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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS

Faculdade de Educação Física e Dança


Curso de Licenciatura em Dança

THAIS NATSUKI KUWAE

DANÇAS NA ERA DA SOCIABILIDADE VIRTUAL:


VIVÊNCIAS AUDIOVISUAIS EM DANÇA E AS NOVAS RELAÇÕES
ARTISTA-PÚBLICO

GOIÂNIA – GO
2022
20/04/2022 22:38 https://mail-attachment.googleusercontent.com/attachment/u/0/?ui=2&ik=541ff03dd9&attid=0.1&permmsgid=msg-f:1730653…

Timbre
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA

TERMO DE CIÊNCIA E DE AUTORIZAÇÃO PARA DISPONIBILIZAR VERSÕES ELETRÔNICAS DE


TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO DE GRADUAÇÃO NO REPOSITÓRIO INSTITUCIONAL DA UFG

          Na qualidade de titular dos direitos de autor, autorizo a Universidade Federal de Goiás (UFG) a
disponibilizar, gratuitamente, por meio do Repositório Institucional (RI/UFG), regulamentado pela
Resolução CEPEC no 1240/2014, sem ressarcimento dos direitos autorais, de acordo com a Lei no
9.610/98, o documento conforme permissões assinaladas abaixo, para fins de leitura, impressão e/ou
download, a título de divulgação da produção científica brasileira, a partir desta data.
         O conteúdo dos Trabalhos de Conclusão dos Cursos de Graduação disponibilizado no RI/UFG é de
responsabilidade exclusiva dos autores. Ao encaminhar(em) o produto final, o(s) autor(a)(es)(as) e o(a)
orientador(a) firmam o compromisso de que o trabalho não contém nenhuma violação de quaisquer
direitos autorais ou outro direito de terceiros.
 
1. Identificação do Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação (TCCG)
Nome(s) completo(s) do(a)(s) autor(a)(es)(as): Thais Natsuki Kuwae
Título do trabalho:  Danças na era da sociabilidade virtual: vivências audiovisuais em dança e as novas
relações artista-público
 
2. Informações de acesso ao documento (este campo deve ser preenchido pelo orientador) Concorda
com a liberação total do documento [ X  ] SIM [   ] NÃO¹
 
[1] Neste caso o documento será embargado por até um ano a partir da data de defesa. Após esse
período, a possível disponibilização ocorrerá apenas mediante: a) consulta ao(à)(s) autor(a)(es)(as) e
ao(à) orientador(a); b) novo Termo de Ciência e de Autorização (TECA) assinado e inserido no arquivo do
TCCG. O documento não será disponibilizado durante o período de embargo.
Casos de embargo:
- Solicitação de registro de patente;
- Submissão de artigo em revista científica;
- Publicação como capítulo de livro.
 
Obs.: Este termo deve ser assinado no SEI pelo orientador e pelo autor.

Documento assinado eletronicamente por Ana Maria Alonso Krischke, Assistente, em 20/04/2022, às
logotipo 13:57, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no § 3º do art. 4º do Decreto nº 10.543, de 13
de novembro de 2020.

Documento assinado eletronicamente por THAIS NATSUKI KUWAE, Discente, em 20/04/2022, às 14:58,
logotipo conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no § 3º do art. 4º do Decreto nº 10.543, de 13 de
novembro de 2020.

A autenticidade deste documento pode ser conferida no site https://sei.ufg.br/sei/


QRCode controlador_externo.php?acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o
Assinatura código verificador 2845799 e o código CRC 14F5BE14.

Referência: Processo nº 23070.015425/2022-17 SEI nº 2845799


https://mail-attachment.googleusercontent.com/attachment/u/0/?ui=2&ik=541ff03dd9&attid=0.1&permmsgid=msg-f:1730653503465574006&th=1… 1/2
THAIS NATSUKI KUWAE

DANÇAS NA ERA DA SOCIABILIDADE VIRTUAL:


VIVÊNCIAS AUDIOVISUAIS EM DANÇA E AS NOVAS RELAÇÕES
ARTISTA-PÚBLICO

Monografia apresentada à banca examinadora do


Curso de Graduação em Licenciatura em Dança da
Faculdade de Educação Física e Dança da
Universidade Federal de Goiás, para defesa e
obtenção do grau de Licenciada em Dança.

Orientadora: Profª. Dra. Ana Maria Alonso Krischke

GOIÂNIA – GO
2022
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor, através do
Programa de Geração Automática do Sistema de Bibliotecas da UFG.

Kuwae, Thais Natsuki


Danças na era da sociabilidade virtual [manuscrito] : vivências
audiovisuais em dança e as novas relações artista-público / Thais
Natsuki Kuwae. - 2022.
LXXIII, 73 f.

Orientador: Profa. Dra. Ana Maria Alonso Krischke.


Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) - Universidade
Federal de Goiás, Faculdade de Educação Física e Dança (FEFD),
Dança, Goiânia, 2022.
Bibliografia.
Inclui lista de figuras.

1. cultura digital. 2. danças urbanas. 3. danças cntemporâneas. 4.


redes sociais. 5. arte. I. Alonso Krischke, Ana Maria, orient. II. Título.

CDU 793.3
21/04/2022 14:21 https://mail-attachment.googleusercontent.com/attachment/u/0/?ui=2&ik=541ff03dd9&attid=0.1&permmsgid=msg-f:1730738…

Timbre
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO FÍSICA E DANÇA

ATA DE DEFESA DE TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO

Na data de 11/04/2022, às 12 horas, de forma virtual, por meio de videoconferência via


Google Meet, iniciou-se a sessão pública de defesa do Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) intitulado
“Danças na era da sociabilidade virtual: vivências audiovisuais em dança e as novas relações artista-
público”, de autoria de  Thais Natsuki Kuwae, do curso de Dança - Licenciatura, da  Faculdade de
Educação Física e Dança  da UFG. Os trabalhos foram instalados pela  Profa. Dra. Ana Maria Alonso
Krischke - orientadora FEFD/UFG com a participação dos demais membros da Banca Examinadora: Dra.
Elke Siedler - Unespar​  e  Profa. Dra. Ana Reis Nascimento - FEFD/UFG. Após a apresentação, a banca
examinadora realizou a arguição do(a) estudante. Posteriormente, de forma reservada, a banca
examinadora considerou o TCC aprovado.
Proclamados os resultados, os trabalhos foram encerrados e, para constar, lavrou-se a
presente ata que segue assinada pelos Membros da Banca Examinadora.

Documento assinado eletronicamente por Ana Reis Nascimento, Professora do Magistério Superior, em
logotipo 20/04/2022, às 11:26, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no § 3º do art. 4º do Decreto
nº 10.543, de 13 de novembro de 2020.

Documento assinado eletronicamente por Elke Siedler, Usuário Externo, em 20/04/2022, às 11:32,
logotipo conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no § 3º do art. 4º do Decreto nº 10.543, de 13 de
novembro de 2020.

Documento assinado eletronicamente por Ana Maria Alonso Krischke, Assistente, em 20/04/2022, às
logotipo 13:47, conforme horário oficial de Brasília, com fundamento no § 3º do art. 4º do Decreto nº 10.543, de 13
de novembro de 2020.

A autenticidade deste documento pode ser conferida no site https://sei.ufg.br/sei/


QRCode controlador_externo.php?acao=documento_conferir&id_orgao_acesso_externo=0, informando o
Assinatura código verificador 2845795 e o código CRC 90FB8721.

Referência: Processo nº 23070.015425/2022-17 SEI nº 2845795

https://mail-attachment.googleusercontent.com/attachment/u/0/?ui=2&ik=541ff03dd9&attid=0.1&permmsgid=msg-f:1730738237141872542&th=1… 1/1
AGRADECIMENTOS

Queria agradecer primeiramente aos meus professores, que me acompanharam e


compartilharam comigo e com meus colegas de turma os seus conhecimentos durante os,
quase, seis anos em que permaneci no curso de Licenciatura em Dança, especialmente a
minha orientadora Profª. Dra. Ana Maria Alonso Krischke, que teve cuidado, paciência e
calma para compreender e acompanhar o tempo do meu processo de pesquisa e escrita, me
guiando, mas também dando liberdade para eu fluir, a partir de minhas vontades e minhas
vivências, com a minha pesquisa. Também agradeço à toda coordenação e direção do
curso, por estarem sempre prontos e dispostos a nos atender, tirar nossas dúvidas e nos
auxiliar com todos os processos burocráticos que o sistema de ensino acadêmico possui.

Agradeço principalmente aos meus pais, meu irmão e todos os meus familiares, por
me apoiarem e estarem sempre comigo, me incentivando, mesmo nos momentos de
incertezas, inseguranças e dúvidas existente nesta carreira profissional artística que escolhi,
que possui grandes obstáculos a serem superados dentro da realidade política e cultural do
país em que vivemos.

Por fim, quero deixar registrado que nos dois meses finais de escrita desta pesquisa,
tive a oportunidade de participar da criação de um espetáculo que foi apresentado na
grande feira internacional de tecnologia, a Expo Dubai 2020, encomendado para
representar a empresa Itaipu, no pavilhão do Brasil. Tivemos intensos ensaios durante um
mês e meio, dos quais nos 15 primeiros dias trabalhamos em Goiânia, nos 20 dias
seguintes ensaiamos junto à equipe da Cia K, com a direção de Kiko Caldas, em Cotia, SP
e por fim tivemos cinco dias de ensaios gerais na madrugada fria de Dubai, para o
reconhecimento do espaço e alinhamento de iluminação e espaço. Realizamos um total de
24 apresentações, durante 12 dias. Fui contratada como parte do elenco de 12 bailarinos
representados pela Quasar Cia de Dança, GO.

Foram dois meses de intensas vivências, convivências, crises e muitos aprendizados.


Para mim foi um desafio duplo, pois precisava me dedicar aos ensaios e às apresentações,
ao mesmo tempo ter disciplina para o desenvolvimento da pesquisa. Uma de minhas
maiores dificuldades foi manter o foco na temática escolhida, pois no decorrer do trabalho
acabamos ficando vulneráveis a outras questões, também urgentes, referentes à valorização
do artista de dança no mercado profissional e comercial. E no meio de tantos
acontecimentos e turbulências, pude encontrar apoio de meus colegas, bailarinos e
bailarinas amigos, que se mantiveram sempre dispostos e abertos para conversar, debater e
assim contribuir com falas relevantes para o processo de elaboração da minha escrita. Eles
me deram forças e ânimo para conseguir ter foco e chegar a uma conclusão final para esta
pesquisa, mesmo que deixando brechas para a continuidade e aprofundamento da
discussão aqui proposta. Por isso a eles sou especialmente grata!
RESUMO: O uso indiscriminado das redes sociais tem gerado inúmeras problemáticas,
apesar de também possuir muitas contribuições positivas, para sociedade brasileira e
consequentemente para o campo artístico da dança no país. Com foco principal nas
manifestações das danças contemporâneas e danças urbanas, a seguinte pesquisa busca
observar alguns questionamentos e reflexões sobre as relações construídas pelos
profissionais da dança com as mídias digitais e como elas podem influenciar na forma que
estamos planejando nossas criações artísticas. Procurando estimular, também, uma
percepção crítica e atenta para as implicações que as mídias sociais possuem em nossos
modos de ser, agir e pensar. Apoio-me no diálogo entre alguns trabalhadores da dança das
cidades de São Paulo e Goiânia; e teorias da pesquisadora Helena Katz sobre os sujeitos
criados pelas facilidades tecnológicas e de sua teoria sobre corpomídia. Jesús
Martín-Barbero, Elke Siedler, Byung-Chul Han e Zygmunt Bauman são outros autores que
subsidiam minha pesquisa.
Palavras-chave: cultura digital, danças urbanas, danças contemporâneas, redes sociais,
arte.

ABSTRACT: The indiscriminate use of social networks has generated numerous problems
for Brazilian society, consequently for dance artists in the country. With a main focus on
contemporary dance and urban dance, the following research seeks to observe some
questions and reflections on the relationships built by dance professionals with digital
media and how they can influence the way we are planning our artistic creations. Also
seeking to stimulate a critical and attentive look at the implications that social media have
on our ways of being, acting and thinking. I rely on the dialogue between some dance
workers in the cities of São Paulo and Goiânia; and theories by researcher Helena Katz
(2014) about the subjects created by technological facilities and her theory about
corpomedia (KATZ and GREINER, 2001). Jesús Martín-Barbero, Elke Siedler,
Byung-Chul Han and Zygmunt Bauman are other authors who subsidizes my research.
Keywords: digital culture, urban dances, contemporary dances, social networks, art.
LISTA DE FIGURAS

Figura 01: Loïe Fuller, Serpentine Dance ……………………………………………...……….. p.12

Figura 02: Videodança M3x3, de Analívia Cordeiro, 1973 .………………………….………… p.13

Figura 03: Helena Katz. Foto de: Leonardo Borges/AEC .....…………….…………………….. p.17

Figura 04: Print segmentos do feed do perfil de Elke Siedler no instagram ..………………….. p.18

Figura 05: Print capa do filme “O Dilema das Redes” na plataforma da Netflix ....…….……… p.19

Figura 06: Print página de configuração do Instagram ...……………………………………..… p.21

Figura 07: Vetores gráficos de ferramentas do Instagram .....……...…………….……...……… p.25

Figura 08: Print tela de uma comunidade do Orkut .……....…………………….……………… p.27

Figura 09: Divulgação do projeto Entrevidas por Vivian Navega ...…….……………………… p.29

Figura 10: “Dança Boba: o Filme” do Ateliê do Gesto e “Dark Matter” ou “Matéria Escura” do

Cena 11 Cia de Dança…………………………………….....………………...………...………. p.31

Figura 11: Obra: The inevitability of time /Pieta; Autor: Adam Martinakis …….……..………. p.33

Figura 12: Print vídeo de aula de balé online pela Quasar Cia de Dança ...…….……….……… p.43

Figura 13: Prints da conversa com Vivian Navega ………...…………………….……...……… p.46

Figura 14: Apresentação da remontagem do espetáculo “Mulheres”, coreografia de Henrique

Rodovalho. Em agosto de 2019, foto de Fernanda Vallois ……………………….…………….. p.47

Figura 15: Prints conversa com Juliana Kis …...………..……………………………..……….. p.50

Figura 16: Prints conversa com Fabiana Ikehara …….....…………………….………………… p.51

Figura 17: Prints conversa com Thais Lirio ……………….………………………..….………. p.54

Figura 18: Prints conversa com Duda Alho ..………………….……………………….....….… p.55

Figura 19: Print arte do projeto Be Aware ou Estejam Atentos ………………….…….……..… p.65
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ………………………………………………………………….…… p.11

SOCIABILIDADE VIRTUAL ……………………………………………………..... p.16


Cultura digital ………………………………………………….………...……… p.19
Avatares: seres sociais midiáticos - Quão avatar é o real, quão real é o avatar?….p.23
Urgência Virtua ………………………………………………………………….. p.27

DANÇA: Arte, diálogo e comunicação ……………………………………………… p.31


Produzindo ou reproduzindo danças virtualmente …………………………...….. p.35
As mídias sociais na cena da dança: dança Contemporânea e Danças Urbanas … p.38

IMPRESSÕES: bailarinas de dança contemporânea e danças urbanas …….....… p.40


Idades, vaidades, estilos e gatilhos ……………………………………………… p.44
Modificando o mundo, modificamos a nós mesmos …………………….……… p.58
Precisamos estar atentos às mudanças …………………………...……………… p.64

E AGORA, COMO SEGUIMOS O PROCESSO? .................................................... p.70

BIBLIOGRAFIA GERA ………………………………………………………..…… p.72

MATERIAIS E FONTES ……………………………………………………………. p.73


11

INTRODUÇÃO

O interesse pela realização dessa pesquisa iniciou-se por conta de uma inquietação
pessoal acerca das implicações dos meios e mídias virtuais nas produções artísticas bem
como no mercado de trabalho em dança. Esse processo já acontece há alguns anos, mas foi
bastante impulsionado com o advento dos sites e APPs de comunicação social, e em
especial no ano de 2020, com o adversidade pandêmica da Covid-191, momento em que o
fazer artístico presencial tornou-se inviável. Com isso, muitos artistas, grupos, companhias
e festivais foram obrigados a adaptar trabalhos e projetos para o espaço das telas,
realizando apresentações e eventos por meio de lives, postagens, IGTVs, criação ou
reativação de canais no Youtube e/ou websites.

No campo da dança, os recursos audiovisuais já vinham sendo explorados desde a


década de 20, quando Loie Fuller2 brinca com diferentes iluminações para criar efeitos na
movimentação do figurino provocados pela sua coreografia, a Serpentine Dance. Mas
apenas na década de 40 que a produção de trabalhos de dança próprios para as telas se

1
Em 31 de dezembro de 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) foi alertada sobre vários casos de
pneumonia na cidade de Wuhan, província de Hubei, na República Popular da China. Tratava-se de uma
nova cepa (tipo) de coronavírus que não havia sido identificada antes em seres humanos. (...) Em 30 de
janeiro de 2020, a OMS declarou que o surto do novo coronavírus constitui uma Emergência de Saúde
Pública de Importância Internacional (ESPII) - o mais alto nível de alerta da Organização, conforme previsto
no Regulamento Sanitário Internacional. A ESPII é considerada, nos termos do Regulamento Sanitário
Internacional (RSI), “um evento extraordinário que pode constituir um risco de saúde pública para outros
países devido à disseminação internacional de doenças; e potencialmente requer uma resposta internacional
coordenada e imediata”. Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como pandemia,
o termo “pandemia” se refere à sua gravidade. A designação reconhece que, no momento, existem surtos de
COVID-19 em vários países e regiões do mundo. (informações disponíveis no site oficial da OMS, no link:
https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19). Até o momento atual tivemos no Brasil
637.152 mortes. Se o Estado tivesse acompanhado as recomendações da OMS a tempo, entre outras políticas
de combate á Covid 19, muitas dessas mortes poderiam ter sido evitadas (11/02/2022).
2
Foi uma atriz e dançarina norte-americana, pioneira das técnicas tanto da dança moderna quanto da
iluminação teatral. É a inventora da serpentine dance (link vídeo:
https://www.youtube.com/watch?v=BZcbntA4bVY ) . Fuller fazia uma união de suas coreografias com seus
trajes confeccionados em seda iluminados por luzes multicoloridas, assim percebendo o efeito de refletores
em seus trajes resolveu explorar por toda a sua vida essa ideia de iluminação. (Fonte:
https://cabareincoerente.com/referencias/personalidades/estados-unidos/loie-fuller/ Acessado dia 20 de março
de 2022).
12

intensificaram. Merce Cunningham3, Maya Deren4, Anne Teresa de Keersmaeker5, Lloyd


Newson6, são alguns exemplos de coreógrafos e coreógrafas precursores desse tipo de

3
“Mercier Philip Cunningham, mais conhecido como Merce Cunningham (1919-2009), bailarino e
coreógrafo norte-americano. O caráter experimental e o estilo vanguardista foram características marcantes
de sua dança. Responsável por mudar os rumos da dança moderna criando mais de 150 coreografias. Após
completar 70 anos de idade, desenvolve coreografias através do computador, encontrando uma ampliação nas
possibilidades criadoras”. (Fonte: Postado por Evelin Danzi em
http://danceeaprenda.blogspot.com/2011/05/danca-moderna-merce-cunningham.html, acessado dia 20 de
março de 2022).
4
“Maya Deren (1917 – 1961), ucraniana, era coreógrafa, dançarina, poeta, escritora e fotógrafa. Apesar de
não ter sido a criadora do movimento experimental levado da Europa para os EUA, misturando artes plásticas
e dança na montagem e edição no cinema, foi quem realizou o filme que mais chamou a atenção deste
período: “Meshes of the Afternoon” (1943) (link vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=_2kbeg9dWE4 ),
codirigido com seu então marido na época, Alexander Hammid”. (Fonte:
http://almanaquevirtual.com.br/as-cineastas-do-cinema-fantastico-maya-deren/ , Acessado dia 20 de março
de 2022).
5
“Anne Teresa De Keersmaeker nasceu na Bélgica em 1960 e desde cedo foi ensinada em música,
especificamente na flauta; foi só no último ano do ensino médio que ela começou a estudar dança. A sua
carreira de bailarina começou na Mudra School , em Bruxelas, fundada e dirigida por Maurice Béjart – um
dos maiores coreógrafos do século XX. Foi em 1980 que ela apresentou seu debut 'Asch' na Bélgica, que
mostrou seu esforço para mesclar movimento com música. De Keersmaeker continuou sua educação em
dança na The Tisch School of the Arts em Nova York . Lá, ela caiu em um clima artístico próspero que
alimentou sua criatividade e a encorajou a desenvolver seu estilo único. Foi também em Nova York que ela
foi apresentada à dança pós-moderna americana. De Keersmaeker explorou a relação entre música e
movimento ao longo de sua carreira. Ela pretende expressar os princípios básicos de composição da música
através do corpo, em vez de apenas seguir a partitura. O seu trabalho caracteriza-se por dois motivos
essenciais: a repetição e o minimalismo, seguindo o seu conceito “Menos é mais”. (Fonte:
https://theculturetrip.com/europe/belgium/articles/minimalist-and-hypnotic-choreographer-anne-teresa-de-ke
ersmaeker/ acessado em 20 de março de 2022).
6
“O trabalho de Lloyd Newson desde 1986 como diretor do DV8 Physical Theatre teve um impacto
dinâmico na dança e no teatro contemporâneos. Seu trabalho no palco e no cinema com DV8 recebeu
consistentemente grandes prêmios. Seu filme recente, "The Cost of Living", ganhou um Prix Italia e um Rose
D'or. Nascido na Austrália, o interesse de Newson pela dança surgiu enquanto estudava psicologia e serviço
social na Universidade de Melbourne, um fascínio que o levou a uma bolsa integral na London
Contemporary Dance School. Desde o início, Newson acreditou que seu trabalho, por causa de seus
fundamentos narrativos, se traduziria bem no filme. Atravessando dança, texto, teatro e cinema, o trabalho de
Newson se recusa a ser definido. Ele está interessado em conceber trabalhos originais em vez de realizar
peças existentes ou reinterpretar balés clássicos.” (Fonte: site do DV8 Physical Theatre link:
https://www.dv8.co.uk/about-dv8/lloyd-newson).
13

concepção. No Brasil, trabalhos com essas características virtuais começaram a ser mais
vistos a partir da década de 70, como o videodança M3x37, da coreógrafa e videomaker
Analívia Cordeiro8. Contudo, foi somente em 90, com o surgimento de festivais e mostras9
destinadas à exposição e divulgação dessas obras, que um maior número de público e
visualização foram conquistados, aumentando, consequentemente, o interesse de artistas
nacionais em executar pesquisas e produções em dança junto ao audiovisual. Desde então
os modos de criar vêm  sendo repensados, modificados e atualizados de acordo com a
evolução e surgimento de novas tecnologias.

No entanto, busco analisar não apenas a influência dessas ferramentas tecnológicas


de produção – câmeras, iluminação, efeitos de som –, mas especialmente refletir sobre
como as mídias sociais10 têm influenciado os processos criativos de artistas em dança, em

7
Link vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=hZnn55oqPZ4
8
“Bailarina, coreógrafa, videomaker, arquiteta e pesquisadora corporal. Formada no método Laban por Maria
Duschenes e em dança moderna americana pelos estúdios de Alvin Nikolais e Merce Cunningham. É
graduada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAUUSP, Mestre em
Multimeios pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, e Doutora em Comunicação e Semiótica
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Apresentou obras em diversas mostras internacionais,
como o Edinburgh International Festival, a American Dance Guild Conference e 14º Videobrasil. Publicou o
livro-vídeo Nota-Anna: uma notação eletrônica dos movimentos do corpo humano baseado no método Laban
(1999).” (Foto site https://www.sp-arte.com/artistas/analivia-cordeiro/ , acessado em 20 de março de 2022).
9
Aqui refiro-me exclusivamente aos eventos que incentivaram a circulação de trabalhos em dança criados a
partir das novas possibilidades e exploração das tecnologias e ferramentas audiovisuais.
10
“As redes sociais existem em todos os lugares e podem ser formadas por pessoas ou organizações que
partilham valores e objetivos comuns. Não são limitadas a uma estrutura hierárquica ou meio e podem estar
14

especial as formas como estão sendo pensadas as concepções, apresentações e divulgações


de tais trabalhos ao seu público no meio virtual. Utilizarei duas questões norteadoras para
essa pesquisa:
1. Como nós, artistas da dança, lidamos com a necessidade de produzir obras
audiovisuais, seja para a autopromoção, para a conquista de um espaço no mercado de
trabalho ou mesmo por conta do contexto pandêmico em que o audiovisual e a atividade
remota se tornaram possibilidades de gerar condições seguras de criação, produção e
circulação de dança;
2. Como os novos meios de comunicação social afetam a relação do público com os
artistas e os produtos de dança.

Aproximando-me do entendimento sobre a manipulação dos meios e das mídias


digitais analogicas de Jesús Martín-Barbero (2002) e as discussões sobre das consequências
e implicações da desmediatização11 ocorrida pelo surgimento das novos meios de
comunicação digital trazidas por Byung-Chul Han (2013), junto da concepção do
pensamento de dança on-off-line de Elke Siedler (2016), que dialoga com as reflexões de
Helena Katz (2014), sobre o sujeito midiático e pensando-os como corpomídia (KATZ;
GREINER, 2001), busco me aproximar da discussão e estimular a reflexão crítica a
respeito do uso desses recursos para visibilidade e socialização dos artistas de dança, bem
como seus trabalhos artísticos, sem o intuito de trazer respostas ou soluções.

na escola, no trabalho, na música, na política e até mesmo na família. Confunde-se muito redes sociais com
mídias sociais, que, apesar de estarem no mesmo universo, são coisas distintas. Mídia social é o meio que
determinada rede social utiliza para se comunicar. São diversos os tipos de mídias sociais existentes, com
diferentes finalidades e público-alvo, que têm foco em contatos profissionais, amizades, relacionamentos
amorosos, pesquisas, dentre outros. Essas mídias dispõem de ferramentas que facilitam a comunicação entre
os usuários, inteirado-os do conteúdo gerado por eles mesmos, com postagem de mensagens instantâneas e
textos, compartilhamento de vídeos, áudios e imagens”. (CIRIBELI E PAIVA, Redes e mídias sociais na
internet: Realidades e perspectivas de um mundo conectado, 2011.)
11
“Mídias como blogs, Twitter ou Facebook desmetiatizam [entmediatidieren] a comunicação. A sociedade
de opinião e de informação de hoje se apoia nessa comunicação desmetiatizada. Todos produzem e enviam
informação. [...] A desmediatização generalizada encerra a época da representação. Hoje, todos querem estar
eles mesmos diretamente presentes e apresentar a sua opinião sem intermediários.” (Chul-Han, 2013, p. 37).
Entendendo que a discussão sobre representação no contexto cultural é ampla e profunda. Estaremos tratando
da mesma de forma menos aprofundada nesta pesquisa, mas nossa aproximação se dá por alguns autores
como: Chul-Han (2013) e Bauman (2003).
15

Limito a observação e análise no campo das danças contemporâneas12 e das danças


urbanas – manifestações artísticas de dança bastante presente em minhas vivências13.
Observando as produções artísticas que se rendem, por necessidade e/ou por vaidade, às
grandes manipulações midiáticas ligadas aos números: engajamento, algoritmo, hashtag,
compartilhamentos, likes, câmeras selfies e filtros que influenciam direta ou indiretamente
na concepção criativa do produto final das obras.

Junto a isto, farei uma análise reflexiva das falas de cinco bailarinas,
intérpretes-criadoras e coreógrafas entrevistadas (Duda Alho, GO; Fabiana Ikehara, SP;
Juliana Kis, FRA; Thais Lírio, RJ e Vivian Navega, ALE)14 – entrevistas realizadas em
novembro de 2020 – procurando comparar as diferentes opiniões sobre a implicação das
mídias sociais nos processos de construção de uma carreira em dança e formas de
utilização dos seus perfis virtuais, destacando as diferenças de idades e das principais
manifestações de dança presentes nas vivências de cada entrevistada. Farei uma análise
contínua de seus perfis na mídia social Instagram, as quais procuram sempre movimentar e
atualizar com postagens e produções de conteúdos, para manter o contato e o diálogo com
seus seguidores, sustentando assim o engajamento de suas contas.

Com essa pesquisa espero dividir minhas inquietações às minhas e aos meus colegas
de ofício e possivelmente apresentar contribuições para área da dança, ampliando as
discussão e reflexão crítica sobre as implicações das tecnologias e dos meios virtuais de
socialização para a realidade profissional e artística da dança.

12
Escolhi trazer o termo no plural, pois acredito que a chamada “dança contemporânea” consiste numa dança
plural, que engloba pensamentos, conceitos e propostas diversas, e que estão em constante mudança.
13
Me chamo, Thais Natsuki Kuwae, sou bailarina e artisticamente me apresento como Thais Kuwae.
Atualmente trabalho em projetos com as companhias Quasar Cia de Dança e Ateliê do Gesto e sou estudante
do curso de licenciatura em dança da Universidade Federal de Goiás. Atuo profissionalmente desde 2015,
quando integrei o elenco da Giro 8 Cia de Dança, na qual permaneci até 2016, ano em que consegui uma
vaga no Projeto Centrípeto de formação de bailarinos coordenado por Daniel Calvet, com quem tive maior
contato com experiências audiovisuais em dança. Um ano depois, em 2017, fui convidada para participar da
Naline Cia de Dança, com direção de Valeska Gonçalves, e no ano seguinte também me juntei ao novo
elenco da Quasar Cia de Dança. Em 2019 fui convidada pelo grupo Ateliê do Gesto para uma residência de
estudo do espetáculo “Dança Boba”, e para a montagem de “Fica Comigo”, um espetáculo infantil. De 2016
a 2019, dediquei-me também aos estudos das Danças Urbanas, especialmente no estilo Jazz Funk. Em 2019,
juntamente com minha colega Mar Landeiro, realizei a concepção coreográfica para o videoclipe da música
“A Gente Junto” da dupla AnaVitória (disponível em: https://youtu.be/QB7Be10XZSE). Em 2021, realizei
trabalhos de interpretação e dança em projetos com a cantora Manu Gavassi.
14
As apresentações das seguintes artistas serão realizadas no sexto capítulo deste trabalho destinado à análise
e comparação das entrevistas.
16

SOCIABILIDADE VIRTUAL

Toda invenção criada para servir às necessidades, comodidades e sobrevivência


humana, – e em nossa sociedade, aos interesses do capital – modifica nossos estilos de
vida, bem como a forma que nos relacionamos com o outro, com o ambiente e com nós
mesmos. Também é fato que as invenções de novas ferramentas têm proporcionado a
muitas pessoas inúmeros benefícios, rapidez e muita praticidade. O mundo globalizou e se
conectou de tal forma, que por vezes a distância física parece não ser mais um obstáculo
para a transmissão imediata de informações nem para o “encontro” entre pessoas em
diferentes espaços geográficos, conseguimos resolver inúmeros afazeres em poucos
instantes e outros diversos benefícios, que não cabe a essa pesquisa aprofundar. Hoje as
mais ordinárias tecnologias nos proporcionam metaversos15 de realidades e maneiras de
nos relacionar, trabalhar e viver. Contudo, toda manifestação cultural em nossa sociedade
tem suas contradições e proporcionam diferentes experiências conforme o acesso, às
oportunidades e aos aportes sociais.

Parece-me que a partir do momento em que algo estabelece raízes, começamos um


processo de adaptação às novidades apresentadas. Elke Siedler (2016) fala sobre o
aumento do uso de das ferramentas digitais que gera e desenvolve novas formas de
existência, nossos hábitos cognitivos já não mais os mesmos, hoje somos seres mais
multifocados, capazes de absorver simultaneamente uma quantidade maior de informações.

Com isso, alguns hábitos, manias, vícios e gostos pouco a pouco vão sendo
modificados, outros vão surgindo, e sem nos darmos conta a identidade, realidade e a
cultura de uma geração nova, apesar de se manter em alguns pontos convergentes,
possuem também muitos novos modos de existir, que a difere de gerações anteriores.
Helena Katz (2014), problematiza os novos hábitos das gerações mais jovens, que são

15
Uso aqui “metaverso” (conceito disponivel no link:
https://www.cnnbrasil.com.br/business/entenda-o-que-e-o-metaverso-e-por-que-ele-pode-nao-estar-tao-distan
te-de-voce/ ) para designar a ideia de uma nova realidade virtual, que imita o ambiente real, onde é possível
socializar, viver, capitalizar, manter relações profissionais a partir de avatares criados para nos representar.
Apesar de ser um conceito mais amplo e complexo, utilizo-o, pois as redes sociais virtuais que dominam os
nossos aparelhos eletrônicos atualmente, criam um novo universo, mesmo que em 2D, de relacionamentos.
17

principalmente influenciadas pelas facilidades virtuais, pois criam sujeitos impacientes,


intolerantes, mimados e auto-autoritários.

As redes sociais, nos torna indivíduos autocentrados e egocêntricos, somos


capazes de satisfazer as nossas vontades sempre, pois conseguimos ignorar,
bloquear, apagar conversas e pessoas se assim for de nossa vontade. Com isso
nos tornamos indivíduos auto autoritários, pois nos auto-autorizamos a fazer
tudo aquilo que nos interessa a hora que queremos.16 (KATZ, Helena, 2014)

Esse problema se intensifica, pois os novos hábitos não se limitam apenas ao mundo
virtual, mas acompanham os sujeitos em todos os momentos, atitudes, ambientes, situações
que vivemos e nas relações que criamos, uma vez que somos corpomídia, ou seja, somos
corpos formados e modificados, da mesma forma como modificamos o meio externo, pela

16
Ressalto aqui que, se tratando da realidade brasileira, muitas pessoas não têm acesso a Wi-Fi ou internet,
por isso, como pesquisadora, faço uma análise de um contexto de pessoas que têm acesso e trabalham com
esses meios.
18

soma de experiência vividas e com elas seguimos, inevitavelmente, nossas vidas, por isso
somos corpos que se apresentam como mídias de nós mesmos (KATZ, 2009).

Segundo a visão tradicional, estudar comunicação equivale a estudar os meios de


comunicação: o jornal, o rádio, a TV. Então, tradicionalmente, o corpo também é
visto como um veículo, como mais um meio de comunicação. Mas esse tipo de
formulação, de corpo-veículo, corpo-instrumento, ainda traz um resíduo muito
forte do pensamento cartesiano, do corpo que abriga um fantasma: o sujeito
cartesiano que o habita é o velho “fantasma na máquina”. Esse sujeito tem um
corpo e o utiliza para comunicar algo. A teoria “corpomídia” se contrapõe a essa
visão dizendo que o corpo comunica porque o corpo é um sujeito. Não se trata,
portanto, de um sujeito que tem um corpo. O autor americano Mark Johnson diz
que até a ideia de “corpomente” ainda carrega a velha dualidade. Ele nos propõe
pensarmos em um organismo ecológico: o corpo é inseparável do seu ambiente.
Eu e a professora Helena Katz formulamos o “corpomídia” querendo dizer
fundamentalmente a mesma coisa. Trata-se de um corpo que não pertence a um
sujeito fantasmagórico, mas que também não é só corpo. É corpo mente,
corpo-cérebro e corpo-ambiente também. Não está suspenso, apartado de nada.
Está em permanente processo de evolução com o ambiente natural e cultural em
que se encontra. O objetivo da teoria é trabalhar com todos esses trânsitos, fluxos
simultâneos, compreendendo o corpo como ativador de mediações. (GREINER,
2011)

Consequentemente esse modo de agir, ser e estar reflete nos fazeres artísticos, pois
o artista também é como todas as pessoas, fruto de múltiplas determinações
sociais/culturais de seu tempo.

Nesse primeiro momento julgo necessário nos aproximar do entendimento de cultura


midiática para podermos aproximar de fato das discussões referentes à dança na era da
sociabilidade virtual. Numa perspectiva crítica, baseio-me principalmente na visão
problematizadora da pensadora e crítica Helena Katz (2014) junto com a dançarina e
pesquisadora Elke Siedler (2016) e o filósofo Byung-Chul Han (2013), sobre as novas
ferramentas de socialização virtual, trazendo junto as discussões abordadas no
documentário lançado na Netflix no ano de 2020 “The Social Dilemma" (O Dilema das
Redes) e da visão de Jesús Martín-Barbero (2002) sobre as formas de manipulação dos
meios e as mediações das ferramentas digitais.
19

Cultura digital

Os aparelhos eletrônicos tornaram-se, especialmente após o advento dos APPs de


comunicação e socialização, ferramentas cada vez mais essenciais para a nossa inserção no
mundo social. Byung-Chul Han (2013) trata das mídias digitais – whatsapp, facebook,
instagram, youtube, tiktok, telegram, linkedin – como espaços de interação, nos quais,
diferente da forma centralizada de informação que existia na lógica das mídias eletrônicas
de massa clássica, – jornais, televisão ou rádios – temos há um maior fluxo de
possibilidades das para as pessoas consumirem e produzirem os conteúdos e as
informações que desejamos, pois não existe um processo intermediário nem a necessidade
de um representante para apresentar nossas opiniões e conhecimentos, e ainda nos
possibilita dialogar com diferentes opiniões. “A comunicação digital caracteriza-se pelo
fato de que informações são produzidas, enviadas e recebidas sem a mediação por meio de
intermediários” (CHUL HAN, 2013, p.34). Por isso, possibilitam, àqueles com acesso, o
poder de fala, assim tornando todos os participantes ativos para um diálogo direto com as
informações.

Desta forma, celulares, notebooks, tablets, pelo menos um desses aparelhos se faz
necessário para promover muitas das relações profissionais, sociais e/ou pessoais presentes
no mundo. Para muitos, a sensação é que sem esses aplicativos, tornamo-nos seres
desconectados, perdidos e sem voz, quase sem identidade, frente a um mundo com pessoas
20

extremamente antenadas, prontas e ansiosas para se comunicar. Sua utilização já não é


tanto uma questão de escolha, mas, não raro, uma necessidade. Por elas nos informamos,
interagimos, criamos, recriamos, mantemos laços e é também onde podemos nos expor,
compartilhando as principais novidades sobre nossas próprias vidas.

Por tanto, a comunicação tornou-se muito mais prática e rápida, as informações estão
sempre disponíveis para nós, muitas pessoas podem ter acesso a qualquer tipo de
informação em qualquer momento. No entanto, esses aspectos da sociedade capitalista
atual, também criam uma volatilidade, um desfoco, uma impermanência de interesses, o
que implica em diversas mudanças no modo de produção e consumo. Nada é muito novo, e
o novo rapidamente se torna ultrapassado. Além disso, o mundo virtual cria novos padrões
de valores e estética, ao mesmo tempo que segmenta opiniões e afunila interesses. Apesar
de não haver mediações das informações disponíveis, existem diversas estratégias para o
controle dos usuários17 nas mídias digitais.

[...] por meio de rastreamento dos percursos traçados por cada usuário na
internet, é possível construir uma base de dados, de modo a embasar operações
de regulação social. A dinâmica dos fluxos de dados é fortalecida pelo crescente
desejo e realização da autoexploração do sujeito em redes sociais, de modo que
essas experiências configuram um novo modo de subjetivação, [...] (SIEDLER,
2016, p. 37)

Existem mecanismos de coleta de dados, e a partir de cálculos estatísticos entregam


aos usuários as informações de seus maiores interesses, assim, consegue manipular
sutilmente os gostos e valores daqueles que a utilizam e consomem seus conteúdos, “as
pessoas não sabem de fato o que elas precisam conhecer” (MARTÍN-BARBERO, 2002), e
as mídias se encarregam de nos mostrar aquilo, a partir de dados colhidos, que certamente
irá nos agradar, para nos mimar e nos tornar dependentes de seu acolhimento. Duda Alho
relata que

[...] o (aplicativo) Tik Tok é muito esperto, porque, tipo, você pisca e você tá ali
há uma hora e você não percebe o tempo passar, porque são tantos conteúdos
que, tipo, ele sabe que você gosta e de diferentes pontos e ele vai jogando para
você, então tem que tomar muito cuidado, você não vê passar a hora, e é uma
plataforma muito fácil de mexer. (ALHO, fala da entrevista, 2020)

17
Denominação destacada pela série, que se refere ao mesmo tempo ao público que possui perfil e utilizam
os meios de comunicação da grande mídia e aos indivíduos que possuem alguma dependência química.
21

Esse assunto é tema principal do documentário “The Social Dilemma”


(ORLOWSKI, 2020), que me parece construir um discurso bastante crítico sobre o mundo
virtual, que temos mergulhado de cabeça, cada vez mais profundamente. Nele, nos
encontramos com alguns ex-funcionários de gigantes empresas de tecnologia e
comunicação, responsáveis pelos principais canais, sites e aplicativos de mídia social.

As falas desses atores expõem uma visão pessimista e preocupada com o rumo que
essas invenções tecnológicas e a evolução das mídias digitais estão levando a humanidade.
Afirmam que inicialmente até tinham objetivo positivo, para facilitar a vida humana, o que
em alguns aspectos e contextos, é possível afirmar. Contudo o crescimento da utilização
dessas plataformas digitais criou, depois, um visionário olhar ganancioso, interessado pelo
lucro e poder exercido sobre seus usuários (ORLOWSKI, “The Social Dilemma”, 2020). E
essa ambição foi responsável pela elaboração dos mecanismos de controle e alienação,
que afetam tanto aqueles que criam e vendem conteúdos, quanto os que buscam apenas
consumir informação e/ou ter um momento de lazer. “O sujeito produtivo de hoje é ofensor
e vítima simultaneamente" (CHUL HAN, 2013, p.32-33), no entanto, acredito que é
importante estarmos cientes da manipulação de dados causado pelo interesse de grandes
corporações de seus próprios favorecimento financeiro.
22

Algoritmos, engajamentos, alcance, likes, comentários, visualizações,


compartilhamento, hashtags, mecanismos de cálculos simples e complexos de dados que
limitam e selecionam para e até onde vai o conteúdo criado e o que alimenta os feeds e
perfis de cada usuário. Baseando-se em estatísticas de interesses, a partir de uma análise
quantitativa de cronometragens e caminhos das navegações pela rede virtual.

Essa distribuição de conteúdos, selecionados criteriosamente a cada usuário, cria


diversos aglomerados instáveis de indivíduos singularizados que se juntam por conta de
uma falsa identificação, ou de uma identificação superficial. A tendência é aproximar
grupos com opiniões, visões e ideias que se assemelham, para validar o pensamento
individualizado, diminuindo as possibilidades de encontro com argumentos e visões
contrárias. Assim tendemos a nos tornar sujeitos ignorantes, crendo em verdades parciais
ou falsas verdades e vivendo em bolhas com “paredes” cada dia mais impenetráveis e
inultrapassáveis. Formam-se mini universos sustentados por opiniões comuns, e que não se
abrem para dialogar com as visões de outros mini universos.

O resultado é a construção daqueles indivíduos autocentrados, impacientes e


intolerantes aos quais Katz (2014) se refere. Esse modo de ser, pensar e agir ultrapassa os
limites das telas e corporifica os indivíduos. As manias que adquirimos quando navegamos
pelo mundo das telas se torna parte de nós também no mundo real. Se diante das telas
temos a possibilidade de ter acesso apenas àquilo que queremos quando queremos,
acabamos nos tornando seres mimados e impacientes, que não sabem lidar com a negação
de nossas expectativas. Elke Siedler (2016), diz

Nas inúmeras conexões on-line, as noções de espaço-tempo mudaram, de modo


que as relações pessoais e coletivas transcorrem em um “presente contínuo”, sem
pausas e intervalos e em novas perspectivas de espacialidades. Vives-se pelo aqui
e agora, de modo que há uma dinâmica mercadológica de se satisfazer
instantaneamente os desejos consumistas. E isso se estende às relações humanas
também. (SIEDLER, 2016, p. 21)

Novos hábitos surgem e as relações começam a se construir a partir de novos


valores. A vida social virtual gera uma nova versão do mundo, cheio de novas formas de
relações e interações aos quais vamos nos adaptando. Chu Han (2013) já indica um novo
23

Homo Digitalis que possui uma relação de estranheza com espacialidades como estágios
ou anfiteatros, lugares para encontros e reuniões de massa.

Tais maneiras de ser transpõem os limites das telas e imbricam no nosso ser
físico-real, a exemplo de quando nos falta habilidade para conversar e principalmente, para
ouvir, de fato, o que outro tem a dizer, pois estamos muito auto centrados, nos
preocupando apenas com a nossa imagem, os nossos problemas, e acabamos perdendo o
senso de coletividade ou quando não conseguimos lidar com as “defeitos” de nossa
aparência, e buscamos inúmeros artifícios para “corrigi-los”, e aproximar da estética ideal
para as mídias virtuais. Buscamos constantemente ser aquilo que as mídias ditam,
perdemos, muitas vezes, o nosso próprio juízo de gosto e nossas verdadeiras opiniões.
Somos constantemente bombardeados por informações que pregam falsas verdades, e
infinitas formas de ser o ideal.

Avatares: seres sociais midiáticos - Quão avatar é o real, quão real é o avatar?

O mundo virtual, então, tem tomado um espaço tão grande em nossas vidas18 que
hoje existe uma gama enorme de novas profissões ligadas a essas plataformas de mídias
sociais. Influenciadores digitais19, por exemplo, são profissionais que produzem conteúdos
diariamente para esses aplicativos, adquirem um know-how de como, quando e o que fazer
para conseguir conquistar o interesse de pessoas e vender serviços, produtos e até como
construir a própria imagem para atrair interesse de marcas patrocinadoras, e assim se tornar
literalmente um influenciador.

Nesse cenário, temos de um lado os criadores de conteúdo, os influencers digitais, ou


grandes personalidades midiáticas e perfis de grandes empresas que mantêm constante a

18
Aqui me refiro a pessoas em nossa sociedade que têm acesso a bens de consumo e à internet, pois o
enfoque da pesquisa é com trabalhadoras residentes em Goiânia, São Paulo, Alemanha ou Paris da área das
Danças Contemporânea e Urbanas que utilizam as mídias sociais e o audiovisual em suas criações, ensino e
produções.
19
“Influenciadores digitais são pessoas que, por meio da produção de conteúdos em canais online, como
redes sociais e blogs, atraem uma quantidade massiva de seguidores. Assim, suas postagens viralizam com
facilidade e, muitas vezes, atingem diferentes esferas midiáticas, como o próprio nome já sugere que eles
podem influenciar o comportamento e as decisões de compra de seus seguidores.” (Fonte: Luiz Piovesana,
para o site Nuvemshop. Setembro de 2020. disponível em: https://www.nuvemshop.com.br/blog )
24

renovação de conteúdos para suprir a frenética demanda por informações e novidades de


seus seguidores e cumprir metas para conseguir mais engajamento20. Do outro, os próprios
usuários, os consumidores de conteúdo, aqueles que são influenciados, moldados e
alienados pelos algoritmos, e que são os verdadeiros financiadores desse mundo virtual
capitalizado. E numa terceira ponta, encontram-se as empresas que comandam as mídias
digitais, a detentora de todos os dados, com os quais criam mecanismos de manipulação.

As gerações mais novas, que têm acesso a estes bens culturais já nascem em um
mundo totalmente conectado, crescem aprendendo, com grande maestria, a lidar com essa
realidade. Afinal, elas não conhecem o mundo no qual a ligação telefônica era o meio de
comunicação mais rápido e instantâneo ou em que era preciso entender a organização das
palavras no dicionário para conseguir ter acesso às suas definições. Nasceram com o
conhecimento disponível na ponta dos dedos. As profissões de influencer, youtuber ou
tiktoker, são opções oficiais de ambição profissional para essas gerações. Por isso, já desde
jovens, muitos procuram manter um perfil nas suas redes sociais com conteúdos bem
produzidos e organizados, visando um alto nível de engajamento e maior visualização.

E dessa forma, não apenas as novas gerações, mas todos que de alguma forma
precisam imergir no mundo virtual, buscam tornar-se um modelo midiático ideal aos seus
seguidores. Desenvolvemos, então, avatares “perfeitos” – à necessidade de cada público –
para nos “representar”. Vamos sendo moldados pela necessidade de se enquadrar ao padrão
imposto, que se vende nas mídias sociais, um padrão que muitas vezes é extremamente
efêmero, uma moda passageira. Somado-se a isso, recursos de edições de photoshop mais
acessíveis, filtros “de beleza” presentes nos próprios APPs, o recurso da câmera de selfie,
enfim, a simples facilidade de escolher expor apenas o recorte positivo de nossas vidas,
nos leva a crer que ser o que é considerado ideal é extremamente possível. Na dança, os
recursos de selfies presentes nos aparelhos eletrônicos altera a forma como nos

20
“Engajamento é o interesse e envolvimento dos seguidores com o seu conteúdo, seja no seu blog ou nas
redes sociais. São todas as interações de alguém com a sua marca.Os comentários, curtidas e
compartilhamentos de publicações podem ser usados como termômetro em uma estratégia de mídias
sociais, já que eles revelam muito sobre a sua audiência, o quanto as pessoas confiam na sua marca e o
quanto são influenciadas pelas suas opiniões.” (fonte:
https://peepi.com.br/blog/engajamento-nas-redes-sociais/ ).
25

relacionamos com a câmera e com o movimento, acredito que nossos olhares muitas vezes
busca o reflexo apresentado na tela, como forma de aprovar aquilo que estamos
executando, e isso acaba nos desconectando unicamente da dança, ou seja, criamos outras
relações com o movimento e com a forma que apresentamos ele.

A validação do nosso sucesso ou não-sucesso ocorre pela quantidade de interações


positivas – curtidas, comentários, compartilhamentos – de outros avatares. Esse ambiente
se torna perigoso, pois os números se tornam o principal parâmetro qualificador dos
indivíduos – quanto mais seguidores mais bem sucedida eu sou, quanto mais likes mais
relevantes são minhas postagens, quanto mais comentários mais legal é o conteúdo que eu
crio –, ficamos viciados em uma análise quantitativa e não qualitativa, com isso acabamos
acreditando na ideia de que só vale a pena conhecer mais profundamente os trabalhos de
um artista que possui uma quantidade maior que X de seguidores. O valor real do conteúdo
produzido acaba sendo esvaziado e superado pela imagem da personalidade famosa que a
criou ou que meramente realizou um Publipost21 para uma marca famosa.

21
“O publipost ou post patrocinado, acontece quando uma marca propõe que blogueiros e pessoas com forte
influência digital (baseada em grandes números de visualizações e seguidores) divulguem os produtos de sua
marca nas redes sociais. Tudo isso, com algum tipo de custo, é claro”. (fonte: mzclick.com.br/publipost/)
26

A corporização de experiências vividas nesses diferentes ambientes de socialização,


redefinem algumas relações hierárquicas entre o ser humano e as tecnologias. A ferramenta
criada para auxiliar e facilitar as nossas vidas, se torna um dos principais meios para atingir
tanto a satisfação profissional como pessoal. Pela portabilidade dos aparelhos nos quais
temos acesso a essas mídias, acabamos dedicando quase cem por cento do nosso tempo
numa busca compulsiva por maiores números de alcance e visualização. Thais Lirio (26),
atualmente professora de jazz funk e bailarina oficial do balé da Luisa Sonza22, relata que:

[...] hoje eu tenho mais ansiedade do que antigamente, porque agora que eu só
trabalho com o instagram, parece que cada vez mais só aumenta a pressão. [...]
sinto mais a necessidade de estar constante no instagram, até porque o algoritmo
mudou muito, [...] tá piorando. Eu acho que cada vez mais eles (as mídias)
querem que a gente fique preso, fique ali, sabe? A mídia funciona muito assim,
cada vez mais quer que você fique mais viciado. (LÍRIO, fala em entrevista,
2020)

A característica de viralização rápida gera um padrão na formatação dos conteúdos,


que acabam ditando o design e temas específicos que correspondem àquilo que o público
mais consome naquele determinado momento, como as formas de enquadramento com
preferência pelo modo retrato ao modo paisagem de posicionamento da câmera, utilização
de efeitos e músicas mais ouvidas no momento e em alguns casos até os trejeitos das falas
são influenciados. Para o meio artístico esse novo jeito de produzir e vender trabalhos pode
se tornar uma contradição, pois produzir espontaneamente é uma tarefa arriscada para
quem precisa de um retorno do público, por muitas vezes ir contra o fluxo de produtos
aceitos e consumidos nas mídias sociais, consequentemente vamos cedendo aos padrões
impostos por essa cultura digital.

Mesmo antes do caos da saúde com o advento da Covid-19, quando todo contato
físico precisou acabar, a urgência de certos segmentos culturais se familiarizar e adaptar às
condições do ambiente virtual já vinha acontecendo, em processo contínuo, desde as
primeiras plataformas virtuais de socialização e comunicação. Contudo, quando nos vimos
em uma situação onde o fazer presencial já não era mais possível, tivemos que procurar
maneiras de nos inserir nesse local já saturado de informações e cheio de regras implícitas
na produção e disseminação de conteúdos, que determina os melhores horários para postar,

22
Link do perfil oficial do balé: https://www.instagram.com/ballet_luisasonza/
27

quais recursos podemos utilizar para atrair mais público, como marcar as hashtags,
“arrobas” de marcas e pessoas influentes e até direcionar o melhor assunto para o
conteúdo ser atrativo.

Urgência Virtual

O mundo vem se virtualizando desde a criação dos primeiros sites de bate-papo


virtuais, os primeiros blogs e fotologs, e pequenos espaços de interatividade entre pessoas
de lugares institucionais bem específicos dos Estados Unidos. No Brasil, a conectividade
aconteceu de fato com a chegada do Orkut23. Foi com as denominadas “comunidades”
dessa rede que os indivíduos com pensamentos e experiências semelhantes começaram a se
encontrar e se fortalecer, pela conexão gerada com a identificação por algo em comum. A
plataforma ficou ativada por 10 anos, e a partir de 2011, com a ascensão do Facebook, o
site começou a perder grande quantidade de usuários e em 2014 foi definitivamente
desativada. Outras plataformas, como Tik Tok, Twitter e o Instagram, já estavam sendo
usadas, contudo ainda em menor proporção que o Facebook.

23
“Orkut é o nome de uma rede social. A origem do nome se dá pelo nome do projetista chefe, o engenheiro
turco Orkut Büyükkökten. Era uma rede social filiada ao Google e foi a rede social que mais fez sucesso
antes do Facebook, caindo nas graças do mundo.(...) O objetivo principal do Orkut era fazer com que os seus
membros fizessem novos amigos e mantivessem bons relacionamentos com eles. Essa meta foi alcançada
com sucesso, é claro, mesmo que a interação entre usuários fosse bem menor do que a que se vê atualmente
pelo Facebook.” (fonte: https://www.significadosbr.com.br/orkut ).
28

Preciso ressaltar que cada uma dessas plataformas possuem diferentes tipos de
mecanismos de coleta, análise e controle de dados e de publicações feitas pelos seus
usuários – muitas vezes na forma de censura, o que se torna uma problemática para artistas
que possuem produções mais densas e/ou que utilizem o nudismo, por exemplo. Mesmo
que o Instagram e o Tik Tok, por exemplo, possuam formatos semelhantes de produção,
edição e publicação de vídeos, os critérios para a distribuição dos conteúdos nelas
presentes são distintos, além de que no Instagram existem outros formatos de
compartilhamento de conteúdos que o Tik Tok não possui – compartilhamento de fotos,
por exemplo. E se formos comparar essas duas plataformas com Youtube ou Twitter,
poderemos perceber que suas ferramentas possibilitam formas ainda mais diferentes de
compartilhamento de conteúdos.

O youtube possui um formato que permite o compartilhamento de vídeos mais


longos, de alta qualidade e é aberto para o acesso do público geral, sem necessidade de ter
inscrição na plataforma. No Twitter, a ferramenta principal de comunicação são postagens
de frases curtas, que normalmente dizem respeito ao humor, ou pensamentos do
usuário-autor, apesar de podermos ter acesso ao seu conteúdo sem estarmos inscritos na
plataforma, a qualidade de visualização se torna inferior. O Instagram e o Tik Tok,
possuem ferramentas de compartilhamentos de vídeos mais curtos que no Youtube, com
edições normalmente mais simples e conteúdos de cunho mais pessoal – salvo quando o
perfil é vinculado a alguma marca ou empresa de grande porte.

Intuitivamente e seguindo o fluxo da euforia pela novidade, acabamos incorporando


a possibilidade desses e outros sites e mídias para somar a formas de realizar, armazenar e
expor trabalhos e promover eventos. Sem perceber, em poucos anos tornamo-nos
utilizadores assíduos dessas plataformas.

Em todas as áreas de conhecimento, essas mídias têm se tornado um canal de


compartilhamento de conhecimentos e de divulgação e exposição de trabalhos, Vivian
Navega (40), uma das bailarinas com quem conversei, por exemplo, utilizou a ferramenta
de transmissão ao vivo no Instagram para realizar o projeto Entre Vidas24 no qual pode, a

24
Link da publicação sobre o projeto: https://www.instagram.com/p/B-IhVmfHB2k/
29

partir de diálogos com bailarinos e bailarinas, expor relatos de diferentes experiências


profissionais na dança contemporânea. Pela praticidade e facilidade que elas nos
proporcionam, a sua utilização ganhou muita força nos últimos anos, e tem sido o principal
meio de ascensão de muitos profissionais. A oportunidade de se comunicar com pessoas,
que sem esse recurso não seriam atingidas, é o ponto principal visado na divulgação de
trabalhos por esses meios virtuais.

No ano de 2020, isso tomou uma proporção bem grande, pois o mundo paralisou por
conta do Coronavírus (Covid-19). As ruas ficaram vazias e os locais públicos ficaram
interditados, o distanciamento tornou-se ordem mundial, para o bem de todos. E assim,
distanciados fisicamente, a conectividade virtual foi essencial para mantermos nossas
relações sociais e qualquer contato com o mundo fora de casa.

A maioria das pessoas que até o momento resistia, às alternativas virtuais, teve que,
inevitavelmente, ceder. Home office, aulas remotas, congressos, eventos, festivais, festas e
shows, tudo precisou acontecer pelas telas. Como tudo isso foi feito? Apenas aconteceu, de
maneira arbitrária, sem refletir muito sobre a maneira que essa transposição aconteceria.
Pela necessidade de concluir projetos iniciados, muitos artistas tiveram de adaptar suas
criações para as telas. Como a temática mais discutida no momento era a necessidade de
distanciamento social e cumprimento das medidas de proteção contra a disseminação da
30

Covid-19, muitos optaram por criar mensagens de positividade. Isso acabou saturando,
apesar da sensação inicial ser ligeiramente aconchegante e de esperança, no fim parece que
acabou gerando um maior sentimento de angústia e de vazio.

A euforia inicial do fazer se acalmou, os profissionais se deram conta de que


ambientes diferentes exigem outras perspectivas e outras estratégias para comunicar uma
mesma informação àqueles com quem se pretende dialogar ou atingir. O bailarino,
coreógrafo e diretor Daniel Calvet25, do grupo Ateliê do Gesto26 de Goiânia, para cumprir
as demandas de um projeto que precisava ser finalizado em 2022, reestruturou o espetáculo
“Dança Boba27” em uma versão filme, os ensaios da companhia de voltaram para o estudo
da movimentação para a câmera e dessa forma ir descobrindo possibilidade de transpassar
os sentimentos desejados ao agora público telespectador, bem como recriou uma residência
artística na qual precisou buscar novas alternativas para propor as dinâmicas de movimento
aos participante através de video chamadas. O Grupo Cena 11 Cia de Dança28, também
estreou o novo espetáculo “Matéria Escura”29 totalmente pensado para as telas e atualizou
o perfil no instagram com conteúdos e eventos que dizem a respeito da relação
dança-tecnologias.

Refletir criticamente sobre as implicações do mundo virtual nas nossas vidas se


tornou algo urgente: pensar tanto nas suas potencialidades quanto nas suas problemáticas,
que mesmo antes desse advento pandêmico, de distanciamento, me parece que já
estávamos há alguns anos vivendo sem nos questionar de fato.

25
“Daniel Calvet iniciou seus estudos em dança no Rio de Janeiro. Trabalhou com diversos coreógrafos
nacionais e integrou importantes companhias de dança, como Deborah Colker, RJ e Quasar Cia de Dança,
GO. Artista incansável, atualmente dirige o Grupo Ateliê do Gesto em parceria com João Paulo Gross
atuando também como intérprete.” (Link: instagram.com/p/B9AROYHHGE3/?utm_medium=copy_link )
26
Link perfil no Instagram: https://www.instagram.com/ateliedogesto/
27
Link vídeo de divulgação: https://www.instagram.com/p/CVsnyc3NO0i/
28
“Companhia dirigida por Alejandro Ahmed, surgiu e é radicada na cidade de Florianópolis - SC e atua
desde 1995 na produção artística de dança tendo se tornado referência nacional e internacional da área. Um
núcleo de criação com formação em várias áreas compõe a base para uma produção artística em que a ideia
precisa ganhar expansão num corpo e se organizar como dança. O grupo propõe através de um elenco estável
a organização coletiva através das singularidades do elenco”. (fonte: https://www.cena11.com.br/portfolio )
29
Link vídeo de divulgação: https://www.instagram.com/p/CT5ADjHMu0q/
31

DANÇA: Arte, diálogo e comunicação

A arte sendo uma atividade humana, que dialoga e caminha junto das novidades,
ansiedades, euforias, inquietações e questões das nossas vivências contemporâneas30,
inevitavelmente se transforma ao dialogar com novas tecnologias e aos meios
tecnológicos de comunicação, especialmente às redes e mídias sociais, que estão
extremamente implicadas em nossas vidas atualmente.

A dança como linguagem artística, também entra num processo de redescoberta.


Siedler (2016) defende que as mídias digitais on-line geram modificações nos processos
cognitivos do corpo, que podem ser percebidas pelas transformações graduais nos
comportamentos humanos, e por isso alteram os modos relacionais com a dança.

O artista, bem como o espectador de dança, geralmente é, também, um usuário


da internet, de modo que os fluxos informacionais gestados em ambiência
on-off-line geram consequências artístico-culturais. Isto é, o corpo que
experiencia as lógicas cognitivas em suas relações com e na internet
(simultaneidade, instantaneidade, velocidade, globalidade, acelerada
transitoriedade nas relações, rastreamentos das ações on-line para o
usuário-consumidor receber informações relevantes ao mercado, convergência
das mídias, narrativas transmídia, entre outros) é o mesmo corpo que entende a
vida off-line, de modo que há um cruzamento de lógicas de organização do
pensamento, num fluxo de coafetações e cotransformações. (SIEDLER, 2016, p.
31)

30
Refiro-me à ideia de contemporâneo proposto por Agamben (2006) onde diz que “contemporâneo é aquele
que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro. Todos os tempos são,
para quem deles experimenta contemporaneidade, obscuros. Contemporâneo é, justamente, aquele que sabe
ver essa obscuridade, que é capaz de escrever mergulhado a pena das trevas do presente.” (AGAMBEN,
2006, tradução de Vinícius Nicastro Honesko, p. 63, 2009)
32

Coreógrafos, pesquisadores, bailarinos e intérpretes-criadores encontram outras


possibilidades de exposição, apresentação, divulgação e execução de seus projetos e
trabalhos. Além disso, surge também uma nova forma de encontro com o público, que
pode acompanhar não apenas os trabalhos dos seus artistas de preferência, mas também a
vida, a rotina e todos os seus processos em tempo real, caso o artista se proponha a tal
exposição. Byung-Chul Han, refere-se às redes sociais como espaços de exposição do
privado. (CHUL HAN, 2013, p.13)

O grande impasse desse processo de mudança de realidade, é a rapidez com que os


novos modos de comunicação aparecem e dominam o nosso dia a dia.

Embriagamo-nos hoje em dia da mídia digital, sem que possamos avaliar


inteiramente as consequências dessa embriaguez. Essa cegueira e estupidez
simultânea e ela constituem a crise atual. (CHUL HAN, 2013, p.10).

Sem nos darmos conta, entramos em um modo automático de consumo e reprodução


dos trejeitos, modismo e discursos virtuais, nos adaptando para conseguir atingir a meta de
número desejada para nossos avatares da sociedade virtual, como já discuti anteriormente.
Muitas vezes acabamos contradizendo as nossas próprias inspirações, estilos, estéticas e
opiniões para criar um conteúdo de consumo midiático. As próprias dancinhas do Tik Tok,
ou a utilização de músicas de sucesso para trilha sonora de nossos trabalhos, se tornam
ferramentas para a popularização de trabalhos artísticos.

O intuito não é de desmerecer nem desvalorizar os conteúdos artísticos criados e


produzidos para serem veiculados nas mídias sociais, inclusive, sempre existiram muitas
pessoas com perfis cheios de conteúdos riquíssimos para a arte – como o perfil do Grupo
Cena 11 Cia de Dança (op. cit.), da bailarina Juliana Kis31, que nos instiga e nos faz refletir

31
Nascida no Brasil, mas com nacionalidade greco-brasileira, atualmente vive em Paris. Dançarina
desde os 9 anos de idade, professora e coreógrafa há mais de 14 anos, é formada em educação física
com experiência em hip hop e dança contemporânea. Criadora, diretora e coreógrafa da Brainstorm
Dance Company, grupo que foi vencedor do "Rock in Rio Dance Dance Competition" nacional e
internacionalmente. Trabalhou como dançarina na Ásia em Cingapura, Vietnã, China e Coréia do Sul.
Estudou danças urbanas em Los Angeles, onde participou do curso de formação "Establish Your
Empire", vinculado ao "Movement Lifestyle Studio".
33

mesmo em seus pequenos takes artísticos de vídeos, e do artista visual Adam Martinakis32,
com suas imagens de beleza trágica que passam questionamentos sobre a humanidade.
Também não quero condenar aqueles que escolhem utilizar as redes sociais como lugar
para descontrair, rir, passar o tempo de forma leve e sem o compromisso de criar, produzir,
veicular e promover trabalhos.

Contudo, não posso ignorar que existe a tentação de seguir, sem critérios, o formato
padrão – a mera imitação de vídeos já viralizados, ou seguir receitas de como, quando e o
que fazer para conquistar visualizações de forma mais fácil e rápida e hoje já existe um
mercado de consultoria e coach de mídias – de criação de conteúdos, que é difícil resistir.
Quando cedemos a essa tentação e deixamos de falar aquilo que queremos ou aquilo que
precisa ser falado, para falar o que achamos que os outros querem ouvir, surge uma
problemática. Em nossa conversa, a bailarina Vivian Navega defende que

[...] enquanto a gente estiver num mundo de romantização da dança, e querer ser
famoso e ir por esse lugar mais raso, talvez a gente estará produzindo um
desserviço. e se a gente quer produzir um serviço à dança, não à pessoa em si
individual, mas à dança, talvez a gente tenha que fazer mais do que esse

32
Adam Martinakis nasceu em Luban, Polônia em 1972 e possui descendência polonesa e grega. Mudou-se
para Atenas, Grécia em 1982 para estudar arquitetura de interior, arte decorativa e design industrial. Desde
2000, Adam tem trabalhado e experimentado mídia visual gerada por computador (imagens digital 3D,
animação, escultura digital, vídeo, new media). Dá aulas de arte e design digital, gráficos, design de interiores
e design de cerâmica em várias instituições. É membro da Greek Chamber of Fine Arts (Câmera Grega de
Belas Artes) e em parceria com Wanda Print está em curadoria de projetos comerciais. Atualmente mora e
trabalha em cidades da Polônia, Grécia e Reino Unido.
34

instagram está promovendo, do que esse mundo virtual está promovendo. por
que assim, isso para mim é um exemplo muito forte, muito vivo de que está
acontecendo algo muito grave, mas “meu instagram vai ser para me promover”.
(NAVEGA, fala da entrevista, 2020)

Parece-me que ao invés de usar o maravilhoso poder de alcance da mídia para


disseminar obras de arte de qualidade, para comunicar, transpassar uma diversidade de
sensações, emoções e ideias, experimentar outras estéticas, mesclar conhecimentos e gerar
discussões para um crescimento mútuo, acabamos contribuindo para a criação de diversos
feeds cheios de mesmices, que reforçam a construção de pessoas ainda mais alienadas,
mais intolerantes e sem senso crítico, por conta de um vaidade pessoal.

A partir da minha experiência no meio artístico, posso dizer com tranquilidade que o
sujeito que se propõe a trabalhar com arte é minimamente vaidoso, pois artistas são
pessoas que hora ou outra se arriscam expor-se, ou expor seus trabalhos a um público, e
certamente irão encerrar a sua apresentação esperando aplausos, como forma de aprovação
de seu trabalho. E na atualidade, nos contextos aqui estudados, a vida virtual se torna um
palco de infinitas novas possibilidades, um lugar de expor trabalhos, compartilhar
pensamentos, opiniões, sentimentos, angústias, onde também buscamos nos conectar a
pessoas, para nos sentirmos aceitos e compreendidos. A bailarina e tiktoker, Duda Alho
(19), relata que não se limita a postar conteúdos que dizem a respeito de dança ou arte, mas
que gosta de compartilhar sua vida pessoal, pois “a galera fala que se identifica muito
comigo, com meus surtos diários, então isso me deixa massa também”. Essa busca
desesperada pela aceitação massiva pode empobrecer o repertório individual de cada mente
criadora, que acaba deixando de lado uma autêntica e peculiar forma de produzir para
seguir fórmulas seguras para o engajamento midiático.

Thais Lirio (25) relata que possui algumas estratégias para conseguir manter o
alcance em suas postagens, uma delas é incentivar, pelos stories, seus seguidores a
compartilhar, curtir, comentar e salvar, os conteúdos que publica. Além de ter começado a
produzir muitos reels33, pois esse formato de publicação, por mais que tenha um limite

33
O Reels é uma das funcionalidades do Instagram, que permite a criação de vídeos de até 15 segundos.
Assim como na rede social Tik Tok, é possível gravar e editar vídeos curtos e adicionar efeitos sonoros e
visuais a eles, tornando-os mais atrativos. De forma bem simples e de fácil edição, esses vídeos podem ser
compartilhados na própria rede social ou em outras.
35

reduzido de tempo, pode atingir mais contas aleatoriamente. Duda Alho (20), conta que
planeja suas postagens conforme os melhores horários de engajamentos nas redes sociais
que utiliza mais (Tik Tok, Instagram e Twitter).

Sempre existiram várias estratégias midiáticas para conquista de audiência, e essas


formas de promoção de conteúdos, vem se modificando ao passo que as mídias se
deslocam para aparelhos cada vez mais remotos, práticos e presentes a todo momento no
nosso dia a dia.

Produzir ou reproduzir danças virtualmente?

No programa Roda Viva transmitido em 22 de outubro de 200234, que teve como


convidado Jesús Martín-Barbero, um dos participantes da mesa era o dramaturgo Lauro
César Muniz, que na ocasião já testemunhara a mudança na forma de fazer/escrever
telenovelas entre a década de 70 e 80 e o início dos anos 2000, primeiro por conta de uma
mudança no cenário político, mas também por conta da globalização – referindo ao
aumento das possibilidades de comunicação e acesso à informação:

[...] a única forma da comunicação, hoje, me parece que é jogar com


ambiguidade, jogar contradições, justamente para propiciar ao telespectador a
dualidade de visão, o equilíbrio das proposições, evitando as palavras de ordem.
Me parece que a globalização, a internet, o aumento das possibilidades de
comunicação provocaram essas brechas, essas possibilidades de diversidade na
recepção. (CÉSAR MUNIZ, programa Roda Viva, gravado dia 22 de outubro de
2022).

Naquela época, as tecnologias dominantes da comunicação já denunciavam uma


mudança no comportamento e no gosto do público consumidor de entretenimento. Os
canais televisivos precisaram rever suas programações a fim de entregar uma diversidade
maior de conteúdos, pois o público estava mais diverso, de diferentes classes sociais,
ideologias e interesses.

34
Link parte 1: https://www.youtube.com/watch?v=1-wuLlUd-nM;
Link parte 2:https://www.youtube.com/watch?v=hB6kTmr5lSw ;
Link parte 3: https://www.youtube.com/watch?v=hnzaLbk1-t4 ;
Link parte 4: https://www.youtube.com/watch?v=y7HKRJu5OqI .
36

A demanda por um conteúdo que dialogue com maior diversidade de grupos de


interesses aumenta na medida em que os meios de comunicação, especialmente as redes
sociais virtuais, se tornam uma realidade cada vez mais permeada em nossas vivências. A
linguagem mais ambígua e dual, esvaziada de sentimentos, posicionamentos e opiniões,
que evite discussões consideradas difíceis e “chatas”, para entregar um conteúdo de puro
entretenimento, de fácil e rápido consumo, pode ser uma das receitas para disseminar o
conteúdo desejado e atingir o sucesso das top trends nas mídias sociais.

Uma plataforma digital de sociabilização que tem se popularizado principalmente


entre os mais jovens, e que exemplifica bastante essas fórmulas prontas de reprodução de
conteúdos, é o Tik Tok. O aplicativo permite exclusivamente postagens de vídeos curtos –
de consumo rápido – no feed (inicialmente com o limite de 60 segundos). O principal
motivo da fama desse aplicativo aconteceu por conta dos challenges: desafios inusitados
lançados por algum usuário (ou tiktoker), identificados por hashtags e viralizado por conta
do seu nível de dificuldade, audácia, comicidade ou complexidade de execução.

Dentre os desafios lançados, vários consistem em pequenas células coreográficas35,


elaboradas a partir de músicas que em certo momento estão em alta. São as famosas
“dancinhas do tik tok”. Passos repetitivos, sem muito contexto nem conexão, normalmente
criados por pessoas que não possuem necessariamente um estudo aprofundado em dança.
Quero lembrar que a dança pode e deve ser vivenciado por quem desejar, independente de
sua expertise, mas entendendo que a dança tem muitas possibilidades de expressão e
organização, questiono se o acesso à pluralidade da dança com suas diferenças e qualidade
é possibilitado ou suprimido com a simplificação dos aplicativos.

De fato, por conta desses challenges, muitas pessoas se permitiram experimentar


movimentos com os corpos, se arriscando nesses passinhos do tiktok. Contudo, como uma
artista e pesquisadora da dança, considero essa forma arriscada de “atrair” público
consumidor e produtor para essa linguagem artística, pois a maioria são conteúdos sem

35
No seguinte link podemos ter acesso a uma playlist no youtube que mostra pública vídeos com as
principais dancinhas do tik tok todas as semanas:
https://www.youtube.com/channel/UCG-dxuI8dQCh2mor472UdWw/videos
37

fundamentos, sem referências e não diz sobre os contextos históricos, aos processos
implicados na construção de cada passo e a todo o conteúdo social que as danças possuem.

A maioria dos desafios (challenges) de dança, propostos no Tik Tok – e que cada
vez mais vem permeando o Instagram – por exemplo, são inspirados em passos sociais das
danças urbanas36, cujas movimentações contam a história de grupos sociais, que
lutaram/lutam e resistem/resistem aos preconceitos e a exclusão social. Em relação a
mudança de dinâmicas de poder no que se refere à autoria e à referências na dança, o
dançarino e pesquisador Rafael Guarato comente:

A partir de então, seguindo o pensamento de Ejara37, não é qualquer um e nem


em qualquer lugar que se aprende a dançar danças urbanas. A ideia de que existe
um alicerce para a dança, reivindica a existência de algo que seria imprescindível
saber, ter ou fazer, para poder requerer seu pertencimento a uma tradição em
dança. Com a noção de fundamento, Ejara não desloca apenas os critérios
técnicos para se dançar, mas também, as pessoas onde a autoridade se localiza e
quem são os chamados “fundadores” dessas danças, estabelecendo cronologia e
descendência rastreável. (GUARATO, 2020, p. 139)

A dança carrega riquezas culturais, ela pode ser símbolo de resistência, comunica,
compartilha e transmite sentimentos coletivos e individuais, ou individuais que se tornam
coletivos. Quando desconectamos totalmente a dança de sua história, acabamos anulando
uma potente ferramenta para o desenvolvimento de uma sociedade mais humana, mais
coesa e consciente com sua história.

É, de fato, positivo que mais e mais pessoas comecem a dançar e a se interessar pela
dança, mas qual o verdadeiro valor desses interesses, para o crescimento da dança,
considerando-a uma possibilidade de arte que dialoga, que constrói, que gera conhecimento,
bem como auto-conhecimento, se eles surgem em um lugar que busca apenas a auto

36
Adotarei o termo “Danças Urbanas” ao invés de “Danças de Rua” por entender que a segunda opção
carrega consigo uma idéia pejorativa para o praticantes dessa manifestação de dança, segundo Ejara (2007) a
tradução literal de Street Dance nunca foi bem aceita para quem não faz parte dela, carregando uma
denotação serem mendigos, crianças abandonadas, sem tetos os seus praticantes, e por isso carregado de
preconceitos que a palavra “Rua” tráz. Além disso, quero me referir a uma dança que apesar de possuir
características das tradicionais Danças de Rua, já está mais inserida em contextos mais formais de ensino e
apresentação.
37
“Frank Ejara há anos é pesquisador da cultura Hip Hop, principalmente no que diz respeito às Danças
Urbanas. Tem feito intercâmbios com a Alemanha, França e Estados Unidos desde 2001.” (Histórico
completo em: https://spcd.com.br/verbete/frank-ejara/ )
38

divulgação de indivíduos que falam (e/ou dançam) as mesmas coisas o tempo todo? Apesar
de entender a importância de não deixar de lado os fatores sociais e históricos imbricados
nas danças urbanas, a bailarina e Tiktoker Duda Alho (19) fala a respeito da necessidade de
utilizar dancinhas já criadas que já fazem sucesso, e estão viralizadas, para que o aplicativo
(Tik Tok) entenda e mande seu conteúdo para mais gente.

As mídias sociais na cena da dança: dança Contemporânea e Danças Urbanas

Como bailarina de dança contemporânea38, permeada por vivências nas danças


urbanas, percebo diferentes formas de construção das suas relações com as mídias sociais
virtuais. As danças urbanas surgem a partir da necessidade de construir e reafirmar
identidades sem visibilidade social, comunicando, dialogando e criando formas de
interação, aproximando e unindo pessoas excluídas socialmente, assim, juntas conquistam
voz para serem ouvidas e vistas. Essa cultura de rua, por sua característica agregadora, ao
mesmo tempo que é atrativa e com grande capacidade metamórfica, conquista espaço em
diferentes contextos sociais. Além de reafirmar e dar mais visibilidade a essas identidades
marginalizadas, cria códigos que possibilitam identificar aqueles que se sentem
pertencentes ou simpatizantes daquela cultura, influenciando estilos, gostos, trejeitos e
vocabulários.

Já a dança contemporânea, em sua concepção, buscava a desconstrução de modelos


padrões de dança clássica, feita para a aristocracia, explodiu muitos códigos39, modificando
a estética de movimentos, bem como propondo temáticas com contextos menos
prodigiosos, e mais mundanas, pois o corpo na dança contemporânea

[...] apresenta-se sem padrões estéticos definidos, onde o belo pode ser o feio, a
inexistência de um corpo ideal, apresenta-se com formações diversas em suas
estruturas físicas. Ocorre no corpo uma lógica não linear, aberta, qualitativa e

38
Segundo Ana Maria de São José (2011, p. 4), “A dança contemporânea é uma forma de arte em constante
construção e em organização contínua, utiliza de diferentes técnicas corporais, modos de apresentação,
pluralidades estéticas, ambiguidades, descontinuidade, heterogeneidade, diversidade de códigos, subversão e
multilocalização.
39
“Na dança, geralmente as imagens empregadas na transmissão de conhecimento são efetivadas por
sistemas de códigos conhecidos como métodos ou técnicas, e são utilizados como solução universal, pois
partem da hipótese de que o que prega se adequa a qualquer corpo. Apoiam-se na crença da existência de um
corpo generalista. Caso os corpos fossem mesmo genéricos e não tão específicos quanto, de fato, são, seria
muito menos turbulenta a atividade do compartilhamento da informação nos processos educacionais.”
(BITTENCOURT, 2012, p. 82)
39

expressiva, sem ordem e hierarquia, com contínua e mútua relação entre o


interno e o externo. (JOSÉ, 2011, p. 8)

Gerou revoltas em um público acostumado com a “beleza” das linhas e de


movimentos virtuosos apresentados pelas danças até então instituídas, pois propunha uma
arte diferente daquela feita para encantar o espectador, incomodava porque quebrava com
expectativa de uma lógica vigente.

“Estado contemporâneo” significa que esse sistema não é mais o sistema que
prevaleceu até recentemente; ele é o produto de uma alteração estrutural de tal
ordem que não se pode mais julgar, nem as obras nem a produção delas de
acordo com o antigo sistema. É justamente neste ponto que se instala o
mal-estar: avaliar a arte segundo critérios em atividade há somente duas décadas
é não compreender mais nada do que está acontecendo. (CAUQUELIN, 2005,
p.15)

O intuito principal, então, não está em agradar, mas, sim, questionar, negar e gerar
possíveis mudanças no contexto hegemônico de produção de dança apresentada nos
teatros, portanto não tinha tanto o intuito de dialogar com um público massivo, mas
questionar e trazer temáticas mais densas e profundas.

Quando olhamos para a história e os contextos de produção dessas duas


manifestações de dança, é possível identificar dois caminhos contrários de
desenvolvimento. Ao passo que as danças urbanas buscam unir e reafirmar identidades
semelhantes, construindo relações, a dança contemporânea contribui para uma lógica de
questionamentos e desconstrução de padrões e afirmações existentes. Esses contextos
históricos inevitavelmente interferem na forma como as novidades tecnológicas imprimem
mudanças no modo de produzir, divulgar e apresentar danças.

Por pertencer a um movimento cultural que abrange outros movimentos artísticos, as


danças urbanas conseguem se aliar a outras linguagens, principalmente aos diversos estilos
musicais que a cultura urbana engloba, – como Hip Hop40, Funk41, Pop42 – e achar brechas
para se expandir nas grandes mídias. Atualmente, diversas manifestações de danças

40
Link playlist HipHop: open.spotify.com/playlist/33p23o2qmW26Q8yA2CAMZ6?si=c029dbdca2ff4866
41
Link Playlist de Funk:open.spotify.com/playlist/6l0HJ2gBmteUfiNrsc479o?si=c93aedbb812a4473
42
Link playlist Pop: open.spotify.com/playlist/2MYvkmnY9ouXwcwGN5Tbrk?si=4027f9ff41e64227
40

urbanas estão presentes em videos clipes de cantoras midiáticas – Anitta43, Pabllo Vittar44,
Luisa Sonza45, Ludmilla46 e Duda Beat47 são alguns exemplos – que hoje, já possuem a
formação de um balé oficial, composto por bailarinos-pesquisadores, principalmente das
danças urbanas. Parece que para esses artistas as mídias se tornam um ambiente natural de
trabalho, pois se vincularem à imagem de artistas influentes, desta forma a mídia
automaticamente torna-se um espaço estratégico para a promoção e divulgação de seus
trabalhos.

As redes sociais proporcionam o diálogo direto com grande público desses artistas,
aproximando as vivências público-artista, tornando-os mais humanos, gerando maior
identificação possibilitando que as experiências de dança sejam vividas por todos.
Contudo, para conseguir se aliar à cultura mais popular e de massa, as danças urbanas
acabam perdendo o conteúdo histórico e o valor cultural dessa linguagem artística, como
dito anteriormente, a dança acaba sendo esvaziada para se enquadrar nos parâmetros mais
aceitos pelo público consumidor.

Em contrapartida, sinto que a dança contemporânea vem permeando o ambiente


virtual de maneira mais cautelosa. Se considerarmos o ser contemporâneo, definido por
Agamben (2009), como aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber
não as luzes, mas o escuro, podemos justificar essa forma cautelosa que a dança
contemporânea vem se inserir no ambiente digital. Além disso, muitas vezes a dança
contemporânea se aliada a instituições – públicas ou privadas – que fomentam, mesmo que
cada dia menos, o seu fazer. Isso gera certa comodidade para a produção de trabalhos,
retirando grande necessidade de dialogar com a cultura de massas, criando produtos mais
densos e de entendimento mais complexo, muitas vezes buscando inclusive questionar os
modos de produção e consumo incentivados pelas mídias. Isso pode distanciar o público, –
acostumado com o consumo mais imediato de informação – dos artistas e dos produtos da
dança apresentada.

43
Link perfil no Instagram: https://www.instagram.com/anitta/
44
Link perfil no Instagram: https://www.instagram.com/pabllovittar/
45
Link perfil no Instagram: https://www.instagram.com/luisasonza/
46
Link perfil no Instagram: https://www.instagram.com/ludmilla/
47
Link perfil no Instagram: https://www.instagram.com/dudabeat/
41

Contudo, as mídias sociais, tem se tornado uma ferramenta muito potente para a
divulgação e disseminação de qualquer tipo de trabalho, por sua característica de
viralização rápida. Somando isso ao advento da Covid-19 (2020), fez-se a necessidade de
uma movimentação mais ativa de artistas, inclusive da dança contemporânea, dentro das
plataformas digitais.

Acostumada com vivências em companhias de dança contemporânea, deparei-me


resistente em aceitar que a virtualidade vem se tornando uma possibilidade cada dia mais
corriqueira de interação social. Questiono diariamente as minhas habilidades e vontades de
adaptar-me a esse universo. Sinto-me relutante com o modo de ser e agir que apps de
socialização têm impregnado nos habitus da nossa sociedade. E creio que esse modo de
pensar abrange uma parcela significativa de bailarinos e bailarinas, principalmente aqueles
que atuam há mais de 10 anos, – sejam de dança contemporânea ou urbanas – pois
bailarinos de gerações mais novas, já vêm se formando em um contexto de
desenvolvimento a partir das mídias sociais virtuais.

Dialogando com as três bailarinas de danças urbanas, e as duas atuantes na dança


contemporânea, de diferentes gerações, observei falas com opiniões diferentes referentes à
utilização e ao papel da mídia na carreira em dança. E acredito ser importante trazer esses
embates para a pesquisa, para tentar compreender melhor como a virtualidade influencia os
trabalhos da cada manifestação de dança, bem como a maneira como esses produtos
interferem na formação do público de dança.
42

IMPRESSÕES: Conversando com bailarinas de dança contemporânea e danças


urbanas

Quando decidi realizar esta pesquisa, já estávamos há aproximadamente seis meses


em situação de distanciamento social por conta da disseminação do Coronavírus
(aproximadamente Setembro de 2020) e os cenários para os trabalhadores da dança se
alteraram profundamente. No ano de 2020, em Goiânia, por exemplo, a agenda cultural e
de lazer foi suspensa desde o dia 13 de março, quando foi divulgado o primeiro decreto
municipal sobre medidas de combate ao Covid-1948. Muitos eventos de dança foram
cancelados, escolas fechadas e as companhias tiveram suas atividades interrompidas, com
isso a maioria dos profissionais da dança ficaram impossibilitados de exercer sua profissão.

Minha relação com as mídias digitais se tornou outra. Antes não sentia muita
necessidade, nem tinha tanto tempo, para ficar navegando nas plataformas virtuais. Possuía
apenas um perfil no Instagram e um no Facebook, sendo que este último, apesar de existir,
já não utilizava mais. No Instagram, postava fotos esporadicamente quando participava de
eventos ou festividades que se tornaram momentos especiais para mim. Uma espécie de
diário virtual compartilhado. Seguia aproximadamente mil e quinhentos perfis, dos quais
alguns eram de amigos e familiares mais próximos, outros de conhecidos e personalidades
famosas aleatórias e acompanhava também perfis com conteúdos sobre dança. Não
utilizava esse espaço para promover ou divulgar meus trabalhos, apesar de já vir refletindo
sobre essa possibilidade.

Em 2020, após o decreto, continuei trabalhando em um projeto com a Quasar Cia de


Dança49, com carga horária e pagamento reduzidos, fazendo aulas de balé via plataforma
Zoom até Julho, e algumas reuniões também de forma online durante o restante do ano.
Por estar com mais tempo ocioso, me tornei mais ativa nas mídias digitais. Não como
criadora de conteúdo, mas passei a ficar mais horas “rolando” o feed, vendo as notícias do
mundo, as atualizações de meus amigos, fofocas, e me divertindo com os memes.

48
Disponível no link: https://www.goiania.go.gov.br/decretos-do-municipio-para-combater-a-epidemia/
49
Link para perfil do Instagram: https://www.instagram.com/quasarciadedanca/
43

Sentia falta de me mover, de fazer mais aulas, participar de workshops, eventos de


dança e processos de criação. Busquei profissionais que já conhecia para fazer algumas
aulas, mas a forma virtual não supria a minha vontade de dançar e socializar, e ainda me
gerava um grande sentimento de frustração. Pois encontrava (virtualmente) com pessoas
(avatares) que estavam super animadas e produzindo muitos conteúdos, ao passo que eu
não conseguia manter a mesma empolgação. Decidi parar de seguir muitas pessoas, pois a
quantidade exagerada de conteúdo que chegava no meu feed estavam me gerando a falsa
sensação de que todos estavam muito bem, mesmo estando vivendo em um momento
extremamente delicado. A positividade exagerada, para mim, não condizia os meus
sentimentos de medo, angústia e ansiedade que me paralisaram artisticamente, não estava
emocionalmente saudável continuar seguindo todos aqueles perfis, por isso selecionei
aqueles que me transmitiam mensagens menos apelativas e mais reais. Hoje acompanho
apenas 279 perfis que realmente me interessam ou inspiram. Passei a trocar mensagens de
Whatsapp com alguns amigos sobre essa sensação de frustração e do estado de “paralisia
criativa e produtiva”, e percebi que não era a única com dificuldades de realizar as minhas
atividades virtualmente.
44

No momento que eu decidi, de fato, realizar essa pesquisa, senti necessidade de


conversar com artistas da dança, com outras bagagens, idades, lugares e campos de atuação
e ouvir outros pontos de vista, até divergentes, sobre esse assunto, para evitar afirmações
prepotentes baseadas apenas em minhas experiências como bailarina de companhias de
dança contemporânea em Goiânia. Convidei, então, cinco bailarinas, atuantes na dança
contemporânea ou nas danças urbanas, para uma conversa em formato online, via Google
Meet.

A escolha por essas artistas me interessou pois ao longo do ano de 2020 pude
observar maior atividade em seus perfis nas mídias Instagram e Tik Tok, e pela análise de
quantidade de seguidores e interações nos conteúdos postados. Trazer apenas mulheres foi
algo intuitivo, mas acredito que foi uma escolha feliz, pois eu, como mulher, pude sentir
maior identificação e liberdade para me incluir e somar com as falas de cada mulher. Optei
ter conversas informais, nas quais eu não seria uma mera entrevistadora, mas uma mulher
que também tem experiências e opiniões sobre essa realidade virtual, coloquei meus pontos
de vista, que foram abraçados ou rebatidos por elas, e assim deixando livre para fluir de
acordo com as experiências, opiniões e os interesses de cada uma. E na medida que fui
realizando as entrevistas, procurei compartilhar também as falas delas entre elas.

No primeiro momento deste capítulo farei uma breve apresentação das bailarinas
com as quais pude conversar. Em seguida irei traçar comparações e reflexões sobre as suas
falas, para relacioná-las às vivências e objetivos de cada uma em suas carreiras em dança e
dentro das mídias digitais.

Idades, vaidades, estilos e gatilhos

Vivian Navega, 40 anos, formada pela Escola Estadual de Dança Maria Olenewa50.
Iniciou sua carreira profissional na companhia jovem dirigida pela Dalal Achcar51, fez

50
Link perfil no Instagram: https://www.instagram.com/mariaolenewa/
51
“Um dos maiores nomes do balé nacional, Dalal Achcar, membro da Royal Academy of Dancing no Brasil,
revolucionou a história da dança no país. Mestre em balé, coreógrafa, diretora e produtora artística, começou
a dançar aos 15 anos e já aos 18 fundou a Associação de Ballet do Rio de Janeiro, que ajudou a popularizar o
balé clássico no Brasil. Ver o balé para o povo, inclusive, é um dos grandes prazeres da coreógrafa, que
trouxe Margot Fonteyn e Rudolf Nureyev, dois dos maiores bailarinos de todos os tempos, ao palco do
Maracanãzinho em 1967. No Theatro Municipal do Rio de Janeiro foi diretora artística e logo depois diretora
45

televisão, depois passou por várias companhias de grande reconhecimento nacional, como
Balé de Niterói,52 RJ, Quasar Cia de Dança53, GO, Balé da Cidade de São Paulo54, SP. Em
2019, criou o projeto “Repertórios Coreográficos55”, no intuito de aproximar os bailarinos
pré-profissionais da realidade de uma carreira profissional. Na pandemia realizou o projeto
“Entrevidas”, no qual ela convidava profissionais da dança para uma conversa em live
aberta ao público do instagram. Atualmente reside na Alemanha, e trabalha como artista
freelancer, mentora de movimento e ensaiadora de companhias. Possui 2535 seguidores56
no perfil do Instagram, onde publica curiosidades e lembranças sobre a sua carreira como
bailarina, e compartilha esporadicamente momentos de sua rotina.

Conheci Vivian em 2018, após a estreia do primeiro espetáculo que dancei pela
Quasar Cia de Dança em São Paulo. Não apenas ela, mas alguns outros bailarinos que já
haviam dançado na companhia foram nos prestigiar a convite da direção e com eles fomos
jantar em um restaurante próximo ao teatro após o término da apresentação. Essa noite foi
marcante para mim, pois conheci e ouvi profissionais experientes falando sobre as suas
experiências na Quasar e as suas trajetórias após dançarem lá, o que já haviam
conquistado, bem como os seus planos futuros. Pude entender melhor o campo profissional
no qual estava começando a trilhar um caminho. Vivian, mulher de olhos profundos,
queixo pontudo, olhos claros, cabelos castanhos com um sorriso contido, típico de pessoas
sérias e observadoras, em especial, me marcou pelo seu jeito confiante e determinado de se
apresentar, do pouco que conversamos naquele dia pude perceber nela uma mulher
visionária, cheia de histórias para contar, mas também com desejos de realizar muitos
novos projetos. Um ano depois pude participar um pouco de um deles: a remontagem de
um dos mais icônicos espetáculos da Quasar, “Mulheres”57.

da fundação Theatro Municipal, responsável por montagens memoráveis como "Gabriela", baseado no
romance de Jorge Amado. Em 1971 fundou a escola de dança mais tradicional do Rio, o Ballet Dalal Achcar
que em 2016, o Ballet Dalal Achcar completou 45 anos formando gerações de bailarinos no Rio de Janeiro.”
(fonte: https://www.mniemeyer.com.br/dalal-achcar, acessado em 7 de marco de 2022).
52
Link perfil do Intagram: https://www.instagram.com/balletdeniteroi/
53
Link perfil do Instagram: https://www.instagram.com/quasarciadedanca/
54
Link página web da companhia: https://theatromunicipal.org.br/pt-br/bale-da-cidade-de-sao-paulo/
55
“Repertórios Coreográficos surgiu do desejo de encontro, troca e do compartilhamento de experiências das
bailarinas Carol Amares, Liliane de Grammont e Vivian Navega.” (fonte:
https://www.instagram.com/p/Bsqi3pgn2L-/ . Acessado em: 07 de março de 2022)
56
Link perfil: https://www.instagram.com/vivian_navega/
57
“Ano de estréia: 2000. Três mulheres no palco. Enquanto procuram manter a individualidade diante da
convivência, se percebem envolvidas em diferentes emoções. Mas esses sentimentos são reticentes e
46

Relativamente curto, com aproximadamente nove minutos, dançado por três


mulheres, estruturada por dois duos de movimentações fortes, rápidas e de marcações bem
definidas, sendo o primeiro com deslocamento demarcado por um corredor e o segundo
dançado em sobre o encosto de um sofá vermelho, destacando a parte superior do corpo
das bailarinas, intercalados por um pequena sequência de movimentações realizadas pelo
trio. Ao som instrumental de Darpa, composição de Wim Mertens. Particularmente,
“Mulheres” é um dos espetáculos que me inspirou a seguir a carreira em dança, mesmo
assistindo por meio de uma gravação de vídeo, disponibilizada no Youtube58, pude sentir –
e ainda sinto toda vez que assisto ao vídeo – a energia cinética das mulheres em cena. Me
toca profundamente, mesmo não sabendo traduzir em palavras todas as sensações que ela
me proporciona.

desdobram-se em atos sugestivos, capazes de incitar a dúvida acerca da natureza dos relacionamentos.”
(Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=sNT-IOxjdkM )
58
Link: https://www.youtube.com/watch?v=sNT-IOxjdkM
47

Quando Henrique Rodovalho59, anunciou o início dessa remontagem, estávamos em


São Paulo para uma apresentação, e me convidou para participar um pouco desse processo.
Estive presente nos dois primeiros dias do ensaio, conheci Carolina Amaral e Liliane de
Grammont, que com Vivian iriam formar o novo elenco para o icônico espetáculo. Essa
experiência me fez ter um olhar mais técnico para as movimentações, compreendendo cada
passagem, cada detalhe e percebendo os erros presentes no vídeo original, apontados pelo
próprio coreógrafo. Mesmo assim, quando assisti a Vivian, Carol e Lili dançando no palco
do Teatro do Masp, em São Paulo, o conhecimento técnico do espetáculo não foi maior que
a emoção. Foi a primeira vez que me transbordei em lágrimas assistindo a um espetáculo
de dança.

59
“Henrique Rodovalho é o autor de todas as peças apresentadas pela Quasar Cia de Dança. Com formação
em artes marciais e Educação Física pela ESEFEGO , atuou como ator e bailarino antes de 1988, quando
iniciou seus trabalhos como coreógrafo. Ao longo dos anos, sua linha de pesquisa baseada na complexidade
existencial do corpo e da alma resultou na criação de inconfundíveis signos, que deram identidade própria à
Quasar, alternando momentos de vigor e pungência, humor e simplicidade.” (fonte:
http://www.quasarciadedanca.com.br/quem-somos/localizacao/#:~:text=Henrique%20Rodovalho%20%C3%
A9%20o%20autor,iniciou%20seus%20trabalhos%20como%20core%C3%B3grafo. )
48

Juliana Kis, 34 anos, 14,6 mil seguidores60 no Instagram, nasceu em Curitiba, PR e


atualmente mora em Paris, FRA. É graduada em bacharelado de educação física pela
PUC-PR e em tecnologia em marketing pela FAE Centro Universitário, Curitiba PR.
Estudou danças urbanas em Los Angeles, onde participou do programa de formação
“Establish Your Empire”, vinculada a Movement Lifestyle Studio61, onde pôde ter contato
com uma linguagem mais híbrida das danças urbanas com a dança contemporânea. Como
professora de dança já foi convidada para dar oficinas e workshops em diversos eventos e
festivais pelo Brasil, como bailarina e coreógrafa foi finalista de diversas competições de
dança, como “Batalha no Salto” realizada pela Rede Globo no programa TV Xuxa, e foi
vencedora no “Concurso Rock in Rio Street Dance” nas etapas nacional e internacional,
com a Brainstorm Dance Company62, grupo em que além de ser coreógrafa, é idealizadora
e diretora artística. Apesar de possuir uma quantidade de seguidores bastante significativa,
Ju Kiss, confessa em nossa conversa que acha as mídias digitais

[...] um espaço interessante de visibilidade, porém com muitas problemáticas,


quase maiores do que seu ganho. Eu (Juliana Kis) particularmente seria uma
pessoa bem feliz se as mídias sociais caíssem. Eu acredito que a gente tem muito
mais possibilidades fora dela, do que dentro dela, e a forma como ela ta sendo
construída, ta sendo muito prejudicial. (KIS, fala da entrevista, 2020)

Utiliza seu perfil no instagram para compartilhar os processos de criação e/ou


produtos finais, mas sempre procurar instigar reflexões nos seus seguidores sobre a vida
que existe além da correria do dia a dia. Iniciou na pandemia o projeto “Be Aware63” ou
“Estejam Atentos” que consiste em vídeos de apenas um minuto com reflexões simples
sobre a vida cotidiana, além de ter proporcionado, dentro da realidade virtual, espaços de
mentoria e conexão de pessoas. “Conectarte”64, “Dança como Carreira” e “A Dança
Liberta ou Aprisiona”foram eventos de encontros online, via plataforma Zoom, que ela
realizou para aprofundar discussões sobre a dança.

60
Link perfil: https://www.instagram.com/juliana.kis/
61
Link perfil do Instagram: https://www.instagram.com/movement.lifestyle/
62
Link perfil do intagram: https://www.instagram.com/brainstormdancecompany/
63
Breve explicação sobre o projeto está disponível nos destaques do seu perfil no Instagram. (Link de acesso
do destaque: https://www.instagram.com/stories/highlights/18022662019320328/. Acessado em: 07 de março
de 2022)
64
Link divulgação do evento: https://www.instagram.com/p/CEeujqrK7fN/
49

No ano de 2015, comecei a ter mais curiosidade em conhecer o mundo das danças
urbanas, me interessava principalmente as linguagem de intenções mais femininas, como o
Vogue e Wrecking e mais tarde me encantei com o Jazz Funk65 . Pelas mídias digitais,
conheci Juliana Kis, de descendência grega, pele clara, cabelos pretos, traços finos e olhar
penetrante, na época, com conteúdos esteticamente extremamente feminina e sensual, o
que caracterizava também a sua movimentação e fez me interessar pela sua dança.
Comecei a segui-la no instagram e pouco tempo depois vi divulgações de um workshop
que daria em Brasília, DF. Foi quando a conheci pessoalmente. Uma pessoa de
personalidade totalmente diferente da que havia criado pelos seus conteúdos nas redes
sociais. Atenciosa, humilde e humana, de personalidade e vontades bem claras, mas ao
mesmo tempo carinhosa e respeitosa. Todas essas características refletem na forma como
ela conduz as aulas que ministra, sempre atenta às necessidades e dificuldades dos
participantes, procura não atropelar o conteúdo, preza por uma aula que verdadeiramente
ensina ao invés de uma aula show com movimentos complexos impossíveis de serem
executados.

Tive vontade de conhecê-la melhor, fazer mais as suas aulas, por isso sempre que
possível estava presente nos seus eventos. Em Goiânia, um ano depois, em 2016, eu estava
na organização da 2ª Mostra Goiana de Danças Urbanas66, organizado pela Enjoy Cultura67.
Uma das professoras convidadas foi Ju Kiss e nessa ocasião pude conhecer melhor a
pessoa, Juliana Kis. E dois anos depois, no mesmo evento, fui convidada por ela para estar
no palco com ela, a Brainstorm Dance Company e outras mulheres, no espetáculo “Físico,

65
“Com a proposta de unificar os movimentos detalhados e cheios de atitude das danças urbanas com a
delicadeza e sensualidade do jazz que nasceu o Jazz Funk, uma manifestação que ajuda adeptos em
coreografias de vídeo clipes e presença de palco. A manifestação traz diversos benefícios, entre eles, maior
consciência corporal, aumento da autoestima, autoconhecimento e presença cênica, além de trabalhar a
musculatura de pernas e braços.” (fonte: matéria de Ingrid Garcia para site imirante.com, publicado dia
13/08/2017 as 19hrs, acessado dia 20 de março de 2022, link de acesso:
https://imirante.com/namira/brasil/2017/08/13/jazz-funk-a-danca-que-mescla-atitude-e-sensualidade#:~:text=
Modalidade%20est%C3%A1%20fazendo%20sucesso%20nas%20academias%20de%20dan%C3%A7a%20d
o%20Brasil.&text=BRASIL%20%2D%20Com%20a%20proposta%20de,clipes%20e%20presen%C3%A7a
%20de%20palco. ).
66
Link da divulgação: https://www.instagram.com/p/BI2pRvTDKMO/
67
Link perfil no Instagram: https://www.instagram.com/enjoycultura/
50

68
Verbal e Emocional” , um espetáculo que diz a respeito das questões sobre as
desigualdades e violência contra mulheres. No processo de criação da nossa participação
dentro do espetáculo, pude conhecer um outro lado da Ju: a coreógrafa e diretora. Foi
especial poder compartilhar o palco com ela e com outras artistas que eu já admirava.

Fabiana Ikehara, 32 anos, de São Paulo, formada em dança clássica, trabalhou por
seis anos na São Paulo Companhia de Dança69 e atualmente é bailarina na companhia de
dança do Teatro Municipal, o Balé da Cidade de São Paulo, onde trabalha há oito anos,
principalmente com repertórios de coreógrafos, na maioria das vezes convidados, de dança
contemporânea e tem formação em yoga. Em 2017 criou um canal no Youtube, “Ih, Que
Rara!”70, onde postava vídeos para falar um pouco sobre quem é a Fabiana Ikehara.
Contudo, após 12 vídeos publicados, decidiu abandonar o canal por conta de outras
demandas. No seu perfil do Instagram busca mostrar aos seus 15,3 mil seguidores71 um
pouco mais sobre a sua carreira como bailarina, seus trabalhos de forma independente de
qualquer companhia.

68
“O tema apesar de polêmico, é abordado de maneira leve e integradora. Tem o intuito de protestar contra a
opressão e rejeitar esse mundo que produz violência e injustiça e através da arte construir um mundo com
mais igualdade.” (link da divulgação do espetáculo em Goiânia:
https://www.instagram.com/p/BnRSG5EgjfW/?utm_source=ig_web_copy_link )
69
Link site: https://spcd.com.br/
70
Link do canal: https://www.youtube.com/c/FabianaIkehara/featured
71
Link perfil: https://www.instagram.com/fabianaikehara/
51

Eu acho que as pessoas se perdem muito no decorrer dessas grandes companhias,


que é você precisar ser bailarina de algum lugar. Eu sou Fabiana Ikehara, [...] Eu
tenho um nome antes de ser de qualquer lugar, sabe? E o Instagram me deu essa
possibilidade, as mídias me deram essa possibilidade de eu ser uma pessoa
independente de eu estar numa companhia, ou estar em nenhum lugar, ou estar
em uma companhia pequena, ou estar fazendo projetos. (IKEHARA, fala da
entrevista, 2020)

Já havia ouvido muitas histórias sobre Fabi, pois ela e minha colega de trabalho,
Gabriela Leite72 trabalharam juntas em outros projetos, por isso foram bastante próximas.
Mas a primeira vez que vi, pessoalmente, Fabiana Ikehara foi no palco do Teatro
Municipal de São Paulo, – durante a mesma viagem em que eu conheci Vivian – quando
estava em cartaz a releitura da “Sagração da Primavera”, dirigida por Ismael Ivo e
interpretada pelo Balé da Cidade. Um espetáculo visualmente belo, mas que, na minha
opinião, estava coreograficamente mal estruturado. Eram aproximadamente trinta
excelentes bailarinos em cena, que na maioria do tempo executavam virtuosos improvisos
desconectados uns dos outros. As movimentações acabavam se sobrepondo, criando uma
bagunça visual e dificultando o entendimento das cenas, da movimentação e do espetáculo
como todo.

Como espectadora, não conseguia me sentir entretida com o que estava sendo
apresentado, a história contada parecia não caminhar para alguma direção, os corpos ali
dançando não tinham espaço suficiente para se expressar, como se estivessem dançando
algo que não acreditassem. Após o espetáculo, fui para trás do teatro, esperar a saída dos
bailarinos, para poder conhecê-los e cumprimentá-los. Quando saíram, apesar de bem
simpáticos, pareciam não estar satisfeitos com o trabalho.

Esse momento me fez refletir sobre a carreira de artista em dança, e como às vezes
preferimos nos colocar em lugares que não nos satisfazem por conta de outras demandas,
como a satisfação do nosso próprio ego, quando nos sujeitamos a trabalhar em companhias
de grande reconhecimento por conta do status e, principalmente, por conta das demandas

72
“Gabriela Leite é bailarina, fisioterapeuta, professora e mestranda em Artes da Cena. Com um olhar
curioso sobre o "como" funciona esse corpo individual, idealizadora do projeto A Arte do Mover, utiliza a
arte para encontrar e desenvolver potenciais através do corpo.” (fonte:
https://www.instagram.com/p/CR7aeoSrVSJ/ )
52

financeira, quando o dinheiro é o fator principal para nos colocarmos em lugares que,
verdadeiramente não queríamos estar.

Sei que o campo de atuação das danças contemporâneas não se constitui unicamente
pelo trabalho em companhias, muitos bailarinos já optam por trabalhos autônomos e
conseguem produzir e vender suas próprias obras, intervenções e propostas, explorando
diversos campos e ferramentas, permitindo se inspirar e criar a partir de suas vontades e
questões particulares, mas quero aqui destacar aqueles que escolhem construir a carreira
dentro dessas grandes companhias, pois é o tipo de vivência que, até o presente momento,
se aproxima da minha.

Por isso, tive vontade de conversar mais com aqueles bailarinos para saber o que eles
achavam daquela obra que tinham acabado de apresentar, sobre o processo de montagem,
sobre o trabalho na companhia e sobre os motivos de estarem dançando naquele lugar. Por
isso Fabi, uma mulher de traços orientais, por sua descendência japonesa, sorriso largo,
alta, pernas longas e corpo forte, foi uma das bailarinas que escolhi conversar para
contribuir com essa pesquisa.
53

Thais Lirio, 26 anos, nascida em São Gonçalo, RJ, atualmente mora na capital de São
Paulo, possui 30,4 mil seguidores73 no Instagram e 113,2 mil no Tik Tok74. Sua formação
inicial é em dança contemporânea, balé e jazz, contudo em 2016 passou a se interessar
pelas manifestações das danças urbanas. Conheceu Eddy Soares75, também de São
Gonçalo, e com ele pôde conhecer a cena das danças urbanas. Atualmente é professora de
Jazz Funk, bailarina do balé oficial da Luiza Sonza, e já fez participações em trabalhos de
outros cantores midiáticos, como Selena Gomez76, Pabllo Vittar77, Jade Baraldo78 e
Ludmilla79. Durante a pandemia começou algumas turmas de dança online, divulgando e
realizando suas aulas via Instagram, com auxílio do Whatsapp. Utiliza as redes sociais
como principal meio de divulgação e exposição de seus trabalhos, compartilha diariamente
sua rotina e sua vida pessoal, e se preocupa em manter uma dinâmica constante de
interações com seu público, utilizando os stories para abrir enquetes e caixa de perguntas.

Em 2017, comecei a me interessar por manifestações das danças urbanas de


característica femme (femininas), e o jazz funk foi a manifestação pela qual eu mais me
identifiquei. Pelo instagram busquei por bailarinos e bailarinas que já estavam estudando
essa linguagem no Brasil, Thaís Lírio foi uma delas. uma figura singular e marcante, de
pele branca, olhos claros, cabelos curtos, enrolados e ruivos, sua dança suave porém
impactante. Interessada em conhecer melhor o seu trabalho, comecei a acompanhá-la pelo
instagram.

73
Link perfil: https://www.instagram.com/thaaislirio/
74
Link perfil: https://vm.tiktok.com/ZMLPA9ydm/
75
“Eddy Soares, artista, Bailarino, Coreógrafo, instrutor e pesquisador nas áreas das danças urbanas, hoje em
dia ministrando aulas de Jazz Funk. Tem ganhado cada vez mais espaço em obras internacionais com seu
trabalho. Recentemente foi Coreógrafo do Clipe da Selena Gomez - Selfish Love, e também protagonista no
clipe da cantora sueca Tove Lo ft. Mc Zaac da música "Are You Gonna Tell Her". Além dessas obras
internacionais, Eddy tem bastante destaque na cena artística nacional. Coreógrafo do Clipe "Nem Um
Pouquinho", de Duda Beat; Bailarino (Robô) do Clipe "Modo Turbo", de Luisa Sonza ft. Anitta e Pabllo
Vittar. Coreógrafo do Clipe "Taradinha", da Lexa e trabalha ou já trabalhou com outros diversos artistas em
programas, eventos, publicidades e/ou videoclipes como: Pabllo Vittar, Majur, Jade Baraldo, Iza, Gloria
Groove, Luisa Sonza, Anitta, Ludmilla, 2DE1, Taís Araújo, Lázaro Ramos, Preta Gil, Maiara e Maraisa,
Marília Mendonça, Thiaguinho, Fioti, Karin Hills, Jerry Smith, Mc Kekel, Aíla entre outros. Esteve em
cartaz no musical "O Frenético Dancin' Days" de direção geral da renomada Deborah Colker (Premiada na
Rússia com o Prix Benois de lá Danse - premiação considerada o Oscar da dança).” (fonte:
https://www.sympla.com.br/workshop-eddy-soares__1300224 )
76
Link perfil do Instragram: https://www.instagram.com/selenagomez/
77
Link perfil do Instagram: https://www.instagram.com/pabllovittar/
78
Link perfil do Instagram: https://www.instagram.com/jadebaraldo/
79
Link perfil do Instagram: https://www.instagram.com/ludmilla/
54

Em 2019 fui novamente a São Paulo para o Congresso de Heels Dance (danças e
femmes executadas com salto alto), e Thaís também estava participando e tive a
oportunidade de, não apenas vê-la dançando e compartilhar a minha dança com ela, mas
também conversar um pouco e conhecer melhor a Thais, pessoa real, uma mulher pé no
chão e determinada, que acredita ser capaz. Qualidades de sua personalidade que reflete na
sua dança.

Duda Alho, 20 anos de idade, é ilustradora, professora de dança, coreógrafa e


bailarina, estuda principalmente as manifestações das danças urbanas, mas também possui
vivência em aulas de jazz e contemporâneo. Possui 26,6 mil seguidores80 no instagram e no
Tik Tok, 547,7 mil81. Começou a utilizar mais as redes digitais, e conquistar uma
quantidade mais significativa de seguidores, por conta do distanciamento social gerado
pela pandemia, pela necessidade de dialogar com outras pessoas. “Comecei a postar mais,
mais e mais, porque eu queria ter um contato pelo menos, sabe? Das pessoas, mesmo que
fossem virtuais.” (ALHO, 2020).

80
Link perfil: https://www.instagram.com/duda_alho/
81
Lnk perfil: https://vm.tiktok.com/ZMLPAyq9N/
55

Não sei exatamente quando conheci Duda Alho. Acredito que foi por volta de 2014 e
2015, quando comecei a me interessar pelas danças urbanas e frequentar mais eventos
dessas manifestações. Lembro de uma menina-moleca, pequenina e magricela, de estilo
despojado, sorriso tímido e olhos de ressaca com seus 15 anos, cheia de energia e sonhos,
com olhar de admiração e muita vontade de aprender com os profissionais mais
experientes. Há mais ou menos dois anos, quando a pandemia da Covid-19 atingiu o Brasil
e tivemos que nos distanciar, ela criou uma conta no Tik Tok, e desde então conquistou um
grande público a partir dos conteúdos criados para essa rede social, o que impulsionou
também o seu crescimento no Instagram.

Em algumas conversas que tivemos, desabafou sobre estar recebendo críticas de


outros bailarinos por estar se “tornando” uma Tiktoker, e ao mesmo tempo que entendia e
concordava com os motivos dessas críticas, – que tem a ver com o esvaziamento dos
sentidos das danças, explicado no capítulo anterior – para ela valia a pena continuar usando
essa ferramenta digital. Primeiro porque o alto engajamento foi consequência de algo que
ela fez para aliviar um sentimento de solidão que estava sentindo no momento. E segundo,
como uma profissional da dança que sempre buscou pesquisar, estudar e conversar com
outros bailarinos, estava consciente das problemáticas e polêmicas que as dancinhas do tik
tok trouxeram para os trabalhadores da dança.
56

Quando relembro a trajetória que percorri como bailarina profissional até o


momento, penso como foi importante ter vivido experiências, nas quais pude conhecer,
conversar e dançar com, ou apenas ver pessoalmente, outros artistas, apreciar obras, ouvir
diferentes histórias, viver diferentes processos, conhecer diferentes lugares e culturas.
Amadureci com cada escolha que tive que fazer durante esse caminho, aprendendo a dar
valor à minha dança, sem deixar de admirar as danças de outras pessoas, sempre
corporificando as experiências e os encontros.

Com o aumento do uso de aplicativos de socialização virtual, a sensação é de que as


possibilidades de encontros se multiplicaram e o conhecimento está sempre disponível
àqueles com acesso às redes digitais, por tanto, somos constantemente atualizados por
novas informações, novas tendências e até novas pessoas. A velocidade da transmissão de
informação gera a efemeridade das relações que construímos e as tornam rasas, seja com as
pessoas ou mesmo com o conhecimento, como se não tivéssemos tempo suficiente para
abstrair e nos aprofundar, pois a todo momento algo mais atrativo – às vezes pelo simples
fato de ser novidade – surge.

Se por um lado, esse aumento da acessibilidade de informação alavancou o processo


de disseminação de estilos e manifestações de dança, pois possibilitou encontro e o
reconhecimento de grupos e de pessoas de diferentes regiões geográficas, gerando maior
troca direta (sem intermediários) de experiências, conhecimentos, trabalhos e
consequentemente criou-se um campo maior de oportunidade para o crescimento e a
evolução tanto individual de cada bailarino ou profissional do movimento, quanto de
técnicas, estilos, didáticas, companhias e grupos.

Por outro, a alta oferta de novidades, muitas vezes gera uma volatilidade de
interesses, impermanência de foco e impaciência. E essa realidade reflete na forma como
se organiza o mercado da dança. Apesar de não ter uma longa estrada como profissional na
dança, com sete anos de profissão, hoje sinto que a realidade de trabalho é totalmente
diferente de quando comecei. Por volta de 2011, em Goiânia, muitas companhias de dança
contemporânea estavam ativas e trabalhando regularmente, Contato Cia de Dança82, Das

82
A companhia foi desativada, e as suas redes foram excluídas.
57

Los Grupo de Dança83, Nômades Grupo de Dança84, Quasar Cia de Dança85, Giro 8 Cia de
Dança86 para citar algumas, além de grupos de danças urbanas como Hip Hop Routine87,
Urban School88, Grupo Legacy89 e DRBF Crew90.

Atualmente, muitos destes grupos e companhias estão com suas atividades


paralisadas ou foram desativados, e as que permanecem produzindo não possuem recursos
suficientes para dar aos bailarinos condições adequadas de contratação. Estão funcionando
por projetos, ou seja, por prestação de serviço, sem vínculo empregatício, os bailarinos
assinam apenas um contrato temporário com essas companhias. E por mais que ainda
existam grandes companhias que proporcionam um vínculo permanente de trabalho –
como o Balé da Cidade de São Paulo que é uma companhia de apoio governamental –
grande parte dos bailarinos ainda precisam atuar de maneira autônoma, se auto
administrando, para construir uma carreira e se organizar financeiramente.

Atualmente, como já mencionei neste trabalho, as mídias sociais são grandes aliadas
para a divulgação e aumento de visibilidade, tornando-se um local que pode abrir portas
para boas indicações a novos trabalhos. Especialmente pelo fato da dança estar ganhando
espaço na área comercial, se fazendo presente em propagandas, aberturas de programas de
TV – como o na abertura do programa, "Fantástico",91 da Rede Globo –, videoclipes
musicais, shows, eventos e festas. Hoje, além da análise de currículo, muitos diretores
artísticos, principalmente aqueles que estão à frente de trabalhos de cunho comercial,
buscam os perfis dos candidatos nas redes sociais, para além de uma avaliação de estética,
de movimento e de dança, terem conhecimento dos dados numéricos de engajamentos e
popularidade.

83
Link perfil Instagram: https://www.instagram.com/daslosgrupodedanca/
84
Link perfil Instagram: https://www.instagram.com/nomadesdanca/
85
Link perfil Instagram: https://www.instagram.com/quasarciadedanca/
86
Link perfil Instagram: https://www.instagram.com/giro8cia/
87
Link perfil Instagram: https://www.instagram.com/hiphoproutine/
88
Link perfiL Instagram: https://www.instagram.com/urbanschoolusc/
89
Link perfil Instagram: https://www.instagram.com/urbanschoolusc/
90
Link perfil Instagram: https://www.instagram.com/drbfcrew/
91
Link video da abertura: https://www.youtube.com/watch?v=65jX1iWYBUU
58

Consequentemente, o nível de preocupação com a organização do conteúdo postado


nas mídias virtuais aumenta. Como criar trabalhos mais atrativos para o público? Quais
trabalhos compartilhar? Quais ferramentas possibilitam maior engajamento? De quanto em
quanto tempo postar novos conteúdos? Novas demandas surgem em nossas rotinas em
detrimento de uma vida social virtual, um mundo digital que cria novas possibilidades de
interação social e profissional.

Duda, Fabi, Juliana, Thais e Vivian, falaram um pouco sobre como estão buscando
trabalhar os seus conteúdos para as mídias digitais e como a rotina e a carreira delas estão
sendo afetadas pela necessidade de estar constantemente atualizando seus perfis em
diálogo com o público que as acompanham. Ainda falam sobre seus medos, angústias e
ansiedades que a necessidade da utilização das mídias digitais tem gerado nelas, pois
mesmo em menor proporção todas relatam episódios em que seguidores sentiram liberdade
para falar de assuntos delicados sobre suas vidas pessoais, buscando nelas formas de
resolver as suas questões.

Modificando o mundo, modificamos a nós mesmos

Lembro-me das minhas primeiras aulas de jazz, por volta de 2010, com a professora
Janaína Romão92, na academia Dança e Cia93, em Goiânia. Quando não estávamos em
processos de montagens coreográficas, as aulas seguiam a seguinte sequência:
aquecimento, exercícios atravessando as diagonais da sala, exercícios de centro e, por fim,
fortalecimento ou/e alongamento. O objetivo principal da aula era praticar a execução
técnica de cada movimentação, para depois utilizá-los em coreografias para as tão
esperadas apresentações de final de ano, realizadas em especial a nossos familiares.

92
“Graduada em Educação Física pela ESEFFEGO/UEG. Iniciou seus estudos em dança em Uberlândia, e ao
mudar-se para Goiânia dançou com Ana Maria Veiga Consort na academia Sinhá Jazz. Ao ingressar na
faculdade de Educação Física passou a ter uma nova visão de corpo influenciando sua prática de ensino e
seus conceitos de dança impulsionando o seu trabalho de pesquisa e de experimentação em dança
contemporânea. Foi professora, coreógrafa, diretora geral e artística do Grupo de Dança Contato. Trabalhou
com dança até o ano de 2012 e atualmente ministra aulas de História da Arte para crianças e adolescentes.”
(fonte: http://olharespradanca.art.br/colaborador/janaina-romao/ , acesso dia 20 de março de 2022).
93
Link perfil do Instagram: https://www.instagram.com/dancaecia/
59

Atualmente as academias e estúdios de dança têm investido em uma nova proposta


de aula, que chamarei de “aula show”. Esse novo conceito de aula influenciou inclusive o
repaginamento da estrutura física das salas de dança, elas foram incrementadas,
principalmente, por equipamentos de iluminação e a impressão de um design artístico de
sua logomarca, para estampar a identidade visual da escola. Tudo isso com objetivo de
favorecer gravações de vídeos para divulgação da escola nos canais e mídias digitais. A
estruturação das aulas também foram modificadas. Antes o objetivo maior era a
aprendizagem, a prática e o aperfeiçoamento de técnicas. Hoje ela ainda ocorre, porém
parece ter se tornado, principalmente, um espaço oportuno para a criação de conteúdos em
vídeo de promoção, tanto a escola como os professores, em suas redes sociais.

Em 2018, tive a oportunidade de fazer algumas aulas de jazz em uma conhecida


academia de dança em São Paulo, SP, e a experiência foi totalmente diferente daquela que
eu havia vivenciado em minha adolescência. As aulas consistiam basicamente em aprender
uma sequência de coreografia elaborada pelo professor, e no fim os bailarinos destaques da
aula eram convidados para participar de uma filmagem final. Essa dinâmica, de certa
forma, pode gerar uma separação daqueles que são considerados “bons”, e criar um estado
de comparações e competitividade entre os participantes. Torna-se um lugar exibicionista,
para nutrir egos de sujeitos que precisam do “show” e dos aplausos para manter o nível da
autoestima, que se torna dependente da aprovação externa. No mundo virtual os aplausos
podem ser representados pelos likes, comentários e compartilhamentos.

Muitas vezes esses sujeitos se encontram desacreditados de suas próprias


capacidades, mas ao mesmo tempo, anseiam por um estado de perfeição irreal, podendo
gerar uma autocobrança e uma exigência elevada por positividade, beleza e produção,
consequência da representação de uma realidade ideal inexistente nos meios virtuais. Por
isso, creio que precisamos ter responsabilidade e cuidado quando optarmos pelo uso das
mídias digitais. Seja qual for o objetivo (tornar-se influencer, como portfólio ou diário
virtual, fazer piadas, gerar discussões), em maior ou menor escala, podemos exercer
influência na vida de alguém que tenha acesso aos nossos conteúdos.
60

Na dança, esses espaços virtuais têm dividido opiniões, principalmente quando


comparamos falas de profissionais de diferentes manifestações de dança (no caso deste
trabalho me refiro às danças urbanas e contemporâneas) e de diferentes gerações. Após
conversar com Duda (20), Fabi (32), Juliana (34), Thais (26) e Vivian (40), pude perceber
diferentes visões sobre as formas de utilização das mídias sociais digitais, mesmo que em
alguns aspectos e momentos sejam convergentes. Não acredito caber aqui um julgamento
de “certo” ou “errado”, mas uma oportunidade de entender que, no ambiente virtual,
existem infinitas possibilidades para o compartilhamento de diferentes tipos de vivências
em dança e que os objetivos podem se diferenciar de acordo com a área de atuação e
objetivos de cada bailarina ou bailarino.

Duda Alho e Thais Lirio possuem atuação nas danças urbanas, atuando
principalmente como professoras e como bailarinas de shows e eventos comerciais
respectivamente, ambas escolheram as redes sociais como meio de divulgação de seus
trabalhos e de aproximação e conquista de seus públicos. Defendem o espaço das mídias
digitais como um lugar potente para a dança, pois possibilitam maior acessibilidade e
contato com pessoas que, por exemplo, não possuem condições financeiras para
encontrá-las presencialmente. Além de expandir a visibilidade de seus trabalhos para
diferentes partes do mundo, o que diminui as barreiras da distância física, e o
compartilhamento dos seus conhecimentos e as suas danças com mais pessoas, Duda relata
que o meio virtual permitiu seu encontro (mesmo que virtual) profissionais, que sempre
teve vontade de conhecer e pesquisar. E segundo elas, além da troca de experiências, pode
gerar mais oportunidades de trabalhos e aumentar o reconhecimento da dança como área
de conhecimento e principalmente como profissão.

Essa facilitação da comunicação proporcionada pelas mídias digitais atinge muitas


áreas de conhecimentos, de informações, disseminação de modas e conteúdos. Se, por um
lado, conseguimos gerar e distribuir, com mais praticidade, conteúdos produtivos,
educativos e informativos, que somam para o crescimento humano, por outro, também
existe uma grande distribuição de desinformação e conteúdos que geram um desserviço
61

para a sociedade. As Fake News94, a positividade tóxica95, os “Jovens Místicos”96, a cultura


dos cancelamentos97, são, para mim, alguns exemplos de movimentações nas redes virtuais
que acabam fazendo um desserviço para o ser humano.

Na dança, uma recente movimentação nas redes sociais que vem acontecendo e têm
gerado grande revolta e discussões, entre os artistas da dança, é a crescente utilização do
aplicativo Tik Tok. Duda Alho defende a sua utilização, pois acredita ser uma ferramenta
que dá oportunidade de crescimento e reconhecimento. Contudo, está consciente das
consequências que a maioria dos conteúdos criados para essa rede social gera para a dança:
o esvaziamento do significado e o empobrecimento de movimentação, causada pela
imitação de passos criados aleatoriamente. Com isso, ao mesmo tempo que mantém seu

94
“Fake News são notícias falsas publicadas por veículos de comunicação como se fossem informações reais.
Esse tipo de texto, em sua maior parte, é feito e divulgado com o objetivo de legitimar um ponto de vista ou
prejudicar uma pessoa ou grupo (geralmente figuras públicas). As Fake News têm um grande poder viral, isto
é, espalham-se rapidamente. As informações falsas apelam para o emocional do leitor/espectador, fazendo
com que as pessoas consumam o material “noticioso” sem confirmar se é verdade seu conteúdo. O poder de
persuasão das Fake News é maior em populações com menor escolaridade e que dependem das redes sociais
para obter informações. No entanto, as notícias falsas também podem alcançar pessoas com mais estudo, já
que o conteúdo está comumente ligado ao viés político.” (fonte:
https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/o-que-sao-fake-news.htm , Acessado em 20 de março de 2022).
95
“Positividade tóxica é quando alguém tenta suprimir os sentimentos negativos de uma outra pessoa.
Frequentemente, vem de alguém que acredita genuinamente que está sendo útil e encorajando alguém em
perigo ou em momentos de dor. Mas, na verdade, ao fazer isso, ele desconsidera as emoções verdadeiras e
legítimas do colega e, com isso, prejudica a saúde física e mental de um indivíduo, já que suprimir emoções
negativas não é saudável para nosso equilíbrio psicológico. A difusão dessa cultura, na pior das hipóteses,
pode diminuir a confiança e afetar o engajamento e a produtividade.” (Fonte:
https://forbes.com.br/carreira/2021/11/positividade-toxica-animar-os-colegas-nem-sempre-traz-bons-resultad
os/ , acessado em 20 de março de 2022).
96
“A bruxaria, o paganismo ou práticas ocultas estão crescendo de forma exponencial, como se vê no
interesse ardente de grupos de jovens por astrologia e o misticismo em geral.O ocultismo saiu das sombras
para as páginas de instagram populares, inclusive da indústria de beleza, que se adapta e se apropria de
conteúdos relacionados ao glamour e bem-estar. Assim que um movimento místico passa a ser um pouco
mais conhecido, o contramovimento faz questão de mostrar as suas garras. É assim com qualquer circulação
social, política ou espiritual.” (fonte:
https://www.penumbralivros.com.br/2019/07/por-que-odeiam-o-jovem-mistico/ , acessado em 20 de março
de 2022).
97
“Desde os tempos remotos, julgar e condenar alguém, por alguma atitude considerada equivocada,
acontecia “normalmente”. Assim, ganhou nomes diferentes no decorrer dos séculos, mas nunca perdeu sua
essência de massacrar e apontar o dedo aos erros de outro. Atualmente, com o advento da internet, isso ficou
muito mais fácil e visível diante da possibilidade de manter o anonimato enquanto o internauta profere
qualquer tipo de ofensa.O ano de 2021 ficou marcado como um dos períodos em que mais se cancelou
pessoas famosas. A cantora Karol Conká, por exemplo, participou de um reality show na TV em que foi
eliminada com 99,17% dos votos, uma rejeição histórica, jamais vista na história do programa que tem mais
de 20 anos de exibição.” (fonte:
https://www.cnnbrasil.com.br/entretenimento/2021-e-a-cultura-do-cancelamento-ano-em-que-mais-se-discuti
u-sobre-rejeicao-online/ , acessado em 20 de março de 2022).
62

perfil atualizado com as trends e os hits do momento, busca também informar seus
seguidores sobre o grande leque de possibilidades existente na dança. Ela relata que apesar
de possuir um público mais leigo em dança no Tik Tok, recebe mensagens de muitas
pessoas que ficam felizes pela presença de uma profissional da dança no aplicativo, pois
ela cria conteúdos mais diversificados, e mostra uma dança diferente das dancinhas com
passos repetidos. De certa forma, ao compartilhar seu conhecimento e mais informações a
respeito das danças que publica nas suas redes sociais, dando minimamente créditos aos
seus criadores e à sua história, mostrando os processos coreográficos, seus bloqueios
criativos, bem como as alternativas que constrói para superar as dificuldades que surgem,
Duda consegue despertar interesse em algumas pessoas, pois se torna mais real, mais
humana e se aproxima desse público leigo, torna a dança mais acessível e possível às
diversidades de corpos que existem.

Thais Lirio, atualmente utiliza as suas redes sociais para dialogar com o seu público
e mostrar a sua rotina, que se divide entre ser professora e ser integrante do balé oficial da
cantora Luisa Sonza. Apesar de estar inserida em um mercado extremamente comercial e
midiático, ela procura ser sempre transparente com seus seguidores, mostrando não apenas
o seu lado de artista performática, mas também quem realmente é a Thais, uma pessoa
normal, que tem dias bons e dias ruins. No entanto, seu conteúdo é bastante vinculado aos
seus trabalhos, por isso acaba produzindo materiais de acordo com as tendências musicais,
os novos lançamentos e inevitavelmente acaba reproduzindo alguns challenges de
dancinhas do Tik Tok, que também acompanha as “paradas de sucessos” da música. Mas
mesmo quando reproduz algum challenge, é possível perceber propostas diferentes que
possuem a sua personalidade, seja pela forma de filmagem ou pela escolha do figurino,
make e/ou cenário. Por exemplo no natal de 2021, com a viralização do meme98 gerado
pelo vídeo99 no qual três meninas dançam a música “All I Want For Christmas is You”, da

98
“No contexto da internet, meme é uma mensagem quase sempre de tom jocoso e/ou irônico que pode ou
não ser acompanhada por uma imagem ou vídeo e que é intensamente compartilhada por usuários nas mídias
sociais.” (fonte:
http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0009-67252016000300018#:~:text=No%20
contexto%20da%20internet%2C%20meme,por%20usu%C3%A1rios%20nas%20m%C3%ADdias%20sociai
s. , acessado em 20 de março de 2022).
99
Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=Bz2vji8JNO8
63

cantora pop Mariah Carey100, Thaís criou um Reels101 com uma proposta divertida em cima
de uma esteira de exercício, de salto e vestida de mamãe noel sensual, realizando
movimentos inspirados nos meme. Desta forma consegue produzir uma arte singular,
mesmo dentro de um padrão de mesmice.

Fabiana Ikehara, diferente de Duda e Thaís, apesar de já ter feito jobs por conta do
conteúdo de suas redes virtuais, não se preocupa tanto com a organização de seu perfil para
servir de portfólio, objetiva simplesmente compartilhar a sua rotina e apresentar a Fabiana,
que pode ser bailarina, que pode dançar no Balé da Cidade de São Paulo, mas que também
é mulher, mãe de gato, yogini, alto astral, que tem uma vida independente da companhia na
qual ela trabalha e em alguns momentos ainda faz dancinhas do Tik Tok com seus amigos.

Talvez por não depender unicamente dos trabalhos que consegue a partir das redes
sociais virtuais, pois possui estabilidade financeira com o salário que recebe na companhia
em que trabalha, pode ter mais liberdade para criar seus conteúdos e não precisa ficar se
preocupando em estar sempre engajada para aumentar o número de visualizações.

Os bailarinos de danças contemporâneas no Brasil possuem como principal aspiração


profissional trabalhar em grandes companhias. Apesar de muitas estarem financeiramente
instáveis, ainda é um local que possibilita a construção de uma carreira mais sólida com
vínculos formais. Já nas danças urbanas ainda existem muitas alternativas de grupos e
companhias estáveis. Por isso os profissionais que trabalham com essa manifestação de
dança, quando não optam pela carreira de professor, normalmente precisam atuar como
autônomos, e aparentemente se tornam reféns de um sistema que impõe formas e ritmos de
produção.

Duda, Fabiana e Thais, apesar de bem inseridas e resolvidas no universo digital, em


suas falas, já expõe algumas questões problematizadoras sobre a utilização das mídias,
quando dizem a respeito de uma necessidade de estar sempre se mostrando para conseguir
um job, de estar sempre exposto na “vitrine” do mercado da dança para ter mais

100
Link perfil no Instagram: https://www.instagram.com/mariahcarey/
101
Link do Reels: https://www.instagram.com/reel/CX49ZZ1ICC1/?utm_medium=share_sheet
64

oportunidades de trabalhos, sobre como está cada dia mais complicado criar algo que
envolva o público, pois que está se acostumando com um formato de conteúdo com tempos
extremamente reduzidos e principalmente como temos que ter responsabilidade sobre tudo
aquilo que publicamos, falamos, e compartilhamos na espaço virtual.

Vivian (40) e Juliana (34) trazem uma visão mais profunda sobre essas
problematizações, mostram certa dificuldade de se inserir nesse novo meio de relação
social e profissional, e se preocupam com as consequências para a sociedade da utilização
irresponsável dessas ferramentas de comunicação. Além de, principalmente Juliana,
acreditar que as relações mantidas virtualmente não possuem a mesma profundidade e
conexão, dessa forma não possuem a mesma intensidade de trocas e aprendizados como
nas relações que ocorrem de forma presencial.

Precisamos ficar atentos às mudanças

O que mais, sobre dança, poderia ser mostrado nas mídias digitais? Em nossa
conversa, Vivian traz uma preocupação sobre como estamos utilizando esses recursos para
falar de dança, fazendo as seguintes reflexões: de tudo aquilo que (nós bailarinos)
expomos, ou não, nas nossas redes sociais digitais, quais conteúdos podemos considerar
um bom serviço e o que se trata de um desserviços para a dança? Para qual dança?

Juliana e Vivian, das bailarinas com que conversei, são as mais velhas, e em suas
falas podemos perceber que existe uma dificuldade em lidar com essa nova realidade
virtual. Confessam utilizar por uma necessidade de se enquadrar e se manter presente na
cena artística da dança. Não sabem lidar muito bem com a necessidade de estar em
constante atualização de seus perfis digitais e buscam criar conteúdos que estimulam uma
reflexão crítica sobre as influências e implicações das mídias virtuais na vida dos usuários,
como os projetos que desenvolveram na pandemia, que citei anteriormente: “Estejam
atentos”, proposto por Ju e “Entrevidas”, realizado por Vivian.
65

Para Ju, o acesso mais prático às diferentes técnicas, manifestações, profissionais


criou novas possibilidades de observar os movimentos existentes no mundo fora da
“panela” em que vivemos, de um contexto diferente do local onde estamos residimos. Mas
ao mesmo tempo sente muitas dificuldades em entender como se deve utilizar esses novos
modos de comunicação e socialização, pois acredita que a tendência de seguir o fluxo da
tendência é muito maior do que a sua utilização com consciência. E assim podemos ficar
tentados a criar pelo desejo de “bombar” nas redes, ter mais números, ser o melhor, o mais
viralizado, incentivados pela criação do modismo, pela cópia daquilo que está em alta, ao
invés de investir em projetos de vontade pessoal.

Além disso, Juliana confessa se sentir incomodada com o excesso de exposição da


vida pessoal dos artistas, diz que:

A mídia social, essa: Instagram… As atuais, que agora tão maiores que o
Youtube, pelo menos do meio da dança que eu sinto, elas são mais pessoais, elas
tiram aquele esse espaço do eu estava vendo um artista mover, e eu podia ter
informações deste artista e eu passei a ver a vida pessoal desse artista, de certa
66

forma. Então começou a ser muito invasivo. Interessante, mas também muito
invasivo e essa invasão eu que acredito (também) ser muito problemática [...]
(KISS, fala da entrevista, 2020)

Entende que existem modos de utilização diferentes desses aplicativos dependendo


das manifestações de danças. Mas acaba se sentindo forçada a utilizá-las pelo fato do Hip
Hop, a sua principal área de atuação, ser uma dança muito nova, especialmente no
território brasileiro, que tem grande adesão de pessoas jovens. Não se sente confortável.
Pelo contrário, se sente manipulada e persuadida pela enxurrada de conteúdos publicados e
seletivamente direcionados a cada usuário, e por conta disso, é entretida e sente que é
capaz de passar horas fixada na tela de seu celular ao invés de aproveitar o dia vivendo
experiências físicas reais. Sente que acaba perdendo oportunidades de apreciar os
pequenos detalhes da vida que poderiam gerar possibilidades de conexões profundas e
inspiradoras.

Utiliza o termo fast food para traçar uma metáfora com o tipo de produção artística
mais presente nas mídias digitais: criações limitadas pelo visual que busca se enquadrar
para o engajamento nesses aplicativos, sem muito aprofundamento, que precisam seguir o
padrão de rápida produção e consumo. Entende que esse pode ser, sim, um lugar de
produção e consumo de dança, contudo sua preocupação aumenta na medida em que as
produções caminham, em sua maioria, apenas para esse lugar da superficialidade. Acredita
que o Hip Hop, por ser uma dança recente, tem muito conteúdo para se aprofundar, mas a
produção para os aplicativos acaba podando esse processo.

Por isso sentiu vontade de dialogar com o seu público, enquanto artista, independente
do tamanho do público, temos responsabilidade de conversar com as pessoas,
especialmente com aqueles que possuem interesse em participar da cena artística. Apesar
de defender que as produções não devem se limitar aos padrões impostos das mídias,
desenvolveu o projeto “Estejam Atentos” de vídeos de até um minuto, explica que

Eu poderia fazer mais longo, mas a minha ideia era, tipo: já que a pessoa vai
ficar um minuto me ouvindo, então, o que eu posso trazer, de forma simples, mas
que vai fazê-la pensar pelo menos um pouquinho, tipo, se estiver aberta para
isso. (KIS, fala da entrevista, 2020)
67

Vivian Navega, apesar de atuar em outra manifestação de dança, possui opiniões e


sentimentos semelhantes aos da Ju quanto a utilização das redes sociais. Também defende
que é necessário dialogarmos mais sobre as consequências de tudo aquilo que produzimos
e publicamos nas redes, reforçando ainda que precisamos expor mais a realidade da
carreira em dança. Pois, muitas vezes criamos imagens romantizadas da carreira artística,
escondemos as vulnerabilidades da profissão, não expomos a desvalorização e até
ocultamos as situações de humilhação pelas quais comumente passamos. A falta de
realidade, pode criar falsas expectativas em futuros profissionais da dança e aumentar a
probabilidade de frustração profissional, ou ainda afastar as pessoas dos sonhos, quando
cria falsas realidades inatingíveis. “A gente só consegue fazer algo quando a gente toma a
realidade como ela é” (NAVEGA, 2020).

Depois que encerrou sua carreira como bailarina profissional, Vivian passou a
trabalhar como ensaiadora de algumas companhias, e com mentoria para jovens que
sonham com a carreira em dança. Olhando de fora percebeu como o campo profissional
artístico cria essa realidade utópica, como muitas vezes somos reféns de um sistema que
exige um status aparente, e acabamos tendo medo de expor nossas fragilidades. Relata
sobre uma experiência na qual buscou aproximar os jovens aspirantes a bailarinos, de uma
vivência com os bailarinos profissionais da São Paulo Companhia de Dança

Eu levei eles (jovens bailarinos) para o ensaio, né? E eu vi que os bailarinos da


São Paulo (Companhia de Dança) ficaram um pouco nervosos, porque eles ainda
não dominavam aquilo ali, e quando percebi isso, reuni eles e disse: “olha, aqui,
agora, hoje, essas pessoas que estão aqui, estão aqui porque eu chamei e me
interessa muito apresentar vocês como humanos, perfeitamente imperfeitos,
como bailarinos perfeitamente imperfeitos, então se vocês errarem, vocês vão
estar prestando um grande serviço para eles, porque eles só veem vocês lindo,
eles não sabem que tem todo um processo… Eles sabem, mas eles não realizam
isso, eles não visualizam isso. Eles só veem vocês no palco, maravilhosos, com
luz e figurino, eles só assistem quando vocês estão totalmente aptos, quando
vocês já assimilaram no corpo tudo, então se vocês errarem, meus queridos,
vocês vão estar fazendo um grande serviço a eles, porque eles vão se sentir
totalmente empático a vocês. (NAVEGA, fala da entrevista, 2020)

Vivian me trouxe muitas reflexões sobre como nossas ações tanto fora, mas
principalmente dentro dos ambientes virtuais, podem servir como algo positivo ou não para
a dança. Como exemplo, expôs a conversa que teve com um bailarino de uma grande
68

companhia de São Paulo, que havia chegado de uma turnê internacional, na qual tive que
passar por péssimas condições de trabalho, e questionou

O que saiu no Instagram foi que vocês estavam em pleno sucesso, vocês
chegaram aqui e se calaram. Vocês estão ajudando alguma coisa em algo? Vocês
estão fazendo algo? É uma pergunta, não é uma cobrança, é uma pergunta,
porque eu soube que vocês foram maltratados, humilhados… e eu não tô vendo
nem ouvindo nada. Isso é um desserviço para a dança como instituição, para a
dança em geral? Ou não, tá tudo bem? (NAVEGA, fala da entrevista, 2020)

Acabamos não expondo pontos muito problemáticos que existem e são muito
recorrentes no mercado da dança, com isso perdemos oportunidades de conquistar nossos
direitos e mais dignidade de trabalho. De certa forma, não nos unimos para reivindicar
aquilo que é necessário à nossa profissão, pois estamos muito focados no individual, na
nossa auto promoção, não damos atenção para o benefício coletivo. Acredito que as
mídias digitais têm o potencial de conectar e aproximar conhecimentos, mas ao mesmo
tempo podem distanciar as relações, os pensamentos e as opiniões, enfraquecer o coletivo,
pois gera muitas possibilidades para o crescimento individual.

E ao meu ver, as nossas vaidades e o nosso ego, estão sendo constantemente


alimentados com diferentes possibilidades de reconhecimento, que surgiram com a
evolução e desenvolvimento das mídias digitais. Acredito que isso pode gerar uma
satisfação momentânea, extremamente volátil. Pois da mesma forma que o consumo nesse
formato fast food pode aumentar rapidamente a nossa visibilidade e reconhecimento, o
esquecimento também pode acontecer proporcionalmente na mesma velocidade. Por isso,
muitas vezes acabamos sentindo a necessidade de utilizar cada vez mais as nossas redes
sociais virtuais para nutrir nossa autoestima. Como uma droga que precisamos usar de
forma compulsiva para satisfazer um desejo latente por estar presente, ser protagonistas,
representantes e porta voz de nós mesmos.

Byung-Chul Han (2013) fala sobre a problemática que surge da crescente compulsão
por presença causada pela mídia digital, que vulgariza e achata a linguagem e a cultura.
Por mais que o acesso às plataformas digitais nos dê espaço para expressar nossas opiniões
69

acerca de qualquer assunto ou pauta que quisermos discutir de maneira mais prática, esse
mesmo processo causa, o que Chul Han (2013) chama de efeito panóptico. Que é a
consciência de estarmos sendo constantemente observados, e isso também pode causar um
alinhamento no padrão de pensamento da sociedade, ou seja “Sob a ditadura da
transparência, opiniões desviantes ou ideias inabituais não chegam nem mesmo a ter voz.
Muito dificilmente se pondera algo. O imperativo da transparência produz forte pressão
para o conformismo.” (Chul Han, 2013, p. 40). Acredito que em muitos momentos nos
deixamos ser influenciados pelos modismos e falas mais presentes nas mídias digitais,
reproduzimos conteúdos por estar dentro de um senso comum que é facilmente aceito pelo
público e aumentando a possibilidade de ter grande visualização, portanto o crescimento da
popularidade midiático, em outras palavras, da fama, do crescimento do ego. Por isso,
penso que precisamos, sempre que possível, estar criticamente atentos aos conteúdos que
consumimos como forma de procurar não reproduzir conteúdos que façam um desserviço
social e para a dança. Não nos limitar com a produção de conteúdo influenciados por este
efeito panóptico.
70

E AGORA? SEGUIMOS O PROCESSO

Acredito que quando nos propomos a discutir qualquer assunto relacionado com as
novas tecnologias e ao mundo virtual, precisamos estar cientes de que trata-se de um
processo contemporâneo em nossas vivências. Por isso, todas experiências que vivi durante
o processo da minha pesquisa, inevitavelmente, contribuíram em minhas reflexões e
entendimentos. Em diversos momentos, tive que deixá-la tomar rumos diferentes da minha
expectativa inicial. Notei que meu interesse sobre o assunto é muito mais amplo do que
apenas realizar uma análise de criações audiovisuais em dança, mas, para além disso, tentar
perceber como as vivências virtuais podem influenciar o juízo de gosto, as opiniões, a
curiosidade e o interesse das pessoas em trabalhos artísticos, especialmente da dança, bem
como as mudanças em uma possível definição sobre: O que é arte na era virtual? Como
comunicamos arte nos tempos atuais? O que estamos comunicando com a arte no mundo
digital?

Durante o processo de escrita dessa pesquisa, tive a oportunidade de vivenciar


diferentes experiências e conhecer novas pessoas, artistas, diretores, outros profissionais da
dança com quem pude conversar e passei por algumas situações que se somaram aos meus
estudos, às falas das bailarinas e às minhas próprias reflexões. Em alguns momentos senti
necessidade de me afastar das redes sociais, por entender que precisamos estar conscientes
da responsabilidade que temos sobre tudo aquilo que publicamos nelas e, principalmente
após me encontrar com Vivian, passei a refletir mais sobre quais conteúdos eu poderia
produzir a fim de promover bons serviços para a dança, bem como para a sociedade.

Ainda não me sinto confortável com a ideia de um dia ser essencial a estruturação de
um perfil nas redes digitais para me autopromover e administrar minha carreira.
Principalmente pela grande exposição de nossas vidas que ela promove. Contudo, com a
realidade que vivemos no mercado de trabalho em dança no Brasil, percebo poucas
oportunidades para um processo diferente. Dificilmente conseguimos ter vínculo
permanente de trabalho com alguma companhia ou empresa. Com isso ficamos
extremamente vulneráveis financeiramente e dentro do sistema capitalista, no qual o
71

dinheiro é necessário para sobreviver, muitas vezes tornamo-nos reféns das possibilidades
virtuais ou acabamos desistindo da carreira artística em dança.

Por ser um assunto contemporâneo e por ainda estar processando muitos


pensamentos e reflexões de experiências recentes que vivi, não conseguirei dar a esse
trabalho um fechamento definido. Tampouco era intenção que isso ocorresse, já que os
processos de construção do conhecimento são permanentes. Mas me parece que foi
possível nesta pesquisa, nos aproximarmos de diferentes relações e algumas de suas
problemáticas em experiências artísticas que apostaram nos recursos audiovisuais e/ou no
uso de mídias sociais nas suas produções.

Há também a presença das mídias sociais como modo de produção e criação de si


(avatares) e algumas implicações do atravessamento entre o público e o privado, a vida, a
sociabilidade e o trabalho que estão transformando os sentidos e significados da dança.
Sendo que diferentes contextos, sujeitos e manifestações da dança, produzem diferentes
relações e reflexões em torno da mídia social e suas apropriações. É possível afirmar que
de um modo geral, tais atravessamentos entre arte, vida e mídias são apontados como
desafiadores, deflagrando especialmente a instabilidade das relações e a vulnerabilidade do
trabalhador(a) da dança no Brasil.

Quero apontar que estudos em torno das criações mais recentes envolvendo dança e
audiovisual e mídias sociais merecem aprofundamento; relações entre mídias sociais
criação e trabalho no campo da dança no Brasil também podem ser diversificadas em
diferentes manifestações da dança, pois neste estudo ficamos com as danças urbanas e as
contemporâneas. além de serem realizadas em outras cidades…

Deixarei em aberto para agregar novas percepções, novos diálogos, novas


discussões, permitindo mudanças de perspectivas e deixar o processo fluir e ir fluindo,
conscientemente, junto com ele, mantendo uma disposição crítica e atenta às
consequências, sempre questionando quando surgirem incômodos, dialogando com meus
colegas sempre que possível e tentando entender como seguir com as minhas produções
artísticas de forma a contribuir para o crescimento da dança, da arte e da humanidade.
72

BIBLIOGRAFIA GERAL

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Nicastro Honesko. Lição Inaugural do curso de Filosofia Teorética 2006-2007, junto à
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[tradutora Rejane Janowitzer] - São Paulo: Martins, 2005 - (Coleção Todas as artes); Título
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Internacional; “Educação e Contemporaneidade” - Arte, Diversidade e
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SIEDLER, Elke. Redesenhos políticos do corpo: uma análise de modos de circulação e


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2016. Disponível em: https://repositorio.pucsp.br/jspui/handle/handle/19137. 

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Produção: RHODES, Larissa. Disponível em: Netflix.
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MATERIAIS E FONTES

KISS, Juliana. Paris, FRA. Entrevista via Google Meet. 2020.

LÍRIO, Thais. São Paulo, SP. Entrevista via Google Meet. 2020.

IKEHARA, Fabiana, São Paulo, SP. Entrevista via Google Meet. 2020.

NÁVEGA, Vivian. São Paulo, SP. Entrevista via Google Meet. 2020.

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