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Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula

CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL PARA


FORMAÇÃO DE HABILIDADES EM RESOLUÇÃO DE
PROBLEMAS MATEMÁTICOS

Naralina Viana Soares da Silva Oliveira1


Héctor José García Mendoza2
Oscar Tintorer Delgado3
Mauro Guterres Barbosa 4

Resumo
O presente artigo tem como objetivo discutir e refletir sobre algumas teorias com enfoque
histórico-cultutal que podem contribuir para o desenvolvimento de habilidades em resolução de
problemas matemáticos. Diante disso, foi feita uma breve revisão sobre o conceito de habilidade
na perspectiva da teoria da atividade de Leontiev e sobre o desenvolvimento de habilidades sob
a ótica da teoria de formação das ações mentais por etapas de Ya. P. Galperin. Além destes
teóricos, analisou-se as possíveis contribuições de Talízina enfatizando o papel do professor no
processo de desenvolvimento de habilidades e estudou-se sobre os procedimentos invariantes que
permeiam este processo a partir das ideias do ensino problematizador de Majmutov e da atividade
de situações problema de Mendoza e Delgado. Ao revisitar tais teorias foi possível perceber que
existe uma complementariedade entre elas em prol da formação de habilidades na resolução de
problemas matemáticos, bem como a possibilidade de se estabelecer uma relação dialógica entre
a teoria e a prática no âmbito do processo de formação de habilidades.

Palavras-chave: Teoria da Atividade; Formação de Habilidade; Formação de Ações Mentais;


Resolução de Problemas; Atividade de Situações Problema

1. Introdução

Na contramão do movimento da matemática moderna, por volta das décadas de


1960 e 1970, surgiu uma gama de pesquisas americanas cujo tema era resolução de
problemas. Apesar de pessoas e grupos terem diferentes entendimentos sobre o
significado de resolução de problemas no âmbito do ensino da matemática, este tema foi
repetidamente contemplado no National Council of Teacher of Mathematics – NCTM,
desde a publicação do An Agenda for Action: Recommendations for School Mathematics
of the 1980s (NCTM, 1980), culminando com a publicação dos Principles and Standards

1
Universidade Federal de Pernambuco – naralina@gmail.com
2
Universidade Federal de Roraima – hector.mendoza@live.com
3
Universidade Estadual de Roraima – tintorer.delgado@gmail.com
4
Universidade Estadual do Maranhão – mbarbosa1977@gmail.com

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for School Mathematics (NCTM, 2000), onde foram enunciados 6 princípios ( Equidade,
Currículo, Ensino, Aprendizagem, Avaliação e Tecnologia); 5 padrões de conteúdo (
Números e Operações, Álgebra, Geometria, Medida e Análise de dados e Probabilidade);
e 5 padrões de procedimentos (Resolução de Problemas, Raciocínio e prova,
Comunicação, Conexões e Representação), convencionando a resolução de problemas
como um procedimento de ensino e aprendizagem, permanecendo como tema de
discussão até nos recentes eventos do conselho de acordo com NCTM (2017).

Por outro lado, a comunidade internacional Organization for Economic Co-


operation and Development – OCDE, a qual implantou e coordena desde 2000 um
sistema de avaliação em larga escala denominado Programme for International Student
Assessment – PISA, enfatiza o enfoque por competências, valorizando não só a
aprendizagem de conteúdos conceituais, bem como de habilidades.

Recentemente foi publicado um documento oficial no Brasil, chamado Base


Nacional Comum Curricular, com o intuito de padronizar os objetos de conhecimento e
habilidades básicas em cada ano escolar, e mais uma vez se observa a ênfase dada à
resolução de problemas.

Exercitar a curiosidade intelectual e recorrer à abordagem própria das


ciências, incluindo a investigação, a reflexão, a análise crítica, a
imaginação e a criatividade, para investigar causas, elaborar e testar
hipóteses, formular e resolver problemas e criar soluções (inclusive
tecnológicas) com base nos conhecimentos das diferentes áreas.
(BRASIL, 2017, p. 9 )

Como visto, existe uma ênfase significativa de dimensão nacional e internacional


no que tange a capacidade de resolução de problemas, bem como a utilização da
metodologia de resolução de problemas no campo educacional.

As exigências para o ensino de matemática na perspectiva de desenvolver e


formar, além de conceitos, competências e habilidades concernentes à resolução de
problemas também demandam novas formas de organizar o processo de ensino e
aprendizagem. Tendo em vista tais necessidades, o presente artigo tem como objetivo
revisitar algumas teorias com enfoque histórico-cultural que podem contribuir de forma
significativa para o desenvolvimento de habilidades na resolução de problemas
matemáticos

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2. Habilidade: conceito e desenvolvimento

No âmbito do processo de ensino e aprendizagem, o termo habilidade pode


assumir diferentes significados. Para Dias (2010) o conceito de competência tem sido
substituído pelo conceito de habilidade. Ele afirma que é a competência que permite ao
aluno enfrentar e regular adequadamente um conjunto de ações em situações de
aprendizagem. Do ponto de vista do sociólogo francês Phillipe Perrenoud (1999),
habilidades e competências estão intimamente relacionadas, sendo a habilidade uma
espécie de unidade da competência, isto é, a competência é formada por um sistema
harmônico de habilidades, e foca seus estudos em competências.

Na dimensão do enfoque histórico-cultural, a qual assumimos neste trabalho,


habilidade é um tipo de atividade cognoscitiva, prática e valorativa que coloca o
conhecimento teórico em ação Núñez, Ramalho e Oliveira (2016). Habilidade é o
conteúdo das ações realizadas e dominadas pelo indivíduo. Nesta perspectiva, o conteúdo
procedimental não deve ser visto de forma fragmentada, separada do conteúdo conceitual,
como o faz os Parâmetros Curriculares Nacionais.

Nesta linha, Talízina (2000) afirma que assimilação do conhecimento não ocorre
dissociado às ações, ou seja, o saber está sempre associado ao saber-fazer. É por meio da
habilidade que o aluno se relaciona com o objeto de estudo, apropria-se dele, transforma-
o e transforma a si mesmo, com um motivo, visando um objetivo.

La aproximación al proceso de enseñanza como aproximación a la


actividad, requiere también considerar de una manera diferente, la
correlación entre conocimientos y habilidades. Los conocimientos no
se deben contraponer a las habilidades, sino considerarse como su
componente. Los conocimientos no se pueden asimilar o conservar
fuera de las acciones del alumno.(TALÍZINA, 2000, p 11)

Para Núñez et al (2016), no processo de ensino e aprendizagem existe uma


unidade dialética entre conceito e ação, onde as habilidades são formadas
inseparavelmente dos conhecimentos teóricos.

Os conhecimentos constituem uma condição necessária para a


formação e o desenvolvimento das habilidades. Ter domínio do
conhecimento significa a capacidade de mobilizá-lo, usá-lo de forma
produtiva e criativa, associado a procedimentos da atividade dirigida a
objetivos e impulsionada por motivos, necessidades e desejos.(p.26)

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Neste prisma, a habilidade de resolver problemas não pode ser desenvolvida
desconsiderando os conteúdos específicos inerentes ao problema. Ao definir um conteúdo
matemático específico, ao invés de fragmentar a aprendizagem em dois momentos
(definição de conceitos e depois sua aplicação), planejaremos uma abordagem unificada,
elaborando tipo de atividades que incluam, desde o início, o sistema de conceitos que
contemplem o conteúdo matemático, visando além de sua assimilação, sua utilização em
resoluções de problemas específicos deste tema, a qual Mendoza (2009) denomina de
Atividade de Situações Problema.

Rodriguez e Bermúdez (1999) apontam que habilidades são ações que o sujeito já
domina. A ação, uma vez dominada pelo indivíduo, por meio do processo de
aprendizagem, transforma-se em habilidade. Para estes autores, o nível de domínio é o
critério para diferenciar habilidade de ação. Assim sendo, podemos dizer que habilidade
é o domínio, por parte do sujeito, de um sistema de ações. Para Núñez et el (2016), o
processo de formação de uma habilidade requer a sistematização das ações que a
constituem.

3. Metodologia

Considerando a habilidade como um tipo de atividade, seguimos o seguinte


percurso metodológico. Realizamos uma pesquisa bibliográfica seguida de discussões e
reflexões sobre a categoria atividade a partir das ideias da Teoria da Atividade
desenvolvida por Leontiev, bem como sobre a origem desta teoria, que é interpretada
como uma superação de determinadas concepções de Vygotsky.

Neste sentido, também se buscou teóricos com enfoque histórico-cultural que


deram continuidade a Teoria da Atividade na perspectiva do desenvolvimento de
habilidades, tais como Talízina e Galperin. A pesquisa bibliográfica foi contemplada com
as ideias do ensino problematizador de Majmutov, assim como suas respectivas
contribuições trazidas por Mendoza e Tintorer no que tange a complementariedade destas
teorias. Assim sendo, discorreremos sobre as principais ideias das teorias supracitadas e
suas respectivas contribuições referentes ao desenvolvimento de habilidades em
resolução de problemas matemáticos.

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4. Resultados e Discussão

Na Teoria histórico cultural de L. S. Vygotsky, o processo de assimilação do


homem é determinado pela experiência social, ele defendia que o principal elemento para
o desenvolvimento da psique humana era a assimilação da experiência social do
indivíduo. Vygotsky explica que as funções psicológicas e intelectuais superiores
aparecem em dois momentos, primeiro como funções interpsíquicas e depois como
funções intrapsíquicas. Uma das suas principais contribuições diz respeito à condição
necessária para que ocorra a aprendizagem, a qual exige que o indivíduo esteja na zona
de desenvolvimento proximal.

La distancia entre el nivel de desarrollo real determinado por la


capacidad de resolver independientemente un problema, y el nivel de
desarrollo potencial, determinado a través de la resolución de un
problema bajo la guía de un adulto o en colaboración con otro
compañero más capaz. (VYGOTSKY, 1988, p. 133)

Contudo, as pesquisas e estudos direcionados ou realizados por Vygotsky


exaltavam a função da linguagem no processo de formação de conceitos e
menosprezavam o papel decisivo da atividade prática material no desenvolvimento
psíquico, ou seja, as ações práticas eram desconsideradas como fatores que influenciam
na atividade mental do homem.

Essas limitações evidenciadas na concepção de Vygotsky foram, posteriormente,


superadas por Alexei Nikolaevich Leontiev, ao sistematizar o conceito de atividade,
elaborando a teoria psicológica geral da atividade. Segundo Talízina (1988), o teórico fez
diversos estudos sobre a atividade da consciência humana, considerando as
particularidades da estrutura da atividade, subordinando estes estudos não mais às leis
naturais, mas sim às leis sociais. Assim sendo, a atividade que relaciona o indivíduo com
o mundo foi convertida em objeto da psicologia.

O teórico se dedicou ao estudo da estrutura da atividade, a qual é composta por


ações, que por sua vez é subdividida em operações, ou seja, um sistema de operações
forma uma ação e um sistema de ações forma uma atividade. Os principais elementos da
atividade são o motivo e o objetivo. O motivo da atividade é concebido como uma
necessidade objetivada e o objetivo da atividade como algo que move o sujeito à ação.

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Talízina (1988) enfatiza que um critério importante, apresentado por ele, para diferenciar
a atividade da ação está relacionado com o objetivo e o motivo, pois se o objetivo
coincidir com o motivo tem-se uma atividade; caso não coincidam, tem-se uma ação.

Neste aspecto, o desenvolvimento da habilidade de resolver problemas em cálculo


diferencial e integral, requer um sistema de ações e cada ação deve ser composta por um
sistema de operações a serem realizadas e dominadas pelos estudantes com o intuito de
transformar a atividade em habilidade.

Para Leontiev a necessidade é o fator que desencadeia a atividade. Em nosso


trabalho, a necessidade de formar a habilidade de resolver problemas em cálculo
diferencial e integral motiva o estudante de licenciatura em matemática a ter objetivos e
a realizar ações para suprir essa necessidade. Desta forma, de acordo com Leontiev, nem
todo processo é uma atividade, porém somente aquele que é movido por uma necessidade.
Assim sendo, para se ter uma disposição positiva por parte dos estudantes é fundamental
que se identifique as necessidades e os motivos da aprendizagem.

No processo de assimilação de uma atividade ou habilidade há três momentos que,


segundo Leontiev (2004), devem ser contemplados: a planificação (planejamento), a
execução e o controle (avaliação), não necessariamente nesta ordem.

Núñez (2009), ao tratar sobre a teoria da atividade, aponta que a atividade humana
possui uma estrutura invariante composta por um sujeito; um objeto; os motivos; o
objetivo; o sistema de operações; a base orientadora; os meios para realizar a ação; as
condições de realização e o produto.

Apesar das significativas contribuições de Leontiev com relação a compreensão


do processo de aprendizagem como um tipo de atividade, os questionamentos sobre o
processo de internalização da atividade externa foram estudados e sistematizados por P.
Ya. Galperin, sendo consolidados na Teoria de Formação por Etapas das Ações Mentais
e Conceitos.

Galperin corrobora com a tese defendida por Leontiev e contribui de forma


significativa, estudando e pesquisando sistematicamente como se dá o processo de
formação das ações psíquicas que são inerentes à atividade de estudo, tema que não foi

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esclarecido por Leontiev. Seguindo este caminho, Galperin descobriu que para formar
novos tipos de atividade mental é necessário que estas atividades ocorram inicialmente
em sua forma externa, para logo em seguida ser transformada em atividade interna.

Essa transformação, segundo Silva (2016, p.46) segue um percurso que pode ser
caracterizado como uma combinação de mudanças qualitativas, constituindo uma série
de etapas; as quais o sujeito precisa enfrentá-las, passando por um processo gradativo de
substituição lógica que favorece a transformação da atividade externa em atividade
psíquica.

A estrutura desta transformação que representa o processo de assimilação de


conhecimentos e habilidades por meio de etapas, onde cada etapa foca na formação de
uma ação inerente à atividade mental e à assimilação de conceitos, está organizada no
esquema 01:

Esquema 01 – Etapas da formação das ações mentais e dos conceitos de Galperin

Etapa 1 Etapa 2 Etapa 3 Etapa 4 Etapa 5

Formação Formação da Formação Formação Formação


da BOA ação em da ação em da ação em da ação em
→ forma → linguagem → linguagem → linguagem
material ou verbal externa interna.
materializada externa para si.

Fonte: Elaborado pelos autores, 2019

De acordo com as pesquisas de Galperin, o processo de aprendizagem ocorre em


cinco etapas. A primeira se refere a preparação e formulação dos procedimentos e
conhecimentos necessários para a realização da atividade relacionada às ações mentais e
à assimilação dos conceitos, denominada de Base Orientadora das Ações (BOA). Apesar
de Galperin apresentar esta etapa como uma única etapa inicial, de acordo com Majmutov
(1983), Elkonin defende que esta etapa, responsável pela orientação da ação, é bem mais
ampla que as etapas que executam as ações de fato, estando a BOA presente nas demais
etapas direcionando as respectivas ações. Neste sentido, é coerente defender que a etapa
1 pode e deve preceder cada uma das etapas 2, 3, 4 e 5. Considerada como uma das fases
mais importantes na formação das ações mentais, é na primeira etapa que os alunos têm
conhecimento sobre a ação que vão desenvolver, seu objetivo, seu objeto de estudo, o

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sistema de pontos de referência, bem como os conhecimentos prévios para a ação e as
condições de sua realização. Esta etapa pode ser conduzida e planejada de diferentes
formas. De acordo com a participação ou não dos estudantes na obtenção da BOA, ela
pode ser preparada ou independente; dependendo da abrangência dos tipos de problemas,
pode ser generalizada ou específica; e quanto à plenitude da execução, pode ser completa
ou incompleta.

Na segunda etapa o estudante vai desenvolver, realizar e resolver o que foi


orientado na primeira etapa. Uma vez que ele compreendeu e/ou elaborou a base
orientadora da ação, na segunda fase ele vai executar o planejado. Existe uma distância
considerável entre compreender um plano e realizar este plano, esta distância é que deve
ser percorrida pelo estudante com a orientação do professor. Segundo Galperin, neste
momento a ação deve ser externa na forma material ou materializada, desenvolvida por
meio das operações que constituem esta ação, tendo em vista que a prioridade é
materializar o elemento estrutural da ação, o essencial.

Desta etapa para frente as ações podem assumir diferentes características de


acordo com a sua forma, podendo ser material ou materializada, verbal externa, verbal
interna ou mental; dependendo da generalização, pode ser generalizada ou abstraída; de
acordo com o desdobramento/detalhamento, pode ser detalhada ou abreviada;
dependendo da assimilação, pode ser consciente ou automatizada e quanto à
independência da realização, pode ser compartilhada ou independente. Estas
características das ações podem assumir um meio termo, tais como, semi compartilhada
ou semi detalhada, tendo em vista que ações com as mesmas características podem ter
intensidades diferentes.

A terceira etapa é responsável pela formação da ação verbal externa. Em outras


palavras, o aluno precisa explicar aquilo que desenvolveu, que realizou na etapa anterior.
Talízina(1988) afirma que a transição entre a segunda e a terceira etapa foi evidenciada
como a mais delicada nas suas pesquisas, necessitando de atenção diferenciada para esta
transição. A quarta etapa se diferencia da terceira pelo fato da ação se realizar em silêncio,
denominada de formação da ação verbal externa para si. Neste momento a escrita
também é suprimida, o aluno apenas interpreta o que verbalizou na etapa anterior,

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internalizando a essência do objeto de estudo, sendo possível relacionar este objeto de
estudo com novas situações.

A partir desta internalização o aluno começa a transitar para a quinta etapa,


denominada de formação da ação em linguagem interna. Neste momento não é possível
se ter acesso direto às operações desta ação, o processo não é observável, apenas o produto
final é revelado. O aluno pode apresentar este produto final que é uma aproximação do
que ocorre de fato na consciência por meio de esquemas, modelos mentais e outras formas
de expressar o pensamento.

Desta forma, para que o esquema 01 seja operacionalizável, faz-se necessário o


direcionamento de todas as ações do processo, as quais cumprem determinadas funções
de orientação, de execução em si e de avaliação ou controle. A avaliação possibilita o
redirecionamento tanto da parte de orientação como da parte de execução da ação para
que se atinja o objetivo final da atividade com qualidade.

Pereira e Núñez (2017) apontam que para promover o desenvolvimento de


habilidades nos estudantes, exige-se o direcionamento da atividade de modo que
contribua para sistematização e consolidação das ações e operações a partir de uma
planificação, organização e avaliação adequada por parte do professor.

Nesta perspectiva, Talízina (1988) defende que o processo de ensino e


aprendizagem deve atender a um sistema de condições formado por diferentes pontos que
devem ser observados e considerados pelo professor. O primeiro deles deve ser a
definição do objetivo de ensino, que é o que vai delinear a direção do ensino, para onde
ele deve caminhar (D1). O segundo se refere ao diagnóstico do nível de partida da
atividade psíquica dos estudantes (D2). O terceiro ponto é o processo de assimilação do
conhecimento, onde o professor provoca e acompanha o desenvolvimento dos estudantes
(D3). O quarto ponto se refere à retroalimentação do processo, chamado também de
retorno sistemático, no qual o professor deve identificar os erros evidenciados durante o
processo de assimilação e fazer a análise da origem de sua ocorrência para posterior
correção (D4). O quinto ponto diz respeito a correção, de fato, do percurso do processo,
onde o professor, fundamentado nos resultados da análise dos erros, redireciona o
processo de assimilação com a finalidade de atingir o objetivo de ensino (D5).

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Abaixo, no esquema 02, está representada a estrutura organizacional do processo
de ensino e aprendizagem baseada na aproximação das teorias de Galperin e de Talízina.

Esquema 02 – Dinâmica do processo de ensino e aprendizagem


D3 D3

ASP ASP
Formação da D4 Interna D4
D1 D2 BOA
E1
... E5

D5 D5
Fonte: Elaborado pelos autores, 2019

Nesta perspectiva, pode-se dizer que a estrutura organizacional do


desenvolvimento da habilidade de resolver problemas em matemática por meio das etapas
de formação das ações mentais e conceitos elaborados por Galperin e do direcionamento
da teoria geral de direção desenvolvida por Talízina pode ser representada pelo esquema
02, o qual é denominado por Mendoza e Delgado (2016) de Atividade de Situações
Problema – ASP.

A referida Atividade de Situações Problema, segundo Mendoza e Delgado (2016),


é um tipo de atividade composta por um sistema de quatro ações invariantes, que foram
inspiradas nas quatro etapas de resolução de problemas definidos por Polya, equivalentes
a compreender o problema, estabelecer um plano para a solução, executar do plano e
verificar a solução. Para que esta atividade, entenda-se atividade segundo a Teoria da
Atividade, seja dominada pelo estudante, ela deve ser desenvolvida considerando as
diferentes etapas de formação das ações mentais defendidas por Galperin, onde em cada
etapa se propõe situações-problema, que para resolvê-las são utilizadas as quatro ações
invariantes do referido sistema, como está representado pelo esquema 02.

Tendo em vista as fragilidades dos trabalhos de Polya e, no sentido de contribuir


para uma fundamentação mais sólida da ASP, surgiu a ideia de trazer o teórico Mirza I.
Majmutov, que apresenta uma proposta de ensino por problemas, possuindo uma base
teórica que considera os aspectos filosóficos, didáticos e psicológicos do processo de
ensino e aprendizagem por meio da resolução de problemas, denominada de Enseñanza
Problémica. Uma solução, adotada por Nascimento (2015), para traduzir o termo

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Enseñanza Problémica para a língua portuguesa foi Ensino Problematizador – EP,
empregando problematizador no sentido de problemático.

Em linhas gerais, o Ensino Problematizador defende o desenvolvimento da


independência cognitiva do estudante, fazendo o seu pensamento avançar para novos
níveis de desenvolvimento, partindo do que o aluno já possui de conhecimentos e
habilidades, em direção ao que se deseja alcançar de novo conhecimento com a resolução
de um problema docente (NASCIMENTO, 2015,p.23).

A abordagem do EP está centrada na concepção de problema docente. Vale


salientar que no Brasil o termo docente se refere à atividade especifica do professor, mas
em espanhol, se refere à atividade inerente ao processo de ensino e aprendizagem. Para
Majmutov, o aspecto fundamental do processo didático reside na solução das
contradições, ele apresenta a contradição como a força motriz do conhecimento. Em
outras palavras, a formação de conceitos e habilidades se dá na solução de contradições
inerentes ao problema docente.

“El problema docente es un fenómeno subjetivo y existe en la


consciencia del alumno en forma ideal, en el pensamiento, de la misma
manera que cualquier juicio, mientras no se perfeccione lógicamente y
se exprese de la escrita”. (MAJMUTOV, 1983, p.129)

Neste sentido, Majmutov considera tanto o aspecto didático quanto o aspecto


psicológico do problema, ele afirma que os elementos fundamentais de um problema
docente são o conjunto de conhecimentos já conhecido pelo aluno (neste conjunto são
consideradas os dados da tarefa, todo conhecimento anterior e as experiencias pessoais
do indivíduo), o conjunto de conhecimentos desconhecidos (composto pela incógnita, o
que se pede e o procedimento para alcançar o objetivo) e suas respectivas relações.
Fazendo um paralelo com a ZDP de Vygotsky, é possível dizer que o desconhecido
equivale à zona de desenvolvimento potencial e o conhecido à zona de desenvolvimento
real.

O conceito de problema docente está intimamente relacionado com o conceito de


situação-problema, a qual equivale a uma situação de aprendizagem caracterizada pela
contradição que se expressa na relação dialética entre o conhecido e o desconhecido,
funcionando como fonte do desenvolvimento cognitivo.

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Além disso, Majmutov (1983) afirma que a resolução de problemas deve estar
relacionada ao conhecimento. Ele defende que existem dois procedimentos o analítico-
lógico e/ou heurístico. O procedimento analítico - lógico da atividade mental se relaciona
com a resolução de problema por meio de algoritmo de solução. Os procedimentos de
análises e sínteses, generalização, abstração e concretização são operações mentais que
sucedem uma atrás da outra em ordem determinada, como etapas, elevando-se cada vez
em busca da solução do problema. O pensamento heurístico está relacionado com o
pensamento intuitivo, a busca dos procedimentos de solução é através da formulação de
hipóteses, geralmente usando a intuição, como resultado de uma conjetura repentina.

Neste sentido, o Ensino Problematizador apresenta uma sequência de ações que


devem ser consideradas e desenvolvidas pelo aluno para alcançar a independência
cognitiva, o pensamento criativo e formar a habilidade de resolver problemas. Assim
sendo, a ASP pode ser reestruturada a partir de quatro ações com suas respectivas
operações, não mais inspiradas em Polya, mas sim em Majmutov, de acordo com o
esquema abaixo.

A primeira ação da ASP é formular o problema docente (conceber o problema


docente) formada pelas operações: a) analisar a situação problema para determinar os
elementos conhecidos e desconhecidos; estudar os dados e as condições da situação
problema e b) reconhecer o buscado a partir de problema fechado (objetivo definido) ou
aberto (objetivo não preciso). A segunda ação é construir o núcleo conceitual formadas
pelas ações a) determinar o nível de partida dos estudantes relacionado com os
conhecimentos sobre o elemento conhecido e sua atualização se for necessário b)
encontrar nexos entre os conhecidos e desconhecido desde os pontos de vista conceitual
e procedimental através de novas tarefas mais simples como realização de experimentos,
analogia, intuição e suposição de hipóteses.
A terceira ação solucionar o problema docente formada pelas operações a) aplicar
o método lógico – analítico ou heurístico ou combinação de ambos para determinar os
nexos entre o conhecido e desconhecidos e b) determinar o buscado. A última ação,
interpretar a solução está formada pelas operações a) verificar se a solução corresponde
com o buscado e as condições do problema e b) analisar os resultados obtidos para

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encontrar possíveis novas relações conceitual e/ou procedimental com elementos
anteriormente conhecidos.
A ASP é uma atividade composta por um sistema invariante de quatro ações que
devem ser desenvolvidas respeitando as etapas do processo de assimilação de Galperin e
as fases da teoria geral de direção de Talízina, de acordo com o esquema 02 apresentado
anteriormente.

5. Considerações finais

Há uma diversidade de pesquisas respaldadas no enfoque histórico-cultural, em


especial a teoria de formação por etapas das ações mentais e conceitos de Galperin. Dentre
as quais a resolução de problemas tem sido contemplada como metodologia de ensino ou
como competência a ser desenvolvida pelos estudantes. De maneira geral, tais estudos
são unânimes acerca das contribuições positivas da referida teoria na formação de
habilidades e competências, contudo no que se refere a metodologia de resolução de
problemas ainda há divergências desde a fundamentação da referida metodologia,
perpassando pelas limitações e fragmentações de áreas específicas até a sua
operacionalização em sala de aula.

Contudo, a presente revisão teórica tem nos levado a refletir sobre a


fundamentação da metodologia da Atividade de Situações Problema, bem como sobre as
contribuições desta metodologia tanto para a formação de habilidades em resolução de
problemas matemáticos, quanto para a assimilação de conceitos.

Além disso, esta pesquisa nos permitiu fazer uma releitura da metodologia de
Atividade de Situações Problema, a qual está sustentada na teoria histórico-cultural,
focada na teoria de P.Ya. Galperin, na teoria geral da direção de Talízina e na zona de
desenvolvimento proximal de Vygotsky no âmbito da resolução de problemas, fazendo
uma aproximação com o Ensino Problematizador de Majmutov, no que se refere ao
conhecido e desconhecido. Também ficou evidente o sistema de ações invariantes que
permeiam o processo de formação de habilidades em resolução de problemas
matemáticos a partir de ideias do Ensino Problematizador, nos motivando a realização de
futuras experiências em sala de aula utilizando a metodologia da Atividade de Situações
Problema nesta nova perspectiva.

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6. Referências

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