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(ORGANIZAÇÃO)
LINGUAGEM
“NEUTRA”
LÍNGUA E GÊNERO
EM DEBATE
Direção: Andréia Custódio
Capa e diagramação: Telma Custódio
Revisão: Thiago Zilio Passerini
L727
Linguagem “neutra” : língua e gênero em debate / organização Fábio
Ramos Barbosa Filho, Gabriel de Ávila Othero ; Sírio Possenti ... [et al.]. - 1.
ed. - São Paulo : Parábola, 2022..
216 p. ; 23 cm. (Lingua[gem] ; 95)
Inclui bibliografia
ISBN978-85-7934-254-7
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PARÁBOLA EDITORIAL
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ISBN: 9
78-85-7934-254-7
978-85-7934-253-0 (e-book)
© do texto: Fábio Ramos Barbosa Filho, Gabriel de Ávila Othero, 2022.
© da edição: Parábola Editorial, São Paulo, 2022
A língua é um traje coberto de remendos
feitos de seu próprio tecido.
Ferdinand de Saussure
Apresentação 11
área da pragmática e estudam a expressão gramatical nas relações de gênero
na sociedade. Em seu capítulo, discutem a reversão de gênero gramatical,
que acontece “quando itens lexicais, pronomes ou marcações de gênero
gramatical têm a sua referência invertida”, ou seja, quando palavras comu-
mente utilizadas para denotar homens são aplicadas a mulheres e vice-versa.
Moura e Mäder discutem a suposta neutralidade do masculino em portu-
guês e argumentam, com uma série de exemplos, que essa neutralidade não
passa de uma cortina de fumaça. Eles também mostram com vários exem-
plos uma triste realidade: “Assim como ocorre também em outras línguas,
mantém-se no português uma assimetria na reversão de gênero gramatical”.
Para ilustrar minimamente seu ponto, veja exemplos em que a palavra mas-
culina tem uma conotação positiva, ao passo que a feminina carrega uma
conotação plena de “condenação moral”: aventureiro/aventureira; pistoleiro/
pistoleira; touro/vaca; galo/galinha; homem da vida/mulher da vida.
Essa discussão nos leva ao terceiro capítulo, de Raquel Meister Ko.
Freitag, intitulado “Conflito de regras e dominância de gênero”. Freitag
argumenta: estamos passando “por um período de menor estabilidade na
língua, com a regra de uma hegemonia, o masculino supostamente neu-
tro, sendo ameaçada por outra regra, a da neutralização do gênero”. Para
ela, “nesse conflito, o gênero feminino é, mais uma vez, apagado e margina-
lizado”. Freitag mostra como a linguagem neutra está relacionada ao movi-
mento feminista e às marcas femininas na linguagem.
Trazendo a discussão para um ponto de vista de análise gramatical, o
quarto capítulo, “A morfologia de gênero neutro e a mudança acima do nível
de consciência”, é assinado por Silvia Cavalcante. Ela discute as formas de
marcação morfológica do gênero neutro, seja na escrita, com o recurso do
@ (car@ alun@s), ou do x (carxs alunxs), seja na fala e escrita, com a vogal -e
(cares alunes). Cavalcante trata “especificamente da questão morfológica do
afixo de gênero neutro, com uma análise baseada na proposta de Camara
Jr.”, pioneiro da análise morfológica de flexão nominal em português bra-
sileiro. Ela apresenta propostas para o sistema de gênero neutro em dife-
rentes línguas e explica a mudança morfológica aplicada a substantivos,
adjetivos e pronomes em português. Além da descrição clara e baseada em
regras morfológicas e sintáticas produtivas da língua, Cavalcante discute
uma série de exemplos concretos que coletou em um corpus constituído por
textos de alunos e professores da Faculdade de Letras da UFRJ.
Apresentação 13
o caso do português brasileiro ilustra como a integração de pesquisas sobre
estrutura da língua, políticas de linguagem e estilo linguístico pode contribuir para
uma justiça linguística de gênero, fomentando a redução da estereotipificação lin-
guística, geradora de discriminação.
Não objetivo aqui dar um veredicto ou ‘opinar’ sobre os projetos de lei ou sobre
a própria linguagem neutra. Portanto, não falarei do problema da adequação ou
inadequação da inclusão do gênero neutro no português brasileiro. (…) eu gostaria,
apenas de desconfiar. Desconfiar de que, talvez, o debate legislativo em torno da lin-
guagem neutra não seja um debate linguístico (se por linguístico podemos também
entender gramatical). Trata-se, sem dúvida, de um debate semântico, ligado tanto
aos sentidos de objetos como ‘linguagem’ e ‘língua’, quanto aos de ‘neutro’, ‘neutra’,
‘aluno’, ‘aluna’, ‘estudante’, ‘nós’, ‘eles’, ‘ideologia’, ‘gênero’, ‘nação’, entre outros.
e ela mesma. Nosso oitavo capítulo demonstra como um país tão próximo
lida com questões de gênero na linguagem (no caso em tela, o espanhol
argentino). Por ser linguista e uma das autoras do projeto encaminhado
à Câmara dos Deputados, Glozman esclarece em detalhes como a legisla-
ção pode ser conduzida para fazer avançar as discussões entre gênero e
sociedade ou, por vezes, a (tentar) fazer o debate retroceder. Além da dis-
cussão do texto da proposta e da problematização sobre legislar os usos da
linguagem, a autora ainda explica as semelhanças e diferenças entre tan-
tos termos que encontramos atualmente em torno do fenômeno, tais como
“linguagem inclusiva, linguagem não sexista, linguagem neutra, linguagem
não binária, gender-neutral language, gender-fair language, écriture inclu-
sive, entre outros”. É um texto essencial para compreender o fenômeno no
Brasil, por mais paradoxal que isso possa parecer. Quando vemos alguém
“de fora” lidando com questões muito semelhantes às nossas, podemos ver
com mais clareza e distanciamento o fenômeno.
Finalmente, no nono e último capítulo, Samuel Gomes de Oliveira faz
um fechamento do livro em seu capítulo “A linguagem neutra e o ensino de
língua portuguesa na escola”. Oliveira retoma as discussões prévias sobre
as possibilidades de aplicação das regras de neutralização de gênero em
substantivos, adjetivos e pronomes e, a partir daí, aborda o ensino de lín-
gua portuguesa na escola, baseando-se em dois documentos norteadores
do sistema escolar brasileiro, a saber, os Parâmetros Curriculares Nacionais
e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Para Oliveira,
a linguagem neutra como um todo — sua realização linguística, sua função social
— deve estar no espaço escolar, afinal, esse espaço (…) busca formar cidadãos
críticos capazes de participarem politicamente da sociedade. A afirmação de que
a linguagem neutra deve ter lugar na escola se justifica, inclusive, no documento
Apresentação 15
oficial atualmente em vigor, que rege a educação brasileira, a Base Nacional
Comum Curricular (BNCC)”.
E
de que
ste capítulo, mais do todos os espectros
apresentar uma ideológicos
conclusão ou—uminteressados
ponto de
em respeitar
vista pessoal em relação ousobre
à polêmica atacar a linguagem
a questão “neutra”
do gênero ou umaou
inclusiva, a depender de seu posicionamento po-
opção entre diversos posicionamentos, é uma espécie de breve pot-pourri,
lítico-ideológico.
ou seja, a apresentação de algumas “vozes” sobre o tema, de certa forma
resumidas nas epígrafes, que demandam uma leitura que leve em conta o
contexto de produção e o campo de que provêm.
Há algum tempo, o tema sequer existia. Tratando-se de um texto
de linguística, seria óbvio que a palavra “gênero” estivesse associada a
18 Sírio Possenti