Você está na página 1de 8

SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DO PONTAL
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Avaliação de História da América III

Prof. Newman Caldeira


História da América III
Débora Prada

Setembro/2021
Araraquara – SP
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DO PONTAL
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Questão 1: Partindo do conceito de hegemonia de Gramsci, Tatiana Poggi procura fazer um


painel da crise econômica que gerou recessão nos Estados Unidos da América. Discorra sobre
as razões e explique de que forma as elites políticas e econômicas estadunidenses
conseguiram reerguer a economia após o crack da bolsa, em 1929.

A crise de 1929 é um acontecimento histórico muito marcante para a história dos


Estados Unidos, tendo em vista que foi muito longa e bastante severa. De acordo com Tatiana
Poggi, em seu texto “Os opositores conservadores do New Deal”, existe um debate muito
significativo em relação a esse tema, pois ele tem sido interpretado de diversas maneiras e
gerado bastante polêmica. Poggi aponta autores como Irving Fisher e Lionel Robbins, os
quais defendem a ideia de que a grande depressão foi resultante da instabilidade de crédito na
década de 1920 e da má estrutura e fraqueza da rede bancária, o que ocasionou o colapso do
mercado financeiro. Em contraponto, a autora aponta Bernstein, que defende a ideia de que a
quebra da bolsa de valores em 1929 não foi tão relevante como tem sido afirmado por outros
autores, para ele acontecimentos econômicos de característica estrutural são mais importantes
e causaram impactos mais marcantes.
Apesar das divergências dentro do debate historiográfico sobre a Grande Depressão,
fato é que ela foi um marco na história norte-americana e possui muita importância para o
país, pois é capaz de revelar a crise do liberalismo, o qual colocava os Estados Unidos da
América em um patamar de modelo a ser seguido. Hobsbawn afirma que esse momento
destruiu o liberalismo por um determinado período e obrigou os governos a mudarem suas
prioridades, tendo que pensar mais no âmbito social do que no econômico.
A década de 1920 foi marcada pelo que ficou conhecido como a Belle Epoque dos
Estados Unidos, momento este em que o crescimento econômico astronômico estava gerando
o que Poggi chamou de euforia social, tendo em vista que o imaginário da sociedade estava
voltado para a ideia de que o país se encontrava em um momento de prosperidade que não
tinha fim. O PIB norte-americano havia crescido 62%, o desemprego se encontrava numa taxa
de 3,2%, os salários aumentavam, a inflação diminuía, as exportações também cresciam, os
investimentos estavam cada vez mais altos e uma rede de consumo crescia cada vez mais com
a criação do rádio, do automóvel e dos eletrodomésticos. Segundo a autora, os Estados
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DO PONTAL
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Unidos, com seu American Way of Life e a crença no self-made man, ou seja, na ideia de que
tudo podiam e que não precisavam de nada e nem ninguém para conquistar seus objetivos,
viviam um sonho que parecia não ter fim.
Ainda que esse sonho fosse realidade para muitos, grande parcela da população,
composta por camponeses e imigrantes ilegais, não podia vivê-lo. Isso porque a renda per
capita rural correspondia apenas a um terço da renda nacional, além disso esse grupo se viu
bastante endividado com a compra de novos maquinários para o campo. Outro fator relevante
foram os excedentes rurais, que fizeram com que os preços dos produtos agrícolas caíssem,
aumentando ainda mais o endividamento dos pequenos produtores. Assim, a década de 1920
foi também marcada pelo crescimento da desigualdade social, pelas longas e infindáveis
jornadas de trabalho e pelo binômio da superprodução e do subconsumo.
Sendo assim, tendo em vista que o cenário europeu sofria uma melhora econômica que
possibilitou a produção dos próprios bens de consumo, a exportação estadunidense caiu e
aquilo que antes era comprado pelo exterior se voltou para o mercado interno, o que foi um
problema, pois a desigualdade de concentração de renda não permitia que as pessoas
comprassem essas mercadorias. Isso levou ao crescimento dos estoques, que por sua vez fez
com que a produção tivesse que ser diminuída, assim os salários caíram, funcionários foram
dispensados e o ciclo da crise foi formado.
Nesse cenário, o republicano liberal Herbert Hoover, à frente da presidência de 1929 a
1933, tentou por diversas vezes melhorar a economia, através da elevação dos direitos
alfandegários, da redução das taxas bancárias, do estímulo ao consumo e armazenamento por
meio de empréstimos, mas essas medidas acabaram agravando o problema, fazendo com que
nesse período 85000 empresas falissem, 5000 bancos fossem fechados, a Bolsa de Valores
sofresse uma queda e o país se percebesse com 12 milhões de pessoas desempregadas. Assim,
o partido republicano ficou extremamente desgastado e perdeu as eleições no ano de 1933,
dando espaço para o democrata Franklin Delano Roosevelt.
A entrada de Roosevelt no poder pode ser interpretada com o auxílio do conceito de
Hegemonia de Antonio Gramsci, tendo em vista que este explica como se dão as tensões entre
os projetos políticos. Para Gramsci, dentro das sociedades capitalistas existem diversos
projetos conflitantes e por mais que um projeto seja hegemônico, ou seja, esteja em equilíbrio
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DO PONTAL
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

através do consenso entre as classes, ele sempre terá alguma resistência, que pode vim tanto
da classe dominada quanto da classe dominante. Assim, em contextos de crises, aumenta-se
ainda mais a pluralidade de projetos contra hegemônicos, tendo em vista que aquele que está
em vigência encontra-se desgastado. Assim, no contexto da crise de 1929 e da Grande
Depressão, o projeto liberal, que era hegemônico, entrou em crise e por isso alternativas a ele
ganharam mais espaço. Roosevelt, portanto, representa essa proposta política divergente, pois
tinha uma visão que alterava a relação do poder público com a economia. Vale ressaltar que
ele não era a única alternativa, pois o discurso socialista ganhou bastante espaço também
nesse momento, tendo em vista que a URSS se encontrava em melhores condições do que os
EUA e isso levou a população a acreditar que o modelo russo pudesse ser eficaz.
Nesse sentido, dentre as mais variadas propostas de projetos políticos, a proposta
reformista do partido democrata venceu, sendo representada por aquilo que ficou conhecido
como New Deal. Esse projeto, bastante influenciado pelo Keynesianismo, que via a solução
da crise de consumo na participação do governo na economia, visava uma social democracia e
um estado de bem estar social. Dessa forma, o Estado deveria ser intervencionista, ou seja,
estar presente na economia, garantindo uma qualidade mínima de vida. Para isso, o governo
passou a arrecadar fundos e fez um grande investimento em projetos de utilidade social, como
construção de obras públicas, estradas, escolas, hospitais e parques, o que aumentou a oferta
de empregos e, consequentemente, a renda da população, o que fez com que o trabalhador
pudesse voltar a consumir.
Além disso, o plano do New Deal abriu lindas de crédito para produtores e banqueiros,
tentando diminuir as falências, diminuiu a valorização do dólar, no intuito de estimular a
compra de produtos de origem norte-americana, lançou o Social Security Act, que visava a
proteção do trabalhador através do seguro desemprego, da previdência sócia, da fixação de
um salário mínimo, de auxílios para deficientes e crianças desamparadas e do serviço público
de saúde.
Segundo Poggi, assim como existe um debate sobre as causas e relevância da Grande
Depressão, existe também um debate acerca do New Deal e suas medidas para salvar a
economia. Autores como Schelesinger Jr., veem o New Deal com um olhar salvacionista,
enaltecendo suas medidas e não levando em consideração suas limitações. Já autores como
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DO PONTAL
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Bernstein, Sherman e Badger, enxergam esse projeto como bastante problemático e incapaz
de colocar fim à crise. Se nos voltarmos para Gramsci novamente podemos ter uma percepção
bastante enriquecedora desse fato, pois para o autor é por meio do Estado que se constrói a
hegemonia, tendo em vista que ele é “uma unidade dialética no qual diferentes projetos estão
presentes e buscam conformar as massas para a organização científica do trabalho e da vida
característica da sociedade urbano-industrial” (NEVES apud POGGI, 2008, p.34). Assim
sendo, o Estado tem o compromisso de investir e ajudar a difundir uma ideologia que está
implícita no projeto dirigente, criando condições para que esse grupo dirigente se torne cada
vez mais hegemônico e se mantenha no poder. Isso é feito através da repressão e da coerção,
aquela serve para aqueles que não consentem e esta para que os indivíduos aceitem as
condições impostas pelo poder.
Portanto, Roosevelt, apesar de ter sim conseguido melhorias para o país e reerguer a
economia, jamais colocou o New Deal em prática por pura bondade e preocupação com a
população estadunidense que sofria com a crise. Suas medidas foram muito bem pensadas e
intencionadas para salvar o capitalismo. O New Deal foi uma estratégia na qual o Estado
tomou iniciativas para salvar o capitalismo, enquanto as pessoas tinham a impressão de que
tudo estava sendo feito para que elas pudessem ser salvas e ajudadas, assim não perderiam a
esperança na sociedade política e continuariam a apoiando. Nesse sentido, o projeto político
do democrata Roosevelt foi uma forma de coerção da sociedade, no intuito de manter o
grupo dirigente hegemônico no poder e fazer com que as elites políticas e econômicas
estadunidenses pudessem continuar usufruindo de seus privilégios.

Maria Helena Capelato, em “Populismo latino-americano em discussão”, faz um


debate acerca das definições do populismo e seus desdobramentos na América Latina. A
autora analisa esse conceito através do período entreguerras, no qual o mundo passava por
uma crise do liberalismo e da democracia, que deu abertura para que pensamentos antiliberais
ganhassem força, bem como ideias que defendiam a presença de um Estado forte e
intervencionista. Além disso, com a Revolução Russa em 1917, um medo do comunismo se
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DO PONTAL
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

instaurou por várias partes do mundo, inclusive na América Latina, que temia a elevação das
camadas populares e a possibilidade de uma revolução.
Nesse sentido, entre as décadas de 1920 e 1930, correntes nacionalistas de direita
ganharam espaço, acusando o liberalismo e a democracia de serem responsáveis pelo atraso e
pela desordem. Ademais, as oligarquias liberais eram vistas como aliadas do imperialismo
norte-americano, o que fez com que essa extrema direita causasse o ganho de força do
movimento antiliberal e investisse em uma integração política de massas para evitar revoltas,
sendo favorável a regimes autoritários, com líderes fortes que impedissem o avanço do
comunismo. Em consequência disto, regimes como o nazismo e o fascismo se tornaram muito
fortes e foram vistos como alternativa para o regime liberal. Sendo assim, muitos governantes,
mesmo que contrários ao nazi-fascismo, tomaram iniciativas que promoviam a implantação
de um Estado forte capaz de mediar os conflitos sociais, usando a figura de um líder
carismático que mantinha contato direto com as massas, o que ficou conhecido como
Populismo.
Grandes exemplos de populismos latino-americanos trazidos por Capelato são o
varguismo, o cardenismo e o peronismo, pois, segundo ela, são expressões típicas desse
conjunto de práticas políticas. Nesse sentido, a autora afirma que o populismo tem diversas
faces e interpretações e que através do dicionário de política de Norberto Bobbio podemos
perceber que o conceito de populismo tem definições bastante ambíguas e imprecisas e que
seus modelos são confusos e contraditórios, pois ele serviu e serve para fenômenos históricos
muito díspares, o que faz com que o termo perca sua força explicativa.
Desse modo, podemos afirmar que não existe um populismo, mas populismos, pois
são múltiplos, heterogêneos, praticados por regimes tanto democráticos quanto autoritários,
tendo especificidades de acordo com o recorte espacial e temporal. Existe uma imensa lista de
nomes de líderes populistas e isso evidencia ainda mais o fato desse ser um conceito muito
amplo e difícil de ser definido. Para a autora, “agrupar os diferentes personagens e
movimentos e defini-los a partir de um mesmo conceito implica a homogeneização de
políticas muito distintas” (CAPELATO, 2001, p.134).
Outro ponto importante que tem sido bastante discutido está relacionado às teorias que
serviram de base para a construção do conceito de populismo. Gino Germani acredita que a
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DO PONTAL
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

teoria da modernização é a chave para entender o conceito. Nesse sentido, o populismo seria
caracterizado como momento de transição da sociedade tradicional para a sociedade moderna,
o que abarcaria uma mudança do campo para a cidade, do setor agrário para o industrial.
Portanto, nessa perspectiva, o populismo seria uma etapa necessária para a passagem para
uma sociedade desenvolvida e democrática.
Por outro lado, as teses do partido comunista iam contra a teoria de Germani, pois
eram etapistas e evolucionistas, ou seja, tinham a visão de que o populismo seria um momento
de transição que possibilitaria superar o atraso e afirmar o capitalismo, que por sua vez era
necessário para que a passagem para o socialismo pudesse ser concretizada. Assim, o
capitalismo servia de base para distinguir os países atrasados e desenvolvidos, sendo que
nessa relação o país capitalista representava uma sociedade moderna, um modelo a ser
seguido pelas sociedades tradicionais. Portanto, o moderno e o tradicional constituíam um
todo e se integravam de formar contraditória,
Sendo assim, podemos afirmar que o conceito de populismo tem muitas formulações,
muitas divergências, sendo que seus significados variam de acordo com o grupo que se
propõe a conduzir o debate. Se formos pensar, por exemplo, nos grupos neoliberais, vemos
que o populismo foi usado para construir um símbolo de atraso e serviu como contraste à
modernização. Já os opositores do neoliberalismo colocavam o populismo como um elemento
democrático, positivo, genuíno. Portanto, entender o populismo é fazer uma reconstituição
histórica, é entender os aspectos comuns e as especificidades de cada projeto político, é ter
consciência de que por mais que o peronismo e o cardenismo, por exemplo, tenham tido seus
traços comuns marcados pela introdução de uma nova cultura política baseada na intervenção
do Estado, seus contextos históricos, sociais, políticos e econômicos os proporcionaram
especificidades que impedem que sejam colocados dentro de uma mesma caixa fechada. Por
fim, entender o populismo é entender que ele é plural, diverso e heterogêneo.

Referências
SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS DO PONTAL
CURSO DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

POGGI, T. Os opositores conservadores do New Deal. Revista Eletrônica da ANPHLAC, São


Paulo, n° 7, 2008. p. 27-56.

CAPELATO, M. H. R. Populismo latino-americano em discussão. In: FERREIRA, J. (org.).


O populismo e sua história: debate e crítica. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p.
125-165.

Você também pode gostar