EDUCAÇÃO DO CAMPO
GUARULHOS – SP
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4
2
9.2 Cidadania e Educação do Campo: o “público” político dos movimentos
sociais 67
12 Referências ............................................................................................ 97
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1 INTRODUÇÃO
Prezado aluno!
Bons estudos!
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2 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO
Fonte:www.andes.org.br
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banqueiros e políticos nacionais e internacionais. Enquanto a outros é negado o
acesso à terra para sobreviver e garantir o sustento de outros brasileiros. Em relação
à educação do campo, é pertinente ressaltar que a concepção de educação que vem
sendo empregada pela cultura dominante e elitista, não tem favorecido
satisfatoriamente para combater o analfabetismo, elevar a escolaridade dos sujeitos,
sua cultura e seu padrão de vida. Há ainda insatisfação, ocasionada pelo acesso tardio
a escola que na maioria das vezes, nas regiões mais pobres do Brasil, são oferecidas
sem condições de oportunizar saberes para a criança, o adolescente, os jovens e
adultos devido à precariedade de investimentos dessa política pública. Isso
representa, sem dúvida, uma das maiores dívidas históricas para com as populações
do campo (PINHEIRO, 2007).
Enquanto Arroyo critica a sociedade brasileira por não oportunizar políticas
públicas de educação para as populações do campo, Durkheim (1998) com uma
concepção de sociedade elitista e classista, se refere a uma educação que deveria
ser diferente para as classes sociais: “A educação urbana não é a do campo, e a do
burguês não é a do operário”. (p. 39). Isso caracteriza, evidentemente, uma postura
alienadora que reforça uma educação para privilegiados. Marx também se reporta aos
aspectos das desigualdades remetendo essa situação a partir de uma ordem social
que submete o mundo ao poderio do capital. Relata que o trabalho humano nunca
produziu tantos objetos em toda história humana. A condição de poder da burguesia
é o crescimento do capital que submete o homem ao trabalho assalariado, gerando
uma base de competitividade e desigualdade entre os trabalhadores. Isso canaliza
para um índice absurdo de “pobreza que cresce mais rápido do que a população e a
riqueza” (1998; p.28). O paradigma de produção capitalista permite maior exploração
entre as pessoas, causa a marginalização do trabalhador do campo e, a mão de obra
humana na fábrica ou no latifúndio, transforma-se numa mercadoria a serviço da
burguesia, do capitalismo que também se articula pelo processo educativo. Pensando
nesta situação de exploração do trabalhador e nas condições que oportunizam uma
educação conscientizadora, Paulo Freire (2007) nos possibilita observar o sistema
educacional da sociedade brasileira, dentro do processo de mudança, quando
identifica a educação como elemento fundamental para o sujeito do campo ou da
cidade. E considera como necessidade primordial dessa mudança, a leitura de mundo
com o sujeito que aprende, mas que também ensina. Ele desenvolveu uma
6
metodologia de ensino para a alfabetização e conscientização do trabalhador do
campo que partia dessa leitura de mundo. Uma iniciativa surgida na década de 50,
que continua presente na ação educativa de muitos professores do campo e da cidade
(PINHEIRO, 2007).
Fonte: www.al.undime.org.br
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Um sujeito que não sabe, precisa saber conhecer, para deixar de ser. Algumas
vezes não se compreende o sujeito que aprende como portador de uma outra cultura
que domina saberes tão relevantes quanto os saberes do professor. Não se identifica
a base do processo educativo como formação da consciência e no estabelecimento
da relação dialógica com o sujeito que aprende, interligando a dialética dos seus
conhecimentos aos da sociedade que conserva, mas também se modifica. Para Freire
(2007) não existe nenhuma estrutura exclusivamente estática, assim como, não há
uma, absolutamente dinâmica. Isso vale para a estrutura construída pelas sociedades
e também para a educação. Desde a Antiguidade até a contemporaneidade, as
concepções de educação sofrem alterações, modificações ou surgem novas
(PINHEIRO, 2007).
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SOBRIDINHO; 2001; p. 108). Quanto à obrigatoriedade do ensino, responsabiliza as
empresas industriais e comerciais em ministrarem a aprendizagem de trabalhadores
menores em forma de cooperação e exime desta responsabilidade as empresas
agrícolas (PINHEIRO, 2007).
A partir de 1940 a educação brasileira incorporou a matriz curricular urbanizada
e industrializada. Caracterizou interesses sociais, culturais e educacionais das elites
brasileiras como fundamentalmente a mais relevante para todo povo do Brasil. Com a
Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969, permanece a
obrigatoriedade das empresas agrícolas e industriais com o ensino primário gratuito
para empregados e os filhos menores de 14 anos. Isso explica, porque o Brasil até
1970 esteve com uma educação do campo, sob o gerenciamento das iniciativas
privadas da produção do campo, com a formação profissional próprios para esta
realidade e devidamente qualificada. Ocorre que, sucessivamente os governos
brasileiros têm implantado uma educação que não atende e não respeita às
especificidades de cada realidade regional e muito menos a diferenciação (geográfica,
cultural, histórica, social, etc.) do campo. Neste caso, a oferta de educação para o
campo em alguns lugares da Amazônia Paraense não tem garantido as alterações
propostas pela Constituição de 1988, ou pelos documentos supracitados, uma vez
que se recorre a um padrão de educação urbano Centrica (PINHEIRO, 2007).
Esse paradigma é marcado por contradições que de certa forma, vem
interferindo na implementação de políticas públicas de afirmação para as populações
que vivem e trabalham no campo. Segundo Elaine Furtado (2006), para compreender
como a sociedade brasileira produziu e reproduziu as desigualdades no campo,
precisamos entender três elementos: “O latifúndio, a industrialização e a
financeirização da economia”. Ao expor sobre a discussão, retrata Furtado (2006) de
que o Brasil desenvolveu uma estrutura fundiária baseada na grande propriedade rural
que ainda se configura, mas, se solidificou graças às contingências do mercado
mundial favorável a monocultura e também pela exploração da mão de obra escrava.
Durando três séculos “produziu-se concentração da terra, exclusão dos trabalhadores
do campo, do acesso às condições mínimas de sobrevivência, mesmo depois do
término formal da escravidão” (PINHEIRO, 2007).
Com o processo da industrialização as necessidades da população do campo
foram mais uma vez renegadas, prevalecendo à produção em larga escala de grãos
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para exportação e consumo, gerando concentração de renda nas mãos de poucos,
em relação à maioria. Acrescenta Furtado (2006), como elemento recente a
financeirização da economia, que marca essa construção história “somados as
desigualdades produzidas pela globalização, o avanço tecnológico e a abertura dos
mercados com a financeirização da economia, fundada em taxas de juros mais altas
do mundo, fez com que voltasse a exclusão dos trabalhadores” (Ibidem; p. 48). Esses
elementos determinaram uma construção história resguardada pela exploração dos
trabalhadores e durante séculos fortaleceu a classe dominante do país favorecendo a
apropriação e o empoderamento de bens e de riquezas, bem como, o domínio de
conhecimentos tecnológicos, culturais, no qual a educação, na maioria das vezes,
esteve a serviço dessa estrutura de dominação (PINHEIRO, 2007).
A principal preocupação desse período era a formação de mão de obra
qualificada que contemplasse os interesses e necessidades do espaço urbano para
aceleração do crescimento econômico industrial que gradativamente se fortalecia
após Segunda Guerra Mundial. Durante a Guerra Fria, instalou-se uma concepção de
mercado que procurava ampliar o número de consumidores, e aos Estados Unidos
interessava consolidar essa hegemonia. Por conta dessa disputa entre as potências
mundiais (Estados Unidos e União Soviética) que muitos países foram aderindo a uma
das posições políticas e junto com a adesão vinha o pacote de proposições
educacionais para serem implementadas em cada país. No caso do Brasil, optou-se
por uma educação com currículos e metodologias fundamentados no ideário norte-
americano, numa perspectiva de afirmação de uma escola essencialmente urbana.
Então, a partir dos anos 30, a escolarização para o trabalhador do campo, foi inserido
também, com o intuito de conter o êxodo rural, provocado pelo processo de
industrialização do país, responsável pela grande massa de migrações rurais de
quase todas as regiões do país durante décadas subsequentes (PINHEIRO, 2007).
Cláudia Passador (2006) expressa que para os camponeses, a escola não tinha
tanto significado, uma vez que, o aprendizado da profissão tinha sido adquirido com
os pais e não pela escola. De forma geral, a escola era compreendida como lugar da
“contra-educação rural”, pautada em apenas instruir o homem do campo, para ler,
escrever e contar. Essa ideia de instrução do trabalhador nos remete a uma ideologia
de que o sujeito da roça não precisa estudar, pois, trabalhar com a enxada, por
exemplo, requer apenas esforço físico, não precisaria raciocinar refletir, questionar e
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sim, somente manusear os instrumentos e saber utilizar a terra adequadamente.
(PINHEIRO, 2007)
Para que se possa refletir sobre o direito a educação aos homens e mulheres
do campo é necessário considerar o conjunto de forças sociais, políticas, econômicas
e culturais que foram se engendrando no decorrer da história do Brasil, sob os
interesses do capital, e que influenciaram sobre maneira a oferta de educação pública
a esses sujeitos. No Brasil, esse contexto é marcado pela educação dos jesuítas que
aqui chegaram chefiados pelo Padre Manoel da Nóbrega, com a missão de “educar”
a nova colônia portuguesa, instituindo a fase jesuítica da educação colonial, ligada
estritamente à política colonizadora europeia a favorecer o capitalismo de acumulação
primitiva. O processo de colonização do Brasil tem como marco importante as
Capitanias Hereditárias, cujo elemento fundamental é a posse da terra, sustentada
pela lógica produtiva das relações sociais sob o tripé: latifúndio, religião e escravidão.
Em síntese, a educação ou sua negação ao povo, no período supracitado, inscreve-
se no objetivo da colonização: lucro, acumulação de riquezas, expropriação e
exploração das novas terras descobertas, traçando as marcas históricas daquilo que
CHAUÍ (2000) chamou de mito fundador (descobridor) que tem permanecido além
daquela época (COUTINHO, 2009).
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Agrária, no governo Lula. Casa-se, assim, o capitalismo com a propriedade da terra
e, com esse laço de união esta é transformada em uma mercadoria controlada por
quem tem dinheiro e poder político. É como se essas leis pudessem ser chamadas de
a primeira cerca de arame farpado ou a primeira semente concreta para a constituição
do campesinato sem-terra e sem acesso às políticas públicas, entre as quais a política
educacional (COUTINHO, 2009).
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educação rural como fundamento para organizar a juventude no trabalho, promover
disciplina moral e adestramento físico “de maneira a prepará-la ao cumprimento dos
seus deveres para com a economia e a defesa da Nação”. Essa é a educação para
os camponeses porque para os filhos da burguesia agrária e industrial a educação
haveria a educação secundária, de caráter propedêutico, que tinha por objetivo educar
as futuras elites condutoras. A lei do Ensino primário só seria aprovada em 1946,
época em que está no poder o general Eurico Gaspar Dutra. A grande novidade da
Lei foi o Artigo n.º 56, Parágrafo Único:
Será que a educação no meio rural passou a ser prioridade? Evidente que não.
Porém, interessava ao capitalismo conter e controlar a tensões existentes no campo
e a educação rural, assim chamada pelos legisladores, seria um dos instrumentos de
correspondência às práticas abusivas de poder. O ano de 1946 demarca a aprovação
da Lei Orgânica do Ensino Agrícola para a formação de trabalhadores da agricultura,
equiparando esses cursos as outras modalidades, mesmo assim, continuavam as
restrições àqueles que faziam opção por cursos profissionalizantes. O período do
chamado nacional desenvolvimentismo é marcado por intensas lutas políticas, em que
os movimentos sociais (operários e camponeses) passam a exigir reformas de base,
econômicas e sociais. Unem-se a eles estudantes, educadores, partidos de esquerda
e muitos movimentos populares. Porém, em outro extremo e contrários a estes
interesses, os empresários (norte-americanos e brasileiros), militares, latifundiários,
partidos de direita (União Democrática Nacional) e diversos segmentos das elites,
setores da igreja e da mídia unem-se em contraposição aos ideais socialistas
veiculados, às reformas - da reforma agrária à realização da campanha nacional de
alfabetização do povo – reivindicadas pelos trabalhadores (COUTINHO, 2009).
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A LDB nº. 4.024 foi aprovada em 1961, resultante dessas disputas, num
processo conflituoso entre os defensores da escola pública e da escola privada,
culminando com o consenso entre os projetos Mariani e Lacerda. Por sua vez, a
realidade educacional mostrava que 50% da população em idade escolar estavam
fora da escola. Paralelamente, fatos importantes no campo da cultura, da política e da
educação popular ocorreram, trazendo um novo significado para a educação rural e
popular: os movimentos políticos culturais no início dos anos 60, com destaque para
os Centros Populares de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE); o
Movimento de Cultura Popular (MCP), em Pernambuco e o Movimento de Educação
de Base (MEB), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Esses movimentos promoviam a alfabetização da população rural e urbana
marginalizadas, a partir dos referenciais teóricos constituídos da unidade entre a
política das lutas dos movimentos sociais e dos círculos de cultura idealizados por
Paulo Freire, os quais culminariam com a proposta da Pedagogia Libertadora, que
tem nesse último o seu maior expoente. Várias comunidades rurais adotaram a
educação libertadora como filosofia de luta e resistência ao capitalismo e como
ferramenta de apoio à luta pela transformação da realidade social produzida pelo
mesmo. Esses movimentos foram alvo de repressão e controle ideológico pelos
governos militares, após 64, e suas reformas da Educação a partir de 1968: a Reforma
Universitária (Lei nº. 5.540/68), a Reforma do Ensino de 1º e 2º graus (Lei nº. 5.
692/71) que estabelecia a profissionalização do Ensino de 2.º grau e definia o ensino
de 1.º grau num ciclo de oito séries. Outras medidas de política educacional
arrefeceram e deram nova dimensão ao ímpeto de se ofertar a educação rural em
contraposição aos movimentos de base democrática. Os mecanismos mais intensos
se deram pela criação, em 1970, do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)
- à época o Brasil tinha um percentual 33% de analfabetos (COUTINHO, 2009).
Com os governos militares fecha-se mais um ciclo histórico marcado pelas
ações autoritárias e articulado do Estado brasileiro, associado ao capital internacional
e nacional, que culminou com o desmonte da educação pública, fortaleceu a iniciativa
privada, controlou ideologicamente as lutas sociais desmobilizando-as, caçou as
liberdades políticas individuais e coletivas, entre outras ações nefastas à construção
da educação no campo e na cidade. É nesse período que se publica o Estatuto da
Terra, um instrumento para desarticular os conflitos no campo e abri-lo para a empresa
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capitalista no campo, numa forte aliança entre o capital internacional, a burguesia
nacional, militares e intelectuais a seu serviço (COUTINHO, 2009).
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Além disso, chegar à escola é um grande problema, as distâncias são
quilométricas, faça chuva ou faça sol, pondo em risco a integridade física e emocional
dos alunos e funcionários, além do cansaço por ter que acordar muito cedo para
chegar à escola depois de horas de caminhada. Os currículos geralmente não são
interessantes, não atraem os estudantes, pois fogem à realidade de suas vidas e não
adianta incutir a cultura da cidade aos mesmos. Pelo contrário, esses devem ser
adaptados à realidade local, valorizando aquilo que faz parte da vida dos alunos e de
suas famílias (BARROS, 2021).
Os calendários também devem ser adaptados, pois o período de férias coincide
com a colheita das safras, o que causa o afastamento de muitos alunos, que precisam
ajudar seus pais. Nas faculdades, não temos formação específica em salas
multisseriadas, gerando outro ponto controverso nas escolas do campo. Os
profissionais que atuam dessa forma buscam alternativas por serem apaixonados pelo
processo de ensinar e aprender, mas não contam com apoio das secretarias
municipais, muitas vezes adquirindo materiais com recursos próprios (BARROS,
2021).
Por mais que o governo lance campanhas de qualificação profissional,
construção de novas escolas rurais, como as escolas-núcleo, que possuem uma
estrutura melhor, essas se localizam em distintas regiões rurais, ocasionando o
problema do transporte, além dos ônibus velhos, sem reparos, sem cintos de
segurança, e da falta de verba para o seu abastecimento; pois muitas vezes tais
problemas não são solucionados pelo governo municipal. Vemos que os
investimentos são baixos, carecendo de maior dedicação, olhares mais voltados para
as verdadeiras necessidades dessa população.
E por tantos problemas, não há como fugir da evasão escolar nos meios rurais.
Triste realidade do Brasil!
17
5 A EDUCAÇÃO DO CAMPO ENQUANTO PRODUÇÃO DE CULTURA
Fonte: www.catalogo.egpbf.mec.gov.br
18
centro do diálogo. A relação do movimento com a educação constitui-se numa relação
de origem. A história do MST, para Caldart (2004) é uma grande obra educativa. A
prática da educação, no entender do MST, reside na formação humana. Enfim, a
transformação dos sujeitos excluídos de tudo, em cidadãos dispostos a lutar por um
lugar digno na história, faz a educação ser percebida em cada uma das ações que
constituem a formação da identidade do sem-terra do MST. Do ponto de vista de
Vendramini (2007), observamos no contexto educacional a continuidade de uma
política de fechamento/nucleação envolvendo as escolas rurais. O objetivo desta
política é de racionalizar a estrutura, bem como a organização de pequenas escolas,
portanto orientando-se pelo Plano Nacional de Educação (projeto de Lei n. 4173/98),
com intenção de diminuir, também, o número de classes multisseriadas. Segundo
Vendramini (2007, p.2), compreender a escola do campo, significa que:
Fonte: www.catalogo.egpbf.mec.gov.br
Fonte:www.vermelho.org.br
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De acordo com Machado (2018), o pensamento utilitarista incutido à escola
rural, para o povo da roça, tem sido pautado em saberes mínimos, úteis ao trabalho
com a enxada; um percurso histórico que vem marcando fortemente muitas escolas
localizadas no meio rural. Se a discussão principal das elites governantes é garantir
que todas as pessoas tenham acesso a uma educação de qualidade, de que forma a
educação serve aos interesses da vida humana e como é envolvida com a valorização
do trabalhador? Para Beltrame (2002, p.132), as relações dos professores, com o
mundo rural, permite lhes desenvolver uma prática em várias dimensões: “produtiva,
política e educativa” e mais: “em seu dia-a-dia, esses homens e mulheres, no trabalho,
no contato direto com a natureza, participam intensamente dos ciclos da vida” e, nesta
dinâmica, vão organizando conhecimentos e afinidades que os enriquecem como
professores.
No sentido de uma dimensão exploratória de pesquisa, nos servimos de uma
entrevista, desenvolvida junto a uma professora da escola, fazendo à ela a seguinte
interrogação: Quais atividades agrícolas e artesanais se mantêm na comunidade? A
mesma, em resposta ao questionamento, afirmou o seguinte:
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certamente a maneira de produção encontra-se entre a escravidão, o servilismo e
outros estados de dependência. Sobre isso, a professora entrevistada, afirmou:
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a lutar por seu lugar a qualquer preço, ou ainda, numa visão do ideário marxista, os
ditames do mercado que viam nos indivíduos o mercado e não a sociedade
(MACHADO, 2018).
Prosseguem as décadas e ainda reside na educação a força dos interesses
das classes dos centros hegemônicos adjunta à classe burguesa brasileira. Em
continuidade ao pensamento de Frigotto (2010), entendemos que na escola do meio
rural, o que está em jogo ainda são as escolas, as propostas educativas que ali
acendem e a conexão desta educação com as estratégias do poder que ali residem,
ou seja, uma educação no campo, que mantém o sentido extensionista onde o
destaque é dado a dimensão do localismo e particularismo. Para Frigotto (2010, p.
35):
Fonte: http://www.folhavitoria.com.br
26
experiências de vida, concepções de educação e expectativas. Contudo, é de
fundamental importância a constituição do coletivo escolar, uma vez que projeto
político pedagógico se refere sempre a um coletivo, sendo inconcebível sem ele;
jamais pode ser fruto de desejos e aspirações individuais. Machado (2003) aponta que
o trabalho pedagógico é o modo de organização que a escola assume na tarefa de
pensar e produzir as relações de saber entre sujeitos e o mundo concreto, o mundo
do trabalho socialmente produtivo.
O trabalho pedagógico é norteado por um conjunto de princípios filosóficos,
políticos e epistemológicos definidores das normas e ações escolares e se apresenta
como condição de sustentação das relações estabelecidas entre os sujeitos que
integram o universo escolar. Pensar a organização do trabalho pedagógico implica
pensar o que será trabalhado - conteúdos, como - metodologia - e para que -
finalidades. Em se tratando das escolas do campo é preciso ter um olhar atento e
cuidadoso para o contexto em que estão inseridos, valorizando suas particularidades
e singularidades, que são características do seu entorno, bem como levar em conta o
diagnóstico da realidade sócio-político-econômica da localidade em que está inserida
a escola. A educação do campo nasceu colada ao trabalho e à cultura do campo e
não pode perder isso em seu projeto pedagógico (RIBAS, 2018).
O trabalho forma e produz o ser humano. A educação do campo precisa
recuperar uma tradição pedagógica de valorização do trabalho como princípio
educativo, do vínculo entre educação e processos produtivos e de discussão sobre as
diferentes dimensões e métodos de formação do trabalhador, de educação
profissional, cotejando esse acúmulo de teorias e de práticas com a experiência
específica de trabalho e de educação dos camponeses. O projeto da educação do
campo precisa estar atento para os processos produtivos que conformam o ser
trabalhador do campo e participar do debate sobre as alternativas de trabalho e
opções de projetos de desenvolvimento locais e regionais que possam devolver
dignidade para as famílias e as comunidades camponesas. Isso significa pensar a
pedagogia sob um ponto de vista mais amplo, como processo de humanização-
desumanização dos sujeitos, e pensar como estes processos podem e devem ser
trabalhados nos diferentes espaços educativos do campo. A cultura também forma o
ser humano e dá as referências para o modo de educá-lo (RIBAS, 2018).
27
São os processos culturais que garantem a própria ação educativa do trabalho,
das relações sociais, das lutas sociais. A educação do campo precisa recuperar a
tradição pedagógica que nos ajuda a pensar a cultura como matriz formadora e que
nos ensina que a educação é uma dimensão da cultura, como uma dimensão do
processo histórico, e que processos pedagógicos são constituídos desde uma cultura
e participam de sua reprodução e transformação simultaneamente. Quando dizemos
que os movimentos sociais são educativos é exatamente compreendendo que estão
provocando processos sociais que, ao mesmo tempo, reproduzem e transformam a
cultura camponesa, ajudando a conformar um novo jeito de ser humano, um novo
modo de vida no campo, uma nova compreensão da história. A educação do campo
precisa ser a expressão e o movimento da cultura camponesa transformada pelas
lutas sociais do nosso tempo. Pensar a educação vinculada à cultura significa
construir uma visão de educação em uma perspectiva de longa duração, ou seja,
pensando em termos de formação das gerações. E isto tem a ver, especialmente, com
a educação de valores (RIBAS, 2018).
A educação do campo, além de se preocupar com o cultivo da identidade
cultural camponesa, precisa recuperar os veios da educação dos grandes valores
humanos e sociais: emancipação, justiça, igualdade, liberdade, respeito à diversidade,
bem como reconstruir nas novas gerações o valor da utopia e do engajamento pessoal
a causas coletivas e humanas. O vínculo com as matrizes formadoras do trabalho e
da cultura nos remete a pensar em outro traço muito importante para a educação do
campo: sua dimensão de projeto coletivo e de concepção mais ampliada do que sejam
relações pedagógicas. O trabalho e a cultura são produções e expressões
necessariamente coletivas e não individuais. Raiz cultural, que inclui o vínculo com
determinados tipos de processos produtivos, significa pertença a um grupo,
identificação coletiva (RIBAS, 2018).
As relações interpessoais são inerentes à concretização do ato educativo, mas
se trata de pensá-las não como relação indivíduo, indivíduo para formar indivíduos,
mas sim como relações entre pessoas culturalmente enraizadas para formar pessoas
que se constituem como sujeitos humanos e sociais. A educação do campo também
se identifica pela valorização da tarefa específica dos educadores. Sabemos que em
muitos lugares eles têm sido sujeitos importantes da resistência social no campo,
especialmente nas escolas, e que têm estado à frente de muitas lutas pelo direito à
28
educação. A educação do campo tem construído um conceito mais alargado de
educador. Compreende-se que educadora é aquela pessoa cujo trabalho principal é
o de fazer e o de pensar a formação humana, seja ela na escola, na família, na
comunidade, no movimento social, seja educando as crianças, os jovens, os adultos
ou os idosos. Nesta perspectiva, todos somos de alguma forma educadores, mas isto
não tira a especificidade desta tarefa, pois nem todos temos como trabalho principal
educar pessoas e conhecer a complexidade dos processos de aprendizagem e de
desenvolvimento do ser humano, em suas diferentes gerações (RIBAS, 2018).
Para Caldart (2002), construir a educação do campo significa formar
educadores para atuação em diferentes espaços educativos. Na medida em que se
defende uma formação específica é porque se entende que boa parte deste ideário
que se está construindo é algo novo em nossa própria cultura. Há uma nova identidade
de educador a ser cultivada, ao mesmo tempo em que há uma tradição pedagógica e
um acúmulo de conhecimentos sobre a arte de educar que precisam ser recuperados
e trabalhados desde esta intencionalidade educativa da educação do campo. Por isso,
ao pensar no projeto político e pedagógico da educação do campo deve-se incluir uma
reflexão sobre qual perfil do profissional de educação precisamos e sobre como se faz
esta formação. Faz se necessário pensar sobre como os educadores têm se formado
nos próprios processos de construção da educação do campo e como isso pode ser
potencializado pedagogicamente em programas e políticas de formação específicas.
A educação do campo não cabe em uma escola, mas a luta pela escola (RIBAS,
2018).
A escola terá tanto mais lugar no projeto político e pedagógico da educação do
campo se não se fechar nela mesma, vinculando-se com outros espaços educativos,
com outras políticas de desenvolvimento do campo, e com a própria dinâmica social
em que estão envolvidos os seus sujeitos. Compreender o lugar da escola na
educação do campo é ter claro que ser humano ela precisa ajudar a formar e como
pode contribuir com a formação dos novos sujeitos sociais que se constituem no
campo. A escola precisa cumprir a sua vocação universal de ajudar no processo de
humanização, com as tarefas específicas que pode assumir nesta perspectiva. Ao
mesmo tempo é chamada a estar atenta à particularidade dos processos sociais do
seu tempo histórico e ajudar na formação das novas gerações de trabalhadores e de
militantes sociais. Não se trata de propor algum modelo pedagógico para as escolas
29
do campo, mas de construir coletivamente referências para processos pedagógicos a
serem desenvolvidos pela escola, que lhe permitam serem obra e identidade dos
sujeitos que ajuda a formar, com traços que a identifiquem com o projeto político e
pedagógico da educação do campo. (RIBAS, 2018)
Para construir referências comuns às escolas vinculadas a este projeto de
educação do campo, precisa-se antes pensar em alguns aspectos principais do que é
o trabalho específico da escola ou quais as funções sociais que assume ou deve
assumir, já dialogando com a intencionalidade política e pedagógica do projeto da
educação do campo. E pensar ainda em aspectos ou tarefas gerais, que depois
precisam ser desdobradas e pensadas pedagogicamente a partir dos diferentes
sujeitos que estão em cada escola específica, bem como levar em conta as diferenças
de cada ciclo da vida, de cada modalidade de escola. A escola precisa ser vista como
um espaço de socialização. A escola costuma ser um dos primeiros lugares em que a
criança experimenta, de modo sistemático, relações sociais mais amplas das que vive
em família e de uma intencionalidade política e pedagógica nesta dimensão pode
depender muitos dos traços de seu caráter, muitos dos valores que venha a assumir.
Fonte:blogviniciusdesantana.com
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identifica -, e de trabalhar os vínculos das pessoas com identidades coletivas, sociais:
identidade de camponês, de trabalhador, de membro de uma comunidade, de
participante de um movimento social, identidade de gênero, de cultura, de povo, de
Nação (RIBAS, 2018).
Compreende-se que este é um aprendizado humano essencial: olhar no
espelho do que somos e queremos ser, assumir identidades pessoais e sociais, ter
orgulho delas, ao mesmo tempo em que se desafiar no movimento de sua permanente
construção e reconstrução. Educar é ajudar a construir e a fortalecer identidades,
desenhar rostos, formar sujeitos. E isto tem a ver com valores, modo de vida, memória,
cultura. As identidades se formam nos processos sociais. O papel da escola será tanto
mais significativo se ela estiver em sintonia com os processos sociais vivenciados
pelos seus educandos e educadores, e se ela mesma consegue constituir um
processo social - cumprindo a tarefa da socialização de que tratamos antes - capaz
de ajudar a construir e fortalecer identidades. Pensando desde a intencionalidade
política e pedagógica da educação do campo, a escola deveria trabalhar com mais
ênfase para ajudar no cultivo de identidades aguçando a autoestima, memória e
resistência cultural (RIBAS, 2018).
A escola tem um papel que não pode ser subestimado na formação da
autoestima de seus educandos e também de seus educadores. E isto é muito
importante para a educação do campo, já que em muitas comunidades camponesas
existe um traço cultural de baixa autoestima acentuado, fruto de processos de
dominação e alienação cultural muito fortes, e que precisa ser superado em uma
formação emancipatória dos sujeitos do campo. Para que a escola assuma a tarefa
de fortalecer a autoestima dos seus educandos, além de todo um trabalho ligado à
memória, à cultura, aos valores do grupo, é preciso pensar na postura dos educadores
e na transformação das didáticas ou do jeito de conduzir as atividades escolares
(RIBAS, 2018).
A escola precisa ajudar a enraizar as pessoas em sua cultura, que pode ser
transformada, recriada a partir da interação com outras culturas, mas que precisa ser
conservada, porque não é possível fazer formação humana sem trabalhar com raízes
e vínculos. Isto quer dizer que a escola precisa trabalhar com a memória do grupo e
com suas raízes culturais e isto quer dizer também que se deve ter uma
intencionalidade específica na resistência à imposição de padrões culturais
32
alienígenas e no combate à dominação cultural. Ou seja, a escola pode ajudar os
educandos a perderem a vergonha de ser da roça, a aprender a ser camponês, e a
ser de movimento social, a aprender a valorizar a história dos seus antepassados,
tendo uma visão crítica sobre ela, e a aprender do passado para saber projetar o futuro
pela contação de histórias que tenham a memória do grupo como referência, assim
como trabalhar com que expressem a cultura camponesa e a coloquem em diálogo
com outras culturas (RIBAS, 2018).
A educação do campo precisa aprofundar a reflexão sobre como a escola pode
ajudar a cultivar utopias, respeitando a cultura camponesa e a própria fase da vida em
que se encontram os diferentes educandos. É preciso refletir permanentemente sobre
a intencionalidade educativa da escola nesta perspectiva e olhar para os detalhes do
seu ambiente educativo e trabalhar com diferentes saberes à qual cabe uma
aproximação crítica, nem tanto para tentar trazer estes saberes para o seu interior, o
que nem sempre é possível sem trair sua natureza, mas para provocar a inserção dos
educandos em processos sociais capazes de produzi-los. Ao mesmo tempo, cabe à
escola ajudar na reflexão coletiva sobre esses saberes, relacionando-os entre si e
potencializando-os nos processos de socialização dos educandos, de construção de
sua visão de mundo e de suas identidades, enfim, em seu processo mais amplo de
humanização ou de formação humana.
Entende-se que a educação do campo deve incluir em seu debate político e
pedagógico a questão de que saberes são mais necessários aos sujeitos do campo e
podem contribuir na preservação e na transformação de processos culturais, de
relações de trabalho, de relações de gênero, de relações entre gerações no campo e
de que saberes podem ajudar a construir novas relações entre campo e cidade. É
necessário discutir sobre como e onde estão sendo produzidos esses diferentes
saberes, qual a tarefa específica da escola em relação a cada um deles e, também,
que saberes especificamente escolares podem ajudar na sua produção e apropriação
cultural. Esta é uma reflexão que deve continuar. A educação do campo precisa
aprofundar sua reflexão sobre que formato de escola é capaz de dar conta destas
tarefas indicadas e, especialmente, dedicar-se ao estudo de didáticas e metodologias
que traduzam esta concepção de escola e projeto político e pedagógico em cotidiano
escolar (RIBAS, 2018).
33
7 A EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO FORMAÇÃO HUMANA PARA O
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Fonte:www.envolverde.cartacapital.com.br
37
outros. Isto é, a produção familiar construída a partir de laços de cooperação e
solidariedade dá lugar ao modelo de produção agrícola artificializado e transformado
num ramo da indústria, tendo como consequência estrutural o processo acelerado de
marginalização da agricultura camponesa, cada vez mais sem papel nessa lógica de
pensar o desenvolvimento (UFBA, 2010, p.47).
O atual modelo de desenvolvimento, baseado na acumulação de riqueza nas
mãos de poucos, contribuiu para o esvaziamento do campo, a ampliação das
periferias das grandes cidades e o aumento da concentração de terras, bem como,
favoreceu a troca da adubação orgânica pela química e incentivou a produção voltada
para a exportação em detrimento do mercado interno, levando os agricultores/as ao
endividamento e à perda de terras e, por que não dizer também, da privatização do
saber. No caso mais específico do nordeste brasileiro, vários estudos (FURTADO,
1980; SILVA, 2006; SOUSA, 2005) demonstram que a maioria dos problemas sociais
e econômicos é devido à estrutura excludente predominante nessa região baseada
na concentração da terra e da água, e na dificuldade de acesso aos meios e recursos
necessários à produção agrícola e à pecuária (LIMA, 2011).
Para Silva (2006), os principais problemas sociais e econômicos vivenciados
pelos nordestinos são decorrentes não só das questões climáticas e ambientais, mas
das políticas de desenvolvimento equivocadas, associadas aos processos de
exploração da população e da apropriação indevida de suas riquezas naturais. Por
outro lado, a grande concentração de terra e água nas mãos de pequenos grupos
políticos e econômicos, aspectos que consolidaram o processo de dominação política
pautado no autoritarismo e no abuso de poder dos “coronéis”, contribuiu
definitivamente à implementação de uma cultura política baseada na submissão, no
clientelismo, no paternalismo e no comodismo (SOUSA, 2005). Além disso, as
políticas de desenvolvimento para o nordeste foram centradas na construção de
grandes obras hídricas, na grande propriedade rural e na agricultura irrigada,
constituindo-se em políticas públicas concentradoras e excludentes incentivadoras do
monopólio da propriedade da terra, resultando no fortalecimento do poder dos
latifundiários em detrimento dos interesses dos camponeses.
Diante desse contexto, a década de 80 foi marcada pela organização dos
camponeses em movimentos sociais e pelas mobilizações políticas que se
contrapunham às políticas perversas de desenvolvimento rural, responsáveis pela
38
negação do direito à terra aos camponeses e pela exclusão do acesso às riquezas
produzidas pelo mundo rural. Os movimentos sociais do campo (Movimento Sindical
dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – MSTTR; Movimento Sem Terra – MST;
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA; dentre outros) exerceram um
importante papel na organização dos agricultores familiares em defesa de políticas
públicas que garantissem o acesso à terra, à assistência técnica, ao crédito e outros
direitos necessários à produção da vida digna no campo (LIMA, 2011).
O trabalho de mobilização política e social, desenvolvido pelos movimentos
sociais do campo, associado aos estudos em defesa do meio ambiente e da produção
sustentável trouxe à tona novas concepções de desenvolvimento voltadas para a
valorização e a preservação da vida, da cultura, da produção e dos ecossistemas.
Nessa perspectiva, surgem as discussões sobre a necessidade da construção de uma
política de desenvolvimento associada aos princípios da sustentabilidade. No entanto,
não há consenso em torno dos conceitos e princípios que norteiam o debate sobre a
sustentabilidade, termo polissêmico, compreendido e incorporado pelos diferentes
atores sociais de forma difusa e plural. Desse modo, precisamos compreender que o
termo sustentabilidade vem sendo utilizado para satisfazer diferentes interesses
políticos e econômicos. Para Silva (2005, p. 04),
40
118). A partir das discussões construídas na década de 90, acerca do
desenvolvimento sustentável e solidário, os movimentos sociais vêm articulando-se
com o intuito de reorientar as políticas públicas voltadas para o campo, situando-as
com os princípios da sustentabilidade. Nesse caso, os camponeses trabalham na
perspectiva de construção de um projeto de desenvolvimento que valorize a cultura
camponesa, reconheça a biodiversidade do campo, a beleza de seus povos, sua
originalidade, suas potencialidades, sua complexidade, sua diversidade étnica e
cultural e, sobretudo, compreenda que as políticas específicas para o campo devem
ser pensadas a partir da realidade da vida campesina como forma de reconhecimento
de seu povo como sujeito de sua história (LIMA, 2011).
Fonte: www.web.arapiraca.al.gov.br
41
a) A soberania alimentar como princípio organizador de uma nova
agricultura, com uma produção voltada para atender as necessidades
do povo e com políticas públicas voltadas para esse objetivo;
b) A democratização da propriedade e do uso da terra, onde a reforma
agrária deve voltar à agenda prioritária do país como forma de reverter
o processo de expulsão do campo e disponibilizar a terra para a
produção de alimentos;
c) Uma nova matriz produtiva e tecnológica, que combine produtividade do
trabalho com sustentabilidade socioambiental, o que inclui a opção pela
agroecologia;
d) O princípio da cooperação, em lugar da exploração, para organizar a
produção;
e) A mudança da matriz energética;
f) O avanço na organização política, econômica e comunitária dos
camponeses e pequenos agricultores.
42
a) Seu importante papel na garantia da segurança alimentar;
b) Seu potencial para promoção da sustentabilidade ecológica através de
sua capacidade de conviver de forma harmônica com ecossistemas
naturais; e
c) Sua contribuição na preservação da identidade cultural dos camponeses
através da valorização e resgate do modo de vida que associa conceitos
de cultura, tradição e identidade.
43
7.3 As contribuições da educação do campo para o desenvolvimento
sustentável
44
demonstrar aos jovens que, a partir do avanço tecnológico, inúmeras transformações
estão ocorrendo nesses espaços. E o campo não é mais aquele lugar
subdesenvolvido e atrasado, já que a população tem acesso às novas tecnologias e
aos novos conhecimentos que permitem o desenvolvimento de novas estratégias de
produção cultural e econômica. Como também a cidade não se enquadra mais
naquele discurso de modernidade e desenvolvimento, pois boa parte de sua
população convive com inúmeros problemas sociais relacionados com a insegurança,
o desemprego, a falta de transporte, escolas, dentre outros. Nesse caso, campo e
cidade buscam através desse reencontro soluções complementares para os seus
problemas (LIMA, 2011).
Fonte: www.google.com.br
Atualmente, convivemos com grupos que estão na cidade e querem voltar para
o campo reconstruindo suas vidas a partir de práticas saudáveis e sustentáveis, temos
também pessoas que buscam a cidade para a realização de sonhos profissionais,
entre outras opções. Dessa forma, acreditamos que o papel da educação do campo
não é impor aos alunos modelos ou projetos de vida, mas conscientizá-los das
45
diferenças, contradições e possibilidades que esses espaços oferecem para eles
terem a opção de fazer suas escolhas de forma madura e consciente. Além disso, a
escola precisa oferecer aos alunos conhecimentos e tecnologias, permitindo-os
reinventar as formas de viver e produzir no campo, garantido sustentabilidade e
qualidade de vida.
A educação do campo comprometida com a construção de novas alternativas
de desenvolvimento sustentável deve criar projetos educativos que permitam a
valorização dos saberes socioculturais dos camponeses e a reflexão crítica acerca
das potencialidades e dos problemas vivenciados no campo, favorecendo a
construção de um olhar crítico acerca dos desafios e das possibilidades existentes na
perspectiva do desenvolvimento sustentável e solidário. Somente através do
reconhecimento de seus potenciais, enquanto protagonistas das políticas de
desenvolvimento rural, os camponeses poderão ampliar seus processos organizativos
e buscar as condições para a implementação de novas políticas e práticas voltadas à
sustentabilidade do campo. Daí a importância da parceria entre as escolas do campo,
os movimentos sociais e as instituições de assessoria técnica e extensão rural, pois
através dessa articulação será possível pensar práticas formativas associadas aos
projetos de desenvolvimento local que de fato promovam mudanças significativas nas
comunidades rurais (LIMA, 2011).
Como dizia Freire (1997), se a educação não é capaz de permitir a
transformação da realidade, sem ela torna-se ainda mais difícil as transformações
ocorrerem. Neste caso, a escola pode se colocar na condição de mobilizadora de
conhecimentos, tecnologias e saberes que fomentem processos organizativos e
políticos voltados para a articulação de novas parcerias entre os grupos e as
organizações sociais com a finalidade de promover o desenvolvimento sustentável. O
conhecimento das potencialidades locais e das possibilidades de desenvolvimento é
uma das principais atividades a serem explanadas pela escola comprometida com a
sustentabilidade no meio rural. Ou seja, a construção de projetos de desenvolvimento
sustentável passa pelo trabalho de reconhecimento dos aspectos socioculturais,
ambientais e econômicos das comunidades para que, através desse processo, se
visualize os caminhos que serão trilhados na área da formação e implementação das
práticas de intervenção que possibilitará a gestão das políticas de sustentabilidade.
No entanto, esse não pode ser um processo autoritário e impositivo, porque um dos
46
princípios básicos da sustentabilidade é a construção coletiva dos processos
formativos e de intervenção (LIMA, 2011).
Nesse aspecto, a sustentabilidade se constitui a partir dos sonhos, dos desejos
coletivos e através do reconhecimento e da potencialização das riquezas culturais,
sociais e ambientais dos grupos. Não há desenvolvimento sustentável se as
atividades e projetos não estiverem em sintonia com os processos organizativos e
culturais das pessoas. É importante a educação do campo ser construída enquanto
prática social alimentada pelos sonhos e desejos coletivos, além de ser um reflexo
dos interesses dos grupos sociais que atuam no contexto da escola. Logo a escola
não está para determinar os sonhos e projetos das pessoas, mas para contribuir na
construção de saberes que permitam a concretização dos sonhos e projetos coletivos.
Constitui-se numa ferramenta imprescindível na democratização de
conhecimento e tecnologias que auxiliarão as pessoas na compreensão do mundo e
na produção de novas perspectivas de vida. Nesse sentido, as diferentes áreas do
conhecimento trabalhadas nas escolas oferecerão aos jovens a possibilidade de
produzir novos conhecimentos que permitam desenvolver um olhar multidisciplinar
sobre a realidade do campo, compreendendo-o em sua complexidade e singularidade,
consentindo a produção de projetos que superem a lógica fragmentada que muitas
vezes se contrapunha aos princípios da sustentabilidade. A educação para o
desenvolvimento sustentável deve ser construída a partir dos saberes locais, tendo a
realidade sociocultural, ambiental e produtiva como ponto de partida e de chegada
dos processos educativos. Assim, o trabalho pedagógico necessita estar associado
às práticas culturais desenvolvidas pelos camponeses (LIMA, 2011).
Desse modo, no ensino com pesquisa, os alunos serão desafiados a
pesquisarem e refletirem sobre as dinâmicas organizativas e produtivas da
comunidade, identificando os elementos que precisam de uma reflexão coletiva
aprofundada na perspectiva de redefinir práticas e ações, buscando assim o caminho
para a sustentabilidade econômica, socioambiental e cultural. Sendo assim, as
práticas educativas construídas a partir dos princípios da sustentabilidade devem
articular-se a partir das seguintes dimensões, conforme Silva (2006):
47
b) A dimensão cultural: imprescindível para construir novas formas de relação
entre homens e mulheres e entre o ambiente natural e social;
c) A dimensão econômica: necessária para criar alternativas de produção
apropriada e solidária que garanta a geração e distribuição de renda;
d) A dimensão ambiental: é imprescindível para que se adotem práticas
culturais que favoreçam o uso sustentável, a conservação e a preservação
dos recursos naturais; e,
e) A dimensão política: indispensável ao fortalecimento da sociedade civil e à
participação cidadã na formulação e conquista de políticas públicas para o
campo.
A partir do trabalho com estas dimensões, as escolas irão fomentar nos jovens
do campo um olhar crítico acerca das alternativas de desenvolvimento e das
possibilidades de reinvenção dos processos organizativos e políticos, visando a
conquista de políticas públicas que deem conta das necessidades da comunidade no
contexto da produção da sustentabilidade. Entretanto, diante desse contexto,
precisamos de uma escola do campo que se constitua a partir dos princípios
democráticos. Uma escola construída pelos sujeitos do campo, que contemple nos
projetos de formação os interesses, os sonhos e as necessidades formativas dos
grupos sociais do campo. Aberta aos saberes socioculturais e à participação de todos
os camponeses com suas diferenças e singularidades (LIMA, 2011).
Assim, as instituições de ensino situadas no contexto do campo devem adotar
práticas políticas e pedagógicas voltadas à mobilização e problematização da
comunidade, despertando-a para a construção de caminhos que possibilite a solução
dos problemas sociais e, consequentemente a consolidação das políticas de
sustentabilidade. Para tanto, as práticas educativas desenvolvidas no campo devem
reconhecer e despertar os camponeses para o exercício da cidadania. Além disso,
precisa conscientizá-los da importância da organização comunitária na construção
das alternativas de desenvolvimento e na conquista de políticas públicas voltadas para
a sustentabilidade no campo.
É notório o crescimento do debate sobre o desenvolvimento sustentável nos
últimos anos, envolvendo os mais variados setores da sociedade. No entanto, esse
debate não é linear nem homogêneo, mas se consolida a partir de bases conceituais
48
e interesses difusos e plurais. Até mesmo entre os movimentos sociais e setores mais
progressistas que atuam em defesa das políticas públicas do campo não há um
consenso em torno dos princípios e concepções acerca do projeto de
desenvolvimento sustentável. Dessa forma, a compreensão acerca dos princípios que
norteiam as discussões sobre o desenvolvimento e a sustentabilidade torna-se um
dos desafios aos professores e às escolas. Uma vez que o debate sobre a
sustentabilidade nas escolas não pode limitar-se às oficinas de materiais reciclados,
aos estudos desenvolvidos nos livros didáticos, aos projetos pontuais de
reflorestamento e hortas escolares. Deve envolver discussões mais amplas e
profundas acerca do modelo de vida constituído pelos sujeitos do campo (LIMA,
2011).
Diante da complexidade do tema, o debate sobre a sustentabilidade deve
nortear o projeto político pedagógico da escola, norteando todo o seu fazer educativo,
pois tem uma relação direta com o modelo de sociedade que se deseja construir e o
perfil de sujeito que se deseja formar. Passa pelos princípios políticos e filosóficos que
norteiam o currículo e, principalmente pelo processo de seleção dos conteúdos. Nessa
perspectiva, pensar um projeto educativo comprometido com o desenvolvimento
sustentável exige o enfrentamento de alguns desafios:
49
Além disso, compreendemos que a construção de projetos educativos
comprometida com a sustentabilidade passa também pelo reconhecimento e a
valorização dos diferentes sujeitos que vivem do campo, com seus saberes e práticas
diferenciadas e carregadas de significados políticos e culturais. Por fim, acreditamos
que o desenvolvimento sustentável se consolida na medida em que a democracia se
efetive em sua radicalidade, onde os diferentes sujeitos sejam respeitados e vistos
como protagonistas das políticas de desenvolvimento em meia as suas diferenças e
singularidades, independentemente de cor, raça, orientação sexual, gênero, classe
social, opção religiosa e ideológica.
50
8.1 Movimentos sociais rurais no Brasil
[…] no início dos anos 50, esse partido pregava o confisco da terra aos
latifundiários, seguido de distribuição gratuita aos camponeses sem terra ou
com pouca terra. Em meados da década, no entanto, passando a desfrutar,
desde o início do governo Kubitschek, de uma situação de semilegalidade e
sofrendo os impactos de uma mudança a nível internacional das políticas dos
partidos comunistas, fruto da desestalinização, o PCB revisou suas posições
anteriores. A partir da chamada Resolução de 1958, do Comitê Central do
51
PCB, a reforma agrária, entendida como a transformação radical da estrutura
agrária, com a liquidação do monopólio da terra e das relações pré-
capitalistas de trabalho, mantém-se como uma bandeira central do partido.
Porém, passa a ser condicionada à formação de uma frente única, que
reunisse todas as forças interessadas no combate ao imperialismo norte-
americano. Isso porque, de acordo com a análise do PCB, a contradição
fundamental da sociedade brasileira era com os setores capitalistas
vinculados com essa forma de imperialismo. Ao lado dela figurava ainda a
contradição entre as forças produtivas em desenvolvimento e as relações de
produção semifeudais na agricultura que, por sua vez, tinham por base
setores latifundiários também com interesses ligados ao imperialismo. Essa
frente abrangeria o proletariado, os camponeses, a pequena burguesia
urbana, a burguesia, os latifundiários que tinham contradições com o
imperialismo norte-americano e os capitalistas ligados a grupos imperialistas
rivais dos monopólios norte-americanos (MEDEIROS, 1989, p. 53).
52
Em 1964, com a ditadura civil-militar no Brasil, os movimentos sociais em geral
foram retraídos e a opressão que sofriam do governo tornou a ideia de reforma agrária,
que estava se consolidando no meio rural e nos debates políticos, muito distante. O
processo de intervenção militar provocou um enorme retrocesso em várias áreas que
vinham sendo debatidas publicamente sobre interesses sociais.
Medeiros (1989) salienta que, durante a primeira década da ditadura civil-militar
no país, vários líderes foram presos, associações fechadas e houve um controle rígido
sobre os sindicatos, especialmente na Contag. Contudo, as organizações atuavam na
esfera jurídica, de forma cautelosa, buscando (re)afirmar os direitos dos
trabalhadores, sobretudo ao cobrar a legalidade no trabalho e questões
previdenciárias.
[…] deve ser lembrado que uma atuação mais combativa do sindicato
imediatamente se traduzia em uma possibilidade de intervenção, prisões, e
mesmo repressão policial aberta. E dentro desse quadro que se gera um
determinado tipo de dirigente sindical, caracterizado pela ação prudente, que
não desafiava o Estado. Seu princípio era: “É preferível fazer pouco do que
não fazer nada” (MEDEIROS, 1989, p. 94).
53
enfrentamento entre os jagunços das grandes empresas e os posseiros.
Alguns poucos foram divulgados pela imprensa 107 da época, rigidamente
censurada.
54
Em 1984, surgiu oficialmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), considerado por muitos o principal movimento social na luta pela reforma
agrária. Resultado de uma série de conflitos que iniciaram na década de 1970, o MST
envolvia posseiros, grileiros, grandes latifundiários, ocupações de terras irregulares e
outros processos fundiários, também como resultado do Movimento dos Atingidos por
Barragens, organizado pela CPT, além de conflitos no Paraná, em Santa Catarina e
em outros estados na década de 1980:
55
Assim, o MST passou a exercer um papel expressivo para a regularização
fundiária no campo e na luta pelo acesso à terra dos milhares de sem- -terra em todo
Brasil, tendo ultrapassado, a partir dos anos 2000, a marca de 1,5 milhão de pessoas
com mais de 350 mil famílias assentadas (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES
RURAIS SEM TERRA, 2020).
Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República em
2003, o Movimento voltou a ter esperança em relação aos projetos e às políticas que
viabilizariam a reforma agrária; contudo, o modelo adotado pela via das políticas de
crédito promoveu dois perfis de agricultura a grosso modo: de um lado, o agronegócio,
expressão criada para representar o grande capital atuante na agricultura de mercado
global, que despontou no Brasil pós-2003 depois da criação do Sistema Nacional de
Crédito Rural, que passou articular o sistema financeiro ao capital agrícola e elevou o
país a patamares de produtividade jamais vistos (DELGADO, 2012; MELLO;
GUALDA, 2013). De outro, o país passou a fomentar políticas públicas para
agricultores familiares, oferecendo condições de integração para os pequenos
produtores rurais familiares ao mercado, possibilitando sua permanência no campo e
disponibilizando crédito para a modernização das propriedades rurais. Ao mesmo
tempo, passou a articular e expandir algumas políticas públicas, como o Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que criou uma demanda governamental em
relação aos pequenos produtores familiares.
Fato é que, apesar dos dois governos Lula e do governo Dilma, a reforma
agrária não ocorreu, e os conflitos fundiários permanecem até a atualidade, dando
sentido cada vez maior aos movimentos sociais rurais.
Nesse contexto, a agricultura empresarial brasileira tem tornado a possibilidade
de reforma agrária cada vez mais distante, pois se, na década de 1950, grande parte
da população rural não tinha acesso a propriedades e o perfil agrário improdutivo
favorecia o debate acerca da questão, na atualidade cerca de 15% apenas da
população brasileira vive no campo, com um perfil de elevada concentração fundiária
em várias regiões do Brasil, uma agricultura voltada à elevada produção de
commodities e uma intensa produtividade de algumas regiões, promovendo um
debate daquele promovido no século passado. O próprio saldo positivo na balança
comercial brasileira, resultado, entre outras coisas, das exportações de grãos, dificulta
a atuação dos movimentos sociais, que, apesar de permanecerem ávidos na luta,
56
agem de forma localizada, inclusive pelo distanciamento de parte dos grandes
partidos políticos de esquerda em dar ênfase às demandas (na atual conjuntura) do
MST.
Ainda, os problemas sociais no campo na atualidade são maiores que em
outros momentos históricos, pois se soma a grave questão ambiental promovida pela
agricultura moderna empresarial, como destacaremos adiante.
57
movimentos sociais, destacando-se a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no
governo Vargas, o surgimento dos movimentos sociais rurais de modo mais
expressivo pós-1950 e a Constituição de 1988, além da diversificação econômica
atrelada à expansão populacional, a intensa migração externa e interna, o êxodo rural
e a urbanização e mudanças do próprio território em termos de tecnificação, como
algumas das alterações drásticas vividas no país (SANTOS; SILVEIRA, 2001;
BECKER; EGLER, 1994).
Apesar disso, os problemas do campo atravessaram a história do Brasil
colonial, do Brasil republicano, do período de transformações econômicas do século
XX, do período do regime militar, da redemocratização e se estende até a atualidade
no século XXI — trata-se de anseios jamais superados e que, hoje, parecem cada vez
mais distantes de ser solucionados.
Entre os principais problemas do campo, podemos destacar a questão fundiária
envolvendo a legalidade do acesso à terra, motivo pelo qual inúmeras disputas pela
terra acirraram a violência no campo, ampliando conflitos, mortes, vítimas e
catástrofes. A incorporação das terras a partir da colonização e da herança (sesmarias
e capitanias hereditárias) promoveu enormes concentrações fundiárias;
posteriormente, a incorporação de terras por meio de grilagem, posse ilegal e
propriedades não documentadas levou a conflitos entre povos indígenas,
camponeses, posseiros, grileiros, seringueiros, mineradores, bem como entre o
próprio Estado em algumas ocasiões. Aqui, evidenciam-se dois problemas: a
ilegalidade na ocupação das terras e a clandestinidade na aquisição das propriedades
e os conflitos surgidos como resultado dos primeiros.
Desse processo, decorre a necessidade da reforma agrária, principal bandeira
das Ligas Camponesas e, depois, do MST, representando tanto uma solução para os
problemas descritos quanto para questões de caráter econômico e social, como
promover o direito à propriedade, a reprodução da vida digna a partir do trabalho e a
diminuição da exploração a partir da divisão social entre assalariado e proprietário.
A reforma agrária também ganhou expressão a partir da combinação dos
fatores destacados e da necessidade de garantir o direito à reprodução da própria
cultura camponesa, que não vincula a terra à renda, mas sim à reprodução de um
modo de vida, na qual se torna parte inerente da cultura do grupo camponês; assim,
os grupos indígenas passaram a assumir essa postura pela reivindicação territorial, já
58
que natureza, água, solo, clima e floresta compõem naturalmente parte de sua cultura
e reprodução como grupo social.
Além do processo de apropriação e incorporação da terra e os problemas delas
resultados, o avanço do capitalismo no campo provocou outros impasses, como o
desmatamento, a continuidade do avanço da fronteira agrícola (muitas vezes, em
áreas ilegais), a subordinação da agricultura ao capital industrial e financeiro e ao
mercado global, colocando em destaque o problema da soberania alimentar.
O uso intensivo de agroquímicos nas lavouras, as sementes transgênicas e a
atuação massiva de multinacionais no território brasileiro colocaram em xeque a
soberania alimentar, a saúde da população consumidora e a própria soberania do
território, haja vista uma tremenda articulação entre o espaço territorial físico e a
dependência dos atores globais quanto ao controle do uso e da organização territorial,
tendo se adaptado às exigências capitalistas globais (RIBEIRO; CLEPS JUNIOR,
2011).
Problemas ambientais, como erosão, perda da biodiversidade, poluição das
águas e do solo, além do desmatamento, também surgiram como resultado do avanço
do capitalismo agrário moderno, momento em que as bandeiras dos movimentos
sociais ambientais se somaram às dos movimentos sociais rurais.
No bojo desse processo, os movimentos sociais — ora mais expressivos, ora
menos — travaram embates políticos, ideológicos e legítimas reivindicações, e, ao
mesmo tempo, têm assumido um papel de resistência, absorvendo diversas
demandas que surgiram no decorrer da história quanto ao processo de ocupação do
campo, aos conflitos, à modernização agrícola e à atuação de multinacionais no
controle territorial, lutando contra os problemas do campo brasileiro, que parecem
estar longe de se exaurir. Para isso, tendo em vista a complexidade histórica,
geográfica, econômica, política e cultural dessas questões, exigem-se cada vez mais
leituras que dialoguem com diferentes saberes, mas que vocalizem os anseios
populares da atualidade.
59
rural, os movimentos sociais passaram a atuar de modo significativo em um modelo
de educação que, para além da alfabetização, inserisse princípios como cidadania e
identidade de classe a partir do processo de constituição da luta camponesa
paralelamente à formação educacional do indivíduo.
Desse modo, conforme salienta Queiroz (2011, p. 39):
60
trabalhadoras, rurais e urbanas. No que tange às escolas rurais, discute-se a questão
do currículo e do próprio processo de formação do alunado, tendo em vista que a
constituição dessas escolas se dá em um contexto de luta e politização no seio dos
movimentos sociais.
E, embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação promulgada em 1996 tenha
instituído as diretrizes educacionais e definido os pressupostos que norteiam e
regulamentam a educação do campo, e, ainda, da instituição dos Parâmetros
Curriculares Nacionais nos anos posteriores (de 1997 a 1999), as discussões acerca
desse currículo permaneceram, levando as escolas a criar seus projetos políticos
pedagógicos e instaurar seus planos norteadores dentro de uma proposta
convergente com a realidade local.
Nesse contexto, as escolas do campo começaram a atuar com uma pedagogia
crítica e valorizar a identidade camponesa, inserindo temáticas fundamentais no
contexto pedagógico, como princípios sustentáveis e projetos voltados à produção de
alimentos, sendo guiada por uma filosofia crítica e, ao mesmo tempo, solidária.
As escolas envolvidas com movimentos sociais, principalmente MST ou as
Pastorais da Terra, mantiveram o currículo com tais vieses, porém aquelas que se
distanciaram dos movimentos sociais passaram a incorporar um currículo educacional
da escola urbana, tema que tem sido alvo de inúmeras pesquisas críticas no campo
da educação, da sociologia, entre outros.
Em uma pesquisa, Souza (2007, p. 1109) afirmou que:
61
construção de um projeto articulado à demanda local dos sujeitos ensinantes e
aprendentes no contexto territorial.
Ainda, fica evidente que as escolas do campo formadas a partir e no bojo dos
movimentos sociais acabaram incorporando aos seus projetos político-pedagógicos
instrumentos ideológicos instrumentalizados por essas organizações, contribuindo
para a reprodução de ideias que vão de encontro à comunidade. Assim, a luta e a
resistência do grupo social combinam-se ao papel da escola do campo, que se afirma
não apenas no sentido da formação cognitiva e do letramento de indivíduos, mas
também de uma formação sociopolítica cidadã, que permite a construção social das
classes e a (re)produção cultural do camponês como indivíduo ávido no debate
público e sujeito pertencente à coletividade de forma solidária.
Assim, a educação do campo sofre na atualidade alguns embates, como a
implementação de uma Base Nacional Comum Curricular, que tem, entre outros, o
objetivo de padronizar nacionalmente o currículo escolar, além de problemas de
custeio, principalmente no caso de instituições dependentes diretamente do Estado,
com o fechamento de inúmeras escolas. Também carecem de um debate mais intenso
sobre o currículo da educação do campo, haja vista que grande parte das escolas
rurais segue o currículo alinhado à escola urbana, descontextualizado da realidade
local da comunidade.
Em paralelo, a própria educação crítica, de modo geral, sofre vários embates,
na tentativa de diminuir conteúdos de formação política, o que se estende a todas as
escolas, inclusive urbanas. Desse modo, as escolas do campo firmadas com base nos
ideais dos movimentos sociais mais uma vez assumem um papel de resistência e de
exemplo, a partir de uma educação comprometida com a transformação social da
realidade, que prima pela identidade das classes e preserva ideais de cidadania e
solidariedade.
62
se estas possibilitaram outra cidadania que consideramos possível destinada aos
vários grupos de camponeses existentes no campo brasileiro. No primeiro momento,
fazemos um breve balanço histórico da educação no Brasil até nossos dias
considerando especificamente a educação básica e suas conquistas na legislação e
na realidade dos povos do campo. No segundo momento, nos propomos a discutir o
papel dos movimentos sociais do campo na formação de uma outra cultura política de
cidadania que se distingue do chavão “cidadania” amplamente utilizado pelas elites
liberal-burguesas até o momento (NASCIMENTO, 2018).
Por fim, no terceiro momento queremos propor uma discussão de que a
educação do campo que surge nos anos 90 a partir das lutas sociais e de cidadania
dos movimentos sociais deve ser considerada como política pública ainda em
processo de construção e de afirmação. Ao mesmo tempo, apresentamos três
programas governamentais, a saber: Pronera, Saberes da Terra e Programa de Apoio
à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo – ProCampo. O
Pronera é um programa que surge ainda no governo FHC e os outros dois são
políticas implantadas durante o governo Lula. Assim, essa reflexão se pauta numa
intencionalidade visível que é a educação do campo neste cenário de busca pelos
direitos sociais negados e de afirmar o fim da longa noite escura da educação
destinada aos povos do campo brasileiro.
64
escola é a grande “feira” onde se vende o ensino. Comumente se vê professores
chamarem os alunos de “clientes”, “clientela” ou outros adjetivos que determinam o
comportamento político dos mesmos, ou seja, a relação entre capital e saber está
intrinsecamente determinada por aqueles que se tornam clientes do sistema de ensino
e por ele pagam (NASCIMENTO, 2018).
65
um maior índice de produtividade e, como consequência, o bem-estar social
(FONSECA, 1985). Em 1950, há a criação da Campanha Nacional de Educação Rural
(CNER) e do Serviço Social Rural (SSR) que preparava técnicos para atuar no meio
rural em várias áreas, tais como: educação de base ou alfabetização, melhoria de
vida, saúde, associativismo, economia doméstica, artesanato, entre outros. A década
de 1950 foi um momento difícil no meio rural brasileiro devido ao problema do êxodo
rural que toma um nível de proporção assustador. A educação rural na Lei 4.024/61,
considerada a primeira LDB, continuou negando a existência da diversidade no meio
rural brasileiro, pois a escola estava condicionada às intencionalidades capitalistas.
Na concepção de Leite (1999) a educação rural sofreu as mesmas discriminações
governamentais de tempos anteriores (NASCIMENTO, 2018).
66
a Lei 5.692/71 que possuía um caráter mais conservador do que a Lei 5.540/68,
principalmente, por não trazer novidades renovadoras e transformadoras. O dualismo
entre educação para o saber e educação para o fazer, entre formação intelectual e
formação técnica-profissional prevaleceu. A Lei em si permaneceu distante dos
anseios camponeses o que determinou a não incorporação das exigências culturais
emergentes do processo escolar rural e nem sequer cogitou a possibilidade de
políticas educacionais específicas aos vários grupos do campo brasileiro
(NASCIMENTO, 2018).
Com o novo processo de redemocratização a partir do Governo Tancredo e
Sarney, os movimentos sociais do campo se articulam na busca pelos direitos sociais
historicamente negados na legislação brasileira e no imaginário social da população.
A criação da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em 1975 e do MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra) em 1984 deu novo impulso para as lutas sociais no
campo brasileiro. As lutas não se destinavam somente à reforma agrária, mas,
sobretudo, aos direitos sociais como saúde, educação, moradia e crédito.
68
cativeiro imposto pela hegemonia neoliberal que apresenta o deus mercado como
única via, única alternativa. Por isso, pensar a educação do campo significa assumir
três compromissos básicos: um compromisso ético/moral com a pessoa humana
desumanizada historicamente; um compromisso com a intervenção social e educar,
neste sentido, significa intervir para transformar as realidades de exclusão
pedagógicas tão frequentes nos municípios e estados da federação; e, por último, um
compromisso com a cultura camponesa em suas diversas facetas, seja para resgatá-
la, seja para recriá-la, bem como, para conservá-la.
A Educação Básica do Campo não pode ser vista sem a participação do
movimento social existente no campo. É a partir das pedagogias, dentre elas, a
Pedagogia da Alternância, construídas pelo movimento que se compreenderá o
fenômeno educativo camponês. As pedagogias dos gestos, do fazer, da construção
coletiva falam mais do que qualquer teoria pedagógica pensada pelo cientificismo das
estruturas educacionais. A característica do movimento social é exatamente falar
pelos gestos, ou seja, falar por meio da linguagem, das palavras, dos rituais, da
mística. Isto pode ser percebido claramente nos encontros e nas ações coletivas
(NASCIMENTO, 2018).
Para Arroyo (1999: p. 09):
69
9.3 A educação do campo enquanto política pública
70
ser assumidos por todos. Estes valores são os compromissos básicos, urgentes e
emergentes. São eles: compromisso com a soberania; com a solidariedade
(extermínio da exclusão social e da desigualdade); com o desenvolvimento
(rompimento com o capital financeiro); com a sustentabilidade; com a democracia
ampliada; e, com a segurança alimentar. Diante dessa exposição sobre a concepção
de educação do campo queremos apresentar de forma preliminar três programas de
educação do campo que se efetivaram durante dos anos 90 nos governos de FHC e
Lula. Tais programas são: Pronera, Saberes da Terra e o Programa de Apoio à
Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (NASCIMENTO, 2018).
71
Fonte:www.dsvc.com.br
72
9.5 Programa Saberes da Terra: a política do Governo Lula
Fonte:www.portalcgrn.com
74
desenvolver a autonomia e a solidariedade produtiva, entre outras aprendizagens
(NASCIMENTO, 2018).
Fonte: www.seminarioprocampo2014.blogspot.com
76
que a burocracia estatal delimita as ações da Coordenação-Geral de Educação do
Campo o que determina que as práticas realizadas sejam impulsionadas realmente
pelos movimentos sociais do campo que possuem uma noção clara sobre a educação
do campo conforme destaca Fernandes (2002).
Para concluir, podemos formular cinco princípios básicos que mostram o papel
da escola e a sua transformação. A primeira transformação do papel da escola refere-
se, especificamente, a três compromissos que a educação do campo deve assumir.
São eles:
O compromisso ético/moral com a pessoa humana. O compromisso com a
intervenção social que irá vincular os projetos de desenvolvimento regional e nacional.
E, o compromisso com a cultura no seu resgate, na sua conservação e na sua
recriação, tendo como eixo a educação dos valores baseada na educação para
autonomia cultural a partir de Freire (1997) e na educação pela memória histórica a
partir de Brandão (1985).
77
Fonte: www.conselhodeumbrasileiro.blogspot.com
79
campo é considerado diverso e simultaneamente elo de unidade na complexa
realidade brasileira, razão pela qual a educação do campo é uma dimensão
estruturadora da política nacional de educação que incorpora, em seu âmbito, os
espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, mas os ultrapassa ao
acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativista (Resolução
n° 01-CEB/CNE, 2002).
Dessa forma, poder-se-ia identificar, de imediato, que a especificidade exige a
capacidade de reconhecer o diferente e o outro na condição de sujeito e, em
decorrência, elege como horizonte um modo de pertencimento que impede a
transformação das diferenças em efetivas desigualdades. Com esse entendimento,
poder-se-ia afirmar que a diferença e o pertencimento são aspectos de uma
abordagem que acolhe o diverso sem, contudo, perder a visão de totalidade,
contrapondo-se à compreensão setorializada e excludente que ainda predomina no
debate sobre a inserção da educação do campo numa proposta de desenvolvimento
para o país (CALDART, 2004). De modo equivalente, a Câmara da Educação Básica
do Conselho Nacional de Educação, traduzindo o pensamento da sociedade
brasileira, em especial a compreensão dos movimentos sociais, consultados a partir
de seminários e audiências públicas, estabeleceu as diretrizes para as escolas de
educação básica no campo, reafirmando que o modo próprio de vida social e de
utilização do espaço do campo são fundamentais para a constituição da identidade da
população e da inserção cidadã na definição dos rumos da sociedade brasileira
(SOARES, 2018).
Em função disso, ao tratar da identidade da escola do campo, as citadas
diretrizes contemplam o diverso sem descurar da perspectiva nacional, assegurando
a unidade mediante práticas, valores e discursos que enraízam o direito à igualdade,
no seu cotidiano. A propósito, transcrevemos alguns artigos da resolução que surgem
de uma crítica contundente às análises que procuram identificar problemas e sugerir
soluções, supondo incorretamente a homogeneização do espaço nacional e, portanto,
desconhecendo nos termos do pensamento de Dagnani (1994) que a afirmação da
diferença está vinculada à reivindicação do direito de que ela possa existir como tal,
do direito de que ela possa ser vivida sem que isso signifique o tratamento desigual,
a discriminação.
80
Art. 2°(...) Parágrafo único. A identidade da escola do campo é definida pela
sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade
e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede
de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa
de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social
da vida coletiva do país.
Art. 3°. O Poder Público, considerando a magnitude da importância da
educação escolar para o exercício da cidadania plena e para o desenvolvimento de
um país cujo paradigma tenha como referências a justiça social, a solidariedade e o
diálogo entre todos, independente de sua inserção em áreas urbanas ou rurais, deverá
garantir a universalização do acesso da população do campo à Educação Básica e à
Educação Profissional de Nível Médio.
Art. 4°. O projeto institucional das escolas do campo, expressão do trabalho
compartilhado de todos os setores comprometidos com a universalização da
educação escolar com qualidade social, constituir-se-á espaço público de
investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o mundo do
trabalho, bem como para o desenvolvimento social, economicamente justo e
ecologicamente sustentável.
(...) Art. 10. O projeto institucional das escolas do campo, considerado o
estabelecido no artigo 14 da LDBEN, garantirá a gestão democrática, constituindo
mecanismos que possibilitem estabelecer relações entre a escola, a comunidade
local, os movimentos sociais, os órgãos normativos dos sistemas de ensino e os
demais setores da sociedade.
Como se vê, a diversidade é fundamento básico de uma política pública de
educação do campo que tem como pretensão maior assegurar a mais ampla condição
de igualdade e bem-estar coletivo. Isto pressupõe homens e mulheres que,
independente de geração, etnia, raça, e gênero, entre outros, são sujeitos de
iniciativas em defesa da humanização de todos e, portanto, capazes de submeter seus
interesses individuais aos que são constitutivos do bem comum. Neste particular, cabe
destacar o artigo 2° da LDBEN (1996) quando estabelece a inspiração da educação
nacional no princípio da liberdade e nos ideais da solidariedade humana e coloca a
sua finalidade no pleno desenvolvimento do educando. Assim procedendo, estimula
vínculos e indica como eixo do projeto educativo, a emancipação do isolamento que
81
é próprio de um mundo de estranhos, remetendo diretamente ao processo
permanente de aprendizagem que advém do protagonismo exercido no interior das
lutas sociais pelos direitos. Sobre isto, Chauí (2001) registra que a liberdade é a
consciência simultânea das circunstâncias existentes e das ações, que suscitadas por
tais circunstâncias nos permitem ultrapassá-las. Quanto ao direito, reafirma que é
geral e universal, válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais e sua
instituição, na sociedade democrática, é dada pela abertura do campo social à criação
de direitos reais, à ampliação de direitos existentes e à criação de novos direitos.
Nesta perspectiva, todos são convocados à vida enquanto um território de
possibilidades de criação e recriação de novos e surpreendentes elementos para a
existência da humanidade, admitindo-se a provisoriedade da verdade e a reafirmação
do vínculo entre a história e o direito a ter direitos. Neste caso, fala-se da história que
não se repete nem tampouco é pré-determinada. O amanhã é sempre novo e o
presente, ao valorizar a liberdade, requer escolhas e aponta futuros que emergem da
capacidade de invenção e reinvenção que mobiliza a humanidade. Efetivadas as
escolhas, o futuro, sem sombra de dúvida, passa a ser a esperança do presente que
se viabiliza a partir da superação das condições de existência e que, embora não
tenham sido necessariamente criadas por cada um, no seu interior que se processam
e conduzem as transformações do universo (SOARES, 2018).
Esta é a inspiração acolhida pelos movimentos sociais do campo quando fazem
o registro de que a educação na perspectiva dos direitos humanos é essencialmente
solidária, é um direito humano em si e, ao mesmo tempo, base para a realização de
outros direitos. Neste particular, propugnam uma sociedade aberta ao diverso e ao
novo nos termos das proposições que constam das declarações finais das
Conferências Nacionais de Educação do Campo e, mais recentemente, das estaduais,
todas assinadas por um conjunto de entidades articuladas em torno da garantia da
educação do campo sob a ótica do direito. Observe-se, por exemplo, que as
proposições presentes no texto da Declaração Final da II Conferência Nacional de
Educação do Campo CNEC/04, denunciam a grave situação educacional vivida pela
população camponesa, evidenciam o respeito à diversidade e insistem no esforço de
construir a unidade necessária à luta social que se contrapõe a um modelo de
desenvolvimento baseado na concentração de privilégios e na exclusão da maioria
dos brasileiros. Além disso, pautam a educação do campo na agenda política do país,
82
definindo seus protagonistas e formulando concepções de campo, desenvolvimento,
educação e de política pública que fortalecem os sujeitos coletivos e movimentos
sociais (SOARES, 2018).
A nossa caminhada se enraíza nos anos 60 do século passado, quando
movimentos sociais, sindicais e algumas pastorais passaram a desempenhar papel
determinante na formação política de lideranças do campo e na luta pela reivindicação
de direitos (...) (p.3) Respeitando a diversidade dos sujeitos que aqui representamos
e, ao mesmo tempo, construindo a unidade necessária para a tarefa que nos
colocamos, queremos aqui reafirmar o nosso compromisso coletivo com uma visão
de campo, de educação e de política pública (p.6). (...) Defendemos um tratamento
específico da educação do campo com dois argumentos básicos: - a importância da
inclusão da população do campo na política educacional brasileira, como condição de
construção de um projeto de educação, vinculado a um projeto de desenvolvimento
nacional, soberano e justo; na situação atual está inclusão somente poderá ser
garantida através de uma política pública específica de acesso e permanência e do
projeto político pedagógico; - a diversidade dos processos produtivos e culturais que
são formadores dos sujeitos humanos e sociais do campo que precisam ser
compreendidos e considerados na construção do projeto de educação do campo. (...)
(p.8). (SOARES, 2018).
É por este caminho que se encontra a afinidade entre o que estabelece o artigo
1° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e as decisões a respeito dos
espaços de realização das ações educativas, agora definidos para além da chamada
educação doméstica e das instituições que integram os sistemas de ensino, nos
seguintes termos:
Art.1°. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais.
Isto posto, há que se atentar para uma política pública que propicie as
mudanças necessárias no quadro de atendimento escolar brasileiro, em especial, a
superação das desigualdades constatadas quando comparamos o perfil de
escolarização da população tomando como referência a sua residência no campo e
na cidade. No primeiro, o atendimento escolar na educação infantil e no ensino médio
83
são insignificantes, acrescido dos problemas decorrentes da ausência de condições
de trabalho dos docentes, altos índices de analfabetismo de jovens e adultos, baixos
níveis de aprendizagem e significativa taxa de distorção idade-série. A ausência de
políticas públicas para implementar a educação do campo como direito humano é
evidente (SOARES, 2018).
Fonte:www.redebrasilatual.com.br
84
11 A QUESTÃO AGRÁRIA E A EDUCAÇÃO DO CAMPO
Fonte: www.novaescola.org.br
85
agrupamentos sociais, famílias, tribos, clãs, de maioria nômade, dedicando-se
basicamente à caça, à pesca, à extração de frutas, sendo que os bens naturais
presentes no território eram de uso coletivo e atendiam às necessidades de
sobrevivência do grupo (SOUZA, 2018).
É de comum acordo nos debates da corrente hegemônica que a posse o uso
do território nesse contexto era coletivo e que se vivia no comunismo primitivo. Sobre
o período que vai de 1500 d.C. a 1850 d.C. existem, segundo Stédile (2005), teses e
registros históricos de que missões de outros povos, seja dos fenícios, dos árabes,
dos africanos e até mesmo de europeus, que chegaram ao nosso continente antes de
1500, informações para além do registro oficial da descoberta e empoderamento
realizado por Cristóvão Colombo, em 1492. Com a invasão europeia e com a
dominação e aculturação dos povos originais os bens naturais aqui presentes foram
submetidos à lógica e às leis do capitalismo mercantil (período histórico já dominante
na Europa), bem como a força de trabalho se tornou a escrava. Todos os bens foram
transformados em mercadoria e enviados à metrópole, em pouco tempo os europeus
perceberam que a alta fertilidade de nossas terras era a principal fonte de exploração
de produtos que antes eram obtidos em territórios que não estavam sob seu domínio
e pelos quais pagavam-se altos valores; surgiram então os ciclos de exploração da
cana de açúcar, do algodão, do gado, do café, da pimenta do reino e do cacau,
inundando o mercado europeu através de um modelo agroexportador (SOUZA, 2018).
Quanto à organização da produção, para Stédile (2005), apesar das polêmicas
sobre o assunto, existe um consenso de que o modelo adotado para organizar as
unidades de produção agrícola foi o da plantation, que se caracteriza pela organização
da produção agrícola em grandes fazendas de áreas contínuas, priorizando as
monoculturas como as citadas acimas e de boa localização no território para facilitar
a exportação pelos portos. Apesar da utilização da mão de obra escrava, em termos
de tecnologia os engenhos utilizavam o que havia me mais avançado para aumentar
a produção/lucros e diminuir os custos; a propriedade da terra era da Monarquia e
gerenciada pela coroa, o que não caracterizava a propriedade da terra como
capitalista, pois não havia propriedade privada. Para Stédile (2005) a relação desse
sistema com o capitalismo residia no modelo agroexportador que para estimular o
investimento do capital na produção das mercadorias, concedeu o uso de enormes
extensões de terra para a produção de mercadorias para exportação (SOUZA, 2018).
86
Para o autor, a “concessão de uso” era dada por direito hereditário, sendo que
os herdeiros do fazendeiro poderiam continuar com a posse das terras e com a sua
exploração, ao mesmo tempo não lhes era garantido o direito de vender as terras, ou
mesmo de comprar terras vizinhas, em suma não havia propriedade privada das terras
e as terras ainda não eram mercadorias (STÉDILE, 2005). Podemos notadamente
afirmar como demonstra Stédile (2005), que a adoção do modelo agroexportador sob
a lógica da plantation foi um genocídio do povo brasileiro, o autor mostra que em 1500
existiam aproximadamente 5 milhões de pessoas em nosso território, ou seja, um
grande massacre da população indígena, da população negra trazida da África, pelo
colonizador europeu. Devido às pressões inglesas para a substituição do trabalho
escravo por trabalho assalariado e com a abolição da escravidão, surge em 1850 a
primeira lei de terras no país que garantia a propriedade privada, não permitindo que
os negros libertos se apossassem das mesmas, nem que se tornassem pequenos
camponeses, pois para a compra de propriedades no Brasil era necessário que se
pagasse uma parcela para a coroa (SOUZA, 2018).
Essa conjuntura refletia a crise do trabalho escravo e inaugurava o período que
vai de 1850 a 1930, no qual os escravos continuaram sob o domínio dos fazendeiros
só que agora como assalariados. Após a promulgação da Lei Áurea de 1888 estima-
se que quase dois milhões de ex-escravos (STÉDILE, 2005) abandonaram o trabalho
agrícola e migraram para as cidades em busca de alternativas para vender a força de
trabalho, ao mesmo tempo que buscavam territórios nas cidades; os mesmos eram
proibidos pela lei de terras de se apossarem de terrenos que já eram propriedade
privada dos capitalistas, surgindo assim, as primeiras favelas presentes nas grandes
cidades e suas comunidades. Como estratégia para repor a mão de obra escrava, as
elites realizaram uma forte propaganda na Europa no período de 1875 a 1914 atraindo
cerca de 1,6 milhões de camponeses renegados pelo avanço do capitalismo para o
trabalho agrícola das grandes propriedades, para Stédile (2005) o número de
imigrantes europeus coincide com as últimas estatísticas de trabalhadores
escravizados. Parte desses imigrantes foram para a região sul do país e outra parte
para São Paulo e Rio de Janeiro, estabelecendo o regime de produção sob a forma
de colonato, no qual recebiam as lavouras de café prontas, casa, direito de moradia e
direito de plantar outros produtos para sua subsistência, recebendo o pagamento em
forma de café que poderia ser vendido (SOUZA, 2018).
87
Fonte:www.redebrasilatual.com.br/
88
11.1 A educação no brasil e a sua relação com a questão agrária
89
Fonte: www.slideplayer.com.br
91
camponeses passariam a produzir em grandes propriedades voltadas para a
exportação (SOUZA, 2018).
O governo brasileiro possuía fortes alianças com os Estados Unidos,
emblematicamente representadas pela Inter American Foundation Inc. que propunha
a criação de missões rurais, que segundo Ammann (1991) funcionavam como
missões que realizavam o adestramento de brasileiros naquele país e pela
Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR) a qual se transformou em EMATER
após alguns anos, famosa pelos programas de extensão rural. Observamos que a
criação do novo modelo econômico brasileiro ocorreu necessariamente segundo as
coordenações políticas e influencias intelectuais do modelo norte-americano, ligadas
ao ideal de bem-estar social e desenvolvimento assegurados pelo Estado, com o
propósito de ensinar a “ajudar” as famílias camponesas a “ajudarem” a si mesmas
usando tecnologia para conseguir uma maior produtividade e atingirem os padrões de
bem-estar, incorporando consequentemente o modelo liberal no Brasil (SOUZA,
2018).
A extensão rural tinha como princípio o combate à carência, às doenças, à
subnutrição e à ignorância dos classificados como desprovidos de valores, trabalho e
de integração à sociedade, assistindo e protegendo a população rural. Ampliar e
melhorar as condições de vida do campo é uma questão política e ideológica na
medida em que ela silencia as possíveis forças camponesas revolucionárias que
nesse contexto poderiam se rebelar frente ao imperialismo no Brasil. A partir dos anos
1950 crescem no Brasil as atividades educacionais voltadas para a população rural,
temos a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) e o Serviço Social Rural
(SSR) que continuam seguindo o modelo extensionista visando construir um
desenvolvimento comunitário no campo e desconsiderando as contradições naturais
dos grupos campesinos (SOUZA, 2018).
Para Leite (1999), apesar dos esforços dessas organizações para manter o
homem no campo, intensificaram-se os fluxos migratórios para as grandes cidades
nos anos subsequentes. Com a criação das Leis de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nos anos 1960, reforçou-se ainda mais as contradições da educação no
Brasil, para Freitag (1980) apesar da lei possuir elementos populistas ela não deixava
seu caráter elitista de lado e explicitava claramente a relação de dependência e
subordina populares que se organizavam e se solidificavam enquanto grupos que
92
lutavam por seus interesses. Em todos os momentos em que surgia na sociedade
brasileira uma nova força resistente no campo ou na cidade, em contraposição, era
criado e executado mais um programa norte americano; nesse momento criou-se a
Aliança para o Progresso que tinha como objetivo reajustar a estrutura econômica da
américa latina através de um programa assistencial que não modificava nem um
pouco a relação de dependência em relação aos Estados Unidos.
O programa servia como ferramenta de controle para que o presidente norte
americano em exercício John F. Kennedy, conseguisse manter o nível de bem-estar
social no país e diminuísse as possíveis contradições sociais que impulsionavam as
ideologias comunistas. Nesse momento criou-se as superintendências para o
desenvolvimento do Nordeste e do Sul, SUDENE, SUDESUL, INBRA, INDA e o
INCRA e outros subprogramas que estavam preocupados com o desenvolvimento
territorial das áreas agrícolas, trabalhando questões políticas (como a educação e a
organização de camponeses) e questões econômicas (como o aumento da produção)
que fundamentalmente serviam para controlar os movimentos migratórios e as
rebeliões camponesas. A partir dos anos 1960 consolida-se então no Brasil uma
agricultura capitalista moderna e um setor camponês completamente subordinado aos
interesses do capital industrial. Esse período é marcado pelo caráter monopolista ou
imperialista do capital, no qual se desenvolveu de forma abrangente a tecnologia e a
ciência, construindo novos polos de concentração de renda e conhecimento, grandes
indústrias ligadas a grandes centros de estudo e pesquisa (SOUZA, 2018).
Com a formação de grandes conglomerados financeiros e industriais,
aumentou-se ainda mais a dependência dos países pobres através da dívida externa
e o endividamento gerado pela lógica da industrialização dependente, como
mencionado acima, para Florestan Fernandes (1973), a implantação de uma política
neocolonial. Nos anos subsequentes no Brasil temos a entrada do governo militar que
solidificou ainda mais a dependência e a aproximação brasileira ao fundo monetário
internacional, temos a agravação das ondas de migração e o desenvolvimento do
milagre econômico, fatores que coordenaram as ações voltadas para a construção do
rural neste momento. A extensão rural consolidou a sua ideologia e substituiu os
professores do ensino formal no campo, pelo técnico e pelo extensionista -
subsidiados pela organização norte americana Inter-American Foundation; esse
cenário, tanto no campo quanto na cidade, demonstra a preocupação com a educação
93
de sujeitos para minimamente operarem máquinas e executarem tarefas técnicas para
se inserirem no mercado de trabalho, retirando o conteúdo de reflexão crítica e uma
pedagogia na qual poderiam se criar sujeitos para construir e modificar a sua
sociedade (SOUZA, 2018).
Podemos dizer então que a nova estruturação curricular partiu das mesmas
premissas tanto para o campo quanto para a cidade, buscando educar os sujeitos
para o trabalho capitalista. A lei 5.692 elaborada pelos governos militares, conferia
poderes municipais para cuidar das escolas rurais e acentuava a profissionalização
pelo ensino, ou seja, considerava a formação de um exército de reserva para o
processo produtivo cada vez mais sofisticado e elaborado. Os movimentos sociais
percebendo os problemas da educação no Brasil buscaram outras formas de
educação, utilizando-se da metodologia de Paulo Freire o Movimento de Educação de
Base (MEB) popularizou a alfabetização de diversos sujeitos nas comunidades rurais
utilizando seu próprio repertório cultural e simbólico. Essa metodologia possuía
também um forte caráter combatente, conscientizando os sujeitos das pressões
advindas do capitalismo exploratório. Para a manutenção de um estado de bem-estar
social o estado brasileiro continuou criando programas para vincular capital, trabalho
e educação (SOUZA, 2018).
Fonte: www.jornalistaslivres.org
95
horas previsto nessa lei e favorecendo a escolaridade rural com base no tempo do
plantio/colheita com as dimensões sócio culturais do campo.
Para Leite (1999) essa nova concepção difere consubstancialmente do modelo
militar pela sua consciência ecológica, pelo seu interesse na preservação dos valores
culturais e da práxis rural juntamente à ação política dos rurícolas. Para o autor,
apesar da legitimação através da lei de novos parâmetros para a educação rural, ainda
existem diversos problemas na escola rural até os dias de hoje, problemas que
surgiram e que permanecem desde o início do modelo urbano/industrial de educação,
dentre esses fatores estão as condições estruturais da escola no campo, a formação
urbana dos professores que não estão preparados para lidar com outras práticas
culturais e temporais, as distâncias percorridas pelos alunos para se locomoverem até
as escolas, a não participação dos rurícolas na elaboração do currículo das escolas –
o que consequentemente gera um currículo inadequado e inadaptado para essas
realidades e a ausência de recursos financeiros para a escola rural (SOUZA, 2018).
96
12 REFERÊNCIAS
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
PIRES, Angela Monteiro. Educação do Campo como Direito Humano. São Paulo:
Cortez, 2012.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
97
RIBAS. J. R. ANTUNES. H.S. Olhares para a educação do campo: em busca da
construção do projeto político-pedagógico. Disponível em
file:///C:/Users/Colaborador/Downloads/14603-64306-1-PB.pdf - Acesso em
10/05/2021
98