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Universidade Federal Fluminense

Instituto de Artes e Comunicação Social


Departamento de Estudos Culturais e de Mídia
Bacharelado em Estudos de Mídia

“Ainda estamos aqui” - Território e Identidade no show de hardcore

Rômulo Natan Barboza de Morais

Niterói, julho de 2017


SUM ÁRIO

Introdução............................................................................................................................. 8

Capítulo I - O papel do território no surgimento de uma cena hardcore brasileira..... 13

Capítulo II - Território e Identidade: o eu e o outro no show de hardcore................... 22

Capítulo III - Novas tecnologias, novos territórios...........................................................33

Considerações Finais......................................................................................................... 42

Referências Bibliográficas.............................. 44

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INTRODUÇÃO

Quando fiz a primeira associação entre a análise do território na esfera dos Estudos
Culturais e os shows de hardcore que frequento desde a minha adolescência, percebi que
havia ali um profundo desejo de compreender aquele espaço que há anos faz parte não
apenas da minha construção como pessoa, mas também da história de vida de diversos
amigos e pessoas queridas. Percebi logo de início o desafio de deslocar-se da posição de
sujeito dessas experiências para a de observador e intérprete. Ora, se por um lado é
instigante buscar entender de onde vêm e de que maneira se organizam os significados
por trás das ações dos sujeitos, por outro, é extremamente delicado interpretar
antropologicamente o seu próprio ‘‘rolê’*. Trata-se de um deslocamento subjetivo no qual
busco compreender aquilo que observo pra além dos afetos e percepções comuns do
cotidiano. Por outro lado, me parece interessante que minhas experiências e afetos
relacionados ao tema me permitam bons exercícios de empatia na interpretação dos
sujeitos. As presentes reflexões nascem da busca desse outro olhar, que inclui a
responsabilidade de deslocar-se para um novo lugar de compreensão das experiências, o
desafio de observar pessoas e lugares já familiares por uma outra perspectiva e o desejo
de compreender subjetivamente o show de hardcore, mais precisamente o seu papel na
construção de uma cena na qual mantém-se um ethos coletivo.

O presente trabalho propõe uma reflexão investigativa acerca do papel do show1


de Punk Rock e Hardcore enquanto território na construção de um ethos hardcore. É
importante destacar que a partir da investigação do show e de como o mesmo se constitui
tanto espacialmente quanto subjetivamente, busca-se aqui analisar de que maneira as
experiências, trocas e significados presentes nesses espaços fazem parte de uma
identidade coletiva e como esse processo dialoga com as redes e as novas tecnologias. A
partir dos conceitos de território, identidade, globalização e cultura de massa, este estudo
busca analisar como a web 2.0 e suas ferramentas podem metamorfosear as práticas

No Brasil é comum referir-se ao “show" de hardcore como forma de nomear um evento. O show está para
c Hardcore assim como o baile está para o Funk, concerto está para a música clássica ou a roda de samba
e-sca para o Samba. Ex: o público vai ao “show do Dead Fish", ainda que a banda não seja a única atração,
—as a principal. Recentemente o termo “rolê” também vem se popularizando entre o público.

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culturais e as trocas simbólicas em espaços de reunião coletiva destinados à subcultura
hardcore. subgênero proveniente do punk.

Fruto das manifestações culturais que apareciam em uma Nova York marcada
pelo crescimento do desemprego entre os jovens e do trânsito de tais eventos até os jovens
pobres da cidade de Londres, considera-se mais aceitável como momento de surgimento
da cultura Punk a metade dos anos 70. Ambos os cenários Rock n' Roll dos países já
demonstravam algum cansaço em relação ao Rock Progressivo, que além de carregado
de virtuosidades, alimentava uma relação de estrelato entre artistas e público. Nos dois
países, bandas com músicas mais simplificadas e comportamentos extravagantes já
surgiam apresentando indícios de maior rebeldia juvenil, como The Stooges, New York
Dolls e a britânica The Kinks. As primeiras bandas a apresentarem uma atitude e uma
sonoridade mais rápida, pesada e de estética claramente mais agressiva aos valores então
vigentes foram os Ramones, em Nova York, e os Sex Pistols, em Londres. A partir de
1977, o punk se tomaria um fenômeno cultural, social e estético impactante e seu
crescimento se deu de forma bastante acelerada. Não demorou muito para que mercado e
mídia explorassem ao máximo a estética do punk. Tal exploração levou ao esgotamento
do punk e um consequente desinteresse da mídia massiva. O Punk foi dado como morto.
Ainda assim, a mensagem transmitida por tais bandas e a simbolismo da subcultura
permaneceu e foi ressignificada no underground, possibilitando gradualmente o
reaparecimento não apenas do punk , mas de releituras e novas ramificações do
movimento, sendo o hardcore uma das mais conhecidas. Nos anos 80, Janice Caiafa
observou essa transição registrando que ‘"o som punk também transformou-se, ganhando
em aceleração e peso" - era o hardcore - que, para a autora, “representa a ausência de
toda musicalidade e harmonia do rock, deixando-o tão cru, que seria praticamente
impossível sua conversão ao gosto geral, como havia acontecido com o punk rock"
(CAIAFA apud TURRA NETO, 2012, p.2-3).

Esse movimento que ressurge em meados dos anos 80 a partir de bandas como
Dead Kennedys, Black Flag, Circle Jerks , Bad Brains, 7 Seconds e Minor Threat, foi
muitas vezes denomidado como hardcore punk se mostrou como “a segunda onda do
punk" e se destacava tanto pela maior velocidade e agressividade sonora nas músicas
quanto pelo teor político e social de suas letras, que possuíam também relatos de revolta

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e frustrações individuais. Tornou-se popular entre os praticantes do skateboarding2 na
Califórnia e na capital Washington DC. Em relação à sua estética, o hardcore adotou um
visual mais simples e menos exótico do que o punk. substituindo os moicanos e as
jaquetas com adereços por cortes de cabelo um pouco menos extravagantes e mais
simples, influenciado também pelo visual dos skatistas. Ao longo da década de 80 a
aproximação entre as cenas hardcore e a cena anarcopunk da Inglaterra, além do
surgimento do Straight Edge (em síntese, uma designação para “ hardcore sem drogas”,
que muito dialogava com o vegetarianismo/veganismo e propunha uma discussão sobre
sustentabilidade e ecologia) em Washington DC, revelou uma postura punk
significantemente mais construtiva e ativista que, apesar da agressividade presente nas
músicas, trazia consigo um discurso de atitude positiva, contrapondo a imagem do punk
vista por muitos como junkie e gangster.

Podemos datar o início da década de 90 como a época de surgimento do hardcore


no Brasil. Uma vez que punk já havia desembarcado por aqui dez anos antes, em São
Paulo e, de forma mais sutil, em Brasília, onde semeou o Rock Brasileiro dos anos 80, as
bases para novas apropriações culturais e consequentemente o aparecimento de
subgêneros já existentes em outras partes do mundo estavam criadas. Por nossas terras, o
subgênero musical e a subcultura aqui estudadas surgem entre as ‘'Guitar Bands" do
undeground paulista, influenciadas pelo Rock Alternativo que emerge nos anos 90, e as
bandas de punk, além da cultura do skate, então presentes já em boa parte do território
nacional e com destaque na região Sudeste. E nesse contexto que surgem as primeiras
bandas de hardcore brasileiras, como Tuhe Screamers, Dead Fish, Sociedade Armada,
Ruim undos, Safar i Hambúrguers, DFC, Cabeça, Psychic Possessor, IHZ, OVEC, Garage
Fuzz, Personal Choice, entre outras, que iriam fomentar todo um cenário que mais tarde
resultaria na consolidação não apenas de um subgênero musical, mas de toda uma
subcultura com significados e práticas próprias.

É fundamental destacar que o termo hardcore possui significados fluidos e


múltiplos internacionalmente, e que, no Brasil, é comumente utilizado para categorizar
cenas juvenis mais específicas, consolidadas a partir do aumento de popularidade dos
subgêneros musicais do punk rock, tais como hardcore melódico, hardcore punk, skate

- Esporte que surge nos Estados Unidos, mais precisamente na Califórnia dos anos 60, quando surfistas
adaptaram pranchas para serem utilizadas nas ruas.

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punk, ska-punk. crustcore, emocore, powerviolence, entre outros. Por outro lado, o termo
punk também é utilizado lá fora de forma abrangente, inclusive para fazer referência a
seus subgêneros e suas respectivas cenas, sempre que a especificidade de definição não
se faz necessária. Ainda assim, é importante também enfatizar que o hardcore, embora
descendente do punk , dele se distingue em diversos aspectos que vão além das marcas
musicais, incluindo as diferentes formas de sociabilidade e atribuições de valor. Nesse
sentido, esclareço que nesse trabalho utilizarei hardcore como compreendido aqui no
Brasil, e punk com o seu significado mais global, uma vez que, além de estarem
interligadas, ambas as terminologias representarão as cenas e subculturas que serão objeto
de análise do presente estudo.

As recentes transformações nos modelos e estratégias de distribuição musical,


impulsionadas pela web 2.0 e seu consequente impacto na circulação e disseminação de
conteúdo ampliaram expressivamente o acesso a distintas e diversas produções culturais.
O fenômeno das redes, suas ferramentas, as crescentes possibilidades de convergência
midiática e as novas formas de interação social alteraram não somente a materialidade da
comunicação, mas também a experiência dos sujeitos em torno das expressões,
manifestações, produções culturais mais variadas e seus territórios de circulação. As
subculturas e suas cenas serão também afetadas por tais modificações gerando novas
atribuições de sentido e significado na construção de suas identidades. O ambiente de
reunião dos atores sociais presentes nos espaços de circulação do conteúdo produzido
pelos sujeitos pertencentes à referida subcultura pode estar intimamente ligado à
construção e à manutenção de um ethos coletivo. Pensar o show como território de
produção de sentido e de teias de significado que irão nortear a formação de uma
identidade hardcore e analisar o impacto dos territórios virtuais contemporâneos sobre o
território físico mostra-se como um caminho complexificador e não-reducionista,
evitando a simples análise sistêmica do uso das novas tecnologias. Acredito que desta
maneira será possível desenvolver um olhar mais antropológico, humano e compartilhado
na análise da experiência dos lugares e sujeitos. —-----

Nesse sentido, este estudo busca defender o território físico, o espaço geográfico
constituído por todo seu aparato subjetivo, o encontro entre sujeitos, contra-
argumentando a ideia de uma possível desterritorialização que seria resultante do
surgimento de novas tecnologias. Nos interessa uma perspectiva diferente acerca das
novas territorialidades construídas ou mesmo das reterritorializações resultantes do uso

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feito pelos sujeitos dessas novas ferramentas da web. Busca-se afirmar que tais
ferramentas, embora alterem a maneira como se formam as identidades dessas
coletividades, também as reforçam, expõem, publicizam. compartilham e as transportam
a novos territórios, atingindo novos sujeitos. Uma vez que esses sujeitos passam a existir
"em tempo real" em novos espaços, tal identidade é mais uma vez reafirmada e recriada,
agora de forma mais descentralizada em relação aos centros de produção até então
hegemônicos. De qualquer maneira, tal fenômeno não seria possível sem o cerne de sua
existência: seu território de encontro de sujeitos, a reunião em tomo de algo que lhes é
comum e seus significados.

No primeiro capítulo, investigaremos o papel do espaço do show no surgimento


de uma cena underground brasileira, como se constituiu uma espacialidade capaz de
produzir significados próprios daquela coletividade e de que maneira essa
reterritorialização dos espaços passa a contribuir para que diversas bandas, produtores,
fotógrafos, público e demais sujeitos atuem em conjunto na realização desses eventos.

Posteriormente, trataremos de signos, processos identitários e particularidades de


uma identidade hardcore a partir de referências territoriais, aprofundando nossas
reflexões nas relações dos sujeitos com a espacialidade do show. Pretende-se nesse
capítulo uma melhor compreensão das relações entre território e identidade na referida
subcultura em que analisaremos interações, afetos e atribuições de valor, bem como
questões de gênero e hegemonia dentro do grupo.

Por fim, concluiremos os trabalhos analisando a dinâmica de processos e


interações sociais relacionadas a novos territórios e formas de espacialidade. De que
maneira novas conexões advindas de múltiplas territorialidades afetam, complementam
ou modificam estruturas já estabelecidas dentro do show de hardcore? O trabalho aqui
proposto pretende responder tal questionamento a partir das singularidades culturais do
território analisado, de forma que, a partir dos Estudos Culturais, possamos progredir na
compreensão do impacto das novas tecnologias em situações cotidianas da subcultura
pesquisada.

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Capítulo I - O papel do território no surgim ento de uma cena hardcore
brasileira

Assim como o punk, o hardcore está intimamente ligado à reterritorialização de


determinados espaços urbanos. A cidade, as ruas, os bares, estúdios musicais, pistas de
skate. as lojas especializadas e os shows criam condições para que sujeitos se reunam em
tomo de interesses e práticas comuns entre aqueles que pertencem a uma subcultura. a
uma cena musical ou simplesmente a um grupo de bons e velhos amigos. As interações
nesses espaços partilhados não propiciam a mera troca de informações, mas também um
cotidiano de trocas simbólicas que irão ampliar o espaço doméstico para além das
instituições tradicionais, originando coletividades contíguas, identidades coletivas e seus
sentimentos de pertencimento e reconhecimento mútuos entre os sujeitos circulantes
nesses lugares. Pensando o território não apenas pela sua constituição física, material e
geogrática, mas também pôfo conjunto de experiências e significados produzidos naquele
espaço, será possível investigar de que maneira o show contribui na construção e na
manutenção de uma identidade coletiva que poderá ser partilhada pelos sujeitos ali
circulantes. Numa primeira análise, buscaremos compreender também como os atores
sociais envolvidos nesse processo constroem localmente as condições necessárias para
que os atores sociais de uma subcultura tida como globalizada desenvolvam ações em
torno de um interesse comum que se encontra em constante diálogo com aquilo que é
"local"', “regional", “urbano”, “nacional”, dentre outras maneiras de adjetivar
espacialidades. Ao analisar o show enquanto produtor de sentido é possível afirmar que
"o território termina por ser a grande mediação entre o Mundo e a sociedade nacional e
local" (SANTOS, 1997, p.338) e, nesse sentido, considerar que o surgimento do hardcore
no Brasil se dá a partir da reterritorialização de determinados espaços por sujeitos e
coletividades que produziram conteúdo próprio, autoral, a partir de uma multiplicidade
de entrecruzamentos musicais, estéticos, culturais, locais e globais.

E justamente o show o território que norteia as referências iniciais do surgimento


do hardcore no Brasil. Muito antes da existência de um cenário próprio, as primeiras
bandas se apresentavam em shows e festivais undergrouud que reuniam artistas
independentes de variados subgêneros do rock. Um dos festivais que marcou o
nascimento de uma cena independente brasileira ocorreu na UNICAMP, nos anos de 1993
e 1994. o Juntatribo. Destacou-se por reunir bandas de várias cidades do país, que
trabalhavam por si só, sem auxílio de grandes gravadoras, tendo uma importante

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cobertura midiática feita pelo do programa Lado B. da MTV e da rádio 89 FM3. No
Juntatribo tocaram bandas que mais tarde permaneceríam no underground e
participariam da emergência de uma cena hardcore, como Tube Screamers, Safari
Hamburguers e Garage Fuzz\ bandas que iriam compor uma cena rock independente no
Brasil, como Pin Ups, WRY, Brincando de Deus e Relespública\ e também bandas que
posteriormente ascenderíam ao mainstream, como Planei Hemp e Raimundos. Sobre o
Juntatribo, o jornalista Paulo Marchetti escreveu:

O local escolhido foi o Observatório a céu aberto da própria UNICAMP,


que não só deu espaço e infraestrutura para o local dos shows, mas também
a infraestrutura necessária para as bandas, cedendo espaço para elas
dormirem, o refeitório e banheiros.
Pelas minhas contas foram 44 bandas nas duas edições. Mas pra falar delas
é preciso lembrar-se do contexto, do qual já filosofei: bandas brasileiras
cantam em inglês por verem um país sem futuro. Das 44 bandas, 8 tinham
seu repertório em língua portuguesa. E de todas as participantes, as que se
deram melhor na carreira foram justamente as que cantavam em
português: Raimundos e Planet Hemp. A escalação do festival é o
retrato fiel do que aconteceu na cena underground brasileira de 1990 a
1995.
Não lembro muito bem das noites que fui tanto em 1993, quanto 1994. O
que lembro é da terra vermelha na cara. do cheiro de fumaça, da confusão
que deu com os “punks" durante o show do Garage Fuzz - com guerra de
terra que sobrou até para o Farofa, e a boa aceitação do Raimundos.
Lembro do monte de carros estacionados, gente pra todos os lados,
inclusive tenho certeza que muita gente que foi ao festival, não viu
nenhum show. Uma doidêra.
Você vai poder reparar nos vídeos postados aqui o visual grunge do
pessoal, e a mistura pacífica entre cabeludos, punks, alternativos - outra
característica dos anos 1990.4

O exemplo do Juntatribo nos ajuda a refletir a partir das idéias de Santos acerca
do território e da compreensão do Mundo como “um conjunto de oportunidades, cuja
efetivação depende das oportunidades oferecidas pelos lugares” (SANTOS, 1997, p.337),
uma vez que o festival, se considerado um marco para as cenas que surgiríam
posteriormente a partir das ações dos sujeitos envolvidos, acaba por ilustrar que “o
exercício desta ou daquela ação, passa a depender da existência, neste ou naquele lugar,

^ O Lado B foi um programa televisivo da emissora paulista MTV dedicado ao rock alternativo e
.nderground. exibido entre 1991 e 2000e apresentado por Fabio Massari, Kid Vinil e Luiz Thunderbird.
Por sua \ez a 89 FM, A Rádio Rock, é uma emissora de rádio paulista que nos anos 90 ganhou grande
destaque no seguimento naquele estado, assim como a Fluminense “A Maldita” se tornou referência no
Rio de Janeiro.
' Ver em: http://setedoses.bloespot.com.br/2010/08/serie-anos-90-sp-5-festival-iuntatribo.html,
acessado em 15 de março de 2017.

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das condições locais que garantam eficácia aos respectivos processos" (SANTOS, 1997,
p.337). As interações entre os envolvidos (bandas, público, jornalistas, fanzineiros, etc)
não apenas ampliaram possibilidades para as cenas que viriam a se formar, mas também
enfatizaram a importância do espaço coletivo, partilhado e de circulação de conteúdo. E
importante lembrar que o início dos anos 90 é marcado pelo rock mainstream5 e pelos
grandes festivais como Rock In Rio e Hollywood Rock, sempre reunindo milhares de
pessoas em grandes espaços e oferecendo exclusivamente artistas consagrados pela
grande mídia. A reunião de produtores que não possuíam qualquer vínculo com grandes
gravadoras em um mesmo território, colabora então para a constituição, no Brasil, do que
\ iria a se transformar nas primeiras subculturas juvenis atreladas ao underground,
definido como:

[...] um conjunto de princípios de confecção de produto que requer um


repertório mais delimitado para o consumo. Os produtos ‘subterrâneos’
possuem uma organização de produção e circulação particulares e se
firmam, quase invariavelmente, a partir da negação de seu ‘outro’ (o
mainstream). Trata-se de um posicionamento valorativo oposicional no
qual o positivo corresponde a uma partilha segmentada, que se contrapõe
ao amplo consumo. (JANOTTI JÚNIOR e CARDOSO FILHO, 2006, p.8-
9)

Analisar o surgimento do hcirdcore no underground brasileiro a partir da


reterritorialização dos espaços urbanos é fundamental para que avancemos e tracemos as
primeiras perspectivas possíveis dos processos de significação e ressignificação que
iremos investigar em um estudo etnográfico do show enquanto território. Se por um lado,
sabemos que existem características estéticas e formas próprias de sociabilidade e trocas
nesses espaços, que são globalizadas, por outro, seus significados não se dissociam
completamente das práticas locais e das peculiaridades e contextos próprios que criam as
condições necessárias para que uma subcultura se estabeleça em determinado lugar. Ao
falar de objetos e ações no espaço geográfico que compõem o território, podemos
considerar que ambos possuem um conjunto de sistemas cuja definição é variável de
acordo com o momento histórico (SANTOS, 1997, p. 332). No Brasil, seja pela maior
possibilidade de reunião pública, pela diminuição da censura e dos aparatos de repressão.

' Estratégia de grande distribuição e amplo consumo, para o grande mercado, em contraposição ao
underground. por sua vez segmentado, independente e resistente às grandes gravadoras e ao mercado
fonográfico então hegemônico.

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a abertura do regime militar e o processo de redemocratização demarcam bem o
surgimento dos primeiros festivais undergrounds.

Pouco mais de uma década antes do Juntatribo , em 1982, ocorreu no Sesc


Pompéia em São Paulo, "O Começo do Fim do Mundo", considerado o primeiro grande
festival punk do país. O evento, que ocorreu nos dias 27 e 28 de novembro daquele ano e
contava com os próprios punks na organização, teve além da apresentação de 20 bandas,
distribuição de fanzines, venda de discos e vestuário próprio. Se no primeiro dia não
houve relatos de problemas, no segundo dia a repressão se fez presente e de maneira muito
violenta, pois a polícia invadiu o evento, apreendendo e queimando documentos,
panfletos que criticavam à ditadura e reprimindo pessoas, com a desculpa da
superlotação6. É importante ressaltar que a década que separa “O Começo do Fim do
Mundo" do Juntatribo coincide justamente com o período de redemocratização do país,
o que acaba por enfatizar a importância que os plenos direitos de reunião e expressão
teriam para o surgimento e a consolidação de uma cena punk/hardcore no Brasil. A
reunião de produtores e consumidores em torno de uma mesma finalidade que se realiza
apenas presencialmente, a partir das trocas simbólicas provenientes do encontro entre
sujeitos atuantes em um mesmo espaço, não apenas semeou a possibilidade do surgimento
de uma cena hardcore, mas tornou-se o cerne de sua existência prática.

Ao analisarmos a territorialidade como elemento fundamental na dinâmica dos


processos sociais e, mais especificamente, na constituição de uma identidade que é
partilhada por uma coletividade, é crucial definir o que entendemos ou não como
território. No caso do hardcore não há apenas um “território hardcore”, mas territórios,
lugares que são resignifícados e atravessados por costumes, valores, práticas, discursos e
afetos próprios de uma coletividade que, a partir do encontro, busca-se a realização, o
"pôr em prática”. E no show que a banda se apresenta, mostra suas composições
previamente ensaiadas e tem a oportunidade de perceber a reação do público, bem como
ouvir as críticas e elogios ao seu desempenho. Da mesma maneira, é no show que o
fotógrafo irá fotografar e o fanzineiro irá distribuir seu trabalho, eventualmente
entrevistando bandas para a próxima edição. É também no show que o público terá a
oportunidade de ver ou rever uma banda que admira. Todos esses sujeitos, na busca pela

‘ Ricardo Alexandre: Dias de Luta - O Rock e o Brasil Dos Anos 80. Ia edição, DBA/Dórea Books and
An. São Paulo 2002. pág.61 seg. (ISBN 978-857234-253-7)

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com construção/consolidaçâo de uma identidade coletiva e um sentimento de
pertencimento, compõem e transformam determinada espacialidade para que os lugares
atendam seus anseios e as condições necessárias para sua reunião. Segundo Rogério
Haesbaert e Ester Limonad:

No sentido de poder contribuir para a compreensão de significado do


território, devemos analisar as formas com que hoje ele é apropriado, em
um contraponto com as práticas sociais anteriores. Ora, o conjunto de
práticas sociais e os meios utilizados por distintos grupos sociais para se
apropriar ou manter certo domínio (afetivo, cultural, político, econômico,
etc...) sobre/através de uma determinada parcela do espaço geográfico
manifesta-se de diversas formas, desde a territorialidade mais flexível até
os territorialisrnos mais fechados. (HASBAERT e LIMONAD, 2007,
p.44-45)

Ainda de acordo com Haesbart e Limonad (Id., ibid.), “a territorialidade pode ser
entendida como a estratégia geográfica para controlar/atingir a dinâmica de pessoas,
fenômenos e relações através da manutenção do domínio de uma determinada área”.

E nesse sentido que se tom a fundamental pensar o território não apenas como o
espaço físico destinado a abrigar o encontro desses sujeitos, mas sim como todo o
conjunto de produção de sentidos, significados, relações e diversas outras complexidades
que o compõe para além de suas materialidades. Aqueles que ali circulam cantam,
dançam, conversam, produzem ou consomem cultura, podem ser também mediadores ou
espectadores. Se vestir a camisa de uma banda, transitar segurando um skate, ter cabelos
coloridos ou tatuagens são formas de expressão mais comuns que produzem inúmeros
significados, o uso da língua e suas gírias, as relações de poder, de afeto, as atribuições
de \alo r também produzirão sentido na maneira como se organiza o território, no caso, o
show de hardcore.

Há um modus operandi próprio do underground nesse processo de


reterritorializaçào dos espaços, não especificamente do punk ou do hardcore. mas que
parece se repetir em outros subgêneros do rock. como o metal e o indie. ainda que se
adeque às peculiaridades de cada um. Tal "modus operandi” pode ser percebido pela
reunião de pessoas com tais interesses em comum nos mais diversos lugares, escolhidos
propositalmente ou gradualmente percebidos como lugares de reunião, a partir de
encontros de uma juventude que busca a troca de informações, experiências e produtos
culturais. Uma vez que raros eram os espaços disponibilizados pela mídia mainstream
para as bandas independentes e diante da escassez de tais informações e produtos, essas

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coletividades acabavam por produzir seus próprios fanzines (que contrapunham as
populares revistas das bancas de jornais, dedicadas a artistas já consagrados no rádio e na
televisão), suas fítas-demo (gravações de bandas independentes feitas com baixo custo),
camisas, entre outros. Diante da necessidade de fazer esse material circular, bandas e
produtores independentes, bem como seu público, acabam por se tomar parte
fundamental desse processo de reterritorialização dos espaços. Ao pesquisar o surgimento
da cena Heavy Metal entre a juventude de Pernambuco, Wilfred Gadelha destaca como
esse processo se deu, por exemplo, nas escolas:

Apesar de a grande maioria de escolas de elite terem ligações com ordens


religiosas, foi entre pais-nossos e ave-marias que muitos dos músicos e
outros atores da cena metal e hardcore pernambucana deram seus
primeiros passos no som pesado. [...] Mas, entre os colégios particulares
de classe média do Recife, o Contato, na Rua Dom Bosco, também na Boa
Vista, foi o que talvez mais agrupou gente do metal e do HC. [...] Um
outro aspecto interessante no que se relaciona ao Contato, que chegou a
ter unidades em Boa Viagem e em Caruaru, era a abertura para a produção
de arte dentro da escola. Eventos artísticos produzidos pela direção do
colégio eram responsáveis pela montagem de bandas que se apresentavam
para a comunidade escolar. Muitos desses alunos transpuseram o muro de
pedra da Rua Dom Bosco e criaram suas bandas do lado de fora.
(GADELHA, 2013, p.64-65)

Ainda antes da popularização do acesso à internet, cenas de diferentes cidades já


se conectavam por cartas, trocando fanzines, postavam fítas-demo, camisetas e outros
materiais pelo correio, e compartilhavam informações sobre um circuito hardcore
nacional. Além disso, pequenos selos já prensavam cd's de bandas que se destacavam e
trocavam material com selos de outros estados, o que já demonstrava a existência de redes
e da conexão entre elas. Essas conexões favoreciam também um intenso intercâmbio de
bandas e, na medida em que lugar e público se identificavam, pequenos espaços que
abrigavam os shows começavam a aparecer. A reunião de sujeitos interessados e/ou que
se identificam como pertencentes à tal subcultura acontecia muitas vezes em lojas de
discos, estúdios de gravação, bares, praças ou pistas de skate. Na medida em que cresce
a circulação de informações, música e cultura hardcore entre determinado público do rock
underground, surgem espaços a este dedicados e os shows se tornam cada vez mais
frequentes. Em São Paulo, surge o Hangar 110, em 1998, que viria posteriormente a se
tomar um dos principais palcos, se não o principal, da ascensão do hardcore no Brasil.

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Segundo descrição7 em seu site na internet, o Hangar 110 surge "apostando na força do
hardeore e punk nacional" e “valoriza os grupos de outros estados do Brasil”, destacando
que “é enorme a quantidade com que surgem ótimas bandas nos quatro cantos do país, o
que toma frequente a presença de muitas delas na casa. Isso só prova que as bandas
estrangeiras são legais, mas aqui dentro do Brasil também tem muitas coisas boas que
precisam ser valorizadas”.

Embora o Hangar 110 tenha se tornado referência, muitos outros lugares


marcaram a consolidação de um circuito. No Rio de Janeiro, Beco da Bohemia,
Kachanga, Casarão Amarelo, Sobradão do Rock, Casa da Zorra; em Niterói, Estúdio Bar
e Convés; em Santos, Bar do 3; o Camburi Vídeo, em Vitória; a Matriz, em Belo
Horizonte, entre outros. Ainda que as conexões metropolitanas no Sudeste tenham
iniciado toda essa movimentação, havia também cenas emergentes nos estados do Sul e
em alguns estados do Nordeste. Muito embora fossem espaços simples, geralmente com
lotação limitada, aos poucos um público fiel viria a se identificar e ali se estabelecer. Se
nos exemplos das grandes cidades citadas o conceito de “faça você mesmo” ganhava cada
vez mais força, no interior produtores culturais já estavam de olho nessa cena que se
mostrava emergente. Em Volta Redonda, interior do Rio de Janeiro, um projeto
idealizado pelo produtor cultural Alexandre Braz e realizado com grande apoio da então
gestão municipal colocou a cidade como referência na oferta de estrutura para realização
de eventos com apoio do Estado. Nesse sentido, questões como hospedagem,
alimentação, deslocamento eram garantidas pela administração da cidade. O evento,
realizado no Memorial Getúlio Vargas, no centro da cidade, era gratuito e com estrutura
de iluminação, palco e camarins profissional.

Com o surgimento de uma "cena underground" no Brasil, diversos espaços foram


sendo gradualmente reterritorializados. Em São Paulo, a Galeria do Rock8 talvez seja o
exemplo mais comumente lembrado, uma vez que a concentração de lojas de música,
skate e vestuário era propícia à reunião de sujeitos com interesses em comum. No entanto,
muita da circulação desse material também se dava nos shows. Bandas e selos
independentes, que também eram muitas vezes os organizadores dos eventos, montavam

Ver em: http://www.hanearll0.com.br/novo/hangar/2010/historia.php, acessado em 16 de março de


2017.
* Galeria que abriga grande quantidade de lojas dedicadas ao Rock.

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pequenas bancas onde distribuíam seus produtos dentro dos espaços destinados aos
proprios shows. As 4>banquinhas’\ mais do que um espaço de comércio desses produtos,
proporcionam então uma forte interação entre bandas e público, pois mais do que
simplesmente adquirir um cd ou uma camiseta, a experiência de estar em contato direto
com os sujeitos que logo estariam no palco ou que dele acabaram de sair se revela como
um processo de interação social que irá desencadear em relações de afeto e proximidade.
Dessa maneira, quando uma banda visitava outro estado, era comum que levasse não
somente informações da cena local da qual fazia parte, mas também materiais de bandas
amigas, que assim circulariam em novos lugares, chegando a novas pessoas por meio de
mediadores e intermediários. A partir do sucesso dessas redes e conexões, bandas
rodaram o Brasil, e o show de hardcore se mostrou o grande lugar de reunião e realização
dos sujeitos que movimentam esse circuito.

E nesse processo que o show do hardcore, enquanto território de trocas, afetos e


identificação, irá se mostrar como espaço fundamental para a constituição de uma cena
hardcore propriamente brasileira. Muito além de sua estrutura física, tal território
constitui e é constituído por toda uma configuração de sujeitos ali presentes e o papel que
a cada um deles lhe é atribuído. Público, fotógrafos, selos, bandas que ali estão para se
apresentar bem como membros de outras bandas que ali estão para organizar, fanzineiros
e outros não apenas ocupam o espaço, mas o constituem e o realizam.

Um caso muito curioso e também muito lembrado no Rio de Janeiro diz respeito
ao Motherfucker Ice Cream9. Negro, de grandes cabelos e bigodes grisalhos, sob tal
pseudônimo, um vendedor ambulante de sorvetes era personagem frequente dos shows
de hardcore na capital. Querido por muitos e com uma predileção por trabalhar vendendo
seus sorvetes em um pequeno isopor em frente aos espaços que abrigavam shows de rock,
Mothefucker Ice Cream é frequentemente lembrado por saudosos frequentadores do
Casarão Amarelo, em Copacabana, e do Kachanga, em Botafogo. Numa refinada busca
no Google, é possível localizar alguns fotologs10 ainda ativos com fotos e relatos sempre
muito afetuosos sobre esse vendedor. Se tornou uma marca dos shows de rock
undergound no Rio de Janeiro e seu pseudônimo é sempre lembrado com carinho. Neste

' http: conjecturasrefutadas.blogspot.com.br/2004/07/motherfucker-ice-cream-e-tocha-olmpica.html


Fotolog foi uma rede social com dinâmica de fotografias e comentários,
htrp: uww.fotolog.com/deD/45885142/; http://www.fotolog.com/agorhy/23423711/;
http: uww.fotolog.com/renato_ramone/7846976/

20
caso. se considerarmos que o show de hardcore enquanto território possa se mostrar bem
exciudente no que diz respeito a frequentadores de outras tribos, é interessante pensar que
os afetos que ali surgem resultam num espaço compartilhado que pode acolher e abrigar
atores sociais de realidades consideravelmente distintas. Negro e pobr z^Motherfucker Ice
~Crearnjo vendedor de sorvetes que dali tirava seu ganha pão, ficou no coração de muitos
jovens da Zona Sul do Rio de Janeiro que frequentavam shows onde predominava um
público branco e de classe média.

[...] Existe, assim, uma imensa gama de territórios sobre a superfície do


globo terrestre e a cada qual corresponde uma igualmente vasta
diversidade de territorialidades, com dimensões e conteúdos específicos.
As conotações que a territorialidade adquire são distintas dependendo da
escala, se enfocada ao nível local, cotidiano, ao nível regional ou ao nível
nacional e supranacional. Igualmente, existem diversas concepções de
território de acordo com sua maior ou menor permeabilidade: temos, desta
forma, desde territórios mais simples exclusivos / excludentes, até
territórios totalmente híbridos, que admitem a existência concomitante de
várias territorialidades. Embora em vários períodos da história apareçam
territorialidades múltiplas (vide os múltiplos domínios territoriais
medievais), elas são uma marca indiscutível do mundo globalizado.
(HASBAERT e LIMONAD, 2007, p.44-45)

Nesse sentido, é interessante destacar que os sujeitos circulantes e atores sociais


que também compõem tal território estão presentes além do espaço físico que à priori o
delimitaria: o show de hardcore não existe apenas ‘'da bilheteria para dentro”. Os rituais
de encontro, seus atores e os processos de socialização se dão ainda do lado de fora, seja
no bar ao lado, na fila para aquisição de ingressos e nas mais diversas formas de interação
que podem existir em função do evento. Partindo do pressuposto de que o show é
constituído por uma gama de subjetividades que atravessam paredes, bilheterias e
camarins, ou seja, aquilo que se entende como espaço físico, material e/ou concreto; de
restrição de acesso, inclusão ou exclusão de sujeitos: iremos avançar na investigação do
território na formação de uma identidade hardcore coletiva, ou ainda de várias identidades
possíveis que se reúnem em função de um interesse comum.

21
Capítulo II - Território e Identidade: o eu e o outro no show de hardcore

Ao propor uma reflexão sobre o papel do território na construção do que seria uma
“identidade hardcore" nos cabe pensar sobre os ritos de reunião e o encontro de sujeitos
que compõem tal coletividade. Mais do que a reunião em tomo de interesses comuns
ligados à produção cultural, há relações de pertencimento, identificação e diferenciação
que irão atravessar e impactar a experiência dos sujeitos nos lugares. Camisetas de bandas
e outros itens de vestuário, tatuagens, piercings e alargadores são alguns dos itens e
adereços estéticos que concomitantemente farão o papel de signos demarcadores de um
processo de identificação e pertencimento. No entanto, nem sempre signos que atuam
nesses processos estão restritos ao campo do visual: gírias, regras de comportamento,
discursos e práticas inerentes aos territórios de sociabilidade também estão em disputa na
tentativa de definir o que “é ou não hardcore”. Sendo assim, é interessante registrar, antes
de aprofundarmos nossas reflexões, que o “ser hardcore” carrega consigo uma
peculiaridade que o distingue do “ser punk”, no que diz respeito à forma de expressão dos
sujeitos ao se identificarem com a subcultura a qual pertencem. Se o punk se
autodenomina de punk ao afirmar que “é punk". os sujeitos que circulam e constituem
uma cena hardcore dificilmente usarão o termo que nomeia sua subcultura da mesma
forma. Como hardcore pode ter outros significados em outros contextos não-musicais ou
que não dizem respeito a subcultura que tratamos aqui, é bem incomum que os sujeitos
utilizem “sou hardcore” como um punk utilizaria “sou punk". Talvez existam outros
fatores além da multissignificância da palavra (e aí caberia um estudo semiológico mais
aprofundado, que não é objetivo deste trabalho), mas é muito comum ouvir “sou do
hardcore" ou “curto hardcore”, entre outras maneiras de dizer que apontem diretamente
para a subcultura e o gênero musical sem necessariamente transferir parte da terminologia
para o sujeito. Não será por conta dessa peculiaridade que os processos de identificação
e pertencimento estarão de alguma maneira comprometidos, afinal, outras subculturas
também não fazem tal relação terminológica: o sujeito “do heavy metal" não “é heavy
metal", mas “headbanger”, por exemplo. No entanto, se pretendemos investigar como
esses sujeitos se encontram e se identificam, torna-se relevante entender como se dão tais
declarações de pertencimento, autodenominações e demais maneiras de afirmar-se como
alguém que se sente pertencente a uma determinada subcultura.

22
Na busca por uma maior compreensão dessas formas de definição, iremos recorrer
aos estudos de Tomás Tadeu da Silva sobre a concepção da identidade a partir da
diferença (e a relação de oposição e dependência entre ambos) para analisarmos
primeiramente os recursos linguísticos que irão introduzir nossa reflexão sobre o processo
de identificação na cena hardcore:

Em uma primeira aproximação, parece ser fácil definir "identidade". A identidade


é simplesmente aquilo que se é: "sou brasileiro", "sou negro", "sou
heterossexual", "sou jovem", "sou homem". A identidade assim concebida parece
ser uma positividade ("aquilo que sou"), uma característica independente, um
"fato" autônomo. Nessa perspectiva, a identidade só tem como referência a si
própria: ela é autocontida e auto-suficiente.
Na mesma linha de raciocínio, também a diferença é concebida como uma
entidade independente. Apenas, neste caso, em oposição à identidade, a diferença
é aquilo que o outro é: "ela é italiana", "ela é branca", "ela é homossexual", "ela
é velha", "ela é mulher". Da mesma forma que a identidade, a diferença é, nesta
perspectiva, concebida como autoreferenciada, como algo que remete a si
própria. A diferença, tal como a identidade, simplesmente existe. E fácil
compreender, entretanto, que identidade e diferença estão em uma relação de
estreita dependência. A forma afirmativa como expressamos a identidade tende a
esconder essa relação. Quando digo "sou brasileiro" parece que estou fazendo
referência a uma identidade que se esgota em si mesma. "Sou brasileiro" - ponto.
Entretanto, eu só preciso fazer essa afirmação porque existem outros seres
humanos que não são brasileiros. [...] (TADEU DA SILVA, 2000, p.73)

Nesse sentido é que definir-se como “do hardcore” será não apenas uma afirmação
de pertencimento a determinada coletividade ou grupo, mas também um marco de
distinção em relação aos demais, uma vez que o sujeito “não é punk “não é headbanger”
ou “não é do heavy metal”. Enfatizando que a linguagem age no campo das
diferenciações, Tadeu recorre a Ferdinand de Saussure ao lembrar que "a linguagem é,
fundamentalmente, um sistema de diferenças” e que “os elementos - os signos - que
constituem uma língua não têm qualquer valor absoluto, não fazem sentido se
considerados isoladamente” (TADEU DA SILVA. 2000, p.74). Desse modo, podemos
dizer que mais do que um termo a ser usado, há todo um contexto no qual uma
autodenominação como forma de demonstrar pertencimento se fará ou não necessária. E
providencial considerar que a linguagem nem sempre irá satisfazer certas definições e
que para os próprios sujeitos nem sempre definições objetivas “daquilo que se é” serão
tão fundamentais para que se sintam pertencentes ou não a determinados grupos. Se
tomarmos como exemplo o Samba, podemos pontuar fenômeno similar: “eu sou do
samba" não terá, em muitas ocasiões, o mesmo significado de “eu sou sambista”, uma
vez que nessa última afirmação o termo sambista pode fazer referência a alguém que é
compositor de samba, que possui atuação mais específica nos espaços e nas relações entre

23
sujeitos daquela cultura. Não há um termo específico que identifique o sujeito fiel às rodas
de samba que frequenta e vivência. Já no caso do Funk, por outro lado. o termo funkeiro
pode denominar sem problemas tanto quem compõe músicas de funk como quem apenas
gosta de funk, frequenta bailes funk ou de alguma maneira pertence ao universo do funk.

Na presente reflexão sobre esse processo linguístico de nomeação já é possível


encontrar os primeiros sinais da presença do território na construção de uma identidade
hardcore. Uma vez que é bem comum que utilizemos expressões como "eu sou do/da"
para referir-se a lugares (eu sou do Rio, eu sou da Bahia...), ao empregá-las no sentido de
definir uma identidade cultural se faz presente toda uma subjetividade que remete ao
território: "eu sou do samba/o samba é meu lugar" x “eu sou do hardcore (não do samba,
nem do funk ou do heavy metal), o hardcore é meu lugar”. Ao pontuar que “a linguagem
vacila”, Tomas Tadeu da Silva recorre a Jacques Derrida a fim de explicar como o signo
não carregará plenamente consigo o referente, seja este último coisa ou conceito:

[...]Mas a natureza da linguagem é tal que não podemos deixar de ter a ilusão de
ver o signo como uma presença, isto é, de ver no signo a presença do referente (a
"coisa") ou do conceito. E a isso que Derrida chama de "metafísica da presença".
Essa "ilusão" é necessária para que o signo funcione como tal: afinal, o signo está
no lugar de alguma outra coisa. Embora nunca plenamente realizada, a promessa
da presença é parte integrante da idéia de signo. Em outras palavras, podemos
dizer, com Derrida, que a plena presença (da "coisa", do conceito) no signo é
indefinidamente adiada. É também a impossibilidade dessa presença que obriga
o signo a depender de um processo de diferenciação, de diferença, como vimos
anteriormente. Derrida acrescenta a isso, entretanto, a idéia de traço: o signo
carrega sempre não apenas o traço daquilo que ele substitui, mas também o traço
daquilo que ele não é, ou seja, precisamente da diferença. Isso significa que
nenhum signo pode ser simplesmente reduzido a si mesmo, ou seja. à identidade.
Se quisermos retomar o exemplo da identidade e da diferença cultural, a
declaração de identidade "sou brasileiro", ou seja. a identidade brasileira, carrega,
contém em si mesma, o traço do outro, da diferença - "não sou italiano", "não sou
chinês" etc. A mesmidade (ou a identidade) porta sempre o traço da outridade (ou
da diferença). (Id. Ibid. p.74)

Nessa investigação sobre os processos linguísticos que irão nortear a ausência de


um termo específico a ser utilizado como nomenclatura para referir-se aos sujeitos “do
hardcore”, surgem vestígios do papel do território na construção de um ethos coletivo.
Embora exista um território hardcore, o hardcore não é um território por si só. “Sou do
hardcore" não responde bem a pergunta “de onde você é?”, mas satisfaz bem as questões
"qual é o seu rolê?” ou “qual a sua tribo?”, sem necessariamente deixar de fazer referência
à ideia de um lugar possível. Lugar este que pode ser um espaço de identificação,

24
reconhecimento, aprazimento, entre outras variáveis que irão constituir um processo de
construção identitária.

É a partir da concepção dos Estudos Culturais de que identidade e diferença


resultam de processos linguísticos, simbólicos e discursivos que iremos investigar o papel
do território na afirmação de uma identidade hardcore. Cabe lembrar que o hardcore,
enquanto subgênero do punk, resulta de sucessivos processos de diferenciação: o punk
surge como contraponto ao rock progressivo; o hardcore surge como uma vertente mais
veloz e agressiva do punk; o straight edge11surge como corrente que nega o uso de drogas
dentro do território punk e hardcore; o emocore12 se diferencia por fazer um hardcore com
letras mais emocionais, entre outras vertentes, sub-gêneros e variações possíveis dentro
do próprio hardcore. Ou seja, ao afirmar-se como alguém “do hardcore” o sujeito se
diferencia de outras tribos urbanas, ele não é “do samba” e nem é “do heavy metal”, mas
dentro do seu próprio território haverá outras classificações possíveis que farão uma
distinção interna dos sujeitos inseridos naquele grupo social. Na medida que esses sujeitos
V
se reúnem por interesses, gostos e afetos comuns, estão em jogo mecanismos linguísticos lv> >
e discursivos que irão atuar nos processos de identificação e diferenciação: vestuário,
tatuagens, se o sujeito já é alguém (klas antigas”, old school'3, ou se é(novâto. se é público,
j se é banda, ^ é ^ p ro d u to r. fotógrafo e outras atribuições de valor que irão demarcar
distintos papéis na cena. não apenas a maneira como os sujeitos se relacionam com o
território, mas também como se dão as relações de poder nesse espaço. Sendo assim, é
possível pensar que não há propriamente uma identidade hardcore fixa. centralizada,
imutável, mas uma multiplicidade de identidades possíveis, ainda que norteadas por um
senso de coletividade comum. Esses sujeitos desempenham um ou mais papéis de acordo
com o contexto: alguém pode ser produtor (de eventos), organizando os shows em sua
própria cidade, como pode viajar com sua banda para tocar num evento em outra cidade.
(ff
v-

11 Corrente do PunkHardcore que surge em meados dos anos 80 criticando a ideia de que o punk teria um
comportamento autodestrutivo e defendendo a abstinência em relação ao uso de drogas legais ou ilegais.
Adeptos do Straight Edge não vêem sentido em fazer uso de drogas ou ingerir bebidas alcóolicas para se
divertir. Aos longo do tempo novas pautas ganharam força no estilo de vida Straight Edge, como
0 <
vegetarianismo e direito dos animais.
12 Sub-gênero do Hardcore que surge em Washington DC nos anos 80, privilegiando um som mais
melódico, com letras que abrangem conflitos individuais e questões emocionais. O termo vem de Emotiona!
Hardcore ou Hardcore Emocional.
Termo utilizado para fazer referência à tradição ou ao tradicional. A "velha escola” do hardcore.

25
Temas Tadeu. ao pensar essas relações de poder, chama atenção para a presença do poder
de definir que acompanha esse processo de diferenciação:

Podemos dizer que onde existe diferenciação - ou seja. identidade e diferença - aí


está presente o poder. A diferenciação é o processo central pelo qual a identidade
e a diferença são produzidas. Há. entretanto, uma série de outros processos que
traduzem essa diferenciação ou que com ela guardam uma estreita relação. São
outras tantas marcas da presença do poder: incluir/excluir ("estes pertencem,
aqueles não"); demarcar fionteiras ("nós" e "eles"); classificar ("bons e maus";
"puros e impuros"; "desenvolvidos e primitivos”; “racionais e irracionais"):
normalizar (“nós somos normais; eles são anormais"). (Id., ibid., p75)

E de acordo com essa capacidade de classificar, demarcar e até mesmo


hierarquizar que o processo de diferenciação carrega consigo o poder de inclusão e
exclusão. “Nós” e “eles” são termos que podem ser utilizados para diferenciar tanto quem
está incluído na subcultura de quem não está (nós “do hardcore”, eles do “heavy metal”),
como para promover classificações internas dentro do próprio território do show: banda
e público, mais jovens e mais velhos, produtores e não-produtores, mais envolvidos com
"a cena” e menos envolvidos com “a cena”.

Um ator coletivo não pode construir sua identidade independentemente de seu


reconhecimento (o qual pode também significar negação ou oposição) por outros
atores sociais e políticos. A identidade se constrói, em grande parte, através do
problema interligado de auto-conhecimento e reconhecimento (ou não
reconhecimento) pelos outros [...]. Como Melucci expressa, “o paradoxo da
identidade sempre consiste no fato de que a diferença, para ser afirmada e vivida
como tal, pressupõe certa igualdade e certo grau de reciprocidade" [...]. (MAIA,
Rousiley. 2000, p.10)

Ainda que as interações e demais processos de sociabilidade presentes nos espaços


e coletividades como as do hardcore privilegiem ritos de comunhão, de pertencimento e
congregação, estão em jogo também discursos, narrativas, práticas e protagonismos que
serão disputados, com mais ou menos tensão, na construção constante do que seria uma
"identidade hardcore”. Mais do que colaborar para uma autodefmição de pertencimento
à uma subcultura, quais os papéis do território nesse processo identitário? Se a ideia de
identidade que investigamos está em constante construção, se os territórios pelos quais
circulam esses sujeitos influem e interferem nessa construção, como se dá a produção de
sentido nesses espaços, materiais e imateriais, objetivos e subjetivos? Avançando numa
investigação multidisciplinar para além dos Estudos Culturais, buscar contribuições da
Antropologia, da Geografia e da Sociologia se faz também necessário.

26
Numa perspectiva Geográfica, pensando a espacialidade como condição
necessária para o entrecruzamento dos sujeitos que constituem uma determinada
subcultura. o show de hardcore (pensado aqui como rito de encontro) está para além da
expectativa comum acerca da performance de um artista ou banda. Nesse espaço,
desenvolvem-se afetos, habilidades, narrativas, contradições, tensões e uma pluralidade
de interações que atravessam os sujeitos que ali circulam. Um fotógrafo que aprendeu a
fotografar em shows ou um produtor cultural que começou organizando pequenos eventos
com as bandas dos amigos terão suas trajetórias profissionais diretamente afetadas pelo
território que contribuiu para o desenvolvimento de tal habilidade. E importante lembrar
que o punk e o hardcore por muito tempo foram vistos como microrebeldias juvenis, como
cenas adolescentes transitórias entre a juventude e aquilo que costuma-se chamar de “vida
adulta”. De fato, há uma intensa transitoriedade nesses espaços: novos sujeitos que
chegam, antigos sujeitos que vão, novas bandas que surgem, bandas que acabam e
também jovens que “crescem”. Ainda assim, me parece reducionista uma abordagem que
não contemple com a devida amplitude a potencialidade do hardcore como modo ou estilo
de vida, uma vez que não é incomum que valores, formas de expressão e habilidades
desenvolvidas nesses espaços atravessem camadas limítrofes dos outros territórios
habitados pelos sujeitos como espaços familiares e profissionais: a tatuagem que ficará
visível no trabalho ou o vegetarianismo que será assunto do almoço de família.

Para que as novas interpretações e pontos de vistas se deem a conhecer e provem


a sua relevância, os indivíduos devem invocar e conferir um significado público
para as suas próprias interpretações de quem eles são ou gostariam de ser; quais
são suas necessidades e seus desejos; qual a definição de bem viver faz sentido
para eles, etc. Assim sendo, o ‘sentido’ precisa sempre ser reconstruído dentro da
intersubjetividade, através do entendimento a ser alcançado e reconhecido pelos
indivíduos. (MAIA, 2000, p. 10)

Na medida que se criam laços mais fortes de amizade e que valores (estéticos ou
ideológicos) são abraçados coletivamente como forma de expressão e afirmação, o
hardcore acaba por se tomar um território habitado para além de “apenas uma fase da
vida”, desconstruindo a ideia reducionista de uma rebeldia juvenil adolescente. Do ponto
de vista do jovem recém-chegado nesses espaços, esse sujeito “adulto” que já incorporou
o hardcore ao seu modo de vida, que invariavelmente tem territórios e espacialidades
análogas afetadas por tal modo, está ilustrado por exemplo na figura do old school, do
"cara das antigas”.

27
As identidades e comunidades juvenis criam um caldo de cultura efervescente,
com contrastes multidirecionais. E no espaço urbano que a vida juvenil ganha
contornos de incerteza, mas também aponta inúmeros caminhos em direção ao
protagonismo e afirmação dos sujeitos políticos. E o futuro que se faz no presente,
um futuro que se encontra “aberto”, da qual o espaço geográfico é a condição de
efetivação das novidades. [...]
Dentro desse fluxo contínuo e desestabilizador, o lugar emerge como um espaço
na qual os sentidos se aguçam, uma sede na qual as pessoas buscam refúgio,
contudo, diferentemente dos localismos exclusivistas, tal ancoragem identitária e
territorial pode ser construída em íntima relação com o global, através das novas
tecnologias da informação e comunicação. (CARDOSO e TURRA NETO, 2011,
p.7-8)

Nesse sentido, faço a defesa do território do show enquanto produtor de sentidos


e de tensionamentos; ali se constroem laços e afetos que irão provocar reflexões,
apresentar caminhos e novas formas de lidar com os outros, ainda que se tratem de seus
"iguais”. Tal postura é crítica à ideia de que o que está em jogo em um show é apenas
uma relação de consumo do produto cultural, da obra, da performance ao vivo. Embora
não se possa desassociar completamente o território das relações de consumo, as trocas e
as experiências demonstram sua potencialidade de atravessar o subjetivo dos sujeitos. No
documentário Instruments de 2003, Guy Picciotto, da banda Fugazi, reflete:

“N ós tocamos e tentamos confrontá-los. Não é chegar ali tocar e ir para casa. Não
me interessa estar ali tocando para corpos e cabeças, pois estes representam os
consumidores e eu não tenho nada a ver com isso. Eu quero estar ali com as
pessoas e quero que aquelas pessoas estejam ali comigo. Queremos algo em que
respeitemos uns aos outros, que nos tratemos melhor. Não algo tipo ‘aqui
estamos, viemos pegar seu dinheiro' e eles pensando 'eles estão lá em cima e nós
aqui em baixo’ (gesticula em relação ao palco) e no final, ‘ok, casa, foi um bom
sh ow ’. Não queremos isso, isso é lixo.”

Enquanto desenvolvo o presente trabalho, tem me parecido cada vez mais claro
que a potencialidade transformadora de sujeitos do hardcore está diretamente relacionada
a disputa discursiva do que é ser do hardcore. Nessa disputa, está presente de maneira
constante o embate entre “curtir o som” (discurso muito comum adotado por aqueles que
dizem estar ali exclusivamente por um gosto musical) e dar sentido aquilo que está sendo
cantado (muitas vezes letras políticas, reflexivas), de maneira que posicionar-se política
e ideologicamente de forma coerente com o que se diz gostar e do qual se diz fazer parte,
assim como pôr em prática essas idéias, torna-se também um critério de legitimação
daqueles sujeitos entre os seus. Na medida em que a sociedade como um todo tende a
problematizar representações, reivindicar direitos, desconstruir conceitos e questionar
formas de expressão, o território hardcore também é afetado por tais tensionamentos. Se
um estilo musical aborda com frequência temas como igualdade, feminismo.

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vegetarianismo, uso de drogas, uso do corpo, antifascismo, autonomia, entre outros, é de
se esperar que os sujeitos mais engajados em tais temas provoquem discussões e
questionam práticas numa perspectiva territorial. Um exemplo comum está relacionado
ao mosh14. E frequente que artistas questionem, de cima do palco, atitudes violentas e
abusos de parte do público em suas apresentações, tendo estes muitas vezes que lembrar
aos homens presentes que o fato de ter mulheres na “roda punk” ou fazendo stage diving15
não implica em nenhuma hipótese menos soberania sobre o próprio corpo, ou seja, não
estão ali para serem “tocadas” ou “apalpadas” de forma abusiva. Se há uma visão do
hardcore como forma de resistência e de contracultura, há também, dentro do próprio
território, a resistência da resistência: se considerarmos que o público é
predominantemente masculino, heterossexual, branco e de classe média, as minorias
(mulheres, negros, homossexuais, pobres...) eventualmente presentes disputarão também
território, visibilidade e a ideia do que está em jogo: o que é ser do hardcore, afinal? Há
uma identidade hardcore feminina em constante construção? Embora o hardcore e o punk
possuam suas especificidades e diferenças, embora as proporções variem, ambas as
subculturas convivem com uma boa dose de hegemonia masculina em seus territórios.
Muitas vezes, o protagonismo feminino, como no caso das bandas femininas, é visto
como pouco comum e/ou exótico e ocupam com frequência o lugar de “namoradas dos
rapazes do hardcore". Assim, acabam por muitas vezes ocupar o lugar da diferença
mesmo dentro de um território punk hardcore. Ao habitarem uma subcultura que brada
discursos igualitários, elas "não desejam ser a 'mulher objeto que dança a bundinha do
Tchan* e nem ter um papel passivo de ficar esperando em casa enquanto as coisas
acontecem lá fora" (GONÇALVES. 2005. p.206). Por outro lado. embora busquem ser
parte de uma coletividade hardcore e serem respeitadas como tal. muitas vezes "não se
rebelam totalmente contra as representações sociais esperadas para uma mulher, assumem
uma postura ambígua e ambivalente no grupo, reafirmando o seu lugar como o lugar da
diferença" (ld.. Ibid.). Numa investigação sobre uma identidade punk feminina Paula
Gonçalves afirma que:

O “espaço da diferença” gera significados diferentes sobre o papel da garota


p u n k , que acaba proclamando discursos e valores que flertam com o machismo
ao mesmo tempo em que desejam se libertar deles, estimulando uma competição

14 Forma de dança com movimentos bruscos num espaço circular delimitado, mais associada a estilos
mais pesados do rock, como Punk, Hardcore ou Heavy-Metal.
15 Termo utilizado para descrever o ato de pular de cima do palco em direção ao público, que se tornou
comum em shows de punk e hardcore.

29
entre elas muito mais do que um sentimento de igualdade. Com isto não
conseguem articular uma ação conjunta para modificar as práticas do grupo, ainda
muito centradas na masculinidade hegemônica e que lhes reserva um lugar
secundário no grupo e, geralmente, dependente dos rapazes. (GONÇALVES,
Paula V. P de A. 2005, p.205-206)

Embora existam diferenças na maneira como se dão os processos de significação


entre o punk e o hardcore, a questão do protagonismo feminino - ou a falta dele - é um
ponto de tensão existente em ambos. Não se quer afirmar aqui, no entanto, que as
mulheres não se apropriem do território para demarcar seu lugar, mas que o fazem de
maneira ambígua, pois acabam por dialogar com regras de um grupo predominantemente
masculino. A autora afirma ainda que:

[...jassumem uma posição ambígua no grupo, devem aceitar suas regras e ao


mesmo tempo tentar subvertê-las. Ao aceitarem o papel de namoradas e
realizarem atividades relacionadas ao cuidado encontraram uma maneira de
serem aceitas e de pertencerem ao grupo, adotando uma atitude prudente e
evitando as consequências de sua diferença. Adaptam a feminilidade aos seus
próprios objetivos, jogando as regras do jogo, aceitam os limites que lhes são
impostos, mas deixando claro sua resistência por meio do visual e da adoção do
discurso punk. Aparecendo ou não como namorada, a presença das garotas no
punk paulista trata-se, na verdade, de uma invasão das garotas punks no
Movimento dos rapazes punks. (GONÇALVES, Paula V. P de A. 2005, p.207)

Como pode um discurso teoricamente igualitário estar sobre bases


hegemonicamente masculinas? Qual a real distância entre a mera representação estética
e musical entre o ser do hardcore e o exercício pragmático daquilo que em tese é
defendido pelos sujeitos nesses espaços? Não pretendo aqui mensurá-la. ciente de que tal
julgamento envolvería uma complexidade maior e abordagem mais específica sobre o
tema. mas a discussão interna sobre um hardcore mais pragmático parece cada vez mais
alvo de uma tensão discursiva entre os sujeitos. E é uma análise que precisa ser
aprofundada e levada adiante. São questões que não podem mais ser escondidas embaixo
do tapete ou jogadas para o fundo do palco.

Em 2015. por exemplo, a banda Dead Fish. de Vitória/ES, conhecida por enfatizar
seu posicionamento político no palco para além das letras cantadas e uma das maiores
expoentes do estilo aqui no Brasil, foi alvo de polêmica quando um post em suas redes
sociais afirmou que “quem é de direita não deve colar em nossos shows’' 16 e que quem o
fizesse estaria “no lugar errado'’. O post foi interpretado tanto positivamente quanto

16 http://www.tenhomaisdiscosqueamigos.eom/2015/03/20/vocalista-do-dead-fish-se-pronuncia-sobre-
publicacao-da-banda-no-twitter/

30
negativamente, e a banda teve que dar explicações sobre o ocorrido. O episódio ilustra a
crescente tensão discursiva que emerge na disputa pelo território do show de hardcore
entre aqueles que “apenas curtem o som” e os defensores de uma postura mais crítica dos
sujeitos inseridos em tal subcultura. Esse exemplo não deve excluir outras tantas tensões
possíveis no processo de legitimação dos sujeitos que circulam no show de hardcore, mas
ilustra bem determinada potencialidade do território na construção da identidade desses
sujeitos, que sendo “de direita” ou de “esquerda”, estarão protagonizando um constante
processo de ressignificação do que é ser do hardcore.

A existência de um histórico hegemonicamente branco, masculino e heterossexual Jl


nos territórios do hardcore não irá impedir, no entanto, que se estabeleça uma espécie de
disputa contra-hegemônica nesses espaços. Um interessante exemplo contemporâneo de
como essa disputa tem sido levada a sério é o MOTIM, espaço inaugurado em agosto de
2016, na região central da cidade do Rio de Janeiro. Pensado e concebido por duas
mulheres envolvidas com a cena punk e hardcore - Letícia Lopes, da banda Trash No
Star e Amanda Hawk, da banda Ostra Brains - o lugar abriga shows, cineclubes,
exposições, rodas de conversa, oficinas e tantas outras atividades. Desde seu surgimento,
o espaço já realizou eventos como o “Hardcore das minas - roda de conversa voltada a
apresentar e incentivar minas do RJ a ocupar espaços underground, tocando e conhecendo
manas, que também possuem afinidade com o hardcore punk e a proposta DIY”, o "Baile
Femininia". que ocorre mensalmente voltado para o público feminino e LGBT, uma
"Roda de Conversa sobre Racismo e Machismo dentro do Hardcore e no Punk”,
workshops e aulas de instrumentos musicais voltadas para o público feminino, entre
outros. Sendo assim, na medida em que os sujeitos buscam ressignificar os espaços e
discutir as relações de poder estabelecidas por gênero, etnia e orientação sexual, há
claramente uma disputa sobre o que seria a "identidade hardcore” em jogo: visibilidade,
protagonismo, papéis exercidos "na cena", dentre outras questões possíveis. É
fundamental observar que. no exemnkTcitado. a iniriativjw je Hnnc m n lW ar i » - ^
constituição do espaço que hoje abrig^© MOTIM is tá também relacionada à importância
do território enquanto ambiente de reuniãesJd^ntificação e troca de afetos. Um espaço
pensado por duas mulheres de uma subcultura predominantemente masculina poderá não
somente ser mais includente para mulheres, mas também encorajá-las na ocupação de
outros espaços, a levarem a discussão a novos territórios e a ressignificar o papel da
mulher no hardcore.
Assim o território (tanto físico/geográfíco/material quanto
virtual/imaginário/subjetivo) se mostra como engrenagem fundamental para os processos
de identificação e distinção que irão atravessar a construção identitária de uma subcultura
hardcore. Nele, revelam-se não apenas os sujeitos que ali circulam, protagonistas ou
coadjuvantes, mas os significados e papéis atribuídos a eles, seus discursos, práticas,
contradições e tensionamentos. A transitoriedade de sujeitos, que nesses espaços poderão
experimentar o hardcore como uma microrebeldia juvenil ou que irão “adotá-lo” como
modo de vida, deve garantir um fluxo contínuo de produção, circulação e distribuição de
música e cultura. No entanto, a disputa pelo significado do que é ser “do HC” também se
encontra muitas vezes no tensionamento do quanto os territórios do hardcore podem ser
mais includentes/menos excludentes e do quanto tal subcultura pode se mostrar de fato
um modo de vida, uma prática transformadora de sujeitos e coletividades, mais do que
apenas um subgênero musical com canções que abordam, entre outros, temas políticos,
sociais e cotidianos.

32
Capítulo III - Novas tecnologias, novos territórios

Considerando o show de hardcore - como vimos até aqui - um território no qual


circulam diferentes sujeitos, suas subjetividades, discursos, práticas e valores,
avançaremos na investigação do seu papel na constituição de uma subcultura hardcore e
suas identidades possíveis. Na busca por uma compreensão do impacto das novas
tecnologias nesses territórios e suas consequentes transformações, analisar de que forma
a internet e suas ferramentas interferem em práticas, modificam ou perpetuam valores e
reconfíguram ou não o espaço se mostra reflexão fundamental para um entendimento
contemporâneo das relações sociais inerentes à tal coletividade. O que leva um sujeito a
sair de casa para um show de hardcore se há farto conteúdo online, shows completos e
em alta-definição no YouTube, lojas virtuais que comercializam o mesmo material
oferecido pelas bandas e grupos de Whatsapp e Facebook onde, independentemente de
estarem todos fisicamente próximos, é possível interagir com amigos e conhecidos? De
maneira simples, poderiamos responder a essa pergunta afirmando que: 1) sem o show, o
vídeo não iria para o YouTube; 2) as lojas virtuais teriam mais dificuldades em
compreender a expectativa dos seus consumidores (numa subcultura segmentada, a
reunião de sujeitos ainda é importante para que se possa identificar características
semelhantes no modo de vestir e novas tendências, por exemplo); 3) embora as
tecnologias avancem rapidamente, há subjetividades e afetos específicos dos ritos de
encontro que não podem ser ignorados ou tecnicamente reproduzidos. Embora a
sociedade esteja aos poucos se familiarizando com a possibilidade de executar certas ^
atividades de maneira remota, como alguns trabalhos^conferências e
por exemplo, no que diz respeito às manifestações culturais o território virtual ainda
funciona como uma espécie de extensão de outros territórios, ou mesmo como um novo
território com características próprias, que dará publicidade a registros de performances
e que alcançará distâncias antes inimagináveis.

As reflexões aqui desenvolvidas pretendem demonstrar que o surgimento de novas


concepções de territorialidade a partir do uso de novas tecnologias não implicaria
necessariamente um processo de desterritorialização de espaços já consolidados, mas sim
uma reconfiguração dos territórios, uma (re)territorialização. Para prosseguir nessa
investigação, é importante ressaltar que a territorialidade se constitui numa lógica de

33
pocer intrinsecamente ligada às relações sociais num contínuo processo de dominação
e ou apropriação (ainda que simbólica) do espaço, desencadeando uma “multiplicidade
de poderes, neles incorporados através dos múltiplos agentes/ sujeitos envolvidos'’
(HASBAERT. 2005, p.6775-6776). Assim, a concepção de território aqui trabalhada
teria tanto um caráter funcional como simbólico, uma vez que “exercemos domínio sobre
o espaço tanto para realizar "funções' quanto para produzir ‘significados’” (Id. Ibid.)

Nesse sentido, podemos dizer que há uma espécie de multiterritorialidade ou


múltiplos territórios que irão conectar em rede diferentes indivíduos, lugares e
coletividades, de maneira que os sujeitos que as constituem estão agora experimentando
uma nova forma de mobilidade na relação espaço-tempo: embora um grupo de Facebook
não venha a substituir a reunião de sujeitos e os ritos de encontro, por meio das postagens,
das histórias narradas e das experiências compartilhadas naquele território virtual, é
possível saber de acontecimentos em lugares onde não estivemos, narrados por pessoas
que talvez não conheçamos pessoalmente (mas a quem atribuímos ou não um certo grau
de legitimidade) e senso de comunidade. Em outras palavras, por meio de vídeos,
postagens, fóruns e outras ferramentas é possível tomar conhecimento, muitas vezes em
tempo real, de algo que acontece em outro lugar no qual não estamos, incluindo aí um
show de hardcore. Indo além, por se tratar de um gênero musical extremamente
segmentado, é possível também perceber pelas críticas, elogios, demandas do público e
reclamações online o que há de semelhante e distinto entre os shows e cenários em
diferentes cidades, estados e países, evidenciando características comuns de lugares que,
apesar de geograficamente distantes, possuem formas semelhantes de organização e
estrutura.

Multiterritorialidade inclui assim uma mudança não apenas quantitativa - pela


maior diversidade de territórios que se colocam ao nosso dispor (ou pelo menos
das classes mais privilegiadas) - mas também qualitativa, na medida em que
temos hoje a possibilidade de combinar de uma forma inédita a intervenção e, de
certa forma, a vivência, concomitante, de uma enorme gama de diferentes
territórios. (HASBAERT. 2005, p.6786)

Aprofundaremos, então, nossas reflexões na bilateralidade das trocas possíveis e


dos fluxos informacionais entre o show do hardcore enquanto território dotado de
materialidades, práticas, signos e sujeitos que tanto o compõem como o realizam e os
territórios virtuais, a internet e o que habituamos a chamar de redes sociais, onde, por
meio de perfis (ou avatares), os sujeitos se expressam, interagem e se organizam numa

34
diferente lógica espacial, construída a partir de algoritmos e conexões interligadas.
Irr.porta-nos agora de que maneira as redes sociais afetam e transformam o território do
show hardcore e de que maneira esse território, num fluxo complementar, se manifesta
online.

O caso das bancas de merchandising

Ao longo do surgimento e da consolidação de uma cena underground nacional


diversos selos independentes surgiam e lançavam bandas de todo o território brasileiro,
uma vez que o mercado fonográfico tradicional - embalado pela popularização do CD -
concentrava seus lançamentos no trabalho de artistas mainstream , que proporcionavam
às grandes gravadoras voluptuosos números de venda em lojas de discos, de departamento
e até mesmo supermercados. O surgimento deste novo formato colaborou com esse
"boom” dos selos independentes, pois barateou significativamente os custos de produção
em comparação com os discos de vinil. Artistas independentes e produtores passaram a
ter melhores condições de lançar seus trabalhos, uma vez que as empresas de prensagem
de CD 's eram capazes de produzir em pequenas tiragens, tomando possível a encomenda
de compact discs a partir de quantidades pequenas como 500, 1.000 ou 1.500 cópias.
Nesse período, com o grande número de álbuns musicais lançados por gravadoras
independentes e pequenos selos de distribuição, multiplicaram-se as lojas destinadas ao
punk e ao hardcore, por exemplo, na Galeria do Rock, região central de São Paulo. Ao
mesmo tempo, surgiram lojas especializadas no gênero em diversas capitais do Brasil,
como, por exemplo, a Navena Muzik. primeira loja exclusivamente dedicada ao hardcore
no Rio de Janeiro, que funcionou de 2001 a 2004, no bairro do Flamengo. Além das lojas,
popularizou-se ainda mais a prática de pôr à venda, pelos selos e pelas próprias bandas,
nos espaços dos shows, cd"s e outros produtos da cena hardcore brasileira. Catálogos
também circulavam junto a fanzines e redes de correspondência postal como formas mais
tradicionais de venda: chegou a ser comum até mesmo a prática de comprar cd's enviando
dinheiro em cartas, com sugestões de discrição ou disfarce oferecidas pelos selos, como
colocar o dinheiro entre outros papéis escuros para evitar desvios e extravios de
correspondência. Com as trocas de material e o intercâmbio entre bandas e selos, títulos
de diversas partes do país conseguiam circular por diferentes shows, em diferentes estados
e cidades.

35
Habitualmente presente nos shows de rock e assiduamente elemento constituinte
do território dos shows de hardcore, a "banquinha” ou “banquinha de CD ‘s” são, é o
espaço destinado às bandas para que ofereçam e comercializem seus produtos, tais como
discos, cd's, camisetas, adesivos e outros acessórios. A escolha da banca como um
exemplo se justifica pelas evidentes transformações observadas após a ascensão da web
2.0 e de uma “cultura do download” em meados dos anos 2000. estimulada pela
disseminação de arquivos mp3 e soítwares de compartilhamento como Napster. Soulseek,
Kazaa e outros. Com a popularização do acesso à internet banda larga, fenômenos como
o download e o streaming online de música ampliaram vigorosamente a oferta de
conteúdo audiovisual na rede mundial de computadores, alterando significativamente o
modo como se constituíam as bancas. Para melhor compreendermos tais transformações,
vamos dividir nossa análise em dois momentos que chamaremos de pré-download e pós-
download17.

Uma das características mais evidentes da banca de cd’s (no período que
chamamos de pré-download, anterior ao ano de 2004) era então sua qualidade de fonte
de novidades e descobertas. Naquele período era comum que os selos e bandas
oferecessem grande variedade de produtos (principalmente cd's) de uma vasta quantidade
de bandas, valorizando a abundância e a diversidade na oferta. Embora também fossem
ofertados produtos das bandas que no dia se apresentariam, era prática do público buscar
novidades no material disponível, interpelando quem estava à frente da banca (geralmente
membros das bandas, produtores e organizadores dos selos independentes) sobre novos
lançamentos, dicas de bandas que ganhavam espaço na cena e coletâneas, também muito
comuns à época. Essa troca de informações, mais do que aproximar público, bandas e
selos contribuíram para que houvesse reconhecimento e se desenvolvessem afetos de
ambos os lados, tornando-se assim rito constante nos dias de shows, de forma que as
banquinhas passaram a figurar nas expectativas de quem frequentava os espaços,
principalmente em regiões carentes de lojas especializadas.

Já no período que batizamos de pós-download, após o significativo crescimento


da banda larga no Brasil registrado nos anos posteriores a 2004, as banquinhas foram se
transformando na medida em que deixaram de ser uma das principais fontes de novidades

Desafios e oportunidades do setor de Telecomunicações no Brasil. Disponível em:


hnp: «w \v.ipea.gov.br/agencia/images/stories/PDFs/comunicado/100607_comunicadoipea57.pdf

36
para o público. Com a popularização do mp3 e do streaming, além do comércio eletrônico,
tomou-se muito simples e intuitiva a busca por música na internet. Quem permanecia fiel
ao CD tinha ainda novas opções, como as lojas online, algumas com vasto catálogo e
grande oferta de títulos, como a PunkShop, a Ideal Distro e a Oba! Records. Tais
modificações na forma de distribuição e circulação de conteúdo contribuíram para maior
customização das bancas: selos e bandas passaram a privilegiar com mais ênfase o
material próprio e não mais a diversidade de títulos. Tomou-se prática cotidiana, com o
surgimento das redes sociais, que o conteúdo a ser oferecido nas bancas fosse previamente
exposto na divulgação do show (como nas páginas de evento do Facebook), priorizando
camisetas, bonés, cd’s e demais materiais quase que exclusivamente das bandas
agendadas. Nesse contexto, surgem estratégias como preços diferenciados e modelos
exclusivos para quem adquirir os produtos nos shows. brindes, entre outros. Manteve-se
assim a expectativa do público sobre as bancas, substituindo variedade por customização.

Há, no entanto, um fator que me pareceu interessante nas notas de campo e


entrevistas realizadas para esse trabalho: a troca de afetos na predileção pela banca. Ao
questionar pessoas que estavam na edição do Rio de Janeiro da We Are One Tour 2016 18
se preferiam (e, caso sim, os motivos pelos quais) comprar os produtos nas bancas ou na
internet, percebi algumas motivações comuns nas respostas, sendo algumas mais
objetivas, como poder “verificar o tamanho correto de uma camiseta" ou "aqui é mais
barato’’, e outras mais subjetivas: “comprando no dia do show fica também como
lembrança” e “aqui compramos um cd e ainda podemos ‘trocar uma ideia' pessoalmente
e tirar fotos com os caras (da banda)”. E nesse contexto que a banquinha se mostra como
uma parte do território do show cujos significados estão muito além da simples venda de
material: há nela uma tradição, um contato, uma relação de proximidade e uma
experiência que se difere de uma loja online, inclusive no que diz respeito aos sentidos,
pois há toda uma experiência sensorial no ato de pegar um cd em mãos e avaliá-lo ou
tocar no tecido de uma camiseta, ver de perto sua estampa, sentir a qualidade do
material. Identificamos, assim, que no território do show (ou, no caso da banca, parte que
o constitui) suas qualidades funcionais e simbólicas se complementam, dialogando
harmoniosamente na medida em que mesmo possuindo uma função bem definida (vender

,s Tumê sul-americana de bandas internacionais que reuniu Lagwagon (tradicional banda da Califórnia,
Estados Unidos), MUTE (Canadá), Belvedere (Canadá) e Adrenalized (Espanha). No Rio de Janeiro, os
shows ocorreram dia 28 de fevereiro de 2016, no Teatro Odisséia, na Lapa,

37
o material da banda), há todo um mecanismo simbólico que produzirá diferentes
significados.

Se tudo isso por si só já seria um diferencial da banquinha, imaginemos conversar


pessoalmente sobre uma música que nos toca justamente com quem a compôs. Em
tempos onde o streaming já é responsável por quase 40% 19 das receitas do mercado
fonográfico mainstream, a experiência e o afeto ainda são mecanismos subjetivos
importantes para a circulação de produtos (materiais) do underground e estão diretamente
relacionados às “práticas territoriais” existentes na subcultura hardcore.

A memória, essa operação coletiva dos acontecimentos e das interpretações do


passado que se quer salvaguardar, se integra, como vimos, em tentativas mais ou
menos conscientes de definir e de reforçar sentimentos de pertencimento e
fronteiras sociais entre coletividades de tamanhos diferentes: partidos, sindicatos,
igrejas, aldeias, regiões, clãs, famílias, nações, etc. A referência ao passado serve
para manter a coesão dos grupos e das instituições que compõem uma sociedade,
para definir seu lugar respectivo, sua complementariedade, mas também as
oposições irredutíveis.
Manter a coesão interna e defender as fronteiras daquilo que um grupo tem em
comum, em que se inclui o território (no caso de Estados), eis as duas funções
essenciais da memória comum. (POLLAK. 1989, p.9).

Ao adquirir um produto diretamente com a banda ou simplesmente ter a


oportunidade de chegar até os mesmos e “trocar uma ideia”, acionam-se diversos
mecanismos de memória e afeto, que para muitos sujeitos não são negociáveis, não
podendo ser “substituídos” por uma loja virtual. Mesmo com a vasta oferta de produtos
na internet e com consequentes transformações acerca do que oferecem, as banquinhas
sobrevivem como parte do território do show, persistindo como um rito de encontro em
seu entorno. Considerando que a memória é um fenômeno coletivo e social, é interessante
notar que mesmo indivíduos que não tenham idade suficiente para ter vivenciado o que
chamamos aqui de momento pré-download tendem a compartilhar das mesmas práticas,
como parte de um processo de identificação coletiva com o passado às vezes tão forte
como uma “memória quase que herdada” que Pollak (1992, p.201), em suas reflexões
sobre memória e identidade, chamaria de “vividos por tabela” :

Quais são, portanto, os elementos constitutivos da memória, individual ou


coletiva? Em primeiro lugar, são os acontecimentos vividos pessoalmente. Em
segundo lugar, são os acontecimentos que eu chamaria de "vividos por tabela",
ou seja, acontecimentos vividos pelo grupo ou pela coletividade à qual a pessoa

19 Mercado Fonográfico Mundial e Brasileiro em 2016: http://www.pro-musicabr.org.br/wp-


content uploads/2017/05/Mercado-de-Música-Global-e-Brasileiro-em-2016-FlNAL.pdf

38
se sente pertencer. São acontecimentos dos quais a pessoa nem sempre participou
mas que, no imaginário, tomaram tamanho relevo que. no fim das contas, é quase
impossível que ela consiga saber se participou ou não. (POLLAK. 1992. p.201)

Interessa-nos aqui perceber como a existência de novos territórios “virtuais’'


adv indos do avanço tecnológico não necessariamente satisfaz as expectativas que estão
mais evidentes na subjetividade das relações e dos entrecruzamentos possíveis que se
realizam apenas no espaço do show. Nesse sentido, embora cumpram o papel de dar
publicidade e de levar informações, material e merchandising a lugares nunca
imagináveis na velocidade de um clique, as novas tecnologias não substituem a
experiência vivida no território “tradicional”, mas a expande (tirar uma foto com a banda
para o Instagram) e a complementa (possibilitar que se compre um cd de uma banda
específica numa cidade sem loja especializada).

Se já podemos observar no exemplo acima que o território “tradicional” e as novas


tecnologias não são excludentes entre si, mas sim complementares, podendo existir cada
qual com suas funções de forma concomitante, avançaremos então para uma das questões
centrais que motivaram o presente estudo: poderíam as novas tecnologias colaborar para
transformar o território dito tradicional de maneira a alterar suas relações de poder, dando
voz a atores que, como vimos no capítulo anterior, disputam espaço, protagonismo e
visibilidade no show de hardcore?

O Caso Oxigênio Fest

No dia 12 de junho de 2017 foi anunciado o line-up20 de um grande festival de


bandas nacionais de hardcore, a se realizar na cidade de São Paulo. O Oxigênio Hardcore
Fest 2017 apostou em nomes tradicionais e já consolidados na cena brasileira. Poucas
horas após o anúncio, a página (de Facebook ou fanpage) União das Mulheres do
Underground denunciava21 a total predominância de bandas exclusivamente masculinas:

“Mais um grande fest de hardcore independente foi anunciado. N ele temos


bandas de crossover, thrashcore, hardcore estilo NY, emo, hardcore melódico
dentre outras vertentes. O curioso é que não temos UMA banda com pelo menos
UMA mulher no lineup. Aqui na nossa página já indicamos 170 bandas e ainda
tem muito som de qualidade pra rolar ainda. Agora nos perguntamos: não tem
machismo no rolê? E o pessoal das bandas que estão se apresentando

20 Line-up é um termo utilizado em festivais musicais e que faz referência a lista de bandas que irão se
apresentar em determinada data e/ou festival.
21 https:/7www,facebook.com/uniaodasmulheresdounderground/posts/1348211875273995. Acessado em
27/06/2017.

39
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questionaram isso? Muitas dessas selecionadas, tem um discurso pro-feminismo.
Onde está a prática? E fácil assumir para si ou para sua banda uma pauta que você
até concorda. Difícil é cobrar e fazer autocrítica.”

O texto teve grande repercussão, mulheres se posicionaram na página do evento22


cobrando bandas femininas e também sugeriram boicote ao festival, algumas bandas
escaladas para o festival também se manifestaram a favor de mais bandas femininas, e o
debate ganhou os principais grupos e espaços de discussão nas redes sociais relacionadas
ao hardcore nacional. A organização, ou parte dela, soltou na mesma página do evento
uma nota se comprometendo a incluir bandas femininas e/ou com mulheres, mas que foi
considerada pela União das Mulheres do Underground como questionável, uma vez que
dizia “não vamos nos contaminar por idéias erradas” e que “o país já está cheio de
divisões" e, ainda, que “somos todos seres humanos”, numa tentativa de relativizar a
questão de gênero levantada pelo coletivo feminista. Como já haveria uma seletiva para
decidir as bandas de abertura do festival, dias depois a organização anunciou bandas
femininas ou com mulheres entre os novos nomes a integrar o line-up, embora a discussão
sobre o protagonismo (afinal, as principais bandas continuavam a ser predominantemente
masculinas) e o espaço das mulheres na cena tenha permanecido nas redes sociais.

Ainda que o festival só vá acontecer em agosto de 2017. após a conclusão do


presente trabalho, nos interessa nesse caso a potencialidade das novas tecnologias para
modificar as relações no território do show de hardcore. Embora não possamos tecer
afirmações sobre o boicote, o espaço destinado às bandas femininas ou a quantidade de
mulheres presentes no festival, os acontecimentos que se desencadearam até aqui já
mostram que o território do show de hardcore segue em disputa, que nele existem
demandas por visibilidade, protagonismo e transformações que dizem respeito à
predominância masculina onde as redes sociais bem como as demais novas tecnologias
se mostram como importantes ferramentas utilizadas na reconfiguração desses espaços.
Novamente, podemos identificar um entrecruzamento do caráter funcional e do caráter
simbólico de novos territórios, uma vez que, ao se utilizar do Facebook como plataforma
de reinvindicação e disputa por protagonismo, obtém-se resultados que produzirão novos
significados e efeitos que irão expor demandas por apropriações e usos do espaço. Com
base nas reflexões de Robert Sack e Claude Raffestin, segundo Hasbaert (2005, p. 6780):

” https: \v\v\v.facebook.com/events/1705340652828705/?active tab=discussion. Acessado em


2~ 06 2017.

40
Dentro dessa complexa relação entre redes e áreas ou zonas como os dois
elementos fundamentais constituintes do território (para Raffestin, duas das três
“invariantes” territoriais - a terceira seriam os pólos ou nós. que no nosso ponto
de vista são, juntamente com os “dutos”, constituintes indissociáveis das redes),
devemos destacar a enorme variedade de tipos e níveis de controle territorial. Se
o território é moldado sempre dentro de relações de poder, em sentido lato. ele
envolve sempre, também, no dizer de Robert Sack, o controle de uma área.

Se pensarmos as novas tecnologias como novos territórios dotados de


funcionalidade, simbolismo e interligados em rede com outros territórios, quando
mulheres da cena hardcore de diferentes cidades e estados se organizam numa rede social
e ganham visibilidade em suas demandas, a criação de uma página intitulada “União das
Mulheres do Underground’’ se mostra também como uma forma de apropriação desses
novos espaços. Nesse contexto, a atribuição funcional que lhe é dada está diretamente
ligada à disputa por outro território, previamente existente e tradicionalmente excludente
do ponto de vista feminino: o show de hardcore.

Há, portanto, nas novas tecnologias e nas redes sociais, uma multiplicidade de
territórios possíveis que interligados podem, em maior ou menor intensidade, estabelecer
conexões e estimular reconfígurações em territórios tradicionais e com relações de poder
já historicamente consolidadas. E de se considerar que sua funcionalidade pode
invariavelmente se mostrar limitada e que sua capacidade de transformação bem como a
velocidade das mudanças pode variar em diferentes casos, afinal, as relações de poder
inerentes à constituição do território tendem a ser complexas e dependem de outros
fatores. Importante citar que quem detém um domínio privilegiado e/ou hegemônico
sobre um território tende a buscar pela manutenção de seus poderes e/ou privilégios, na
mesma medida que quem clama por mais espaço tende a resistir de forma contra-
hegemônica, como bem nos aponta Williams (2005).

Nesse sentido, o show de hardcore e as novas tecnologias, cada qual com suas
territorial idades, espacialidades e peculiaridades, se mostram espaços interligados e/ou
complementares de trocas simbólicas e fluxos informacionais dotados de uma
potencialidade transformadora, uma vez as ações dos sujeitos que os constituem podem
tanto preservar tradições e significados, quanto contribuir para reconfígurações dos
espaços partilhados pela referida subcultura.

41
C o n sid e r a ç õ e s fin a is

O show de hardcore, enquanto território que cria condições para interações,


performances, afetos, produção de significados diversos c também processos identitários,
permanece como um dos principais espaços dedicados à subcultura que surge no final dos
anos 80 e se consolida no Brasil nos anos 90. O período de redemocratização, os plenos
direitos de reunião e a garantia da liberdade de expressão foram condições fundamentais
para que, por todos os cantos do país, jovens montassem suas bandas, organizassem seus
shows e expressassem suas insatisfações e visões de mundo país afora. Diferentemente
desses tempos áureos, nos quais surgiram bandas e selos por todo o Brasil, numa época
onde o rock ainda se apresentava como transgressor e tinha maior apelo junto aos jovens,
hoje a cena hardcore resiste mesmo que tenha que lidar com um alto grau de segmentação.
O encontro entre distintas gerações (novos sujeitos que a partir da música se envolvem e
criam laços de pertencimento com a subcultura hardcore e sujeitos remanescentes das
décadas anteriores que seguem produzindo e atuando na cena) não só favorece novas
atribuições de valor e de significado, mas toma possível que aspectos tradicionais dessa
coletividade sejam tanto preservados quanto reconfigurados. As disputas discursivas e as
diferentes narrativas sobre o que é ser do hardcore expõem as contradições de uma
subcultura que grita por um mundo mais igualitário embora ainda tenha que lidar com
estruturas hegemônicas dentro do próprio território.
Com o surgimento de novas tecnologias, o underground hardcore e seus territórios
tradicionais passam a ser complementados por novas territorialidades. novas
espacialidades e formas de organização reunião. O fluxo informacional instantâneo e em
tempo real que a web 2.0 propicia permite que os sujeitos, a partir de novos territórios,
questionem estruturas estabelecidas e reivindiquem seu lugar em espaços já tradicionais.
Tal multiterritorialidade permite não apenas transformações nas formas de circulação das
músicas e demais materiais produzidos, mas também o uso de novas concepções de
espacialidades na constante construção de “identidades hardcore” possíveis. É nesse
conflito que a ideia de resistência ganha novos significados e abre espaço para novos
protagonismos: uma juventude que quer mudar o mundo vê em novos territórios a
oportunidade de mudar o próprio mundo.
Este estudo buscou uma compreensão do papel territorial na construção das
identidades e na constituição de cenas provenientes das subculturas advindas do rock,
como o hardcore. O show, embora talvez seu mais tradicional rito de encontro, revela

42
aspectos de uma coletividade que já se reúne, produz e circula há algumas décadas. Para
uns. mais do que um estilo de vida, o underground se torna também espaço de realização
pessoal e/ou profissional. As primeiras impressões dão indícios de que muitas
transformações ainda estão por vir junto às novas concepções de espacial idade e território,
modificando a materialidade das interações, dando voz a atores sociais antes carentes de
visibilidade e conectando sujeitos antes desconectados entre si.
Seguimos, no entanto, com questões em aberto: sujeitos de territórios já
tradicionais, com relações de poder e hegemonias bem demarcadas estariam, de fato,
dispostos a dialogar com essa nova realidade e abrir seus espaços para novos
protagonismos ou apenas tentam minimizar as contradições entre prática e discurso? Ao
expor tais contradições, a disputa por uma identidade hardcore supostamente coerente
com seus ideais resultará em novas estruturas, agora mais igualitárias, de
compartilhamento dos espaços? Ser do hardcore é ir aos shows, vestir a camisa, entrar na
“roda punk”, cantar letras de protesto, movimentar uma coletividade, mas apenas por
“curtir o som”? Até que ponto o alinhamento entre discurso e prática na subcultura
hardcore pode transformar a realidade social ao redor, como se propõe, e não somente o
interior dos seus próprios territórios? As transformações tecnológicas e as novas
espacialidades por vir trazem consigo não somente tais questionamentos, mas condições
para que eles sejam respondidos pelas apropriações que os sujeitos fazem e que ainda
farão desses novos territórios interconectados. A percepção de novas territorial idades e
formas de organização como ferramentas de transformação da realidade, objeto que
buscamos explorar nesse trabalho, nos deixará ainda um vasto campo de investigação
acerca dos processos identitários que levam coletividades distribuídas por todo território
nacional a se reunirem com guitarras e seus ideais, em suas garagens, galpões e espaços
diversos. Em uma época que o rock é questionado por sua potencialidade transgressora e
contestadora. eles nos dizem e elas, mais do que dizer, se manifestam: “ainda estamos
aqui”.

43
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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centrada no estilo e sua trajetória. Dissertação de mestrado defendida na Universidade
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