,
partículas de poluição no ar) podem iniciar o reflexo da tosse. Um canal de íon
catiônico – o receptor de potencial transitório vaniloide 1 (TRPV1) – encontrado
nos receptores de adaptação rápida e fibras C é o receptor para a capsaicina, e
sua expressão é aumentada em pacientes com tosse crônica. As terminações
nervosas aferentes inervam de forma abundante a faringe, a laringe e as vias
aéreas ao nível dos bronquíolos terminais e se estendem para o parênquima
pulmonar. Elas também podem ser encontradas no meato acústico externo (o
ramo auricular do nervo vago ou nervo de Arnold) e no esôfago. Os sinais
sensitivos viajam por meio dos nervos vago e laríngeo superior para uma região
do tronco encefálico no núcleo do trato solitário, vagamente identificado como o
“centro da tosse”. O reflexo da tosse envolve uma série altamente orquestrada de
ações musculares involuntárias, também com o potencial de ativação a partir das
vias corticais. As pregas vocais aduzem, levando à oclusão transitória das vias
aéreas superiores. Os músculos expiratórios contraem, gerando pressões
intratorácicas positivas de até 300 mmHg. Com a liberação súbita da contração
laríngea, fluxos expiratórios rápidos são gerados, excedendo o “envelope”
normal do fluxo expiratório máximo visto na curva de fluxo-volume (Fig. 34-1).
A contração do músculo liso brônquico, junto com a compressão dinâmica das
vias aéreas, estreita os lumens das vias aéreas e maximiza a velocidade de
exalação. A energia cinética disponível para desalojar o muco da parte interna
das paredes das vias aéreas é diretamente proporcional ao quadrado da
velocidade do fluxo expiratório. Uma respiração profunda que precede uma
tosse otimiza a função dos músculos expiratórios; uma série de tossidas repetidas
em volumes pulmonares sucessivamente mais baixos limpa o ponto de
velocidade expiratória máxima progressivamente mais para a periferia pulmonar.
FIGURA 34-1 Curva de fluxo-volume mostra picos de fluxo expiratório alto atingidos com a tosse.
TOSSE INEFICAZ
A tosse fraca ou ineficaz compromete a capacidade de limpar as secreções do
trato respiratório inferior, predispondo a infecções mais graves e a suas sequelas.
Fraqueza ou paralisia dos músculos expiratórios (abdominais e intercostais) e
dor na parede torácica ou abdominal estão no topo da lista de causas da tosse
ineficaz (Tab. 34-1). A força da tosse é, em geral, avaliada qualitativamente; o
pico do fluxo expiratório ou a pressão expiratória máxima na boca pode ser
usado como um marcador substituto para a força da tosse. Vários dispositivos e
técnicas de assistência foram desenvolvidos para melhorar a força da tosse,
variando de simples (imobilização dos músculos abdominais com um travesseiro
firmemente preso para reduzir a dor pós-operatória enquanto se tosse) a
complexos (dispositivo mecânico de auxílio à tosse aplicado via máscara facial
ou tubo traqueal que aplica um ciclo de pressão positiva seguida rapidamente por
pressão negativa). A tosse pode não conseguir limpar as secreções apesar da
capacidade preservada de gerar velocidades expiratórias normais; tal
incapacidade pode se dever a secreções anormais das vias aéreas (p. ex.,
bronquiectasia devido à fibrose cística) ou a anormalidades estruturais das vias
aéreas (p. ex., traqueomalacia com colapso respiratório excessivo da traqueia
durante a tosse).
TOSSE SINTOMÁTICA
A tosse pode ocorrer no contexto de outros sintomas respiratórios que, juntos,
conduzem a um diagnóstico, como quando a tosse é acompanhada por sibilância,
dificuldade de respirar e aperto no toráx após a exposição a um gato ou outras
fontes de alergia que sugiram asma. Às vezes, contudo, a tosse é o sintoma
dominante ou único da doença e pode ser de duração e gravidade suficientes
para que o alívio seja buscado. A duração da tosse é a pista para sua etiologia,
pelo menos retrospectiva. A tosse aguda (< 3 semanas) é mais comumente
devida a uma infecção do trato respiratório, aspiração ou inalação de agentes
químicos nocivos ou fumaça. A tosse subaguda (3-8 semanas de duração) é um
sintoma residual comum de traqueobronquite, como na tosse pós-infecciosa por
pertússis ou por vírus. A tosse crônica (> 8 semanas) pode ser causada por uma
ampla variedade de doenças cardiopulmonares, incluindo aquelas de etiologias
inflamatórias, infecciosas, neoplásicas e cardiovasculares. Quando a avaliação
inicial com exame físico e radiografia torácica for normal, a tosse variante de
asma, o refluxo gastresofágico, o gotejamento pós-nasal e medicações
(inibidores da enzima conversora de angiotensina [ECA]) são as causas
identificáveis mais comuns de tosse crônica. Em um tabagista de longa data,
uma tosse produtiva no início da manhã sugere bronquite crônica. Uma tosse
seca e irritativa que dura > 2 meses após uma ou mais infecções do trato
respiratório (“tosse pós-bronquite”) é uma causa muito comum de tosse crônica,
especialmente nos meses de inverno.
CONSIDERAÇÕES GLOBAIS
A exposição regular à poluição do ar pode causar tosse e pigarro crônicos,
bem como doença do trato respiratório inferior. Fumaça de combustíveis
para cozinha doméstica e sistema de aquecimento em locais com ventilação
inadequada; exposições tóxicas em ambientes de trabalho sem a implementação
de padrões de segurança ocupacional; e substâncias químicas e particuladas em
ambientes externos altamente poluídos são formas de poluição do ar que causam
tosse. Há poucas opções terapêuticas disponíveis; o tratamento se concentra na
melhora da qualidade do ar ambiente (p. ex., uso de chaminé para o forno
doméstico), na remoção da exposição e no uso de máscara facial apropriada.
LEITURAS ADICIONAIS
Brightling CE et al: Eosinophilic bronchitis as an important cause of chronic
cough. Am J Respir Crit Care Med 160:406, 1999.
Gibson PG, Vertigan AE: Management of chronic refractory cough. BMJ
351:h5590, 2015.
Kahrilas PJ et al: Chronic cough due to gastroesophageal reflux in adults:
CHEST Guideline and Expert Panel Report. Chest 150:1341, 2016.
Ramsay LE et al: Double-blind comparison of losartan, lisinopril and
hydrochlorothiazide in hypertensive patients with previous angiotensin
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Ryan NM et al: Gabapentin for refractory chronic cough: a randomized, double-
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Smith JA, Woodcock A: Chronic cough. N Engl J Med 375:1544, 2016.
35
Hemoptise
Anna K. Brady, Patricia A. Kritek
AVALIAÇÃO E MANEJO
História A primeira etapa na avaliação da hemoptise é determinar a quantidade
ou a intensidade do sangramento. A descrição que o paciente faz do escarro (p.
ex., raias de sangue, tingidas de rosa, sangue vivo ou coágulos) é útil se não for
possível examiná-lo. Uma abordagem ao manejo da hemoptise é descrita na Fig
ura 35-1.
FIGURA 35-1 Abordagem ao manejo da hemoptise. HC, hemograma completo; TC, tomografia
computadorizada; RXT, radiografia de tórax; EAS, exame de urina.
É fundamental determinar se a quantidade de sangue eliminado é maciça;
embora não exista um volume definido para isso, a perda de 400 mL de sangue
em 24 horas ou de 100 a 150 mL expectorados em uma única vez são
consideradas hemoptise maciça. Esses números derivam do volume da árvore
traqueobrônquica (geralmente 100-200 mL). Essa determinação é clinicamente
importante, pois os pacientes raramente morrem de exsanguinação e, em vez
disso, têm risco de morte por asfixia pelo sangue preenchendo as vias e espaços
aéreos. A maioria dos pacientes não consegue descrever o volume de sua
hemoptise em mL, de modo que pode ser útil o uso de referenciais como xícaras
(uma xícara tem cerca de 236 mL). Felizmente, a hemoptise maciça só ocorre
em 5 a 15% dos casos de hemoptise.
A anamnese cuidadosa pode apontar a causa da hemoptise. Febre, calafrios
ou antecedente de tosse podem sugerir infecção. Uma história de tabagismo ou
de perda ponderal não intencional aumenta a chance de câncer. Os pacientes
devem ser questionados sobre exposições inalatórias. Deve-se obter uma
anamnese abrangente com atenção especial para doença pulmonar crônica, e o
médico deve determinar a presença de fatores de risco para câncer e doença
pulmonar bronquiectásica (p. ex., fibrose cística, sarcoidose).
Exame físico A revisão dos sinais vitais é uma primeira etapa importante. A
presença de hipoxemia, taquipneia e taquicardia devem aumentar a preocupação.
Os médicos devem examinar as cavidades oral e nasal; observar o padrão
respiratório do paciente com atenção especial para qualquer sofrimento
respiratório; e fazer a ausculta pulmonar. O baqueteamento digital pode sugerir
doença pulmonar subjacente, como câncer de pulmão ou fibrose cística. Sinais
de diátese hemorrágica (p. ex., equimoses e petéquias em pele e mucosas) ou
telangiectasias podem sugerir outras predisposições à hemoptise.
LEITURAS ADICIONAIS
Adelman M et al: Cryptogenic hemoptysis: Clinical features, bronchoscopic
findings, and natural history in 67 patients. Ann Int Med 102:829, 1985.
Flume PA et al: CF pulmonary guidelines. Pulmonary complications:
Hemoptysis and pneumothorax. AJRCCM 182:298, 2010.
Hirshberg B et al: Hemoptysis: Etiology, evaluation, and outcome in a tertiary
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Johnson JL: Manifestations of hemoptysis: How to manage minor, moderate, and
massive bleeding. Postgrad Med 112:4:101, 2002.
Lordan JL et al: The pulmonary physician in critical care: Illustrative case 7.
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Sopko DR, Smith TP: Bronchial artery embolization for massive hemoptysis.
Semin Intervent Radiol 28:48, 2011.
36
Hipoxia e cianose
Joseph Loscalzo
HIPOXIA
O principal propósito do sistema cardiorrespiratório é transportar O2 e nutrientes
para as células e remover o CO2 e outros produtos metabólicos delas. A
manutenção adequada dessa função depende não somente da integridade dos
sistemas cardiovascular e respiratório, como também de uma quantidade
adequada de hemácias e hemoglobina, bem como de um suprimento de gás
inspirado que contenha quantidade adequada de O2.
RESPOSTAS À HIPOXIA
A diminuição da disponibilidade de O2 para as células leva à inibição da
fosforilação oxidativa e ao aumento da glicólise anaeróbia. Essa passagem do
metabolismo aeróbio para o anaeróbio, o efeito Pasteur, reduz a taxa de produção
de 5’-trifosfato de adenosina (ATP). Na hipoxia grave, quando a produção de
ATP não se equipara às necessidades de energia do equilíbrio iônico e osmótico,
a despolarização da membrana celular leva a um influxo de Ca2+ descontrolado e
à ativação das fosfolipases e proteases dependentes de Ca2+. Tais eventos, por
sua vez, levam ao edema celular, ativação de vias apoptóticas e, por fim, à morte
celular.
As adaptações à hipoxia são mediadas, em parte, pela suprarregulação de
genes que codificam uma variedade de proteínas, incluindo enzimas glicolíticas,
tais como a fosfogliceratocinase e a fosfofrutocinase, bem como os
transportadores de glicose GLUT-1 e GLUT-2, além dos fatores de crescimento,
como o fator de crescimento do endotélio vascular (VEGF) e a eritropoietina,
que aumenta a produção de eritrócitos. O aumento na expressão dessas proteínas
fundamentais induzido pela hipoxia é governado pelo fator de transcrição
sensível à hipoxia, o fator 1 induzível por hipoxia (HIF-1).
Durante a hipoxia, as arteríolas sistêmicas se dilatam, pelo menos em parte,
por meio da abertura dos canais de KATP nas células do músculo liso vascular,
devido à redução na concentração de ATP induzida pela hipoxia. Por outro lado,
nas células do músculo liso vascular pulmonar, a inibição dos canais de K+ causa
despolarização, que ativa os canais de Ca2+ dependentes de voltagem, elevando a
[Ca2+] citosólica e causando a contração das células do músculo liso. A
constrição arterial pulmonar induzida pela hipoxia desvia o sangue de porções
pouco ventiladas para outras porções do pulmão mais bem ventiladas; entretanto,
ela também aumenta a resistência vascular pulmonar e a pós-carga ventricular
direita.
Efeitos no sistema nervoso central As alterações no sistema nervoso central
(SNC), particularmente nos centros superiores, representam consequências
especialmente importantes da hipoxia. A hipoxia aguda leva ao
comprometimento do julgamento e da coordenação motora, bem como a um
quadro clínico que lembra a intoxicação aguda por álcool. O mal da altitude
caracteriza-se por cefaleia secundária à vasodilatação cerebral, sintomas
gastrintestinais, tontura, insônia, fadiga ou sonolência. A constrição arterial
pulmonar, e algumas vezes venosa, causa extravasamento capilar e edema
pulmonar de altitude elevada (HAPE) (Cap. 33), que intensifica a hipoxia,
promovendo posteriormente vasoconstrição. Raramente se desenvolve um
edema cerebral de altitude elevada (HACE), que se manifesta por cefaleia grave
e papiledema, podendo levar ao coma. Conforme a hipoxia se torna mais grave,
os centros reguladores do tronco encefálico são afetados, e a morte normalmente
ocorre como consequência de insuficiência respiratória.
CAUSAS DA HIPOXIA
Hipoxia respiratória Quando a hipoxia ocorre a partir da insuficiência
respiratória, a PaO2 diminui, e, quando a insuficiência respiratória persiste, a
curva de dissociação de oxigênio-hemoglobina (O2-Hb) (ver Fig. 94-2) é
deslocada para a direita, liberando quantidades maiores de O2 em qualquer nível
de PO2 tecidual. A hipoxemia arterial, isto é, a redução da saturação de O2 no
sangue arterial (SaO2), e a consequente cianose costumam ser mais marcantes
quando tal depressão de PaO2 resulta de doença pulmonar, se comparada à
depressão que ocorre como resultado de diminuição na fração de oxigênio do ar
inspirado (FIO2). Nessa última situação, a PaCO2 cai secundariamente à
hiperventilação induzida pela anoxia, e a curva de dissociação O2-Hb é
deslocada para a esquerda, limitando a diminuição na SaO2 em qualquer nível de
PaO2.
A causa mais comum da hipoxia respiratória é um desequilíbrio da
ventilação-perfusão resultante da perfusão de alvéolos mal ventilados. A
hipoxemia respiratória também pode ser causada por hipoventilação, caso em
que está associada à elevação da PaCO2 (Cap. 279). Essas duas formas de
hipoxia respiratória habitualmente são corrigíveis pela inspiração de O2 a 100%
durante alguns minutos. Uma terceira causa de hipoxia respiratória é a derivação
sanguínea intrapulmonar direta da artéria pulmonar para o leito venoso (shunt
direita-esquerda intrapulmonar) em virtude da perfusão de partes não ventiladas
do pulmão, como na atelectasia pulmonar ou por meio de fístulas arteriovenosas
pulmonares. Nessa situação, a baixa de PaO2 é apenas parcialmente corrigida por
uma FIO2 de 100%.
ADAPTAÇÃO À HIPOXIA
Um importante componente da resposta respiratória à hipoxia se origina em
células quimiossensitivas especiais nos corpos carotídeo e aórtico, bem como no
centro respiratório do tronco encefálico. O estímulo dessas células pela hipoxia
aumenta a ventilação, com uma perda de CO2, e pode levar à alcalose
respiratória. Quando combinado à acidose metabólica resultante da produção de
ácido láctico, o nível de bicarbonato sérico diminui (Cap. 51).
Com a redução da PaO2, a resistência vascular cerebral diminui, e o fluxo
sanguíneo cerebral aumenta, na tentativa de manter o transporte de O2 para o
cérebro. Entretanto, quando a redução da PaO2 é acompanhada de
hiperventilação e de uma redução da PaCO2, a resistência vascular cerebral
aumenta, o fluxo sanguíneo cerebral diminui e a hipoxia tecidual se intensifica.
A vasodilatação sistêmica difusa que ocorre na hipoxia generalizada
aumenta o débito cardíaco. Nos pacientes com patologia cardíaca subjacente na
vigência de hipoxia, a necessidade de um aumento do débito cardíaco por parte
dos tecidos periféricos pode desencadear insuficiência cardíaca congestiva. Nos
pacientes com cardiopatia isquêmica, uma PaO2 reduzida pode intensificar a
isquemia miocárdica e, em seguida, agravar a função ventricular esquerda.
Um dos importantes mecanismos compensatórios da hipoxia crônica é um
aumento na concentração de hemoglobina e no número de eritrócitos no sangue
circulante, isto é, o desenvolvimento de policitemia secundária à produção de
eritropoietina (Cap. 99). Em pacientes com hipoxia crônica secundária à
permanência prolongada em altitudes elevadas (> 4.200 metros), desenvolve-se
uma condição chamada de doença crônica da montanha. Esse distúrbio é
caracterizado por um impulso respiratório atenuado, ventilação reduzida,
eritrocitose, cianose, fraqueza, dilatação ventricular direita secundária à
hipertensão pulmonar e até perda de consciência.
CIANOSE
Cianose refere-se a uma coloração azulada da pele e das mucosas que resulta de
aumento da quantidade de hemoglobina reduzida (i.e., hemoglobina
desoxigenada) ou de derivados da hemoglobina (p. ex., metemoglobina ou
sulfemoglobina) nos pequenos vasos sanguíneos daqueles tecidos. Costuma ser
mais acentuada nos lábios, nos leitos ungueais, nas orelhas e nas proeminências
malares. A cianose, em especial a de início recente, é detectada mais comumente
por um familiar do que pelo paciente. A pele rosada característica de policitemia
vera (Cap. 99) deve ser distinguida da cianose verdadeira aqui abordada. Um
rubor vermelho-cereja, distinto do observado na cianose, é causado pela COHb (
Cap. 450).
O grau de cianose é modificado pela cor do pigmento cutâneo, pela
espessura da pele e pelo estado dos capilares cutâneos. A detecção clínica exata
da presença e do grau da cianose é difícil, conforme comprovado por estudos
oximétricos. Em algumas circunstâncias, a cianose central pode ser detectada
com segurança quando a SaO2 caiu para 85%; em outras, particularmente em
pessoas de pele escura, não pode ser detectada até que tenha havido uma queda
para 75%. No último caso, o exame das mucosas da cavidade oral e das
conjuntivas, em vez do exame da pele, é mais útil para a detecção de cianose.
O aumento na quantidade de hemoglobina reduzida nos vasos
cutaneomucosos que produz a cianose pode ser provocado por aumento na
quantidade de sangue venoso, como resultado da dilatação das vênulas
(incluindo vênulas pré-capilares), ou por uma diminuição da SaO2 no sangue
capilar. Em geral, a cianose torna-se aparente quando a concentração de
hemoglobina reduzida ultrapassa 40 g/L (4 g/dL) no sangue do capilar.
É a quantidade absoluta, em vez da relativa, de hemoglobina reduzida que é
importante na produção da cianose. Por isso, no paciente com anemia grave, a
quantidade relativa de hemoglobina reduzida nas veias pode ser muito grande
quando considerada em relação à quantidade total de hemoglobina no sangue.
Entretanto, como a concentração dessa última mostra-se acentuadamente
reduzida, a quantidade absoluta de hemoglobina reduzida ainda pode ser baixa,
e, portanto, os pacientes com anemia grave e mesmo aqueles com dessaturação
arterial acentuada podem não apresentar cianose. Por outro lado, quanto maior o
conteúdo de hemoglobina total, maior a tendência à cianose; assim, os pacientes
com policitemia acentuada tendem a manifestar cianose em níveis de SaO2 mais
elevados que aqueles com valores normais de hematócrito. Da mesma forma, a
congestão passiva local, que causa um aumento na quantidade total de
hemoglobina reduzida nos vasos em uma determinada área, pode induzir
cianose. A cianose é também observada quando a hemoglobina não funcional,
como a meteglobina (consequencial ou adquirida) ou a sulfemoglobina (Cap. 94
), está presente no sangue.
A cianose pode ser subdividida nos tipos central e periférica. Na cianose
central, a SaO2 é reduzida ou um derivado anormal da hemoglobina está
presente, e tanto as membranas mucosas quanto a pele são afetadas. A cianose
periférica deve-se a um fluxo sanguíneo mais lento e a uma extração
anormalmente elevada de O2 a partir do sangue arterial com saturação normal;
ela resulta da vasoconstrição e da diminuição do fluxo sanguíneo periférico,
como ocorre na exposição ao frio, no choque, na insuficiência congestiva e na
doença vascular periférica. Com frequência, nesses distúrbios, as mucosas da
cavidade oral ou aquelas debaixo da língua podem ser poupadas. A diferenciação
clínica entre as cianoses central e periférica nem sempre é simples, e, em
situações como o choque cardiogênico com edema pulmonar, pode haver uma
mistura de ambos os tipos.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Cianose central (Tab. 36-1) SaO2 reduzida advém de uma redução acentuada na
PaO2. Essa redução pode se originar por um declínio na FIO2 sem hiperventilação
alveolar compensatória suficiente para manter a PO2 alveolar. A cianose
geralmente se manifesta em uma subida à altitude de 4.000 metros.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Cianose
Certas características são importantes para a detecção da causa da cianose:
LEITURAS ADICIONAIS
Callemeyn J et al: Clubbing and hypertrophic osteoarthropathy: Insights into
diagnosis, pathophysiology, and clinical significance. Acta Clin Belg 22:1,
2016.
MacIntyre NR: Tissue hypoxia: Implications for the respiratory clinician. Respir
Care 59:1590, 2014.
37
Edema
Eugene Braunwald, Joseph Loscalzo
TROCA DE LÍQUIDOS PLASMÁTICO E INTERSTICIAL
Cerca de dois terços da água corporal total está em nível intracelular, enquanto
um terço é extracelular. Cerca de um quarto dessa última parte está no plasma,
enquanto o restante compreende o líquido intersticial. O edema representa um
excesso de líquido intersticial que fica evidente clinicamente.
Há trocas constantes de fluidos entre os dois compartimentos de líquido
extracelular. A pressão hidrostática dentro dos capilares e a pressão coloidal
oncótica no líquido intersticial promovem o movimento de água e solutos
passíveis de difusão do plasma para o interstício. Esse movimento é mais
proeminente na origem arterial dos capilares, caindo progressivamente com o
declínio na pressão intracapilar e com a elevação na pressão oncótica em direção
à extremidade venular. O líquido retorna do espaço intersticial para o sistema
vascular em grande parte através do sistema linfático. Essas trocas de fluidos são
normalmente equilibradas de maneira que os volumes dos compartimentos
intravascular e intersticial permaneçam constantes. Porém, ocorre um
movimento resultante de fluidos do espaço intravascular para o intersticial que
pode ser responsável pelo desenvolvimento de edema sob as seguintes
condições: (1) aumento na pressão hidrostática intracapilar; (2) drenagem
linfática inadequada; (3) redução na pressão oncótica do plasma; (4) dano à
barreira endotelial capilar; e (5) aumentos na pressão oncótica no espaço
intersticial.
ARGININA-VASOPRESSINA
(Ver também Cap. 374) A secreção de arginina-vasopressina (AVP) pela
glândula hipofisária posterior ocorre em resposta a um aumento da concentração
osmolar intracelular e, mediante a estimulação dos receptores V2, a AVP
aumenta a reabsorção de água livre nos túbulos distais e ductos coletores dos
rins, aumentando, assim, a água corporal total. A AVP circulante fica elevada em
muitos pacientes com insuficiência cardíaca, secundariamente a um estímulo não
osmótico associado à diminuição do volume arterial efetivo e à complacência
reduzida do átrio esquerdo. Tais pacientes deixam de apresentar a redução
normal de AVP com uma redução da osmolalidade, contribuindo para a
formação de edema e hiponatremia.
ENDOTELINA-1
Esse potente peptídeo vasoconstritor é liberado pelas células endoteliais. Sua
concentração no plasma é elevada em pacientes com insuficiência cardíaca grave
e contribui para vasoconstrição renal, retenção de sódio e edema.
PEPTÍDEOS NATRIURÉTICOS
A distensão atrial causa a liberação de peptídeo natriurético atrial (ANP), um
polipeptídeo, na circulação. Um precursor do ANP de alto peso molecular é
armazenado em grânulos secretórios dentro de miócitos atriais. Um peptídeo
natriurético (pré-pró-hormônio peptídeo natriurético cerebral [BNP])
intimamente relacionado é armazenado primariamente nos miócitos
ventriculares e é liberado quando a pressão diastólica ventricular aumenta. ANP
e BNP (que é derivado de seu precursor) liberados se ligam ao receptor-A
natriurético, que causa: (1) a excreção de sódio e água pelo aumento da taxa de
filtração glomerular, inibindo a reabsorção de sódio no túbulo proximal e
inibindo a liberação de renina e aldosterona; e (2) a dilatação de arteríolas e
vênulas antagonizando as ações vasoconstritoras da AII, AVP e estimulação
simpática. Portanto, níveis elevados de peptídeos natriuréticos possuem a
capacidade de se contrapor à retenção de sódio nos estados hipervolêmicos e
edematosos.
Embora os níveis circulantes de ANP e BNP encontrem-se elevados na
insuficiência cardíaca e na cirrose com ascite, os peptídeos natriuréticos não são
suficientemente potentes para prevenir a formação de edema. Na verdade, nos
estados edematosos, a resistência às ações de peptídeos natriuréticos poderá estar
aumentada, reduzindo ainda mais a sua eficácia.
Uma discussão adicional sobre o controle de equilíbrio de sódio e água é
encontrada no Capítulo C1.
EDEMA GENERALIZADO
As diferenças entre as principais causas do edema generalizado são mostradas na
Tabela 37-1. Os distúrbios cardíacos, renais, hepáticos ou nutricionais são
responsáveis pela grande maioria de pacientes com edema generalizado. Em
consequência, o diagnóstico diferencial do edema generalizado deve ser
direcionado à identificação ou à exclusão dessas várias patologias.
TABELA 37-1 ■ Principais causas de edema generalizado: anamnese, exame físico e achados laboratoriais
Sistema Anamnese Exame físico Achados laboratoriais
orgânico
Cardíaco Dispneia com esforço notável – Pressão venosa jugular elevada, galope Razão entre nitrogênio ureico e
frequentemente associada à ortopneia – ventricular (B3); ocasionalmente, com ictus creatinina elevada comum; sódio
ou dispneia paroxística noturna cordis discinético ou deslocado; cianose sérico geralmente reduzido;
periférica, extremidades frias, pressão de peptídeos natriuréticos elevados
pulso pequena quando grave
Hepático Dispneia rara, exceto se associada a um Frequentemente associada à ascite; pressão Quando grave, reduções na
grau significativo de ascite; na maioria venosa jugular normal ou baixa; pressão albumina sérica, colesterol,
dos casos, existe história de uso abusivo arterial mais baixa do que a observada na outras proteínas hepáticas
de álcool doença renal ou na cardíaca; um ou mais (transferrina, fibrinogênio);
sinais adicionais de doença hepática crônica enzimas hepáticas elevadas,
(icterícia, eritema palmar, contratura de dependendo da causa e
Dupuytren, angioma aracneiforme, intensidade da lesão hepática;
ginecomastia masculina, asterixe e outros tendência à hipopotassemia,
sinais de encefalopatia) podem estar presentes alcalose respiratória; macrocitose
pela deficiência de folato
Renal Geralmente crônica: pode estar Pressão arterial elevada; retinopatia Elevação da creatinina sérica e
(DRC) associada a sinais e sintomas urêmicos, hipertensiva; odor de amônia; atrito cistatina C; albuminúria;
incluindo a diminuição do apetite, pericárdico em casos avançados com uremia hiperpotassemia, acidose
paladar alterado (metálico ou gosto de metabólica, hiperfosfatemia,
peixe), padrão de sono alterado, hipocalcemia, anemia
dificuldade de concentração, pernas (geralmente normocítica)
inquietas ou mioclonia; a dispneia pode
estar presente, mas, em geral, é menos
notável do que na insuficiência cardíaca
Edema periorbital; hipertensão
Renal Diabetes melito da infância; discrasias Proteinúria (≥ 3,5 g/dia);
(SN) das células plasmáticas hipoalbuminemia;
(SN) das células plasmáticas hipoalbuminemia;
hipercolesterolemia; hematúria
microscópica
Siglas: DRC, doença renal crônica; SN, síndrome nefrótica.
Fonte: Modificada de GM Chertow: Approach to the patient with edema, in Primary Cardiology, 2nd ed, E Braunwald, L Goldman (eds).
Philadelphia, Saunders, 2003, pp 117–128.
Edema de doença renal (Ver também Cap. 308) O edema que ocorre durante a
fase aguda da glomerulonefrite é normalmente associado à hematúria,
proteinúria e hipertensão arterial. Na maioria dos casos, o edema resulta da
retenção primária de sódio e água pelos rins devido à disfunção renal. Esse
estado diferencia-se da maioria das formas de insuficiência cardíaca pelo fato de
se caracterizar por um débito cardíaco normal (ou, algumas vezes, ainda
aumentado). Os pacientes com falência renal crônica também podem
desenvolver edema devido à retenção renal primária de sódio e água.
EDEMA LOCALIZADO
Na tromboflebite, em veias varicosas e em falência primária de válvulas
venosas, a pressão hidrostática no leito capilar acima da obstrução (proximal)
aumenta, de modo que uma quantidade anormal de líquido é transferida do
espaço vascular para o intersticial, o que pode gerar edema localizado. Este
último também pode ocorrer na obstrução linfática causada por linfangite
crônica, ressecção de linfonodos regionais, filariose e linfedema genético
(frequentemente chamado de primário). O linfedema genético é particularmente
difícil de tratar, pois a restrição ao fluxo linfático resulta em aumento da pressão
intracapilar e da concentração de proteínas no fluido intersticial, que atuam em
conjunto para agravar a retenção de líquidos.
DISTRIBUIÇÃO DO EDEMA
A distribuição do edema é um indício importante de sua causa. O edema
associado à insuficiência cardíaca tende a ser mais extenso nas pernas e
acentuado ao anoitecer, característica também determinada primordialmente pela
postura. Quando os pacientes com insuficiência cardíaca são mantidos no leito, o
edema poderá ser mais acentuado na região pré-sacral.
O edema resultante da hipoproteinemia, como ocorre na síndrome nefrótica,
é normalmente generalizado, porém é especialmente evidente nos tecidos muito
flácidos das pálpebras e da face, tendendo a ser mais pronunciado pela manhã
devido à posição de decúbito assumida durante a noite. As causas menos
frequentes do edema facial incluem a triquinelose, as reações alérgicas e o
mixedema. O edema limitado a uma perna ou a um ou ambos os braços
normalmente resulta de obstrução venosa e/ou linfática. A paralisia unilateral
reduz a drenagem linfática e venosa no lado acometido e pode também ser
responsável por edema unilateral. Nos pacientes com obstrução da veia cava
superior, o edema limita-se à face, ao pescoço e aos membros superiores, nos
quais a pressão venosa está elevada em comparação com a dos membros
inferiores.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Edema
Uma primeira questão importante consiste em se o edema é localizado ou
generalizado. Caso seja localizado, devem-se considerar os fenômenos locais
que podem ser identificados. Se o edema for generalizado, deve-se
determinar se há hipoalbuminemia grave, por exemplo, albumina sérica < 3,0
g/dL. Em caso positivo, a anamnese, o exame físico, o exame de urina e
outros dados laboratoriais ajudarão a avaliar as hipóteses de cirrose,
desnutrição grave ou síndrome nefrótica ser a doença básica. Se não houver
hipoalbuminemia, deve-se determinar se há evidências de insuficiência
cardíaca grave o suficiente para produzir edema generalizado. Finalmente,
deve-se verificar se o paciente apresenta ou não um débito urinário adequado
ou se há oligúria significativa ou anúria. Tais anormalidades são discutidas
nos Capítulos 48, 304 e 305.
LEITURAS ADICIONAIS
Clark AL, Cleland JG: Causes and treatment of oedema in patients with heart
failure. Nature Rev Cardiol 10:156, 2013.
Damman K et al: Congestion in chronic systolic heart failure is related to renal
dysfunction and increased mortality. Eur J Heart Fail 12:974, 2010.
Ferrell RE et al: GJC2 missense mutations cause human lymphedema. Am J
Hum Genet 86:943, 2010.
Frison S et al: Omitting edema measurement: How much acute malnutrition are
we missing? Am J Clin Nutr 102:1176, 2015.
Levick JR, Michel CC: Microvascular fluid exchange and the revised Starling
principle. Cardiovascular Res 87:198, 2010.
Mortimer PS, Rockson SG: New developments in clinical aspects of lymphatic
disease. J Clin Invest 124:915, 2014.
38
Abordagem ao paciente com sopro
cardíaco
Patrick T. O’Gara, Joseph Loscalzo
FIGURA 38-4 À esquerda. Na estenose pulmonar valvar com septo ventricular íntegro, a ejeção sistólica
ventricular direita fica progressivamente mais longa, com obstrução crescente do fluxo. Como resultado, o
sopro fica mais longo e mais alto, envolvendo o componente aórtico da segunda bulha cardíaca (A2). O
componente pulmonar (P2) ocorre mais tarde, e o desdobramento fica mais amplo, mas mais difícil de
auscultar, porque A2 fica perdido no sopro e P2 fica progressivamente mais fraco e com tom mais grave. À
medida que o gradiente pulmonar aumenta, a contração isométrica encurta até que o som de ejeção valvar
pulmonar funde-se com a primeira bulha cardíaca (B1). Na estenose pulmonar grave com hipertrofia
concêntrica e complacência ventricular direita decrescente, surge uma quarta bulha cardíaca. À direita. Na
tetralogia de Fallot com obstrução crescente, na área infundibular pulmonar, uma quantidade crescente de
sangue ventricular direito é desviada por meio do defeito septal ventricular silencioso e o fluxo através do
trato do fluxo obstruído diminui. Portanto, com a obstrução crescente, o sopro fica mais curto, mais precoce
e mais fraco. P2 está ausente na tetralogia de Fallot grave. Uma raiz aórtica grande recebe quase todo o
débito cardíaco de ambas as câmaras ventriculares, e a aorta se dilata e é acompanhada por um som ejetivo
da raiz que não varia com a respiração. (De JA Shaver, JJ Leonard, DF Leon: Examination of the Heart,
Part IV, Auscultation of the Heart. Dallas, American Heart Association, 1990, p 45. Copyright, American
Heart Association.)
Sopros sistólicos tardios Um sopro sistólico tardio, que é mais bem audível no
ápice ventricular esquerdo, é frequentemente causado pela PVM (Cap. 260).
Muitas vezes, esse sopro é introduzido por um ou mais cliques não ejetivos. A
irradiação do sopro pode ajudar a identificar o folheto mitral específico
envolvido no processo de prolapso, ou flail. O termo flail refere-se ao
movimento feito por uma porção não sustentada do folheto (geralmente a ponta)
após perda de sua(s) fixação(ões) à cordoalha. Com prolapso ou flail do folheto
posterior, o jato resultante de IM é dirigido anterior e medialmente, o que faz o
sopro se irradiar para a base do coração e mascarar-se como EAo. O prolapso ou
flail do folheto anterior resulta em um jato de IM direcionado posteriormente
que se irradia para as axilas ou para a região infraescapular esquerda. O flail do
folheto está associado a um sopro de intensidade de grau 3 ou 4 que pode ser
auscultado em todo o precórdio nos pacientes com tórax magro. A presença de
uma B3 ou de um sopro mesodiastólico curto e com ruflar decorrente de fluxo
aumentado significa que há IM grave.
Manobras à beira do leito que reduzem a pré-carga ventricular esquerda,
como ficar em pé, farão o clique e o sopro da PVM aproximarem-se da primeira
bulha cardíaca, já que o prolapso do folheto ocorre mais cedo na sístole. A
posição em pé também faz o sopro ficar mais alto e mais longo. Na posição de
agachamento, a pré-carga ventricular esquerda e a pós-carga são aumentadas
abruptamente, levando a um aumento do volume ventricular esquerdo, e o clique
e sopro abandonam a primeira bulha cardíaca, à medida que o prolapso do
folheto é retardado; o sopro fica mais suave e apresenta duração mais curta (Fig.
38-3). Como observado anteriormente, essas respostas às posições em pé e de
agachamento são direcionalmente semelhantes àquelas observadas nos pacientes
com MCHO.
Um sopro sistólico apical tardio indicativo de IM pode ser auscultado
transitoriamente no contexto de isquemia miocárdica aguda; ele é causado por
retração apical e má coaptação dos folhetos em resposta a alterações estruturais e
funcionais do ventrículo e do ânulo mitral. A intensidade do sopro varia em
função da pós-carga ventricular esquerda e aumentará em caso de hipertensão. A
ETT é recomendada para avaliação de sopros sistólicos tardios.
FIGURA 38-6 Sopro de enchimento diastólico (ruflar) na estenose mitral. Na estenose mitral leve, o
gradiente diastólico da valva é limitado às fases de enchimento ventricular rápido na diástole precoce e na
pré-sístole. O ruflar pode ocorrer durante um ou outro período ou em ambos. À medida que o processo de
estenose torna-se grave, há um gradiente maior de pressão através da valva durante todo o período de
enchimento diastólico, e o ruflar persiste por toda a diástole. À medida que a pressão atrial esquerda torna-
se maior, o intervalo entre A2 (ou P2) e o estalido de abertura (EA) encurta-se. Na estenose mitral grave,
desenvolve-se hipertensão pulmonar secundária que resulta em P2 hiperfonético, e o intervalo de
desdobramento, em geral, estreita-se. ECG, eletrocardiograma. (De JA Shaver, JJ Leonard, DF Leon:
Examination of the Heart, Part IV, Auscultation of the Heart. Dallas, American Heart Association, 1990, p
55. Copyright, American Heart Association.)
SOPROS CONTÍNUOS
(Figs. 38-1H e 38-7) Sopros contínuos começam na sístole, atingem o pico
próximo à segunda bulha cardíaca e continuam em toda ou parte da diástole. Sua
presença em todo o ciclo cardíaco implica um gradiente de pressão entre duas
câmaras ou vasos durante a sístole e a diástole. O sopro contínuo associado a um
ducto arterioso persistente é mais bem auscultado na borda esternal esquerda
superior. Shunts grandes e não corrigidos podem levar a hipertensão pulmonar,
atenuação ou obliteração do componente diastólico do sopro, reversão do fluxo
do shunt e cianose diferencial dos membros inferiores. Um aneurisma roto do
seio de Valsalva cria um sopro contínuo de início abrupto na borda esternal
direita superior. A ruptura geralmente ocorre em uma câmara cardíaca direita, e o
sopro é indicativo de uma diferença de pressão contínua entre a aorta e o
ventrículo direito ou o átrio direito. Um sopro contínuo também pode ser audível
ao longo da borda esternal esquerda com uma fístula arteriovenosa coronariana e
no local de uma fístula arteriovenosa usada para acesso à hemodiálise. O
aumento do fluxo através das artérias colaterais intercostais aumentadas em
pacientes com coarctação aórtica pode produzir um sopro contínuo na extensão
de uma ou mais costelas. Um ruído cervical com componentes sistólicos e
diastólicos (um sopro sistodiastólico, Fig. 38-7) geralmente indica uma estenose
de artéria carotídea de alto grau.
FIGURA 38-7 Comparação entre sopro contínuo e sopro sistodiastólico. Durante a comunicação
anormal entre sistemas de alta pressão e de baixa pressão, existe um grande gradiente de pressão em todo o
ciclo cardíaco, produzindo um sopro contínuo. Um exemplo clássico é o ducto arterioso persistente. Às
vezes, esse tipo de sopro pode ser confundido com um sopro sistodiastólico, que é uma combinação de
sopro de ejeção sistólica e de um sopro de incompetência de valva semilunar. Um exemplo clássico de
sopro sistodiastólico é a estenose e a insuficiência aórticas. Um sopro contínuo ocorre em crescendo
próximo à segunda bulha (B2), enquanto o sopro sistodiastólico tem dois componentes. O componente de
ejeção mesossistólica ocorre em decrescendo e desaparece à medida que se aproxima de B2. (De JA Shaver,
JJ Leonard, DF Leon: Examination of the Heart, Part IV, Auscultation of the Heart. Dallas, American
Heart Association, 1990, p 55. Copyright, American Heart Association.)
AUSCULTA DINÂMICA
(Tab. 38-2; ver Tab. 234-1) A atenção cuidadosa ao comportamento dos sopros
cardíacos durante manobras simples que alteram a hemodinâmica cardíaca pode
fornecer indícios importantes sobre sua causa e seu significado.
TABELA 38-2 ■ Ausculta dinâmica: manobras à beira do leito que podem ser usadas para mudar a
intensidade dos sopros cardíacos (ver texto)
1. Respiração
2. Exercício isométrico (manobra de preensão manual (handgrip)
3. Oclusão arterial transitória
4. Manipulação farmacológica de pré-carga e/ou pós-carga
5. Manobra de Valsalva
6. Levantar-se/agachar-se rapidamente
7. Elevação passiva da perna
8. Batimento pós-extrassístole
CONTEXTO CLÍNICO
Outros indícios sobre a etiologia e a importância de um sopro cardíaco podem
ser coletados a partir da história e de outros achados do exame físico. Os
sintomas sugestivos de doença cardiovascular, neurológica ou pulmonar ajudam
a enfocar o diagnóstico diferencial, assim como os achados relevantes para a
pressão venosa jugular e as formas de onda, os pulsos arteriais, outras bulhas
cardíacas, os pulmões, o abdome, a pele e as extremidades também ajudam. Em
muitos casos, exames laboratoriais, ECG e/ou raios X de tórax podem ter sido
obtidos anteriormente e podem conter informações valiosas. Um paciente com
suspeita de endocardite infecciosa, por exemplo, pode ter um sopro em um
contexto de febre, calafrios, anorexia, fadiga, dispneia, esplenomegalia,
petéquias e hemoculturas positivas. Um sopro sistólico novo em um paciente
com queda acentuada da pressão arterial após IAM recente sugere ruptura do
miocárdio. Em contrapartida, um sopro mesossistólico isolado de grau 1 ou 2 na
borda esternal esquerda em um adulto jovem sadio, ativo e assintomático é mais
provavelmente um achado benigno para o qual nenhuma avaliação adicional é
indicada. O contexto no qual o sopro é avaliado frequentemente exprime a
necessidade de exames adicionais e a velocidade da avaliação.
ECOCARDIOGRAFIA
(Fig. 38-9; Caps. 234 e 236) A ecocardiografia com fluxo em cores e Doppler
espectral é uma ferramenta valiosa para a avaliação de sopros cardíacos. As
informações em relação a estrutura e função valvar, tamanho da câmara,
espessura da parede, função ventricular, pressões arteriais pulmonares estimadas,
fluxo de shunt intracardíaco, fluxo venoso pulmonar e hepático e fluxo aórtico
podem ser imediatamente verificadas. É importante observar que sinais de
Doppler de insuficiência valvar mínima ou leve sem consequências clínicas
podem ser detectados com valvas tricúspides, pulmonares e mitrais
estruturalmente normais. Esses sinais provavelmente não geram turbulência
suficiente para criar um sopro audível.
A ecocardiografia é indicada para a avaliação de pacientes com sopros
precoces, tardios ou holossistólicos e para pacientes com sopros mesossistólicos
de grau 3 ou mais altos. Os pacientes com sopros mesossistólicos de grau 1 ou 2,
mas com outros sinais ou sintomas de doença cardiovascular, incluindo aqueles
de ECG ou raios X, também devem ser submetidos à ecocardiografia. A
ecocardiografia também é indicada para a avaliação de qualquer paciente com
sopro diastólico e para pacientes com sopros contínuos não causados por um
zumbido venoso ou sopro mamário. A ecocardiografia deve ser considerada
quando há uma necessidade clínica de verificar a estrutura e a função cardíacas
normais de um paciente cujos sinais e sintomas provavelmente são de origem
não cardíaca. A realização de ecocardiografia seriada para acompanhar a
evolução de indivíduos assintomáticos com cardiopatia valvar é uma
característica primordial de sua avaliação longitudinal e fornece informações
valiosas que podem influenciar consideravelmente as decisões quanto ao
momento da cirurgia. A ecocardiografia de rotina não é recomendada para
pacientes assintomáticos com sopro mesossistólico de grau 1 ou 2 sem outros
sinais de cardiopatia. Para essa categoria de pacientes, o encaminhamento a um
especialista cardiovascular deve ser considerado se houver dúvidas sobre a
importância do sopro após o exame inicial.
O uso seletivo de ecocardiografia delineado anteriormente não foi
submetido a uma análise rigorosa do custo-benefício. Para alguns médicos, os
dispositivos portáteis ou miniaturizados de ultrassonografia cardíaca
substituíram o estetoscópio. Embora vários relatos atestem a sensibilidade
aperfeiçoada desses dispositivos para a detecção de cardiopatia valvar (p. ex.,
cardiopatia reumática em populações suscetíveis), a acurácia depende fortemente
do operador, e as considerações sobre o aumento do custo e os desfechos não
foram adequadamente abordadas na maioria das situações clínicas. O uso de
estetoscópios eletrônicos ou digitais com recursos como display espectral
também foi proposto como método para melhorar a caracterização dos sopros
cardíacos e o ensino orientado da ausculta cardíaca.
ABORDAGEM INTEGRADA
A identificação precisa de um sopro começa com uma abordagem sistemática à
ausculta cardíaca. A caracterização de seus principais atributos, como revisado
anteriormente, possibilita ao examinador construir um diagnóstico diferencial
preliminar, que é depois refinado pela integração das informações disponíveis a
partir da anamnese, de achados cardíacos associados, do exame físico geral e do
contexto clínico. A necessidade e a urgência de exames adicionais vêm em
seguida. A correlação dos achados à ausculta com os dados não invasivos
fornece um recurso de informação adicional e uma oportunidade de aumentar as
habilidades para o exame físico. Restrições de custos exigem que os exames de
imagem não invasivos sejam justificados com base em sua contribuição para o
diagnóstico, tratamento e prognóstico. A ausculta cardíaca com o uso de um
estetoscópio permanece sendo uma tradição médica honrada pelo tempo e cujos
benefícios se estendem além do reconhecimento acurado dos sons cardíacos. A
sua potencialização seletiva (em vez da substituição total) com ultrassonografia
portátil e tecnologias mais novas pode melhorar a acurácia diagnóstica e orientar
melhor as decisões terapêuticas.
LEITURAS ADICIONAIS
Edelman ER, Weber BN: Tenuous tether. N Engl J Med 373:2199, 2015.
Fang LC, O’Gara PT: The history and physical examination. An evidence-based
approach, in Braunwald’s Heart Disease. A Textbook of Cardiovascular
Medicine, 10th ed, DL Mann et al (eds). Philadelphia, Elsevier/Saunders,
2015, pp 95-113.
Fuster V: The stethoscope’s prognosis. Very much alive and very necessary. J
Am Coll Cardiol 67:1118, 2016.
Kimura BJ et al: Cardiac limited ultrasound examination techniques to augment
the bedside cardiac physical examination. J Ultrasound Med 34:1683, 2015.
Lai LS et al: Computerized automatic diagnosis of innocent and pathologic
murmurs in pediatrics: A pilot study. Congen Heart Dis 11:386, 2016.
Nishimura R et al: 2014 AHA/ACC guideline for the management of patients
with valvular heart disease. J Am Coll Cardiol 63:2438, 2014.
Shrestha NR et al: Prevalence of subclinical rheumatic heart disease in Eastern
Nepal: A school-based cross-sectional study. JAMA Cardiol 1:89, 2016.
Stokke TM et al: Brief group training of medical students in focused cardiac
ultrasound may improve diagnostic accuracy of physical examination. J Am
Soc Echocardiogr 27:1238, 2014.
39
Palpitações
Joseph Loscalzo
ABORDAGEM AO PACIENTE
Palpitações
O principal objetivo ao avaliar pacientes com palpitações é determinar se o
sintoma é causado por uma arritmia potencialmente fatal. Os pacientes com
doença arterial coronariana (DAC) preexistente ou fatores de risco para ela
correm maior risco de ter arritmias ventriculares (Cap. 241) como causa de
palpitações. Além disso, a associação de palpitações a outros sintomas
sugestivos de comprometimento hemodinâmico, como síncope ou sensação
de tonturas, confirmam o diagnóstico. As palpitações causadas por
taquiarritmias sustentadas em pacientes com DAC podem ser acompanhadas
por angina pectoris ou dispneia e, nos pacientes com disfunção ventricular
(sistólica ou diastólica), estenose aórtica, miocardiopatia hipertrófica ou
estenose mitral, (com ou sem DAC), podem ser acompanhadas por dispneia
devido ao aumento da pressão venosa pulmonar e atrial esquerda.
Os aspectos fundamentais do exame físico que ajudam a confirmar ou
excluir a presença de uma arritmia como causa das palpitações (e suas
consequências hemodinâmicas adversas) incluem aferição dos sinais vitais,
avaliação da pressão venosa jugular e do pulso, bem como auscultação do
tórax e precórdio. Um eletrocardiograma em repouso pode ser feito para
registrar a arritmia. Caso se saiba que algum esforço induziu a arritmia e as
palpitações que a seguiram, pode-se fazer um eletrocardiograma de esforço
para estabelecer o diagnóstico. Se a arritmia for pouco frequente, outros
métodos devem ser usados, como a monitoração eletrocardiográfica contínua
(Holter); monitoração telefônica, em que o paciente pode transmitir um
traçado eletrocardiográfico durante um episódio; gravação em loop (monitor
de eventos, externos ou implantados), que podem capturar o evento
eletrocardiográfico para revisão posterior; e telemetria ambulatorial cardíaca
móvel. Dados sugerem que a monitoração por Holter é de utilidade clínica
limitada, enquanto a gravação em loop implantável e a telemetria
ambulatorial cardíaca móvel são seguras e possivelmente mais custo-efetivas
na avaliação dos pacientes com palpitações recorrentes (infrequentes),
inexplicadas.
A maioria dos pacientes com palpitações não tem arritmias graves nem
cardiopatia estrutural subjacente. As extrassístoles atriais ou ventriculares
benignas ocasionais geralmente podem ser tratadas com betabloqueadores se
causarem problemas para o paciente. As palpitações provocadas por álcool,
tabaco ou drogas ilícitas têm de ser tratadas com abstinência, enquanto que
nas causadas por agentes farmacológicos devam ser consideradas terapias
alternativas quando apropriado ou possível. As causas psiquiátricas das
palpitações podem beneficiar-se de terapias cognitivas ou farmacológicas. O
médico deve lembrar que as palpitações são inconvenientes e, às vezes,
amedrontam o paciente. Assim que as causas graves do sintoma tenham sido
excluídas, deve-se tranquilizar o paciente explicando-lhe que as palpitações
não afetam de forma adversa o prognóstico.
LEITURAS ADICIONAIS
Crossland S, Berkin L: Problem based review: The patient with palpitations.
Acute Med 11:169, 2012.
Jamshed N, Dubin J, Eldagah Z: Emergency management of palpitations in the
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Seção 6 Alterações na função
gastrintestinal
40
Disfagia
Ikuo Hirano, Peter J. Kahrilas
FISIOLOGIA DA DEGLUTIÇÃO
A deglutição começa com uma fase voluntária (oral) que inclui uma preparação
durante a qual um alimento é mastigado e misturado com a saliva. Isso é seguido
por uma fase de transferência na qual o bolo é empurrado para a faringe pela
língua. A entrada do bolo na hipofaringe inicia a resposta de deglutição faríngea,
que é mediada centralmente e que envolve uma série de ações complexas, cujo
resultado final é propelir o alimento através da faringe para dentro do esôfago
enquanto evita sua entrada nas vias aéreas. Para executar isso, a laringe é
elevada e puxada para frente, ações que também facilitam a abertura do esfincter
esofágico superior (EES). A propulsão da língua impulsiona o bolo através do
EES, seguido por uma contração peristáltica que limpa o resíduo da faringe e do
esôfago. O esfincter esofágico inferior (EEI) relaxa à medida que o alimento
entra no esôfago e permanece relaxado até que a contração peristáltica tenha
liberado o bolo dentro do estômago. As contrações peristálticas desencadeadas
em resposta à deglutição são chamadas de peristalse primária e envolvem
inibição sequenciada seguida de contração da musculatura ao longo de todo o
comprimento do esôfago. A inibição que precede à contração peristáltica é
chamada de inibição deglutiva. A distensão focal do esôfago em qualquer
segmento ao longo de seu comprimento, que pode ocorrer com o refluxo
gastresofágico, ativa a peristalse secundária, que começa no ponto de distensão
e prossegue distalmente. As contrações esofágicas terciárias são contrações
esofágicas não peristálticas desordenadas, que podem ser observadas ocorrendo
espontaneamente durante um exame de radioscopia.
A musculatura da cavidade oral, faringe, EES e esôfago cervical é estriada e
diretamente inervada por neurônios motores inferiores localizados nos nervos
cranianos (Fig. 40-1). Os músculos da cavidade oral são inervados pelo quinto
(trigêmeo) e sétimo (facial) nervos cranianos. A língua, pelo décimo segundo
(hipoglosso) nervo craniano. Os músculos faríngeos são inervados pelo nono
(glossofaríngeo) e décimo (vago) nervos cranianos.
FISIOPATOLOGIA DA DISFAGIA
A disfagia pode ser subclassificada com base na localização e nas circunstâncias
em que ela ocorre. Com respeito à localização, considerações distintas aplicam-
se à disfagia oral, faríngea ou esofágica. O transporte normal do bolo alimentar
ingerido depende da sua consistência e tamanho, do calibre do lúmen, da
integridade da contração peristáltica e da inibição deglutiva do EES e do EEI. A
disfagia causada por um bolo de tamanho exagerado ou por um lúmen estreito é
chamada disfagia estrutural, enquanto a disfagia que se deve às anormalidades
da peristalse ou do relaxamento reduzido do esfincter depois da deglutição é
chamada disfagia propulsora ou motora. Em determinado paciente, pode haver
mais de um mecanismo em ação. A esclerodermia geralmente se apresenta com
peristalse ausente bem como um EEI enfraquecido, que predispõe os pacientes à
formação de estenose péptica. Da mesma forma, a radioterapia para o câncer da
cabeça e pescoço pode agravar os déficits funcionais da deglutição orofaríngea
atribuíveis ao tumor e causar estenose esofágica cervical. É importante salientar
que, além do trânsito do bolo alimentar, o relato do sintoma de disfagia pelo
paciente depende da integridade da inervação sensitiva e da percepção no
sistema nervoso central.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Disfagia
A Figura 40-2 mostra um algoritmo para a abordagem a um paciente com
disfagia.
FIGURA 40-2 Abordagem ao paciente com disfagia. As etiologias em negrito são as mais comuns.
AVC, acidente vascular cerebral; ONG, orelha, nariz e garganta; DRGE, doença do refluxo
gastresofágico.
HISTÓRIA
A história do paciente é extremamente valiosa para o estabelecimento de um
diagnóstico presumível ou, no mínimo, para limitar substancialmente os
diagnósticos diferenciais na maioria dos casos. Os elementos principais da
história são a localização da disfagia, as circunstâncias nas quais a disfagia é
experimentada, outros sintomas associados à disfagia e sua progressão. A
disfagia que se localiza na incisura supraesternal pode indicar tanto uma
etiologia orofaríngea como uma esofágica, enquanto a disfagia distal é
referida proximalmente em cerca de 30% do tempo. A disfagia que se
localiza no tórax é de origem esofágica. A regurgitação nasal e a aspiração
traqueobrônquica evidenciadas por tosse ao deglutir são marcas
características da disfagia orofaríngea. Tosse intensa associada à deglutição
também pode ser um sinal de fístula traqueoesofágica. A presença de
rouquidão pode ser outro indício diagnóstico importante. Quando a
rouquidão precede à disfagia, a lesão primária é geralmente laríngea; a
rouquidão que ocorre depois do desenvolvimento de disfagia pode resultar do
comprometimento do nervo laríngeo recorrente por uma neoplasia maligna.
O tipo de alimento que causa disfagia é um detalhe crucial. A disfagia
intermitente que ocorre apenas com alimentos sólidos implica disfagia
estrutural, enquanto a disfagia constante com líquido e sólido sugere
fortemente uma anormalidade motora. Duas ressalvas a esse padrão são que,
apesar de terem uma anormalidade motora, os pacientes com esclerodermia
geralmente desenvolvem disfagia leve apenas para sólidos e, um tanto quanto
paradoxal, que pacientes com disfagia orofaríngea muitas vezes têm maior
dificuldade em deglutir líquidos que sólidos. A disfagia que é progressiva ao
longo de semanas a meses sugere neoplasia. Disfagia periódica aos alimentos
sólidos, que não se altera ou progride lentamente ao longo de alguns anos,
indica um processo patológico benigno como anel de Schatzki ou esofagite
eosinofílica. Impacção do alimento com incapacidade persistente de passar o
bolo alimentar ingerido mesmo com a ingestão de líquido é típica de disfagia
estrutural. A dor torácica frequentemente acompanha a disfagia, quer esteja
relacionada com distúrbios motores, distúrbios estruturais ou doença do
refluxo. História prolongada de pirose precedendo ao início da disfagia é
sugestiva de estenose péptica e, menos comumente, adenocarcinoma
esofágico. História de intubação nasogástrica prolongada, cirurgia esofágica
ou da cabeça e pescoço, ingestão de agentes cáusticos ou comprimidos,
radioterapia ou quimioterapia prévias ou doenças mucocutâneas associadas
pode ajudar a isolar a causa da disfagia. Quando o paciente também refere
odinofagia, que geralmente é indicativa de ulceração, deve-se suspeitar de
esofagite infecciosa ou induzida por comprimidos. Nos pacientes com Aids
ou outros distúrbios imunossupressores, deve-se considerar esofagite causada
por infecções por microrganismos oportunistas (inclusive Candida, herpes-
vírus simples ou citomegalovírus) e tumores como sarcoma de Kaposi e
linfoma. História inequívoca de atopia aumenta as possibilidades de esofagite
eosinofílica, especialmente nos pacientes brancos jovens do sexo masculino.
EXAME FÍSICO
O exame físico é importante para a avaliação da disfagia oral e faríngea
porque a disfagia geralmente é apenas uma entre muitas manifestações de um
processo patológico mais generalizado. O médico deve buscar sinais de
paralisia bulbar ou pseudobulbar, incluindo disartria, disfonia, ptose, atrofia
na língua e reflexo mandibular hiperativo, além de evidências de uma doença
neuromuscular generalizada. O pescoço deve ser examinado para
tireomegalia. A inspeção cuidadosa da boca e da faringe deve mostrar lesões
que possam interferir com a passagem do alimento. A falta de dentes pode
interferir com a mastigação e exacerbar uma causa existente de disfagia. O
exame físico é menos útil na avaliação da disfagia esofágica, uma vez que a
patologia mais relevante é restrita ao esôfago. Uma notável exceção são as
doenças dermatológicas. Anormalidades cutâneas podem sugerir o
diagnóstico de esclerodermia ou doenças mucocutâneas, como penfigoide,
líquen plano e epidermólise bolhosa – todas podem envolver o esôfago.
PROCEDIMENTOS DIAGNÓSTICOS
Embora a maioria dos casos de disfagia seja atribuível a processos de doença
benignos, a disfagia também é um sintoma cardinal de várias malignidades,
tornando-a um importante sintoma para avaliação. O câncer pode resultar em
disfagia devido à obstrução intraluminal (câncer esofágico ou gástrico
proximal, depósitos metastáticos), compressão extrínseca (linfoma, câncer de
pulmão) ou síndromes paraneoplásicas. Mesmo quando não atribuível à
malignidade, a disfagia geralmente é uma manifestação de uma doença
identificável e tratável, tornando sua avaliação benéfica ao paciente e
gratificante para o profissional. O algoritmo diagnóstico específico é
orientado pelos detalhes da história clínica (Fig. 40-2). Se houver suspeita de
disfagia oral ou faríngea, um estudo radioscópico da deglutição, geralmente
feito por um terapeuta de deglutição, é o procedimento de escolha. As
avaliações otorrinolaringoscópica e neurológica também podem ser
importantes, dependendo das circunstâncias. Quando há suspeita de disfagia
esofágica, endoscopia do tubo digestivo alto é o exame simples mais útil. A
endoscopia permite examinar as lesões da mucosa com mais detalhes que a
radiografia com bário e também possibilita a realização de biópsias da
mucosa. Anormalidades endoscópicas ou histológicas são evidentes nas
causas principais de disfagia esofágica: anel de Schatzki, doença do refluxo
gastresofágico e esofagite eosinofílica. Além disso, a intervenção terapêutica
com dilatação esofágica pode ser feita como parte do procedimento se for
considerada necessária. O surgimento da esofagite eosinofílica como uma das
causas principais de disfagia das crianças e dos adultos resultou na
recomendação de que as biópsias da mucosa esofágicas sejam rotineiramente
obtidas como parte da avaliação da disfagia sem explicação, mesmo que não
haja lesões endoscópicas características evidentes. Para os casos suspeitos de
distúrbios da motilidade esofágica, a endoscopia ainda é o exame inicial
adequado, na medida em que as doenças neoplásicas e inflamatórias podem
secundariamente produzir padrões de acalasia e espasmo esofágico. A
manometria esofágica deve ser realizada quando a disfagia não é
adequadamente explicada pela endoscopia ou para confirmar o diagnóstico
de um suposto distúrbio motor esofágico. A radiografia com bário pode
fornecer informações complementares úteis nos casos de estenoses
esofágicas sutis ou complexas, histórico de cirurgia esofágica, divertículos
esofágicos ou herniação paraesofágica. Nos casos específicos, a tomografia
computadorizada (TC) e a ultrassonografia endoscópica podem ser úteis.
TRATAMENTO
O tratamento da disfagia depende da sua localização e etiologia específica. A
disfagia orofaríngea resulta mais comumente dos déficits funcionais
causados por distúrbios neurológicos. Nesses casos, o tratamento deve
enfatizar a utilização de posturas ou manobras destinadas a reduzir o resíduo
faríngeo e aumentar a proteção das vias aéreas, que são ensinadas sob a
direção de um terapeuta de deglutição experiente. O risco de aspiração pode
ser reduzido pela alteração da consistência dos alimentos ou líquidos
ingeridos. A disfagia resultante de um AVC geralmente melhora
espontaneamente nas primeiras semanas depois do evento. Casos mais graves
e persistentes podem requerer gastrostomia e nutrição enteral. Os pacientes
com miastenia gravis (Cap. 440) e polimiosite (Cap. 358) podem responder
ao tratamento clínico da doença neuromuscular primária. A intervenção
cirúrgica com miotomia cricofaríngea geralmente não é útil, com exceção
dos distúrbios específicos, como acalasia cricofaríngea idiopática, divertículo
de Zenker e distrofia muscular oculofaríngea. Distúrbios neurológicos
crônicos, como doença de Parkinson e esclerose lateral amiotrófica, podem
manifestar-se com disfagia orofaríngea grave. A nutrição por meio de um
tubo nasogástrico ou um tubo de gastrostomia endoscopicamente colocado
pode ser considerada como medida de suporte nutricional; contudo essas
manobras não fornecem proteção contra a aspiração de secreções salivares ou
conteúdos gástricos refluídos.
O tratamento da disfagia esofágica está descrito detalhadamente no Cap
ítulo 316. A maioria das causas de disfagia esofágica é tratada eficazmente
por meio de dilatação esofágica usando vela ou dilatação com balão. Em
muitos casos, câncer e acalasia são tratados cirurgicamente, embora as
técnicas endoscópicas estejam disponíveis como medida paliativa e
tratamento primário, respectivamente. As etiologias infecciosas respondem
aos fármacos antimicrobianos ou ao tratamento do distúrbio imunossupressor
subjacente. Por fim, a esofagite eosinofílica tem surgido como uma
importante causa de disfagia, que responde ao tratamento de eliminação de
alérgenos alimentares ou administração de glicocorticoides tópicos de ação
local por deglutição.
LEITURAS ADICIONAIS
Cook IJ: Oropharyngeal dysphagia. Gastroenterol Clin North Am 38:411, 2009.
Hirano I: Esophagus: Anatomy and structural anomalies, in Yamada Atlas of
Gastroenterology, 6th ed. Wiley-Blackwell Publishing Co. 2016, pp 42–59.
Kahrilas PJ et al: The Chicago Classification of esophageal motility disorders,
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10th ed, Feldman M, Friedman LS, Brandt LJ (eds). Philadelphia, Elsevier,
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Shaker R et al (eds): Principles of Deglutition: A Multidisciplinary Text for
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41
Náuseas, vômitos e indigestão
William L. Hasler
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
A náusea e os vômitos são causados por condições internas e externas ao
intestino, por fármacos e por toxinas circulantes (Tab. 41-1). As causas
indeterminadas de náuseas e vômitos crônicos são relativamente raras, sendo
encontradas em 2 a 3% da população.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Náusea e vômitos
HISTÓRIA E EXAME FÍSICO
A anamnese ajuda a definir a etiologia das náuseas e dos vômitos. Os
fármacos, as toxinas e as infecções frequentemente causam sintomas agudos,
enquanto as doenças estabelecidas originam queixas crônicas. A
gastroparesia e a obstrução pilórica provocam vômito dentro de 1 hora depois
da alimentação. O vômito causado por obstrução intestinal ocorre mais
tardiamente. Os vômitos que ocorrem minutos depois da ingestão de uma
refeição sugerem síndrome de ruminação. Nos casos em que há retardos
graves do esvaziamento gástrico, o vômito pode conter restos alimentares
ingeridos dias antes. Hematêmese sugere úlcera, câncer ou laceração de
Mallory-Weiss. Vômitos fecaloides ocorrem com obstrução dos segmentos
distais do intestino delgado ou do intestino grosso. Vômitos biliares excluem
obstrução gástrica, enquanto vômito de alimentos não digeridos é compatível
com o divertículo de Zenker ou acalasia. O vômito pode aliviar a dor
abdominal causada por uma obstrução intestinal, porém não apresenta efeito
sobre a pancreatite ou a colecistite. Perda de peso acentuada aumenta a
preocupação quanto à possibilidade de câncer ou obstrução. Febre sugere
inflamação. Deve-se suspeitar de causa intracraniana quando há cefaleia ou
alterações dos campos visuais. Vertigem ou zumbido indica doença do
labirinto.
O exame físico complementa a anamnese. Hipotensão ortostática e
turgor cutâneo reduzido indicam perda de líquido intravascular.
Anormalidades pulmonares sugerem aspiração de vômitos. Os ruídos
peristálticos podem estar inaudíveis nos pacientes com íleo. Peristaltismo
com tonalidade aguda sugere obstrução intestinal, enquanto se pode observar
um ruído de sucussão durante o movimento lateral abrupto do paciente em
caso de gastroparesia ou obstrução pilórica. Hipersensibilidade ou defesa
involuntária sugere inflamação. Sangue nas fezes indica lesão da mucosa
causada por úlcera, isquemia ou tumor. As doenças neurológicas evidenciam-
se por edema das papilas ópticas, déficits do campo visual ou anormalidades
neurais focais. Massas palpáveis ou linfadenopatia sugerem neoplasia
maligna.
EXAMES DIAGNÓSTICOS
No caso de sintomas de manejo difícil ou de um diagnóstico obscuro, testes
de rastreamento selecionados podem direcionar o tratamento clínico. A
reposição de eletrólitos é indicada para corrigir hipopotassemia ou alcalose
metabólica. Os pacientes com anemia ferropriva devem ser investigados
quanto à possibilidade de lesões da mucosa. Exames bioquímicos anormais
da função pancreática ou hepática sugerem doença pancreatobiliar.
Anormalidades hormonais ou sorológicas indicam etiologias endócrinas,
reumáticas ou paraneoplásicas. Quando há suspeita de obstrução intestinal, as
radiografias abdominais nas posições deitada e vertical podem mostrar níveis
hidroaéreos intestinais com diminuição do ar colônico. O íleo caracteriza-se
por alças intestinais cheias de ar e difusamente dilatadas.
Os exames anatômicos podem ser indicados quando a investigação
inicial não define o diagnóstico. A endoscopia digestiva alta detecta úlceras,
tumores malignos e retenção de restos alimentares associados à
gastroparesia. A radiografia com bário ou a tomografia computadorizada
(TC) do intestino delgado diagnosticam obstrução intestinal parcial. A
colonoscopia ou a radiografia com enema de contraste podem detectar
obstrução do intestino grosso. A ultrassonografia ou a TC demonstram
inflamação intraperitoneal; TC e enterografia por ressonância magnética
(RM) evidenciam a inflamação associada à doença de Crohn. A TC ou a RM
do cérebro podem demonstrar doença intracraniana. Angiografia
mesentérica, TC ou RM são úteis quando se suspeita de isquemia.
Os testes da motilidade gastrintestinal podem detectar um distúrbio
motor subjacente. A gastroparesia é diagnosticada geralmente por
cintilografia gástrica, que avalia a eliminação de uma refeição marcada
radioativamente. Em 2015, a FDA (Food and Drug Administration) aprovou
um teste respiratório do esvaziamento gástrico com C13 não radioativo, que
pode ser uma alternativa à cintilografia com relação custo-benefício
favorável. A pseudo-obstrução intestinal é sugerida por trânsito anormal do
bário e dilatação do lúmen na radiografia contrastada do intestino delgado.
Os métodos de avaliação da motilidade com cápsulas sem fio medem o
trânsito no estômago, intestino delgado e intestino grosso, detectando
alterações do pH nas diversas regiões e também podem diagnosticar
gastroparesia e distúrbios da motilidade do intestino delgado. A manometria
do intestino delgado pode confirmar o diagnóstico de pseudo-obstrução e
caracterizar a anormalidade motora como neuropática ou miopática com base
nos padrões contráteis. A manometria pode dispensar a necessidade de
realizar uma biópsia cirúrgica do intestino para detectar degeneração da
musculatura lisa ou dos neurônios intestinais. A combinação dos testes de
pH/impedância esofágica ambulatorial com a manometria de alta resolução
facilita o diagnóstico da síndrome de ruminação.
TRATAMENTO
Náuseas e vômitos
PRINCÍPIOS GERAIS
O tratamento dos vômitos é ajustado para corrigir as anormalidades tratáveis, quando possível. A
hospitalização deve ser considerada nos casos de desidratação grave, especialmente quando a reposição de
líquidos orais não pode ser mantida. Uma vez que a ingestão oral seja tolerada, os alimentos devem ser
reiniciados com líquidos pobres em gorduras, pois os lipídeos retardam o esvaziamento gástrico. Um estudo
controlado demonstrou que uma dieta com partículas pequenas e pouco resíduo é eficaz para tratar
gastroparesia. O controle da glicose sanguínea dos diabéticos instáveis pode reduzir as hospitalizações
associadas à gastroparesia e melhorar a náusea e os vômitos.
FÁRMACOS ANTIEMÉTICOS
Os agentes antieméticos mais usados atuam em regiões do sistema nervoso central (Tab. 41-2). Os anti-
histamínicos como o dimenidrinato e a meclizina, e os anticolinérgicos, como a escopolamina, atuam nas
vias labirínticas para tratar cinetose e disfunção labiríntica. Os antagonistas dos receptores D2 de dopamina
tratam vômitos induzidos por estímulos da área postrema e são usados para as etiologias medicamentosas,
tóxicas e metabólicas. Os antagonistas da dopamina cruzam a barreira hematencefálica e causam ansiedade,
distúrbios do movimento e efeitos hiperprolactinêmicos (galactorreia e disfunção sexual).
Antidepressivos tricíclicos Amitriptilina, Síndrome de náusea e vômitos crônicos, síndrome dos vômitos
nortriptilina cíclicos, gastroparesia(?)
Outros antidepressivos Mirtazapina, Síndrome de náusea e vômitos crônicos(?), gastroparesia(?)
olanzapina
Agentes Agonista do 5-HT4 e Metoclopramida Gastroparesia
procinéticos antidopaminérgicos
Agonista da motilina Eritromicina Gastroparesia, pseudo-obstrução intestinal(?)
Antidopaminérgico Domperidona Gastroparesia
periférico
Análogo da somatostatina Octreotida Pseudo-obstrução intestinal
Inibidor da Piridostigmina Distúrbio da motilidade/pseudo-obstrução do intestino
acetilcolinesterase delgado(?)
Situações Benzodiazepínicos Lorazepam Náuseas e vômitos antecipatórios à quimioterapia
especiais
Glicocorticoides Metilprednisolona, Vômitos induzidos por quimioterapia
dexametasona
Canabinoides Tetra-hidrocanabinol Vômitos induzidos por quimioterapia
Nota: (?), indicação duvidosa.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Doença do refluxo gastresofágico A doença do refluxo gastresofágico (DRGE)
é muito comum. Dezoito a 28% dos indivíduos relatam pirose ou regurgitação
semanalmente. A maioria dos casos de pirose resulta do refluxo ácido excessivo,
mas o refluxo de líquidos não ácidos provoca sintomas semelhantes. A esofagite
de refluxo alcalino produz sintomas semelhantes aos da DRGE na maioria das
vezes em pacientes que passaram por cirurgia de úlcera péptica. Dez por cento
dos pacientes com pirose não apresentam aumento no refluxo esofágico ácido ou
não ácido (pirose funcional).
ABORDAGEM AO PACIENTE
Indigestão
HISTÓRIA E EXAME FÍSICO
O tratamento da indigestão depende de uma anamnese detalhada. Nos casos
clássicos, a DRGE causa pirose, descrita como ardência ou queimação
subesternal que se move em direção ao pescoço. A pirose comumente é
exacerbada pelas refeições e pode fazer o paciente acordar. Os sintomas
associados incluem regurgitação de líquido ácido ou não ácido e sialorreia
(water brash), a liberação reflexa de secreções salivares salgadas no interior
da boca. Os sintomas atípicos incluem faringite, asma, tosse, bronquite,
rouquidão e dor torácica que simula angina. Alguns pacientes com refluxo
ácido no teste de determinação do pH esofágico não relatam pirose, mas
apresentam dor abdominal ou outros sintomas.
Pacientes dispépticos geralmente se queixam de sintomas referidos ao
abdome superior, que podem estar relacionados com as refeições, como no
caso da síndrome do desconforto pós-prandial, ou serem independentes da
ingestão do alimento, como na síndrome da dor epigástrica. A dispepsia
funcional se sobrepõe a outros distúrbios, incluindo o DRGE, a SII e a
gastroparesia idiopática.
O exame físico dos pacientes com DRGE e dispepsia funcional
geralmente é normal. Nos pacientes com DRGE atípica, podem-se observar
eritema faríngeo e sibilos pulmonares. A regurgitação ácida recorrente pode
causar dano à dentição. Os pacientes dispépticos podem apresentar
hipersensibilidade ou distensão epigástrica.
De forma a diferenciar as causas funcionais e orgânicas da indigestão, é
essencial excluir algumas manifestações evidenciadas com base na anamnese
e no exame físico. Odinofagia sugere infecção esofágica. Disfagia indica a
possibilidade de obstrução esofágica benigna ou maligna. Outras
manifestações de alarme incluem perda de peso inexplicada, vômitos
recorrentes, sangramento oculto ou visível, icterícia, massa palpável ou
adenopatia e história familiar de câncer gastrintestinal.
EXAMES DIAGNÓSTICOS
Como indigestão é muito comum e a maioria dos casos resulta de DRGE ou
dispepsia funcional, um princípio geral é a realização de apenas um número
limitado de exames diagnósticos direcionados em casos selecionados.
Depois de excluir os fatores de alarme (Tab. 41-3), os pacientes com
DRGE típica não precisam de avaliação adicional e são tratados
empiricamente. A endoscopia digestiva alta está indicada para excluir lesões
da mucosa nos casos em que há sintomas atípicos ou fatores de alarme.
Quando a pirose está presente há > 5 anos, especialmente nos pacientes com
idade > 50 anos, a endoscopia é recomendada para detectar metaplasia de
Barrett. A endoscopia não é necessária aos pacientes de baixo risco, que
apresentam melhora com o tratamento à base de supressores da acidez. A
determinação ambulatorial do pH esofágico, usando cateter ou cápsula sem
fio presa por endoscopia à parede esofágica, deve ser considerada nos casos
com sintomas refratários e sintomas atípicos, como dor torácica inexplicável.
A manometria esofágica de alta resolução é solicitada principalmente quando
se considera o tratamento cirúrgico para DRGE. A pressão baixa do EEI
prediz o fracasso do tratamento farmacológico e é uma justificativa para
recorrer ao tratamento cirúrgico. A redução da peristalse do corpo esofágico
aumenta a preocupação quanto à ocorrência de disfagia pós-operatória e
indica a escolha da técnica cirúrgica. O refluxo não ácido pode ser detectado
pelo teste combinado de impedâncio-pHmetria esofágica em pacientes
refratários ao tratamento farmacológico.
ANTIDEPRESSIVOS
Alguns pacientes com pirose funcional refratária podem melhorar com o uso dos antidepressivos das classes
dos tricíclicos e inibidores seletivos da recaptação da serotonina (ISRS), embora existam poucos estudos
sobre isso. O mecanismo de ação desses fármacos pode envolver a atenuação do processamento da dor
visceral no cérebro. Em um estudo controlado recente sobre dispepsia funcional, o antidepressivo tricíclico
amitriptilina conseguiu atenuar os sintomas, enquanto o ISRS escitalopram não produziu qualquer efeito
benéfico em uma comparação tríplice com placebo. Em outro estudo controlado sobre dispepsia funcional,
o antidepressivo mirtazapina foi mais eficaz na atenuação dos sintomas que um placebo.
OUTRAS OPÇÕES
A cirurgia antirrefluxo (fundoplicatura) para aumentar a pressão do EEI pode ser oferecida aos pacientes
com DRGE que são jovens e necessitam de tratamento prolongado, têm pirose e regurgitação típicas,
respondem aos IBPs e mostram evidências de refluxo ácido na monitoração do pH. A cirurgia também é
eficaz para alguns casos de refluxo não ácido. Os indivíduos que não respondem tão bem à fundoplicatura
incluem os que têm sintomas atípicos ou que apresentam distúrbios motores esofágicos. Disfagia, síndrome
de flatulência/gases e gastroparesia são complicações crônicas da fundoplicatura; cerca de 60%
desenvolvem sintomas recidivantes da DRGE com o transcorrer do tempo. Hoje, há estudos em andamento
avaliando a utilidade e segurança dos tratamentos endoscópicos da junção gastresofágica (tratamento com
radiofrequência, fundoplicatura transoral, grampeamento endoscópico, mucosectomia antirrefluxo) e
ampliação magnética laparoscópica do esfincter para melhorar a função de barreira gastresofágica dos
pacientes com DRGE.
Formação excessiva de gases e distensão podem ser sintomas incômodos em alguns pacientes com
indigestão, e essas queixas são difíceis de tratar. A exclusão dos alimentos produtores de gases da dieta (p.
ex., legumes) e o uso de simeticona ou carvão ativado proporcionam benefícios em alguns casos. As dietas
com restrição de FODMAP (oligossacarídeo, dissacarídeo, monossacarídeo e poliol fermentáveis) e os
tratamentos para modificar a flora intestinal (antibióticos não absorvíveis, probióticos) reduzem os sintomas
gasosos em alguns pacientes com SII. A utilidade das dietas pobres em FODMAP, antibióticos e probióticos
na dispepsia funcional não está comprovada. Os fármacos fitoterápicos, como o STW 5 (uma mistura de
nove compostos fitoterápicos), são úteis para alguns pacientes dispépticos. Terapias psicológicas (p. ex.,
terapia comportamental, psicoterapia, hipnoterapia) podem ser oferecidas aos pacientes com dispepsia
funcional refratária, mas não existem dados convincentes que confirmem sua eficácia.
LEITURAS ADICIONAIS
Hasler WL: Newest drugs for unexplained nausea and vomiting. Curr Treat
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Patti MG: An evidence-based approach to the treatment of gastroesophageal
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Talley NJ, Ford AC: Functional dyspepsia. N Engl J Med 373:1853, 2015.
42
Diarreia e constipação
Michael Camilleri, Joseph A. Murray
TABELA 42-1 ■ Motilidade gastrintestinal normal: funções nos diferentes níveis anatômicos
Estômago e intestino delgado
CMM sincronizados em jejum
Acomodação, trituração, mistura, trânsito
Estômago: ~ 3 h
Intestino delgado: ~ 3 h
O reservatório ileal esvazia o bolo
Cólon: mistura irregular, fermentação, absorção e trânsito
Ascendente, transverso: reservatórios
Descendente: conduto
Sigmoide/reto: reservatório volitivo
Sigla: CMM, complexo motor migratório.
CONTROLE NEURAL
O intestino delgado e o cólon têm inervação intrínseca e extrínseca. A inervação
intrínseca, também chamada de sistema nervoso entérico, compreende as
camadas neuronais mioentérica, submucosa e mucosa. A função dessas camadas
é modulada por interneurônios mediante as ações das aminas ou peptídeos
neurotransmissores como acetilcolina, peptídeo intestinal vasoativo (VIP),
opioides, norepinefrina, serotonina, trifosfato de adenosina (ATP) e óxido nítrico
(NO). O plexo mioentérico regula a função do músculo liso por meio de células
intermediárias tipo marca-passo chamadas de células intersticiais de Cajal,
enquanto o plexo submucoso afeta a secreção, a absorção e o fluxo sanguíneo da
mucosa. O sistema nervoso entérico recebe estímulos dos nervos extrínsecos,
mas é capaz de controle independente dessas funções.
As inervações extrínsecas dos intestinos delgado e grosso fazem parte do
sistema nervoso autônomo e também modulam as funções motoras e secretoras.
Os nervos parassimpáticos conduzem as vias sensitivas viscerais e as excitatórias
saindo e na direção do intestino delgado e do cólon, respectivamente. As fibras
parassimpáticas originadas do nervo vago chegam ao intestino delgado e ao
cólon proximal juntamente com os ramos da artéria mesentérica superior. O
cólon distal é suprido por nervos parassimpáticos sacrais (S2-4) por meio do
plexo pélvico; estas fibras seguem por meio da parede do intestino grosso como
fibras intracolônicas ascendentes até o cólon proximal, por vezes incluindo-o. Os
principais neurotransmissores excitatórios que controlam a função motora são a
acetilcolina e as taquicininas, como a substância P. A inervação simpática
modula as funções motoras e alcança os intestinos delgado e grosso junto com
suas artérias correspondentes. A estimulação simpática para o intestino é
geralmente excitatória para os esfincteres e inibitória para os músculos não
esfinctéricos. Os aferentes viscerais transmitem estímulos sensoriais do intestino
para o sistema nervoso central (SNC). Algumas fibras aferentes fazem sinapse
nos gânglios pré-vertebrais e modulam de maneira reflexa a motilidade, o fluxo
sanguíneo e a secreção dos intestinos.
DEFECAÇÃO
A contração tônica do músculo puborretal, que forma uma tipoia ao redor da
junção retoanal, é importante para manter a continência; durante a defecação, os
nervos parassimpáticos sacrais relaxam este músculo, facilitando a retificação do
ângulo retoanal (Fig. 42-1). A distensão do reto resulta em relaxamento
transitório do esfincter anal interno por meio da inervação simpática intrínseca e
reflexa. À medida que as contrações sigmoides e retais, combinadas com o
esforço para evacuar (manobra de Valsalva) que aumenta a pressão intra-
abdominal, elevam a pressão dentro do reto, o ângulo retossigmoide abre-se a >
15 graus. O relaxamento voluntário do esfincter anal externo (músculo estriado
inervado pelo nervo pudendo) em resposta à sensação produzida pela distensão
permite a evacuação das fezes. A defecação também pode ser postergada
voluntariamente mediante a contração do esfincter anal externo.
FIGURA 42-1 Visão sagital do segmento anorretal em repouso (A) e durante o esforço para evacuar
(B). A continência é mantida pela sensibilidade retal normal e pela contração tônica do esfincter anal
interno, bem como do músculo puborretal que circunda o segmento anorretal, mantendo o ângulo anorretal
entre 80 e 110°. Durante a defecação, os músculos do assoalho pélvico (inclusive o puborretal) relaxam,
permitindo que o ângulo anorretal retifique pelo menos 15° e o períneo desça de 1-3,5 cm. O esfincter anal
externo também relaxa e reduz a pressão sobre o canal anal. (Reproduzida, com permissão, de A Lembo, M
Camilleri: N Engl J Med 349:1360, 2003.)
DIARREIA
DEFINIÇÃO
Em termos gerais, a diarreia é definida como eliminação de fezes malformadas
ou anormalmente líquidas com frequência aumentada. No caso de adultos que
consomem uma dieta ocidental típica, um peso das fezes > 200 g/dia geralmente
é considerado diarreico. A diarreia pode ser definida ainda como aguda se durar
< 2 semanas, persistente se durar entre 2 e 4 semanas e crônica se durar > 4
semanas.
Dois distúrbios comuns, geralmente associados à eliminação de fezes
totalizando < 200 g/dia, devem ser diferenciados da diarreia, porque existem
diferenças nos algoritmos diagnóstico e terapêutico. A pseudodiarreia, ou
eliminação frequente de pequenos volumes de fezes, muitas vezes está associada
à urgência retal, ao tenesmo ou a uma sensação de evacuação incompleta e
acompanha a SII ou proctite. A incontinência fecal consiste na eliminação
involuntária do conteúdo retal, causada com maior frequência por distúrbios
neuromusculares ou problemas anorretais estruturais. A diarreia e a urgência,
especialmente quando são graves, podem exacerbar ou causar incontinência. A
pseudodiarreia e a incontinência fecal ocorrem com prevalências comparáveis ou
maiores que as da diarreia crônica e sempre devem ser consideradas nos
pacientes que se queixam de “diarreia”. Nos pacientes acamados em casa, pode
ocorrer diarreia por fluxo excessivo devido à impacção fecal, que é fácil de
detectar ao exame retal. Uma anamnese minuciosa e um exame físico cuidadoso
em geral permitem que esses distúrbios sejam diferenciados da diarreia
verdadeira.
DIARREIA AGUDA
Mais de 90% dos casos de diarreia aguda são causados por agentes infecciosos;
esses casos são frequentemente acompanhados por vômitos, febre e dor
abdominal. Os 10% restantes ou mais são causados por fármacos, ingestões
tóxicas, isquemia, alimentação não balanceada e outras condições.
TABELA 42-2 ■ Associação entre a biopatologia dos agentes etiológicos e as manifestações clínicas da
diarreia infecciosa aguda
Biopatologia/agentes patogênicos Período de Vômitos Dor Febre Diarreia
incubação abdominal
Produtores de toxina
Toxina pré-formada
Bacillus cereus, Staphylococcus aureus, Clostridium 1-8 h 3-4+ 1-2+ 0-1+ 3-4+, aquosa
perfringens 8-24 h
Enterotoxina
Vibrio cholerae, Escherichia coli enterotoxigênica, 8-72 h 2-4+ 1-2+ 0-1+ 3-4+, aquosa
Klebsiella pneumoniae, espécies de Aeromonas
Enteroaderentes
E. coli enteropatogênica e enteroaderente, Giardia, 1-8 dias 0-1+ 1-3+ 0-2+ 1-2+, aquosa ou
Cryptosporidium, helmintos mole
Produtores de citotoxina
Clostridium difficile 1-3 dias 0-1+ 3-4+ 1-2+ 1-3+, em geral
aquosa,
ocasionalmente
sanguinolenta
E. coli hemorrágica 12-72 h 0-1+ 3-4+ 1-2+ 1-3+, de início
aquosa,
rapidamente
sanguinolenta
Organismos invasivos
Inflamação mínima
Rotavírus e norovírus 1-3 dias 1-3+ 2-3+ 3-4+ 1-3+, aquosa
Inflamação variável
Espécies de Salmonella, Campylobacter e Aeromonas, 12 h-11 dias 0-3+ 2-4+ 3-4+ 1-4+, aquosa ou
Vibrio parahaemolyticus, Yersinia sanguinolenta
Inflamação grave
Espécies de Shigella, E. coli enteroinvasiva, Entamoeba 12 h-8 dias 0-1+ 3-4+ 3-4+ 1-2+,
histolytica sanguinolenta
Fonte: Adaptada de DW Powell, em T Yamada (ed.): Textbook of Gastroenterology and Hepatology, 4th ed. Philadelphia, Lippincott Williams
& Wilkins, 2003.
Outras causas Efeitos colaterais dos fármacos provavelmente são as causas não
infecciosas mais comuns de diarreia e a etiologia pode ser sugerida por uma
associação temporal entre o uso do fármaco e o início do sintoma. Embora
inúmeros fármacos possam provocar diarreia, alguns dos mais frequentemente
implicados são antibióticos, antiarrítmicos cardíacos, anti-hipertensivos, anti-
inflamatórios não esteroides (AINEs), certos antidepressivos, agentes
quimioterápicos, broncodilatadores, antiácidos e laxantes. A colite isquêmica
com ou sem obstrução acomete indivíduos > 50 anos; frequentemente se
evidencia por dor abdominal baixa aguda precedendo à diarreia aquosa, em
seguida sanguinolenta; em geral, esses casos resultam em alterações
inflamatórias agudas no sigmoide ou cólon esquerdo, mas não afetam o reto. A
diarreia aguda pode acompanhar a diverticulite colônica e a doença do enxerto
contra o hospedeiro. Diarreia aguda, comumente associada a manifestações
sistêmicas, pode ocorrer depois da ingestão de toxinas, inclusive inseticidas
organofosforados, amanita e outros cogumelos, arsênico e toxinas pré-formadas
em frutos do mar como ciguatera (originada das algas que o peixe ingere) e
peixes escombroides (quantidades excessivas de histamina em razão da
refrigeração inadequada). A anafilaxia aguda por ingestão de alimentos pode ter
uma apresentação similar. Os distúrbios que causam diarreia crônica também
podem ser confundidos com diarreia aguda no início de sua evolução. Essa
confusão pode ocorrer com doença inflamatória intestinal (DII) e algumas das
outras diarreias crônicas inflamatórias que podem ter início abrupto em vez de
insidioso e causam manifestações semelhantes a uma infecção.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Diarreia aguda
A decisão de avaliar a diarreia aguda depende de sua gravidade e duração e
dos vários fatores do hospedeiro (Fig. 42-2). A maioria dos episódios de
diarreia aguda é leve e autolimitada e não justifica o custo e a taxa de
morbidade em potencial das intervenções diagnósticas ou farmacológicas. As
indicações para avaliação incluem diarreia profusa com desidratação, fezes
francamente sanguinolentas, febre ≥ 38,5°C, duração > 48 horas sem
melhora, uso recente de antibiótico, novos surtos na comunidade, dor
abdominal grave associada em indivíduos com > 50 anos e pacientes idosos
(idade ≥ 70 anos) ou imunossuprimidos. Em alguns casos de diarreia febril
moderadamente grave associada a leucócitos fecais (ou com níveis fecais
aumentados de proteínas leucocitárias) ou sangue visível nas fezes, uma
avaliação diagnóstica poderia ser omitida em favor de uma prova terapêutica
empírica com antibiótico (ver adiante).
FIGURA 42-2 Algoritmo para o tratamento da diarreia aguda. Antes da avaliação, considerar
tratamento empírico com metronidazol (*) e quinolona (†).
TRATAMENTO
Diarreia aguda
A reposição hidreletrolítica é de importância primordial em todas as formas de diarreia aguda. A reposição
isolada de líquidos pode ser suficiente nos casos leves. As soluções de eletrólito com glicose (bebidas
isotônicas para prática de esportes ou fórmulas especializadas) devem ser instituídas de imediato nos casos
de diarreia grave para limitar a desidratação, que é a principal causa de morte. Os pacientes profundamente
desidratados, em especial lactentes e idosos, necessitam de reidratação intravenosa.
Com a diarreia moderadamente grave, afebril e não sanguinolenta, os agentes antissecretores e
antimotilidade (como a loperamida) podem ser medidas adjuvantes úteis para controlar os sintomas. Esses
fármacos devem ser evitados nos casos de disenteria febril, que pode ser exacerbada ou prolongada por eles.
O subsalicilato de bismuto pode reduzir os sintomas de vômito e diarreia, mas não deve ser usado no
tratamento de pacientes imunossuprimidos ou portadores de insuficiência renal devido ao risco de
encefalopatia por bismuto.
O uso criterioso de antibióticos é apropriado em certos casos de diarreia aguda, podendo reduzir sua
gravidade e sua duração (Fig. 42-2). Muitos médicos tratam de forma empírica, sem avaliação diagnóstica,
os pacientes moderada a gravemente enfermos com disenteria febril usando uma quinolona, como
ciprofloxacino (500 mg, 2×/dia, durante 3-5 dias). O tratamento empírico com metronidazol (250 mg,
4×/dia, durante 7 dias) também pode ser considerado se houver suspeita de giardíase. Por outro lado, a
escolha dos antibióticos e seus esquemas posológicos é orientada com base nos patógenos específicos, nos
padrões geográficos de resistência e nas condições encontradas (Caps. 128, 156, e 160-166). Em razão da
resistência aos tratamentos de primeira linha, fármacos mais novos como a nitazoxanida podem ser
necessários para tratar infecções causadas por Giardia e Cryptosporidium. A cobertura com antibióticos está
indicada, independentemente se for indicado o agente etiológico e para os pacientes imunossuprimidos que
tenham valvas cardíacas mecânicas ou enxertos vasculares recentes ou sejam idosos. O subsalicilato de
bismuto pode reduzir a frequência da diarreia do viajante. A profilaxia com antibiótico está indicada apenas
para determinados pacientes que visitarão países de alto risco, nos quais a probabilidade ou gravidade da
diarreia adquirida seja especialmente elevada, inclusive pacientes imunossuprimidos ou portadores de DII,
hemocromatose ou acloridria gástrica. O uso de ciprofloxacino, azitromicina ou rifaximina pode diminuir
em 90% a diarreia bacteriana desses viajantes, mas a rifaximina não é adequada para doença invasiva, mas
sim como tratamento para diarreia do viajante sem complicações. Na maioria dos casos, a avaliação
endoscópica tem pouca utilidade, exceto nos pacientes imunossuprimidos. Por fim, os médicos devem estar
atentos para identificar se está ocorrendo um surto de diarreia e alertar imediatamente as autoridades de
saúde pública. Isso pode reduzir a porcentagem final da população acometida.
DIARREIA CRÔNICA
A diarreia que se estende por > 4 semanas exige avaliação para excluir uma
patologia subjacente grave. Em contraste com a diarreia aguda, a maioria das
causas de diarreia crônica não é de origem infecciosa. A classificação da diarreia
crônica com base no mecanismo fisiopatológico facilita a abordagem racional ao
tratamento, embora muitas doenças causem diarreia por mais de um mecanismo
(Tab. 42-3).
TABELA 42-3 ■ Principais causas de diarreia crônica de acordo com o mecanismo fisiopatológico
predominante
Causas secretoras
Laxantes estimulantes exógenos
Ingestão crônica de álcool
Outros fármacos e toxinas
Laxantes endógenos (ácidos biliares di-hidroxílicos)
Diarreia secretora idiopática ou diarreia de ácido da bile
Certas infecções bacterianas
Ressecção, doença ou fístula intestinal (↓ absorção)
Obstrução intestinal parcial ou impacção fecal
Tumores produtores de hormônios (carcinoide, VIPoma, câncer medular da tireoide, mastocitose, gastrinoma, adenoma colorretal viloso)
Doença de Addison
Anomalias congênitas da absorção de eletrólitos
Causas osmóticas
Laxantes osmóticos (Mg2+, PO4–3, SO4–2)
Causas factícias A diarreia factícia é responsável por até 15% das diarreias
inexplicadas encaminhadas aos centros de assistência terciária. Seja como um
tipo de síndrome de Münchausen (fingimento ou autolesão para obter ganho
secundário) ou transtornos alimentares, alguns pacientes tomam
dissimuladamente laxantes por conta própria, isoladamente ou em combinação
com outros fármacos (p. ex., diuréticos), ou acrescentam ocultamente água ou
urina nas fezes enviadas para análise. Esses pacientes comumente são mulheres,
na maioria das vezes com história de doença psiquiátrica e frequentemente
seguem carreiras na área da saúde. Hipotensão e hipopotassemia são achados
coexistentes comuns. A avaliação desses pacientes pode ser difícil: a
contaminação das fezes com água ou urina pode ser sugerida por uma
osmolaridade fecal muito baixa ou alta, respectivamente. Com frequência, esses
pacientes negam tal possibilidade quando são questionados, mas melhoram com
aconselhamento psiquiátrico quando reconhecem seu comportamento.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Diarreia crônica
São vários os recursos laboratoriais disponíveis para avaliar o problema
muito comum da diarreia crônica, porém muitos são dispendiosos e
invasivos. Por essa razão, a avaliação diagnóstica deve ser racionalmente
dirigida por uma anamnese e um exame físico minuciosos (Fig. 42-3).
Quando essa estratégia nada revela, com frequência os exames de triagem
simples estão indicados para direcionar a escolha de exames mais complexos
(Fig. 42-3). A anamnese, o exame físico (Tab. 42-4) e os exames de sangue
rotineiros devem tentar caracterizar o mecanismo da diarreia, identificar as
associações valiosas para o diagnóstico e avaliar os estados hidreletrolítico e
nutricional do paciente. Os pacientes devem ser interrogados quanto ao
início, a duração, o padrão, os fatores agravantes (especialmente a dieta) e
atenuantes, bem como as características das fezes diarreicas. Deve-se
observar a presença ou ausência de incontinência fecal, febre, perda
ponderal, dor, determinadas exposições (viagem, fármacos, contatos com
diarreia) e as manifestações extraintestinais comuns (alterações cutâneas,
artralgias, aftas orais). História familiar de DII ou espru pode indicar essas
possibilidades. As anormalidades do exame físico podem oferecer indícios,
inclusive uma massa tireóidea, sibilos respiratórios, sopros cardíacos, edema,
hepatomegalia, massas abdominais, linfadenopatia, anormalidades
mucocutâneas, fístulas perianais ou flacidez do esfincter anal. Os pacientes
podem ter leucocitose no sangue periférico, elevação da velocidade de
sedimentação ou proteína C-reativa, que sugerem inflamação; anemia
secundária à perda sanguínea ou às deficiências nutricionais; ou eosinofilia,
que pode ocorrer com parasitoses, neoplasia, doença vascular do colágeno,
alergia ou gastrenterite eosinofílica. A bioquímica sanguínea pode mostrar
distúrbios eletrolíticos, hepáticos ou outros distúrbios metabólicos. A
pesquisa de anticorpos teciduais da classe IgA contra transglutaminase pode
ajudar a detectar doença celíaca. A diarreia de ácidos biliares é confirmada
por um teste cintigráfico de retenção de ácido biliar marcado
radioativamente; contudo, este exame não está disponível em muitos países.
As abordagens alternativas são um teste de tipagem sanguínea (C4 ou FGF-
19 sérico), determinação dos ácidos biliares fecais ou uma prova terapêutica
com um sequestrante de ácido biliar (p. ex., colestiramina ou colesevelam).
FIGURA 42-3 Algoritmo para o tratamento da diarreia crônica. Os pacientes passam por uma
avaliação inicial baseada nas diversas apresentações sintomáticas, resultando na seleção dos casos que
precisam fazer exames de imagem, biópsias e alguns testes de rastreamento para doenças orgânicas.
Alb, albumina; AB, ácido biliar; mi, movimento intestinal; C4, 7α-hidróxi-4-colesteno-3-ona; PCR,
proteína C-reativa; VHS, velocidade de hemossedimentação; Hb, hemoglobina; SII, síndrome do
intestino irritável; HCM, hemoglobina corpuscular média; VCM, volume corpuscular médio; osm,
osmolalidade; TTG-IgA, anticorpos antitransglutaminase tecidual. (Reimpressa de M Camilleri, JH
Sellin, KE Barrett: Pathophysiology, evaluation, and management of chronic watery diarrhea.
Gastroenterology 152:515, 2017.)
TRATAMENTO
Diarreia crônica
O tratamento da diarreia crônica depende da etiologia específica e pode ser curativo, supressor ou empírico.
Quando a causa pode ser erradicada, o tratamento é curativo, como a ressecção de um câncer colorretal, a
administração de antibiótico para a doença de Whipple ou espru tropical, ou a interrupção do uso de um
fármaco. Em muitos distúrbios crônicos, a diarreia pode ser controlada por supressão do mecanismo
subjacente. Exemplos são a eliminação da lactose alimentar para deficiência de lactase ou glúten para espru
celíaco, uso de glicocorticoide ou outros antiinflamatórios para DII idiopática, sequestrantes de ácidos
biliares para má absorção ileal destes compostos, IBPs para a hipersecreção gástrica dos gastrinomas,
análogos da somatostatina como a ocreotida para tumor carcinoide maligno, inibidores da prostaglandina
como indometacina para carcinoma medular da tireoide e reposição de enzima pancreática para a
insuficiência pancreática. Quando não se consegue diagnosticar a causa ou o mecanismo específico da
diarreia crônica, o tratamento empírico pode ser eficaz. Os opiáceos fracos como o difenoxilato ou a
loperamida são frequentemente valiosos na diarreia aquosa leve ou moderada. Para os pacientes com
diarreia mais grave, a codeína ou a tintura de ópio pode ser benéfica. Esses agentes antimotilidade devem
ser evitados na DII grave, porque poderiam precipitar megacolo tóxico. A clonidina (um agonista α2-
adrenérgico) pode permitir o controle da diarreia diabética, embora esse fármaco possa não ser muito bem
tolerada por causar hipotensão postural. Os antagonistas do receptor 5-HT3 (p. ex., alosetrona,
ondansetrona) podem aliviar a diarreia e a urgência dos pacientes com diarreia associada à SII. Outros
fármacos aprovados para o tratamento da diarreia associada à SII são rifaximina (um antibiótico
inabsorvível) e eluxadolina (um agonista dos receptores opioides [OR] μ e κ e antagonista dos OR δ de ação
mista). Esse último fármaco pode provocar espasmo do esfincter de Oddi e pancreatite aguda subsequente,
geralmente nos pacientes submetidos à colecistectomia no passado. Em todos os pacientes com diarreia
crônica, a reposição hidreletrolítica é um componente importante do tratamento (ver “Diarreia aguda”,
anteriormente). A reposição de vitaminas lipossolúveis também pode ser necessária aos pacientes com
esteatorreia crônica.
CONSTIPAÇÃO
DEFINIÇÃO
Constipação é uma queixa comum na prática clínica e em geral se refere à
defecação difícil, infrequente ou aparentemente incompleta persistente. Em
virtude da ampla faixa de hábitos intestinais normais, é difícil definir
constipação com exatidão. A maioria das pessoas tem pelo menos três
evacuações por semana; entretanto apenas uma frequência reduzida das
evacuações não é um critério suficiente para o diagnóstico de constipação.
Muitos pacientes com constipação têm frequência normal de evacuações, mas
queixam-se de esforço excessivo, fezes endurecidas, plenitude abdominal
inferior ou sensação de evacuação incompleta. Os sintomas de cada paciente
devem ser analisados em detalhes para determinar o que é compreendido como
“constipação” ou “dificuldade” à defecação.
A forma e a consistência das fezes correlacionam-se bem com o intervalo
de tempo transcorrido desde a defecação anterior. Fezes endurecidas e em
pelotas ocorrem com trânsito lento, enquanto fezes aquosas e amolecidas estão
associadas a um trânsito rápido. É mais difícil expelir tanto fezes em pelotas
quanto um volume fecal muito grande que eliminar fezes normais.
A percepção de fezes endurecidas ou esforço excessivo é mais difícil de
avaliar de maneira objetiva, e a necessidade de enemas ou desobstrução digital é
um meio clinicamente útil para confirmar as percepções do paciente de
defecação difícil.
Fatores psicossociais ou culturais também podem ser importantes. Uma
pessoa cujos pais atribuíam muita importância à evacuação diária ficará muito
preocupada quando não conseguir evacuar 1 vez por dia; algumas crianças
prendem a evacuação para chamar a atenção ou por medo de dor decorrente da
irritação anal; e alguns adultos costumam ignorar ou adiar a defecação.
CAUSAS
Fisiopatologicamente, a constipação crônica geralmente resulta da ingestão
inadequada de fibra ou líquidos, ou de distúrbios do trânsito colônico ou da
função retal. Essas alterações são causadas por distúrbios
neurogastrenterológicos, determinados fármacos e idade avançada, ou estão
associadas a um grande número de doenças sistêmicas que afetam o trato GI (Ta
b. 42-5). Constipação de início recente pode ser um sintoma de doença orgânica
significativa, inclusive tumor, irritação ou estenose. Com a constipação
idiopática, um subgrupo de pacientes tem esvaziamento tardio dos cólons
ascendente e transverso com prolongamento do trânsito (frequentemente no
cólon proximal) e frequência reduzida das CPAA propulsivas. A obstrução da
via de saída para defecação (também chamada de distúrbios da evacuação) é
responsável por cerca de um quarto dos casos de constipação atendidos no nível
de cuidado terciário e pode retardar o trânsito colônico, o que é geralmente
corrigido pela reeducação da defecção desordenada por biofeedback. A
constipação de qualquer etiologia pode ser exacerbada por hospitalização ou
doenças crônicas que acarretam comprometimento físico ou mental e resultam
em inatividade ou imobilidade física.
Início recente
Obstrução colônica Neoplasia; estenose: isquêmica, diverticular, inflamatória
Espasmo do esfincter anal Fissura anal, hemorroidas dolorosas
Fármacos
Crônicas
Síndrome do intestino irritável Constipação predominante ou alternada
Fármacos Bloqueadores do Ca2+, antidepressivos
Pseudo-obstrução colônica Constipação por trânsito lento, megacólon (raro nas doenças de Hirschsprung e Chagas)
Distúrbios da evacuação retal Disfunção do assoalho pélvico; anismo; síndrome do períneo caído; prolapso da mucosa retal; retocele
Endocrinopatias Hipotireoidismo, hipercalcemia, gravidez
Transtornos psiquiátricos Depressão, transtornos alimentares, fármacos
Doença neurológica Parkinsonismo, esclerose múltipla, lesão da medula espinal
Doença muscular generalizada Esclerose sistêmica progressiva
ABORDAGEM AO PACIENTE
Constipação intestinal
Uma anamnese minuciosa deve explorar os sintomas do paciente e confirmar
se ele realmente está com constipação com base na frequência (p. ex., menos
de três evacuações por semana), consistência (endurecida), esforço
excessivo, tempo de defecação prolongado ou necessidade de apoiar o
períneo ou manipular o segmento anorretal para facilitar a evacuação das
fezes. Na grande maioria dos casos (provavelmente > 90%), não existe uma
causa subjacente (p. ex., câncer, depressão ou hipotireoidismo) e a
constipação melhora com hidratação abundante, exercício e suplementação
da dieta com fibras (15-25 g/dia). Uma história detalhada da ingestão
dietética e dos fármacos usados e a consideração dos aspectos psicossociais
são fundamentais. O exame físico e, particularmente, um exame retal devem
excluir impacção fecal e a maior parte das doenças importantes que se
apresentam com a constipação e podem indicar alterações sugestivas de um
distúrbio da evacuação (p. ex., hipertonia do esfincter anal, falha na descida
perineal ou contração paradoxal do músculo puborretal durante o esforço
para estimular a evacuação de fezes).
Emagrecimento, sangramento retal ou anemia com constipação tornam
obrigatória uma sigmoidoscopia flexível com enema de bário ou
colonoscopia isolada, principalmente em pacientes com > 40 anos, para
excluir doenças estruturais, como câncer ou estenoses. A colonoscopia
isolada tem uma relação de custo-benefício mais favorável nesse contexto,
porque oferece a oportunidade de biopsiar lesões da mucosa, realizar
polipectomia ou dilatar estenoses. O clister opaco apresenta vantagens sobre
a colonoscopia no paciente com constipação isolada, porque é menos
dispendioso e identifica a dilatação colônica e todas as lesões ou estenoses
significativas da mucosa, que estão possivelmente implicadas na constipação.
A melanose colônica, ou pigmentação da mucosa do cólon, indica o uso de
laxantes do tipo antraquinona, como cáscara ou sene; entretanto isto fica
geralmente evidenciado a partir de uma anamnese cuidadosa. Um distúrbio
inesperado, como megacólon ou cólon catártico, também pode ser detectado
por meio de radiografias do intestino grosso. A determinação dos níveis
séricos de cálcio, potássio e hormônio estimulante da tireoide identifica os
raros pacientes com distúrbios metabólicos.
Os pacientes com constipação mais problemática podem não responder
apenas à suplementação de fibras e podem melhorar com um esquema de
treinamento do intestino, que envolve tomar um laxante osmótico (p. ex., sais
de magnésio, lactulose, sorbitol, polietilenoglicol) ou evacuar com enema ou
supositório (p. ex., glicerina ou bisacodil) quando necessário. Depois do
desjejum, o paciente deve ser incentivado a ficar um período de 15 a 20
minutos sem distração no vaso sanitário e sem fazer esforço. O esforço
excessivo pode levar ao desenvolvimento de hemorroidas e, quando há
fraqueza do assoalho pélvico ou lesão do nervo pudendo, pode resultar em
obstrução da defecação em consequência da síndrome do períneo
descendente vários anos depois. Os poucos pacientes que não melhoram com
as medidas simples descritas antes, ou que necessitam de tratamento
prolongado ou não melhoram com laxantes potentes, devem passar por uma
investigação mais detalhada (Fig. 42-4). Fármacos novos que induzem a
secreção (p. ex., lubiprostona, um ativador do canal de cloro; ou linaclotida,
um agonista do guanilatociclase C que ativa a secreção de cloro) também
estão disponíveis.
TRATAMENTO
Constipação intestinal
Depois de caracterizar a causa da constipação, pode-se tomar uma decisão sobre o tratamento. A
constipação por trânsito lento requer tratamento clínico ou cirúrgico agressivo; o anismo ou a disfunção do
assoalho pélvico geralmente responde ao tratamento com biofeedback (Fig. 42-4). Contudo, apenas cerca de
60% dos pacientes com constipação grave têm trânsito colônico normal e podem ser tratados
sintomaticamente. Os pacientes com lesões da medula espinal ou outros distúrbios neurológicos precisam
de um esquema intestinal dedicado, que geralmente inclui estimulação retal, tratamento com enema e doses
de laxantes cuidadosamente controladas.
Os pacientes com constipação são tratados com laxantes formadores de bolo fecal, osmóticos,
procinéticos, secretórios e estimulantes; isto inclui fibras, psílio, leite de magnésia, lactulose,
polietilenoglicol (solução para lavagem colônica), lubiprostona, linaclotida e bisacodil ou, em alguns países,
prucaloprida (um agonista do receptor 5-HT4). Quando uma tentativa de tratamento clínico por 3 a 6 meses
falha e a constipação não está associada à obstrução da defecção, os pacientes devem ser avaliados quanto à
indicação de colectomia laparoscópica com ileorretostomia; entretanto isso não deve ser realizado se houver
evidência contínua de um distúrbio de evacuação ou um distúrbio generalizado da dismotilidade GI. O
encaminhamento a um centro especializado para a realização de outros testes da função colônica é indicado.
A decisão de recorrer à cirurgia é facilitada quando há megacólon e megarreto. As complicações pós-
cirúrgicas consistem em obstrução do intestino delgado (11%) e escape fecal, principalmente à noite durante
o primeiro ano após a cirurgia. A frequência das evacuações varia de 3 a 8 vezes por dia durante o primeiro
ano, mas diminui para 1 a 3 por dia a partir do segundo ano depois da cirurgia.
Os pacientes com distúrbios mistos (obstrução da evacuação e distúrbios do trânsito/motilidade)
devem inicialmente tentar o recondicionamento do assoalho pélvico (biofeedback e relaxamento muscular),
terapia psicológica e orientações dietéticas. Se os sintomas forem difíceis de manejar apesar do biofeedback
e do tratamento clínico otimizado, colectomia e ileorretostomia devem ser consideradas tão logo o distúrbio
de evacuação esteja resolvido e a tratamento clínico otimizado não alcance sucesso. Nos pacientes com
disfunção isolada do assoalho pélvico, o treinamento por biofeedback tem taxa de sucesso de 70 a 80%,
medida pela aquisição de hábitos de evacuação confortáveis. As tentativas de controlar a disfunção do
assoalho pélvico com cirurgias (secção do esfincter anal interno ou do músculo puborretal) ou injeções de
toxina botulínica alcançaram apenas sucesso medíocre e foram praticamente abandonadas.
LEITURAS ADICIONAIS
Assi R et al: Sexually transmitted infections of the anus and rectum. World J
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immune deficiency (CVID) and chronic granulomatous disease (CGD).
Curr Gastroenterol Rep 18:17, 2016.
43
Perda de peso involuntária
J. Larry Jameson
AVALIAÇÃO
As quatro manifestações clínicas principais do PPI são: (1) anorexia (perda do
apetite); (2) sarcopenia (perda de massa muscular); (3) caquexia (uma síndrome
evidenciada por emagrecimento, perdas de tecidos musculares e adiposos,
anorexia e fraqueza); e (4) desidratação. A epidemia atual de obesidade aumenta
a complexidade, porque o excesso de tecido adiposo pode ocultar o
desenvolvimento de sarcopenia e postergar a detecção da caquexia. Se não for
possível determinar o peso diretamente, a alteração dos números das roupas
usadas, a confirmação da perda de peso por um parente ou amigo e a estimativa
quantitativa da perda de peso fornecida pelo paciente sugerem emagrecimento
real.
A avaliação inicial inclui história e exame físico detalhados, hemograma
completo, dosagens das enzimas hepáticas, proteína C-reativa, velocidade de
hemossedimentação, provas de função renal, provas de função tireóidea,
radiografias do tórax e ultrassonografia abdominal (Tab. 43-2). Também é
necessário realizar exames de triagem de cânceres específicos para a idade, o
sexo e os fatores de risco, inclusive mamografia e colonoscopia (Cap. 66). Os
pacientes de risco devem fazer teste para HIV. Todos os pacientes idosos com
perda de peso devem fazer um rastreamento para demência e depressão por meio
de instrumentos como o Miniexame do Estado Mental e a Escala de Depressão
Geriátrica, respectivamente (Cap. 464). A Miniavaliação Nutricional (www.mna
-elderly.com) e a Iniciativa de Triagem Nutricional (www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/
articles/PMC1694757/) também estão disponíveis para a avaliação nutricional
dos indivíduos idosos. Quase todos os pacientes com neoplasias malignas e >
90% dos indivíduos com outras doenças orgânicas têm no mínimo uma
anormalidade laboratorial. Nos pacientes com PPI expressivo, as doenças
orgânicas e malignas principais são improváveis quando a avaliação inicial é
absolutamente normal. A conduta recomendável é o acompanhamento cuidadoso
em vez de exames aleatórios, porque o prognóstico do emagrecimento de causa
indeterminada geralmente é favorável.
TRATAMENTO
Perda de peso involuntária
A primeira prioridade do tratamento da perda de peso involuntária é identificar e tratar as causas
subjacentes. O tratamento dos distúrbios metabólicos, psiquiátricos, infecciosos ou sistêmicos coexistentes
pode ser suficiente para recuperar gradativamente o peso e o estado funcional. Os fármacos que causam
náusea ou anorexia devem ser interrompidos ou substituídos, quando possível. Nos casos de PPI
inexplicável, os suplementos nutricionais (p. ex., bebidas hipercalóricas) revertem a perda de peso em
alguns casos. Orientar os pacientes a consumir suplementos entre as refeições, em vez de junto com as
refeições, pode ajudar a atenuar a supressão do apetite e facilitar o aumento da ingestão oral. Os fármacos
orexígenos, anabólicos e anticitocina estão sendo investigados com essa indicação. Em pacientes
selecionados, o antidepressivo mirtazapina produz aumentos significativos do peso corporal, da massa
gordurosa e da concentração de leptina. Os pacientes com distúrbios debilitantes e que podem aderir a um
programa de exercícios apropriados adquirem massa proteica, força e resistência musculares e podem
ampliar suas capacidades de realizar as AVDs.
LEITURAS ADICIONAIS
Alibhai SM et al: An approach to the management of unintentional weight loss
in elderly people. CMAJ 172:773, 2005.
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Vanderschueren S et al: The diagnostic spectrum of unintentional weight loss.
Eur J Intern Med 16:160, 2005.
44
Hemorragia digestiva
Loren Laine
ABORDAGEM AO PACIENTE
Hemorragia digestiva
AVALIAÇÃO INICIAL
A determinação da frequência cardíaca e da pressão arterial é o melhor meio
para avaliar inicialmente um paciente com HD. O sangramento clinicamente
significativo causa alterações posturais da frequência cardíaca ou pressão
arterial, taquicardia e, por fim, hipotensão com o paciente deitado. Por outro
lado, a hemoglobina não diminui rapidamente nos casos de HD aguda em
razão das reduções proporcionais do volume plasmático e das contagens de
hemácias (os pacientes perdem sangue total). Assim, a hemoglobina pode
estar normal ou apenas levemente diminuída à apresentação inicial de um
episódio hemorrágico grave. À medida que o líquido extravascular entra no
espaço vascular para equilibrar o volume, a hemoglobina diminui, porém este
processo pode levar até 72 horas. A transfusão é recomendada quando a
hemoglobina diminui abaixo de 7 g/dL, com base em um amplo ensaio
randomizado demostrando que esta estratégia de transfusão restritiva reduz a
hemorragia recorrente e a mortalidade por HDA, quando comparada a um
limiar de transfusão de 9 g/dL. Pacientes com HD crônica e lenta podem
apresentar valores muito baixos de hemoglobina, apesar da pressão arterial e
frequência cardíaca normais. Com o desenvolvimento de anemia ferropriva,
o volume corpuscular médio diminui e a amplitude de distribuição
eritrocitária aumenta.
LEITURAS ADICIONAIS
De Franchis R: Expanding consensus in portal hypertension. J Hepatol 63:743,
2015.
Garcia-Tsao G et al: Portal hypertensive bleeding in cirrhosis: Risk stratification,
diagnosis, and management: 2016 practice guidance by the American
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Villaneuva C et al: Transfusion strategies for acute upper gastrointestinal
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45
Icterícia
Savio John, Daniel S. Pratt
ABORDAGEM AO PACIENTE
Icterícia
O objetivo deste capítulo não é realizar uma revisão enciclopédica de todos
os quadros que causam icterícia. A intenção é oferecer um arcabouço que
auxilie o médico a avaliar o paciente com icterícia de forma lógica (Fig. 45-
1).
FIGURA 45-1 Avaliação do paciente com icterícia. ALT, alanina-aminotransferase; AAM, anticorpo
antimitocondrial; FAN, fator antinuclear; AST, aspartato-aminotransferase; CMV, citomegalovírus;
EBV, vírus Epstein-Barr; CPRE, colangiopancreatografia retrógrada endoscópica; CPRM,
colangiopancreatografia por ressonância magnética; AML, anticorpo antimúsculo liso; EPS,
eletroforese de proteínas séricas; TC, tomografia computadorizada.
LEITURAS ADICIONAIS
Erlinger S, Arias IM, Dhumeaux D: Inherited disorders of bilirubin transport and
conjugation: New insights into molecular mechanisms and consequences.
Gastroenterology 146:1625, 2014.
Wolkoff AW et al: Bilirubin metabolism and jaundice, in Schiff’s Diseases of the
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2012, pp 120-150.
46
Aumento do volume abdominal e ascite
Kathleen E. Corey, Lawrence S. Friedman
AUMENTO DO VOLUME ABDOMINAL
O aumento do volume abdominal é uma manifestação compartilhada por
diversas doenças. Os pacientes queixam-se de distensão ou plenitude abdominal
e podem perceber esse aumento da circunferência abdominal com base em suas
roupas e tamanho do cinto. Com frequência, há queixa de desconforto
abdominal, mas dor é menos relatada. Quando há dor acompanhando o aumento
do volume abdominal, frequentemente o quadro é resultante de infecção intra-
abdominal, peritonite ou pancreatite. Os pacientes com distensão abdominal
causada por ascite (líquido na cavidade abdominal) podem relatar surgimento
recente de hérnia inguinal ou umbilical. Dispneia pode ser causada pela
compressão do diafragma e incapacidade de expandir completamente os
pulmões.
CAUSAS
As causas de aumento do volume abdominal podem ser lembradas usando a
regra mnemônica dos seis “Fs”: flatulência, gordura (fat), líquido (fluid), feto,
fezes ou “crescimento fatal” (frequentemente uma neoplasia).
ABORDAGEM AO PACIENTE
Aumento do volume abdominal
HISTÓRIA
A investigação etiológica do aumento do volume abdominal inicia-se com a
anamnese e o exame físico. Os pacientes devem ser interrogados acerca de
sintomas sugestivos de doenças malignas, incluindo perda de peso, sudorese
noturna e anorexia. A incapacidade de evacuar ou eliminar flatos associada a
náusea ou vômitos sugere obstrução intestinal, constipação intensa ou íleo
(ausência de peristalse). O aumento da eructação e da eliminação de flatos
indica aerofagia ou aumento da produção de gases intestinais. Os pacientes
devem ser questionados sobre possíveis fatores de risco ou sintomas de
hepatopatia crônica, incluindo ingestão excessiva de bebidas alcoólicas e
icterícia, que sugerem ascite. Além disso, é importante perguntar aos
pacientes se eles têm sinais e sintomas atribuíveis a outras doenças clínicas,
inclusive insuficiência cardíaca e tuberculose, que podem causar ascite.
EXAME FÍSICO
No exame físico, deve-se incluir a investigação de sinais de doenças
sistêmicas. A presença de linfadenopatia, especialmente supraclavicular
(nódulo de Virchow), sugere câncer abdominal metastático. Durante o exame
do coração, deve-se avaliar se há aumento da pressão venosa jugular (PVJ);
sinal de Kussmaul (aumento da PVJ durante a inspiração); atrito pericárdico,
que pode ser encontrado na insuficiência cardíaca ou na pericardite
constritiva; ou sopro de regurgitação tricúspide. Aranhas vasculares, eritema
palmar, dilatação de veias superficiais ao redor da cicatriz umbilical (cabeça
de medusa) e ginecomastia são sinais que indicam doença hepática.
O exame do abdome deve começar com a inspeção para verificar a
presença de distensão desigual ou mesmo uma massa evidente. A ausculta
deve vir a seguir. A ausência de ruídos peristálticos ou a presença de um som
intestinal localizado de frequência aguda sugere íleo ou obstrução intestinal.
A presença de um zunido venoso umbilical sugere a presença de hipertensão
portal, e raramente pode haver um sopro áspero sobre o fígado, que indica
carcinoma hepatocelular ou hepatite alcoólica. O aumento do volume
abdominal causado por gases intestinais pode ser diferenciado daquele
produzido por líquidos ou por massa sólida utilizando-se a percussão; o
abdome cheio de gás é timpânico, enquanto o abdome contendo uma massa
ou líquido é maciço à percussão. Contudo, a ausência de macicez abdominal
não exclui ascite, uma vez que há necessidade de pelo menos 1.500 mL de
líquido ascítico para que seja detectado ao exame físico. Finalmente, o
abdome deve ser palpado para avaliar as regiões dolorosas, massa, aumento
do fígado ou do baço ou presença de nódulos hepáticos sugestivos de cirrose
ou tumor. A palpação leve do fígado pode detectar pulsações sugestivas de
fluxo vascular retrógrado originado do coração nos pacientes com
insuficiência cardíaca direita, especialmente regurgitação tricúspide.
FIGURA 46-2 TC de um paciente com carcinomatose peritoneal (seta branca) e ascite (seta amarea).
CAUSAS
A cirrose é responsável por 84% dos casos de ascite. Ascite cardíaca,
carcinomatose peritoneal e os casos “mistos” resultantes de cirrose e uma
segunda patologia respondem por 10 a 15% dos casos. Entre as causas menos
comuns de ascite estão metástase hepática maciça, infecção (tuberculose,
infecção por Chlamydia), pancreatite e doença renal (síndrome nefrótica). Entre
as causas raras de ascite estão hipotireoidismo e febre familiar do Mediterrâneo.
AVALIAÇÃO
Confirmada a ascite, sua etiologia é melhor determinada por paracentese, um
procedimento realizado à beira do leito no qual uma agulha ou cateter pequeno é
introduzido por via transcutânea para extrair líquido ascítico da cavidade
peritoneal (ver vídeo de procedimento clínico P3). Os quadrantes inferiores são
os locais mais frequentemente puncionados. É importante dar preferência ao
quadrante inferior esquerdo em razão da maior profundidade da ascite e da
menor espessura da parede abdominal. A paracentese é um procedimento seguro
mesmo em pacientes com coagulopatia; as complicações, incluindo hematoma
de parede abdominal, hipotensão, síndrome hepatorrenal e infecção, são raras.
Uma vez obtido o líquido ascítico, deve-se examinar seu aspecto
macroscópico. A presença de infecção ou de células tumorais resulta em turbidez
do líquido. Líquido branco leitoso indica triglicerídeos em níveis > 200 mg/dL
(frequentemente > 1.000 mg/dL), uma marca registrada da ascite quilosa. A
ascite quilosa é causada por rompimento de vasos linfáticos, que pode ocorrer
em razão de traumatismo, cirrose, tumor, tuberculose ou determinadas
malformações congênitas. Líquido marrom-escuro indica concentração elevada
de bilirrubina e perfuração do trato biliar. Líquido negro indica necrose
pancreática ou melanoma metastático.
O líquido ascítico deve ser enviado para dosagens de albumina e proteínas
totais, contagem global e diferencial de células e, se houver suspeita de infecção,
bacterioscopia por Gram e cultura com inoculação em meio de hemocultura à
beira do leito para aumentar o índice de positividade. Além disso, o nível sérico
de albumina deve ser dosado simultaneamente para permitir o cálculo do
gradiente de albumina soro-ascite (GASA).
O GASA é útil para distinguir a ascite com ou sem hipertensão portal (Fig.
46-3). O GASA reflete a pressão dentro dos sinusoides e está correlacionado
com o gradiente pressórico venoso hepático. O GASA é calculado subtraindo-se
a concentração de albumina no líquido ascítico do nível sérico de albumina e não
se altera com a diurese. Um GASA ≥ 1,1 g/dL reflete a presença de hipertensão
portal e indica que a ascite seja causada por aumento da pressão nos sinusoides
hepáticos. De acordo com a lei de Starling, a elevação do GASA reflete a
pressão oncótica que contrabalança a pressão portal. Entre as possíveis causas
estão cirrose, ascite cardíaca, trombose de veia hepática (síndrome de Budd-
Chiari), síndrome da obstrução dos sinusoides (doença venoclusiva) ou
metástase hepática massiva. Um GASA < 1,1 g/dL indica que a ascite não está
relacionada com hipertensão portal, como ocorre na peritonite tuberculosa,
carcinomatose peritoneal ou ascite pancreática.
FIGURA 46-3 Algoritmo para diagnosticar a causa da ascite de acordo com o gradiente de albumina
soro-ascite (GASA). VCI, veia cava inferior.
TRATAMENTO
Ascite
O tratamento inicial da ascite causada por cirrose consiste na restrição da ingestão de sódio a 2 g/dia.
Quando apenas a restrição de sódio é insuficiente para controlar a ascite, utilizam-se diuréticos por via oral
– normalmente a combinação de espironolactona e furosemida. A espironolactona é um antagonista da
aldosterona que inibe a reabsorção de sódio no túbulo contornado distal dos rins. O uso de espironolactona
pode ser limitado por hiponatremia, hiperpotassemia e ginecomastia dolorosa. Quando a ginecomastia é
muito desconfortável, a amilorida (5-40 mg/dia) pode substituir a espironolactona. A furosemida é um
diurético de alça geralmente associado à espironolactona na proporção de 40:100; as doses diárias máximas
de espironolactona e furosemida são, respectivamente, 400 mg e 160 mg. Nos pacientes com hiponatremia,
pode ser necessário restringir a ingestão de líquidos.
A ascite cirrótica é considerada refratária ao tratamento quando persiste a despeito da restrição da
ingestão de sódio e do uso de doses máximas (ou maximamente toleradas) de diuréticos. O tratamento
farmacológico da ascite refratária inclui o acréscimo de midodrina (um antagonista α1-adrenérgico) ou
clonidina (um antagonista α2-adrenérgico) ao tratamento com diuréticos. Esses fármacos atuam como
vasoconstritores, neutralizando a vasodilatação esplâncnica. A midodrina, isoladamente ou em combinação
com a clonidina, melhora a hemodinâmica sistêmica e controla melhor a ascite em comparação com o uso
isolado de diuréticos. Embora os bloqueadores β-adrenérgicos (β-bloqueadores) frequentemente sejam
prescritos como profilaxia das hemorragia de varizes em pacientes com cirrose, seu uso nos pacientes com
ascite refratária pode ser associado à redução nas taxas de sobrevivência.
Quando o tratamento clínico não é suficiente, a ascite refratária pode ser tratada com parecenteses de
grande volume (PGVs) ou instalação de um shunt intra-hepático transjugular peritoneal (TIPS) – uma
derivação portossistêmica colocada radiograficamente para descomprimir os sinusoides hepáticos. A
infusão intravenosa de albumina durante a PGV reduz os riscos de “disfunção circulatória pós-paracentese”
e morte. Os pacientes tratados com PGV devem receber infusões IV de albumina para cada 6 a 8 g/L de
líquido ascítico retirado. A instalação de TIPS mostrou-se superior às PGV para reduzir as recidivas de
ascite, mas está associada a maior frequência de encefalopatia hepática sem qualquer diferença na taxa de
mortalidade.
A ascite causada por câncer não responde à restrição de sódio ou ao uso de diuréticos. Os pacientes
podem ser tratados com PGV, drenagem transcutânea por cateter ou, raramente, instalação de shunt
peritoniovenoso (uma derivação entre a cavidade abdominal e a veia cava).
A ascite causada por peritonite tuberculosa deve ser tratada com os esquemas tuberculostáticos
padronizados. A ascite não cirrótica de outras causas é tratada corrigindo-se o fator desencadeante.
COMPLICAÇÕES
A peritonite bacteriana espontânea (PBE; Cap. 127) é uma complicação
comum e potencialmente fatal da ascite cirrótica. Ocasionalmente, a PBE
também complica a ascite causada por síndrome nefrótica, insuficiência
cardíaca, hepatite aguda e insuficiência hepática aguda, mas é rara nos casos de
ascite maligna. Os pacientes com PBE normalmente percebem aumento do
volume abdominal; entretanto, em apenas 40% dos casos há dor à palpação e é
incomum que haja dor à descompressão rápida. Os pacientes podem ter febre,
náusea e vômitos, ou início recente ou agravação da encefalopatia hepática
preexistente.
Nos pacientes hospitalizados com ascite, a realização de uma paracentese
nas primeiras 12 horas depois da internação reduz a mortalidade em razão da
detecção precoce de PBE. A PBE é definida por contagem de neutrófilos
polimorfonucleares (PMN) no líquido ascítico ≥ 250/μL. A cultura do líquido
ascítico normalmente isola um patógeno bacteriano. O isolamento de vários
patógenos de um paciente com líquido ascítico e aumento da contagem de PMNs
sugere peritonite secundária à ruptura de víscera ou abscesso (Cap. 127). O
isolamento de vários patógenos sem elevação da contagem de PMN sugere
perfuração intestinal pela agulha de paracentese. A PBE geralmente é causada
por bactérias entéricas que atravessaram a parede intestinal edemaciada. Os
patógenos mais comuns são bastonetes Gram-negativos, incluindo Escherichia
coli e Klebsiella, assim como estreptococos e enterococos.
O tratamento da PBE com antibióticos como cefotaxima intravenosa é
eficaz contra bactérias aeróbias Gram-negativas e Gram-positivas. O tratamento
por 5 dias é suficiente quando o paciente apresenta melhora clínica. A PBE
nosocomial ou adquirida em instituição de saúde frequentemente é causada por
bactérias multirresistentes, e o tratamento antibiótico inicial deve ser orientado
pela epidemiologia das bactérias no local.
Os pacientes cirróticos com história de PBE, proteína total no líquido
ascítico < 1 g/dL ou sangramento gastrintestinal ativo devem receber antibiótico
profilático para PBE; norfloxacino oral diário é o esquema geralmente usado. A
diurese aumenta a atividade das opsoninas proteicas no líquido ascítico e reduz o
risco de PBE.
O hidrotórax hepático ocorre quando a ascite, frequentemente causada por
cirrose, migra pelo diafragma para o espaço pleural. Essa condição pode causar
taquipneia, hipoxia e infecção. O tratamento é semelhante ao da ascite cirrótica,
incluindo-se restrição da ingestão de sódio, diuréticos e, se necessário,
toracocentese ou instalação de TIPS. A colocação de drenos torácicos deve ser
evitada.
LEITURAS ADICIONAIS
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Seção 7 Alterações na função renal e
do trato urinário
47
Disúria, dor vesical e cistite
intersticial/síndrome da bexiga dolorosa
John W. Warren
Disúria e dor vesical são dois sintomas que frequentemente chamam a atenção
para o trato urinário inferior.
DISÚRIA
A disúria, ou dor que ocorre durante a micção, é normalmente percebida como
queimação ou fisgada na uretra, sendo um sintoma de várias síndromes. A
presença ou ausência de outros sintomas costuma ser útil para diferenciar entre
essas condições. Algumas dessas síndromes diferem entre homens e mulheres.
DOR VESICAL
Estudos indicam que os pacientes percebem a dor como oriunda da bexiga se ela
for suprapúbica, se mudar conforme o enchimento ou esvaziamento vesical e/ou
se estiver associada a sintomas urinários como urgência miccional e aumento da
frequência urinária. A dor vesical que ocorre agudamente (i.e., ao longo de horas
ou de 1 ou 2 dias) é útil para a diferenciação entre cistite bacteriana e uretrite,
vaginite e outras infecções genitais. A dor vesical crônica ou recorrente pode
acompanhar cálculos do trato urinário inferior; neoplasia de bexiga, útero, colo
uterino, vagina, uretra ou próstata; divertículo uretral; cistite induzida por
radiação ou determinados medicamentos; cistite tuberculosa; obstrução do colo
vesical; bexiga neurogênica; prolapso urogenital; ou HPB. Na ausência dessas
condições, o diagnóstico de cistite intersticial/síndrome da bexiga dolorosa
(CI/SBD) deve ser considerado.
Patologia Para os ≤ 10% de pacientes com CI/SBD que têm uma lesão de
Hunner, o termo cistite intersticial pode, de fato, descrever o quadro
histopatológico. A maioria desses pacientes tem inflamação significativa,
mastócitos e tecido de granulação. Entretanto, nos 90% de pacientes sem essas
lesões, a mucosa vesical é relativamente normal com inflamação escassa.
Etiologia Várias hipóteses têm sido descritas para a patogênese da CI/SBD. Não
é de surpreender que a maioria das teorias iniciais se concentrasse na bexiga. Por
exemplo, a CI/SBD foi investigada como uma infecção crônica da bexiga.
Tecnologias sofisticadas não identificaram um organismo causador na urina ou
no tecido vesical; os pacientes estudados por esses métodos tinham, no entanto,
CI/SBD de duração longa, e os resultados não descartaram a possibilidade de
que uma infecção possa desencadear a síndrome ou possa ser uma característica
da CI/SBD inicial. Outros fatores inflamatórios, incluindo um papel dos
mastócitos, foram postulados, mas (conforme descrito anteriormente) os 90% de
pacientes sem úlcera de Hunner têm pouca inflamação vesical e não exibem uma
proeminência de mastócitos na urina ou no tecido vesical. A autoimunidade tem
sido considerada, mas os autoanticorpos estão presentes em título baixo e são
inespecíficos e considerados resultado, e não a causa, da CI/SBD. O aumento de
permeabilidade da mucosa vesical por defeitos no epitélio ou em
glicosaminoglicanos (a cobertura de muco vesical) tem sido estudado com
frequência, mas os achados não têm sido conclusivos.
As investigações de causas externas à bexiga têm sido desencadeadas pela
comorbidade das SSFs. Muitos pacientes com SSF têm sensibilidade anormal à
dor evidenciada por (1) baixo limiar para dor em regiões do corpo não
relacionadas com a síndrome diagnosticada, (2) disfunção do controle
neurológico descendente para sinais táteis e (3) aumento das respostas cerebrais
ao toque em estudos de neuroimagem funcional. Além disso, em pacientes com
CI/SBD, as superfícies do corpo distantes da bexiga são mais sensíveis à dor em
comparação com indivíduos sem CI/SBD. Todos esses achados são consistentes
com suprarregulação do processamento sensitivo no cérebro. De fato, uma teoria
prevalente é a de que essas síndromes que ocorrem de forma concomitante têm
em comum uma anormalidade no processamento cerebral dos estímulos
sensitivos. Contudo, a antecedência é um critério fundamental para a causalidade
e nenhum estudo demonstrou que a sensibilidade anormal à dor preceda a
CI/SBD ou as SSFs.
TRATAMENTO
Cistite intersticial/síndrome da bexiga dolorosa
O objetivo da terapia é aliviar os sintomas da CI/SBD; o desafio reside no fato de que nenhum tratamento
obtém sucesso de maneira uniforme. Contudo, a maioria dos pacientes costuma obter alívio, em geral com
uma abordagem multidisciplinar. As diretrizes da American Urological Association para o manejo da
CI/SBD são um excelente recurso. A estratégia correta é iniciar com terapias conservadoras e evoluir para
medidas mais arriscadas apenas se houver necessidade e sob a supervisão de um urologista ou
uroginecologista. As táticas conservadoras incluem educação, redução do estresse, mudanças na dieta,
medicamentos, fisioterapia para o assoalho pélvico e tratamento de SSFs associadas.
É possível que meses ou anos tenham se passado desde o início dos sintomas e a vida do paciente pode
estar sendo continuamente prejudicada, com repetidas consultas médicas, provocando frustração e desânimo
no paciente e no médico. Nessas circunstâncias, simplesmente dar um nome para a síndrome já é algo
benéfico. O médico deve discutir a doença, as estratégias diagnósticas e terapêuticas e o prognóstico com o
paciente e o cônjuge e/ou outros membros da família pertinentes, que devem ser alertados de que, embora a
CI/SBD não tenha manifestações visíveis, o paciente sente dor e sofrimento significativo. Essa informação
é particularmente importante para os parceiros sexuais, pois a exacerbação da dor durante e após o
intercurso sexual é uma característica comum da CI/SBD. Como o estresse pode piorar os sintomas de
CI/SBD, a redução do estresse e medidas ativas como exercícios de ioga e meditação podem ser sugeridas.
A Interstitial Cystitis Association (www.ichelp.com) e a Interstitial Cystitis Network (www.ic-network.com)
podem ser úteis nesse processo educacional.
Com o passar do tempo, muitos pacientes identificam alimentos e bebidas particulares que exacerbam
seus sintomas. Alguns exemplos comuns são pimenta, chocolate, frutas cítricas, tomate, álcool, bebidas
cafeinadas e bebidas carbonatadas; listas completas de alimentos que costumam desencadear os sintomas
são disponibilizadas nas páginas da internet citadas anteriormente. Ao formular uma dieta adequada, alguns
pacientes consideram útil excluir todos os possíveis agentes desencadeadores e ir acrescentando os itens de
volta na dieta, um de cada vez, para identificar aqueles que pioram os sintomas. Os pacientes também
devem fazer experiências com volumes de líquidos; alguns encontram alívio com menos líquidos e outros
com mais líquidos.
O assoalho pélvico costuma ser doloroso nos pacientes com CI/SBD. Dois estudos controlados
randomizados mostraram que a fisioterapia semanal direcionada para o relaxamento da musculatura pélvica
obtém mais alívio que um programa semelhante de massagem corporal geral. Essa intervenção pode ser
iniciada sob a supervisão de um fisioterapeuta experiente que compreenda que o objetivo é o relaxamento
do assoalho pélvico e não o seu fortalecimento.
Entre os medicamentos orais, os anti-inflamatórios não esteroides são comumente usados, mas seu uso
é controverso e frequentemente não costuma obter sucesso. Dois estudos controlados randomizados
mostraram que a amitriptilina pode diminuir os sintomas de CI/SBD quando é administrada uma dose
adequada (≥ 50 mg, à noite). Esse fármaco não é usado por sua atividade antidepressiva, mas pelos seus
efeitos comprovados na dor neuropática; no entanto, ele não é aprovado pela Food and Drug Administration
para o tratamento da CI/SBD. Uma dose inicial de 10 mg ao deitar é aumentada semanalmente para até 75
mg (ou menos se uma dose menor proporcionar alívio adequado dos sintomas). Pode haver efeitos
colaterais, como boca seca, ganho ponderal, sedação e constipação. Se esse regime não controlar os
sintomas de forma adequada, pode-se acrescentar o polissulfato de pentosana, um polissacarídeo
semissintético, em dose de 100 mg, 3 vezes ao dia. Teoricamente, seu efeito é repor a camada de
glicosaminoglicanos possivelmente defeituosa sobre a mucosa da bexiga, mas ensaios clínicos controlados
randomizados sugerem apenas um benefício modesto em relação ao placebo. As reações adversas são
incomuns e incluem sintomas gastrintestinais, cefaleia e alopécia. O polissulfato de pentosana tem um
discreto efeito anticoagulante e, talvez, deva ser evitado em pacientes com anormalidades da coagulação.
Alguns relatos sugerem que a terapia adequada para uma SSF é acompanhada por diminuição dos
sintomas de outras SSFs. Conforme citado anteriormente, a CI/SBD costuma estar associada a uma ou mais
SSFs. Dessa forma, parece razoável esperar que, uma vez que as SSFs concomitantes sejam adequadamente
tratadas, os sintomas da CI/SBD também serão aliviados.
Se após vários meses dessas terapias combinadas não for obtido alívio adequado dos sintomas, o
paciente deve ser encaminhado para a urologia ou a uroginecologia, especialidades que têm acesso a
modalidades adicionais de tratamento. A cistoscopia sob anestesia permite a distensão da bexiga com água,
um procedimento que pode ser repetido e propicia vários meses de alívio em aproximadamente 40% dos
pacientes. Nos poucos pacientes com uma lesão de Hunner, a cauterização desta pode proporcionar alívio.
Soluções contendo lidocaína, ácido hialurônico ou dimetilsulfóxido podem ser instiladas dentro da bexiga,
ou ainda a toxina botulínica pode ser injetada na parede da bexiga. Médicos com experiência no cuidado de
pacientes com CI/SBD têm usado anticonvulsivantes, narcóticos e ciclosporina como componentes da
terapia. Especialistas no tratamento da dor podem ser úteis na assistência ao paciente. A neuromodulação
sacral pode ser testada com um eletrodo percutâneo temporário e, se for efetiva, pode ser administrada com
auxílio de um dispositivo implantado. Em um número muito pequeno de pacientes com sintomas
persistentes, a cirurgia pode oferecer alívio, incluindo cistoplastia, cistectomia parcial ou total e derivação
urinária.
LEITURAS ADICIONAIS
Fitzgerald MP et al: Randomized multicenter clinical trial of myofascial physical
therapy in women with interstitial cystitis/painful bladder syndrome and
pelvic floor tenderness. J Urol 187:2113, 2012.
Hanno PM et al: AUA guideline for the diagnosis and treatment of interstitial
cystitis/bladder pain syndrome. J Urol 185:2162, 2011.
Hanno PM et al: Diagnosis and treatment of interstitial cystitis/bladder pain
syndrome: AUA guideline amendment. J Urol 193:1545, 2015.
Shorter B et al: Effect of comestibles on symptoms of interstitial cystitis. J Urol
178:145, 2007.
48
Azotemia e anormalidades urinárias
David B. Mount
TABELA 48-1 ■ Dados clínicos e laboratoriais iniciais para definir as principais síndromes nefrológicas
Síndrome Indícios importantes para o Achados comuns Capítulos que discutem
diagnóstico síndromes causadoras de doença
Lesão renal aguda ou Anúria Hipertensão, hematúria 304, 308, 310, 313
rapidamente progressiva
Oligúria Proteinúria, piúria
Declínio recente comprovado da Cilindros, edema
TFG
FIGURA 48-1 Abordagem ao paciente com azotemia. FeNa, excreção fracionada de sódio; MBG,
membrana basal glomerular.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Azotemia
Uma vez estabelecida a redução da TFG, o médico precisa decidir se essa
anormalidade representa uma lesão renal aguda ou doença renal crônica. A
situação clínica, a história e os resultados dos exames laboratoriais
frequentemente facilitam essa distinção. Entretanto, as anormalidades
laboratoriais típicas da doença renal crônica, incluindo anemia, hipocalcemia
e hiperfosfatemia, também são encontradas frequentemente em pacientes
com lesão renal aguda. As evidências radiográficas de osteodistrofia renal (C
ap. 305) podem ser observadas apenas na doença renal crônica, porém
constituem um achado muito tardio, e esses pacientes tipicamente
apresentam doença renal em estágio terminal (DRET) e são mantidos em
diálise. O exame de urina e a ultrassonografia renal podem facilitar a
diferenciação entre lesão renal aguda e doença renal crônica. A Figura 48-1
mostra uma abordagem para a avaliação de pacientes com azotemia. Com
frequência, os pacientes com doença renal crônica avançada apresentam
alguma proteinúria, urina diluída (isostenúria; isosmótica com o plasma) e
rins pequenos na ultrassonografia, caracterizada por aumento da
ecogenicidade e adelgaçamento cortical. O tratamento deve ter por objetivo
retardar a progressão da doença renal e proporcionar alívio sintomático para
edema, acidose, anemia e hiperfosfatemia, conforme discutido no Capítulo 3
05. A lesão renal aguda (Cap. 304) pode resultar de processos que afetam o
fluxo sanguíneo e a perfusão glomerular (azotemia pré-renal), de doenças
renais intrínsecas (que acometem os vasos sanguíneos de pequeno calibre, os
glomérulos ou os túbulos) ou de processos pós-renais (obstrução do fluxo
urinário nos ureteres, na bexiga ou na uretra) (Cap. 313).
aFE
UNa × PCr × 100
Na
PNa × UCr
Siglas: PCr, concentração plasmática de creatinina; PNa, concentração plasmática de sódio; UCr, concentração urinária de creatinina; UNa,
concentração urinária de sódio.
*N. de R.T. A ureia sérica é a forma comumente usada no Brasil, com valores normais de 15 a 45 mg/dL. A literatura mundial
geralmente descreve resultados sob a forma de nitrogênio ureico sanguíneo (BUN, blood urea nitrogen), cujos valores normais
correspondem a cerca da metade da ureia sérica (8 a 25 mg/dL).
AZOTEMIA PÓS-RENAL
A obstrução do trato urinário é responsável por < 5% dos casos de lesão renal
aguda, mas geralmente é reversível, devendo ser excluída no início do
processo de avaliação (Fig. 48-1). Como um único rim é capaz de manter
uma depuração adequada, a lesão renal aguda obstrutiva ocorre quando há
obstrução da uretra ou da saída da bexiga, obstrução ureteral bilateral ou
obstrução unilateral no paciente com um único rim funcionante. A obstrução
é geralmente diagnosticada pela existência de dilatação dos ureteres e da
pelve renal na ultrassonografia dos rins. Entretanto, nos estágios iniciais da
obstrução ou se os ureteres não puderem dilatar-se (p. ex., no encarceramento
por tumores pélvicos ou periureterais), a ultrassonografia pode ser negativa.
Outras imagens, como o renograma de furosemida (exame de medicina
nuclear MAG3), podem ser requeridas para melhor definir a presença ou
ausência de uropatia obstrutiva. Os distúrbios urológicos específicos que
causam obstrução estão descritos no Capítulo 313.
OLIGÚRIA E ANÚRIA
O termo oligúria refere-se a um débito urinário < 400 mL em 24 horas,
enquanto a anúria refere-se à ausência completa de formação de urina (< 100
mL). A anúria pode ser causada pela obstrução total bilateral do trato
urinário; uma catástrofe vascular (dissecção ou obstrução arterial); trombose
venosa renal; nefropatia aguda por cilindros no mieloma; necrose cortical
renal; NTA grave; terapia combinada com AINEs, IECAs e/ou BRAs; e
choque hipovolêmico, cardiogênico ou séptico. A oligúria nunca é normal,
uma vez que pelo menos 400 mL de urina maximamente concentrada devem
ser produzidos para excretar a carga osmolar diária obrigatória. O termo não
oligúria refere-se a um débito urinário > 400 mL/dia em pacientes com
azotemia aguda ou crônica. Na NTA não oligúrica, os distúrbios do equilíbrio
de potássio e hidrogênio são menos graves que nos pacientes oligúricos, e a
recuperação da função renal normal é mais rápida.
ANORMALIDADES DA URINA
PROTEINÚRIA
A avaliação da proteinúria é mostrada de modo esquemático na Figura 48-3 e
tipicamente começa após a detecção dessa anormalidade urinária com fita
reagente. A pesquisa com fita reagente detecta apenas a albumina e produz
resultados falso-positivos quando o pH é > 7,0 ou quando a urina está muito
concentrada ou apresenta muito sangue. Como a fita reagente baseia-se na
concentração urinária de albumina, uma urina muito diluída pode mascarar a
presença de proteinúria significativa com o uso desse teste. A quantificação da
albumina urinária em uma amostra de urina (de preferência uma amostra da
primeira urina da manhã) por meio da determinação da razão albumina-
creatinina (RAC) mostra-se útil na estimativa da taxa de excreção de albumina
(TEA) de 24 horas, em que a RAC (mg/g) ≈ TEA (mg/24 h). Além disso, a
proteinúria que não consiste predominantemente de albumina será omitida no
rastreamento com fita reagente. Essa informação é particularmente importante
para a detecção das proteínas de Bence-Jones na urina dos pacientes com
mieloma múltiplo. Os testes para determinação da concentração urinária total de
proteína baseiam-se precisamente na precipitação com ácido sulfossalicílico ou
ácido tricloroacético (Fig. 48-3). Assim como com a albuminúria, a razão
proteína/creatinina em uma amostra de urina aleatória também fornece uma
estimativa bruta da excreção proteica. Exemplificando, uma razão
proteína/creatinina igual a 3,0 está correlacionada com aproximadamente 3,0 g
de proteinúria por dia. A avaliação formal da excreção urinária de proteína
requer uma coleta de proteína em urina de 24 horas (ver “Determinação da
TFG”, anteriormente).
FIGURA 48-3 Abordagem ao paciente com proteinúria. A investigação da proteinúria é frequentemente
iniciada por um resultado positivo da fita reagente no exame de urina. As fitas reagentes convencionais
detectam predominantemente a albumina e fornecem uma avaliação semiquantitativa (traços, 1+, 2+ ou 3+),
que é influenciada pela concentração urinária, refletida pela densidade específica da urina (mínimo < 1,005;
máximo de 1,030). Contudo, para uma quantificação mais precisa da proteinúria, devem-se empregar uma
amostra de urina pela manhã para a razão proteína/creatinina (mg/g) ou uma coleta de urina de 24 horas
(mg/24 h). GESF, glomerulosclerose segmentar focal; EPU, eletroforese de proteínas urinárias; IgA,
imunoglobulina A.
LEITURAS ADICIONAIS
Emmett M et al: Approach to the patient with kidney disease, in Brenner and
Rector’s The Kidney, 10th ed, K Skorecki et al (eds). Philadelphia, W.B.
Saunders & Company, 2016, pp 754–779.
Köhler H et al: Acanthocyturia—A characteristic marker for glomerular
bleeding. Kidney Int 40:115, 1991.
Levey AS et al: Glomerular filtration rate and albuminuria for detection and
staging of acute and chronic kidney disease in adults: A systematic review.
JAMA 313:837, 2015.
Perazella MA: The urine sediment as a biomarker of kidney disease. Am J
Kidney Dis 66:748, 2015.
Sharfuddin AA et al: Acute kidney injury, in Brenner and Rector’s The Kidney,
10th ed, K Skorecki et al (eds). Philadelphia, W.B. Saunders & Company,
2016, pp 958–1011.
49
Distúrbios hidreletrolíticos
David B. Mount
SÓDIO E ÁGUA
COMPOSIÇÃO DOS LÍQUIDOS CORPORAIS
A água é o componente mais abundante no organismo, representando cerca de
50% do peso corporal nas mulheres e 60% nos homens. A água corporal total é
distribuída em dois compartimentos principais: intracelular (55-75%; líquido
intracelular [LIC]) e extracelular (25-45%; líquido extracelular [LEC]). O LEC
ainda se subdivide nos espaços intravascular (água plasmática) e extravascular
(intersticial) em uma razão de 1:3. O movimento de líquido entre os espaços
intravascular e intersticial ocorre através da parede capilar e é determinado pelas
forças de Starling, isto é, pela pressão hidráulica capilar e pela pressão
coloidosmótica. O gradiente de pressão hidráulica transcapilar ultrapassa o
gradiente de pressão oncótica correspondente, favorecendo, assim, o movimento
do ultrafiltrado de plasma para o espaço extravascular. O retorno do líquido para
o compartimento intravascular ocorre através do fluxo linfático. Ver também
exemplos de casos no Capítulo C1.
A concentração de solutos ou partículas de um líquido é conhecida como
sua osmolalidade, sendo expressa em miliosmóis por quilograma de água
(mOsm/kg). A água difunde-se facilmente através da maioria das membranas
celulares até atingir um equilíbrio osmótico (osmolalidade do LEC =
osmolalidade do LIC). É importante ressaltar que as composições de solutos
extracelulares e intracelulares diferem de modo considerável, devido à atividade
de vários transportadores, canais e bombas de membrana impulsionadas pelo
trifosfato de adenosina (ATP). As principais partículas do LEC são o Na+ e seus
ânions acompanhantes, o Cl– e o HCO3–, enquanto o K+ e os ésteres de fosfato
orgânico (ATP, fosfato de creatina e fosfolipídeos) constituem os osmóis
predominantes do LIC. Os solutos restritos ao LEC ou ao LIC determinam a
“tonicidade” ou osmolalidade efetiva desse compartimento. Determinados
solutos, em particular a ureia, não contribuem para os deslocamentos da água
através da maioria das membranas e, por esse motivo, são conhecidos como
osmóis inefetivos.
FIGURA 49-2 O mecanismo de concentração renal. O transporte de água, sal e solutos pelos segmentos
proximal e distal do néfron participa no mecanismo de concentração renal (consultar texto para detalhes).
Esquema mostrando a localização das principais proteínas de transporte envolvidas; uma alça de Henle é
ilustrada à esquerda, e um ducto coletor, à direita. AQP, aquaporina; CLC-K1, canal de cloreto; NKCC2,
cotransportador de Na-K-2Cl; ROMK, canal renal medular externo de K+; TU, transportador de ureia;
CNC, cotransportador de Na+-Cl–. (Usada, com permissão, de JM Sands: Molecular approaches to urea
transporters. J Am Soc Nephrol 13:2795, 2002.)
HIPOVOLEMIA
Etiologia A depleção de volume verdadeira ou hipovolemia refere-se, em geral,
a um estado de perda combinada de sal e de água, que leva à contração do
VLEC. A perda de sal e de água pode ser de origem renal ou não renal.
TRATAMENTO
Hipovolemia
O tratamento da hipovolemia tem por objetivo restaurar a normovolemia e repor as perdas hídricas
continuadas. A hipovolemia leve geralmente pode ser tratada com hidratação oral e retomada de uma dieta
de manutenção normal. A hipovolemia mais grave exige hidratação intravenosa, e a escolha da solução irá
depender da fisiopatologia de base. A solução salina isotônica “normal” (NaCl a 0,9%, 154 mM de Na+)
constitui o líquido de reanimação mais adequado para pacientes com natremia normal ou hiponatremia
apresentando hipovolemia grave; para essa finalidade, não foi demonstrada a superioridade das soluções de
coloides, como a albumina intravenosa. Os pacientes com hipernatremia devem receber uma solução
hipotônica, dextrose a 5% se houve apenas perda hídrica (como no DI) ou solução salina hipotônica (1/2 ou
1/4 da solução salina normal) caso tenha ocorrido perda de água e de Na+-Cl–. Devem ser feitas alterações
na administração de água livre, quando necessário, com base em medidas frequentes de bioquímica sérica.
Os pacientes com perda de bicarbonato e acidose metabólica, conforme observado frequentemente na
diarreia, devem receber bicarbonato por via intravenosa, na forma de solução isotônica (150 mEq de Na+-
HCO3– em dextrose a 5%) ou de solução de bicarbonato mais hipotônica em dextrose ou solução salina
diluída. Os pacientes que apresentam hemorragia grave ou anemia devem receber transfusões de hemácias
evitando aumentar o hematócrito acima de 35%.
DISTÚRBIOS DO SÓDIO
Os distúrbios na concentração sérica de Na+ são causados por anormalidades na
homeostase da água, que levam a alterações na relação entre Na+ e água
corporal. A ingesta de água e os níveis circulantes de AVP constituem os dois
efetores essenciais na manutenção da osmolalidade sérica; qualquer alteração em
um desses mecanismos de defesa ou em ambos é responsável pela maioria dos
casos de hiponatremia e hipernatremia. Em contrapartida, as anormalidades na
homeostase do sódio por si só levam a um déficit ou excesso do conteúdo
corporal total de Na+-Cl–, um determinante essencial do VLEC e da integridade
da circulação. É importante destacar que a volemia também modula a liberação
de AVP pela neuro-hipófise, de modo que a hipovolemia está associada a níveis
circulantes mais elevados do hormônio em relação à osmolalidade sérica. De
forma semelhante, nas causas “hipervolêmicas” de enchimento arterial
deficiente, como, por exemplo, insuficiência cardíaca e cirrose, a ativação neuro-
humoral associada abrange um aumento dos níveis circulantes de AVP,
resultando em retenção hídrica e hiponatremia. Por conseguinte, um conceito-
chave nos distúrbios do sódio é que a concentração plasmática absoluta de Na+
não fornece nenhuma informação sobre o estado de volume de determinado
paciente, e isso precisa ser considerado na abordagem diagnóstica e terapêutica.
HIPONATREMIA
A hiponatremia, definida por uma concentração plasmática de Na+ < 135 mM, é
um distúrbio muito comum que acomete até 22% dos pacientes hospitalizados.
Esse distúrbio resulta quase sempre de um aumento dos níveis circulantes de
AVP e/ou sensibilidade renal aumentada à AVP, combinada com ingesta de água
livre; uma exceção notável é a hiponatremia causada pelo baixo aporte de
solutos (ver adiante). A fisiopatologia subjacente da resposta exagerada ou
“inapropriada” à AVP difere em pacientes com hiponatremia em função de seu
VLEC. Por conseguinte, a hiponatremia é subdividida, para fins diagnósticos,
em três grupos, dependendo da história clínica e do estado de volume:
“hipovolêmica”, “euvolêmica” e “hipervolêmica” (Fig. 49-5).
FIGURA 49-5 Abordagem diagnóstica à hiponatremia. (De S Kumar, T Berl: Diseases of water
metabolism, in Atlas of Diseases of the Kidney, RW Schrier [ed]. Philadelphia, Current Medicine, Inc,
1999; com permissão.)
TRATAMENTO
Hiponatremia
O tratamento da hiponatremia é orientado por três considerações principais. Em primeiro lugar, a urgência e
as metas do tratamento são determinadas pela presença e/ou gravidade dos sintomas. Os pacientes com
hiponatremia aguda (Tab. 49-2) apresentam sintomas que podem incluir desde cefaleia, náusea e/ou
vômitos até convulsões, obnubilação e herniação central; os pacientes com hiponatremia crônica de duração
> 48 horas têm menos tendência a apresentar sintomas graves. Em segundo lugar, os pacientes com
hiponatremia crônica correm risco de SDO se a concentração plasmática de Na+ for corrigida em > 8 a 10
mM dentro das primeiras 24 horas e/ou em > 18 mM nas primeiras 48 horas. Em terceiro lugar, a resposta a
determinadas intervenções, como solução salina hipertônica, solução salina isotônica e antagonistas da AVP,
pode ser altamente imprevisível, de modo que é obrigatório proceder-se a um monitoramento frequente das
concentrações plasmáticas de Na+ durante a terapia para correção das disnatremias.
Uma vez estabelecida a urgência na correção da concentração plasmática de Na+ e instituída a terapia
apropriada, o foco deve ser o tratamento ou a correção da causa subjacente. Os pacientes com hiponatremia
euvolêmica devido a SIAD, hipotireoidismo ou insuficiência suprarrenal secundária irão responder ao
tratamento bem-sucedido da causa subjacente, com elevação das concentrações plasmáticas de Na+.
Entretanto, nem todas as causas de SIAD são imediatamente reversíveis, exigindo o uso de terapia
farmacológica para aumentar a concentração plasmática de Na+ (ver adiante). A hiponatremia hipovolêmica
responde à hidratação intravenosa com solução salina isotônica, com rápida redução dos níveis circulantes
de AVP e diurese aquosa vigorosa; pode ser necessário reduzir a velocidade da correção se a história clínica
sugerir que a hiponatremia é crônica, isto é, se ela tiver mais de 48 horas de duração (ver adiante). A
hiponatremia hipervolêmica em consequência de ICC frequentemente responde ao tratamento da
miocardiopatia subjacente – por exemplo, após instituição ou intensificação da inibição da enzima
conversora de angiotensina (ECA). Por fim, os pacientes com hiponatremia devido à potomania de cerveja e
à baixa ingestão de solutos respondem muito rapidamente à solução salina intravenosa e ao reinício de uma
dieta normal. Os pacientes com potomania de cerveja correm risco muito alto de desenvolver SDO, devido
à hipopotassemia associada, alcoolismo, desnutrição e alto risco de correção excessiva da concentração
plasmática de Na+.
A privação de água tem sido, há muito tempo, a base da terapia para a hiponatremia crônica.
Entretanto, os pacientes que excretam água livre com quantidade mínima de eletrólitos necessitam de
restrição hídrica agressiva; os pacientes com SIAD podem ter muita dificuldade em tolerar esse tratamento,
visto que a sua sede também é inapropriadamente estimulada. A razão dos eletrólitos na urina-plasma
([Na+] + [K+] urinárias/[Na+] plasmática) pode ser utilizada como rápido indicador de excreção de água
livre (Tab. 49-3); os pacientes com uma razão > 1 devem ser submetidos a uma restrição mais agressiva (<
500 mL/dia), aqueles com uma razão aproximadamente igual a 1 devem ter uma restrição de 500 a 700
mL/dia, enquanto a restrição de pacientes com razão < 1 deve ser < 1 L/dia. Nos pacientes
hipopotassêmicos, a reposição de potássio serve para aumentar a concentração plasmática de Na+, visto que
a concentração plasmática de Na+ constitui uma função tanto do Na+ trocado quanto do K+ trocado dividido
pela água corporal total; uma consequência é que a reposição de K+ tem o potencial de corrigir
excessivamente a concentração plasmática de Na+, mesmo na ausência de solução salina hipertônica. A
concentração plasmática de Na+ também tende a responder a um aumento no consumo dietético de solutos,
o que aumenta a capacidade de excretar água livre; isso pode ser conseguido com o uso de comprimidos
orais de sal e de preparações palatáveis orais de ureia recém-disponibilizadas.
onde V é o volume urinário; UNa é a [Na+] urinária; UK é a [K+] urinária; e PNa é a [Na+] plasmática
Perdas insensíveis
5. ~ 10 mL/kg por dia – menos que isso se o paciente for submetido à ventilação mecânica; mais ainda, se estiver febril
Total
6. Adicionar componentes para determinar o déficit hídrico e a perda hídrica vigente; corrigir o déficit de água durante 48-72 h e repor
diariamente a perda de água. Evitar a correção da [Na+] plasmática em > 10 mM/dia
Os pacientes que não respondem ao tratamento com restrição hídrica, reposição de potássio e/ou
aumento do consumo de solutos podem necessitar de terapia farmacológica para aumentar a concentração
plasmática de Na+. Muitos pacientes com SIAD respondem à terapia combinada com furosemida oral, em
uma dose de 20 mg, 2 vezes ao dia (podem ser necessárias doses mais altas em caso de redução na função
renal), e comprimidos orais de sal; a furosemida tem por objetivo inibir o mecanismo de contracorrente
renal e atenuar a capacidade de concentração urinária, enquanto os comprimidos de sal neutralizam a
natriurese associada ao uso de diuréticos. A demeclociclina, que é um potente inibidor das células
principais, pode ser administrada a pacientes cujos níveis de Na não aumentam em resposta à furosemida e
aos comprimidos de sais. Todavia, esse agente pode estar associado a uma redução da TFG, devido à
natriurese excessiva e/ou toxicidade renal direta; seu uso deve ser evitado, particularmente, em pacientes
cirróticos, que correm maior risco de nefrotoxicidade por acúmulo do fármaco. Quando disponíveis, as
preparações palatáveis orais de ureia também podem ser usadas para controlar a SIAD; o aumento na
excreção de soluto com a ingesta de ureia oral eleva a excreção de água livre, diminuindo, assim, o Na+
plasmático.
Os antagonistas da AVP (vaptanas) mostram-se altamente efetivos na SIAD e na hiponatremia
hipervolêmica, devido à insuficiência cardíaca ou à cirrose, aumentando com segurança a concentração
plasmática de Na+ devido aos seus efeitos “aquaréticos” (aumento da depuração de água livre). A maioria
desses agentes antagoniza especificamente o receptor V2 de AVP; a tolvaptana é, hoje, o único antagonista
V2 oral aprovado pela Food and Drug Administration. A conivaptana, a única vaptana intravenosa
disponível, é um antagonista V1A/V2 misto, com risco modesto de hipotensão, devido à inibição do receptor
V1A. A terapia com vaptanas deve ser iniciada no ambiente hospitalar, com liberalização da restrição hídrica
(> 2 L/dia) e monitoração rigorosa da concentração plasmática de Na+. Embora esses fármacos estejam
aprovados para o tratamento de todas as formas de hiponatremia, exceto a hipovolêmica e a aguda, as
indicações clínicas são limitadas. A tolvaptana oral é, talvez, a mais apropriada para o tratamento da SIAD
significativa e persistente (p. ex., no carcinoma de pulmão de pequenas células) que não responde à
restrição hídrica e/ou à furosemida oral e comprimidos de sais. Foram relatadas anormalidades das provas
de função hepática durante o tratamento crônico com tolvaptana, de modo que o uso desse fármaco deve ser
restrito a < 1 a 2 meses.
O tratamento da hiponatremia sintomática aguda deve incluir uma solução salina hipertônica a 3%
(513 mM) para elevação aguda da concentração de Na+ em 1 a 2 mM/h, até um total de 4 a 6 mM; esse
aumento modesto geralmente é suficiente para aliviar os sintomas agudos graves, quando as diretrizes
corretivas para a hiponatremia crônica são, então, apropriadas (ver adiante). Foram desenvolvidas várias
equações para estimar a velocidade de infusão necessária da solução salina hipertônica, que tem uma
concentração de Na+-Cl– de 513 mM. A abordagem tradicional consiste em calcular o déficit de Na+, em
que o déficit de Na+ = 0,6 × peso corporal × (concentração plasmática alvo de Na+ – concentração
plasmática inicial de Na+), seguido do cálculo da velocidade necessária. Independentemente do método
utilizado para determinar a velocidade de administração, o aumento da concentração plasmática de Na+
pode ser altamente imprevisível durante o tratamento com solução salina hipertônica, devido a rápidas
mudanças da fisiologia subjacente; a concentração plasmática de Na+ deve ser monitorada a cada 2 a 4
horas durante o tratamento, com alterações apropriadas no tratamento baseadas na velocidade de mudança
observada. A administração de oxigênio suplementar e o suporte ventilatório são de importância crucial na
hiponatremia aguda, no caso em que os pacientes desenvolvem edema pulmonar agudo ou insuficiência
respiratória hipercápnica. Os diuréticos de alça intravenosos ajudam a tratar o edema pulmonar agudo e
aumentam a excreção de água livre, interferindo no sistema de multiplicação por contracorrente renal. Os
antagonistas da AVP não têm um papel aprovado no tratamento da hiponatremia aguda.
A velocidade de correção deve ser comparativamente lenta na hiponatremia crônica (< 8-10 mM
durante as primeiras 24 horas e < 18 mM nas primeiras 48 horas), de modo a evitar o desenvolvimento de
SDO; uma velocidade-alvo menor é apropriada para pacientes com risco particular de SDO, como
alcoolistas ou pacientes com hipopotassemia. Pode ocorrer correção excessiva da concentração plasmática
de Na+ quando os níveis de AVP se normalizam rapidamente; por exemplo, após o tratamento de pacientes
com hiponatremia hipovolêmica crônica usando solução salina intravenosa ou após a reposição de
glicocorticoides em pacientes com hipopituitarismo e insuficiência suprarrenal secundária. Ocorre correção
excessiva em aproximadamente 10% dos pacientes tratados com vaptanas; o risco aumenta se a ingestão de
água não for liberada. Se houver correção excessiva da concentração plasmática de Na+ após a terapia, seja
com solução salina hipertônica, solução isotônica ou uma vaptana, a hiponatremia pode ser reinduzida com
segurança ou estabilizada pela administração de um agonista de AVP, o acetato de desmopressina
(DDAVP), e/ou com administração de água livre, geralmente dextrose a 5% (D5W) por via intravenosa; a
meta é impedir ou reverter o desenvolvimento de SDO. De modo alternativo, o tratamento de pacientes com
hiponatremia pronunciada pode ser iniciado com a administração de DDAVP, 2 vezes ao dia, para manter
uma bioatividade constante da AVP, em associação com a administração de solução salina hipertônica para
corrigir lentamente o sódio sérico de maneira mais controlada, reduzindo antecipadamente o risco de
correção excessiva.
HIPERNATREMIA
Etiologia A hipernatremia é definida pelo aumento da concentração plasmática
de Na+ para > 145 mM. Apesar de ser consideravelmente menos comum do que
a hiponatremia, a hipernatremia está, entretanto, associada a uma taxa de
mortalidade de até 40 a 60%, principalmente devido à gravidade dos processos
mórbidos subjacentes associados. A hipernatremia geralmente resulta de um
déficit combinado de água e eletrólitos, com perda de H2O superior à perda de
Na+. Com menos frequência, a causa pode consistir na ingesta ou na
administração iatrogênica de Na+ em excesso, como, por exemplo, após a
administração intravenosa de Na+-Cl– ou Na+-HCO3– hipertônicos em excesso (F
ig. 49-6).
TRATAMENTO
Hipernatremia
A causa subjacente da hipernatremia deve ser removida ou corrigida, seja fármacos, hiperglicemia,
hipercalcemia, hipopotassemia ou diarreia. A abordagem para a correção da hipernatremia está delineada na
Tabela 49-3. É fundamental corrigir lentamente a hipernatremia, a fim de evitar a formação de edema
cerebral, em geral com reposição do déficit de água livre calculado no decorrer de 48 horas. É importante
frisar que a concentração plasmática de Na+ deve ser corrigida sem ultrapassar 10 mM/dia, o que pode levar
mais de 48 horas em pacientes com hipernatremia grave (> 160 mM). Uma rara exceção é o paciente com
hipernatremia aguda (< 48 horas) devido a uma sobrecarga de sódio, a qual pode ser corrigida rapidamente
e com segurança a uma velocidade de 1 mM/h.
A conduta ideal consiste em administrar água por via oral ou por sonda nasogástrica, como forma mais
direta de fornecer água livre. Pode-se também administrar água livre aos pacientes usando soluções
intravenosas contendo dextrose, como D5W; o nível de glicemia deve ser monitorado, caso ocorra
hiperglicemia. Dependendo da história clínica, da pressão arterial ou da volemia, pode ser apropriado tratar
inicialmente o paciente com solução salina hipotônica (solução salina isotônica 1/4 ou 1/2); em geral, a
solução salina isotônica é inapropriada na ausência de hipernatremia muito grave – caso em que a solução
salina isotônica é proporcionalmente mais hipotônica em relação ao plasma – ou na hipotensão franca. É
necessário calcular a depuração de água livre na urina (Tab. 49-3) para se estimar a perda vigente diária de
água livre em pacientes com DIN ou DIC, devendo-se efetuar uma reposição diária.
Tratamentos adicionais podem ser viáveis em casos específicos. Os pacientes com DIC devem
responder à administração de DDAVP por via intravenosa, intranasal ou oral. Os pacientes com DIN devido
ao uso de lítio podem reduzir a poliúria com amilorida (2,5-10 mg/dia), que diminui a entrada de lítio nas
células principais por meio da inibição do CENa (ver anteriormente). Todavia, na prática, a maioria dos
pacientes com DI associado ao lítio são capazes de compensar a poliúria simplesmente aumentando o
consumo diário de água. Os diuréticos tiazídicos podem reduzir a poliúria devido ao DIN, ao induzir
hipovolemia e aumentar a reabsorção tubular proximal de água. Em certas ocasiões, foram utilizados anti-
inflamatórios não esteroides (AINEs) para tratar a poliúria associada ao DIN, reduzindo o efeito negativo
das prostaglandinas intrarrenais sobre os mecanismos de concentração urinária; entretanto, isso assume o
risco de toxicidade gástrica e/ou renal associada aos AINEs. Além disso, é preciso ressaltar que os
tiazídicos, a amilorida e os AINEs são apropriados apenas para o tratamento crônico da poliúria do DIN e
não desempenham nenhum papel no tratamento agudo da hipernatremia associada, no qual o foco consiste
na reposição dos déficits de água livre.
DISTÚRBIOS DO POTÁSSIO
Os mecanismos homeostáticos mantêm a concentração plasmática de K+ entre
3,5 e 5,0 mM, apesar de uma acentuada variação no aporte dietético de K+. No
indivíduo saudável em estado de equilíbrio dinâmico, todo o aporte diário de
potássio é excretado, aproximadamente 90% na urina e 10% nas fezes. Por
conseguinte, os rins desempenham um papel dominante na homeostase do
potássio. Entretanto, > 98% do potássio corporal total é intracelular, localizado
principalmente no músculo; o tamponamento do K+ extracelular por esse grande
pool intracelular desempenha um papel crucial na regulação da concentração
plasmática de K+. A ocorrência de alterações na troca e na distribuição do K+
intra e extracelular pode, portanto, levar ao desenvolvimento de hipo ou
hiperpotassemia de grau pronunciado. Como corolário, a necrose muscular
maciça e a liberação concomitante de K+ intracelular podem causar grave
hiperpotassemia, particularmente na presença de lesão renal aguda e excreção
reduzida de K+.
As alterações no conteúdo corporal total de K+ são mediadas principalmente
pelo rim, que reabsorve o K+ filtrado nos estados de deficiência de K+ com
hipopotassemia, enquanto secreta K+ nos estados de repleção de K+ com
hiperpotassemia. Embora o K+ seja transportado ao longo de todo néfron, são as
células principais do túbulo conector (TC) e do DC cortical que desempenham
um papel dominante na secreção renal de K+, enquanto as células intercaladas
alfa do DC da medula externa atuam na reabsorção tubular renal do K+ filtrado
nos estados de deficiência desse cátion. Nas células principais, a entrada apical
de Na+ através do CENa sensível à amilorida gera uma diferença de potencial
negativa do lúmen, que impulsiona a saída passiva de K+ através dos canais
apicais de K+ (Fig. 49-4). Dois canais importantes de K+ medeiam a secreção
tubular distal do cátion: ROMK, canal secretor de K+ (canal renal medular
externo de K+; também conhecido como Kir1.1 ou KcnJ1); e o canal de potássio
BK (Big Potassium) ou maxi-K sensível ao fluxo. Acredita-se que o canal
ROMK medeia a maior parte da secreção constitutiva de K+, enquanto aumentos
na velocidade de fluxo distal e/ou ausência genética do canal ROMK ativam a
secreção de K+ através do canal BK.
É necessário ter um conhecimento da relação existente entre a entrada de
Na dependente do CENa e a secreção distal de K+ (Fig. 49-4) para a
+
HIPOPOTASSEMIA
A hipopotassemia, definida como uma concentração plasmática de K+ < 3,5 mM,
é observada em até 20% dos pacientes hospitalizados. A hipopotassemia está
associada a um aumento de 10 vezes nas taxas de mortalidade de pacientes
internados, devido aos efeitos adversos sobre o ritmo cardíaco, a pressão arterial
e a morbidade cardiovascular. Quanto ao mecanismo envolvido, a
hipopotassemia pode ser causada por uma redistribuição do K+ entre os tecidos e
o LEC, ou pela perda renal e não renal de K+ (Tab. 49-4). A hipomagnesemia
sistêmica também pode causar hipopotassemia resistente ao tratamento devido a
uma combinação de redução da captação celular de K+ e secreção renal
exagerada. Em certas ocasiões, a hipopotassemia factícia ou “pseudo-
hipopotassemia” pode resultar da captação celular in vitro de K+ após punção
venosa, por exemplo, devido à presença de leucocitose profunda na leucemia
aguda.
TABELA 49-4 ■ Causas de hipopotassemia
I. Aporte diminuído
A. Fome
B. Ingestão de argila
II. Redistribuição para as células
A. Acidobásica
1. Alcalose metabólica
B. Hormonal
1. Insulina
2. Aumento da atividade simpática β2-adrenérgica: após infarto do miocárdio, traumatismo craniencefálico
3. Agonistas β2-adrenérgicos – broncodilatadores, tocolíticos
4. Antagonistas α-adrenérgicos
5. Paralisia periódica tireotóxica
6. Estimulação distal da Na+/K+-ATPase: teofilina, cafeína
C. Estado anabólico
1. Administração de vitamina B12 ou de ácido fólico (produção de eritrócitos)
2. Fator estimulador de colônias de granulócitos-macrófagos (produção de leucócitos)
3. Nutrição parenteral total
D. Outras
1. Pseudo-hipopotassemia
2. Hipotermia
3. Paralisia periódica hipopotassêmica familiar
4. Toxicidade do bário: inibição sistêmica dos canais de K+ “escoadores”
III.Aumento da perda
A. Não renal
1. Perda gastrintestinal (diarreia)
2. Perda tegumentar (sudorese)
B. Renal
1. Aumento do fluxo distal e aporte distal de Na+: diuréticos, diurese osmótica, nefropatias com perda de sal
2. Secreção aumentada de potássio
a. Excesso de mineralocorticoides: hiperaldosteronismo primário (adenomas produtores de aldosterona, hiperplasia suprarrenal
primária ou unilateral, hiperaldosteronismo idiopático devido à hiperplasia suprarrenal bilateral e carcinoma suprarrenal),
hiperaldosteronismo genético (hiperaldosteronismo familiar tipos I/II/III, hiperplasias suprarrenais congênitas), hiperaldosteronismo
secundário (hipertensão maligna, tumores secretores de renina, estenose da artéria renal, hipovolemia), síndrome de Cushing,
síndrome de Bartter, síndrome de Gitelman
b. Excesso aparente de mineralocorticoides: deficiência genética de 11β-desidrogenase-2 (síndrome de excesso aparente de
mineralocorticoides), inibição da 11β-desidrogenase-2 (ácido glicirretínico/glicirrizínico e/ou carbenoxolona; alcaçuz, produtos
alimentares, fármacos), síndrome de Liddle (ativação genética dos canais epiteliais de Na+)
c. Aporte distal de ânions não reabsorvidos: vômito, aspiração nasogástrica, acidose tubular renal proximal, cetoacidose diabética,
inalação de cola (abuso de tolueno), derivados da penicilina (penicilina, nafcilina, dicloxacilina, ticarcilina, oxacilina e
carbenicilina)
3. Deficiência de magnésio
FIGURA 49-7 Abordagem diagnóstica à hipopotassemia. Ver detalhes no texto. PA, pressão arterial;
CAD, cetoacidose diabética; HF-I, hiperaldosteronismo familiar tipo I; PPHF, paralisia periódica
hipopotassêmica familiar; GI, gastrintestinal; HTN, hipertensão; AP, aldosteronismo primário; EAR,
estenose da artéria renal; TSR, tumor secretor de renina; ATR, acidose tubular renal; SEAM, síndrome de
excesso aparente de mineralocorticoides; GTTK, gradiente transtubular de potássio. (Utilizada, com
permissão, de DB Mount, K Zandi-Nejad K: Disorders of potassium balance, in Brenner and Rector’s The
Kidney, 8th ed, BM Brenner [ed]. Philadelphia, W.B. Saunders & Company, 2008, pp 547-587.)
TRATAMENTO
Hipopotassemia
As metas do tratamento para a hipopotassemia consistem em impedir as consequências crônicas graves e/ou
potencialmente fatais, repor o déficit de K+ associado e corrigir a causa subjacente e/ou reduzir a futura
hipopotassemia. A urgência da terapia depende da gravidade da hipopotassemia, dos fatores clínicos
associados (p. ex., doença cardíaca, terapia com digoxina) e da velocidade de declínio do nível sérico de
K+. Pacientes com intervalo QT prolongado e/ou outros fatores de risco para arritmias devem ser
acompanhados por meio de monitorização cardíaca contínua durante a reposição. Deve-se considerar uma
reposição urgente, porém cautelosa de K+ em pacientes com hipopotassemia grave por redistribuição
(concentração plasmática de K+ < 2,5 mM) e/ou quando surgem complicações graves; todavia essa
abordagem está associada a um risco de hiperpotassemia de rebote após resolução aguda da causa
subjacente. Quando se acredita que a atividade excessiva do sistema nervoso simpático desempenha um
papel dominante na hipopotassemia por redistribuição, como na PPT, superdosagem de teofilina e
traumatismo craniencefálico agudo, deve-se considerar a administração de propranolol em altas doses (3
mg/kg); esse bloqueador β-adrenérgico não específico corrige a hipopotassemia sem o risco de
hiperpotassemia de rebote.
A reposição oral com K+-Cl– constitui a base da terapia para a hipopotassemia. O fosfato de potássio
por via oral ou intravenosa pode ser apropriado para pacientes com hipopotassemia e hipofosfatemia
combinadas. Deve-se considerar o uso de bicarbonato de potássio ou citrato de potássio em pacientes com
acidose metabólica concomitante. Os pacientes com hipomagnesemia são refratários à reposição isolada de
K+, de modo que a deficiência de Mg2+ concomitante deve ser sempre corrigida com reposição oral ou
intravenosa. O déficit de K+ e a velocidade da correção devem ser estimados da forma mais precisa
possível; a função renal, o uso de medicamentos e a existência de comorbidades, como diabetes melito,
também devem ser considerados, de modo a avaliar o risco de correção excessiva. Na ausência de
redistribuição anormal do K+, o déficit total correlaciona-se com os níveis séricos de K+, de modo que o
declínio do K+ é de aproximadamente 0,27 mM para cada redução de 100 mmol das reservas corporais
totais; a perda de 400 a 800 mmol de K+ corporal total resulta em uma diminuição dos níveis séricos de K+
de aproximadamente 2,0 mM. Tendo em vista o retardo da redistribuição de potássio nos compartimentos
intracelulares, é preciso repor esse déficit gradualmente no decorrer de 24 a 48 horas, com
acompanhamento frequente da concentração plasmática de K+, a fim de evitar uma reposição excessiva
transitória e a ocorrência de hiperpotassemia transitória.
O uso da via intravenosa deve limitar-se a pacientes incapazes de utilizar a via enteral ou no contexto
de complicações graves (p. ex., paralisia, arritmias). O K+-Cl– intravenoso deve ser sempre administrado
em soluções salinas, e não com dextrose, visto que o aumento da insulina induzido pela dextrose pode
causar exacerbação aguda da hipopotassemia. A dose intravenosa periférica é geralmente de 20-40 mmol de
K+-Cl– por litro; concentrações mais altas podem causar dor localizada, devido à flebite química, irritação e
esclerose. Se a hipopotassemia for grave (< 2,5 mmol/L) e/ou criticamente sintomática, pode-se administrar
K+-Cl– por via intravenosa em uma veia central, com monitorização cardíaca em uma unidade de terapia
intensiva, a uma velocidade de 10 a 20 mmol/h; o uso de uma velocidade mais alta deve ser reservado para
as complicações agudas que comportam risco de vida. A quantidade absoluta de K+ administrado deve ser
restrita (p. ex., 20 mmol em 100 mL de solução salina) para evitar a infusão inadvertida de uma grande
dose. A veia femoral é preferida, visto que a infusão através das linhas jugular interna ou subclávia pode
aumentar agudamente a concentração local de K+ e afetar a condução cardíaca.
Além disso, devem-se considerar estratégias para reduzir ao mínimo as perdas de K+. Essas medidas
podem consistir em reduzir ao mínimo a dose de diuréticos não poupadores de K+, restringir o aporte de
Na+ e usar combinações clinicamente apropriadas de medicamentos não poupadores de K+ e poupadores de
K+ (p. ex., diuréticos de alça com inibidores de ECA [IECAs]).
HIPERPOTASSEMIA
A hiperpotassemia é definida como um nível plasmático de potássio de 5,5 mM,
que ocorre em até 10% dos pacientes hospitalizados; a hiperpotassemia grave (>
6,0 mM) é observada em aproximadamente 1%, com aumento significativo do
risco de mortalidade. Embora a redistribuição e a redução da captação tecidual
possam causar hiperpotassemia de forma aguda, a diminuição da excreção renal
de K+ constitui a causa subjacente mais frequente (Tab. 49-5). A ingesta
excessiva de K+ representa uma causa rara devido à capacidade adaptativa de
aumentar a secreção renal; todavia, o consumo dietético pode exercer um efeito
importante em pacientes suscetíveis, por exemplo, pacientes diabéticos com
hipoaldosteronismo hiporreninêmico e doença renal crônica. Os fármacos com
impacto no eixo renina-angiotensina-aldosterona também constituem uma
importante causa de hiperpotassemia.
FIGURA 49-8 Abordagem diagnóstica à hiperpotassemia. Ver detalhes no texto. IECA, inibidor da
enzima conversora de angiotensina; BRA, bloqueador dos receptores de angiotensina II; ECG,
eletrocardiograma; VCE, volume circulatório efetivo; TFG, taxa de filtração glomerular; GN,
glomerulonefrite; HBPM, heparina de baixo peso molecular; AINE, anti-inflamatório não esteroide; PHA,
pseudo-hipoaldosteronismo; LES, lúpus eritematoso sistêmico; GTTK, gradiente transtubular de potássio.
(Utilizada, com permissão, de DB Mount, K Zandi-Nejad K: Disorders of potassium balance, in Brenner
and Rector’s The Kidney, 8th ed, BM Brenner [ed]. Philadelphia, W.B. Saunders & Company, 2008, pp 547-
587.)
TRATAMENTO
Hiperpotassemia
As manifestações eletrocardiográficas da hiperpotassemia devem ser consideradas como emergência clínica
e tratadas urgentemente. Entretanto, pacientes com hiperpotassemia significativa (concentração plasmática
de K+ ≥ 6,5 mM) na ausência de alterações no ECG também devem ser tratados de forma agressiva, devido
às limitações das alterações do ECG como fator preditivo de cardiotoxicidade. O tratamento de urgência da
hiperpotassemia consiste em internação do paciente, monitoração cardíaca contínua e tratamento imediato.
O tratamento da hiperpotassemia é dividido em três estágios:
1. Antagonismo imediato dos efeitos cardíacos da hiperpotassemia. O cálcio intravenoso serve para
proteger o coração, enquanto são tomadas outras medidas para corrigir a hiperpotassemia. O cálcio
eleva o limiar do potencial de ação e diminui a excitabilidade sem modificar o potencial de repouso da
membrana. Ao restaurar a diferença entre os potenciais de repouso e limiar, o cálcio reverte o bloqueio
de despolarização causado pela hiperpotassemia. A dose recomendada é de 10 mL de gliconato de
cálcio a 10% (3-4 mL de cloreto de cálcio), em infusão intravenosa, durante 2 a 3 minutos, com
monitoração cardíaca. O efeito da infusão começa em 1 a 3 minutos e dura 30 a 60 minutos; a dose
deve ser repetida se não houver nenhuma alteração dos achados do ECG ou se esses achados
recorrerem após uma melhora inicial. A hipercalcemia potencializa a cardiotoxicidade da digoxina; por
esse motivo, o cálcio intravenoso deve ser usado com extrema cautela em usuários desse medicamento;
se for considerado necessário, podem ser acrescentados 10 mL de gliconato de cálcio a 10% a 100 mL
de soro glicosado a 5%, com infusão durante 20 a 30 minutos para evitar a ocorrência de hipercalcemia
aguda.
2. Rápida redução da concentração plasmática de K+ por meio de sua redistribuição nas células. A
insulina diminui a concentração plasmática de K+ ao deslocá-lo para dentro das células. A dose
recomendada é de 10 unidades de insulina regular intravenosa, seguida imediatamente de 50 mL de
dextrose a 50% (D50W, 25 g de glicose total); o efeito começa em 10 a 20 minutos, alcança ou seu
máximo em 30 a 60 minutos e dura 4 a 6 horas. A D50W em bolus sem insulina nunca é apropriada
devido ao risco de agravamento agudo da hiperpotassemia, em consequência do efeito osmótico da
glicose hipertônica. A hipoglicemia é comum com insulina mais glicose; por esse motivo, deve ser
seguida de infusão de dextrose a 10%, em uma taxa de 50 a 75 mL/h, com monitoração rigorosa da
concentração plasmática de glicose. Nos pacientes hiperpotassêmicos com concentrações de glicose ≥
200 a 250 mg/dL, a insulina deve ser administrada sem glicose, também com monitoração rigorosa da
glicemia.
Os agonistas β2, sendo mais comum o albuterol, são agentes efetivos, porém subutilizados no
tratamento agudo da hiperpotassemia. O albuterol e a insulina com glicose têm efeito aditivo sobre a
concentração plasmática de K+; todavia, cerca de 20% dos pacientes com DRET mostram-se
resistentes ao efeito dos agonistas β2; por esse motivo, esses fármacos não devem ser usados sem
insulina. A dose recomendada de albuterol inalado é de 10 a 20 mg de albuterol nebulizado em 4 mL
de solução salina, inalados durante 10 minutos; o efeito começa em cerca de 30 minutos, alcança o seu
máximo em cerca de 90 minutos e dura de 2 a 6 horas. A hiperglicemia constitui um efeito colateral
juntamente com taquicardia. Os agonistas β2 devem ser usados com cautela em pacientes com
hiperpotassemia portadores de cardiopatia conhecida.
O bicarbonato intravenoso não desempenha nenhum papel no tratamento agudo da
hiperpotassemia, porém pode atenuar lentamente a hiperpotassemia com a sua administração
sustentada durante várias horas. Não deve ser administrado repetidamente na forma de injeção
intravenosa hipertônica de bolus não diluídos, devido ao risco de hipernatremia associada, mas deve
ser infundido em solução isotônica ou hipotônica (p. ex., 150 mEq em 1 L de D5W). Em pacientes com
acidose metabólica, pode-se observar uma queda tardia da concentração plasmática de K+ depois de 4
a 6 horas de infusão isotônica de bicarbonato.
3. Remoção do potássio. Normalmente, é realizada com o uso de resinas trocadoras de cátions, diuréticos
e/ou diálise. A resina trocadora de cátions, o poliestireno sulfonato de sódio (SPS), troca o Na+ pelo K+
no trato gastrintestinal e aumenta a excreção fecal de K+; resinas à base de cálcio, quando disponíveis,
podem ser mais apropriadas em pacientes com aumento do VLEC. A dose recomendada de SPS é de
15 a 30 g de pó, quase sempre administrada em suspensão pronta para uso com sorbitol a 33%. O
efeito do SPS sobre a concentração plasmática de K+ é lento, o efeito total pode levar até 24 horas e
geralmente exige doses repetidas a cada 4 a 6 horas. A necrose intestinal, geralmente do cólon ou do
íleo, constitui uma complicação rara, mas geralmente fatal, do uso de SPS. A necrose intestinal é mais
comum em pacientes com SPS administrado por enema e/ou em pacientes com mobilidade intestinal
reduzida (p. ex., no período pós-operatório ou após tratamento com opioides). A coadministração de
SPS com sorbitol parece aumentar o risco de necrose intestinal; entretanto, essa complicação também
pode ocorrer com o uso isolado de SPS. O risco baixo, porém real, de necrose intestinal com SPS, que
algumas vezes pode constituir a única terapia disponível ou apropriada para a remoção de potássio,
precisa ser ponderado levando em conta o início tardio da eficácia. Sempre que possível, terapias
alternativas para o tratamento agudo da hiperpotassemia (i.e., terapia de redistribuição agressiva,
infusão isotônica de bicarbonato, diuréticos e/ou hemodiálise) devem ser usadas no lugar do SPS.
Novos ligadores de potássio intestinal foram recentemente disponibilizados para uso no
tratamento da hiperpotassemia. Esses agentes parecem não apresentar a toxicidade intestinal do SPS.
Patirômero é um polímero não absorvível, disponibilizado na forma de pó para suspensão, que se liga
ao K+ em troca de Ca2+. Em adultos sadios, o patirômero causa diminuição da excreção urinária de
potássio, magnésio e sódio, sugerindo a ligação do polímero a esses cátions no intestino; notavelmente,
um efeito colateral da medicação é a hipomagnesemia. O ZS-9 é um composto cristalino não
absorvível que troca íons Na+ e H+ por K+ e NH4+ no intestino. Esses agentes prometem revolucionar
o tratamento das formas crônica e aguda de hiperpotassemia. Em particular, espera-se que a
disponibilidade de ligadores de potássio seguros e bem tolerados possibilite uma inibição mais intensa
de SRAA tanto na doença renal como na doença cardíaca.
A terapia com solução salina intravenosa pode ser benéfica em pacientes hipovolêmicos com
oligúria e diminuição do aporte distal de Na+, com reduções associadas na excreção renal de K+. Os
diuréticos de alça e tiazídicos podem ser usados para reduzir a concentração plasmática de K+ em
pacientes euvolêmicos ou hipervolêmicos com função renal suficiente para obter uma resposta
diurética; pode ser necessário combinar esses diuréticos com solução salina intravenosa ou bicarbonato
isotônico para obter ou manter a euvolemia.
A hemodiálise constitui o método mais efetivo e confiável para reduzir a concentração plasmática
de K+; a diálise peritoneal é consideravelmente menos efetiva. Os pacientes com lesão renal aguda
necessitam de acesso venoso temporário e urgente para hemodiálise, com seus riscos associados; por
outro lado, pacientes com DRET ou com doença renal crônica avançada podem ter um acesso venoso
preexistente. A quantidade de K+ removida durante a hemodiálise depende da distribuição relativa do
K+ entre o LIC e o LEC (potencialmente afetada pela terapia anterior para a hiperpotassemia), do tipo
e da área de superfície do dialisador, da velocidade de fluxo do dialisato e do sangue, da duração da
diálise e do gradiente de K+ entre o plasma e o dialisato.
LEITURAS ADICIONAIS
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and hereditary hypertension. Science 331:768, 2011.
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does this mean? J Am Soc Nephrol 18:2028, 2007.
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50
Hipercalcemia e hipocalcemia
Sundeep Khosla
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Em geral, a hipercalcemia leve (até 11-11,5 mg/dL) é assintomática, sendo
detectada apenas pelas dosagens rotineiras de cálcio. Alguns pacientes podem
apresentar sintomas neuropsiquiátricos mal definidos, inclusive dificuldade de
concentração, alterações da personalidade ou depressão. Outros sintomas podem
ser atribuídos à doença ulcerosa péptica ou à nefrolitíase, e o risco de fratura
também pode ser maior. A hipercalcemia mais grave (> 12-13 mg/dL),
principalmente se tiver progressão rápida, pode causar letargia, estupor ou coma,
além de sintomas gastrintestinais (náuseas, anorexia, constipação intestinal ou
pancreatite). A hipercalcemia reduz a capacidade de concentração renal, o que
pode causar poliúria e polidipsia. No hiperparatireoidismo crônico, os pacientes
podem ter dor óssea ou fraturas patológicas. Por fim, a hipercalcemia pode
resultar em alterações eletrocardiográficas significativas, incluindo bradicardia,
bloqueio atrioventricular (AV) e intervalo QT curto; as alterações do cálcio
sérico podem ser monitoradas com o acompanhamento do intervalo QT.
ABORDAGEM DIAGNÓSTICA
A primeira etapa na avaliação diagnóstica da hiper ou hipocalcemia é confirmar
que a alteração dos níveis séricos do cálcio não é secundária às concentrações
anormais de albumina. Cerca de 50% do cálcio total está ionizado, e o restante
encontra-se ligado principalmente à albumina. Embora as determinações diretas
do cálcio ionizado sejam possíveis, elas são facilmente influenciadas pelos
métodos de coleta e por outros artefatos; por essa razão, geralmente é preferível
dosar o cálcio total e a albumina para “corrigir” o cálcio sérico. Quando as
concentrações séricas de albumina estão reduzidas, o nível corrigido do cálcio
deve ser calculado somando-se 0,2 mM (0,8 mg/dL) ao valor do cálcio total para
cada decréscimo de 1,0 g/dL na albumina sérica abaixo do valor de referência da
albumina, que é de 4,1 g/dL; caso haja elevação do nível sérico da albumina,
faz-se o cálculo em sentido inverso.
A história detalhada pode fornecer indícios importantes quanto à etiologia
da hipercalcemia (Tab. 50-1). Na maioria dos casos, a hipercalcemia crônica é
causada pelo hiperparatireoidismo primário, enquanto a segunda causa mais
comum é uma neoplasia maligna subjacente. A anamnese deve incluir fármacos
utilizados, história de cirurgia do pescoço, assim como sintomas sistêmicos
sugestivos de sarcoidose ou linfoma.
Uma vez estabelecido que a hipercalcemia realmente está presente, o
segundo exame laboratorial mais importante para a investigação diagnóstica é a
dosagem de PTH por um ensaio de duplo sítio para o hormônio intacto. Em
geral, as elevações do PTH são acompanhadas de hipofosfatemia. Além disso, a
creatinina sérica deve ser dosada para avaliar a função renal, uma vez que a
hipercalcemia pode comprometê-la, e a depuração renal do PTH pode estar
alterada, dependendo dos fragmentos detectados pelo ensaio. Se o nível do PTH
estiver elevado (ou “inapropriadamente normal”) em um paciente com cálcio
elevado e fósforo baixo, o diagnóstico quase sempre será de
hiperparatireoidismo primário. Como os pacientes com HHF também podem
apresentar níveis discretamente elevados de PTH e hipercalcemia, esse
diagnóstico deve ser considerado e excluído, visto que a cirurgia das
paratireoides é ineficaz nessa condição. Uma taxa de depuração do
cálcio/creatinina (calculada pela relação entre cálcio urinário/sérico dividida pela
relação entre creatinina urinária/sérica) < 0,01 sugere HHF, particularmente
quando existe uma história familiar de hipercalcemia leve assintomática. Além
disso, a análise sequencial do gene CASR é hoje bastante realizada para
estabelecer o diagnóstico definitivo de HHF, ainda que, conforme já observado,
sejam raras as famílias em que a HHF pode ser causada por mutações nos genes
GNA11 ou AP2S1. A secreção ectópica do PTH é extremamente rara.
Níveis suprimidos de PTH na presença de hipercalcemia são compatíveis
com hipercalcemia não mediada pelo PTH, que, na maioria dos casos, é causada
por neoplasia maligna subjacente. Embora o tumor responsável pela
hipercalcemia geralmente seja evidente, pode ser necessário dosar o nível de
PTHrP para confirmar o diagnóstico de hipercalcemia de neoplasia maligna. Os
níveis séricos de 1,25(OH)2D estão aumentados nos distúrbios granulomatosos, e
a avaliação clínica combinada com exames laboratoriais geralmente estabelece o
diagnóstico dos vários distúrbios relacionados na Tabela 50-1.
TRATAMENTO
Hipercalcemia
A hipercalcemia leve assintomática não exige tratamento imediato, devendo a abordagem terapêutica ser
voltada para o diagnóstico subjacente. Por outro lado, a hipercalcemia significativa sintomática geralmente
requer intervenção terapêutica independentemente da causa da elevação do cálcio sérico. O tratamento
inicial da hipercalcemia significativa começa com a expansão de volume, visto que a hipercalcemia sempre
leva à desidratação; nas primeiras 24 horas, podem ser necessários 4 a 6 L de soro fisiológico intravenoso,
tendo em mente que as comorbidades associadas (p. ex., insuficiência cardíaca congestiva) podem exigir a
utilização de diuréticos de alça para aumentar a excreção de sódio e cálcio. Entretanto, os diuréticos de alça
não devem ser iniciados antes que o volume tenha sido normalizado. Se houver aumento na mobilização do
cálcio ósseo (como ocorre no câncer ou no hiperparatireoidismo grave), os fármacos que inibem a
reabsorção óssea deverão ser considerados. O ácido zoledrônico (p. ex., 4 mg, via intravenosa, durante
aproximadamente 30 minutos), o pamidronato (p. ex., 60-90 mg, via intravenosa, em 2-4 horas) e o
ibandronato (2 mg, via intravenosa, durante 2 horas) são os bifosfonatos normalmente usados no tratamento
da hipercalcemia da malignidade em adultos. O início da ação é observado dentro de 1 a 3 dias, e ocorre
normalização dos níveis séricos de cálcio em 60 a 90% dos pacientes. Pode ser necessário que se repitam as
infusões de bifosfonatos se a hipercalcemia recidivar. Uma alternativa para os bifosfonatos é o nitrato de
gálio (200 mg/m2/dia, por via intravenosa, durante 5 dias), que também é efetivo, mas que apresenta
potencial nefrotoxicidade. Mais recentemente, um potente inibidor de reabsorção óssea, o denosumabe (120
mg, via subcutânea, nos dias 1, 8, 15 e 29, e, subsequentemente, a cada 4 semanas), também tem se
mostrado efetivo no tratamento da hipercalcemia refratária aos bifosfonatos. Em casos raros, pode ser
necessário fazer diálise. Por fim, embora o fosfato intravenoso faça a quelação do cálcio e diminua seus
níveis séricos, esse tratamento pode ser tóxico, porque os complexos cálcio-fosfato podem se depositar nos
tecidos e causar lesões graves nos órgãos.
Nos pacientes com hipercalcemia mediada pela 1,25(OH)2D, os glicocorticoides constituem o
tratamento preferido, visto que eles diminuem a produção de 1,25(OH)2D. A hidrocortisona intravenosa
(100-300 mg/dia) ou a prednisona oral (40-60 mg/dia), durante 3 a 7 dias, são usadas com mais frequência.
Outros fármacos, como o cetoconazol, a cloroquina e a hidroxicloroquina, também podem diminuir a
produção de 1,25(OH)2D e são usados em certas ocasiões.
HIPOCALCEMIA
ETIOLOGIA
As causas da hipocalcemia podem ser diferenciadas com base na presença de
níveis séricos de PTH baixos (hipoparatireoidismo) ou elevados
(hiperparatireoidismo secundário). Embora existam muitas causas potenciais de
hipocalcemia, a síntese comprometida de PTH e o comprometimento da
produção de vitamina D constituem as etiologias mais comuns (Tab. 50-2; Cap.
403). Como o PTH é a principal defesa contra a hipocalcemia, os distúrbios
associados à produção ou à secreção deficiente desse hormônio podem ser
associados à hipocalcemia grave e potencialmente fatal. Nos adultos, o
hipoparatireoidismo é geralmente causado pela lesão acidental das quatro
glândulas durante uma cirurgia da tireoide ou das paratireoides. O
hipoparatireoidismo constitui uma importante característica das endocrinopatias
autoimunes (Cap. 381); raramente, pode estar associado a doenças infiltrativas,
como a sarcoidose. A secreção diminuída de PTH pode ser secundária à
deficiência de magnésio ou pode resultar de mutações ativadoras do CaSR ou
das proteínas G que medeiam a sinalização do CaSR (hipocalcemia autossômica
dominante), que suprimem o PTH, levando a efeitos que são opostos àqueles
observados na HHF.
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Os pacientes com hipocalcemia poderão ser assintomáticos se as reduções do
cálcio sérico forem relativamente leves e crônicas ou apresentar complicações
potencialmente fatais. A hipocalcemia moderada a grave causa parestesias,
geralmente nos dedos das mãos e dos pés, bem como na região perioral,
causadas pela irritabilidade neuromuscular exacerbada. Ao exame físico, é
possível detectar o sinal de Chvostek (espasmos dos músculos periorais em
resposta à percussão suave do nervo facial um pouco à frente da orelha), embora
também esteja presente em cerca de 10% dos indivíduos normais. O espasmo do
carpo pode ser induzido pela insuflação do manguito de pressão arterial até 20
mmHg acima da pressão arterial sistólica do paciente por 3 minutos (sinal de
Trousseau). A hipocalcemia grave pode provocar convulsões, espasmo
carpopodálico, broncospasmo, laringospasmo e prolongamento do intervalo QT.
ABORDAGEM DIAGNÓSTICA
Além de dosar o cálcio sérico, é útil determinar os níveis de albumina, fósforo e
magnésio. Como no caso da avaliação da hipercalcemia, a dosagem do nível do
PTH é fundamental para avaliação da hipocalcemia. Um nível suprimido (ou
“inapropriadamente baixo”) na presença de hipocalcemia confirma a redução ou
ausência de secreção do PTH (hipoparatireoidismo) como causa da
hipocalcemia. Os outros elementos da história clínica geralmente definem a
causa subjacente (i.e., agenesia vs. destruição das paratireoides). Por outro lado,
níveis altos de PTH (hiperparatireoidismo secundário) devem dirigir a atenção
para o eixo da vitamina D como causa da hipocalcemia. A deficiência nutricional
dessa vitamina é mais bem avaliada pela dosagem dos níveis séricos da 25-
hidroxivitamina D, que refletem as reservas dessa vitamina. Na presença de
insuficiência renal ou de suspeita de resistência à vitamina D, os níveis séricos
de 1,25(OH)2D são esclarecedores.
TRATAMENTO
Hipocalcemia
A conduta terapêutica vai depender da gravidade da hipocalcemia, da rapidez com que se desenvolveu e das
complicações associadas (p. ex., convulsões, laringospasmo). A hipocalcemia sintomática aguda é tratada
inicialmente com 10 mL de gliconato de cálcio a 10% (90 mg ou 2,2 mmol), via intravenosa, diluídos em 50
mL de soro glicosado a 5% ou soro fisiológico a 0,9%, infundidos em 5 minutos. Em geral, a persistência
da hipocalcemia requer infusão intravenosa contínua (geralmente 10 ampolas de gliconato de cálcio ou 900
mg de cálcio em 1 L de soro glicosado a 5% ou cloreto de sódio a 0,9% administrados em 24 horas). Se
estiver presente, a hipomagnesemia associada deverá ser tratada com suplementos apropriados de magnésio.
A hipocalcemia crônica em consequência de hipoparatireoidismo é tratada com suplementos de cálcio
(1.000-1.500 mg/dia de cálcio elementar em doses fracionadas) e vitamina D2 ou D3 (25.000-100.000
U/dia) ou calcitriol [1,25(OH)2D, 0,25-2 μg/dia]. Hoje, os outros metabólitos da vitamina D (di-
hidrotaquisterol, alfacalcidiol) são utilizados com menos frequência. É importante citar que o PTH (1-84)
(Natpara) foi recentemente aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) para uso no tratamento do
hipoparatireoidismo refratário, representando um avanço importante no tratamento desses pacientes.
Entretanto, a deficiência da vitamina D é mais bem tratada com suplementos dessa vitamina, cuja dose
depende da gravidade do déficit e da causa subjacente. Assim, a deficiência nutricional de vitamina D
geralmente responde a doses relativamente pequenas dessa vitamina (50.000 U, 2-3 vezes por semana,
durante vários meses), enquanto a deficiência causada por má absorção requer doses muito maiores
(100.000 U/dia ou mais). A meta terapêutica é trazer o cálcio sérico para a faixa normal baixa e evitar a
hipercalciúria, que pode causar nefrolitíase.
CONSIDERAÇÕES GLOBAIS
Nos países com acesso mais limitado a serviços de saúde ou a exames
laboratoriais de rastreamento com determinação dos níveis séricos de cálcio,
o hiperparatireoidismo primário frequentemente se manifesta em sua forma
grave, com complicações esqueléticas (osteíte fibrosa cística), em contraste com
a forma assintomática, que é comum nos países desenvolvidos. Além disso, a
deficiência de vitamina D é paradoxalmente comum em alguns países, apesar de
muita luz solar (p. ex., Índia), visto que as pessoas evitam a exposição ao sol e
têm um aporte precário de vitamina D na nutrição.
LEITURAS ADICIONAIS
Eastell R et al: Diagnosis of asymptomatic primary hyperparathyroidism:
Proceedings of the 4th International Workshop. J Clin Endocrinol Metab
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Kim ES, Keating GM: Recombinant human parathyroid hormone (1-84): A
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Minisola S et al: The diagnosis and management of hypercalcemia. BMJ
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Thakker RV: The calcium-sensing receptor: And its involvement in parathyroid
pathology. Ann Endocrinol 76:81, 2015.
51
Acidose e alcalose
Thomas D. DuBose, Jr.
TABELA 51-1 ■ Predição das respostas compensatórias a distúrbios acidobásicos simples e padrão de
alterações
Distúrbio Compensação prevista Faixa de valores
pH HCO3– PaCO2
Alcalose metabólica PaCO2 irá ↑ 0,75 mmHg por mmol/L ↑ na [HCO3−] Alto Alto Alto
ou
PaCO2 irá ↑ 6 mmHg por 10 mmol/L ↑ na [HCO3−]
ou
PaCO2 = [HCO3–] + 15
Exemplo: Na+, 140; K+, 4,0; Cl−, 106; HCO3−, 14; AG, 20; PaCO2, 24; pH, 7,39 (acidose láctica, sepse na UTI)
Exemplo: Na+, 140; K+, 4,0; Cl−, 102; HCO3−, 18; AG, 20; PaCO2, 38; pH, 7,30 (pneumonia grave, edema pulmonar)
Exemplo: Na+, 140; K+, 4,0; Cl−, 91; HCO3−, 33; AG, 16; PaCO2, 38; pH, 7,55 (doença hepática e diuréticos)
Exemplo: Na+, 140; K+, 3,5; Cl−, 88; HCO3−, 42; AG, 10; PaCO2, 67; pH, 7,42 (DPOC com diuréticos)
Exemplo: Na+, 135; K+, 3,0; Cl−, 110; HCO3−, 10; AG, 15; PaCO2, 25; pH, 7,20 (diarreia e acidose láctica, intoxicação por tolueno,
tratamento da cetoacidose diabética)
Siglas: AG, anion gap; DPOC, doença pulmonar obstrutiva crônica; UTI, unidade de terapia intensiva; PaCO2, pressão parcial arterial de
dióxido de carbono.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Distúrbios acidobásicos
Uma abordagem sequencial ao diagnóstico dos distúrbios acidobásicos é
apresentada a seguir (Tab. 51-3). Amostras de sangue para determinação de
eletrólitos e gasometria arterial devem ser coletadas simultaneamente, antes
da terapia. Ocorre aumento na [HCO3−] com a alcalose metabólica ou com a
acidose respiratória. Por outro lado, ocorre diminuição da [HCO3–] na acidose
metabólica e na alcalose respiratória. Na determinação da gasometria arterial
pelo laboratório clínico, tanto o pH quanto a PaCO2 são medidos, e a [HCO3–]
é calculada a partir da equação de Henderson-Hasselbalch. Esse valor
calculado deve ser comparado com a [HCO3–] medida (CO2 total) no painel de
eletrólitos. Esses dois valores devem ter uma diferença máxima de 2 mmol/L.
A ausência dessa diferença pode significar que os valores não foram obtidos
de modo simultâneo ou que houve erro laboratorial. Após verificar os valores
acidobásicos no sangue, o distúrbio acidobásico preciso pode ser, então,
identificado.
3. Calcular o anion gap (AG), porém corrigir para uma concentração normal de albumina de 4,5 g/dL.
4. Conhecer quatro causas de acidose com AG elevado (cetoacidose, acidose láctica, disfunção renal e toxinas).
5. Conhecer duas causas de acidose hiperclorêmica ou acidose sem AG (perda de bicarbonato pelo trato gastrintestinal, acidose tubular
renal).
6. Estimar a resposta compensatória (Tab. 51-1).
7. Comparar o ΔAG com o ΔHCO3–.
TRATAMENTO
Acidose metabólica
O tratamento da acidose metabólica com álcali deve ser reservado para a acidemia grave, exceto quando o
paciente não apresenta “HCO3– – em potencial” no plasma. A potencial [HCO3−] pode ser estimada a partir
do incremento (Δ) no AG (ΔAG = AG do paciente – 10) somente se o ânion ácido acumulado no plasma for
metabolizável (i.e., β-hidroxibutirato, acetoacetato e lactato). Por outro lado, os ânions não metabolizáveis
que podem se acumular na DRC avançada ou após a ingesta de toxina não são passíveis de metabolização e
não representam HCO3− “em potencial”. A presença de DRC exige a recuperação da função renal para
repor o déficit de [HCO3–], um processo lento e frequentemente imprevisível. Por conseguinte, os pacientes
que apresentam acidose com AG normal (acidose hiperclorêmica) ou AG atribuível a um ânion não
metabolizável na presença de doença renal crônica avançada devem receber terapia com álcali por via oral
(VO) (NaHCO3 ou solução de Shohl) ou intravenosa (IV) (NaHCO3), em uma quantidade necessária para
aumentar lentamente a [HCO3–] plasmática até a faixa-alvo de 22 mmol/L. Mesmo assim, a correção
exagerada deve ser evitada.
Entretanto, existem controvérsias quanto ao uso de álcalis para os pacientes com acidose pura com AG
devido ao acúmulo de um ânion ácido orgânico metabolizável (cetoacidose ou acidose láctica). De modo
geral, a acidemia grave (pH < 7,10) em paciente adulto (especialmente idosos e pacientes com cardiopatia
grave) justifica a administração IV de 50 mEq de NaHCO3, diluído em 300 mL água estéril, por 30-45
minutos, durante as primeiras 1-2 horas de terapia. A administração dessas quantidades modestas de álcali,
nessa situação, parece proporcionar uma medida extra de segurança. A administração de álcali requer a
monitorização cautelosa dos eletrólitos plasmáticos, em especial da [K+] plasmática, ao longo do curso da
terapia. Uma meta inicial razoável é aumentar a [HCO3–] para 10-12 mEq/L e o pH a mais ou menos 7,20,
contudo nitidamente sem aumentar esses valores até a faixa normal. A estimativa do “déficit de
bicarbonato” por meio do cálculo do volume de distribuição de bicarbonato é ensinada com frequência,
todavia é desnecessária e pode resultar na administração de quantidades excessivas de álcali.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Existem quatro causas principais de acidose com AG elevado: (1) acidose
láctica, (2) cetoacidose, (3) ingesta de toxinas e (4) lesão renal aguda e
doença renal crônica (Tab. 51-4). O rastreamento inicial para diferenciar as
acidoses com AG elevado deve incluir: (1) investigação da história buscando
evidência de ingesta de fármacos e toxinas, bem como determinação da
gasometria arterial para detectar a presença concomitante de alcalose
respiratória (salicilatos); (2) determinação da presença de diabetes melito
(cetoacidose diabética); (3) pesquisa de evidências de alcoolismo ou níveis
elevados de β-hidroxibutirato (cetoacidose alcoólica); (4) observação à
procura de sinais clínicos de uremia e aferição da ureia e creatinina séricas
(acidose urêmica); (5) inspeção da urina à procura de cristais de oxalato
(etilenoglicol); e (6) reconhecimento das numerosas situações clínicas em
que os níveis de lactato podem estar aumentados (hipotensão, choque,
insuficiência cardíaca, leucemia, câncer e ingesta de fármacos ou toxinas).
ABORDAGEM AO PACIENTE
Acidose por ácido L-láctico
A condição subjacente que perturba o metabolismo do lactato deve ser
preemptivamente corrigida, se possível; a perfusão tecidual deve ser
restaurada quando estiver inadequada, contudo, o uso de vasoconstritores
deve ser evitado, quando possível, devido à possibilidade de agravar a
perfusão tecidual. Geralmente, recomenda-se a terapia com álcalis para a
acidemia aguda grave (pH < 7,00) a fim de melhorar a função cardiovascular.
Todavia, a terapia com NaHCO3 pode deprimir paradoxalmente o
desempenho cardíaco e exacerbar a acidose pelo aumento da produção de
lactato (o HCO3– estimula a fosfofrutocinase). Embora o uso de álcali na
acidose láctica moderada seja controverso, existe um consenso de que as
tentativas de normalização do pH ou da [HCO3–] pela administração de
NaHCO3 exógeno são deletérias. Uma conduta razoável consiste em infundir
uma quantidade suficiente de NaHCO3 para elevar o pH a não mais de 7,2 ou
a [HCO3−] a não mais de 12 no decorrer de 30 a 40 minutos.
A terapia com NaHCO3 pode causar sobrecarga hídrica e hipertensão,
visto que a quantidade necessária pode ser maciça quando o acúmulo de
ácido láctico é incessante. A administração de líquido é precariamente
tolerada, sobretudo no paciente oligúrico, diante da coexistência de
venoconstrição central. Nos casos em que é possível tratar a causa subjacente
da acidose láctica, o lactato sanguíneo será convertido em HCO3–, podendo
resultar em uma excessiva alcalose decorrente da administração exagerada de
NaHCO3.
TRATAMENTO
Cetoacidose alcoólica
Déficits de líquido extracelular quase sempre acompanham a CAA, devendo ser repostos por meio da
administração IV de solução salina e glicose (dextrose a 5% em NaCl a 0,9%). A hipofosfatemia,
hipopotassemia e hipomagnesemia podem coexistir, devendo ser cuidadosamente monitoradas e corrigidas,
quando houver indicação. A hipofosfatemia surge geralmente dentro de 12 a 24 horas após a internação;
pode ser exacerbada pela infusão de glicose e, quando grave, pode induzir rabdomiólise ou até mesmo
parada respiratória. Esse distúrbio é algumas vezes acompanhado de hemorragia digestiva alta, pancreatite e
pneumonia.
TRATAMENTO
Acidose induzida por salicilatos
Uma vigorosa lavagem gástrica com solução salina isotônica (e não NaHCO3) deve ser iniciada
imediatamente. Todos os pacientes devem receber pelo menos uma administração de carvão ativado por
sonda nasogástrica (1 g/kg até 50 g). No paciente acidótico, para facilitar a remoção do salicilato,
administra-se NaHCO3 IV em quantidades adequadas para alcalinizar a urina e manter o débito urinário (pH
urinário > 7,5), uma vez que a elevação do pH urinário de 6,5 para 7,5 aumenta em cinco vezes a depuração
de salicilatos. Pacientes com alcalose respiratória coexistente também devem receber NaHCO3, porém
cautelosamente, a fim de evitar uma alcalemia excessiva. Pode-se administrar acetazolamida na presença de
alcalemia, quando não for possível obter uma diurese alcalina ou para melhorar a sobrecarga de volume
associada à administração de NaHCO3; todavia, esse fármaco pode causar acidose metabólica sistêmica se o
HCO3– excretado não for reposto, em uma situação que pode diminuir acentuadamente a depuração de
salicilatos.
É necessário prever a ocorrência de hipopotassemia com a instituição de uma vigorosa terapia com
bicarbonato, e o tratamento deve ser imediato e agressivo. Devem-se administrar soluções glicosadas em
razão do risco de hipoglicemia. As excessivas perdas insensíveis de líquido podem causar grave depleção
de volume e hipernatremia. Quando a presença de disfunção renal impede a rápida depuração dos
salicilatos, pode-se efetuar uma hemodiálise com dialisato contendo bicarbonato.
TRATAMENTO
Acidose induzida por etilenoglicol
O tratamento consiste em instituição imediata de diurese salina ou osmótica, suplementos de tiamina e
piridoxina, fomepizol e, em geral, hemodiálise. A administração IV do inibidor da álcool-desidrogenase, o
fomepizol (4-metilpirazol; 15 mg/kg como dose de ataque), constitui o agente de escolha e oferece a
vantagem de um declínio previsível dos níveis de EG, sem obnubilação excessiva, como observado durante
a infusão de álcool etílico. O etanol IV, quando utilizado, deve ser infundido para se obter um nível
sanguíneo de 22 mmol/L (100 mg/dL). Tanto o fomepizol quanto o etanol reduzem a toxicidade, visto que
ambos competem com o EG pelo metabolismo pela álcool-desidrogenase. A hemodiálise está indicada
quando o pH arterial é < 7,3 ou o gap osmolar excede 20 mOsm/kg.
TRATAMENTO
Acidose induzida por metanol
Assemelha-se ao da intoxicação por EG, incluindo medidas gerais de suporte, administração de fomepizol e
hemodiálise (conforme indicado anteriormente).
TRATAMENTO
Toxicidade por álcool isopropílico
A intoxicação pelo álcool isopropílico é tratada com terapia de suporte, líquidos IV, vasopressores, suporte
ventilatório (se necessário) e, em certas ocasiões, hemodiálise para o coma prolongado, a instabilidade
hemodinâmica ou a presença de níveis > 400 mg/dL.
TRATAMENTO
Acidose metabólica da doença renal crônica
Devido à associação da acidose metabólica na DRC avançada com catabolismo muscular, doença óssea e
progressão mais acelerada da DRC, tanto a “acidose urêmica” da doença renal em estágio terminal (DRET)
como a acidose metabólica sem AG da DRC nos estágios 3 e 4 requerem reposição oral de álcalis para
manutenção da [HCO3−] no valor aproximadamente normal (25 mmol/L). Isso pode ser obtido com
quantidades relativamente modestas de álcalis (1,0-1,5 mmol/kg de peso corporal por dia). Tanto os
comprimidos de NaHCO3 (comprimidos de 650 mg contêm 7,8 mEq) como os de citrato de sódio (solução
de Shohl) são efetivos.
TRATAMENTO
Acidoses metabólicas sem anion gap
Para a acidose sem AG de causas não renais decorrente de perdas gastrintestinais de bicarbonato, é possível
administrar NaHCO3 IV ou VO, conforme determinado pela gravidade da acidose e da depleção volêmica
concomitante. A ATR proximal é a mais difícil de tratar entre todas as ATRs, caso a meta seja restaurar a
[HCO3–] sérica normal, uma vez que a administração de álcalis orais aumenta a excreção urinária de
potássio. Em pacientes com ATR proximal (tipo 1), a administração de potássio tipicamente se faz
necessária. Uma solução oral de uma combinação de citratos de sódio e de potássio (334 mg de ácido
cítrico, 500 mg de citrato de sódio e 550 mg de citrato de potássio a cada 5 mL) pode ser prescrita para essa
finalidade e é comercializada como Virtrate-3. As preparações em xarope não são recomendadas para
administração crônica. Na ATR distal clássica (tipo 2), o potássio deve ser administrado no paciente
agudamente acidótico com hipopotassemia. Para a terapia crônica, a maioria dos pacientes responde à
reposição com citrato de sódio (solução de Shohl) ou comprimidos de NaHCO3 (comprimidos de 650 mg
contêm 7,8 mEq) feita com o objetivo de corrigir a [HCO3–] sérica de volta ao normal. Esses pacientes
tipicamente respondem à terapia alcalina crônica, e os benefícios proporcionados por uma terapia adequada
com álcali incluem a diminuição da frequência de nefrolitíase, a melhora da densidade óssea, a retomada
dos padrões normais de crescimento em crianças e a preservação da função renal em adultos e crianças.
Para a ATR tipo 4, é preciso prestar atenção nas metas de correção da acidose metabólica, empregando a
mesma abordagem usada para ATR distal clássica. Contudo, esforços adicionais devem ser empreendidos
no sentido de corrigir a [K+] plasmática. Essa última meta merece ser enfatizada, porque a restauração da
normopotassemia eleva a excreção urinária líquida de ácido e, nesse sentido, pode melhorar
substancialmente a acidose metabólica. A administração crônica de poliestireno sulfonato de sódio VO (15
g de pó preparado como solução oral, sem sorbitol, 1 vez ao dia, 2-3 vezes por semana) às vezes é usada.
Além disso, a dieta deve ser pobre em alimentos contendo potássio; todas as medicações que levam à
retenção de potássio devem ser suspensas; e um diurético de alça pode ser administrado. A recente liberação
de um novo polímero não absorvível trocador de cátions cálcio-potássio, o patirômero, pode se mostrar
bastante útil para pacientes com ATR tipo 4 que apresentam hiperpotassemia significativa. No entanto, o
patirômero ainda não foi investigado nessa população de pacientes. Por fim, pacientes com insuficiência
suprarrenal comprovada também devem receber fludrocortisona, contudo, a dose deve variar de acordo com
a causa da deficiência hormonal e deve ser evitada em pacientes com hipoaldosteronismo hiporreninêmico.
ALCALOSE METABÓLICA
A alcalose metabólica manifesta-se por elevação do pH arterial, aumento da
[HCO3–] sérica e um aumento da PaCO2 em consequência da hipoventilação
alveolar compensatória (Tab. 51-1). Com frequência, é acompanhada por
hipocloremia e hipopotassemia. O pH arterial estabelece o diagnóstico, visto que
fica aumentado na alcalose metabólica e diminuído na acidose respiratória. A
alcalose metabólica ocorre com frequência como um distúrbio acidobásico misto
associado à acidose respiratória ou à alcalose metabólica.
PATOGÊNESE
Ocorre alcalose metabólica em consequência de um ganho efetivo de [HCO3–] ou
da perda de ácido não volátil (geralmente HCl por vômitos) do líquido
extracelular. Quando o vômito causa perda de HCl do estômago, a secreção de
HCO3− não pode ser iniciada no intestino delgado, devendo-se, portanto,
adicionar HCO3 ao líquido extracelular. Portanto, o vômito ou a drenagem
nasogástrica (NG) exemplificam o estágio de geração, em que a perda de ácido
tipicamente causa alcalose. Com a cessação do vômito, o estágio de manutenção
normalmente se inicia, uma vez que fatores secundários previnem os rins de
fazerem a compensação por meio da excreção de HCO3−.
A manutenção da alcalose metabólica representa uma incapacidade dos rins
de eliminar o excesso de HCO3– do compartimento extracelular. Os rins irão reter
(e não excretar) o excesso de álcali e manterão a alcalose se houver (1)
deficiência de volume, de cloreto e de K+ associada à redução da TFG; ou (2)
hipopotassemia resultante da presença de hiperaldosteronismo autonômico. Na
primeira situação, a alcalose é corrigida pela administração de NaCl e KCl, ao
passo que, na segunda, pode ser necessário corrigir a alcalose mediante
intervenção farmacológica ou cirúrgica, mas não com a administração de solução
salina.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Para se estabelecer a etiologia da alcalose metabólica (Tab. 51-6), é necessário
avaliar o estado do volume de líquido extracelular (VLEC), a pressão arterial em
decúbito e na posição ortostática (para determinar se há hipotensão ortostática), a
[K+] sérica e o sistema renina-aldosterona. Por exemplo, a presença de
hipertensão e hipopotassemia crônicas em um paciente com alcalose sugere
excesso de mineralocorticoides ou uso de diuréticos por um paciente hipertenso.
Uma baixa atividade da renina plasmática e valores normais da [Na+] e [Cl–]
urinárias em um paciente que não está fazendo uso de diuréticos indicam uma
síndrome de excesso primário de mineralocorticoides. A associação de
hipopotassemia e alcalose em um paciente normotenso sem edema pode se dever
à síndrome de Bartter ou de Gitelman, deficiência de magnésio, vômitos, álcalis
exógenos ou uso de diuréticos. A determinação dos eletrólitos urinários
(particularmente [Cl–] urinária) e o rastreamento da urina para a detecção de
diuréticos podem ser úteis. Se a urina for alcalina, com [Na+]u e [K+]u elevadas,
mas com [Cl–]u baixa, o diagnóstico consistirá geralmente em vômitos (evidentes
ou ocultamente induzidos) ou ingesta de álcalis. Se a urina estiver relativamente
ácida, com baixas concentrações de Na+, K+ e Cl–, as possibilidades mais
prováveis consistem em vômitos prévios, estado de pós-hipercapnia ou uso
prévio de diuréticos. No entanto, se não ocorrer redução nas concentrações
urinárias de sódio, potássio ou cloreto, deverá ser considerada a possibilidade de
deficiência de magnésio, síndrome de Bartter ou de Gitelman, ou uso atual de
diuréticos. A síndrome de Bartter é diferenciada da síndrome de Gitelman devido
à presença de hipocalciúria nessa última.
TRATAMENTO
Acidose respiratória
O tratamento da acidose respiratória depende de sua gravidade e da velocidade do aparecimento. A acidose
respiratória aguda pode comportar risco de vida, e devem-se tomar medidas para reverter a causa
subjacente, simultaneamente com restauração da ventilação alveolar adequada. Isso pode exigir intubação
traqueal e ventilação mecânica assistida. A administração de oxigênio deve ser titulada atentamente em
pacientes com doença pulmonar obstrutiva grave e retenção crônica de CO2 que estejam respirando
espontaneamente (Cap. 286). Quando se utiliza o oxigênio sem critério, esses pacientes podem sofrer o
agravamento da acidose respiratória, levando a uma grave acidemia. Deve-se evitar a correção agressiva e
rápida da hipercapnia, visto que a queda da PaCO2 pode provocar as mesmas complicações observadas na
alcalose respiratória aguda (i.e., arritmias cardíacas, redução da perfusão cerebral e convulsões). A PaCO2
deve ser reduzida gradualmente na acidose respiratória crônica, visando restaurar os níveis basais de PaCO2
e fornecer uma quantidade suficiente de Cl– e K+ para aumentar a excreção renal de HCO3–.
Com frequência, é difícil corrigir a acidose respiratória crônica; todavia, as medidas destinadas a
melhorar a função pulmonar (Cap. 286) devem ser o foco primário do tratamento.
ALCALOSE RESPIRATÓRIA
A hiperventilação alveolar diminui a PaCO2 e aumenta a razão HCO3–/PaCO2, com
consequente aumento do pH (Tab. 51-7). Os tampões celulares sem bicarbonato
respondem com consumo de HCO3–. Observa-se o desenvolvimento de
hipocapnia quando um estímulo ventilatório suficientemente forte faz a
eliminação de CO2 pelos pulmões ultrapassar a sua produção metabólica pelos
tecidos. O pH e a [HCO3–] do plasma parecem variar proporcionalmente com a
PaCO2, ao longo de uma faixa de 40 a 15 mmHg. A relação entre a concentração
arterial de [H+] e a PaCO2 é de cerca de 0,7 mmol/L por mmHg (ou 0,01 unidade
de pH/mmHg), enquanto a [HCO3–] plasmática é de 0,2 mmol/L por mmHg. A
hipocapnia mantida por > 2-6 horas é ainda mais compensada por uma redução
da excreção renal de amônio e ácidos tituláveis, bem como pela diminuição da
reabsorção do HCO3– filtrado. A adaptação renal completa à alcalose respiratória
pode demorar vários dias e exige que a volemia e a função renal estejam
normais. Os rins parecem responder diretamente à diminuição da PaCO2, e não à
alcalose em si. Na alcalose respiratória crônica, uma redução de 1 mmHg na
PaCO2 provoca uma queda de 0,4 a 0,5 mmol/L na [HCO3–] e uma redução de 0,3
mmol/L (ou aumento de 0,003 no pH) na [H+].
Os efeitos da alcalose respiratória variam de acordo com sua duração e
gravidade, mas são principalmente os da doença subjacente. A redução do fluxo
sanguíneo cerebral em consequência de um rápido declínio da PaCO2 pode causar
tontura, confusão mental e convulsões, mesmo na ausência de hipoxemia. Os
efeitos cardiovasculares da hipocapnia aguda no humano consciente costumam
ser mínimos; entretanto, no paciente anestesiado ou sob ventilação mecânica,
pode haver uma queda do débito cardíaco e da pressão arterial devido aos efeitos
depressores da anestesia e ventilação com pressão positiva sobre a frequência
cardíaca, a resistência sistêmica e o retorno venoso. Podem ocorrer arritmias
cardíacas em pacientes com cardiopatia, como resultado de alterações na
liberação de oxigênio pelo sangue em consequência de um desvio à esquerda da
curva de dissociação da hemoglobina-oxigênio (efeito de Bohr). A alcalose
respiratória aguda provoca deslocamentos intracelulares do Na+, K+ e PO42– e
reduz a [Ca2+] livre ao aumentar a fração ligada às proteínas. Em geral, a
hipopotassemia induzida por hipocapnia não é significativa.
A alcalose respiratória crônica é o distúrbio acidobásico mais comum em
pacientes criticamente enfermos e, quando grave, encerra um prognóstico
sombrio. Muitos distúrbios cardiopulmonares manifestam-se como alcalose
respiratória nos estágios iniciais a intermediários, e o achado de normocapnia e
hipoxemia em um paciente com hiperventilação pode indicar o início de
insuficiência respiratória rápida, exigindo avaliação para determinar se o
paciente está evoluindo para fadiga. A alcalose respiratória é comum durante a
ventilação mecânica.
A síndrome de hiperventilação pode ser incapacitante. As parestesias, a
dormência perioral, a dor ou a sensação de constrição torácica, a tontura, a
incapacidade de respirar adequadamente e, em raras ocasiões, a tetania podem
ser suficientemente estressantes para perpetuar o distúrbio. A gasometria arterial
revela alcalose respiratória aguda ou crônica, frequentemente com hipocapnia na
faixa de 15 a 30 mmHg, sem hipoxemia. As doenças ou lesões do SNC podem
produzir vários padrões de hiperventilação e níveis sustentados de PaCO2 de 20 a
30 mmHg. O hipertireoidismo, a sobrecarga calórica e o exercício físico
aumentam o metabolismo basal; entretanto, a ventilação aumenta de modo
proporcional, de maneira que a gasometria arterial não é alterada, e a alcalose
respiratória não se desenvolve. Os salicilatos constituem a causa mais comum de
alcalose respiratória induzida por fármacos, em consequência da estimulação
direta do quimiorreceptor bulbar (Cap. 449). As metilxantinas, a teofilina e a
aminofilina estimulam a ventilação e aumentam a resposta ventilatória ao CO2. A
progesterona aumenta a ventilação e diminui a PaCO2 arterial em até 5 a 10
mmHg. Por conseguinte, a alcalose respiratória crônica é uma característica
comum da gravidez. A alcalose respiratória também é proeminente na
insuficiência hepática, e sua gravidade correlaciona-se com o grau dessa
insuficiência. A alcalose respiratória muitas vezes é um achado inicial da sepse
por microrganismos Gram-negativos antes do início de febre, hipoxemia ou
hipotensão.
O diagnóstico de alcalose respiratória depende da determinação do pH
arterial e da PaCO2. A [K+] plasmática está frequentemente reduzida, enquanto a
[Cl–] está aumentada. Na fase aguda, a alcalose respiratória não está associada a
uma excreção renal aumentada de HCO3–; todavia, dentro de poucas horas, a
excreção final de ácido está reduzida. Em geral, a concentração de HCO3– cai em
2,0 mmol/L para cada redução de 10 mmHg da PaCO2. Se a hipocapnia persistir
por > 3 a 5 dias, significa que há alcalose respiratória crônica; e o declínio da
PaCO2 diminui a [HCO3−] sérica em 4 a 5 mmol/L para cada redução de 10 mmHg
na PaCO2. Não é comum observar uma concentração plasmática de HCO3– < 12
mmol/L em consequência de alcalose respiratória pura. Além disso, a redução
compensatória da concentração plasmática de HCO3– é tão efetiva na alcalose
respiratória crônica que o pH não declina de modo significativo em relação ao
valor normal. Nesse sentido, a alcalose respiratória crônica é o único distúrbio
acidobásico que pode trazer o pH de volta ao normal.
Quando se estabelece o diagnóstico de alcalose respiratória, deve-se
investigar sua causa. O diagnóstico da síndrome de hiperventilação é
estabelecido por exclusão. Nos casos difíceis, pode ser importante excluir outros
distúrbios, como embolia pulmonar, doença arterial coronariana e
hipertireoidismo.
TRATAMENTO
Alcalose respiratória
O tratamento da alcalose respiratória visa aliviar o distúrbio subjacente. Quando a alcalose respiratória
interfere no controle da ventilação mecânica, as alterações no espaço morto, no volume corrente e na
frequência podem minimizar a hipocapnia. Os pacientes com síndrome de hiperventilação podem se
beneficiar de tranquilização, respiração dentro de um saco de papel durante os episódios sintomáticos e
atenção para o estresse psicológico subjacente. Antidepressivos e sedativos não são recomendados. Os
bloqueadores β-adrenérgicos podem melhorar as manifestações periféricas do estado hiperadrenérgico.
LEITURAS ADICIONAIS
Berend K, et al: Physiological approach to assessment of acid-base disturbances.
N Engl J Med 371:1434, 2014.
DuBose TD: Disorders of acid-base balance. In Brenner and Rector’s The
Kidney, 10th ed. Skorecki K, et al. (eds). Philadelphia, Elsevier, 2016, pp.
511–558.
DuBose TD: Etiologic causes of metabolic acidosis I: The high anion gap
acidosis, In Metabolic Acidosis. Wesson DE (ed). New York, Springer,
2016, pp. 17–26.
DuBose TD: Etiologic causes of metabolic acidosis II: The normal anion gap
acidosis, In Metabolic Acidosis. Wesson DE (ed). New York, Springer,
2016, pp. 27–38.
Kurtz I, et al: Acid-base analysis: A critique of the Stewart and bicarbonate-
centered approaches. Am J Physiol Renal Physiol 294: F1009, 2008.
Palmer BF, Clegg DJ: Electrolyte and acid–base disturbances in patients with
diabetes mellitus. N Engl J Med 373:548, 2015.
1 N. de R.T. A ureia sérica é a forma comumente usada no Brasil, com valores normais de 15 a 45 mg/dL. A
literatura mundial geralmente descreve resultados sob a forma de nitrogênio ureico sanguíneo (BUN, blood
urea nitrogen), cujos valores normais correspondem a cerca da metade da ureia sérica (8 a 25 mg/dL).
Seção 8 Alterações cutâneas
52
Abordagem ao paciente com doença de
pele
Kim B. Yancey, Thomas J. Lawley
FIGURA 52-2 Nevo melanocítico. Os nevos são proliferações benignas de células névicas caracterizados
por máculas ou pápulas hiperpigmentadas de forma regular e de cor uniforme.
Acne vulgar Face, parte superior do dorso, tórax Comedões abertos e fechados, pápulas eritematosas, pústulas, cistos
Rosácea Rubor nas regiões malares, no nariz, na Eritema, telangiectasias, pápulas, pústulas
fronte e no queixo
Dermatite Couro cabeludo, sobrancelhas, áreas Eritema com descamação untuosa amarelo-acastanhada
seborreica perinasais
Dermatite Fossas antecubital e poplítea; pode ser Manchas e placas de eritema, descamação e liquenificação; prurido
atópica disseminada
Dermatite por Tornozelos, pernas sobre maléolo medial Manchas eritematosas e descamação sobre uma base hiperpigmentada
estase associada a sinais de insuficiência venosa
Eczema Palmas, plantas, face lateral dos dedos e Vesículas profundas
disidrótico artelhos
Dermatite de Qualquer localização Eritema localizado, vesículas, descamação e prurido (p. ex., dedos, lobos
contato alérgica das orelhas – níquel; região dorsal do pé – sapato; superfícies expostas –
hera venenosa)
Psoríase Cotovelos, joelhos, couro cabeludo, região Pápulas e placas cobertas com descamação prateada; unhas com
inferior do dorso, unhas das mãs (pode ser depressões
generalizada)
Líquen plano Punhos, tornozelos, boca (pode ser Pápulas e placas violáceas achatadas
disseminado)
Ceratose pilar Superfícies extensoras dos braços e coxas, Pápulas foliculares ceratóticas com eritema circundante
nádegas
Melasma Fronte, regiões malares, têmporas, lábio Manchas com tonalidades de castanho-claro ao marrom
superior
Vitiligo Periorificial, tronco, superfícies extensoras Máculas brancas
dos membros, área flexora dos punhos,
axilas
Áreas expostas ao sol
Ceratose Mácula ou pápula cor de pele ou vermelho-acastanhada com descamação
actínica seca, áspera e aderente
Carcinoma Face Pápula com bordas telangiectásicas peroladas na pele lesada pelo sol
basocelular
Carcinoma Face, especialmente lábio inferior, orelhas Lesões endurecidas e possivelmente hiperceratóticas, em geral
espinocelular mostrando ulceração e/ou crostas
Ceratose Tronco, face, extremidades Placas marrons com escama aderente, gordurosa; aspecto “pegajoso”
seborreica
Foliculite Qualquer área pilosa Pústulas foliculares
Impetigo Qualquer localização Pápulas, vesículas, pústulas, em geral com crostas cor de mel
Herpes simples Lábios, genitália Vesículas agrupadas que progridem para erosões crostosas
Herpes-zóster Em dermátomos, em geral no tronco, mas Vesículas limitadas a um dermátomo (frequentemente doloroso)
pode ocorrer em qualquer lugar
Varicela Face, tronco, poupa relativamente os As lesões surgem em grupos e progridem rapidamente de máculas
membros eritematosas para pápulas a vesículas até pústulas e crostas
Pitiríase rósea Tronco (padrão em árvore de Natal); placa Pápulas e placas eritematosas simétricas com um colarete de descamação
precursora seguida por múltiplas lesões
menores
Pitiríase Tórax, costas, abdome, parte proximal dos Máculas descamativas hiper ou hipopigmentadas
versicolor membros
Candidíase Regiões inguinais, pregas inframamárias, Áreas maceradas eritematosas com pústulas satélites; placas brancas
vagina, cavidade oral friáveis nas mucosas
Dermatofitoses Pés, regiões inguinais, barba ou couro Varia conforme o local (p. ex., tinea corporis – placa descamativa
cabeludo anular)
Escabiose Regiões inguinais, axilas, entre os dedos e Pápulas escoriadas, sulcos, prurido
artelhos, sob as mamas
Picadas de Qualquer localização Pápulas eritematosas com pontos centrais
insetos
Angioma rubi Tronco Pápulas vermelhas cheias de sangue
Queloide Qualquer localização (local de lesão prévia) Tumor firme, rosado, purpúrico ou marrom
Dermatofibroma Qualquer localização Nódulo firme e vermelho a marrom que apresenta uma depressão da pele
sobrejacente à compressão lateral
Acrocórdons Regiões inguinais, axila, pescoço Pápulas avermelhadas
(apêndices
cutâneos)
Urticária Qualquer localização Lesão urticariforme, às vezes com rubor circundante; prurido
Dermatose Tronco, especialmente a parte anterior do Pápulas eritematosas
acantolítica tórax
transitória
Xerose Extremidades extensoras, em especial as Placas descamativas eritematosas secas; prurido
pernas
ABORDAGEM AO PACIENTE
Distúrbio cutâneo
No exame da pele, em geral é aconselhável avaliar o paciente antes de se
obter uma anamnese detalhada. Assim, certamente toda a superfície cutânea
será avaliada, e os achados objetivos poderão ser integrados com dados
relevantes da anamnese. É preciso observar e considerar quatro
características básicas de qualquer lesão cutânea durante o exame físico: a
distribuição da erupção, o(s) tipo(s) de lesão primária e secundária, a forma
das lesões individuais e a conformação das lesões. Um exame cutâneo ideal
inclui a avaliação da pele, dos pelos e das unhas, bem como das mucosas da
boca, dos olhos, do nariz, da nasofaringe e da região anogenital. No exame
inicial, é importante despir o paciente o máximo possível, o que diminui as
chances de que lesões isoladas importantes não sejam vistas e permite avaliar
acuradamente a distribuição da erupção. Deve-se primeiro observar o
paciente de uma distância de cerca de 1,5 a 2 metros para poder avaliar o
aspecto geral da pele e a distribuição das lesões. De fato, a distribuição das
lesões costuma ter correlação estreita com o diagnóstico (Fig. 52-6). Por
exemplo, é mais provável que um paciente hospitalizado com um exantema
eritematoso generalizado tenha uma farmacodermia do que outro com
erupção semelhante, porém limitada às áreas da face expostas ao sol. Depois
de estabelecida a distribuição das lesões, é preciso determinar a natureza da
lesão primária. Assim, quando há lesões nos cotovelos, joelhos e couro
cabeludo, as causas mais prováveis, com base apenas na distribuição, são
psoríase ou dermatite herpetiforme (Figs. 52-7 e 52-8, respectivamente). A
lesão primária da psoríase é uma pápula descamativa que, após breve
intervalo, forma pápulas eritematosas recobertas por uma escama branca,
enquanto a da dermatite herpetiforme é uma pápula urticariforme que
rapidamente se transforma em uma pequena vesícula. Desse modo, a
identificação da lesão primária leva o médico ao diagnóstico correto.
Alterações secundárias da pele também podem ser bastante úteis. Por
exemplo, escamas representam excesso de epiderme, ao passo que crostas
são decorrentes da descontinuidade da camada de células epiteliais. A
palpação da pele pode fornecer informações sobre as características de uma
erupção. Por exemplo, pápulas vermelhas nos membros inferiores que
empalidecem à compressão podem ser manifestação de diferentes doenças,
mas pápulas vermelhas hemorrágicas que não empalidecem quando
pressionadas indicam púrpura palpável, típica de vasculite necrosante (Fig. 5
2-4).
FIGURA 52-6 Distribuição de algumas doenças e lesões dermatológicas comuns.
FIGURA 52-7 Psoríase. Doença cutânea papulodescamativa que se caracteriza por pápulas e placas
eritematosas pequenas e grandes com descamação prateada sobrejacente aderente.
FIGURA 52-8 Dermatite herpetiforme. Distúrbio que se caracteriza por papulovesículas pruriginosas
agrupadas nos cotovelos, joelhos, nádegas e na parte posterior do couro cabeludo. As vesículas em
geral ficam escoriadas devido ao prurido associado.
TÉCNICAS DIAGNÓSTICAS
Muitas doenças da pele são diagnosticáveis pelo seu aspecto clínico
macroscópico, mas, às vezes, procedimentos diagnósticos relativamente simples
fornecem informações valiosas. Na maioria dos casos, eles podem ser feitos à
beira do leito, com equipamento mínimo.
Lâmpada de Wood Produz luz ultravioleta de 360 nm (ou “luz negra”), que
pode ser usada na avaliação de determinadas doenças cutâneas. Uma lâmpada de
Wood fará, por exemplo, o eritrasma (infecção intertriginosa superficial causada
por Corynebacterium minutissimum) adquirir uma cor vermelho-coral típica, e as
ulcerações colonizadas por Pseudomonas tornarem-se azul-claras. A tinea
capitis, causada por certos dermatófitos, como Microsporum canis ou M.
audouinii, apresenta fluorescência amarela. Lesões pigmentadas da epiderme,
como as sardas, acentuam-se, e os pigmentos dérmicos, como os da
hiperpigmentação pós-inflamatória, desaparecem sob a lâmpada de Wood. O
vitiligo (Fig. 52-12) fica totalmente branco sob a lâmpada de Wood, e muitas
vezes são reveladas áreas de cujo acometimento não se suspeitava anteriormente.
A lâmpada de Wood também pode ajudar na demonstração da pitiríase
versicolor, locais de despigmentação dentro e/ou ao redor de melanomas e no
reconhecimento das manchas em folha de freixo (ash leaf) de pacientes com
esclerose tuberosa.
FIGURA 52-12 Vitiligo. As lesões características exibem distribuição acral e despigmentação acentuada
como resultado da perda de melanócitos.
LEITURAS ADICIONAIS
Bolognia JL et al (eds): Dermatology, 4th ed. Philadelphia, Elsevier, 2018.
Goldsmith LA et al (eds): Fitzpatrick’s Dermatology in General Medicine, 8th
ed. New York, McGraw-Hill, 2012.
James WD: Andrews’ Diseases of the Skin: Clinical Dermatology, 12th ed.
Philadelphia, Elsevier, 2016.
1 N. de R.T. A técnica de shaving consiste na obtenção de um fragmento de pele pelo corte com bisturi
paralelamente ao nível da pele adjacente a uma lesão papular.
53
Eczema, psoríase, infecções cutâneas, acne e
outras doenças de pele comuns
Leslie P. Lawley, Calvin O. McCall, Thomas J. Lawley
ECZEMA E DERMATITE
Eczema é um tipo de dermatite, e esses termos são utilizados comumente como
sinônimos (p. ex., eczema atópico ou dermatite atópica [DA]). O eczema é um
padrão de reação que se evidencia por manifestações clínicas variáveis e pelo
achado histológico comum de espongiose (edema intercelular da epiderme). O
eczema é a expressão final comum de alguns distúrbios, inclusive os que estão
descritos nas seções subsequentes. As lesões primárias podem ser máculas
eritematosas, pápulas e vesículas que podem coalescer formando placas. No
eczema grave, pode haver a predominância de lesões secundárias por infecção
ou escoriação, caracterizadas por exsudação e formação de crostas. Nos
distúrbios eczematosos crônicos, a liquenificação (hipertrofia da pele e
acentuação dos sulcos cutâneos normais) pode alterar o aspecto característico do
eczema.
DERMATITE ATÓPICA
A DA é a expressão cutânea do estado atópico, que se caracteriza por história
familiar de asma, rinite alérgica ou eczema. A prevalência da DA tem aumentado
no mundo todo. A Tabela 53-1 relaciona algumas de suas manifestações
clínicas.
A etiologia da DA está apenas parcialmente definida, mas há uma
predisposição genética inequívoca. Quando os dois pais têm DA, > 80% dos
filhos apresentam manifestações da doença. Se apenas um dos pais for
acometido, a prevalência diminui para pouco mais de 50%. Um defeito
característico na DA que contribui para a fisiopatologia é um problema na
barreira epidérmica. Em muitos pacientes com DA, uma mutação no gene que
codifica a filagrina, uma proteína estrutural do estrato córneo, é responsável pela
doença. Os pacientes com DA podem apresentar várias anormalidades da
imunorregulação, como aumento na síntese da IgE, elevação dos níveis de IgE
sérica e alterações das reações de hipersensibilidade retardada.
TRATAMENTO
Dermatite atópica
O tratamento da DA deve consistir em evitar substâncias irritantes cutâneas, hidratação adequada com
aplicação de emolientes, uso criterioso de anti-inflamatórios tópicos e tratamento imediato das infecções
secundárias. Os pacientes devem ser orientados a não tomar mais que um banho por dia com água morna ou
fria e a utilizar apenas sabonetes suaves. Imediatamente depois do banho, com a pele ainda úmida, aplica-se
nas áreas de dermatite um anti-inflamatório tópico na forma de creme ou pomada; todas as outras áreas da
pele devem ser lubrificadas com hidratante. Cerca de 30 g de um agente tópico são suficientes para cobrir
toda a superfície corporal de um adulto médio.
Os glicocorticoides tópicos de potência baixa a média são utilizados na maioria dos regimes de
tratamento da DA. A atrofia da pele e a possibilidade de absorção sistêmica são preocupações constantes,
principalmente com os agentes mais potentes. Os glicocorticoides tópicos de baixa potência ou os anti-
inflamatórios não esteroides devem ser preferidos para a aplicação na face e nas áreas intertriginosas com o
objetivo de reduzir o risco de atrofia da pele. Há dois agentes anti-inflamatórios não glicocorticoides
disponíveis: tacrolimo em pomada e pimecrolimo em creme. Esses fármacos são macrolídeos
imunossupressores aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) para uso tópico na DA. Há relatos
de eficácia mais ampla na literatura com o uso desses medicamentos. Esses agentes não causam atrofia
cutânea nem suprimem o eixo hipotalâmico-hipofisário-suprarrenal. Contudo, surgiram dúvidas quanto à
possibilidade de que esses fármacos causem linfomas nos pacientes tratados. Por essa razão, deve-se ter
cuidado quando se considera a sua utilização. Hoje, esses fármacos também são mais caros que os
glicocorticoides tópicos. Produtos para reparo da barreira, os quais tentam restaurar o problema na barreira
epidérmica, também são agentes não esteroides e têm ganhado popularidade no tratamento da DA.
A infecção secundária da pele eczematosa pode causar exacerbação da DA. As lesões crostosas e
exsudativas podem estar infectadas por S. aureus. Quando se suspeita de infecção secundária, as secreções
das lesões eczematosas devem ser cultivadas, e os pacientes tratados com antibióticos ativos contra o S.
aureus. A administração inicial das penicilinas resistentes à penicilinase ou das cefalosporinas é preferível.
A dicloxacilina ou a cefalexina (250 mg, 4×/dia, durante 7-10 dias) geralmente é adequada para os adultos;
entretanto a escolha do antibiótico deve ser orientada pelos resultados da cultura e pela resposta clínica.
Mais de 50% das cepas de S. aureus isoladas hoje são resistentes à meticilina em algumas comunidades. As
recomendações atuais para o tratamento das infecções causadas pelo S. aureus resistente à meticilina
adquirido na comunidade (MRSA-AC) nos adultos incluem sulfametoxazol-trimetoprima (1 comprimido de
dose dupla, 2×/dia), minociclina (100 mg, 2×/dia), doxiciclina (100 mg, 2×/dia) ou clindamicina (300-450
mg, 4×/dia). A duração do tratamento deve ser de 7 a 10 dias. A resistência induzida pode limitar a utilidade
da clindamicina. Esse tipo de resistência pode ser detectado pelo teste de difusão em disco duplo, que
deverá ser solicitado se a cepa isolada for resistente à eritromicina e sensível à clindamicina. Como medidas
coadjuvantes, podem ser realizadas lavagens com soluções antibacterianas ou hipoclorito de sódio diluído
(0,005%) e aplicação nasal intermitente de mupirocina.
O controle do prurido é essencial ao tratamento, pois a DA frequentemente é “uma coceira que produz
erupção”. Os anti-histamínicos são mais comumente usados para controle do prurido. Difenidramina (25
mg, a cada 4-6 horas), hidroxizina (10-25 mg, a cada 6 horas) ou doxepina (10-25 mg ao deitar) são úteis
principalmente por sua ação sedativa. Alguns pacientes podem necessitar de doses mais altas desses
fármacos, mas a sedação pode causar problemas. Os pacientes devem ser orientados quanto a dirigir ou
operar máquinas pesadas depois de utilizarem esses fármacos. Quando usados ao deitar, os anti-
histamínicos sedativos podem melhorar o sono do paciente. Embora sejam efetivos na urticária, os anti-
histamínicos não sedativos e os bloqueadores H2 seletivos são pouco eficazes na atenuação do prurido da
DA.
O tratamento com glicocorticoides sistêmicos deve ser restrito às exacerbações graves que não tenham
respondido ao tratamento tópico. No paciente com DA crônica, o tratamento com glicocorticoides
sistêmicos geralmente limpa a pele, mas por pouco tempo, porque a interrupção do tratamento sempre é
seguida de recidiva ou até agravamento da dermatite. Nos pacientes refratários aos tratamentos
convencionais, deve-se avaliar a realização dos testes de contato para excluir dermatite de contato alérgica
(DCA). O papel dos alergênios dietéticos na DA é controvertido e existem poucas evidências de que eles
sejam importantes, exceto na infância, quando uma porcentagem pequena dos pacientes com DA pode ser
afetada pelos alergênios alimentares.
DERMATITE DE CONTATO
A dermatite de contato é um processo inflamatório cutâneo causado por um ou
mais agentes exógenos, que lesam direta ou indiretamente a pele. Na dermatite
de contato por irritante (DCI), essa lesão é causada por uma característica
inerente ao composto – por exemplo, um ácido ou base concentrados. Os agentes
que causam DCA induzem a uma resposta imune específica ao antígeno (p. ex.,
dermatite causada pela hera venenosa). De acordo com a persistência da ação
lesiva, as lesões clínicas da dermatite de contato podem ser agudas (úmidas e
edematosas) ou crônicas (secas, espessadas e descamativas) (ver Cap. 52, Fig. 5
2-10).
TRATAMENTO
Dermatite de contato
Se houver suspeita de dermatite de contato e um agente responsável for identificado e removido, a erupção
regredirá. De modo geral, o tratamento com glicocorticoides de alta potência é suficiente para aliviar os
sintomas enquanto a dermatite segue seu curso. Nos pacientes que necessitam de tratamento sistêmico, a
prednisona oral na dose diária inicial de 1 mg/kg (geralmente ≤ 60 mg/dia) é suficiente. A dose deve ser
reduzida progressivamente ao longo de 2 a 3 semanas, e todas as doses devem ser administradas pela manhã
junto com a primeira refeição.
A identificação de um alérgeno de contato pode ser difícil e demorada. A dermatite de contato alérgica
deve ser suspeitada em pacientes com dermatite que não respondem à terapia convencional ou com um
padrão de distribuição incomum. Os indivíduos acometidos devem ser cuidadosamente inquiridos sobre
exposição ocupacional e uso de fármacos tópicos. Os agentes sensibilizantes comuns são conservantes de
preparações tópicas, sulfato de níquel, dicromato de potássio, timerosal, sulfato de neomicina, perfumes,
formaldeído e agentes usados para purificar a borracha. O teste de contato é útil à identificação desses
agentes, mas não deve ser realizado nos pacientes com dermatite ativa disseminada ou em uso de
glicocorticoides sistêmicos.
A avaliação do paciente com eczema das mãos deve incluir uma pesquisa
de possíveis exposições ocupacionais. A história deve ser orientada para a
identificação de possíveis exposições a agentes alergênicos ou substâncias
irritantes.
TRATAMENTO
Eczema das mãos
O tratamento do eczema das mãos tem como objetivos evitar o contato com substâncias irritantes,
identificar os possíveis alérgenos de contato, tratar a infecção coexistente e aplicar glicocorticoides tópicos.
Sempre que possível, as mãos devem ser protegidas com luvas, de preferência de vinil. O uso de luvas de
borracha (látex) para proteger a pele com dermatite está algumas vezes associado com o desenvolvimento
de reações de hipersensibilidade aos componentes das luvas, o que poderia ser uma reação de
hipersensibilidade tipo I ao látex manifestada pelo desenvolvimento de urticária, prurido, angioedema e,
possivelmente, anafilaxia dentro de minutos a horas após a exposição, ou uma reação de hipersensibilidade
tipo IV a aceleradores da borracha com piora das erupções eczematosas dias após a exposição. Os pacientes
podem ser tratados com compressas úmidas frias seguidas da aplicação de glicocorticoides tópicos de
potência média a alta na forma de creme ou pomada. Assim como ocorre com a DA, o tratamento das
infecções secundárias é essencial ao controle apropriado da doença. Além disso, os pacientes com eczema
das mãos devem ser examinados para dermatofitose por meio da preparação em hidróxido de potássio
(KOH) e cultura (ver adiante).
ECZEMA NUMULAR
O eczema numular caracteriza-se por lesões circulares ou ovais em forma de
moeda, que começam como pequenas pápulas edematosas que se tornam
crostosas e escamosas. A etiologia do eczema numular é desconhecida, mas a
pele seca contribui para seu desenvolvimento. As localizações comuns são o
tronco e as superfícies extensoras dos membros, principalmente nas regiões pré-
tibiais e no dorso das mãos. O eczema numular é mais frequente nos homens e
mais comum na meia-idade. O tratamento do eczema numular é semelhante ao
da DA.
ECZEMA ASTEATÓTICO
Também conhecido como eczema xerótico ou “prurido do inverno”, o eczema
asteatótico é uma dermatite moderadamente inflamatória que ocorre nas áreas de
pele extremamente secas, sobretudo durante os meses secos do inverno.
Clinicamente, pode haver considerável sobreposição com o eczema numular.
Esse tipo de eczema é responsável por muitas consultas médicas motivadas pelo
prurido associado. Nos casos típicos, surgem pequenas fissuras e escamas, com
ou sem eritema, nas áreas de pele seca, principalmente nas superfícies anteriores
dos membros inferiores dos pacientes idosos. O eczema asteatótico responde
bem aos hidratantes tópicos e à eliminação dos irritantes cutâneos. O excesso de
banhos e o uso de sabões irritantes pioram o eczema asteatótico.
TRATAMENTO
Dermatite e ulceração associadas à estase
Os pacientes com dermatite e ulceração associadas à estase melhoram muito com a elevação da perna e o
uso rotineiro de meias elásticas com gradiente de pelo menos 30 a 40 mmHg. As meias que oferecem
menos compressão, como as meias contra embolia, são menos eficazes. O uso de emolientes e/ou
glicocorticoides de potência média, bem como a exclusão de substâncias irritantes, também são medidas
úteis ao tratamento da dermatite de estase. A proteção da perna contra lesões (incluindo as provocadas pelo
ato de coçar) e o controle do edema crônico são essenciais para evitar úlceras. Os diuréticos podem ser
necessários para controlar adequadamente o edema crônico.
As úlceras de estase são difíceis de tratar, e sua resolução é lenta. É essencial elevar o membro afetado
o máximo possível. A úlcera deve ser mantida sem material necrótico por desbridamento suave e deve ser
coberta com um curativo semipermeável e um curativo compressivo ou uma meia de compressão. Os
glicocorticoides não devem ser aplicados nas úlceras, porque podem retardar a cicatrização; contudo podem
ser utilizados na pele circundante para atenuar o prurido, a escoriação e o traumatismo subsequente. As
lesões com infecção secundária devem ser tratadas adequadamente com antibióticos orais, mas é importante
ressaltar que todas as úlceras são colonizadas por bactérias e que a antibioticoterapia não deve visar à
eliminação de toda a proliferação bacteriana. É necessário ter o cuidado de excluir outras causas tratáveis de
úlceras de perna (estados de hipercoagulabilidade, vasculite) antes de iniciar o tratamento prolongado
supradescrito.
DERMATITE SEBORREICA
A dermatite seborreica é uma doença crônica comum e caracteriza-se por
descamação gordurosa sobre manchas ou placas eritematosas. A induração e a
descamação geralmente são menos proeminentes que na psoríase, mas há
superposição clínica dessas doenças – daí o termo “sebopsoríase”. A localização
mais frequente é o couro cabeludo, onde pode ser identificada como caspa
intensa. Na face, a dermatite seborreica afeta os supercílios, as pálpebras, a
glabela e os sulcos nasolabiais (Fig. 53-4). A descamação do canal auditivo
externo é comum na dermatite seborreica. Além disso, a região retroauricular
muitas vezes fica macerada e dolorida. A dermatite seborreica também pode
ocorrer no centro do tórax, na axila, nas regiões inguinais, nas dobras
inframamárias e no sulco interglúteo. Em casos raros, pode causar dermatite
generalizada difusa; o prurido é variável.
FIGURA 53-4 Dermatite seborreica. Esse paciente tinha eritema facial central com descamações
amareladas e gordurosas. (Cortesia de Jean Bolognia, MD; com permissão.)
Psoríase Placas eritematosas bem demarcadas com descamação semelhante à Pode ser agravada por Acantose,
mica; acomete preferencialmente cotovelos, joelhos e couro cabeludo; alguns fármacos e proliferação
as formas atípicas podem localizar-se nas áreas intertriginosas; as infecções; as formas vascular
formas eruptivas podem estar associadas à infecção graves estão associadas
ao HIV
Líquen plano Pápulas poligonais purpúreas extremamente pruriginosas; estrias Alguns fármacos podem Dermatite da
brancas entrelaçadas, principalmente quando associadas às lesões das desencadear: tiazídicos, interface
mucosas antimaláricos
Pitiríase rósea A erupção geralmente é precedida por uma placa prenunciadora; placas O prurido é variável; Os achados
ovais ou redondas com descamação nas bordas; mais comum no tronco; autolimitada, regride em histopatológicos
a erupção reveste as dobras cutâneas, conferindo aspecto semelhante a 2-8 semanas; pode ser geralmente são
um pinheiro; geralmente preserva as palmas e plantas semelhante à sífilis inespecíficos
secundária
Dermatofitoses Aspecto polimórfico, dependendo do dermatófito, da área afetada e da A preparação com KOH Hifas e
resposta do hospedeiro; placas descamativas bem demarcadas ou pouco pode demonstrar hifas neutrófilos no
demarcadas, com ou sem inflamação; pode causar queda dos pelos ramificadas; a cultura é estrato córneo
(cabelos) útil
Siglas: HIV, vírus da imunodeficiência humana; KOH, hidróxido de potássio.
TRATAMENTO
Psoríase
O tratamento da psoríase depende do tipo, da localização e da extensão da doença. Todos os pacientes
devem ser orientados a evitar ressecamento excessivo ou irritação da pele e a manter hidratação cutânea
adequada. A maioria dos pacientes com psoríase em placas localizadas pode ser tratada com
glicocorticoides tópicos de potência média, embora o uso prolongado desses fármacos comumente esteja
associado à perda de eficácia (taquifilaxia) e à atrofia da pele. Um análogo tópico da vitamina D
(calcipotrieno) e um retinoide (tazaroteno) também são eficazes no tratamento da psoríase limitada e
praticamente substituíram os agentes tópicos, como o alcatrão, o ácido salicílico e a antralina.
A luz ultravioleta (UV) natural ou artificial é um tratamento eficaz para muitos pacientes com psoríase
disseminada. A luz ultravioleta B (UVB), a luz UVB de faixa estreita e a luz ultravioleta A (UVA) com
psoralenos orais ou tópicos (PUVA) são usadas clinicamente. Acredita-se que as propriedades
imunossupressivas da luz UV sejam responsáveis por sua atividade terapêutica na psoríase. Ela também é
mutagênica, potencialmente levando a uma incidência aumentada de câncer de pele do tipo melanoma e não
melanoma. O tratamento com luz UV é contraindicado nos pacientes que receberam ciclosporina, devendo
ser usado com muito cuidado em todos os pacientes imunocomprometidos devido ao risco aumentado de
câncer de pele.
Vários fármacos sistêmicos podem ser usados para tratar a psoríase disseminada grave (Tab. 53-3). Os
glicocorticoides orais não devem ser usados para tratar psoríase, pois podem desencadear psoríase pustular
potencialmente fatal quando o tratamento é interrompido. O metotrexato é eficaz, principalmente nos
pacientes com APs. O retinoide sintético acitretina é útil, especialmente quando é necessário evitar
imunossupressão; contudo a teratogenicidade limita sua utilidade. O apremilaste é um agente oral novo que
inibe a fosfodiesterase tipo 4. Ele está aprovado para uso em psoríase e artrite psoriásica e deve ser usado
com cautela na presença de insuficiência renal ou depressão.
Metotrexato Antimetabólito Oral Semanala Hepatotoxicidade, toxicidade pulmonar, pancitopenia, aumento potencial da
incidência de câncer, estomatite ulcerativa, náusea, diarreia, teratogenicidade
Acitretina Retinoide Oral Diária
Teratogenicidade, hepatotoxicidade, hiperostose, hiperlipidemia/pancreatite,
depressão, efeitos oftalmológicos, pseudotumor cerebral
Ciclosporina Inibidor da Oral Duas vezes Disfunção renal, hipertensão, hiperpotassemia, hiperuricemia,
calcineurina ao dia hipomagnesemia, hiperlipidemia, aumento do risco de câncer
Apremilaste Inibidores da Oral Duas vezes Reação de hipersensibilidade, depressão, náuseas, diarreia, vômitos,
fosfodiesterase ao diab dispepsia, perda ponderal, cefaleia, fadiga
tipo 4
Sigla: FDA, Food and Drug Administration.
aHá necessidade de dose inicial de teste. bHá necessidade de escalonamento de dose.
As evidências de que a psoríase seja uma doença mediada pelos linfócitos T dirigiram os esforços
terapêuticos à imunorregulação. A ciclosporina e outros agentes imunossupressores podem ser muito
eficazes no tratamento da psoríase e, hoje, há grande interesse em desenvolver agentes biológicos com
propriedades imunossupressoras mais seletivas e melhor perfil de segurança (Tab. 53-4). A experiência com
alguns desses fármacos biológicos é limitada, e as informações quanto ao tratamento combinado bem como
aos efeitos adversos continuam a surgir. Esses agentes biológicos parecem ser muito efetivos no tratamento
da psoríase e são bem tolerados; porém, deve-se ter cautela com determinadas comorbidades dos pacientes.
A utilização dos inibidores do fator de necrose tumoral α (TNF-α) pode agravar a insuficiência cardíaca
congestiva (ICC), e esses fármacos devem ser utilizados com cautela nos pacientes sob risco de desenvolver
essa complicação ou nos que já têm ICC. Além disso, nenhum dos agentes imunossupressores utilizados no
tratamento da psoríase deve ser iniciado caso o paciente tenha uma infecção grave (incluindo TB, HIV,
hepatites B ou C); os pacientes tratados com esses fármacos devem fazer rastreamento rotineiro para
tuberculose. Existem relatos de leucoencefalopatia multifocal progressiva e lúpus eritematoso associados ao
tratamento com inibidores do TNF-α. As neoplasias malignas, inclusive o risco ou a história de
determinados tipos de câncer, podem limitar a utilização desses fármacos sistêmicos. Em geral, os agentes
imunossupressivos também foram ligados a um risco aumentado de câncer de pele, os pacientes que
recebem esses agentes devem ser monitorados quanto ao desenvolvimento de câncer de pele.
TABELA 53-4 ■ Agentes biológicos aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) para psoríase ou
artrite psoriásica
Administração
Agente Mecanismo Indicação Via Frequência Alertas (selecionados)
de ação
Siglas: APs, artrite psoriásica; ICC, insuficiência cardíaca congestiva; IL, inteleucina; IV, intravenosa; Ps, psoríase; SC, subcutânea; TNF-α,
fator de necrose tumoral α.
LÍQUEN PLANO
O líquen plano (LP) é uma doença papuloescamosa que pode afetar a pele, o
couro cabeludo, as unhas e as mucosas. As lesões cutâneas primárias são pápulas
pruriginosas, poligonais, violáceas e planas. O exame acurado da superfície
dessas pápulas frequentemente revela uma rede de linhas cinzentas (estrias de
Wickham). As lesões cutâneas podem ocorrer em qualquer lugar, mas têm
predileção pelos punhos, regiões tibiais anteriores, região lombar e genitália (Fig
. 53-5). O envolvimento do couro cabeludo (líquen planopapilar) pode causar
alopécia cicatricial, enquanto o acometimento das unhas pode provocar
deformidade permanente ou perda das unhas dos dedos das mãos e pés. O LP
frequentemente acomete as mucosas, sobretudo a oral, em que pode ser
evidenciado por um espectro que varia da erupção reticulada esbranquiçada leve
da mucosa até uma estomatite erosiva grave. A estomatite erosiva pode persistir
por vários anos e pode estar relacionada com o aumento do risco de desenvolver
carcinoma espinocelular oral. Clinicamente, foram observadas erupções cutâneas
semelhantes ao LP depois da administração de diversos fármacos, como
diuréticos tiazídicos, ouro, antimaláricos, penicilamina e fenotiazinas, bem como
nos pacientes com lesões cutâneas da doença do enxerto contra o hospedeiro.
Além disso, o LP pode estar associado à infecção pelo vírus da hepatite C. Sua
evolução é variável, mas a maioria dos pacientes entra em remissão dentro de 6
meses a 2 anos depois do início da doença. Os glicocorticoides tópicos formam a
base da terapia.
FIGURA 53-5 Líquen plano. Este é um exemplo de líquen plano com várias placas e pápulas violáceas
achatadas. A distrofia ungueal, como a observada na unha do polegar deste paciente, também pode fazer
parte do quadro clínico do líquen plano. (Cortesia de Robert Swerlick, MD; com permissão.)
PITIRÍASE RÓSEA
A pitiríase rósea (PR) é uma erupção papuloescamosa de etiologia desconhecida,
mais comum na primavera e no outono. Sua primeira manifestação é o
surgimento de uma lesão anular que mede entre 2 e 6 cm (medalhão inicial).
Depois de alguns dias ou semanas, surgem várias lesões menores, anulares ou
papulares com predileção pelo tronco (Fig. 53-6). As lesões são geralmente
ovais, e seu maior eixo é paralelo às linhas da pele. Sua cor varia do vermelho ao
castanho, e as lesões apresentam descamação que segue a progressão da borda.
Clinicamente, a PR tem muitas semelhanças com a sífilis secundária, mas as
lesões das palmas e das plantas são extremamente raras na PR e comuns na
sífilis secundária. A erupção tende a ser moderadamente pruriginosa e persiste
por 3 a 8 semanas. O tratamento visa aliviar o prurido e consiste em anti-
histamínicos orais, glicocorticoides tópicos de potência média e, em alguns
casos, fototerapia com UVB.
FIGURA 53-6 Pitiríase rósea. Neste paciente com pitiríase rósea, múltiplas manchas eritematosas
redondas ou ovais com fina descamação central estão distribuídas ao longo das linhas de tensão da pele no
tronco.
INFECÇÕES CUTÂNEAS (TAB. 53-5)
IMPETIGO, ECTIMA E FURUNCULOSE
O impetigo é uma infecção bacteriana superficial comum causada mais
frequentemente pelo S. aureus (Cap. 142) e, em alguns casos, pelo estreptococo
β-hemolítico do grupo A (Cap. 143). A lesão primária é uma pústula superficial
que se rompe formando uma crosta típica castanho-amarelada da cor de mel (ver
Cap. 143, Fig. 143-3). As lesões podem ocorrer na pele normal (infecção
primária) ou nas áreas previamente afetadas por outra doença cutânea (infecção
secundária). As lesões causadas por estafilococos podem ser bolhas tensas e
claras, e essa apresentação menos comum da doença é conhecida como impetigo
bolhoso. As bolhas são causadas pela liberação de uma toxina esfoliativa pelo S.
aureus do fago tipo II. Essa é a mesma toxina responsável pela síndrome da pele
escaldada estafilocócica (SPEE), que geralmente provoca a perda extensiva da
epiderme superficial depois da formação das bolhas. A SPEE é muito mais
comum nas crianças que nos adultos; contudo essa síndrome deve ser
considerada, bem como a necrólise epidérmica tóxica e farmacodermias graves,
nos pacientes com a formação de bolhas cutâneas generalizadas. O ectima é uma
variante profunda e não bolhosa do impetigo que causa lesões ulcerativas em
saca-bocado. Ela é mais comumente causada por uma infecção primária ou
secundária por Streptococcus pyogenes. O ectima é uma infecção mais profunda
do que o impetigo típico e forma cicatriz após a resolução. O tratamento do
ectima e do impetigo consiste no desbridamento suave das crostas aderentes,
facilitado pelo uso de banhos e antibióticos tópicos, junto com os antibióticos
orais adequados.
ERISIPELA E CELULITE
Ver Capítulo 124.
DERMATOFITOSES
Os dermatófitos são fungos que infectam a pele, os pelos e as unhas e incluem
membros dos gêneros Trichophyton, Microsporum e Epidermophyton (Cap. 214
). A tinea corporis, ou infecção da pele relativamente sem pelos (pele glabra),
pode ter aspecto variável de acordo com a intensidade da reação inflamatória
associada. A infecção típica consiste em placas eritematosas escamosas com
aspecto anular, o que explica o nome comum de ringworm (micose). Nódulos
inflamatórios profundos ou granulomas ocorrem em algumas infecções –
principalmente nas lesões tratadas erroneamente com glicocorticoides tópicos de
média ou alta potência. O envolvimento das regiões inguinais (tinea cruris) é
mais comum nos homens que nas mulheres. Ele se apresenta como uma erupção
eritematosa e descamativa que poupa o escroto. A infecção do pé (tinea pedis) é
a dermatofitose mais comum e geralmente é crônica; a doença caracteriza-se por
graus variados de eritema, edema, descamação, prurido e, às vezes, formação de
vesículas. O acometimento pode ser localizado ou difuso, mas geralmente atinge
o espaço interdigital entre o quarto e o quinto dedos do pé. A infecção das unhas
(tinea unguium ou onicomicose) ocorre em muitos pacientes com tinea pedis e
caracteriza-se por unhas opacas e espessadas e detritos subungueais. A variante
distal-lateral é a mais comum. A onicomicose subungueal proximal pode ser um
marcador da infecção pelo HIV ou de outros estados de imunossupressão. A
dermatofitose do couro cabeludo (tinea capitis) ainda é comum, principalmente
entre crianças de áreas urbanas pobres, mas ocorre também nos adultos. O
agente etiológico predominante é o Trichophyton tonsurans, que pode causar
uma lesão relativamente não inflamatória com pouca descamação e alopécia
difusa ou localizada. O T. tonsurans e o Microsporum canis também podem
causar uma dermatose marcadamente inflamatória com edema e nódulos. Essa
última apresentação é um quérion.
O diagnóstico da tinea pode ser realizado a partir de escamas obtidas pela
raspagem da pele, das unhas ou dos pelos, por meio de cultura ou do exame
direto com KOH. Os fragmentos de unha podem ser enviados para exame
histológico com coloração pelo ácido periódico de Schiff (PAS).
TRATAMENTO
Dermatofitoses
Pode-se usar terapias tópicas e sistêmicas nas infecções por dermatófitos. O tratamento depende do local
envolvido e do tipo de infecção. O tratamento tópico geralmente é eficaz para os casos simples de tinea
corporis, tinea cruris e tinea pedis limitada. Os agentes tópicos não são efetivos como monoterapia para a
tinea capitis ou onicomicose (ver adiante), e a nistatina não é ativa contra dermatófitos. Os agentes tópicos
geralmente são aplicados 2 vezes ao dia, e o tratamento deve continuar até 1 semana depois da cura clínica
da infecção. A tinea pedis frequentemente exige tratamento mais longo, e as recidivas são comuns. Podem
ser necessários antifúngicos orais para o tratamento dos casos refratários de tinea pedis ou corporis.
As dermatofitoses dos pelos e das unhas ou as que não respondem ao tratamento tópico costumam ser
tratadas com agentes antifúngicos orais. A tinea capitis com inflamação intensa pode levar à formação de
cicatriz e perda de cabelos, e um agente antifúngico sistêmico mais glicocorticoides sistêmicos ou tópicos
podem ajudar a evitar essas sequelas. Antes de se prescreverem antifúngicos orais para qualquer infecção,
deve-se confirmar a etiologia fúngica por exame microscópico direto ou cultura. Todos os agentes orais
podem causar hepatotoxicidade. Eles não devem ser usados em mulheres gestantes ou lactantes.
A griseofulvina está aprovada nos Estados Unidos para tratar as dermatofitoses da pele, dos pelos ou
das unhas. Alguns efeitos colaterais comuns da griseofulvina são desconforto gastrintestinal, cefaleia e
urticária.
Dois antifúngicos orais mais recentes, itraconazol e terbinafina, são algumas vezes prescritos “sem
aprovação formal” para infecções fúngicas superficiais. O itraconazol oral está aprovado para
onicomicoses. O itraconazol pode produzir interações medicamentosas graves com outros fármacos
metabolizados pelo sistema enzimático P450. O itraconazol não deve ser administrado a pacientes com
evidências de disfunção ventricular ou a pacientes com ICC conhecida.
A terbinafina também está aprovada para a onicomicose, e a versão granulada está aprovada para
tratamento da tinea capitis. A terbinafina causa menos interações medicamentosas que o itraconazol, mas
deve-se ter cuidado com pacientes que utilizam vários fármacos ao mesmo tempo. A relação risco/benefício
deve ser considerada quando uma infecção assintomática de uma unha do pé é tratada com agentes
sistêmicos.
A FDA limitou o uso de um terceiro agente oral devido ao potencial para hepatotoxicidade e publicou
o seguinte: “O cetoconazol em comprimidos orais não deve ser um tratamento de primeira linha para
nenhuma infecção fúngica.” A forma tópica do cetoconazol não é afetada por essa ação.
CANDIDÍASE
Candidíase é uma infecção fúngica causada por um grupo relacionado de
leveduras, cujas manifestações clínicas podem ficar limitadas a pele e mucosas
ou, mais raramente, são sistêmicas e potencialmente fatais (Cap. 211). O agente
causador costuma ser a Candida albicans. Esses microrganismos são saprófitos
normais do trato gastrintestinal, mas podem proliferar excessivamente
(geralmente devido ao tratamento com antibióticos de amplo espectro, diabetes
melito ou imunossupressão) e causar doença. A candidíase é muito comum nos
indivíduos infectados pelo HIV (Cap. 197). A cavidade oral é acometida
frequentemente. Podem surgir lesões na língua ou na mucosa bucal (sapinho)
com aspecto de placas brancas. Lesões fissuradas e maceradas no canto da boca
(queilite angular ou perlèche) são comuns nos indivíduos que usam dentaduras
mal adaptadas e também podem estar associadas à infecção por Candida. Além
disso, a candidíase tem mais afinidade pelas áreas continuamente úmidas e
maceradas, inclusive a pele ao redor das unhas (onicólise e paroníquia) e as áreas
intertriginosas. As lesões intertriginosas são edematosas, eritematosas e
descamativas com “pústulas satélites” disseminadas. Nos homens, é frequente o
acometimento do pênis e da bolsa escrotal, assim como das superfícies internas
das coxas. Ao contrário das dermatofitoses, as infecções por Candida
frequentemente são dolorosas e acompanhadas de intensa resposta inflamatória.
O diagnóstico de infecção por Candida baseia-se nos achados clínicos e na
identificação de leveduras na preparação com KOH ou pela cultura.
TRATAMENTO
Candidíase
O tratamento consiste em eliminar os fatores predisponentes como antibioticoterapia ou umidade crônica e
usar antifúngicos tópicos ou sistêmicos. Os fármacos tópicos eficazes incluem nistatina e os derivados
imidazólicos (miconazol, clotrimazol, econazol ou cetoconazol). A resposta inflamatória associada à
infecção da pele glabra por Candida pode ser tratada com um glicocorticoide de baixa potência em forma de
loção ou creme (hidrocortisona a 2,5%). O tratamento sistêmico é geralmente reservado aos pacientes
imunossuprimidos ou indivíduos com doença crônica ou recorrente que não respondem ao tratamento
tópico apropriado. O fluconazol oral é o agente mais comumente prescrito para a candidíase cutânea. A
nistatina oral somente é eficaz para tratamento da candidíase do trato gastrintestinal.
VERRUGAS
As verrugas são tumorações cutâneas causadas por papilomavírus. Já foram
descritos mais de 100 tipos de papilomavírus humano (HPV). A verruga vulgar
(verruca vulgaris) é séssil, convexa e geralmente tem cerca de 1 cm de diâmetro.
Sua superfície é hiperceratótica e formada por várias pequenas projeções
filamentosas. O HPV também causa verrugas plantares, verrugas planas (verruca
plana) e verrugas filiformes. As verrugas plantares são endofíticas e recobertas
por ceratina espessa. Com o corte da verruga, aparece um núcleo central de
restos ceratinizados e pequenos sangramentos puntiformes. As verrugas
filiformes são mais comuns na face, na região cervical e nas dobras cutâneas e
caracterizam-se por lesões papilomatosas de base estreita. As verrugas planas
são um pouco elevadas e têm superfície aveludada e não verrucosa. Esse tipo
tem predileção pela face, braços e pernas, e comumente é disseminado pela
depilação.
As verrugas genitais começam como pequenos papilomas que podem
crescer e formar grandes lesões fungiformes. Nas mulheres, podem acometer os
lábios, o períneo e a pele perianal. Além disso, as mucosas da vagina, da uretra e
do ânus podem ser afetadas, assim como o epitélio cervical. Nos homens, as
lesões frequentemente começam no sulco coronal, mas também ocorrem no
corpo do pênis, na bolsa escrotal, na pele perianal ou na uretra.
Existem evidências significativas sugerindo que o HPV desempenhe um
papel importante no desenvolvimento das neoplasias do colo uterino e da pele
anogenital (Cap. 85). Os HPV tipos 16 e 18 têm sido os mais estudados e são os
principais fatores de risco para neoplasia intraepitelial e carcinomas
espinocelulares do colo uterino, do ânus, da vulva e do pênis. O risco é maior
nos pacientes imunossuprimidos depois de transplantes de órgãos sólidos e nos
indivíduos infectados pelo HIV. Evidências recentes também implicaram outros
tipos de HPV. O exame histológico de amostras de biópsias dos locais afetados
pode revelar alterações associadas às verrugas típicas e/ou anormalidades
características do carcinoma intraepidérmico (doença de Bowen). Os carcinomas
espinocelulares associados às infecções por HPV também foram detectados na
pele extragenital (Cap. 72), mais comumente em pacientes imunossuprimidos
depois de transplantes de órgãos. Os pacientes mantidos em imunossupressão
crônica devem ser monitorados quanto à ocorrência de carcinoma espinocelular
e outras neoplasias malignas da pele.
TRATAMENTO
Verrugas
Com exceção das verrugas anogenitais, o tratamento das verrugas deve ser planejado levando-se em
consideração que, nos indivíduos normais, a maioria dessas lesões regride espontaneamente dentro de 1 a 2
anos. Há várias modalidades de tratamento para as verrugas, mas nenhum tratamento específico é eficaz em
todos os casos. Os fatores que influenciam a escolha do tratamento são a localização da verruga, a extensão
da doença, a idade e o estado imunológico do paciente, bem como suas preferências quanto ao tratamento.
A crioterapia com nitrogênio líquido talvez seja o método mais útil e conveniente para o tratamento das
verrugas em praticamente qualquer localização. Igualmente eficaz nas verrugas não genitais, mas exigindo
muito mais cooperação do paciente, é o uso de agentes ceratolíticos, tal como ácido salicílico na forma de
adesivos ou soluções. Para as verrugas genitais, a aplicação de solução de podofilina em consultório é
moderadamente eficaz, mas pode causar reações locais intensas. Existem preparações diluídas e purificadas
de podofilina, de uso exclusivo com prescrição médica, para aplicação domiciliar. O imiquimode tópico, um
indutor potente da liberação local das citocinas, também foi aprovado para tratar verrugas genitais. Também
está disponível um novo agente tópico composto de extratos de chá verde (sinecatequinas). A cirurgia,
convencional ou a laser pode ser necessária para as verrugas recalcitrantes. A recidiva das verrugas parece
ser frequente depois de qualquer um desses tratamentos. A FDA aprovou uma vacina altamente eficaz
contra determinados tipos de HPV e há relatos de que a sua utilização reduza a incidência dos carcinomas
anogenitais e cervicais.
HERPES SIMPLES
Ver Capítulo 187.
HERPES-ZÓSTER
Ver Capítulo 188.
ACNE
ACNE VULGAR
A acne vulgar é uma doença autolimitada que acomete principalmente
adolescentes e adultos jovens, embora 10 a 20% dos adultos continuem a
apresentar alguma forma da doença. O fator que permite a expressão da doença
na adolescência é o aumento na produção de sebo pelas glândulas sebáceas
depois da puberdade. Pequenos cistos conhecidos como comedões formam-se
nos folículos pilosos em consequência do bloqueio do óstio folicular pela
retenção de material ceratinoso e de sebo. A atividade de bactérias
(Proprionibacterium acnes) dentro dos comedões libera ácidos graxos livres do
sebo, causa inflamação dentro do cisto e leva à ruptura de sua parede. Uma
reação inflamatória do tipo corpo estranho desenvolve-se em consequência da
eliminação dos restos gordurosos e ceratinosos pelo cisto.
O sinal clínico típico da acne vulgar é o comedão, que pode ser fechado
(pontos brancos) ou aberto (pontos negros). Os comedões fechados são
pequenas pápulas brancas granulares de 1 a 2 mm, mais bem visíveis quando a
pele é esticada. Esses comedões são os precursores das lesões inflamatórias da
acne vulgar. O conteúdo dos comedões fechados é difícil de se espremer. Os
comedões abertos, que raramente produzem lesões inflamatórias, têm óstios
foliculares grandes e dilatados e estão cheios de restos oleosos, oxidados e
escurecidos, fáceis de serem espremidos. Os comedões são geralmente
acompanhados de lesões inflamatórias: pápulas, pústulas ou nódulos.
As primeiras lesões observadas na adolescência geralmente são comedões
com pouca ou nenhuma inflamação na fronte. Em seguida, surgem lesões
inflamatórias mais típicas nas regiões malares, no nariz e no queixo (Fig. 53-7).
A localização mais comum da acne é a face, mas é comum o envolvimento do
tórax e dorso. Na maioria dos casos, a doença é leve e não deixa cicatrizes.
Alguns pacientes têm grandes nódulos e cistos inflamatórios, que podem drenar
e formar cicatrizes significativas. Independentemente da gravidade, a acne pode
afetar a qualidade de vida dos pacientes. Com o tratamento adequado, esse efeito
pode ser transitório. Nos casos de acne cicatricial grave, os efeitos podem ser
irreversíveis e profundos. A intervenção terapêutica precoce é fundamental nos
casos graves.
FIGURA 53-7 Acne vulgar. Esse é um exemplo de acne vulgar com pápulas inflamatórias, pústulas e
comedões. (Cortesia de Kalman Watsky, MD; com permissão.)
TRATAMENTO
Acne vulgar
O tratamento da acne vulgar visa a eliminar os comedões por meio da normalização da ceratinização
folicular, da diminuição da atividade das glândulas sebáceas, da população de P. acnes e da inflamação. A
acne leve ou moderada com pouca inflamação pode melhorar apenas com tratamento local. Embora as áreas
afetadas pela acne devam ser mantidas limpas, a esfregação excessivamente vigorosa pode agravar a acne
devido à ruptura mecânica dos comedões. Os fármacos tópicos, como o ácido retinoico, o peróxido de
benzoíla ou o ácido salicílico, podem alterar o padrão de descamação da pele, impedindo a formação de
comedões e ajudando na resolução de cistos preexistentes. Os antibacterianos tópicos (como o ácido
azelaico, a eritromicina, a clindamicina ou a dapsona) são úteis como coadjuvantes do tratamento. Os
produtos à base de peróxido de benzoíla devem ser usados em combinação com antibióticos tópicos
(ertitromicina e clindamicina) para evitar o desenvolvimento de resistência bacteriana.
Os pacientes com acne moderada a grave com componente inflamatório acentuado melhoram com o
acréscimo de tratamentos sistêmicos, como tetraciclina em doses de 250 a 500 mg (2×/dia) ou doxiciclina
na dose de 100 mg (2×/dia). A minociclina também é útil. Além do seu efeito antibacteriano, esses
antibióticos parecem ter propriedades anti-inflamatórias independentes. Se o paciente não demonstrar
resposta apropriada dentro de 3 meses, deve-se considerar mudanças de plano. As mulheres que não
respondem à antibioticoterapia oral podem melhorar com o tratamento hormonal. Hoje, existem vários
contraceptivos orais aprovados pela FDA para tratar acne vulgar.
Os pacientes com acne nodulocística grave refratária aos tratamentos citados anteriormente podem se
beneficiar com o uso da isotretinoína, um retinoide sintético. A dose desse fármaco depende do peso do
paciente e é administrada 1 vez ao dia, durante 5 meses. Os resultados são excelentes nos pacientes
selecionados adequadamente. Sua utilização é estritamente regulada devido ao risco de efeitos colaterais
graves, principalmente de teratogenicidade e depressão. Além disso, alguns pacientes tratados com esse
fármaco desenvolvem extremo ressecamento da pele e queilite e devem ser acompanhados porque podem
desenvolver hipertrigliceridemia.
Hoje, os médicos que prescrevem esse fármaco devem estar inscritos em um programa destinado a
evitar gravidez e efeitos adversos durante o tratamento dos seus pacientes. Essas medidas visam garantir
que todos os profissionais que a prescrevem conheçam os riscos da isotretinoína; que todas as pacientes
tenham dois testes de gravidez negativos antes de começar o tratamento e mais um teste negativo antes de
receber cada renovação da prescrição; e que todos os pacientes saibam dos riscos da isotretinoína.
ROSÁCEA
A acne rosácea1 (conhecida comumente como rosácea) é uma doença
inflamatória que afeta principalmente a região central da face. Os pacientes mais
comumente afetados são brancos descendentes do norte europeu, embora a
doença também ocorra nos indivíduos com peles mais pigmentadas. A rosácea é
vista quase exclusivamente nos adultos, sendo rara em pacientes com idade < 30
anos. Essa doença é mais comum nas mulheres, mas os casos mais graves
ocorrem nos homens. As lesões caracterizam-se por eritema, telangiectasias e
pústulas superficiais (Fig. 53-8), mas não está ligada à presença de comedões. A
rosácea raramente afeta o tórax ou o dorso.
FIGURA 53-8 Acne rosácea. Esta paciente com acne rosácea tinha eritema facial proeminente,
telangiectasia, pápulas dispersas e pústulas pequenas. (Cortesia de Robert Swerlick, MD; com permissão).
TRATAMENTO
Rosácea
O tratamento da rosácea pode ser tópico ou sistêmico. A doença leve costuma responder ao metronidazol
tópico, sulfacetamida sódica, ácido azelaico, ivermectina tópica ou brimonidina tópica. As formas mais
graves devem ser tratadas com tetraciclinas orais: tetraciclina (250-500 mg, 2×/dia), doxiciclina (100 mg,
2×/dia) ou minociclina (50-100 mg, 2×/dia). As telangiectasias residuais podem melhorar com o tratamento
a laser. Os glicocorticoides tópicos devem ser evitados, principalmente os agentes potentes, porque seu uso
crônico pode causar rosácea. O tratamento tópico da pele não é eficaz para o acometimento ocular da
doença.
DOENÇAS CUTÂNEAS E VACINAÇÃO CONTRA A VARÍOLA
Embora a vacinação contra varíola tenha sido suspensa há várias décadas para a
população em geral, ela ainda é necessária para determinados militares e equipes
de emergência. Na ausência de um ataque bioterrorista e uma exposição real ou
potencial à varíola, tal vacinação está contraindicada em pessoas com história de
doenças cutâneas, como DA, eczema e psoríase, as quais têm maior incidência
de efeitos adversos associados à vacinação contra varíola. Nos casos de
exposição, o risco de infecção pela varíola é maior que o risco de ocorrerem
efeitos adversos da vacina (ver Cap. C2).
LEITURAS ADICIONAIS
Bolognia JL, Jorizzo JL, Schaffer JV (eds): Dermatology, 3rd ed. Philadelphia,
Saunders, 2012.
Goldsmith LA et al (eds): Fitzpatrick’s Dermatology in General Medicine, 8th
ed. New York, McGraw-Hill, 2012.
James WD, Berger TG, Elston DM (eds): Andrew’s Diseases of the Skin Clinical
Dermatology, 12th ed. Philadelphia, Elsevier, 2016.
Wolff K, Johnson RA, Saavedra AP (eds): Fitzpatrick’s Color Atlas and Synopsis
of Clinical Dermatology, 7th ed. New York, McGraw-Hill, 2013.
Europa, o vírus da hepatite C está associado com o líquen plano oral. bAssociado com exposição solar crônica mais comumente que exposição
ao arsênico; geralmente uma ou poucas lesões. cVer também Lesões vermelhas em “Lesões cutâneas papulonodulares”. dTambém lesões
cutâneas de linfoma/leucemia de células T do adulto em associação com o HTLV-1. eVer também Lesões castanho-avermelhadas em “Lesões
cutâneas papulonodulares”.
Sigla: HIV, vírus da imunodeficiência humana.
pressão. bEmbora a maioria dos pacientes com lesões discoides tenham apenas doença cutânea, essas lesões representam um dos 11 critérios
do American College of Rheumatology criteria (1982) para o lúpus eritematoso sistêmico. cPode envolver músculos e estruturas ósseas
subjacentes e raramente na morfeia linear do couro cabeludo frontal (em golpe de sabre) há envolvimento de meninges e cérebro.
Eflúvio Queda difusa dos cabelos O estresse faz os ciclos de crescimento Observação; suspender quaisquer fármacos
telógeno normais normalmente assincrônicos dos pelos que tenham alopécia como efeito colateral; é
Ocorre depois de estresses adquirir um padrão sincrônico; por essa preciso excluir distúrbios metabólicos
significativos (febre alta, razão, quantidades maiores de cabelos subjacentes, p. ex., hipotireoidismo,
infecção grave) ou alterações em crescimento (anágenos) entram hipertireoidismo
hormonais (puerpério) simultaneamente na fase de
Pode regredir sem deterioração (telógeno)
tratamento
Alopécia Miniaturização dos cabelos Sensibilidade exagerada dos pelos Se não houver indícios de
androgenética ao longo da linha média no afetados aos efeitos dos androgênios hiperandrogenismo, aplicar minoxidil tópico;
(padrão couro cabeludo Níveis elevados de androgênios finasterida;a espironolactona (mulheres);
masculino; Recuo da linha anterior do circulantes (origem ovariana ou transplante de cabelos
padrão couro cabeludo dos homens suprarrenal nas mulheres)
feminino) e de algumas mulheres
Alopécia Áreas circulares bem As zonas germinativas dos folículos Antralina ou tazaroteno tópico;
areata circunscritas de queda dos pilosos estão circundadas por linfócitos glicocorticoides intralesionais;
cabelos, com 2-5 cm de T sensibilizadores de contato tópicos; inibidores
diâmetro Há doenças associadas em alguns de JAK
Nos casos graves, as lesões casos: hipertireoidismo,
coalescem e/ou há hipotireoidismo, vitiligo, síndrome de
acometimento de outras Down
superfícies pilosas do corpo
Depressões punctiformes ou
aspecto de lixa nas unhas
Tinea capitis Varia de descamação com Invasão dos pelos por dermatófitos, Griseofulvina ou terbinafina oral mais xampu
perda mínima dos cabelos, mais comumente por Trichophyton de sulfeto de selênio a 2,5% ou cetoconazol;
até placas bem demarcadas tonsurans examinar os familiares
com “pontos negros” (locais
de cabelos infectados
quebrados) ou placa úmida
com pústulas (quérion)b
Alopécia Cabelos partidos, com Tração com grampos, faixas de Mudança do estilo de penteado ou dos
traumáticac frequência de comprimentos borracha, tranças apertadas tratamentos químicos desencadeantes; a
variados Exposição ao calor ou agentes tricotilomania pode exigir que os cabelos
Bordas irregulares na químicos (p. ex., alisadores) sejam cortados e examinados quanto ao
tricotilomania e na alopécia Tração mecânica (tricotilomania) crescimento ou pode haver necessidade de
de tração biópsia para firmar o diagnóstico,
possivelmente seguido de psicoterapia
aAté o momento, aprovada pela Food and Drug Administration para homens. bA alopécia cicatricial pode ocorrer em locais de quérions.
cTambém pode ser cicatricial, especialmente em estágios avançados da alopécia de tração.
doença pulmonar restritiva secundária à deposição de material tipo ceroide ou imunodeficiência; devido à mutação da subunidade β ou δ do
complexo da proteína relacionada ao adaptador 3 e também das subunidades da biogênese do complexo de organelas relacionadas com os
lisossomos (BLOC-1, 2 e 3). dGrânulos lisossômicos gigantes e infecções repetidas. eMinoria de pacientes em ambiente primário tem
anormalidades sistêmicas (musculoesqueléticas, sistema nervoso central, ocular).
Siglas: LAMB, lentigos, mixomas atriais, mixomas mucocutâneos e nevos azuis (blue nevi); LEOPARD, lentigos, anormalidades no ECG,
hipertelorismo ocular, estenose pulmonar e estenose subaórtica valvar, genitália anormal, retardo de crescimento e deficiência auditiva
(neurossensorial); NAME, nevos, mixoma atrial, neurofibroma mixoide e efélides (sardas); POEMS, polineuropatia, organomegalia,
endocrinopatias, proteína M e alterações cutâneas (skin changes).
das células da camada basal da epiderme pode dar a impressão de que as fendas são subepidérmicas. fTambém sistêmica. gNos adultos, está
associada à insuficiência renal e à imunossupressão.
Siglas: CMV, citomegalovírus; HHV, herpes-vírus humano; HIV, vírus da imunodeficiência humana.
O sarampo e a rubéola podem ocorrer nos adultos não vacinados, e uma
forma atípica dessa doença é observada nos adultos imunizados com vacina
antissarampo de vírus morto ou na imunização com vacina de vírus mortos
seguida da vacina de vírus vivos. Em contrapartida com o sarampo clássico, a
erupção do sarampo atípico começa nas palmas, nas plantas, nos punhos e
tornozelos, e as lesões podem se tornar purpúricas. O paciente com sarampo
atípico pode manifestar comprometimento pulmonar e desenvolver doença
grave. As erupções rubeoliformes e roseoliformes também estão associadas às
infecções pelo vírus Epstein-Barr (5-15% dos pacientes), ecovírus,
coxsackievírus, citomegalovírus, adenovírus, vírus da dengue, vírus Zika e vírus
do Nilo Ocidental. A detecção de anticorpos IgM específicos ou elevação de
quatro vezes nos anticorpos IgG costumam permitir o diagnóstico, mas a reação
em cadeia da polimerase (PCR) está gradualmente substituindo os exames
sorológicos. Ocasionalmente, a farmacodermia maculopapular é o reflexo de
uma infecção viral subjacente. Por exemplo, cerca de 95% dos pacientes com
mononucleose infecciosa tratados com ampicilina desenvolvem exantema.
É importante salientar que, no início da evolução das infecções por
Rickettsia e meningococos e antes do aparecimento de petéquias e púrpuras, as
lesões podem ser máculas e pápulas eritematosas. Esse também é o caso da
varicela antes do aparecimento de vesículas. As erupções maculopapulares estão
associadas à fase inicial da infecção pelo HIV, à sífilis secundária, à febre tifoide
e à doença do enxerto contra o hospedeiro aguda. Nesse último caso, as lesões
frequentemente começam nos dorsos das mãos e nos antebraços; as máculas
rosadas da febre tifoide envolvem principalmente a parte anterior do tronco.
O protótipo das erupções escarlatiniformes é a escarlatina e deve-se a uma
eritrotoxina produzida pelas infecções por estreptococos β-hemolíticos do grupo
A contendo bacteriófagos, mais comumente em casos de faringite. Essa erupção
caracteriza-se por eritema difuso que começa na região cervical e na parte
superior do tronco e por pontos foliculares vermelhos. Outras anormalidades
incluem língua em morango branca (revestimento branco com papilas
vermelhas) seguida de língua em morango vermelha (língua vermelha com
papilas vermelhas); petéquias no palato; rubor facial com palidez perioral;
petéquias lineares nas dobras dos antebraços; e descamação da pele afetada, das
palmas e das plantas 5 a 20 dias depois do início da erupção. Uma descamação
semelhante das palmas e das plantas ocorre com a síndrome do choque tóxico
(SCT), a doença de Kawasaki e depois de doenças febris graves. Certas cepas de
estafilococos também produzem uma eritrotoxina que provoca as mesmas
manifestações clínicas da escarlatina estreptocócica, exceto pelos títulos de
antiestreptolisina O ou anti-DNase B, que não aumentam nesses casos.
Na síndrome do choque tóxico, as infecções estafilocócicas (fagos do grupo
I) produzem uma exotoxina (TSCT-1) que provoca a febre e a erupção, e
também enterotoxinas. Inicialmente, a maioria dos casos era relatada nas
mulheres que usavam absorventes internos no período da menstruação. Contudo,
outros locais de infecção (como feridas e tamponamento nasal) podem acarretar
a SCT. O diagnóstico de SCT baseia-se em critérios clínicos (Cap. 142), e três
deles incluem lesões mucocutâneas (eritema difuso da pele, descamação das
palmas e das plantas dentro 1-2 semanas depois do início da doença e lesões das
mucosas). As lesões mucosas caracterizam-se por hiperemia da vagina, da
orofaringe ou das conjuntivas. Achados clínicos semelhantes foram descritos na
síndrome do choque tóxico estreptocócico (Cap. 143) e, embora o exantema seja
visto com menor frequência do que na SCT devido a uma infecção
estafilocócica, a infecção subjacente costuma se localizar em tecidos moles (p.
ex., celulite).
A erupção cutânea na doença de Kawasaki (Cap. 356) é polimorfa, mas as
duas formas mais comuns são morbiliforme e escarlatiniforme. Outras
anormalidades mucocutâneas são congestão conjuntival bilateral; eritema e
edema das mãos e dos pés seguidos de descamação; e eritema difuso da
orofaringe, língua em morango vermelha e lábios secos fissurados. Esse quadro
clínico pode assemelhar-se à SCT e à escarlatina, mas os indícios ao diagnóstico
da doença de Kawasaki são linfadenopatia cervical, queilite e trombocitose. A
manifestação sistêmica mais grave associada a essa doença são os aneurismas
coronarianos secundários à arterite. As erupções escarlatiniformes também são
encontradas na fase inicial da SPEE (ver “Vesículas/bolhas”, anteriormente) em
adultos jovens com infecção por Arcanobacterium haemolyticum e nas reações
aos fármacos.
URTICÁRIA
(Tab. 54-14) A urticária caracteriza-se por lesões transitórias compostas de um
vergão central circundado por um halo eritematoso. As lesões individuais são
redondas, ovais ou figuradas e frequentemente pruriginosas. As urticárias aguda
e crônica têm grande variedade de etiologias alérgicas e são decorrentes do
edema na derme. Lesões urticariformes também são encontradas nos pacientes
com mastocitose (urticária pigmentosa), hipotireoidismo ou hipertireoidismo,
síndrome de Schnitzler e artrite idiopática juvenil de início sistêmico (doença de
Still). Nas formas juvenil e adulta da doença de Still, as lesões coincidem com o
pico febril, são transitórias e secundárias à infiltração dérmica por neutrófilos.
linfoproliferativo ou causado por fármacos, por exemplo, inibidores da enzima conversora da angiotensina (ECA).
LESÕES BRANCAS
Na calcinose cutânea, ocorrem pápulas firmes brancas ou branco-amareladas de
superfície irregular. Quando o conteúdo é espremido, observa-se um material
branco-giz. A calcificação distrófica é encontrada nos locais de inflamação ou
em lesão prévia da pele. Isso ocorre nas cicatrizes da acne e também nas
extremidades distais dos pacientes com esclerodermia, e no tecido subcutâneo,
bem como nos planos fasciais intermusculares na DM. As lesões dessa última
doença são mais extensivas e encontradas com maior frequência nas crianças. A
elevação do produto fosfato × cálcio, mais comumente causada por
hiperparatireoidismo secundário associado à insuficiência renal, pode acarretar
os nódulos de calcinose cutânea metastática, que tendem a ser subcutâneos e
periarticulares. Esses pacientes também podem desenvolver calcificação das
artérias musculares e necrose isquêmica (calcifilaxia) subsequente. O osteoma
cutâneo, na forma de pequenas pápulas, ocorre mais comumente na face de
indivíduos com história de acne vulgar, enquanto as lesões planas ocorrem em
raras síndromes genéticas.
LESÕES ROSADAS
As lesões cutâneas associadas à amiloidose sistêmica primária geralmente são de
cor rosa ou rosa-alaranjada e translúcidas. As localizações frequentes são face
(especialmente nas regiões periorbital e perioral) e superfícies flexoras. A
biópsia mostra depósitos homogêneos de amiloide na derme e nas paredes dos
vasos sanguíneos, levando ao aumento da fragilidade da parede vascular. Em
consequência, petéquias e púrpura surgem na pele clinicamente normal e
também na pele lesada por traumatismo leve, daí o nome púrpura do beliscão.
Os depósitos de amiloide também são encontrados no músculo estriado da
língua, causando macroglossia.
Mesmo que lesões mucocutâneas específicas estejam presentes apenas em
cerca de 30% dos pacientes com amiloidose (AL) sistêmica primária, o
diagnóstico pode ser feito por meio do exame histológico da gordura subcutânea
abdominal em conjunto com exame sérico para cadeias leves livres. Com a
utilização de corantes especiais, os depósitos de amiloide são detectados ao redor
dos vasos sanguíneos ou dos adipócitos isolados em até 40 a 50% dos pacientes.
Também existem três formas de amiloidose limitadas à pele, que não devem ser
consideradas lesões cutâneas da amiloidose sistêmica. Esses distúrbios são
amiloidose macular (na parte superior do dorso), amiloidose liquenoide
(geralmente nos membros inferiores) e amiloidose nodular. Nas amiloidoses
macular e liquenoide, os depósitos são constituídos de queratina epidérmica
alterada. As amiloidoses macular e liquenoide de início precoce foram
associadas à síndrome da NEM tipo 2a.
Os pacientes com retículo-histiocitose multicêntrica também apresentam
pápulas e nódulos de cor rosada na face e nas mucosas e também na superfície
extensora das mãos e dos antebraços. Esses pacientes desenvolvem poliartrite
que pode simular clinicamente a artrite reumatoide. Ao exame histopatológico,
as pápulas apresentam células gigantes características, que não são encontradas
nas biópsias dos nódulos reumatoides. Pápulas de coloração rósea ou cor da pele,
de consistência firme, com 2 a 5 mm de diâmetro e frequentemente distribuídas
em padrão linear ocorrem nos pacientes com mucinose papular. Essa doença
também é chamada de escleromixedema. Esse último nome origina-se da
induração rija da face e dos membros, que pode acompanhar a erupção papular.
As amostras da biópsia das pápulas apresentam depósito localizado de mucina, e
a eletroforese das proteínas séricas e a eletroforese de imunofixação mostram um
pico monoclonal de IgG geralmente com uma cadeia leve λ.
LESÕES AMARELAS
Vários distúrbios sistêmicos caracterizam-se por pápulas ou placas cutâneas de
cor amarela – hiperlipidemia (xantomas), gota (tofos), diabetes (necrobiose
lipoídica), pseudoxantoma elástico e síndrome de Muir-Torre (tumores
sebáceos). Os xantomas eruptivos são as formas mais comuns de xantomas e
estão associados à hipertrigliceridemia (principalmente hiperlipoproteinemias
tipos I, IV e V). Grupos de pápulas amarelas com halo eritematoso ocorrem
principalmente nas superfícies extensoras dos membros e das nádegas e
desaparecem espontaneamente quando os triglicerídeos séricos diminuem. Os
tipos II e III resultam em um ou mais dos seguintes tipos de xantoma:
xantelasma, xantomas tendíneos e xantomas planos. Os xantelasmas são
encontrados nas pálpebras, enquanto os xantomas tendíneos estão
frequentemente associados ao tendão do calcâneo e aos tendões extensores dos
dedos; os xantomas planos são achatados e ocorrem mais frequentemente nas
pregas palmares e em pregas de flexão. Com frequência, os xantomas tuberosos
estão associados à hipercolesterolemia; porém, eles são também encontrados na
hipertrigliceridemia e com maior frequência nas grandes articulações ou nas
mãos. As amostras de biópsia de xantomas mostram coleções de macrófagos
contendo lipídeos (células espumosas).
Os pacientes portadores de vários distúrbios, incluindo cirrose biliar, podem
apresentar uma forma secundária de hiperlipidemia com xantomas tuberosos e
planos associados. Contudo, os pacientes com discrasias plasmocitárias
apresentam xantomas planos normolipêmicos. Essa última forma de xantoma
pode alcançar ≥ 12 cm de diâmetro e é encontrada com maior frequência na
região cervical, na parte superior do tronco e em pregas cutâneas flexoras. É
importante salientar que o contexto mais frequente para os xantomas eruptivos é
o diabetes melito não controlado. O sinal menos específico para hiperlipidemia é
o xantelasma, porque pelo menos 50% dos pacientes com essa lesão apresentam
perfis lipídicos normais.
Na gota tofácea, ocorrem depósitos de urato monossódico na pele, ao redor
das articulações, particularmente das mãos e dos pés. Outros locais de formação
de tofos são as hélices das orelhas e as bolsas olecraniana e pré-patelar. As lesões
são firmes, amarelas ou amarelo-esbranquiçadas e ocasionalmente secretam
material semelhante ao giz. Seu tamanho varia de 1 mm a 7 cm, e o diagnóstico
pode ser estabelecido por meio da microscopia óptica polarizada do conteúdo
aspirado de um tofo. As lesões da necrobiose lipóidica são encontradas
principalmente na região tibial anterior (90%), e os pacientes podem ter diabetes
melito ou desenvolver essa doença mais tarde. Os achados típicos incluem
coloração central amarela, atrofia (transparência), telangiectasias e borda
vermelha ou castanho-avermelhada. Ulcerações também podem se desenvolver
no interior das placas. As amostras das biópsias mostram necrobiose do colágeno
e inflamação granulomatosa.
No pseudoxantoma elástico (PXE), causado por mutações do gene ABCC6,
há deposição anormal de cálcio nas fibras elásticas da pele, nos olhos e nos
vasos sanguíneos. Na pele, as superfícies flexoras, como a região cervical, as
axilas, as dobras dos antebraços e a região inguinal, são os primeiros locais
afetados. As pápulas amarelas coalescem, formando placas reticuladas
semelhantes à pele de frango depenado. Na pele acometida de forma intensa,
surgem pregas redundantes e pendentes. As amostras de biópsia da pele
comprometida mostram fibras elásticas acumuladas de modo irregular e
intumescidas com depósitos de cálcio. No olho, os depósitos de cálcio na
membrana de Bruch provocam estrias angioides e coroidite; nas artérias do
coração, dos rins, do trato gastrintestinal e dos membros, os depósitos provocam
angina, hipertensão, hemorragia digestiva e claudicação respectivamente.
Os tumores anexiais que se diferenciaram em glândulas sebáceas incluem o
adenoma sebáceo, o carcinoma sebáceo e a hiperplasia sebácea. Exceto pela
última, que é comumente encontrada na face, esses tumores são muito raros. Os
pacientes com síndrome de Muir-Torre apresentam um ou mais adenomas
sebáceos e também podem desenvolver carcinomas sebáceos e hiperplasia
sebácea, além de ceratoacantomas. As manifestações internas da síndrome de
Muir-Torre incluem carcinomas múltiplos do trato gastrintestinal (principalmente
do intestino grosso), bem como cânceres do trato geniturinário.
LESÕES VERMELHAS
As lesões cutâneas de cor vermelha apresentam uma grande variedade de
etiologias; na tentativa de simplificar sua identificação, essas lesões são
subdivididas em pápulas, pápulas/placas e nódulos subcutâneos. As pápulas
vermelhas comuns incluem picadas de artrópodes e hemangiomas rubis; esses
últimos são pápulas pequenas, cupuliformes e vermelho-vivas que representam
proliferação benigna dos capilares. Nos pacientes com Aids (Cap. 197), o
desenvolvimento de várias lesões vermelhas semelhantes aos hemangiomas
sugere angiomatose bacilar, e as amostras de biópsia mostram aglomerados de
bacilos, que se coram positivamente com o corante de Warthin-Starry; os
patógenos foram identificados como Bartonella henselae e Bartonella quintana.
A doença visceral disseminada é encontrada principalmente nos hospedeiros
imunossuprimidos, mas pode ocorrer em pacientes imunocompetentes.
Os angioceratomas múltiplos são encontrados na doença de Fabry, um
distúrbio recessivo do armazenamento lisossômico ligado ao cromossomo X,
causado pela deficiência de α-galactosidase A. As lesões são vermelhas ou azul-
avermelhadas, podem ser muito pequenas (1-3 mm) e são encontradas mais
frequentemente na parte inferior do tronco. As anormalidades associadas
incluem insuficiência renal crônica, neuropatia periférica e opacidades da córnea
(córnea verticilada). As fotografias de microscopia eletrônica dos
angioceratomas e da pele clinicamente normal mostram depósitos lipídicos
lamelares nos fibroblastos, nos pericitos e nas células endoteliais, que são
diagnósticos dessa doença. As erupções agudas disseminadas com pápulas
eritematosas estão descritas na seção de exantemas.
Existem várias doenças infecciosas que se manifestam com pápulas ou
nódulos eritematosos em um padrão linfocutâneo ou esporotricoide, ou seja,
disposição linear ao longo dos canais linfáticos. As duas etiologias mais comuns
são as infecções causadas por Sporothrix schenckii (esporotricose) e a
micobactéria atípica Mycobacterium marinum. Os microrganismos são
introduzidos em consequência de traumatismo, e o local de inoculação primária
é frequentemente visualizado, além dos nódulos linfáticos. Mais causas incluem
Nocardia, Leishmania, outras micobactérias atípicas e outros fungos dimórficos;
a cultura ou PCR do tecido lesionado ajudam no diagnóstico.
As doenças que se caracterizam por placas eritematosas com descamação
estão revistas na seção sobre alterações papuloescamosas, e as diferentes formas
de dermatite estão descritas na seção sobre eritrodermia. Outros distúrbios a
serem levados em consideração no diagnóstico diferencial das pápulas/placas
vermelhas incluem celulite, erupção polimorfa à luz (EPL), hiperplasia linfoide
cutânea (linfocitoma cutâneo), lúpus cutâneo, linfoma cutâneo e leucemia
cutânea. As primeiras três doenças representam distúrbios cutâneos primários,
embora a celulite possa estar acompanhada por bacteremia. A EPL caracteriza-se
por pápulas e placas eritematosas distribuídas principalmente nas áreas expostas
ao sol – dorso da mão, face extensora do antebraço e parte superior do tronco.
As lesões ocorrem depois da exposição à UVB e/ou à UVA, e, nas latitudes
maiores, a EPL é mais grave no final da primavera e no início do verão. Um
processo denominado “tolerância” ocorre com a exposição contínua à UV e a
erupção desvanece, mas, nas regiões de clima temperado, ela recidiva na
primavera. A EPL deve ser diferenciada do lúpus cutâneo, e isso é conseguido
por observação da história natural, pelo exame histológico e, algumas vezes, pela
imunofluorescência direta das lesões. A hiperplasia linfoide cutânea
(pseudolinfoma) é uma proliferação policlonal benigna de linfócitos na pele, que
se manifesta com pápulas e placas infiltradas de cor vermelho-rósea ou roxo-
avermelhada; essa última doença deve ser diferenciada do linfoma cutâneo.
Diversos tipos de placas vermelhas são encontrados nos pacientes com
lúpus sistêmico, inclusive (1) placas urticariformes eritematosas nas regiões
malares e no nariz, que constituem a clássica erupção em asa de borboleta; (2)
lesões discoides eritematosas com descamação fina ou “tachas de tapete”,
telangiectasias, hipopigmentação central, hiperpigmentação periférica,
tamponamento folicular e atrofia localizada no couro cabeludo, na face, nas
orelhas, nos braços e na parte superior do tronco; e (3) lesões psoriasiformes ou
anulares do lúpus subagudo com centros hipopigmentados localizadas
principalmente nas superfícies extensoras dos braços e na parte superior do
tronco. Outras anormalidades cutâneas são (1) rubor violáceo na face e no V do
pescoço; (2) fotossensibilidade; (3) vasculite urticariforme (ver “Urticária”,
anteriormente); (4) paniculite lúpica (ver adiante); (5) alopécia difusa; (6)
alopécia secundária às lesões discoides; (7) telangiectasias e eritema cuticulares;
(8) lesões semelhantes ao EM ou NET que podem se tornar bolhosas; (9) úlceras
orais ou nasais; (10) livedo reticular; e (11) ulcerações distais secundárias ao
fenômeno de Raynaud, à vasculite ou à vasculopatia livedoide. Os pacientes que
apresentam apenas lesões discoides geralmente têm a forma de lúpus limitada à
pele. Porém, até 10 a 15% desses pacientes por fim desenvolverão lúpus
sistêmico. A imunofluorescência direta da pele comprometida, especialmente das
lesões discoides, mostra depósitos de IgG ou IgM e C3 em distribuição granular
ao longo da junção dermoepidérmica.
No linfoma cutâneo, há proliferação clonal dos linfócitos malignos na pele,
e o aspecto clínico assemelha-se ao da hiperplasia linfoide cutânea – pápulas e
placas infiltradas de cor vermelho-rósea ou roxo-avermelhada. O linfoma
cutâneo pode acometer qualquer parte da superfície da pele, enquanto as
localizações mais frequentes dos linfocitomas são a crista malar, a ponta do nariz
e os lobos das orelhas. Os pacientes com linfomas não Hodgkin apresentam
lesões cutâneas específicas com maior frequência que os que têm a doença de
Hodgkin e, ocasionalmente, os nódulos cutâneos precedem ao desenvolvimento
de linfoma não Hodgkin extracutâneo ou representam o único local de
comprometimento (p. ex., linfoma de células B cutâneas primário). Em alguns
casos, encontram-se lesões arqueadas no linfoma e no linfocitoma cutâneos e
também no LCTC. A leucemia/linfoma de células T do adulto, que está
associada à infecção pelo HTLV-1, caracteriza-se por placas cutâneas,
hipercalcemia e linfócitos CD25+ circulantes. A leucemia cutânea apresenta o
mesmo aspecto do linfoma cutâneo, e as lesões específicas são encontradas mais
frequentemente nas leucemias monocíticas que nas leucemias linfocíticas ou
granulocíticas. Os cloromas cutâneos (sarcomas granulocíticos) podem preceder
ao aparecimento de blastos circulantes na leucemia mielocítica aguda e, assim,
representam uma forma de leucemia cutânea aleucêmica.
A síndrome de Sweet caracteriza-se por placas edematosas rosa-
avermelhadas ou castanho-avermelhadas geralmente dolorosas, que ocorrem
principalmente na cabeça, na região cervical e nos membros superiores. Os
pacientes também apresentam febre, neutrofilia e infiltrado dérmico denso de
neutrófilos nas lesões. Em cerca de 10% dos pacientes, há uma neoplasia
maligna associada, mais comumente leucemia mielocítica aguda. A síndrome de
Sweet também foi relatada em pacientes com doença inflamatória intestinal,
lúpus eritematoso sistêmico e tumores sólidos (principalmente do trato
geniturinário), mas também foi associada a alguns fármacos (p. ex., ácido all-
trans-retinoico, fator estimulador das colônias de granulócitos [G-CSF]). O
diagnóstico diferencial inclui hidradenite écrina neutrofílica; formas bolhosas do
pioderma gangrenoso; e, ocasionalmente, celulite. Os locais extracutâneos de
comprometimento incluem articulações, músculos, olhos, rins (proteinúria, às
vezes glomerulonefrite) e pulmões (infiltrados neutrofílicos). A forma idiopática
da síndrome de Sweet é encontrada com maior frequência nas mulheres após
uma infecção do trato respiratório.
As causas frequentes de nódulos subcutâneos eritematosos incluem cistos
de inclusão epidérmicos inflamados, cistos da acne e furúnculos. A paniculite,
uma inflamação do tecido adiposo, também se manifesta com nódulos
subcutâneos e comumente é um sinal de doença sistêmica. Existem diversas
formas de paniculite, como o eritema nodoso, o eritema endurado/vasculite
nodular, a paniculite lúpica, a lipodermatosclerose, a deficiência de α1-
antitripsina, úlceras factícias e adiponecrose secundária à doença pancreática.
Exceto pelo eritema nodoso, essas lesões podem romper-se e ulcerar ou regredir,
formando uma cicatriz. A superfície tibial anterior é a localização mais comum
dos nódulos do eritema nodoso, enquanto a panturrilha é o local mais comum
das lesões do eritema indurado. No eritema nodoso, os nódulos inicialmente são
vermelhos, mas depois adquirem uma coloração azul à medida que melhoram.
Os pacientes que têm eritema nodoso, mas não apresentam doença sistêmica
subjacente, podem ainda apresentar febre, mal-estar, leucocitose, artralgias e/ou
artrite. Contudo, a possibilidade de uma doença subjacente sempre deverá ser
excluída, e as associações mais comuns são infecções estreptocócicas, infecções
virais do trato respiratório superior, sarcoidose e doença inflamatória intestinal,
além dos fármacos (anticoncepcionais orais, sulfonamidas, penicilinas,
brometos, iodetos e inibidores de BRAF). As associações menos frequentes são
com gastrenterites bacterianas (Yersinia, Salmonella) e coccidioidomicose,
seguidas de tuberculose, histoplasmose, brucelose e infecções por
Chlamydophila pneumoniae ou Chlamydia trachomatis, Mycoplasma
pneumoniae ou vírus da hepatite B.
O eritema indurado e a vasculite nodular têm manifestações clínicas e
histológicas semelhantes e ainda não está claro se representam duas doenças
diferentes ou as fases finais de um único distúrbio; em geral, a vasculite nodular
geralmente é idiopática, enquanto o eritema indurado está associado à presença
do DNA do Mycobacterium tuberculosis detectado dentro das lesões cutâneas
pela PCR. As lesões da paniculite lúpica são encontradas principalmente nas
regiões malares, nos braços e nas nádegas (locais de gordura abundante) e estão
associadas às formas cutânea e sistêmica do lúpus. A pele sobrejacente pode ser
normal, eritematosa ou mostrar as alterações do lúpus discoide. A necrose da
gordura subcutânea que está associada à doença pancreática é presumivelmente
secundária às lipases circulantes e é diagnosticada nos pacientes com carcinoma
pancreático e pancreatites aguda e crônica. Nesse distúrbio, pode haver artrite,
febre e inflamação da gordura visceral associadas. O exame histopatológico das
amostras de biópsia incisional profunda facilita o diagnóstico do tipo específico
de paniculite.
Nódulos eritematosos subcutâneos também são encontrados na poliarterite
nodosa cutânea e como manifestação das vasculites sistêmicas quando há
envolvimento de vasos de médio calibre (p. ex., poliarterite nodosa sistêmica,
granulomatose alérgica ou granulomatose eosinofílica com poliangeíte) (Cap. 35
6). A poliarterite nodosa cutânea apresenta-se com nódulos subcutâneos
dolorosos e úlceras com padrão reticulado roxo-avermelhado de livedo reticular.
Esse último padrão resulta do fluxo sanguíneo lento pelo plexo venoso
horizontal superficial. A maioria das lesões é encontrada no membro inferior e,
embora artralgias e mialgias possam acompanhar a poliarterite nodosa cutânea,
não há evidências de comprometimento sistêmico. Nas formas cutâneas e
sistêmicas de vasculite, as amostras de biópsias de pele dos nódulos associados
mostrarão as alterações características de uma vasculite necrosante e/ou
inflamação granulomatosa.
LESÕES CASTANHO-AVERMELHADAS
Nos casos clássicos, as lesões cutâneas da sarcoidose (Cap. 360) são vermelhas
ou castanho-avermelhadas e, por meio da diascopia (pressão com uma lâmina de
vidro), observa-se coloração residual castanho-amarelada secundária ao
infiltrado granulomatoso. Pápulas e placas céreas podem ser encontradas em
qualquer ponto da pele, mas a face é a localização mais comum. Em geral, não
há alterações superficiais, mas pode haver descamação das lesões. As amostras
de biópsia das pápulas exibem o granuloma “nu” na derme, ou seja, granulomas
circundados por um número mínimo de linfócitos. Outras anormalidades
cutâneas da sarcoidose são lesões anulares com centro atrófico ou escamoso,
pápulas no interior das cicatrizes, pápulas e placas hipopigmentadas, alopécia,
ictiose adquirida, eritema nodoso e lúpus pérnio (ver adiante).
O diagnóstico diferencial da sarcoidose inclui granulomas de corpo
estranho produzidos por substâncias químicas como berílio e zircônio; sífilis
secundária tardia; e lúpus vulgar. Essa última doença é uma forma de
tuberculose cutânea observada nos indivíduos previamente infectados e
sensibilizados. Em geral, o paciente também tem tuberculose ativa em qualquer
outro órgão, geralmente nos pulmões ou nos linfonodos. As lesões ocorrem
principalmente na região cervical e da cabeça e são placas castanho-
avermelhadas de coloração castanho-amarelada à diascopia. Pode haver fibrose
secundária dentro da porção central das placas. As culturas ou análise por PCR
das lesões devem ser realizadas, junto com um ensaio com liberação de γ-
interferona em sangue periférico, porque a coloração para bacilos álcool-ácido-
resistentes raramente apresenta esses microrganismos nos granulomas dérmicos.
A distribuição generalizada de máculas e pápulas castanho-avermelhadas
são observadas na forma de mastocitose conhecida como urticária pigmentosa (
Cap. 347). Cada lesão representa uma coleção de mastócitos na derme com
hiperpigmentação da epiderme sobrejacente. Estímulos como a fricção induzem
a degranulação desses mastócitos, o que desencadeia a formação de urticária
localizada (sinal de Darier). Outros sintomas podem resultar da degranulação
dos mastócitos e incluem cefaleia, rubor, diarreia e prurido. Os mastócitos
também infiltram vários órgãos como fígado, baço e trato gastrintestinal, e os
acúmulos dos mastócitos nos ossos podem revelar lesões osteoscleróticas ou
osteolíticas nas radiografias. No entanto, na maioria desses pacientes o
acometimento interno permanece indolente. Um subtipo de vasculite crônica dos
pequenos vasos, o eritema elevatum diutinum (EED), também se apresenta com
pápulas castanho-avermelhadas. As pápulas coalescem e formam placas nas
superfícies extensoras dos joelhos, dos cotovelos e das pequenas articulações das
mãos. As exacerbações do EED foram associadas a infecções estreptocócicas.
LESÕES AZULADAS
As lesões azuladas originam-se de ectasias, hiperplasias e tumores vasculares, ou
do pigmento melânico na derme. Os lagos venosos (dilatações) são lesões azul-
escuro compressíveis encontradas com frequência na região cervical e da cabeça.
As malformações venosas também são lesões papulonodulares e placas azuis
compressíveis, que podem ocorrer em qualquer região do corpo, incluindo a
mucosa oral. Quando há várias lesões papulonodulares em vez de lesões
congênitas únicas, o paciente pode apresentar a síndrome blue rubber bleb ou a
síndrome de Mafucci. Os pacientes com a síndrome blue rubber bleb também
apresentam anomalias vasculares do trato gastrintestinal que podem sangrar,
enquanto os pacientes com síndrome de Mafucci apresentam osteocondromas
associados. Os nevos azuis (sinais) são encontrados quando existem grupos de
células névicas que produzem pigmento na derme. Essas lesões papulares
benignas são cupuliformes e ocorrem mais comumente no dorso da mão ou do
pé ou na região cervical e da cabeça.
LESÕES VIOLÁCEAS
As pápulas e as placas violáceas são encontradas no lúpus pérnio, no linfoma
cutâneo e no lúpus cutâneo. O lúpus pérnio é um tipo especial de sarcoidose que
envolve a ponta e a borda do nariz e os lobos das orelhas, com lesões violáceas
em vez de castanho-avermelhadas. Essa forma de sarcoidose está associada ao
comprometimento do trato respiratório superior. As placas do linfoma cutâneo e
do lúpus cutâneo podem ser vermelhas ou violáceas e foram descritas
anteriormente.
LESÕES PURPÚRICAS
Pápulas e placas de cor púrpura são vistas em tumores vasculares, como o
sarcoma de Kaposi (Cap. 197) e angiossarcomas, e quando há extravasamento
de hemácias para a pele em associação com inflamação, como na púrpura
palpável (ver “Púrpura”, adiante). Os pacientes com fístulas AVs congênitas ou
adquiridas e hipertensão venosa podem ter pápulas roxas nos membros
inferiores, que se assemelham clínica e histologicamente ao sarcoma de Kaposi;
essa condição é denominada pseudossarcoma de Kaposi (angiodermatite acral).
O angiossarcoma é encontrado com maior frequência no couro cabeludo e na
face dos pacientes idosos ou nas áreas de linfedema crônico e apresenta-se com
pápulas e placas roxas. Na região cervical e da cabeça, o tumor muitas vezes se
estende além das margens clinicamente definidas e pode estar acompanhado de
edema facial.
METÁSTASES CUTÂNEAS
Essas lesões estão descritas por último porque podem apresentar uma ampla
variedade de cores. Na maioria dos casos, as metástases evidenciam-se por
nódulos subcutâneos firmes cor da pele ou por lesões papulonodulares firmes, de
cor vermelha ou castanho-avermelhada, enquanto o melanoma metastático pode
ter cor rosa, azul ou preta. As metástases cutâneas desenvolvem-se por
disseminação hematogênica ou linfática e provêm, com maior frequência, dos
seguintes carcinomas primários: nos homens, melanoma, orofaringe, pulmão e
intestino grosso; nas mulheres, mama, melanoma e ovário. Essas lesões
metastáticas podem ser as primeiras manifestações clínicas do carcinoma,
especialmente quando a lesão primária encontra-se no pulmão.
PÚRPURA
(Tab. 54-16) As púrpuras são vistas quando ocorre extravasamento dos
eritrócitos para a derme e, como consequência, as lesões não empalidecem à
compressão. Esse aspecto contrasta com as lesões eritematosas ou roxas
provocadas por vasodilatação localizada – estas empalidecem sob pressão. A
púrpura (≥ 3 mm) e as petéquias (≤ 2 mm) podem ser divididas em dois grupos
principais: palpáveis e impalpáveis. As causas mais frequentes de petéquias e
púrpuras impalpáveis são distúrbios cutâneos primários como traumatismo,
púrpura solar (actínica) e capilarite. As causas menos comuns são púrpura
secundária aos corticoides e vasculopatia livedoide (ver “Úlceras”, adiante). A
púrpura solar é diagnosticada principalmente nas superfícies extensoras dos
antebraços, enquanto a púrpura secundária aos glicocorticoides tópicos potentes
ou à síndrome de Cushing endógena ou exógena pode apresentar uma
disseminação mais ampla. Nos dois casos, existe alteração do tecido conectivo
de sustentação que circunda os vasos sanguíneos dérmicos. Por outro lado, as
petéquias resultantes da capilarite são encontradas principalmente nos membros
inferiores. Na capilarite, ocorre extravasamento de eritrócitos em consequência
de inflamação linfocítica perivascular. As petéquias são de cor vermelho-
brilhante, medem de 1 a 2 mm de tamanho e estão dispersas em máculas
castanho-amareladas. A cor castanho-amarelada é causada pelos depósitos de
hemossiderina na derme.
Leiden, deficiência/disfunção de proteína C, síndrome antifosfolipídeo. cRevisada na seção sobre Púrpuras. dRevisada na seção sobre Lesões
cutâneas papulonodulares. eAcomete preferencialmente a superfície plantar do pé. fSinal de imunossupressão.
Siglas: HIV, vírus da imunodeficiência humana; NET, necrólise epidérmica tóxica.
LEITURAS ADICIONAIS
Bolognia JL, Schaffer JV, Cerroni L (eds): Dermatology, 4th ed. Philadelphia,
Elsevier, 2018.
Callen JP et al (eds): Dermatological Signs of Systemic Disease, 5th ed.
Edinburgh, Elsevier, 2017.
Rigopoulos D, Larios G, Katsambas A: Skin signs of systemic diseases. Clin
Dermatol 29:531, 2011.
Taylor SC et al (eds): Taylor and Kelly’s Dermatology for Skin of Color, 2nd ed.
New York, McGraw-Hill, 2016.
Thiers BH, Sahn RE, Callen JP: Cutaneous manifestations of internal
malignancy. CA: Cancer J Clin 59:73, 2009.
Pênfigo vulgar Bolhas flácidas, pele desnuda, Bolha acantolítica Depósitos de IgG na Dsg3 (mais Dsg1 em
lesões na mucosa oral formada na camada superfície celular dos pacientes com
suprabasal da ceratinócitos envolvimento
epiderme cutâneo)
Pênfigo Crostas e erosões rasas no couro Bolha acantolítica Depósitos de IgG na Dsg1
foliáceo cabeludo, região central da face, formada na camada superfície celular dos
região superior do tórax e costas superficial da ceratinócitos
epiderme
Pênfigo Estomatite dolorosa com erupções Acantólise, necrose Depósitos de IgG e C3 na Membros da família
paraneoplásico papuloescamosas ou liquenoides de ceratinócito e superfície celular dos da proteína plaquina
que podem progredir para bolhas dermatite da interface ceratinócitos e e caderinas
vacuolar imunorreagentes desmossômicas (ver
(variavelmente) semelhantes texto para detalhes)
na ZMB epidérmica
Penfigoide Bolhas grandes tensas nas Bolha subepidérmica Faixa linear de IgG e/ou C3 AgPB1, AgPB2
bolhoso superfícies flexoras e tronco com infiltrados ricos na ZMB epidérmica
em eosinófilos
Penfigoide Placas urticariformes, pruriginosas, Bolhas Faixa linear de C3 na ZMB AgPB2 (mais AgPB1
gestacional margeadas por vesículas e bolhas subepidérmicas em epidérmica em alguns pacientes)
no tronco e nos membros forma de lágrima nas
papilas dérmicas;
infiltrado rico em
eosinófilos
Dermatite Pequenas pápulas extremamente Bolha subepidérmica Depósitos granulares de IgA Transglutaminase
herpetiforme pruriginosas e vesículas nos com neutrófilos nas nas papilas dérmicas epidérmica
cotovelos, joelhos, nádegas e nuca papilas dérmicas
Dermatose da Pequenas pápulas pruriginosas nas Bolha subepidérmica Faixa linear de IgA na ZMB AgPB2 (ver texto
IgA linear superfícies extensoras; com infiltrado rico epidérmica para detalhes
ocasionalmente, bolhas maiores em neutrófilos específicos)
arciformes
Epidermólise Bolhas, erosões, cicatrizes e milia Bolha subepidérmica Faixa linear de IgG e/ou C3 Colágeno tipo VII
bolhosa nos locais expostos a traumatismos; que pode ou não na ZMB epidérmica
adquirida bolhas tensas, inflamatórias e incluir um infiltrado
disseminadas podem ser leucocitário
observadas inicialmente
Penfigoide da Lesões erosivas e/ou bolhosas de Bolha subepidérmica Faixa linear de IgG, IgA e/ou AgPB2, laminina
membrana membranas mucosas e que pode ou não C3 na ZMB epidérmica 332 ou outros
mucosa possivelmente da pele; formação de incluir um infiltrado
cicatriz em alguns locais leucocítico
aAutoantígenos ligados pelos autoanticorpos desses pacientes são definidos como se segue: Dsg1, desmogleína 1; Dsg3, desmogleína 3;
PÊNFIGO FOLIÁCEO
O pênfigo foliáceo (PF) é diferente do PV em vários aspectos. No PF, as bolhas
acantolíticas localizam-se na porção mais alta da epiderme, geralmente logo
abaixo do estrato córneo. Assim, o PF é uma doença bolhosa mais superficial
que o PV. A distribuição das lesões nos dois distúrbios é bem semelhante, exceto
que, no PF, as mucosas quase sempre são poupadas. Os pacientes com PF
raramente apresentam bolhas intactas, exibindo, em vez disso, erosões
superficiais associadas a eritema, descamação e formação de crostas. Os casos
leves de PF podem se assemelhar à dermatite seborreica grave; o PF grave pode
provocar esfoliação extensa. A exposição ao sol (radiação ultravioleta – UV)
pode ser um fator agravante.
O PF tem características imunopatológicas em comum com o PV.
Especificamente, a microscopia de imunofluorescência direta da pele
perilesional demonstra a presença de IgG na superfície dos ceratinócitos. De
maneira semelhante, os pacientes com PF têm autoanticorpos IgG circulantes
contra a superfície dos ceratinócitos. No PF, os autoanticorpos são dirigidos
contra a Dsg1, uma caderina desmossômica de 160 kDa. Esses autoanticorpos
podem ser quantificados por ELISA. Como observado no PV, o perfil de
autoanticorpos dos pacientes com PF (i.e., IgG anti-Dsg1) e a distribuição
tecidual desse autoantígeno (i.e., expressão na mucosa oral compensada pela
coexpressão de Dsg3) parecem ser responsáveis pela distribuição das lesões
nessa doença.
Formas endêmicas do PF são encontradas em áreas rurais do centro-sul do
Brasil, onde a doença é conhecida como fogo selvagem (FS), bem como em
alguns outros locais da América Latina e Tunísia. O PF endêmico, como outras
formas dessa doença, é mediado por autoanticorpos IgG contra Dsg1.
Aglomerados de casos de FS se sobrepõem àqueles de leishmaniose, uma doença
transmitida por picada do mosquito Lutzomyia longipalis. Estudos recentes
mostraram que antígenos salivares do mosquito (especificamente a proteína
salivar LJM11) são reconhecidos por autoanticorpos IgG de pacientes com FS
(bem como por anticorpos monoclonais contra Dsg1 derivada desses pacientes).
Além disso, camundongos imunizados com LJM11 produzem anticorpos contra
Dsg1. Assim, esses achados sugerem que as picadas de insetos podem liberar
antígenos salivares que iniciam uma resposta imune humoral cruzada, o que
pode causar o FS em pessoas geneticamente suscetíveis.
Embora o pênfigo tenha sido associado a doenças autoimunes graves, sua
associação ao timoma e/ou à miastenia gravis destaca-se particularmente. Até
hoje, relataram-se > 30 casos de timoma e/ou miastenia gravis associados ao
pênfigo, geralmente com o PF. Os pacientes também podem desenvolver pênfigo
em consequência da exposição a medicamentos; o pênfigo medicamentoso
costuma se assemelhar ao PF em vez de ao PV. Os fármacos que contêm um
grupo tiol em sua estrutura química (p. ex., penicilamina, captopril, enalapril)
são mais comumente associados ao pênfigo induzido por fármaco. Os fármacos
não tiol ligados ao pênfigo incluem as penicilinas, cefalosporinas e piroxicam.
Alguns casos de pênfigo medicamentoso são duradouros, requerendo tratamento
com glicocorticoides sistêmicos e/ou imunossupressores.
O PF costuma ser uma doença menos grave que o PV, apresentando melhor
prognóstico. A doença localizada pode, algumas vezes, ser tratada com
glicocorticoide tópico ou intralesional; os casos mais ativos em geral podem ser
controlados com glicocorticoides sistêmicos isoladamente ou em combinação
com outros agentes imunossupressivos. Os pacientes com doença grave,
resistente ao tratamento, podem requerer intervenções mais agressivas, como
descrito anteriormente para os pacientes com PV grave.
PÊNFIGO PARANEOPLÁSICO
O pênfigo paraneoplásico (PPN) é uma doença acantolítica mucocutânea
autoimune associada à neoplasia oculta ou confirmada. Os pacientes com PPN
geralmente apresentam estomatite dolorosa associada a erupções
papuloescamosas e/ou liquenoides que muitas vezes evoluem para bolhas. O
acometimento palmoplantar é comum nesses pacientes e levanta a possibilidade
de que os relatos anteriores de eritema polimorfo associado a neoplasias
indiquem na realidade casos não identificados de PPN. As biópsias da pele
lesionada desses pacientes mostram combinações variadas de acantólise, necrose
dos ceratinócitos e dermatite de interface vacuolar. A microscopia de
imunofluorescência direta da pele dos pacientes mostra depósitos de IgG e
complemento na superfície dos ceratinócitos, bem como imunorreagentes
(variavelmente) semelhantes na zona da membrana basal epidérmica. Os
pacientes com PPN têm autoanticorpos IgG contra as proteínas citoplasmáticas
da família das plaquinas (p. ex., desmoplaquinas I e II, antígeno do penfigoide
bolhoso [AgPB] 1, envoplaquina, periplaquina e plectina), além de proteínas das
superfícies celulares da família das caderinas (p. ex., Dsg1 e Dsg3). Os estudos
de transferência passiva mostraram que os autoanticorpos dos pacientes com
PPN são patogênicos em modelos animais.
As neoplasias predominantemente associadas ao PPN são o linfoma não
Hodgkin, a leucemia linfocítica crônica, o timoma, os tumores das células
fusiformes, a macroglobulinemia de Waldenström e a doença de Castleman; a
última neoplasia citada é particularmente comum em crianças com PPN. Foram
relatados casos raros de PPN soronegativo em pacientes com neoplasias
malignas de célula B previamente tratados com rituximabe. Além das lesões
cutâneas graves, muitos pacientes com PPN desenvolvem bronquiolite
obliterante potencialmente fatal. A PPN geralmente é resistente a terapias
convencionais (i.e., as usadas para tratar o PV); raramente, a doença pode
melhorar (ou mesmo sofrer remissão) após ablação ou remoção das neoplasias
subjacentes.
PENFIGOIDE BOLHOSO
O penfigoide bolhoso (PB) é uma doença bolhosa autoimune subepidérmica
polimórfica, geralmente observada em idosos. As lesões iniciais podem consistir
em placas urticariformes; em seguida, a maioria dos pacientes apresenta bolhas
tensas sobre a pele normal ou eritematosa (Fig. 55-2). Em geral, as lesões se
distribuem na região inferior do abdome, nas regiões inguinais e na face flexora
dos membros; são encontradas lesões na mucosa oral em alguns pacientes. O
prurido pode ser inexistente ou intenso. À medida que as lesões evoluem, as
bolhas tensas tendem a romper-se e ser substituídas por erosões com ou sem
sobreposição de crostas. As bolhas que não sofreram traumatismos desaparecem
sem deixar cicatrizes. O alelo HLA-DQβ1*0301 da classe II do complexo
principal de histocompatibilidade é prevalente nos pacientes com PB. Apesar de
relatos isolados, diversos estudos demonstraram que os pacientes com PB não
apresentam maior incidência de câncer em comparação com controles
adequadamente pareados para idade e sexo.
FIGURA 55-2 Penfigoide bolhoso com vesículas tensas e bolhas sobre bases eritematosas, urticariformes.
(Cortesia de Yale Resident’s Slide Collection; com permissão.)
PENFIGOIDE GESTACIONAL
O penfigoide gestacional (PG), também conhecido como herpes gestacional, é
uma doença bolhosa rara, subepidérmica, não virótica, da gestação e do
puerpério. Pode surgir em qualquer trimestre da gestação ou logo após o parto.
As lesões em geral se distribuem pelo abdome, tronco e membros; lesões de
mucosas são raras. As lesões cutâneas nessas pacientes podem ser bem
polimorfas, consistindo em pápulas e placas eritematosas urticariformes,
vesicopápulas e/ou bolhas francas. As lesões são quase sempre extremamente
pruriginosas. As exacerbações graves do PG frequentemente ocorrem após o
parto, geralmente dentro de 24 a 48 horas. O PG tende a recorrer em gestações
subsequentes, em geral começando mais cedo durante essas gestações. Breves
surtos da doença podem ocorrer no reinício das menstruações e desenvolver-se
nas pacientes posteriormente expostas a contraceptivos orais. Às vezes, os
recém-nascidos de mães acometidas têm lesões cutâneas transitórias.
As biópsias da pele das lesões incipientes mostram vesículas
subepidérmicas em forma de lágrima nas papilas dérmicas, associadas a
infiltrado leucocitário rico em eosinófilos. A diferenciação do PG de outras
doenças bolhosas subepidérmicas à microscopia óptica é difícil. Porém, a
microscopia com imunofluorescência direta da pele perilesional de pacientes
com PG revela a característica imunopatológica desse distúrbio: depósitos
lineares de C3 na membrana basal epidérmica. Esses depósitos se desenvolvem
em consequência da ativação do complemento produzida por títulos baixos de
autoanticorpos IgG contra a membrana basal dirigidos contra AgPB2, a mesma
proteína associada a hemidesmossomos que é alvo de autoanticorpos em
pacientes com PB – uma doença bolhosa subepidérmica que lembra
clinicamente, histologicamente e imunopatologicamente o PG.
Os objetivos do tratamento nos pacientes com PG são prevenir o
desenvolvimento de novas lesões, aliviar o prurido intenso e tratar as erosões nos
locais de formação de bolhas. Muitos pacientes requerem tratamento com doses
moderadas de glicocorticoides diários (i.e., 20-40 mg de prednisona) em algum
momento da evolução. Os casos leves (ou exacerbações breves) podem ser
controlados pelo uso intenso de potentes glicocorticoides tópicos. Os bebês de
mães com PG parecem estar sob risco aumentado de serem ligeiramente
prematuros ou pequenos para a idade gestacional. Evidências atuais sugerem que
não há diferença na incidência de nascidos vivos sem complicações entre as
pacientes com PG tratadas com glicocorticoides sistêmicos e as tratadas de modo
mais conservador. Se houver administração de glicocorticoides sistêmicos, os
recém-nascidos correm risco de desenvolver insuficiência suprarrenal reversível.
DERMATITE HERPETIFORME
A dermatite herpetiforme (DH) é uma doença cutânea papulovesicular
intensamente pruriginosa que se caracteriza por lesões de distribuição simétrica
nas faces extensoras (i.e., cotovelos, joelhos, região glútea, dorso, couro
cabeludo e nuca) (ver Fig. 52-8). As lesões primárias nesse distúrbio consistem
em pápulas, papulovesículas ou placas urticariformes. Como o prurido
predomina, os pacientes podem apresentar escoriações e pápulas crostosas, mas
sem lesões primárias visíveis. Os pacientes às vezes queixam-se de que seu
prurido tem um componente em queimação ou urticante diferente; o início
desses sintomas locais anuncia com segurança o desenvolvimento de lesões
clinicamente características em 12 a 24 horas. Quase todos os pacientes com DH
têm associação com enteropatia sensível ao glúten, geralmente subclínica (Cap.
318), e > 90% expressam os haplótipos HLA-B8/DRw3 e HLA-DQw2. A DH
pode surgir em qualquer idade, inclusive na infância; o início na segunda ou
quarta décadas de vida é mais comum. A doença costuma ser crônica.
A biópsia da pele das lesões incipientes revela infiltrados ricos em
neutrófilos nas papilas dérmicas. A presença de neutrófilos, fibrina, edema e
formação de microvesículas nesses locais é típica da doença inicial. As lesões
mais antigas podem apresentar características inespecíficas de bolha
subepidérmica ou pápula escoriada. Como as características clínicas e
histológicas dessa doença podem ser variadas e se assemelhar a outros distúrbios
bolhosos subepidérmicos, o diagnóstico é confirmado pela microscopia de
imunofluorescência direta da pele perilesional de aparência normal. Tais exames
evidenciam depósitos granulares de IgA (com ou sem componentes do
complemento) na derme papilar e ao longo da zona da membrana basal
epidérmica. Os depósitos de IgA na pele não são alterados pelo controle
medicamentoso da doença; no entanto esses imunorreagentes podem diminuir de
intensidade ou desaparecer nos pacientes mantidos durante muito tempo em uma
dieta rigorosa isenta de glúten (ver adiante). Os pacientes com DH têm depósitos
granulares de IgA na zona da membrana basal epidérmica, devendo ser
diferenciados daqueles com depósitos lineares de IgA nesse local (ver adiante).
Embora a maioria dos pacientes com DH não relate sintomas
gastrintestinais francos nem apresente evidências laboratoriais de má absorção,
as biópsias de intestino delgado geralmente revelam apagamento das vilosidades
intestinais e infiltrado linfocitário na lâmina própria. Como ocorre nos pacientes
com doença celíaca, tal anomalia gastrintestinal pode ser revertida por uma dieta
sem glúten. Além disso, a manutenção dessa dieta pode, sozinha, controlar a
doença cutânea e resultar na remoção dos depósitos de IgA na zona da
membrana basal epidérmica dos referidos pacientes. A exposição subsequente ao
glúten em tais pacientes altera a morfologia do intestino delgado, promove uma
exacerbação de doença cutânea e está associada ao ressurgimento de IgA na zona
da membrana basal epidérmica. Assim como em pacientes com doença celíaca, a
sensibilidade ao glúten alimentar em pacientes com DH está associada a
autoanticorpos IgA antiendomísio que visam à transglutaminase tecidual.
Estudos indicam que os pacientes com DH também possuem autoanticorpos IgA
de alta atividade contra a transglutaminase epidérmica 3, e que os últimos se
colocalizam com os depósitos granulares de IgA na derme papilar dos pacientes
com DH. Os pacientes com DH também têm maior incidência de anomalias da
tireoide, acloridria, gastrite atrófica e autoanticorpos contra as células parietais
gástricas. Essas associações provavelmente estão correlacionadas com a alta
frequência do haplótipo HLA-B8/DRw3 nesses pacientes, uma vez que tal
marcador geralmente está ligado às doenças autoimunes. A base do tratamento
da DH é a dapsona, uma sulfona. Os pacientes respondem rapidamente (entre 24
e 48 horas) à dapsona (50-200 mg/dia), mas requerem avaliação rigorosa pré-
tratamento e acompanhamento estreito, de modo a garantir a prevenção e o
controle das complicações. Todos os pacientes em uso de > 100 mg/dia de
dapsona irão apresentar algum grau de hemólise e metemoglobinemia, que são
efeitos colaterais esperados desse fármaco. A restrição do glúten pode controlar a
DH e diminuir as exigências decorrentes do uso de dapsona; a dieta deve excluir
completamente o glúten para obter benefício máximo. Podem ser necessários
vários meses de restrição alimentar antes de se alcançar um bom resultado. É
fundamental haver uma boa orientação alimentar por um nutricionista treinado.
LÚPUS ERITEMATOSO
As manifestações cutâneas do LE (Cap. 349) podem ser divididas em formas
agudas, subagudas e crônicas ou discoides. O LE cutâneo agudo caracteriza-se
por eritema no nariz e nas proeminências malares, com um aspecto em “asa de
borboleta” (Fig. 55-5A). O eritema muitas vezes é de início súbito,
acompanhado por edema e descamação fina, e correlacionado com o
acometimento sistêmico. Os pacientes podem apresentar acometimento
disseminado da face, assim como eritema e descamação nas faces extensoras dos
membros e da região superior do tórax (Fig. 55-5B). Essas lesões agudas, às
vezes passageiras, geralmente duram dias e, em muitos casos, estão associadas a
exacerbações da doença sistêmica. A biópsia cutânea de lesões agudas
tipicamente mostra degeneração hidrópica de ceratinócitos basais, edema
dérmico e (em alguns casos) um infiltrado esparso de células mononucleares na
derme superior, além de mucina dérmica. A microscopia de imunofluorescência
direta da pele lesionada frequentemente revela depósitos de imunoglobulina(s) e
complemento na zona da membrana basal epidérmica. O tratamento deve ser
voltado para o controle da doença sistêmica. A fotoproteção é muito importante
nessa doença e em outras formas de LE.
FIGURA 55-5 Lúpus eritematoso (LE) cutâneo agudo. A. LE cutâneo agudo na face que mostra eritema
malar proeminente, escamoso. O envolvimento de outros locais expostos ao sol também é comum. B. LE
cutâneo agudo na região superior do tórax que demonstra pápulas e placas eritematosas brilhantes e
ligeiramente edematosas. (B, cortesia de Robert Swerlick, MD; com permissão.)
ESCLERODERMIA E MORFEIA
As alterações cutâneas da esclerodermia (Cap. 353) geralmente surgem nas
mãos, dos pés, nos pés e na face, com episódios de edema recorrente sem cacifo.
A esclerose da pele começa na extremidade distal dos dedos (esclerodactilia) e se
propaga em direção proximal, geralmente acompanhada por reabsorção óssea
das pontas dos dedos das mãos, que podem apresentar úlceras em saca-bocado,
cicatrizes estreladas ou áreas de hemorragia (Fig. 55-7). Os dedos podem
realmente encolher e adquirir forma de salsicha, e as unhas, como não são
acometidas, podem se curvar sobre a extremidade dos dedos. Geralmente há
telangiectasia periungueal, mas o eritema periungueal é raro. Nos casos
avançados, os membros mostram contraturas e calcinose cutânea. O
acometimento da face inclui fronte lisa e sem rugas, pele retesada sobre o nariz,
encolhimento do tecido em volta da boca e sulcos radiais periorais (Fig. 55-8).
Muitas vezes, há telangiectasias estriadas, particularmente na face e nas mãos. A
pele acometida fica endurecida, lisa e aderida às estruturas subjacentes; muitas
vezes também há hiper e hipopigmentação. O fenômeno de Raynaud (palidez,
cianose e hiperemia reativa induzidas pelo frio) é documentado em quase todos
os pacientes e pode preceder, em muitos anos, o desenvolvimento da
esclerodermia. A esclerodermia linear é uma forma limitada de doença que se
apresenta em distribuição linear, semelhante a uma faixa, e tende a envolver
tanto as camadas cutâneas profundas como as superficiais. A associação de
calcinose cutânea, fenômeno de Raynaud, dismotilidade esofágica,
esclerodactilia e telangiectasia denomina-se síndrome CREST. Relataram-se
autoanticorpos anticentrômeros em um percentual muito alto de pacientes com a
síndrome CREST, mas em pequena minoria dos pacientes com esclerodermia. A
biópsia cutânea revela espessamento da derme, homogeneização dos feixes de
colágeno, atrofia de glândulas pilossebáceas e écrinas e um infiltrado
mononuclear esparso na derme e gordura subcutânea. A microscopia com
imunofluorescência direta da pele lesionada costuma ser negativa.
FIGURA 55-7 Esclerodermia mostrando esclerose acral e úlceras digitais focais.
FIGURA 55-8 A esclerodermia frequentemente resulta em desenvolvimento de fácies sem expressão,
semelhante a uma máscara.
LEITURAS ADICIONAIS
Bolognia JL et al (eds): Dermatology, 4th ed. Philadelphia, Elsevier, 2018.
Goldsmith LA et al (eds): Fitzpatrick’s Dermatology in General Medicine, 8th
ed. New York, McGraw-Hill, 2012.
Hammers CM, Stanley JR: Mechanisms of disease: Pemphigus and bullous
pemphigoid. Annu Rev Pathol 11:175, 2016.
Schmidt E, Zillikens D: Pemphigoid diseases. Lancet 381:320, 2013.
56
Farmacodermias
Robert G. Micheletti, Misha Rosenbach, Bruce U. Wintroub, Kanade
Shinkai
TABELA 56-1 ■ Classificação das reações medicamentosas adversas de acordo com a via imune
Tipo Via principal Mediadores imunes Tipo de reação medicamentosa adversa
principais
Fonte: Adaptada de Roujeau JC, Stern RS: Severe adverse cutaneous reactions to drugs. N Engl J Med 331:1272, 1994.
SENSIBILIDADE CRUZADA
Devido à possibilidade de sensibilidade cruzada entre fármacos quimicamente
relacionados, muitos médicos recomendam evitar não apenas o medicamento
que induziu a reação, mas também todos os fármacos da mesma classe
farmacológica.
Há dois tipos de sensibilidade cruzada. As reações que dependem de uma
interação farmacológica podem ocorrer com todos os fármacos que têm como
alvo a mesma via, sejam elas estruturalmente semelhantes ou não. Esse é o caso
do angioedema causado por AINEs e inibidores da ECA. Em tal situação, o risco
de recorrência varia de fármaco para fármaco em uma determinada classe;
entretanto, geralmente se recomenda evitar todos os fármacos dessa classe. O
reconhecimento imunológico de fármacos estruturalmente relacionados é o
segundo mecanismo pelo qual ocorre a sensibilidade cruzada. Um exemplo
clássico é a hipersensibilidade a antiepilépticos aromáticos (barbitúricos,
fenitoína, carbamazepina), com até 50% de reação a um segundo fármaco em
pacientes que reagiram a um. Para outros fármacos, dados in vitro e in vivo
sugeriram que a reatividade cruzada existe apenas entre compostos com
estruturas químicas muito semelhantes. Os linfócitos específicos de
sulfametoxazol podem ser ativados por outras sulfonamidas antibacterianas, mas
não os diuréticos, fármacos antidiabéticos ou AINEs anti-COX-2 com um grupo
sulfonamida. Aproximadamente 10% dos pacientes com alergias à penicilina
também irão desenvolver reações alérgicas a antibióticos da classe das
cefalosporinas.
Dados recentes sugerem que, embora o risco de desenvolver erupção
medicamentosa devido a outro fármaco seja aumentado em pessoas com reação
anterior, a “sensibilidade cruzada” provavelmente não é uma explicação. Como
exemplo, aqueles com história de reação alérgica à penicilina apresentam maior
risco de desenvolver uma reação às sulfonamidas antibacterianas do que às
cefalosporinas.
Esses dados sugerem que a lista de fármacos a serem evitados após a reação
medicamentosa deve ser limitada a um medicamento causador e a poucos outros
muito semelhantes.
Devido às crescentes evidências de que algumas reações cutâneas graves
aos fármacos estão associadas a genes HLA, recomenda-se que os membros da
família de primeiro grau dos pacientes com reações cutâneas graves também
evitem esses agentes causadores. Isso pode ser mais relevante para sulfonamidas
e antiepilépticos.
NOTIFICAÇÃO
Qualquer reação grave a fármacos deve ser relatada para uma agência reguladora
ou a empresas farmacêuticas. Pelo fato de reações graves serem demasiadamente
raras para serem detectadas nos experimentos clínicos pré-comercialização, os
relatos espontâneos são de importância crucial para a detecção precoce de
eventos ameaçadores da vida inesperados. Para ser útil, a notificação deve conter
detalhes suficientes para permitir que se determine a gravidade e a causalidade
do fármaco.
LEITURAS ADICIONAIS
Belum VR: Characterisation and management of dermatologic adverse events to
agents targeting the PD-1 receptor. Eur J Cancer 60:12, 2016.
Cornejo-Garcia JA et al: The genetics of drug hypersensitivity reactions. J
Investig Allergol Clin Immunol 26:222, 2016.
Creamer D et al: U.K. guidelines for the management of Stevens-Johnson
syndrome/toxic epidermal necrolysis in adults 2016. Br J Dermatol
174:1194, 2016.
Harp JL et al: Severe cutaneous adverse reactions: impact of immunology,
genetics, and pharmacology. Semin Cutan Med Surg 33:17, 2014.
Ko TM et al: Use of HLA-B*5801 genotyping to prevent allopurinol induced
severe cutaneous adverse reactions in Taiwan: National prospective cohort
study. BMJ 351:h4848, 2015.
Lacouture ME et al: Ipilimumab in patients with cancer and the management of
dermatologic adverse events. J Am Acad Dermatol 71:161, 2014.
Mayorga C et al: In vitro tests for drug hypersensitivity reactions: An
ENDA/EAACI Drug Allergy Interest Group position paper. Allergy
71:1103, 2016.
Oussalah A et al: Genetic variants associated with drug-induced immediate
hypersensitivity reactions: A PRISMA-compliant systematic review.
Allergy 71:443, 2016.
Petrelli F et al: Antibiotic prophylaxis for skin toxicity induced by antiepidermal
growth factor receptor agents: A systematic review and meta-analysis. Br J
Dermatol, 2016 ePub ahead of print. Accessed September 28, 2016.
Sassolas B et al: ALDEN, an algorithm for assessment of drug causality in
Stevens-Johnson syndrome and toxic epidermal necrolysis: Comparison
with case-control analysis. Clin Pharmacol Ther 88:60, 2010.
White KD et al: Evolving models of the immunopathogenesis of T cell-mediated
drug allergy: The role of host, pathogens, and drug response. J Allergy Clin
Immunol 136:219, 2015.
Wolverton SE: Practice gaps: Drug reactions. Dermatol Clin 34:311, 2016.
57
Fotossensibilidade e outras reações à luz
Alexander G. Marneros, David R. Bickers
RADIAÇÃO SOLAR
A luz solar é a mais visível e óbvia fonte de conforto no ambiente. O sol
proporciona os efeitos benéficos de calor e de síntese de vitamina D. Contudo, a
exposição aguda e crônica ao sol também tem consequências patológicas. A
exposição da pele à luz do sol é uma importante causa de câncer de pele em
humanos e também pode ter efeitos imunossupressores.
A energia solar que alcança a superfície da Terra está limitada aos
componentes do espectro ultravioleta (UV), do espectro visível e porções do
espectro infravermelho. O ponto de corte na extremidade curta do UV é de
aproximadamente 290 nm, basicamente devido ao ozônio estratosférico,
formado por radiação ionizante altamente energética, prevenindo a penetração na
superfície da Terra dos comprimentos de onda menores da radiação solar, mais
energéticos e potencialmente mais lesivos. De fato, a preocupação com a
destruição da camada de ozônio por clorofluorocarbonos liberados na atmosfera
levou à assinatura de acordos internacionais a fim de reduzir a produção dessas
substâncias químicas.
As medições do fluxo solar mostraram uma variação regional de 20 vezes
na quantidade de energia a 300 nm que alcança a superfície da Terra. Essa
variabilidade relaciona-se com efeitos sazonais; com o trajeto que a luz solar
percorre através do ozônio e do ar; e com a altitude (aumento de 4% para cada
300 metros de elevação), a latitude (crescente intensidade com a diminuição da
latitude) e a quantidade de cobertura de nuvens, nevoeiro e poluição.
Os principais componentes do espectro de ação fotobiológica capazes de
afetar a pele humana são o UV e os comprimentos de onda visíveis entre 290 e
700 nm. Além disso, os comprimentos de onda além de 700 nm no espectro
infravermelho basicamente emitem calor e, em certas circunstâncias, podem
exacerbar os efeitos patológicos da energia nos espectros UV e visível.
O espectro UV que alcança a Terra representa < 10% da energia solar
incidente total e divide-se arbitrariamente em dois segmentos principais: UVB e
UVA, constituindo os comprimentos de onda entre 290 e 400 nm. A radiação
UVB consiste em comprimentos de onda entre 290 e 320 nm. Essa parte do
espectro de ação fotobiológica é a mais eficiente na produção de vermelhidão ou
eritema na pele humana, e por isso algumas vezes é conhecida como “espectro
da queimadura solar”. A UVA inclui os comprimentos de onda entre 320 e 400
nm e é aproximadamente mil vezes menos eficiente na produção de vermelhidão
cutânea do que a UVB.
Os comprimentos de onda entre 400 e 700 nm são visíveis ao olho humano.
A energia de fótons no espectro visível não é capaz de lesionar a pele humana se
não houver uma substância química fotossensibilizante. Sem a absorção de
energia por uma molécula, não há fotossensibilidade. Assim, o espectro de
absorção de uma molécula é definido como a amplitude dos comprimentos de
onda absorvidos por ela, e o espectro de ação para um efeito de radiação
incidente é definido como a amplitude dos comprimentos de onda que suscitam a
resposta.
Ocorre fotossensibilidade quando uma substância química que absorve
fóton (cromóforo) presente na pele absorve energia incidente, torna-se excitada e
transfere a energia absorvida para diferentes estruturas ou para o oxigênio.
DOENÇAS DE FOTOSSENSIBILIDADE
O diagnóstico de fotossensibilidade requer uma cuidadosa anamnese para definir
a duração dos sinais e sintomas, o intervalo de tempo entre a exposição ao sol e
o desenvolvimento de sintomas subjetivos e as alterações visíveis na pele. A
idade de início também pode ser um indicador diagnóstico útil. Por exemplo, a
fotossensibilidade aguda da protoporfiria eritropoiética (PPE) quase sempre
começa em lactentes ou crianças pequenas, enquanto a fotossensibilidade
crônica da porfiria cutânea tarda (PCT) tipicamente começa na quarta e quinta
décadas de vida. A história de exposição a fármacos tópicos e sistêmicos, bem
como a substâncias químicas pode fornecer indícios diagnósticos importantes.
Muitas classes de fármacos podem causar fotossensibilidade devido à
fototoxicidade ou à fotoalergia. Fragrâncias, como o almíscar, empregado
anteriormente em muitos produtos cosméticos, também são fotossensibilizantes
potentes.
O exame da pele pode oferecer indícios importantes. As áreas anatômicas
naturalmente protegidas da luz solar direta, como o couro cabeludo piloso, as
pálpebras superiores, as regiões retroauriculares, além das regiões infranasais e
submentonianas, podem não estar acometidas, porém as áreas expostas mostram
aspectos típicos do processo patológico. Esses padrões de localização anatômica
frequentemente são úteis, mas não infalíveis, na determinação do diagnóstico.
Por exemplo, os sensibilizantes de contato transportados pelo ar que atingem a
pele podem produzir dermatite difícil de ser diferenciada da fotossensibilidade,
embora tal material possa desencadear reatividade cutânea em áreas protegidas
da luz solar direta.
Muitas afecções dermatológicas podem ser causadas ou agravadas pela luz
solar (Tab. 57-2). O papel da luz no desencadeamento dessas respostas pode
depender de anormalidades genéticas que variam desde defeitos bem descritos
no reparo do DNA que ocorrem no xeroderma pigmentoso até anormalidades
hereditárias na síntese do heme que caracterizam as porfirias.
Ácido nalidíxico +
Amiodarona +
Dacarbazina +
Fenotiazinas +
Fluoroquinolonas +
5-fluoruracila + +
Furosemida +
Psoralenos + +
Retinoides +/– +
Sulfonamidas +
Sulfonilureias +
Tetraciclinas +
Tiazídicos +
Vimblastina +
Porfirias As porfirias (Cap. 409) são um grupo de doenças que têm em comum
desarranjos hereditários ou adquiridos na síntese da heme. Heme é um tetrapirrol
quelado com ferro ou porfirina, sendo as porfirinas queladas não metálicas
fotossensibilizantes potentes que absorvem intensamente a luz nos
comprimentos de onda curtos (400-410 nm) e longos (580-650 nm) do espectro
visível.
O heme não pode ser reutilizado, devendo ser sintetizado continuamente.
Os dois compartimentos corporais com a maior capacidade para tal produção são
a medula óssea e o fígado. Em consequência, as porfirias originam-se em um
desses dois órgãos, com o resultado final da produção endógena excessiva de
porfirinas fotossensibilizantes potentes. As porfirinas circulam na corrente
sanguínea e se difundem para a pele, onde absorvem energia solar, tornam-se
fotoativadas, geram ROS e desencadeiam fotossensibilidade cutânea. Sabe-se
que o mecanismo de fotossensibilização da porfirina é fotodinâmico, ou
oxigênio-dependente, e mediado por ROS, como o oxigênio singleto e ânions
superóxido.
O grupo de porfirias cutâneas pode ser classificado como causando (1)
fotossensibilidade bolhosa crônica ou (2) fotossensibilidade não bolhosa aguda.
As porfirias cutâneas crônicas incluem a porfiria cutânea tarda (PCT), a porfiria
eritropoiética congênita (PEC), a porfiria hepatoeritropoiética (PHE), a
coproporfiria hereditária (CPH) e a porfiria variegada (PV). PEC, PHE e PCT
manifestam apenas sintomas cutâneos, enquanto a CPH e a PV têm sintomas
neuroviscerais agudos além da fotossensibilidade cutânea. As porfirias cutâneas
não bolhosas agudas incluem a protoporfiria eritropoiética (PPE) e a
protoporfiria ligada ao X (PLX). Exemplos representativos de porfirias cutâneas
crônicas e agudas são discutidos adiante.
A porfiria cutânea tarda (PCT) é o tipo mais comum de porfiria e está
associada à diminuição da atividade da enzima uroporfirinogênio-descarboxilase
(UROD) da via heme para < 20% do normal. Aumento de ferro e vários fatores
adquiridos (p. ex., consumo de álcool, estrogênios, tabagismo, hepatite C ou
infecção por HIV) podem reduzir a atividade da UROD. Existem dois tipos
básicos de PCT: (1) o tipo esporádico ou adquirido, geralmente visto em pessoas
que ingerem etanol ou recebem estrogênios; e (2) o tipo hereditário, no qual há
transmissão autossômica dominante de deficiência na atividade da enzima
(resultando em heterozigose para UROD com redução para 50% da atividade
enzimática da UROD e, assim, predispondo a pessoa à PCT). As duas formas
estão associadas a aumento das reservas hepáticas de ferro.
Nos dois tipos de PCT, o aspecto predominante é o de fotossensibilidade
crônica, caracterizada por maior fragilidade da pele exposta ao sol,
particularmente nas áreas sujeitas a traumatismo repetido, como o dorso das
mãos, os antebraços, a face e as orelhas. As lesões cutâneas predominantes são
vesículas e bolhas que se rompem, produzindo erosões úmidas, frequentemente
com base hemorrágica, que cicatrizam lentamente com a formação de crostas e
coloração arroxeada da pele afetada. Hipertricose, alteração pigmentar
mosqueada e endurecimento semelhante à esclerodermia são manifestações
associadas. A confirmação bioquímica do diagnóstico pode ser obtida pela
determinação da excreção urinária de porfirina, pelo teste da porfirina plasmática
e pelo teste de UROD eritrocitária e/ou hepática. Múltiplas mutações do gene da
UROD foram identificadas em populações humanas. Alguns pacientes com PCT
apresentam mutações associadas no gene HFE, que é ligado à hemocromatose e
aumenta a absorção de ferro ao reduzir a expressão da hepcidina; essas mutações
podem contribuir para a sobrecarga de ferro precipitando a PCT, embora o
estado do ferro, quando medido por ferritina sérica, níveis de ferro e saturação
de transferrina, não seja diferente do exibido por pacientes com PCT sem
mutações no HFE.
O tratamento da PCT consiste em flebotomias repetidas, com o intuito de
diminuir os depósitos hepáticos excessivos de ferro, e/ou doses baixas
intermitentes (duas vezes por semana) de hidroxicloroquina por via oral. Este
tratamento é altamente efetivo para a PCT, mas não é adequado para outras
porfirias. A remissão prolongada da doença pode geralmente ser alcançada se o
paciente eliminar a exposição aos agentes porfirinogênicos, como etanol ou
estrogênios, e evitar a exposição ao sol.
A protoporfiria eritropoiética (PPE) é uma porfiria cutânea não bolhosa
aguda que se origina na medula óssea e se deve a mutações genéticas que, na
maioria dos casos, diminuem a atividade da enzima mitocondrial ferroquelatase.
A principal manifestação clínica consiste em fotossensibilidade aguda,
caracterizada por queimação e ardência dolorosa da pele exposta, que
frequentemente surgem durante ou logo após a exposição ao sol. Pode haver
edema cutâneo concomitante e, após episódios repetidos, cicatrizes ceráceas.
O diagnóstico é confirmado pela demonstração de níveis elevados de
protoporfirina eritrocitária livre. A detecção de protoporfirina plasmática elevada
ajuda a diferenciar entre a PPE e a intoxicação por chumbo e a anemia
ferropriva, porque, nos dois casos, os níveis de protoporfirina eritrocitária
elevados ocorrem na ausência de fotossensibilidade cutânea e na ausência de
níveis elevados de protoporfirina plasmática.
A proteção rigorosa contra a luz do sol é fundamental no manejo da PPE.
As terapias que podem aumentar a tolerância à luz do sol em pacientes com PPE
podem também ser úteis, como a administração oral de β-caroteno, que é um
neutralizador (scavenger) de radicais livres. É importante observar que um
estudo recente mostrou que um análogo peptídeo sintético de α-MSH,
afamelanotida, aumentava a pigmentação cutânea através da melanogênese e,
assim, aumentava a tolerância à luz do sol em pacientes com PPE. Os pacientes
tratados com afamelanotida toleraram a exposição ao sol sem dor por maiores
períodos de tempo e tiveram melhora na qualidade de vida em comparação com
os pacientes não tratados. É interessante observar que, os estudos iniciais
sugerem que a afamelanotida pode também ser benéfica em combinação com
NBUV-B no tratamento de pacientes com vitiligo (em pacientes com fototipos
cutâneos IV-VI).
A Figura 57-1 apresenta um algoritmo para o manejo dos pacientes com
fotossensibilidade.
FIGURA 57-1 Algoritmo para o diagnóstico de um paciente com fotossensibilidade. DEM, dose
eritematosa mínima; FAN, fator antinuclear; UVA e UVB, segmentos do espectro ultravioleta que incluem
comprimentos de onda de 320-400 nm e 290-320 nm, respectivamente.
FOTOPROTEÇÃO
Como a fotossensibilidade da pele resulta da exposição à luz solar, logicamente a
exclusão absoluta do sol deverá eliminar esses distúrbios. Porém, os estilos de
vida contemporâneos tornam essa abordagem impraticável para a maioria das
pessoas. Assim, foram buscadas abordagens melhores para a fotoproteção.
A fotoproteção natural é proporcionada por proteínas estruturais da
epiderme, particularmente ceratina e melanina. A quantidade de melanina e sua
distribuição nas células são reguladas geneticamente, e os indivíduos com pele
mais escura (pele tipos IV a VI) encontram-se sob menor risco de queimadura
solar aguda e câncer de pele.
As roupas e os filtros solares são outras formas de fotoproteção. As roupas
feitas de tecidos de trama fechada que protegem contra o sol, independentemente
da cor, conferem substancial proteção. Os chapéus de abas largas, as mangas
compridas e as calças compridas reduzem a exposição direta. Atualmente, os
filtros solares são fármacos de venda livre (sem prescrição), e os ingredientes da
categoria 1 são reconhecidos pela Food and Drug Administration (FDA) como
seguros e efetivos. Esses ingredientes são mencionados na Tabela 57-5. Os
filtros solares são classificados pelo seu efeito fotoprotetor de acordo com seu
fator de proteção solar (FPS). O FPS é simplesmente uma relação do tempo
necessário para o aparecimento de um eritema de queimadura solar com ou sem
a aplicação do filtro solar. O FPS dos filtros solares em sua maioria reflete
principalmente a proteção de UVB, mas não a de UVA. A FDA estipula que os
filtros solares devem ser classificados em uma escala que varia desde proteção
mínima (FPS ≥ 2 e < 12), moderada (FPS ≥ 12 e < 30) até alta (FPS ≥ 30,
representado como 30+).
LEITURAS ADICIONAIS
Fell GL et al: Skin beta-endorphin mediates addiction to UV light. Cell
157:1527, 2014.
Jansen R et al: Photoprotection: Part II. Sunscreen: development, efficacy, and
controversies. J Am Acad Dermatol 69:867, 2013.
Martincorena I et al: Tumor evolution. High burden and pervasive positive
selection of somatic mutations in normal human skin. Science 348:880,
2015.
Sanchez-Danes A et al: Defining the clonal dynamics leading to mouse skin
tumour initiation. Nature 536:298, 2016.
Van Allen EM et al: Genomic correlates of response to CTLA-4 blockade in
metastatic melanoma. Science 350:207, 2015.
Seção 9 Alterações hematológicas
58
Interpretando esfregaços de sangue
periférico
Dan L. Longo
FIGURA 58-2 Preparação para contagem de reticulócitos. Este novo esfregaço sanguíneo corado por
azul de metileno mostra um grande número de reticulócitos densamente corados (as células que contêm
precipitados de RNA de coloração azul-escuro).
FIGURA 58-3 Anemia microcítica hipocrômica por deficiência de ferro. O pequeno linfócito no campo
ajuda a estimar o tamanho dos eritrócitos.
FIGURA 58-4 Anemia ferropriva comparada com eritrócitos normais. Os micrócitos (à direita) são
menores do que os eritrócitos normais (diâmetro celular < 7 µm) e podem ou não ser pouco
hemoglobinizados (hipocrômicos).
FIGURA 58-5 Policromatofilia. Observe os grandes eritrócitos com coloração púrpura-clara.
FIGURA 58-6 Macrocitose. Essas células são maiores (volume corpuscular médio > 100) do que o normal
e exibem um formato ligeiramente oval. Alguns morfologistas dão a essas células o nome de macro-
ovalócitos.
FIGURA 58-7 Neutrófilos hipersegmentados. Os neutrófilos hipersegmentados (leucócitos
polimorfonucleares multilobados) são maiores do que os neutrófilos normais, com cinco ou mais lobos
nucleares segmentados. São encontrados comumente nas deficiências de ácido fólico ou de vitamina B12.
FIGURA 58-8 Esferocitose. Observe as células hipercromáticas pequenas, sem a área central clara
habitual.
FIGURA 58-9 Formação de Rouleaux. Pequeno linfócito no centro do campo. Esses eritrócitos alinham-
se em pilhas e estão relacionados a níveis séricos elevados de proteína.
FIGURA 58-10 Aglutinação dos eritrócitos. Pequeno linfócito e neutrófilo segmentado na parte central
superior, à esquerda. Observe os agrupamentos irregulares de eritrócitos.
FIGURA 58-11 Eritrócitos fragmentados. Hemólise de valva cardíaca.
FIGURA 58-14 Eliptocitose. Pequeno linfócito no centro do campo. A forma elíptica dos eritrócitos está
relacionada ao enfraquecimento da estrutura da membrana, normalmente devido a mutações na espectrina.
FIGURA 58-15 Estomatocitose. Eritrócitos caracterizados por uma ampla fenda ou estoma transversal.
Com frequência, esses eritrócitos são observados como artefato em um esfregaço sanguíneo desidratado.
Podem ser observados nas anemias hemolíticas e em condições nas quais os eritrócitos estão
excessivamente hidratados ou desidratados.
FIGURA 58-16 Acantocitose. Existem dois tipos de eritrócitos espiculados: os acantócitos são células
densas contraídas com projeções irregulares da membrana, que variam quanto ao comprimento e largura; os
equinócitos possuem projeções da membrana pequenas, uniformes e de distribuição regular. Os acantócitos
estão presentes na doença hepática grave, em pacientes com abetalipoproteinemia e nos raros pacientes com
grupo sanguíneo de McLeod. Os equinócitos são encontrados em pacientes com uremia grave, em defeitos
das enzimas glicolíticas dos eritrócitos e na anemia hemolítica microangiopática.
FIGURA 58-19 Mielofibrose na medula óssea. Substituição total dos precursores da medula óssea e dos
adipócitos por um infiltrado denso de fibras de reticulina e colágeno (coloração por H&E).
FIGURA 58-20 Coloração para reticulina na mielofibrose da medula óssea. A coloração de uma
medula mielofibrótica pela prata mostra aumento das fibras de reticulina (filamentos corados em preto).
FIGURA 58-21 Eritrócito pontilhado na intoxicação por chumbo. Hipocromia leve. Eritrócito com
pontilhado grosseiro.
FIGURA 58-22 Corpúsculos de Heinz. Sangue misturado com solução hipotônica de cristal violeta. O
material corado consiste em precipitados de hemoglobina desnaturada dentro das células.
FIGURA 58-23 Plaquetas gigantes. As plaquetas gigantes, juntamente com aumento acentuado da
contagem plaquetária, são encontradas nos distúrbios mieloproliferativos, particularmente na
trombocitopenia primária.
FIGURA 58-24 Granulócitos normais. O granulócito normal possui um núcleo segmentado com
cromatina densa e aglomerada; os grânulos neutrofílicos finos estão dispersos por todo o citoplasma.
FIGURA 58-25 Monócitos normais. O esfregaço foi preparado a partir da camada leucoplaquetária do
sangue de um doador normal. L, linfócito; M, monócito; N, neutrófilo.
FIGURA 58-26 Eosinófilos normais. O esfregaço foi preparado a partir da camada leucoplaquetária do
sangue de um doador normal. N, neutrófilo; E, eosinófilo; L, linfócito.
FIGURA 58-27 Basófilo normal. O esfregaço foi preparado a partir da camada leucoplaquetária do sangue
de um doador normal. B, basófilo; L, linfócito.
FIGURA 58-28 Anomalia de Pelger-Hüet. Nesse distúrbio benigno, os granulócitos são, em sua maioria,
bilobulados. Com frequência, o núcleo possui uma aparência de óculos, ou configuração em pince-nez.
FIGURA 58-29 Corpúsculo de Döhle. Neutrófilo em bastão com corpúsculo de Döhle. O neutrófilo com
núcleo em forma de salsicha no centro do campo é um bastão. Os corpúsculos de Döhle consistem em áreas
não granulares distintas, de coloração azul, encontradas na periferia do citoplasma dos neutrófilos nas
infecções e em outros estados tóxicos. Representam agregados de retículo endoplasmático rugoso.
FIGURA 59-1 Regulação fisiológica da produção dos eritrócitos pela tensão tecidual de oxigênio. Hb,
hemoglobina.
Na medula óssea, o pró-normoblasto é o primeiro precursor eritroide
morfologicamente identificável. Essa célula pode sofrer 4 a 5 divisões celulares,
que resultam na produção de 16 a 32 eritrócitos maduros. Em caso de aumento
na produção de EPO ou administração de EPO como fármaco, ocorre
amplificação do número de células precursoras imaturas, as quais dão origem a
número aumentado de eritrócitos. A regulação da própria produção de EPO está
ligada à oxigenação tecidual.
Nos mamíferos, o O2 é transportado até os tecidos ligados à hemoglobina
contida no interior dos eritrócitos circulantes. O eritrócito maduro tem 8 μm de
diâmetro, é anucleado, de forma discoide e extremamente flexível para
atravessar com sucesso a microcirculação. A integridade de sua membrana é
mantida pela geração intracelular de ATP. A produção normal dos eritrócitos
permite a reposição diária de 0,8 a 1% das hemácias circulantes no corpo, pois a
sobrevida média dos eritrócitos é de 100 a 120 dias. O órgão responsável pela
produção dos eritrócitos é denominado éritron. Trata-se de um órgão dinâmico,
constituído por um reservatório de células precursoras eritroides medulares de
rápida proliferação e por uma grande massa de eritrócitos circulantes maduros. O
tamanho da massa eritrocitária reflete o equilíbrio entre a produção e a
destruição dos eritrócitos. A base fisiológica da produção e destruição dos
eritrócitos fornece uma compreensão dos mecanismos que podem levar à
anemia.
O regulador fisiológico da produção dos eritrócitos, o hormônio
glicoproteico EPO, é sintetizado e liberado por células de revestimento dos
capilares peritubulares nos rins. Essas células são do tipo epitelial e altamente
especializadas. Os hepatócitos sintetizam uma pequena quantidade de EPO. O
estímulo fundamental para a produção de EPO é a disponibilidade de O2 para as
necessidades metabólicas dos tecidos. O fator induzível por hipoxia (HIF)-1α
representa um elemento fundamental na regulação do gene da EPO. Na presença
de O2, o HIF-1α é hidroxilado em uma prolina-chave, que possibilita a
ubiquitinação e degradação do HIF-1α por meio da via do proteassoma. Caso o
O2 se torne um fator limitante, essa etapa de hidroxilação crítica não ocorre,
permitindo ao HIF-1α unir-se a outras proteínas, ser transportado até o núcleo e
suprarregular o gene da EPO, entre outros.
Um aporte deficiente de O2 para os rins pode resultar de uma diminuição da
massa eritrocitária (anemia), da ligação deficiente do O2 à molécula de
hemoglobina ou de hemoglobina mutante de alta afinidade pelo O2 (hipoxemia)
ou, raramente, do fluxo sanguíneo deficiente para os rins (estenose da artéria
renal). A EPO regula a produção diária dos eritrócitos, e os níveis do hormônio
podem ser medidos no plasma por meio de imunoensaios sensíveis – o nível
normal de EPO é de 10 a 25 U/L. Quando a concentração de hemoglobina cai
abaixo de 100 a 120 g/L (10-12 g/dL), os níveis plasmáticos de EPO aumentam
proporcionalmente à gravidade da anemia (Fig. 59-2). Na circulação, a EPO tem
meia-vida de depuração de 6 a 9 horas e atua mediante sua ligação a receptores
específicos na superfície dos precursores eritroides medulares induzindo sua
proliferação e maturação. Sob o estímulo da EPO, a produção de eritrócitos pode
aumentar 4 a 5 vezes em um período de 1-2 semanas, porém apenas na presença
de nutrientes adequados, particularmente o ferro. Por conseguinte, a capacidade
funcional do éritron exige uma produção renal normal de EPO, medula eritroide
funcionante e um suprimento adequado de substratos para a síntese de
hemoglobina. A ocorrência de um defeito em qualquer um desses componentes-
chave pode acarretar anemia. Em geral, a anemia é reconhecida no laboratório
quando os níveis de hemoglobina ou o hematócrito do paciente estão reduzidos
abaixo de um valor esperado (faixa normal). A probabilidade e intensidade da
anemia são definidas com base no desvio dos níveis de hemoglobina/hematócrito
do paciente dos valores esperados para os indivíduos normais da mesma idade e
sexo. No adulto, a concentração de hemoglobina exibe uma distribuição
gaussiana. O valor médio do hematócrito para homens adultos é de 47% (desvio-
padrão de ±7), enquanto nas mulheres adultas, é de 42% (±5). Qualquer valor
isolado do hematócrito ou da hemoglobina está associado a uma probabilidade
de anemia. Por conseguinte, um hematócrito < 39% em um homem adulto ou <
35% em uma mulher adulta tem probabilidade de apenas cerca de 25% de ser
normal. O hematócrito tem menos utilidade do que os níveis de hemoglobina na
avaliação da anemia, visto que ele é calculado, em lugar de ser medido
diretamente. Os valores baixos suspeitos da hemoglobina ou do hematócrito
serão interpretados com mais facilidade se valores anteriores do mesmo paciente
forem conhecidos para comparação. A Organização Mundial da Saúde (OMS)
define a anemia como um nível de hemoglobina < 130 g/L (13 g/dL) nos homens
e < 120 g/L (12 g/dL) nas mulheres.
FIGURA 59-2 Níveis de eritropoietina (EPO) na resposta à anemia. Quando o nível de hemoglobina
cai para 120 g/L (12 g/dL), os níveis plasmáticos de eritropoietina aumentam logaritmicamente. Na
presença de doença renal ou inflamação crônica, os níveis de EPO geralmente ficam mais baixos do que o
esperado para o grau de anemia. À medida que o indivíduo envelhece, o nível de EPO necessário para
sustentar níveis normais de hemoglobina parece aumentar. (De RS Hillman et al.: Hematology in Clinical
Practice, 5th ed., New York, McGraw-Hill, 2010.)
ABORDAGEM AO PACIENTE
Anemia
A avaliação do paciente com anemia exige uma cuidadosa anamnese e exame
físico minucioso. Convém avaliar sempre a história nutricional relacionada
com o uso de fármacos ou o consumo de álcool, bem como a história familiar
de anemia. Certas regiões geográficas e origens étnicas estão associadas a
uma maior probabilidade de distúrbio hereditário da hemoglobina ou do
metabolismo intermediário. A deficiência de glicose-6-fosfato-desidrogenase
(G6PD) e certas hemoglobinopatias são observadas mais comumente em
indivíduos do Oriente Médio e afrodescendentes incluindo negros que
apresentam alta frequência de deficiência de G6PD. Outras informações que
podem ser úteis incluem a exposição a determinados agentes tóxicos e
sintomas relacionados com outros distúrbios que costumam estar associados
à anemia. Esses sinais e sintomas incluem sangramento, fadiga, mal-estar,
febre, perda de peso, sudorese noturna e outros sintomas sistêmicos. Os
indícios relativos aos mecanismos da anemia podem ser obtidos no exame
físico pelo achado de infecção, sangue nas fezes, linfadenopatia,
esplenomegalia ou petéquias. A esplenomegalia e a linfadenopatia sugerem
doença linfoproliferativa subjacente, enquanto a presença de petéquias indica
alguma disfunção plaquetária. Os resultados de exames laboratoriais
anteriores são úteis para estabelecer a época de início.
No paciente anêmico, o exame físico pode revelar um batimento
cardíaco vigoroso, pulsos periféricos fortes e sopro sistólico. A pele e as
mucosas poderão se mostrar pálidas se o nível de hemoglobina for < 80 a 100
g/L (8-10 g/dL). Essa parte do exame físico deve concentrar-se nas áreas em
que os vasos estão perto da superfície, como as mucosas, os leitos ungueais e
as pregas palmares. Se a coloração das pregas palmares for mais clara que a
pele circundante com a mão em hiperextensão, o nível de hemoglobina será
habitualmente < 80 g/L (8 g/dL).
AVALIAÇÃO LABORATORIAL
A Tabela 59-1 fornece uma lista dos exames utilizados na investigação
inicial da anemia. O hemograma completo (HC) de rotina é necessário como
parte da avaliação e inclui o nível de hemoglobina, o hematócrito e os índices
eritrocitários: o volume corpuscular médio (VCM), expresso em fentolitros, a
hemoglobina corpuscular média (HCM), em picogramas por célula, e a
concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) por volume de
eritrócitos, em gramas por litro (Sistema Internacional). O HCM é o índice
menos útil; ele tende a acompanhar o VCM. Os índices eritrocitários são
calculados como mostra a Tabela 59-2, e as variações normais da
hemoglobina e do hematócrito com a idade são apresentadas na Tabela 59-3.
Diversos fatores fisiológicos afetam o hemograma, como idade, sexo,
gravidez, tabagismo e altitude. Podem-se observar valores normais altos da
hemoglobina em homens e mulheres que vivem em grandes altitudes ou que
são fumantes inveterados. As elevações da hemoglobina em decorrência do
tabagismo refletem uma compensação normal devido ao deslocamento do O2
pelo CO na ligação à hemoglobina. Outras informações importantes são
obtidas com a contagem dos reticulócitos e as determinações do suprimento
de ferro, incluindo o nível de ferro sérico, a capacidade total de ligação ao
ferro (TIBC; medida indireta do nível de transferrina) e a ferritina sérica.
Alterações acentuadas nos índices eritrocitários geralmente refletem
distúrbios da maturação ou deficiência de ferro. Uma cuidadosa avaliação do
esfregaço de sangue periférico é importante, e os laboratórios clínicos
frequentemente fornecem uma descrição da morfologia dos eritrócitos e
leucócitos, contagem diferencial e contagem plaquetária. Em pacientes com
anemia grave e anormalidades na morfologia dos eritrócitos e/ou contagens
baixas dos reticulócitos, o aspirado ou a biópsia de medula óssea podem
ajudar a estabelecer o diagnóstico. Outros testes valiosos no diagnóstico de
anemias específicas são discutidos nos capítulos que tratam de cada doença.
TABELA 59-3 ■ Alterações nos valores normais de hemoglobina/hematócrito conforme a idade, o sexo
e a gravidez
Idade/sexo Hemoglobina (g/dL) Hematócrito (%)
Ao nascimento 17 52
Infância 12 36
Adolescência 13 40
Homem adulto 16 (±2) 47 (±6)
Mulher adulta (menstruando) 13 (±2) 40 (±6)
Mulher adulta (pós-menopausa) 14 (±2) 42 (±6)
Durante a gravidez 12 (±2) 37 (±6)
Fonte: De RS Hillman et al: Hematology in Clinical Practice, 5th ed. New York, McGraw-Hill, 2010.
FIGURA 59-4 Anemia ferropriva grave. Eritrócitos microcíticos e hipocrômicos menores do que o
núcleo de um linfócito associados a uma acentuada variação de tamanho (anisocitose) e forma
(poiquilocitose). (De RS Hillman et al.: Hematology in Clinical Practice, 5th ed., New York, McGraw-
Hill, 2010.)
FIGURA 59-5 Macrocitose. Os eritrócitos são maiores do que um linfócito pequeno e estão com
conteúdo normal de hemoglobina. Com frequência, os macrócitos exibem uma forma ovalada (macro-
ovalócitos).
FIGURA 59-8 Células-alvo. Essas células apresentam um aspecto em olho de boi e são observadas na
talassemia e na doença hepática. (De RS Hillman et al.: Hematology in Clinical Practice, 5th ed., New
York, McGraw-Hill, 2010.)
FIGURA 59-9 Fragmentação dos eritrócitos. Os eritrócitos podem tornar-se fragmentados na
presença de corpos estranhos na circulação, como valvas cardíacas mecânicas, ou em caso de lesão
térmica. (De RS Hillman et al.: Hematology in Clinical Practice, 5th ed., New York, McGraw-Hill,
2010.)
FIGURA 59-10 Uremia. Os eritrócitos na uremia podem adquirir diversas projeções em forma de
espinhos pequenas e regularmente espaçadas. Essas células, chamadas de células espiculadas ou
equinócitos, são imediatamente distinguíveis dos acantócitos irregularmente espiculados mostrados na
Figura 59-11.
FIGURA 59-11 Células espiculadas. Essas células são reconhecidas como eritrócitos deformados que
contêm várias projeções semelhantes a espinhos irregularmente distribuídas. As células com essa
anormalidade morfológica também são chamadas de acantócitos. (De RS Hillman et al.: Hematology in
Clinical Practice, 5th ed., New York, McGraw-Hill, 2010.)
FIGURA 59-14 Medula óssea normal. Visão em pequeno aumento de uma secção de biópsia de
medula óssea normal corada por hematoxilina e eosina (H&E). Observar que os elementos celulares
nucleados são responsáveis por cerca de 40-50%, enquanto a gordura (áreas claras) responde por cerca
de 50-60% da área. (De RS Hillman et al.: Hematology in Clinical Practice, 5th ed., New York,
McGraw-Hill, 2010.)
FIGURA 59-15 Hiperplasia eritroide. Essa medula apresenta um aumento na fração de células na
linhagem eritroide, como se pode ver quando a medula normal compensa a perda de sangue aguda ou a
hemólise. A razão mieloide/eritroide (M/E) é de cerca de 1:1. (De RS Hillman et al.: Hematology in
Clinical Practice, 5th ed., New York, McGraw-Hill, 2010.)
FIGURA 59-16 Hiperplasia mieloide. Essa medula apresenta um aumento na fração de células na
linhagem mieloide ou granulocítica, como se pode observar em medula normal que responde à
infecção. A razão mieloide/eritroide (M/E) é > 3:1. (De RS Hillman et al.: Hematology in Clinical
Practice, 5th ed., New York, McGraw-Hill, 2010.)
TRATAMENTO
Anemia
Um princípio importante é iniciar o tratamento da anemia leve a moderada só depois do estabelecimento de
um diagnóstico específico. Raramente, em uma situação aguda, a anemia pode ser grave a ponto de exigir
transfusão de hemácias antes do estabelecimento do diagnóstico. Independentemente de a anemia ser de
início agudo ou gradual, a escolha do tratamento apropriado é determinada pela(s) causa(s) documentada(s)
da anemia. Com frequência, a etiologia da anemia é multifatorial. Assim, por exemplo, um paciente com
artrite reumatoide grave que utilizou anti-inflamatórios pode apresentar anemia hipoproliferativa associada
à inflamação crônica, bem como perda crônica de sangue devido à ocorrência de hemorragia digestiva
intermitente. Em todas as circunstâncias, é importante avaliar por completo o estado do paciente em relação
ao ferro antes e no decorrer do tratamento de qualquer anemia. A transfusão é discutida no Capítulo 109;
o tratamento com ferro é discutido no Capítulo 93; o tratamento da anemia megaloblástica é
discutido no Capítulo 95; o tratamento de outras entidades é discutido em seus respectivos capítulos
(anemia falciforme, Capítulo 94; anemia hemolítica, Capítulo 96; anemia aplásica e mielodisplasia, C
apítulo 98).
As opções terapêuticas para o tratamento das anemias aumentaram notavelmente nos últimos 30 anos.
A terapia com hemocomponentes está disponível e é segura. A EPO recombinante como adjuvante do
tratamento da anemia transformou a vida dos pacientes com insuficiência renal crônica submetidos à diálise
e reduziu as necessidades de transfusão dos pacientes anêmicos portadores de câncer que estão recebendo
quimioterapia. Por fim, os pacientes com distúrbios hereditários da síntese de globina ou mutações no gene
da globina, como a anemia falciforme, poderão ser beneficiados com a introdução bem-sucedida da terapia
gênica (Cap. 458).
POLICITEMIA
A policitemia é definida como um aumento da hemoglobina acima do normal.
Esse aumento pode ser real ou apenas aparente, devido a uma diminuição do
volume plasmático (policitemia espúria ou relativa). O termo eritrocitose pode
ser utilizado como sinônimo de policitemia; todavia alguns fazem uma distinção
entre eles: a eritrocitose implica na documentação de um aumento da massa
eritrocitária, enquanto a policitemia refere-se a qualquer aumento dos eritrócitos.
Com frequência, os pacientes com policitemia são detectados em decorrência do
achado casual de níveis elevados de hemoglobina ou do hematócrito. Em geral,
surge a preocupação de que o nível de hemoglobina possa estar anormalmente
elevado quando atinge 170 g/L (17 g/dL) em homens e 150 g/L (15 g/dL) em
mulheres. Níveis de hematócrito > 50% nos homens ou > 45% nas mulheres
podem ser anormais. Os valores do hematócrito > 60% em homens ou > 55% em
mulheres estão quase sempre associados a um aumento da massa eritrocitária.
Tendo em vista o fato de que o equipamento que quantifica os parâmetros
eritrocitários mede, na realidade, a concentração de hemoglobina e calcula o
hematócrito, o nível de hemoglobina pode ser considerado o melhor índice.
Os aspectos da história clínica que se mostram úteis no diagnóstico
diferencial incluem história de tabagismo, residência atual em grandes altitudes
ou história clínica de uso de diuréticos, cardiopatia congênita, apneia do sono ou
doença pulmonar crônica.
Os pacientes com policitemia podem ser assintomáticos ou apresentar
sintomas relacionados ao aumento da massa eritrocitária ou o processo mórbido
subjacente que leva ao aumento da massa de eritrócitos. Os sintomas dominantes
em decorrência do aumento da massa eritrocitária estão relacionados com
hiperviscosidade e trombose (venosa e arterial), visto que a viscosidade
sanguínea aumenta de modo logarítmico com hematócritos > 55%. As
manifestações incluem sintomas neurológicos como vertigem, zumbido, cefaleia
e perturbações visuais. Com frequência, há hipertensão. Pacientes com
policitemia vera podem apresentar prurido aquagênico, sintomas relacionados a
hepatoesplenomegalia, facilidade para desenvolver equimose, epistaxe ou
sangramento gastrintestinal. É comum a ocorrência de úlcera péptica. Tais
pacientes também podem apresentar isquemia digital, síndrome de Budd-Chiari,
trombose venosa hepática ou esplênica/mesentérica. Os pacientes com
hipoxemia podem manifestar cianose com esforço mínimo ou cefaleia, redução
da acuidade mental e fadiga.
Em geral, o exame físico revela uma aparência pletórica. A esplenomegalia
favorece a policitemia vera como diagnóstico (Cap. 99). A presença de cianose
ou evidências de shunt direita-esquerda sugerem uma cardiopatia congênita que
se manifesta no adulto, particularmente a tetralogia de Fallot ou síndrome de
Eisenmenger (Cap. 264). O aumento da viscosidade sanguínea eleva a pressão
arterial pulmonar; a hipoxemia pode resultar em aumento da resistência vascular
pulmonar. Em seu conjunto, esses fatores podem provocar cor pulmonale.
A policitemia pode ser espúria (relacionada com diminuição do volume
plasmático; síndrome de Gaisbock), de origem primária ou secundária. As
causas secundárias são todas mediadas pela EPO: nível apropriado e
fisiologicamente adaptado, baseado na hipoxia tecidual (doença pulmonar,
grandes altitudes, intoxicação por CO, hemoglobinopatia de alta afinidade) ou
superprodução anormal (cistos renais, estenose da artéria renal, tumores com
produção ectópica de EPO). Uma forma familiar rara de policitemia está
associada a níveis normais de EPO, porém com receptores de EPO hiper-
responsivos devido a mutações.
ABORDAGEM AO PACIENTE
Policitemia
Como mostra a Figura 59-18, a primeira etapa é documentar a presença de
aumento da massa eritrocitária utilizando o princípio da diluição isotópica
mediante a administração de hemácias autólogas marcadas com Cr51 do
paciente e determinar a radioatividade do sangue em 2 horas. Se a massa
eritrocitária estiver normal (< 36 mL/kg em homens; < 32 mL/kg em
mulheres), pode-se estabelecer o diagnóstico de policitemia espúria ou
relativa. Se a massa eritrocitária estiver aumentada (> 36 mL/kg em homens;
> 32 mL/kg em mulheres), será necessário determinar os níveis séricos de
EPO. Se os níveis de EPO estiverem baixos ou indetectáveis, será mais
provável que o paciente tenha policitemia vera. Uma mutação em JAK2
(Val617Phe), um membro essencial da via de sinalização intracelular de
citocinas, pode ser encontrada em 90 a 95% dos pacientes com policitemia
vera. Muitos dos pacientes portadores dessa mutação JAK2 específica
apresentam mutações no éxon 12. Por uma questão prática, poucos centros
determinam a massa eritrocitária na presença de nível de hemoglobina
elevado. A investigação rápida consiste em medir os níveis de EPO, verificar
a presença da mutação JAK2 e efetuar uma ultrassonografia de abdome para
avaliar o tamanho do baço. Os exames que corroboram o diagnóstico de
policitemia vera incluem contagem elevada de leucócitos, contagem absoluta
aumentada de basófilos e trombocitose.
LEITURAS ADICIONAIS
Hillman RS et al: Hematology in Clinical Practice, 5th ed. New York, McGraw-
Hill, 2010.
McMullin MF et al: Guidelines for the diagnosis, investigation and management
of polycythaemia/erythrocytosis. Br J Haematol 130:174, 2005.
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therapies. Nat Med 21:221, 2015.
60
Distúrbios de granulócitos e monócitos
Steven M. Holland, John I. Gallin
FIGURA 60-8 O trânsito do neutrófilo através dos capilares pulmonares depende de sua
deformabilidade. A rigidez do neutrófilo (p. ex., causada por C5a) aumenta a sua retenção pulmonar e
resposta a patógenos pulmonares de forma a não depender tanto dos receptores de superfície celular. Os
fatores quimiotáticos intra-alveolares, como os causados por determinadas bactérias (p. ex., Streptococcus
pneumoniae), levam à diapedese dos neutrófilos a partir dos capilares pulmonares para o espaço alveolar. A
interação dos neutrófilos com o endotélio das vênulas pós-capilares sistêmicas depende de moléculas de
fixação. O neutrófilo “rola” ao longo do endotélio, usando selectinas: a CD15s do neutrófilo (sialil-Lewisx)
liga-se à CD62E (E-selectina) e CD62P (P-selectina) sobre as células endoteliais; a CD62L (L-selectina)
nos neutrófilos liga-se à CD34 e a outras moléculas (p. ex., GlyCAM-1) expressas no endotélio. As
quimiocinas ou outros fatores de ativação estimulam uma “adesão firme” mediada pela integrina:
CD11a/CD18 (LFA-1) e CD11b/CD18 (Mac-1, CR3) ligam-se a CD54 (ICAM-1) e CD102 (ICAM-2) no
endotélio. Ocorre diapedese entre as células endoteliais: a CD31 (PECAM-1), expressa pelo neutrófilo em
migração, interage com CD31 expressa na junção célula-célula endotelial. CD, determinante de grupo;
GlyCAM, molécula de adesão celular dependente de glicosilação; ICAM, molécula de adesão intercelular;
PECAM, molécula de adesão de plaquetas/células endoteliais.
Infecção – tuberculose, febre tifoide, brucelose, tularemia, sarampo, mononucleose infecciosa, malária, hepatite viral, leishmaniose, Aids
Destruição periférica
Anticorpos antineutrófilos e/ou sequestro esplênico ou pulmonar
Distúrbios autoimunes – síndrome de Felty, artrite reumatoide, lúpus eritematoso
Fármacos como haptenos – aminopirina, α-metildopa, fenilbutazona, diuréticos mercuriais, algumas fenotiazinas
Granulomatose com poliangeíte (de Wegener)
Acúmulo periférico (neutropenia transitória)
Infecção bacteriana maciça (endotoxemia aguda)
Hemodiálise
Bypass cardiopulmonar
Outro mecanismo importante para a neutropenia iatrogênica é o efeito dos
fármacos que atuam como haptenos imunes e sensibilizam os neutrófilos ou seus
precursores à destruição periférica imunologicamente mediada. Essa forma de
neutropenia induzida por fármacos pode ser observada até 7 dias após a
exposição ao agente; com exposição prévia ao fármaco, resultando em
anticorpos preexistentes, a neutropenia pode surgir poucas horas após a sua
administração. Embora qualquer fármaco possa provocar essa forma de
neutropenia, as causas mais frequentes são os antibióticos de uso comum, como
os compostos que contêm sulfa,as penicilinas e as cefalosporinas. A febre e a
eosinofilia também estão associadas a reações medicamentosas, mas esses sinais
frequentemente estão ausentes. A neutropenia induzida por fármacos pode ser
grave, porém a interrupção do agente sensibilizante é suficiente para a
recuperação, que costuma ser observada em 5 a 7 dias, completando-se em 10
dias. Deve-se evitar a readministração do agente sensibilizante, visto que isso
resulta frequentemente em neutropenia abrupta. Por esse motivo, deve-se evitar
qualquer teste provocativo diagnóstico.
As neutropenias autoimunes provocadas por anticorpos antineutrófilos
circulantes são outra forma de neutropenia adquirida, que resulta em aumento da
destruição dos neutrófilos. A neutropenia adquirida também pode ser observada
em infecções virais, incluindo aquela pelo HIV. Pode ser de natureza cíclica,
ocorrendo em intervalos de várias semanas. A neutropenia cíclica ou estável
adquirida pode estar associada a uma expansão dos grandes linfócitos granulares
(GLG), que podem ser células T, células NK ou células semelhantes às NK. Os
pacientes com linfocitose de grandes linfócitos granulares podem apresentar
linfocitose sanguínea e medular moderada, neutropenia, hipergamaglobulinemia
policlonal, esplenomegalia, artrite reumatoide e ausência de linfadenopatia.
Esses pacientes podem seguir uma evolução crônica e relativamente estável. As
infecções bacterianas recorrentes são frequentes. Ocorrem formas benignas e
malignas dessa síndrome. Em alguns pacientes, houve regressão espontânea,
mesmo depois de 11 anos, sugerindo um defeito da imunorregulação como a
origem de pelo menos uma forma do distúrbio. Os glicocorticoides, a
ciclosporina e o metotrexato são comumente utilizados para tratamento dessas
citopenias.
Adesão- Ácido Estado neonatal, hemodiálise Deficiência de adesão dos leucócitos tipos 1, 2 e
agregação acetilsalicílico, 3
colchicina, álcool,
glicocorticoides,
ibuprofeno,
piroxicam
Deformabilidade Leucemia, estado neonatal, diabetes melito,
neutrófilos imaturos
Quimiocinesia – Glicocorticoides Lesão térmica, neoplasia maligna, Síndrome de Chédiak-Higashi, deficiência de
quimiotaxia (dose alta), desnutrição, doença periodontal, estado grânulos específicos dos neutrófilos, síndrome da
auranofina, neonatal, lúpus eritematoso sistêmico, hiper-IgE-infecção recorrente (síndrome de Job)
colchicina (efeito artrite reumatoide, diabetes melito, sepse, (em alguns pacientes), síndrome de Down,
fraco), infecção pelo vírus da influenza, infecção deficiência de α-manosidase, deficiências de
fenilbutazona, por herpes-vírus simples, acrodermatite adesão dos leucócitos, síndrome de Wiskott-
naproxeno, enteropática, Aids Aldrich
indometacina,
interleucina 2
Atividade Colchicina, Leucemia, anemia aplásica, determinadas Síndrome de Chédiak-Higashi, deficiência de
microbicida ciclofosfamida, neutropenias, deficiência de tuftsina, lesão grânulos específicos dos neutrófilos, doença
glicocorticoides térmica, sepse, estado neonatal, diabetes granulomatosa crônica, defeitos do eixo γ-
(alta dose), melito, desnutrição, Aids IFN/IL-12
anticorpos
bloqueadores do
TNF-α
Siglas: γ-IFN, γ-interferona; IL, interleucina; TNF-α, fator de necrose tumoral α.
EOSINOFILIA
Refere-se à presença de > 500 eosinófilos/μL de sangue. É comum em muitos
contextos, além das parasitoses. Pode ocorrer eosinofilia tecidual significativa
sem elevação da contagem das células sanguíneas. A causa mais comum da
eosinofilia consiste nas reações alérgicas a fármacos (iodetos, ácido
acetilsalicílico, sulfonamidas, nitrofurantoína, penicilinas e cefalosporinas). As
alergias, como rinite alérgica, asma, eczema, doença do soro, vasculite alérgica e
pênfigo, estão associadas à eosinofilia. Ocorre também eosinofilia em doenças
vasculares do colágeno (p. ex., artrite reumatoide, fascite eosinofílica, angeíte
alérgica e periarterite nodosa) e em neoplasias malignas (p. ex., doença de
Hodgkin, micose fungoide, leucemia mieloide crônica e cânceres de pulmão,
estômago, pâncreas, ovário ou útero), bem como na síndrome de Job, na
deficiência de DOCK8 (ver adiante) e na DGC. É comum observar a ocorrência
de eosinofilia nas helmintíases. A IL-5 é o fator de crescimento dominante dos
eosinófilos. A administração terapêutica das citocinas IL-2 e GM-CSF resulta
frequentemente em eosinofilia transitória. As síndromes hipereosinofílicas mais
graves são a de Loeffler, a eosinofilia pulmonar tropical, a endocardite de
Loeffler, a leucemia eosinofílica e a síndrome de hipereosinofilia idiopática
(50.000-100.000/μL). A IL-5 constitui o fator de crescimento dos eosinófilos
dominante e pode ser especificamente inibida com o anticorpo monoclonal, o
mepolizumabe.
A síndrome de hipereosinofilia idiopática representa um grupo heterogêneo
de distúrbios com a característica comum de eosinofilia prolongada de causa
desconhecida e disfunção de sistemas orgânicos, como coração, sistema nervoso
central, rins, pulmões, trato gastrintestinal e pele. A medula óssea é afetada em
todos os indivíduos acometidos, porém as complicações mais graves são
observadas no coração e no sistema nervoso central. As manifestações clínicas e
a disfunção orgânica são altamente variáveis. Os eosinófilos são encontrados nos
tecidos acometidos e tendem a causar lesão tecidual em virtude do depósito local
de proteínas eosinofílicas tóxicas, como a proteína catiônica eosinofílica e a
proteína básica principal. No coração, as alterações patológicas acarretam
trombose, fibrose endocárdica e endomiocardiopatia restritiva. A lesão dos
tecidos em outros sistemas orgânicos é semelhante. Alguns casos resultam de
mutações envolvendo o receptor do fator de crescimento derivado de plaquetas,
e esses pacientes são extremamente sensíveis ao inibidor da tirosina-cinase
imatinibe. Os glicocorticoides, a hidroxiureia e a IFN-α têm sido usados com
sucesso, assim como os anticorpos terapêuticos contra a IL-5. As complicações
cardiovasculares devem ser tratadas de maneira agressiva.
A síndrome de eosinofilia-mialgia é uma doença multissistêmica com
manifestações cutâneas, hematológicas e viscerais proeminentes, que muitas
vezes evolui de forma crônica e, às vezes, é fatal. Caracteriza-se por eosinofilia
(contagem dos eosinófilos > 1.000/μL) e mialgias incapacitantes generalizadas
sem outras causas reconhecidas. Podem ocorrer fascite, pneumonite e miocardite
eosinofílicas; neuropatia, que culmina em insuficiência respiratória; e
encefalopatia. A doença é causada pela ingestão de contaminantes contidos em
produtos que contêm L-triptofano. Verifica-se o acúmulo de eosinófilos,
linfócitos, macrófagos e fibroblastos nos tecidos acometidos; todavia seu papel
na patogênese ainda não foi bem elucidado. A ativação dos eosinófilos e dos
fibroblastos, bem como o depósito de proteínas tóxicas derivadas dos eosinófilos
nos tecidos acometidos, podem contribuir para o processo. A IL-5 e o fator de
crescimento transformador β foram implicados como mediadores potenciais. O
tratamento consiste em suspender os produtos que contêm L-triptofano e
administrar glicocorticoides. A maioria dos pacientes recupera-se por completo,
permanece estável ou apresenta recuperação lenta; todavia a doença pode ser
fatal em até 5% dos pacientes.
As neoplasias eosinofílicas são discutidas no Capítulo 106.
EOSINOPENIA
Ocorre em situações de estresse, como infecção bacteriana aguda e após
tratamento com glicocorticoides. O mecanismo da eosinopenia na infecção
bacteriana aguda é desconhecido, porém não depende dos glicocorticoides
endógenos, visto que ocorre em animais após adrenalectomia total. A
eosinopenia não exerce qualquer efeito adverso conhecido.
SÍNDROME DA HIPERIMUNOGLOBULINA E-INFECÇÃO
RECORRENTE
A síndrome da hiperimunoglobulina E-infecção recorrente ou síndrome de Job é
uma doença multissistêmica rara na qual os sistemas imune e somático estão
acometidos, incluindo neutrófilos, monócitos, células T, células B e osteoclastos.
A ocorrência de mutações autossômicas dominantes no transdutor de sinal e
ativador da transcrição 3 (STAT3) leva à inibição da sinalização normal do
STAT, com efeitos abrangentes e profundos. Os pacientes apresentam uma fácies
típica com o nariz largo, cifoescoliose e eczema. Os dentes decíduos nascem
normalmente, mas não caem, o que exige frequentemente a sua extração. Os
pacientes desenvolvem infecções sinopulmonares e cutâneas recorrentes, as
quais tendem a apresentar muito menos inflamação do que o esperado para o
grau de infecção, sendo designadas “abscessos frios”. Normalmente, há
cavitação da pneumonia, resultando em pneumatocele. Os aneurismas das
artérias coronárias são comuns, assim como o aparecimento de placas
desmielinizadas cerebrais, que se acumulam com a idade. Um aspecto
importante é o fato de que as células T produtoras de IL-17, que se acredita
serem responsáveis pela proteção contra infecções extracelulares e das mucosas,
estão profundamente reduzidas na síndrome de Job. Mesmo com níveis bastante
elevados de IgE, esses pacientes têm níveis de alergia apenas levemente
elevados. Uma síndrome importante exibindo sobreposição clínica com a
deficiência de STAT3 negativa dominante se deve a defeitos autossômicos
recessivos no dedicador de citocinese 8 (DOCK8). Na deficiência de DOCK8, a
elevação da IgE está associada a alergia grave, suscetibilidade viral e aumento da
taxa de câncer. Mutações de ganho de função autossômicas dominantes em
STAT3 levam a uma doença caracterizada por início na infância de
linfadenopatia, citopenias autoimunes, automunidade multiorgãos, infecções e
doença pulmonar intersticial.
DIAGNÓSTICO LABORATORIAL E TRATAMENTO
Os exames iniciais dos leucócitos, a contagem diferencial e, com frequência, o
exame da medula óssea são seguidos de avaliação das reservas medulares (teste
de estimulação com esteroides), do reservatório circulante marginado de células
(teste provocativo com epinefrina) e da capacidade de marginação (teste
provocativo com endotoxina) (Fig. 60-7). É possível efetuar uma avaliação in
vivo da inflamação com o teste da janela cutânea de Rebuck ou um ensaio de
formação de vesículas in vivo na pele, que mede a capacidade de acúmulo dos
leucócitos e mediadores inflamatórios na pele. Os testes in vitro de agregação,
adesão, quimiotaxia, fagocitose, desgranulação e atividade microbicida (contra o
S. aureus) dos fagócitos podem ajudar a estabelecer as lesões celulares ou
humorais. As deficiências do metabolismo oxidativo são detectadas pelo teste do
corante tetrazólio nitroazul (NBT) ou pelo de oxidação da di-hidrorrodamina
(DHR). Esses testes baseiam-se na capacidade dos produtos do metabolismo
oxidativo de alterar os estados de oxidação das moléculas propagadoras, de
modo que possam ser detectadas ao microscópio (NBT) ou por citometria de
fluxo (DHR). Os estudos qualitativos da produção de superóxido e peróxido de
hidrogênio podem definir ainda melhor a função oxidativa dos neutrófilos.
Os pacientes com leucopenias ou disfunção leucocitária frequentemente
apresentam respostas inflamatórias tardias. Por conseguinte, as manifestações
clínicas podem ser mínimas apesar de infecção maciça, devendo-se sempre
suspeitar da possibilidade de infecções incomuns. Os primeiros sinais de
infecção exigem cultura imediata e agressiva dos microrganismos, uso de
antibióticos e drenagem dos abscessos. Com frequência, é necessário um ciclo
prolongado de antibióticos. Nos pacientes com DGC, os antibióticos
(sulfametoxazol-trimetoprima) e agentes antifúngicos (itraconazol) profiláticos
diminuem acentuadamente a frequência de infecções potencialmente fatais. Os
glicocorticoides podem aliviar a obstrução do trato gastrintestinal ou do
geniturinário por granulomas em pacientes com DGC. Embora os agentes
bloqueadores do TNF-α possam aliviar acentuadamente os sintomas intestinais
inflamatórios, é preciso ter extrema cautela no seu uso em pacientes portadores
de DGC com doença inflamatória intestinal, visto que esses fármacos aumentam
profundamente a suscetibilidade já elevada desses pacientes à infecção. A γ-IFN
recombinante humana, que estimula de modo inespecífico a função das células
fagocíticas, reduz em 70% a frequência de infecções em pacientes com DGC e
diminui a gravidade das infecções. Esse efeito da γ-IFN na DGC é aditivo ao dos
antibióticos profiláticos. A dose recomendada é de 50 μg/m2 via subcutânea, 3
vezes por semana. A γ-IFN também foi utilizada com sucesso no tratamento de
hanseníase, infecções micobacterianas não tuberculosas e leishmaniose visceral.
A higiene oral rigorosa diminui o desconforto ocasionado pela gengivite,
doença periodontal e úlceras aftosas, porém não o elimina; o colutório de
clorexidina e a escovação dos dentes com pasta que contenha peróxido de
hidrogênio-bicarbonato de sódio ajudam muitos pacientes. Os antifúngicos orais
(fluconazol, itraconazol, voriconazol, posaconazol) reduziram a candidíase
mucocutânea em pacientes com síndrome de Job. Androgênios, glicocorticoides,
lítio e terapia imunossupressora têm sido utilizados para restaurar a mielopoiese
em pacientes com neutropenia causada por redução da produção. O G-CSF
recombinante mostra-se útil no tratamento de certas formas de neutropenia
secundária à produção diminuída de neutrófilos, em particular as relacionadas
com a quimioterapia do câncer. Os pacientes com neutropenia crônica e
evidências de boa reserva medular não precisam receber antibióticos profiláticos.
Os pacientes com contagens de neutrófilos crônicas ou cíclicas < 500/μL podem
beneficiar-se dos antibióticos profiláticos e G-CSF durante os períodos de
neutropenia. A administração oral de sulfametoxazol-trimetoprima (800/160
mg), 2 vezes ao dia pode evitar infecção. Não são observados números
aumentados de infecções fúngicas em pacientes com DGC aos quais se
administra esse esquema. As quinolonas orais, como levofloxacino e
ciprofloxacino, são alternativas.
Dentro do contexto da quimioterapia citotóxica com disfunção grave e
persistente dos linfócitos, o sulfametoxazol-trimetoprima evita a pneumonia por
Pneumocystis jiroveci. Esses pacientes, bem como os com disfunção das células
fagocíticas, devem evitar a exposição maciça a solo, poeira ou material em
decomposição transportados pelo ar (estrume, adubo), frequentemente ricos em
Nocardia, bem como esporos de Aspergillus e outros fungos. A restrição das
atividades ou do contato social não tem papel comprovado na redução do risco
de infecção para os defeitos dos fagócitos.
Embora o tratamento clínico agressivo para muitos pacientes com
distúrbios dos fagócitos possa lhes permitir uma sobrevida durante anos sem
qualquer infecção potencialmente fatal, eles ainda podem apresentar efeitos
tardios do uso prolongado de antimicrobianos e outras complicações
inflamatórias. A cura da maioria dos defeitos congênitos dos fagócitos é possível
com transplante de medula óssea, e as taxas de sucesso estão melhorando (Cap.
110). A identificação de defeitos gênicos específicos em pacientes com DAL 1,
DGC e outras imunodeficiências levou a ensaios de terapia gênica em vários
distúrbios genéticos dos leucócitos.
LEITURAS ADICIONAIS
Casanova JL: Severe infectious diseases of childhood as monogenic inborn
errors of immunity. Proc Natl Acad Sci USA 112:E7128, 2015.
Kolaczkowska E, Kubes P: Neutrophil recruitment and function in health and
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Washington, Seattle; 1993–2017. 2012 August 9 [updated 2016 February
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Moutsopoulos NM et al: Interleukin-12 and interleukin-23 blockade in leukocyte
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Wu UI, Holland SM: Host susceptibility to non-tuberculous mycobacterial
infections. Lancet Infect Dis 15:968, 2015.
61
Sangramento e trombose
Barbara A. Konkle
FIGURA 61-1 A coagulação é iniciada pela exposição do fator tecidual (TF), que, juntamente com o
fator (F) VIIa, ativa o FIX e o FX, o qual, por sua vez, tendo o FVIII e o FV como cofatores,
respectivamente, resultam em formação de trombina e conversão subsequente do fibrinogênio em fibrina. A
trombina ativa o FXI, o FVIII e o FV, amplificando o sinal de coagulação. Uma vez formado o complexo
TF/FVIIa/FXa, o inibidor da via do fator tecidual (TFPI) inibe a via TF/FVIIa, tornando a coagulação
dependente da alça de amplificação por meio de FIX/FVIII. A coagulação requer cálcio (não mostrado) e
ocorre nas superfícies fosfolipídicas, geralmente a membrana da plaqueta ativada.
O SISTEMA FIBRINOLÍTICO
Qualquer trombina que escapa dos efeitos inibitórios dos sistemas
anticoagulantes fisiológicos está disponível para converter o fibrinogênio em
fibrina. Em resposta, o sistema fibrinolítico endógeno é ativado para descartar a
fibrina intravascular e, assim, manter ou restabelecer a desobstrução da
circulação. Assim como a trombina é a enzima protease essencial do sistema da
coagulação, a plasmina é a principal enzima protease do sistema fibrinolítico,
atuando na digestão da fibrina em produtos de degradação da fibrina. O esquema
geral de fibrinólise e seu controle são mostrados na Figura 61-4.
HISTÓRIA DE TROMBOSE
O risco de trombose, assim como o de sangramento, é influenciado pela
genética e pelo ambiente. O principal fator de risco para trombose arterial é a
aterosclerose, enquanto os fatores de risco para trombose venosa consistem
em imobilidade, cirurgia, distúrbios clínicos subjacentes (p. ex., neoplasias
malignas), medicações, (p. ex.,terapia hormonal), obesidade e predisposições
genéticas. A Tabela 61-3 apresenta os fatores que aumentam os riscos para
trombose tanto venosa quanto arterial.
Hereditários Hereditários
Fator V de Leiden Homocistinúria
Protrombina G20210A Disfibrinogenemia
Deficiência de antitrombina Adquiridos
Deficiência de proteína C Neoplasia maligna
Deficiência de proteína S Síndrome antifosfolipídeo
Fator VIII elevado Terapia hormonal
Adquiridos Policitemia vera
Idade Trombocitopenia essencial
Trombose anterior Hemoglobinúria paroxística noturna
Imobilização Púrpura trombocitopênica trombótica
Cirurgia de grande porte Trombocitopenia induzida por heparina
Gravidez e puerpério Coagulação intravascular disseminada
Hospitalização Outrosa
Obesidade Fatores II, IX, XI elevados
Infecção Níveis de TAFI elevados
Resistência à PCA não genética Níveis baixos de TFPI
Tabagismo
aNão se sabe se o risco é hereditário ou adquirido.
Siglas: PCA, proteína C ativada; TAFI, inibidor da fibrinólise passível de ativação pela trombina; TFPI, inibidor da via do fator tecidual.
AVALIAÇÃO LABORATORIAL
A anamnese e o exame clínico cuidadosos são componentes essenciais na
avaliação do sangramento e risco trombótico. O uso de exames laboratoriais
de coagulação complementa, mas não substitui, a avaliação clínica. Não
existe nenhum exame que forneça uma avaliação global da hemostasia. O
tempo de sangramento tem sido usado para avaliar o risco de sangramento;
entretanto ele não prevê o risco de sangramento com uma cirurgia e
tampouco é recomendado para essa indicação. O PFA-100, um instrumento
que mede a coagulação dependente das plaquetas em condições de fluxo, é
mais sensível e específico para a DvW do que o tempo de sangramento;
todavia não é sensível o suficiente para excluir a possibilidade de distúrbios
hemorrágicos leves. Os tempos de fechamento do PFA-100 são prolongados
em pacientes com alguns distúrbios plaquetários hereditários, mas não todos
eles. Além disso, sua utilidade para prever o risco de sangramento não foi
determinada. A tromboelastografia pode ser útil na orientação da transfusão
intraoperatória mas não é amplamente aplicável para o diagnóstico de
distúrbios de hemostasia e trombose.
Para exames pré-operatórios e pré-procedimentos de rotina, um tempo
de protrombina (TP) anormal pode detectar doença hepática ou deficiência
de vitamina K que não foram previamente analisadas. Estudos não
confirmaram a utilidade de um TTPa nas avaliações pré-operatórias de
pacientes com história negativa de sangramento. O uso primário de exame de
coagulação deve ser para confirmar a presença e o tipo de distúrbio
hemorrágico em um paciente com história clínica suspeita.
Devido à natureza dos exames de coagulação, a aquisição e manuseio
adequados da amostra são cruciais para obter resultados válidos. Nos
pacientes com exames de coagulação anormais que não têm história de
sangramento, a repetição dos exames com atenção para esses fatores
frequentemente resulta em valores normais. A maioria dos exames de
coagulação é realizada em plasma anticoagulado com citrato de sódio
recalcificado para o exame. Pelo fato de o anticoagulante estar em uma
solução líquida e precisar ser adicionado ao sangue em proporção ao volume
plasmático, tubos de coleta incorretamente preenchidos ou inadequadamente
misturados apresentam resultados errados. Os tubos Vacutainer devem ser
preenchidos para > 90% do preenchimento recomendado, o que em geral é
denotado por uma linha no tubo. Um hematócrito elevado (> 55%) pode
resultar em um falso valor devido a uma razão reduzida entre plasma e
anticoagulante.
FIGURA 61-6 Atividade do fator de coagulação testada no tempo de tromboplastina parcial ativada
(TTPa) em vermelho e tempo de protrombina (TP) em verde, ou ambos. F, fator; HMWK, cininogênio
de alto peso molecular; PC, pré-calicreína.
Teste da mistura Os testes da mistura são usados para avaliar um TTPa ou,
menos comumente, um TP prolongado distinguindo entre uma deficiência de
fator e um inibidor. Nesse ensaio, o plasma normal e o plasma do paciente
são misturados em uma proporção de 1:1, sendo o TTPa e o TP determinados
imediatamente e após incubação a 37°C por tempos variados, normalmente
30, 60 e/ou 120 minutos. Com deficiências de fator isoladas, o TTPa será
corrigido com a mistura e permanecerá corrigido com incubação. Com o
prolongamento de TTPa causado por anticoagulante lúpico, a mistura e a
incubação não irão apresentar correção. Nos anticorpos neutralizantes do
fator adquiridos, como um inibidor do fator VIII adquirido, o exame inicial
pode ou não ser imediatamente corrigido após a mistura, mas se prolongará
ou continuará prolongado com a incubação a 37°C. A falha em corrigir com a
mistura pode também ser causada pela presença de outros inibidores ou
substâncias de interferência, como a heparina, produtos da degradação da
fibrina e paraproteínas.
Ensaios de fatores específicos As decisões para avançar com os ensaios de
fator de coagulação específicos serão influenciadas pela situação clínica e os
resultados dos testes de rastreamento de coagulação. O diagnóstico preciso e
o tratamento efetivo das deficiências de coagulação hereditárias e adquiridas
necessitam de quantificação dos fatores relevantes. Quando o sangramento é
grave, existe uma necessidade urgente de ensaios específicos para orientar o
tratamento adequado. Os ensaios de fator isolados em geral são realizados
como modificações do teste da mistura, em que o plasma do paciente é
misturado com plasma deficiente no fator que está sendo estudado. Isso irá
corrigir todas as deficiências de fator em > 50%, tornando, assim, o
prolongamento da formação do coágulo devido à deficiência de fator
dependente do fator ausente no plasma adicionado.
LEITURAS ADICIONAIS
Giannakopoulos B, Krilis SA: The pathogenesis of the antiphospholipid
syndrome. N Engl J Med 368:11, 2013.
Hicks LK et al: The ASH choosing wisely® campaign: Five hematologic tests
and treatments to question. Blood 1222:3879, 2013.
Konkle BA: Direct oral anticoagulants: Monitoring anticoagulant effect, in
Direct Oral Anticoagulants in Clinical Practice, Connors JM, ed., Hematol
Oncol Clin North Am 30:995, 2016.
Mackie I et al: Guidelines on the laboratory aspect of assays used in haemostasis
and thrombosis. Int Jnl Lab Hem 35:1, 2013.
Middeldorp S: Evidence-based approach to thrombophilia testing. J Thromb
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Rydz N, James PD: The evolution and value of bleeding assessment tools. J
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Wagenman BL et al: The laboratory approach to inherited and acquired
coagulation factor deficiencies. Clini Lab Med 29:229, 2009.
Yau JW et al: Endothelial cell control of thrombosis. BMC Cardiovasc Disord
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62
Linfadenopatia e esplenomegalia
Dan L. Longo
ABORDAGEM AO PACIENTE
Linfadenopatia
A linfadenopatia pode ser uma manifestação primária ou secundária de
inúmeros distúrbios, como mostra a Tabela 62-1. Muitos desses distúrbios
são causas infrequentes de linfadenopatia. Na atenção primária, mais de 66%
dos pacientes com linfadenopatia apresentam causas inespecíficas ou
doenças das vias aéreas superiores (virais ou bacterianas), enquanto < 1%
possuem uma neoplasia maligna. Em um estudo, 84% dos pacientes
encaminhados para avaliação da linfadenopatia tiveram um diagnóstico
“benigno”. Os 16% rentantes apresentavam uma neoplasia maligna (linfoma
ou adenocarcinoma metastático). Dos pacientes com linfadenopatia benigna,
63% apresentavam uma etiologia inespecífica ou reativa (não foi encontrado
agente causal), enquanto o restante apresentou uma causa específica
demonstrada, mais comumente mononucleose infecciosa, toxoplasmose ou
tuberculose. Assim, a grande maioria dos pacientes com linfadenopatia
apresenta uma etiologia inespecífica, exigindo a realização de alguns exames
complementares.
AVALIAÇÃO CLÍNICA
A obtenção de uma cuidadosa história clínica, o exame físico, a realização de
exames laboratoriais selecionados e, talvez, uma biópsia excisional do
linfonodo auxiliarão o médico na busca de uma explicação para a
linfadenopatia.
A anamnese deve revelar o contexto em que a linfadenopatia está
ocorrendo. Devem-se investigar sintomas como faringite, tosse, febre,
sudorese noturna, fadiga, perda de peso ou dor nos linfonodos. Outros
aspectos importantes da anamnese são idade, sexo, ocupação, exposição a
animais domésticos, comportamento sexual e uso de fármacos, como a
difenil-hidantoína. Por exemplo, crianças e adultos jovens geralmente
apresentam distúrbios benignos como responsáveis pela linfadenopatia
observada, como infecções virais ou bacterianas das vias aéreas superiores,
mononucleose infecciosa, toxoplasmose e, em alguns países, tuberculose. Em
contrapartida, depois dos 50 anos de idade, a incidência de distúrbios
malignos aumenta, enquanto a dos distúrbios benignos diminui.
O exame físico pode fornecer indícios úteis, como extensão da
linfadenopatia (localizada ou generalizada), tamanho dos linfonodos, textura,
presença ou ausência de dor à palpação dos linfonodos, sinais de inflamação
no linfonodo, lesões cutâneas e esplenomegalia. Indica-se um exame
otorrinolaringológico completo para os pacientes adultos com adenopatia
cervical e história de tabagismo. A adenopatia localizada ou regional implica
o comprometimento de uma única área anatômica. A adenopatia generalizada
foi definida como o comprometimento de três ou mais áreas de linfonodos
não contíguas. Muitas das causas da linfadenopatia (Tab. 62-1) podem
produzir adenopatia localizada ou generalizada, então essa diferenciação tem
utilidade limitada no diagnóstico diferencial. Contudo, a linfadenopatia
generalizada está frequentemente associada a distúrbios não malignos, como
a mononucleose infecciosa (por vírus Epstein-Barr [EBV] ou
citomegalovírus [CMV]), toxoplasmose, Aids, outras infecções virais, lúpus
eritematoso sistêmico (LES) e doença mista do tecido conectivo. As
leucemias linfocíticas aguda e crônica, bem como os linfomas malignos,
também provocam adenopatia generalizada em adultos.
A região anatômica da adenopatia localizada ou regional pode fornecer
um indício útil sobre a causa. Com frequência, a adenopatia occipital reflete
uma infecção do couro cabeludo, enquanto a adenopatia pré-auricular
acompanha infecções das conjuntivas e a doença da arranhadura do gato. O
local mais frequente da adenopatia regional é o pescoço, e a maioria das
causas é benigna – infecções das vias aéreas superiores, lesões orais e
dentárias, mononucleose infecciosa ou outras doenças virais. As principais
causas malignas incluem cânceres metastáticos de cabeça e pescoço, mama,
pulmão e tireoide. O aumento dos linfonodos supraclaviculares e escalenos
sempre é anormal. Como tais linfonodos drenam regiões do pulmão e do
espaço retroperitoneal, podem refletir a presença de linfomas, outros tipos de
câncer ou processos infecciosos que surgem nessas áreas. O nódulo de
Virchow é um linfonodo supraclavicular esquerdo aumentado, infiltrado com
câncer metastático proveniente de neoplasia gastrintestinal primária.
Ocorrem também metástases para os linfonodos supraclaviculares a partir de
câncer de pulmão, mama, testículos ou ovários. Tuberculose, sarcoidose e
toxoplasmose são causas não neoplásicas da adenopatia supraclavicular. Em
geral, a adenopatia axilar é produzida por lesões ou infecções localizadas no
membro superior ipsolateral. As causas malignas incluem melanoma ou
linfoma e, em mulheres, câncer de mama. A linfadenopatia inguinal é
geralmente secundária a infecções ou a traumatismo dos membros inferiores
e pode acompanhar infecções sexualmente transmissíveis, como
linfogranuloma venéreo, sífilis primária, herpes genital ou cancroide. Esses
linfonodos também podem ser acometidos por linfomas ou câncer
metastático proveniente de lesões primárias do reto, da genitália ou dos
membros inferiores (melanoma).
O tamanho e a textura do(s) linfonodo(s) e a presença de dor constituem
parâmetros úteis na avaliação do paciente com linfadenopatia. Linfonodos
com área < 1,0 cm2 (1,0 cm × 1,0 cm ou menos) são quase sempre
secundários a causas reativas inespecíficas e benignas. Em uma análise
retrospectiva de pacientes mais jovens (9-25 anos de idade) submetidos a
biópsia de linfonodo, o diâmetro maior com > 2 cm serviu como
discriminante para predizer que a biópsia poderia revelar a existência de
doença maligna ou granulomatosa. Outro estudo mostrou que um linfonodo
com tamanho de 2,25 cm2 (1,5 cm × 1,5 cm) era o melhor limite de tamanho
para diferenciar a linfadenopatia maligna ou granulomatosa das outras causas
da linfadenopatia. Os pacientes com linfonodo(s) ≤ 1,0 cm2 devem ser
observados após a exclusão de mononucleose infecciosa e/ou toxoplasmose,
a menos que existam sinais e sintomas de doença sistêmica subjacente.
A textura dos linfonodos pode ser descrita como macia, firme, elástica,
dura, isolado × agrupado, hipersensível, móvel ou fixa. Ocorre
hipersensibilidade quando a cápsula é distendida durante um aumento rápido,
em geral de modo secundário a algum processo inflamatório. Certas doenças
malignas, como a leucemia aguda, podem provocar aumento rápido e dor nos
linfonodos. Os linfonodos acometidos por linfoma tendem a ser grandes,
distintos, simétricos, elásticos, firmes, móveis e indolores. Os linfonodos
envolvidos por câncer metastático com frequência são duros, indolores e
imóveis, em virtude de fixação aos tecidos circundantes. A coexistência de
esplenomegalia no paciente com linfadenopatia indica doença sistêmica,
como mononucleose infecciosa, linfoma, leucemia aguda ou crônica, LES,
sarcoidose, toxoplasmose, doença da arranhadura do gato ou outros
distúrbios hematológicos menos comuns. A história do paciente deve
fornecer indícios úteis sobre a doença sistêmica subjacente.
Uma apresentação não superficial (torácica ou abdominal) da
adenopatia é normalmente detectada em decorrência de avaliação diagnóstica
orientada para os sintomas. A adenopatia torácica pode ser detectada pela
radiografia de tórax de rotina ou durante uma avaliação para adenopatia
superficial. Também pode ser encontrada porque o paciente se queixa de
tosse ou sibilos em decorrência de compressão das vias aéreas; rouquidão por
comprometimento do nervo laríngeo recorrente; disfagia por compressão do
esôfago; ou edema do pescoço, da face ou dos braços secundário à
compressão da veia cava superior ou da veia subclávia. O diagnóstico
diferencial de adenopatia mediastinal e hilar inclui distúrbios pulmonares
primários e doenças sistêmicas que normalmente acometem os linfonodos
mediastinais ou hilares. No indivíduo jovem, a adenopatia mediastinal está
associada à mononucleose infecciosa e à sarcoidose. Nas regiões endêmicas,
a histoplasmose pode causar comprometimento unilateral dos linfonodos
paratraqueais, simulando um linfoma. A tuberculose também pode provocar
adenopatia unilateral. Nos pacientes de mais idade, o diagnóstico diferencial
deve incluir câncer primário de pulmão (sobretudo entre fumantes), linfomas,
carcinoma metastático (geralmente do pulmão), tuberculose, micose e
sarcoidose.
O aumento dos linfonodos intra-abdominais ou retroperitoneais em
geral é maligno. Embora a tuberculose possa manifestar-se como linfadenite
mesentérica, essas massas geralmente devem-se a linfomas e, em homens
jovens, tumores de células germinativas.
INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
A investigação laboratorial de pacientes com linfadenopatia deve ser
individualizada para elucidar a etiologia suspeita com base na história clínica
e nos achados físicos do paciente. Um estudo realizado em ambulatório de
medicina familiar avaliou 249 pacientes mais jovens com “linfonodos
aumentados de causa não infecciosa” ou “linfadenite”. Não foram feitos
exames laboratoriais em 51% dos pacientes. Quando realizados, os mais
comuns foram hemograma completo (HC) (33%), cultura de material da
orofaringe (16%), radiografia de tórax (12%) ou teste de rastreamento da
mononucleose infecciosa (10%). Apenas 8 pacientes (3%) foram submetidos
à biópsia de linfonodo, e metade dos linfonodos biopsiados era normal ou
reativa. O HC pode fornecer dados úteis para o diagnóstico de leucemia
aguda ou crônica, mononucleose por EBV ou CMV, linfoma com
componente leucêmico, infecções piogênicas ou citopenias imunes em
doenças como o LES. Os exames sorológicos podem demonstrar anticorpos
específicos contra componentes do EBV, CMV, HIV e de outros vírus;
Toxoplasma gondii; Brucella; etc. Se houver suspeita de LES, justifica-se a
realização de pesquisa para fator antinuclear e anticorpos anti-DNA.
A radiografia de tórax geralmente é negativa, porém a presença de
infiltrado pulmonar ou de linfadenopatia mediastinal deve sugerir a
existência de tuberculose, histoplasmose, sarcoidose, linfoma, câncer de
pulmão primário ou câncer metastático, exigindo investigação adicional.
Diversas técnicas de imagem (tomografia computadorizada [TC],
ressonância magnética [RM], ultrassom, ultrassonografia com Doppler
colorido) foram utilizadas para diferenciar os linfonodos benignos dos
malignos, particularmente em pacientes com câncer de cabeça e pescoço. A
TC e a RM são de precisão comparável (65-90%) no diagnóstico de
metástases para os linfonodos cervicais. A ultrassonografia tem sido usada
para determinar o eixo maior, o eixo menor e a razão entre os eixos maior e
menor nos linfonodos cervicais. Uma razão eixo maior/eixo menor < 2,0 tem
uma sensibilidade e especificidade de 95% para diferenciar linfonodos
benignos de malignos em pacientes com tumores de cabeça e pescoço. Essa
razão tem maior especificidade e sensibilidade do que a palpação ou medição
do eixo maior ou do eixo menor isoladamente.
As indicações para biópsia de linfonodos são imprecisas, porém ela é
um valioso instrumento de diagnóstico. A decisão quanto à realização de
biópsia pode ser tomada no início da avaliação do paciente ou adiada até
depois de 2 semanas. Deve ser feita uma biópsia imediatamente se a
anamnese e o exame físico do paciente sugerirem neoplasia maligna; são
exemplos o linfonodo cervical solitário, duro e indolor em um paciente de
idade mais avançada que seja fumante crônico; adenopatia supraclavicular e
adenopatia solitária ou generalizada de consistência firme, móvel e sugestiva
de linfoma. Se houver suspeita de câncer primário de cabeça e pescoço com
base em um linfonodo cervical duro e solitário, deverá ser realizado um
cuidadoso exame otorrinolaringológico. Toda lesão em mucosas que gera
suspeita de processo neoplásico primário deve ser inicialmente submetida à
biópsia. Se não for detectada lesão alguma na mucosa, deve ser feita uma
biópsia excisional do maior linfonodo. A aspiração com agulha fina não deve
ser realizada como primeiro procedimento diagnóstico. Na maioria dos casos,
o diagnóstico exige mais tecido que a aspiração pode fornecer e, com
frequência, retarda o diagnóstico definitivo. A aspiração com agulha fina
deve ser reservada para nódulos da tireoide e confirmação de recidiva em
pacientes cujo diagnóstico primário é conhecido. Se o médico de cuidados
primários tiver dúvida quanto à realização de biópsia, poderá ser útil
consultar um hematologista ou oncologista clínico. Nos ambulatórios de
assistência primária, < 5% dos pacientes com linfadenopatia necessitam de
biópsia. Essa porcentagem é consideravelmente maior em clínicas
especializadas, ou seja, hematologia, oncologia ou otorrinolaringologia.
Dois grupos apresentaram algoritmos que, segundo eles, devem
identificar de maneira precisa quais pacientes com linfadenopatia que devem
ser submetidos à biópsia. Ambos os relatos foram análises retrospectivas em
clínicas especializadas. O primeiro estudo incluiu pacientes de 9 a 25 anos de
idade que foram submetidos a uma biópsia de linfonodos. Identificaram-se
três variáveis que indicam quais pacientes jovens com linfadenopatia
periférica devem ser submetidos à biópsia. Linfonodos com diâmetro > 2 cm
e radiografias de tórax anormais tiveram valor preditivo positivo, enquanto
sintomas otorrinolaringológicos recentes apresentaram valores preditivos
negativos. No segundo estudo, foram avaliados 220 pacientes com
linfadenopatia em um centro de hematologia e identificadas cinco variáveis
(tamanho do linfonodo, localização [supraclavicular ou não], idade [> 40
anos ou < 40 anos], textura (não duro ou duro) e dor à palpação) que foram
utilizadas em um modelo matemático para identificar os pacientes que
necessitam de biópsia. Encontrou-se um valor preditivo positivo para idade >
40 anos, localização supraclavicular, linfonodo com tamanho > 2,25 cm2,
consistência dura e ausência de dor ou de hipersensibilidade à palpação. Um
valor preditivo negativo foi evidente para uma idade < 40 anos, linfonodo <
1,0 cm2, consistência não dura e linfonodos hipersensíveis ou dolorosos.
Cerca de 91% dos pacientes que necessitaram de biópsia foram corretamente
classificados por esse modelo. Como ambos os estudos foram análises
retrospectivas e um deles limitou-se a pacientes jovens, desconhece-se a
utilidade desses modelos quando aplicados prospectivamente em uma
instalação de atenção primária.
A maioria dos pacientes com linfadenopatia não necessita de biópsia e
pelo menos metade não precisa de exames laboratoriais. Se a anamnese e os
achados físicos do paciente indicarem uma causa benigna da linfadenopatia,
poderá ser efetuado um cuidadoso acompanhamento após um intervalo de 2 a
4 semanas. O paciente deverá ser instruído a retornar para reavaliação se
houver aumento no tamanho dos linfonodos. Os antibióticos não são
indicados para o tratamento da linfadenopatia, a menos que tenham fortes
evidências de infecção bacteriana. Os glicocorticoides não devem ser usados
no tratamento da linfadenopatia, visto que seu efeito linfolítico obscurece
alguns diagnósticos (linfoma, leucemia, doença de Castleman), e esses
fármacos contribuem para a resolução tardia ou ativação de infecções
subjacentes. Uma exceção é a obstrução faríngea potencialmente fatal por
tecido linfoide aumentado no anel de Waldeyer, às vezes observada na
mononucleose infecciosa.
ESPLENOMEGALIA
ESTRUTURA E FUNÇÃO DO BAÇO
O baço é um órgão reticuloendotelial que tem a sua origem embriológica no
mesogástrio dorsal em torno de 5 semanas de gestação. Surge em uma série de
proeminências, migra para sua localização normal no adulto, no quadrante
superior esquerdo (QSE), e insere-se no estômago por meio do ligamento
gastresplênico e ao rim pelo ligamento esplenorrenal. Quando as proeminências
não se unem em uma única massa de tecido, surgem baços acessórios em cerca
de 20% dos indivíduos. A função do baço é indefinível. Galeno acreditava que o
baço era a fonte da “bile negra” ou melancolia, e a palavra hipocondria
(literalmente, “embaixo das costelas”) contribui para a crença de que o baço tem
uma importante influência na psique e nas emoções. Nos humanos, suas funções
fisiológicas normais parecem ser as seguintes:
ABORDAGEM AO PACIENTE
Esplenomegalia
AVALIAÇÃO CLÍNICA
Os sintomas mais comuns produzidos por doenças que acometem o baço são
a dor e sensação de peso no QSE. A esplenomegalia maciça pode causar
saciedade precoce. A dor pode resultar do aumento de volume agudo do baço
com estiramento, infarto ou inflamação da cápsula. Durante muitos anos,
acreditou-se que o infarto esplênico era clinicamente silencioso, o que, às
vezes, é verdadeiro. Entretanto, Soma Weiss, em seu clássico relato de 1942
sobre auto-observações feitas por um estudante de medicina de Harvard a
respeito da evolução clínica da endocardite bacteriana subaguda, documentou
que a dor intensa no QSE e a dor torácica pleurítica podem acompanhar a
oclusão tromboembólica do fluxo sanguíneo esplênico. A oclusão vascular,
com infarto e dor, é comumente observada em crianças com crises de anemia
falciforme. A ruptura do baço, seja por traumatismo, seja por doença
infiltrativa que desintegra a cápsula, pode resultar em sangramento
intraperitoneal, choque e morte. A ruptura propriamente dita pode ser indolor.
Um baço palpável é o principal sinal físico produzido por doenças que
afetam o baço e sugere aumento de tamanho do órgão. O baço normal pesa <
250 g, diminui de tamanho com a idade, situa-se, em condições normais,
totalmente dentro da caixa torácica, possui um diâmetro cefalocaudal
máximo de 13 cm na ultrassonografia ou comprimento máximo de 12 cm
e/ou largura de 7 cm na cintilografia com radionuclídeo, sendo geralmente
impalpável. Entretanto, foi encontrado um baço palpável em 3% de 2.200
estudantes universitários assintomáticos do sexo masculino. O
acompanhamento realizado durante um período de 3 anos revelou que 30%
desses estudantes ainda tinha baço palpável sem qualquer aumento na
prevalência de doenças. Um acompanhamento de 10 anos não revelou
nenhuma evidência de processos malignos linfoides. Além disso, em alguns
países tropicais (p. ex., Nova Guiné), a incidência de esplenomegalia pode
atingir 60%. Por conseguinte, o fato de um baço ser palpável nem sempre
significa que há doença. Ainda que exista alguma doença, a esplenomegalia
pode não refletir a doença primária, mas sim uma reação a ela. Por exemplo,
em pacientes com doença de Hodgkin, apenas 66% dos baços palpáveis
exibem comprometimento pelo câncer.
No exame físico do baço, utilizam-se basicamente as técnicas de
palpação e percussão. A inspeção pode revelar plenitude no QSE, que desce
com a inspiração, achado associado a um baço maciçamente aumentado. A
ausculta pode revelar um rumor venoso ou ruído de atrito.
A palpação pode ser efetuada por palpação bimanual, rechaço e
palpação a partir de cima (manobra de Middleton). Na palpação bimanual,
tão confiável quanto as outras técnicas, o paciente deve ficar em decúbito
dorsal com os joelhos fletidos. O médico coloca a mão esquerda sobre a parte
inferior da caixa torácica e puxa a pele em direção à margem costal,
permitindo que as pontas dos dedos da mão direita percebam a ponta do baço
à medida que ele desce enquanto o paciente inspira de forma lenta, suave e
profunda. A palpação é iniciada com a mão direita no quadrante inferior
esquerdo, com movimento gradual em direção à margem costal esquerda,
identificando, assim, a borda inferior de um baço com aumento maciço.
Quando a ponta do baço é percebida, o achado é registrado em centímetros
abaixo da margem costal esquerda em algum ponto arbitrário, isto é, 10 a 15
cm a partir do ponto médio do umbigo ou da junção xifoesternal. Isso
permite que outros examinadores possam comparar os achados, ou que o
examinador inicial determine a ocorrência de alterações no tamanho com o
passar do tempo. A palpação bimanual com o paciente em decúbito lateral
direito nada acrescenta ao exame em decúbito dorsal.
A percussão para macicez esplênica é realizada por meio de qualquer
uma das três técnicas descritas por Nixon, Castell ou Barkun:
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Muitas das doenças associadas à esplenomegalia estão listadas na Tabela 62-
2. São classificadas de acordo com os mecanismos básicos pressupostos
responsáveis pelo aumento de tamanho do órgão:
AVALIAÇÃO LABORATORIAL
As principais anormalidades laboratoriais que acompanham a esplenomegalia
são determinadas pela doença sistêmica subjacente. A contagem de
eritrócitos pode estar normal, diminuída (síndromes de talassemia maior,
LES, cirrose com hipertensão portal) ou aumentada (policitemia vera). A
contagem de granulócitos pode se mostrar normal, diminuída (síndrome de
Felty, esplenomegalia congestiva, leucemias) ou aumentada (infecções ou
doença inflamatória, distúrbios mieloproliferativos). De modo semelhante, a
contagem plaquetária pode ser normal, reduzida quando houver aumento do
sequestro ou da destruição das plaquetas no baço aumentado (esplenomegalia
congestiva, doença de Gaucher, trombocitopenia imune) ou elevada nos
distúrbios mieloproliferativos, como a policitemia vera.
O HC pode revelar citopenia de um ou mais tipos de células sanguíneas,
sugerindo hiperesplenismo. Essa condição caracteriza-se por esplenomegalia,
citopenia(s), medula óssea normal ou hiperplásica e resposta à
esplenectomia. A última característica é menos precisa, visto que a reversão
da citopenia, sobretudo da granulocitopenia, às vezes não persiste após a
esplenectomia. As citopenias resultam de destruição aumentada dos
elementos celulares em consequência de uma redução do fluxo sanguíneo
através dos cordões aumentados e congestos (esplenomegalia congestiva) ou
devido a mecanismos imunomediados. No hiperesplenismo, vários tipos
celulares geralmente exibem uma morfologia normal no esfregaço de sangue
periférico, embora os eritrócitos possam ser esferocíticos devido à perda da
área de superfície durante o seu trânsito mais prolongado através do baço
aumentado. O aumento na produção de eritrócitos pela medula deve ser
refletido como um aumento no índice reticulocítico, embora o valor possa ser
inferior ao esperado devido ao sequestro aumentado dos reticulócitos no
baço.
A necessidade de outros exames laboratoriais é determinada pelo
diagnóstico diferencial da doença subjacente da qual a esplenomegalia é uma
das manifestações.
ESPLENECTOMIA
A esplenectomia é raramente realizada para fins diagnósticos, sobretudo na
ausência de doença clínica ou de outros exames complementares que sugiram
doença subjacente. Com mais frequência, a esplenectomia é feita para o controle
dos sintomas em pacientes com esplenomegalia maciça, para o controle da
doença em pacientes com ruptura traumática do baço ou para a correção das
citopenias em pacientes com hiperesplenismo ou destruição imunomediada de
um ou mais elementos celulares do sangue. A esplenectomia é necessária para o
estadiamento dos pacientes com doença de Hodgkin apenas naqueles com
doença clínica nos estágios I ou II, para os quais se planeja instituir radioterapia
isolada. O estadiamento não invasivo do baço na doença de Hodgkin não fornece
uma base confiável o suficiente para a tomada de decisões terapêuticas, visto que
um terço dos baços com dimensões normais estão acometidos pela doença de
Hodgkin e um terço dos baços aumentados não apresentam tumor. O uso
disseminado da terapia sistêmica para tratar todos os estágios da doença de
Hodgkin tornou desnecessário a laparotomia de estadiamento com
esplenectomia. Apesar de a esplenectomia na leucemia mielocítica crônica
(LMC) não afetar a história natural da doença, a remoção do baço maciço em
geral faz o paciente se sentir bem mais confortável e simplifica o tratamento ao
reduzir significativamente as necessidades de transfusão. Os avanços na terapia
da LMC reduziram a necessidade de esplenectomia para o controle dos sintomas.
A esplenectomia é um tratamento secundário ou terciário efetivo para duas
leucemias crônicas de células B, a leucemia de células pilosas e a leucemia pró-
linfocítica, bem como para o raríssimo linfoma da zona marginal ou de células
do manto esplênico. Nessas doenças, a esplenectomia pode estar associada a
uma regressão significativa do tumor na medula óssea e em outros locais da
doença. Foram observadas regressões semelhantes da doença sistêmica após
irradiação do baço em alguns tipos de tumores linfoides, particularmente a
leucemia linfocítica crônica e a leucemia pró-linfocítica. Esse processo foi
denominado efeito abscopal. Essas respostas tumorais sistêmicas à terapia local
direcionada para o baço sugerem que algum hormônio ou fator de crescimento
produzido pelo baço, pode afetar a proliferação das células tumorais, mas tal
suposição ainda não foi comprovada. Uma indicação terapêutica comum para
esplenectomia é ruptura esplênica traumática ou iatrogênica. Em uma fração de
pacientes com ruptura esplênica, a implantação peritoneal de fragmentos
esplênicos pode resultar em esplenose – presença de múltiplos restos de tecido
esplênico sem conexão com a circulação portal. Esse tecido esplênico ectópico
pode provocar dor ou obstrução gastrintestinal, como na endometriose. Inúmeras
causas hematológicas, imunológicas e congestivas de esplenomegalia podem
levar à destruição de um ou mais elementos celulares do sangue. Na maioria
desses casos, a esplenectomia pode corrigir as citopenias, sobretudo a anemia e
trombocitopenia. Em uma grande série de pacientes assistidos em dois hospitais
de cuidados terciários, a indicação da esplenectomia foi diagnóstica em 10% dos
pacientes, terapêutica em 44%, houve estadiamento da doença de Hodgkin em
20% e casual em associação a outro procedimento em 26%. Talvez a única
contraindicação à esplenectomia seja a presença de insuficiência medular, na
qual o baço aumentado é a única fonte de tecido hematopoiético.
Frequentemente, a esplenectomia é feita de forma laparoscópica, o que está
associado a uma permanência hospitalar mais curta e recuperação mais rápida do
que na cirurgia aberta; porém, há preocupação de que abordagem laparoscópica
esteja associada a um risco maior de trombose venosa sistêmica portal pós-
operatória e síndrome de Budd-Chiari.
A ausência do baço tem efeitos mínimos em longo prazo sobre o perfil
hematológico. No período pós-esplenectomia imediato, pode haver
desenvolvimento de leucocitose (até 25.000/μL) e de trombocitose (até 1 × 106/
μL); todavia, dentro de 2 a 3 semanas, o hemograma e a sobrevida de cada
linhagem celular costumam estar normais. As manifestações crônicas da
esplenectomia consistem em variação acentuada no tamanho e na forma dos
eritrócitos (anisocitose, poiquilocitose), bem como presença de corpúsculos de
Howell-Jolly (remanescentes nucleares), corpúsculos de Heinz (hemoglobina
desnaturada), pontilhado basofílico e eritrócitos nucleados eventuais no sangue
periférico. Quando essas anormalidades eritrocitárias aparecem em um paciente
cujo baço não foi removido, deve-se suspeitar de infiltração esplênica por tumor,
interferindo em suas funções normais de seleção e remoção.
A consequência mais grave da esplenectomia é um aumento da
suscetibilidade a infecções bacterianas, em particular as causadas por
microrganismos encapsulados, como Streptococcus pneumoniae, Haemophilus
influenzae e alguns microrganismos entéricos Gram-negativos. Os pacientes <
20 anos de idade são particularmente suscetíveis à sepse maciça por S.
pneumoniae, e o risco atuarial global de sepse em pacientes submetidos à
esplenectomia é de cerca de 7% em 10 anos. A taxa de letalidade da sepse
pneumocócica em pacientes esplenectomizados é de 50 a 80%. Cerca de 25%
dos pacientes esplenectomizados desenvolvem infecção grave em algum
momento de suas vidas. A frequência é maior nos primeiros 3 anos após a
esplenectomia. Cerca de 15% das infecções são polimicrobianas, e os locais
mais comuns de acometimento incluem os pulmões, a pele e o sangue. Não se
observou maior risco de infecção viral em pacientes submetidos à
esplenectomia. A suscetibilidade a infecções bacterianas está relacionada com a
incapacidade de remover as bactérias opsonizadas da corrente sanguínea e ao
defeito na produção de anticorpos contra antígenos independentes das células T,
como os componentes polissacarídicos das cápsulas bacterianas. Deve-se
administrar vacina pneumocócica a todos os pacientes 2 semanas antes da
esplenectomia eletiva. O Advisory Committee on Immunization Practices
recomenda que esses pacientes recebam vacina de reforço 5 anos após a
esplenectomia. A eficácia ainda não foi comprovada para esse grupo, e a
recomendação não leva em conta a possibilidade de que a administração da
vacina possa, na verdade, baixar os títulos de anticorpos antipneumocócicos
específicos. Atualmente, há disponibilidade de uma vacina pneumocócica
conjugada mais eficaz que envolve as células T na resposta (Prevenar,
heptavalente). A vacina contra a Neisseria meningitidis também deve ser
administrada a pacientes para os quais se planeja uma esplenectomia eletiva.
Embora os dados de eficácia para a vacina contra o Haemophilus influenzae tipo
B não estejam disponíveis para crianças mais velhas ou em adultos, ela pode ser
administrada em pacientes que sofreram esplenectomia.
Os pacientes esplenectomizados devem ser orientados a considerar qualquer
febre inexplicada como emergência médica. O atendimento médico imediato
com avaliação e tratamento de bacteremia suspeita pode salvar a vida do
paciente. A quimioprofilaxia de rotina com penicilina oral pode resultar no
aparecimento de cepas resistentes a fármacos, não sendo recomendada.
Além da maior suscetibilidade a infecções bacterianas, os pacientes
submetidos à esplenectomia também são mais propensos à doença parasitária
babesiose. O paciente esplenectomizado deve evitar áreas onde o parasita
Babesia seja endêmico.
A remoção cirúrgica do baço é uma causa óbvia de hipoesplenismo. Os
pacientes com anemia falciforme muitas vezes sofrem autoesplenectomia em
consequência da destruição do baço pelos vários infartos associados às crises
falciformes durante a infância. Com efeito, a presença de baço palpável em um
paciente com anemia falciforme depois dos 5 anos de idade sugere uma
hemoglobinopatia concomitante, por exemplo, talassemia ou hemoglobina C.
Além disso, os pacientes submetidos a irradiação esplênica para uma doença
neoplásica ou autoimune também são funcionalmente hipoesplênicos. O termo
hipoesplenismo é preferido a asplenismo para referir-se às consequências
fisiológicas da esplenectomia, por ser a asplenia a anormalidade congênita rara,
específica e fatal que se caracteriza por ausência de desenvolvimento normal do
lado esquerdo da cavidade celômica (que inclui o primórdio esplênico). Os
lactentes com asplenia não têm baço, embora esse seja o menor de seus
problemas. O lado direito do embrião em desenvolvimento mostra-se duplicado
no lado esquerdo, de modo que o fígado se encontra no local onde deveria estar
o baço, existem dois pulmões direitos, e o coração é composto por dois átrios
direitos, assim como por dois ventrículos direitos.
Agradecimento Patrick H. Henry, MD, amigo e mentor agora falecido, foi autor
deste capítulo em edições anteriores, e grande parte do seu trabalho foi mantida
aqui.
LEITURAS ADICIONAIS
Barkun AN et al: The bedside assessment of splenic enlargement. Am J Med
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