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Análise de Artigo

FAVERSANI, Fábio. A corrupção dos antigos e a nossa: apontamentos para o estudo da


corrupção romana. Phoînix, Rio de Janeiro,v.25, n.1, 2019, p. 83-95

DA ROMA ANTIGA AO MUNDO MODERNO:

A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE CORRUPÇÃO

Caio Brollo Fernandes

O pesquisador Fábio Faversani é professor Titular de História Antiga na Universidade Federal


de Ouro Preto. Possui Graduação em Historia (1989), Mestrado (1995) e Doutorado (2001) em História
Econômica, todos pela Universidade de São Paulo, e pós-doutorado pela University of Oxford (2003 e
2012-2013) e University of St. Andrews (2018-2019). O presente artigo abordando a corrupção não foi
tema de dissertação de seu Mestrado na USP (A pobreza no Satyricon de Petronio) nem de seu
Doutorado, também pela USP, (A sociedade em Seneca). Contudo, sua linha de pesquisa se baseia em: a
História social de Roma, Roma nosso lar: tradição (auto)biográfica e consolidação da identidade, Teoria
social e Literatura e Política. A partir disso, é certo dizer que o historiador possui inúmeras pesquisas
voltadas para diversos campos da Roma antiga, e uma delas é o recente projeto de pesquisa iniciado em
2018: Corrupção na Antiguidade Romana.

Faversani inicia o artigo destrinchando os pontos que amarram o conceito de corrupção no


mundo antigo e o mundo moderno. Para ele, ao falar sobre corrupção antes do capitalismo, há uma linha
tênue entre o que pode ser considerado corrupção ou simplesmente parte de um mecanismo político da
época. Nos moldes modernos, um exemplo de corrupção seria a apropriação privada indevida de algo
público. No que tange essa comparação, a concepção de público e privado com o aparato do Estado é
uma característica moderna capitalista e impossível de comparação com o funcionamento do mundo
Antigo, que por sua vez, essa imagem de “corrupção” pode ser comparada a níveis de influência, como
troca de favores, relações de amicitia ou philía.

Sendo assim, para o autor, é bastante complicado enxergar o mesmo nível de impacto entre os
dois modus operandi no quesito político pois há uma quebra de isonomia no que concerne a integração
dos poderes políticos entre si. Na antiguidade não era comum a aproximação de povos distintos em
busca de uma relação, os influentes eram mais focados em manobras internas de corrupção. Porém, na
construção do Estado moderno, as manobras internas deixaram de ser exclusivas e abriram espaço para
as manobras externas, com isso, a corrupção expandiu sua área. A necessidade do capitalismo em buscar
riquezas, mudou totalmente a estrutura política, social e econômica de enxergar o mundo e
consequentemente, a noção do público e privado.

Ao continuar, Faversani utiliza-se de argumentos de sua colega Adriana Romero para avançar
na discussão. Um deles é que a documentação carrega inúmeras referências à prática de corrupção e o
outro era que a fronteira entre público e privado era diversa e o funcionamento do Estado também, mas
isso não quer dizer que o desvio de recursos públicos para projetos pessoais era aceito ou visto como
uma conduta normal. Com isso, é visto que a corrupção se desdobra de diversas formas e é possível
enxergar sequelas causadas pelas práticas de corrupção entre a modernidade e antiguidade sim, contudo,
elas se formam em estruturas diferentes e concepções distintas. Nesse sentido, é válido dizer que a
comparação deve ser feita tendo o ponto de partida a alteridade e não a semelhança.

Ao proceder, é apresentado o aumentado estudo acerca da corrupção desde os anos 90. O autor
examina e enumera inúmeros casos e órgãos públicos que buscam combater a corrupção. Com eles, a
demanda pela busca de isonomia se pautou em dois pontos para o pesquisador: crítica demasiada em
cima dos corruptos em relação ao Estado e deixando de lado o impacto deles no mercado e crítica à ideia
de que os corruptores seriam combatidos com políticas de anticorrupção, tratando-o como um desvio de
conduta moral individual ou de um grupo específico, o que não é. É exposto que o problema da
corrupção se pauta no modelo de Estado e da estrutura no que se inseriu os moldes capitalistas, no que
tange ao ganho pessoal ou ao um grupo seleto. Gerando assim, uma formação de cidadãos corruptos
buscando seu próprio benefício em detrimento do coletivo e quando esse indivíduo chega ao status de
poder, utiliza-se da artimanha do aparato estatal para introduzir inconscientemente ou não, a corrupção,
comprometendo todos os setores do Estado.

O pesquisador continua e apresenta Giovanni Arrighi, que tece comentários sobre a relação
entre políticos e capitalistas, mostrando que as condutas corruptelas não se aplicam ao desvio de conduta
eventual e sim é o alicerce necessário para certos agentes dominarem o mercado com o suporte e auxílio
público privilegiado, assim, alimentando a monopolização de certos campos econômicos e consolidando
esse político no poder com o apoio desse investidor. Desse modo, é válido ressaltar que os estudos
contemporâneos sobre a corrupção tenham sido modificados em sua abordagem, deslocando o foco das
práticas em si e colocando-o em busca de sua origem.
No que se diz respeito a sociedade romana antiga, Faversani explicita que há dois campos que
podem explicar o sistema segundo a professora Lisa Hill: o da condenação moral ligado a decadência do
Império e da constituição de aparatos judiciários que servissem ao combate da prática (p.87). Ademais,
há também o estudo da pesquisadora Cristina López que denomina três esferas que foram utilizadas para
qualificar e para legitimar a protocorrupção dentro da legislação. São elas: eleitoral, político e judiciário.
No campo do judiciário, é visto uma prática de conluio entre as partes envolvidas. Já no campo eleitoral,
ganha destaque a presença do termo ambitus que significava a coerção de eleitores ou a destruição de
seu oponente político por meio do poder brando. Por último, no campo político, é observado o peculatus
e pecunia residua que são práticas indevidas que envolvem dinheiro público.

Para o historiador, o problema da corrupção romana está intrinsecamente ligado a questão


provincial, na formação clássica formada pela estrutura de poder da Roma antiga. Com dificuldades de
centralizar o poder, os lideres provinciais detinham bastante influência no vasto território romano, sendo
responsáveis também pelos recursos extraídos de suas regiões, auxiliando-os nessa conquista de espaço
dentro da política central de Roma. Desse modo, o pesquisador se difere dos demais estudos acerca da
corrupção moral dos romanos afastando-lhes a identidade original austera e pouco ambiciosa que a
decadência do Império causou sobre eles. O autor expõe, então, que a corrupção na verdade, é parte
integrante do funcionamento político e econômico romano, principalmente no que se refere às suas
elites.

A corrupção, dentro de seu próprio contexto, é tão importante para a identidade romana quanto a
austeridade para a sua sociedade. É trazido para que pensemos a corrupção em termos históricos, antes
do que morais. Inclusive, foi datado por estudos que a própria corrupção gerou o ápice do Império
Romano e seu principado, então Faversani levanta o questionamento, por qual motivo a corrupção não
seria problema para a sua ascensão e seu auge, mas sim para a sua queda e destituição?

Por conseguinte, o historiador chama a atenção pra um outro ângulo histórico, a questão da
língua, o Latim. Nos textos mais antigos, é observado que a construção da palavra corrupção significava
a perda de valores originais. Um exemplo disso, são as obras do comediógrafo Plauto, que se utiliza a
denominação da palavra “corrupção” de forma diferente do desvio político e moral e sim de confusão
mental ou perda de sentidos. Em contrapartida, Salústico, não utiliza a palavra corrupta para associar a
decadência do Império, apesar de fazer uma análise da corrupção moralmente ao descrever os vícios do
poder que os romanos detinham, mas sem utilizar os derivados da palavra propriamente dita.
Portanto, o pesquisador Fábio Faversani conclui seu artigo contrastando a relação entre os
provinciais e os romanos, o Império e a República de Roma, concepção do significado da palavra
corrupção e a identidade da sociedade romana. Sua ideia central do texto era abrir uma revisão e
discussão das obras acerca da estrutura política e social romana. Em conjunto, também detalhou sobre a
prática do que era realmente a corrupção para a época e se pode ser comparado com o termo
contemporâneo e buscou salientar as mudanças de comportamento dos romanos em sua estrutura prévia
ao seu auge como a perda da austeridade como principal característica e a corrupção como parte dessa
nova identidade.

Este artigo foi escolhido por mim devido ao grande impacto da corrupção nos moldes
burocráticos do mundo desde a sua formação em sociedade, então é de grande importância buscar
entender a origem da palavra, o que ela se baseia e como ela perpetuou em um dos maiores Impérios
existentes no mundo. O pesquisador e historiador Fábio Faversani atingiu seu objetivo em destrinchar
todas as perguntas referentes à corrupção no modelo estrutural do Império e República romana, assim
como, em botar em contraste o significado de corrupção para a época e para a contemporaneidade.

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