CONHECIMENTO A PARTIR DA RELAÇÃO SUJEITO- OBJETO DE PIAGET Piaget baseia a sua teoria na relação sujeito-objeto. Esse objeto, por sua vez, pode ser um livro, brinquedo, vídeo, som, utensílio doméstico, software; outro indivíduo (colegas, familiares, professores) ou ainda objetos culturais como revistas, televisão, músicas, entre outros. É através da interação sujeito-objeto que o indivíduo constrói conhecimento. Segundo Becker (2007):
Sujeito e objeto não têm existência prévia, a priori:
eles se constituem mutuamente, na interação. Eles se constroem. O sujeito age sobre o objeto, assimilando- o: essa ação assimiladora transforma o objeto. O objeto, ao ser assimilado, resiste aos instrumentos de assimilação de que o sujeito dispõe no momento. Por isso, o sujeito reage refazendo esses instrumentos ou construindo novos instrumentos, mais poderosos, com os quais se torna capaz de assimilar, isto é, de transformar objetos cada vez mais complexos. Essas transformações dos instrumentos de assimilação constituem a ação acomodadora. Conhecer é transformar o objeto, transformar a si mesmo.
O conhecimento para Piaget (1990) resulta das interações que
se produzem a meio caminho entre o sujeito e o objeto, envolvendo uma dupla construção progressiva - o sujeito age sobre o objeto ao mesmo tempo em que esse objeto oferece resistência à sua ação. Desse modo, o conhecimento não nasce com o indivíduo, nem é fornecido gratuitamente pelo meio social. O sujeito constrói seu conhecimento na interação com o meio físico e com o meio social (Becker, 2007). Esse processo de construção de conhecimento Piaget (1974) denomina aprendizagem. O sujeito ao entrar em contato com o objeto o assimila, ou seja, confere a esse objeto uma ou mais significações, de modo a essa atribuição comportar um sistema mais ou menos complexo de inferências, mesmo quando ela tiver lugar por constatação (Piaget, Construção do conhecimento segundo Piaget envolvidos 1958 et al apud BECKER, 2007). O termo "inferência" vem do verbo latino inferre (ferre = conduzir) que significa levar a, concluir, dirigir- se para (Becker, 2008). É uma passagem mental que parte de uma proposição mais conhecida e chega a uma menos conhecida, ou seja, uma passagem mental que parte de algo que o sujeito sabe para algo que ele não sabia. É importante ressaltar a diferença entre o sentido desse termo relacionado à lógica - utilizado de forma proposicional - e o que Piaget aplica em sua teoria, relacionando-a ao plano das ações, ou seja, no plano das conexões entre ações, não ainda entre sentenças. Becker (2008) exemplifica a inferência a que Piaget se refere citando o exemplo de uma criança de 8 a 9 meses que retira o lenço que o experimentador colocou em cima do molho de chaves. Ela infere que, embora não esteja vendo as chaves, elas estão debaixo do lenço - o que não fazia nos meses anteriores. A assimilação ocorrerá a partir dos esquemas do referido sujeito e de suas abstrações. Os esquemas de ações relacionam-se com tudo aquilo que, em uma ação, é transponível, generalizável ou diferenciável de uma situação anterior, ou seja, refere-se ao que há de comum às diversas repetições ou aplicações de uma mesma ação (Piaget, 1996). Já a abstração é o ato de agir sobre as coisas e sobre as ações nos seus aspectos materiais e retirar algo delas; ou ainda, agir sobre as próprias ações e retirar, dessas ações, características suas, materiais, observáveis ou não; ou retirar algo das coordenações das ações (Becker, 2001). A abstração pode ser empírica ou reflexionante. A abstração empírica é aquela em que o sujeito retira as informações dos observáveis (Piaget, 1977), por exemplo, ao visualizar uma blusa e dizer: “esta blusa é azul”. A abstração Reflexionante é aquela em que a informação é retirada da coordenação das ações do sujeito, ou seja, das suas atividades (Piaget, 1974). Segundo o autor, essa abstração é considerada fundamental, pois recobre todos os casos de abstração lógico- Construção do conhecimento segundo Piaget envolvidos matemática. Um exemplo dessa abstração ocorre, por exemplo, quando o sujeito, ao visualizar duas garrafas, infere que uma é maior que a outra. O “maior que” não está nem na primeira nem na segunda garrafa, é uma relação que o sujeito estabelece entre as duas. Um desdobramento da abstração reflexionante é a abstração pseudo-empírica, que ocorrerá quando o objeto for modificado pelas ações do sujeito e enriquecido de propriedades retiradas de suas coordenações. Embora essa abstração esteja ocorrendo sobre o objeto e sobre seus observáveis atuais - como na abstração empírica - as constatações atém-se, na realidade, aos produtos da coordenação das ações do sujeito (Piaget, 1977). Por esse motivo a abstração pseudo-empírica é um caso particular da abstração reflexionante e não da abstração empírica, como algumas vezes é erroneamente reportada. A abstração pseudo-empírica ocorre, por exemplo, quando uma criança brinca com um estojo de canetas ”fazendo de conta” que é um carrinho, ou seja, o sujeito está colocando no objeto características que não se encontram nele. Outro desdobramento da abstração reflexionante é a Abstração Refletida, resultado de uma abstração reflexionante, sempre que se tornar consciente, e isso independente de seu nível (Piaget, 1977), relaciona-se com a tomada de consciência. Acontece, por exemplo, quando uma criança operatório-concreta apercebe-se das semelhanças da soma entre unidades, dezenas, centenas ou quando uma criança operatório-formal se dá conta das qualidades comuns das operações aritméticas (Becker, 2001). A assimilação poderá ocasionar um desequilíbrio, acompanhada ou não de uma acomodação. O desequilíbrio ocorre quando as formas de conhecimento do sujeito impostas a um conteúdo não conseguem ser ajustadas a esse conteúdo. O sujeito então continuará relacionando aquela nova informação com os conceitos pré- estabelecidos por ele até, através de novas abstrações, equilibrá-las, de modo a realizar acomodações. A acomodação ocorre quando as Construção do conhecimento segundo Piaget envolvidos formas de conhecimento do sujeito impostas a um conteúdo são ajustadas a esse conteúdo, sobretudo se ele for novo, modificando um pouco o esquema assimilador por meio de diferenciações em função do objeto a assimilar (Piaget, 1970). Porém, essa acomodação não é finita, ou seja, a cada nova assimilação o sujeito irá confrontar uma nova informação com os seus conceitos pré-estabelecidos, gerando um novo desequilíbrio. Através de acomodações, o sujeito produzirá modificações em seus esquemas ou estrutura, gerando assim um novo patamar de equilíbrio - isso se dá pelo processo de equilibração. É esse ciclo infinito envolvendo a assimilação/desequilíbrio/acomodação (figura 18) que possibilita a ultrapassagem de paradigmas e a constante construção do conhecimento. Segundo Piaget (1996), a assimilação e a acomodação comportam a condição de todo funcionamento biológico, psicológico e intelectual, uma vez que constituem os dois pólos da interação entre o organismo e o meio, indivíduo e sociedade, sujeito e objeto.
Figura 1. Ciclo assimilação/desequilíbrio/acomodação.
Fonte: ConstruMed Construção do conhecimento segundo Piaget envolvidos
Referências
BECKER, Fernando. O que é construtivismo? Disponível em: