Você está na página 1de 98

CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI

EDUCAÇÃO DO CAMPO

GUARULHOS – SP
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 4

2 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO ..................... 5

2.1 Antecedentes históricos da educação do campo na sociedade


brasileira..............................................................................................................8

3 O DIREITO DOS POVOS CAMPESINOS À EDUCAÇÃO ........................ 11

3.1 Educação para uma minoria ............................................................... 13

4 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CAMPO.................................................. 16

5 A EDUCAÇÃO DO CAMPO ENQUANTO PRODUÇÃO DE CULTURA ... 18

5.1 Educação do campo: Um conceito em construção ............................. 18

5.2 Escola rural: indagações acerca da cultura e do trabalho ................... 21

6 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NA FORMAÇÃO DOS SUJEITOS ............... 24

7 A EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO FORMAÇÃO HUMANA PARA O


DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ........................................................... 34

7.1 As diferentes concepções de desenvolvimento .................................. 36

7.2 O papel dos movimentos sociais na construção das políticas de


desenvolvimento sustentável ........................................................................... 41

7.3 As contribuições da educação do campo para o desenvolvimento


sustentável ....................................................................................................... 44

8 Movimentos sociais no campo .................................................................. 50

8.1 Movimentos sociais rurais no Brasil .................................................... 51

8.2 Problemas sociais no campo brasileiro ............................................... 57

8.3 Educação no campo e movimentos sociais ........................................ 59

9 POLÍTICA E CIDADANIA NO CAMPO...................................................... 62

9.1 Balanço histórico das políticas “públicas” de educação do campo no


Brasil 63

2
9.2 Cidadania e Educação do Campo: o “público” político dos movimentos
sociais 67

9.3 A educação do campo enquanto política pública ................................ 70

9.4 Pronera: a política de FHC continuada por Lula ................................. 71

9.5 Programa Saberes da Terra: a política do Governo Lula .................... 73

9.6 Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação


do Campo – Procampo .................................................................................... 75

10 IGUALDADE E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO DO CAMPO............... 79

11 A QUESTÃO AGRÁRIA E A EDUCAÇÃO DO CAMPO ......................... 85

11.1 A educação no brasil e a sua relação com a questão agrária ............. 89

12 Referências ............................................................................................ 97

3
1 INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante


ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um
aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma
pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é
que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a
resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas
poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em
tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora
que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

4
2 CONCEPÇÕES E PRÁTICAS DA EDUCAÇÃO DO CAMPO

Inúmeros são os desafios encontrados para a efetivação de uma educação que


pense as especificidades múltiplas que existem no espaço do campo brasileiro, e
nesse contexto, temos a Educação do Campo que nasce junto às lutas sociais por
políticas educacionais que atendam os povos do campo. (PINHEIRO, 2007)

Fonte:www.andes.org.br

A educação tem se constituído como um instrumento relevante na sociedade


brasileira e às vezes tem sido definida por concepções de educação que no processo
histórico tem enviesado para caminhos de natureza cartesiana, pragmática,
reprodutivista, crítica-reprodutivista, ou simplesmente crítica, libertadora, liberal,
neoliberal, pós-moderna, enfim; uma educação que se desenvolveu acompanhando a
trajetória histórica e trouxe avanços à sociedade brasileira principalmente na área da
pesquisa, responsável pela inovação tecnológica também para a zona rural. No
campo inovaram: no maquinário, no aumento da produção de grão, nos agrotóxicos,
alteração dos genes das sementes para exportação em larga escala. Mas os que têm
usufruído desses avanços são pequenos grupos de latifundiários, empresários,

5
banqueiros e políticos nacionais e internacionais. Enquanto a outros é negado o
acesso à terra para sobreviver e garantir o sustento de outros brasileiros. Em relação
à educação do campo, é pertinente ressaltar que a concepção de educação que vem
sendo empregada pela cultura dominante e elitista, não tem favorecido
satisfatoriamente para combater o analfabetismo, elevar a escolaridade dos sujeitos,
sua cultura e seu padrão de vida. Há ainda insatisfação, ocasionada pelo acesso tardio
a escola que na maioria das vezes, nas regiões mais pobres do Brasil, são oferecidas
sem condições de oportunizar saberes para a criança, o adolescente, os jovens e
adultos devido à precariedade de investimentos dessa política pública. Isso
representa, sem dúvida, uma das maiores dívidas históricas para com as populações
do campo (PINHEIRO, 2007).
Enquanto Arroyo critica a sociedade brasileira por não oportunizar políticas
públicas de educação para as populações do campo, Durkheim (1998) com uma
concepção de sociedade elitista e classista, se refere a uma educação que deveria
ser diferente para as classes sociais: “A educação urbana não é a do campo, e a do
burguês não é a do operário”. (p. 39). Isso caracteriza, evidentemente, uma postura
alienadora que reforça uma educação para privilegiados. Marx também se reporta aos
aspectos das desigualdades remetendo essa situação a partir de uma ordem social
que submete o mundo ao poderio do capital. Relata que o trabalho humano nunca
produziu tantos objetos em toda história humana. A condição de poder da burguesia
é o crescimento do capital que submete o homem ao trabalho assalariado, gerando
uma base de competitividade e desigualdade entre os trabalhadores. Isso canaliza
para um índice absurdo de “pobreza que cresce mais rápido do que a população e a
riqueza” (1998; p.28). O paradigma de produção capitalista permite maior exploração
entre as pessoas, causa a marginalização do trabalhador do campo e, a mão de obra
humana na fábrica ou no latifúndio, transforma-se numa mercadoria a serviço da
burguesia, do capitalismo que também se articula pelo processo educativo. Pensando
nesta situação de exploração do trabalhador e nas condições que oportunizam uma
educação conscientizadora, Paulo Freire (2007) nos possibilita observar o sistema
educacional da sociedade brasileira, dentro do processo de mudança, quando
identifica a educação como elemento fundamental para o sujeito do campo ou da
cidade. E considera como necessidade primordial dessa mudança, a leitura de mundo
com o sujeito que aprende, mas que também ensina. Ele desenvolveu uma

6
metodologia de ensino para a alfabetização e conscientização do trabalhador do
campo que partia dessa leitura de mundo. Uma iniciativa surgida na década de 50,
que continua presente na ação educativa de muitos professores do campo e da cidade
(PINHEIRO, 2007).

Fonte: www.al.undime.org.br

O camponês, o ribeirinho, o povo da floresta da Amazônia Paraense, todos tem


demonstrado que dominam saberes. Conhecem as marés do rio que enche e vaza,
do tempo da piracema, sabem que grande área de floresta no chão torna o solo da
Amazônia infértil, do período da coleta dos frutos na floresta, entendem a geografia
do rio, da mata; trazem consigo a cultura de seus antepassados impregnada em suas
cantigas, danças e lendas em seu jeito de ser homem, mulher, caboclo sujeito de
saberes amazônicos. Mas a incorporação de sua cultura nos currículos escolares se
processa por aspectos que envolvem desde políticas públicas para a educação como
também, a aproximação do professor com o aluno e sua realidade por meio de
situações problematizadoras. Quando os saberes selecionados por especialista de
currículo que representam os interesses da cultura dominante, são questionados na
escola se evidencia que, o ato de ensinar está relacionado ao outro, como um ser
ignorante (PINHEIRO, 2007).

7
Um sujeito que não sabe, precisa saber conhecer, para deixar de ser. Algumas
vezes não se compreende o sujeito que aprende como portador de uma outra cultura
que domina saberes tão relevantes quanto os saberes do professor. Não se identifica
a base do processo educativo como formação da consciência e no estabelecimento
da relação dialógica com o sujeito que aprende, interligando a dialética dos seus
conhecimentos aos da sociedade que conserva, mas também se modifica. Para Freire
(2007) não existe nenhuma estrutura exclusivamente estática, assim como, não há
uma, absolutamente dinâmica. Isso vale para a estrutura construída pelas sociedades
e também para a educação. Desde a Antiguidade até a contemporaneidade, as
concepções de educação sofrem alterações, modificações ou surgem novas
(PINHEIRO, 2007).

2.1 Antecedentes históricos da educação do campo na sociedade brasileira

A partir de 1930, a concepção de educação do campo se configura em um


conjunto de políticas com definições elaboradas para este atendimento. No histórico
da legalidade educacional, um dos primeiros tratamentos de maior abrangência
ocorreu na Constituição de 1934, quando os Pioneiros da Escola Nova que
representaram uma nova relação de forças oriundas pelo conjunto de insatisfações
de setores intelectuais, cafeicultores, classe média e até massas populares urbanas
se instalaram na sociedade solicitando reformas educacionais. A Constituição de 1934
sinaliza para importância de uma concepção de educação profissional voltada para o
contexto industrial, e quanto à educação rural artigo 156: Parágrafo único determina:
“Para realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará, no mínimo, vinte por
cento das quotas destinadas a educação no respectivo orçamento anual” (POLETTE;
2001, p.169), um relevante acontecimento, mas, omitem outras proposições para
educação do campo (PINHEIRO, 2007).
Em 1947 a nova Constituição Brasileira propõe que a educação rural seja
transferida para responsabilidade de empresas privadas (industriais, comerciais e
agrícolas) a obrigatoriedade pelo financiamento como expressa o Capítulo II da
educação e cultura, Artigo 166; inciso III: “as empresas industriais, comerciais e
agrícolas, em que trabalham mais de cem pessoas, são obrigadas a manter o ensino
primário gratuito para os seus servidores e os filhos destes”; (BALEEIRO E

8
SOBRIDINHO; 2001; p. 108). Quanto à obrigatoriedade do ensino, responsabiliza as
empresas industriais e comerciais em ministrarem a aprendizagem de trabalhadores
menores em forma de cooperação e exime desta responsabilidade as empresas
agrícolas (PINHEIRO, 2007).
A partir de 1940 a educação brasileira incorporou a matriz curricular urbanizada
e industrializada. Caracterizou interesses sociais, culturais e educacionais das elites
brasileiras como fundamentalmente a mais relevante para todo povo do Brasil. Com a
Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional de 1969, permanece a
obrigatoriedade das empresas agrícolas e industriais com o ensino primário gratuito
para empregados e os filhos menores de 14 anos. Isso explica, porque o Brasil até
1970 esteve com uma educação do campo, sob o gerenciamento das iniciativas
privadas da produção do campo, com a formação profissional próprios para esta
realidade e devidamente qualificada. Ocorre que, sucessivamente os governos
brasileiros têm implantado uma educação que não atende e não respeita às
especificidades de cada realidade regional e muito menos a diferenciação (geográfica,
cultural, histórica, social, etc.) do campo. Neste caso, a oferta de educação para o
campo em alguns lugares da Amazônia Paraense não tem garantido as alterações
propostas pela Constituição de 1988, ou pelos documentos supracitados, uma vez
que se recorre a um padrão de educação urbano Centrica (PINHEIRO, 2007).
Esse paradigma é marcado por contradições que de certa forma, vem
interferindo na implementação de políticas públicas de afirmação para as populações
que vivem e trabalham no campo. Segundo Elaine Furtado (2006), para compreender
como a sociedade brasileira produziu e reproduziu as desigualdades no campo,
precisamos entender três elementos: “O latifúndio, a industrialização e a
financeirização da economia”. Ao expor sobre a discussão, retrata Furtado (2006) de
que o Brasil desenvolveu uma estrutura fundiária baseada na grande propriedade rural
que ainda se configura, mas, se solidificou graças às contingências do mercado
mundial favorável a monocultura e também pela exploração da mão de obra escrava.
Durando três séculos “produziu-se concentração da terra, exclusão dos trabalhadores
do campo, do acesso às condições mínimas de sobrevivência, mesmo depois do
término formal da escravidão” (PINHEIRO, 2007).
Com o processo da industrialização as necessidades da população do campo
foram mais uma vez renegadas, prevalecendo à produção em larga escala de grãos

9
para exportação e consumo, gerando concentração de renda nas mãos de poucos,
em relação à maioria. Acrescenta Furtado (2006), como elemento recente a
financeirização da economia, que marca essa construção história “somados as
desigualdades produzidas pela globalização, o avanço tecnológico e a abertura dos
mercados com a financeirização da economia, fundada em taxas de juros mais altas
do mundo, fez com que voltasse a exclusão dos trabalhadores” (Ibidem; p. 48). Esses
elementos determinaram uma construção história resguardada pela exploração dos
trabalhadores e durante séculos fortaleceu a classe dominante do país favorecendo a
apropriação e o empoderamento de bens e de riquezas, bem como, o domínio de
conhecimentos tecnológicos, culturais, no qual a educação, na maioria das vezes,
esteve a serviço dessa estrutura de dominação (PINHEIRO, 2007).
A principal preocupação desse período era a formação de mão de obra
qualificada que contemplasse os interesses e necessidades do espaço urbano para
aceleração do crescimento econômico industrial que gradativamente se fortalecia
após Segunda Guerra Mundial. Durante a Guerra Fria, instalou-se uma concepção de
mercado que procurava ampliar o número de consumidores, e aos Estados Unidos
interessava consolidar essa hegemonia. Por conta dessa disputa entre as potências
mundiais (Estados Unidos e União Soviética) que muitos países foram aderindo a uma
das posições políticas e junto com a adesão vinha o pacote de proposições
educacionais para serem implementadas em cada país. No caso do Brasil, optou-se
por uma educação com currículos e metodologias fundamentados no ideário norte-
americano, numa perspectiva de afirmação de uma escola essencialmente urbana.
Então, a partir dos anos 30, a escolarização para o trabalhador do campo, foi inserido
também, com o intuito de conter o êxodo rural, provocado pelo processo de
industrialização do país, responsável pela grande massa de migrações rurais de
quase todas as regiões do país durante décadas subsequentes (PINHEIRO, 2007).
Cláudia Passador (2006) expressa que para os camponeses, a escola não tinha
tanto significado, uma vez que, o aprendizado da profissão tinha sido adquirido com
os pais e não pela escola. De forma geral, a escola era compreendida como lugar da
“contra-educação rural”, pautada em apenas instruir o homem do campo, para ler,
escrever e contar. Essa ideia de instrução do trabalhador nos remete a uma ideologia
de que o sujeito da roça não precisa estudar, pois, trabalhar com a enxada, por
exemplo, requer apenas esforço físico, não precisaria raciocinar refletir, questionar e

10
sim, somente manusear os instrumentos e saber utilizar a terra adequadamente.
(PINHEIRO, 2007)

3 O DIREITO DOS POVOS CAMPESINOS À EDUCAÇÃO

Para que se possa refletir sobre o direito a educação aos homens e mulheres
do campo é necessário considerar o conjunto de forças sociais, políticas, econômicas
e culturais que foram se engendrando no decorrer da história do Brasil, sob os
interesses do capital, e que influenciaram sobre maneira a oferta de educação pública
a esses sujeitos. No Brasil, esse contexto é marcado pela educação dos jesuítas que
aqui chegaram chefiados pelo Padre Manoel da Nóbrega, com a missão de “educar”
a nova colônia portuguesa, instituindo a fase jesuítica da educação colonial, ligada
estritamente à política colonizadora europeia a favorecer o capitalismo de acumulação
primitiva. O processo de colonização do Brasil tem como marco importante as
Capitanias Hereditárias, cujo elemento fundamental é a posse da terra, sustentada
pela lógica produtiva das relações sociais sob o tripé: latifúndio, religião e escravidão.
Em síntese, a educação ou sua negação ao povo, no período supracitado, inscreve-
se no objetivo da colonização: lucro, acumulação de riquezas, expropriação e
exploração das novas terras descobertas, traçando as marcas históricas daquilo que
CHAUÍ (2000) chamou de mito fundador (descobridor) que tem permanecido além
daquela época (COUTINHO, 2009).

Diferentemente da formação, a fundação se refere a um momento passado


imaginário, tido como instante originário que se mantém vivo e presente no
curso do tempo, isto é, a fundação visa a algo tido como perene (quase
eterno) que traveja e sustenta o curso temporal e lhe dá sentido. A fundação
pretende situar-se além do tempo, fora da história, num presente que não
cessa nunca sob a multiplicidade de formas ou aspectos que pode tomar
(CHAUÍ, 2000, p. 9).

O fenômeno colonização é igual a exploração, associada ao submetimento dos


povos indígenas e negros às mais cruéis formas de relações sociais, o que trouxe
implicações para o modelo de educação a ser ofertado, distintamente, a cada classe
social. A educação brasileira passa a existir nesse contexto e dela não se aparta a
educação proposta ao trabalhador(a) rural. No Brasil colônia, não se pode falar de
educação propriamente, porque “até 1808, época em que aqui chegou a Família Real
portuguesa eram proibidos no Brasil: escolas, jornais, circulação de livros,
11
associações, discussão de ideias bibliotecas, fábricas, agremiações políticas e
qualquer outra forma de movimento cultural” (LIMA, 1968, p.19), ou seja, 308 anos
como porto, fonte de matéria-prima, controlado por feitorias e fortes. Propositalmente,
Portugal mantinha a colônia ignorante e analfabeta, condição necessária para manter
o avanço do capitalismo nesse país, porém, tendência seguida pelos governantes
posteriores, que permitiram constatar-se no final do século XX o baixo padrão de
desenvolvimento da educação aos povos do campo (COUTINHO, 2009).
O latifúndio cresceu nesse país fundado nos cem anos de escravidão e
extermínio dos povos indígenas e do século XVII ao século XIX (1888) com base na
escravidão do negro africano. Portanto, o Brasil podia isentar-se de oferecer
educação. Esta não era necessária ao modelo de acumulação de riquezas, apesar
das revoltas dos povos indígenas e da luta do povo negro, cuja expressão maior está
nos quilombos. Em termos políticos o Brasil “saiu” da condição de colônia, constituiu-
se império, fez-se “independente” e proclamou-se república. Tais contextos levaram,
por sua própria contradição, à reivindicação da educação, sob a responsabilidade do
Estado. Mas, demoraria muito a se configurar uma política de educação efetiva, pois
da parte das elites brasileiras, sempre houve um grande receio quanto aos ideais
políticos de liberdade e de direitos sociais que poderiam ser estimulados caso fosse
ofertada aos trabalhadores (COUTINHO, 2009).
Verifica-se que a educação pública brasileira, até os anos 30 do século XX, não
consegue sair do papel, constituindo-se de um leque muito amplo de leis anunciadas
e não materializadas como direito. O não assumir da educação como obrigação
exclusiva do Estado abriu historicamente o caminho à iniciativa privada, deixando
mais distante o acesso à educação, pelo povo. Assim, é que se chega ao século XXI
e, ainda, o acesso à educação configura-se como um problema nacional, sem que
esta fosse garantida à maioria da população brasileira em seus diversos níveis e
modalidades, particularmente à força de trabalho camponesa. É nesse sentido que se
ressalta que a luta pela educação do campo ocorre no palco dos conflitos decorrentes
da luta pela terra, fato verificado desde a aprovação da lei de terras, em 1850
(COUTINHO, 2009).
A referida Lei restringia o direito à terra aos ex-escravos, aos brasileiros pobres,
posseiros e imigrantes, mas permitia que estes se tornassem mão de obra barata para
o latifúndio até os nossos dias, quando se aprova o II Plano Nacional de Reforma

12
Agrária, no governo Lula. Casa-se, assim, o capitalismo com a propriedade da terra
e, com esse laço de união esta é transformada em uma mercadoria controlada por
quem tem dinheiro e poder político. É como se essas leis pudessem ser chamadas de
a primeira cerca de arame farpado ou a primeira semente concreta para a constituição
do campesinato sem-terra e sem acesso às políticas públicas, entre as quais a política
educacional (COUTINHO, 2009).

3.1 Educação para uma minoria

A introdução da educação rural nas legislações brasileiras data do início do séc.


XX, produzindo para o campo políticas de educação que primaram pela contensão.
Esse fato expressa a necessidade de acumulação capitalista, naquela época, e uma
visão de que para tal modelo de produção não era preciso grandes investimentos em
educação, corroborada pela abundância de mão-de-obra. O quadro referente a
educação no século anterior já havia indicado que apenas 10% da população em
idade escolar se achava matriculada nas escolas primárias e que as primeiras Escolas
Normais, visando a formação de educadores, para aquele nível de ensino, só seriam
criadas em 1835. As mentalidades dominantes no poder, durante séculos, foram
indiferentes à educação popular e feminina. Para eles a educação dos pobres e da
mulher devia ser prática e utilitária, daí que ao se chegar a Primeira República (1889),
os índices de analfabetismo da população brasileira eram em torno de 85% (RIBEIRO,
2001). Posteriormente, no período pós-guerra (1914/1918) demarcaria o início do
surto industrial e a tendência a urbanização do país. Constituiu-se o operariado e
aumentaram os movimentos contestatórios: greves, Movimento Tenentista, Coluna
Prestes, fundação do Partido Comunista Brasileiro, Semana de Arte Moderna.
Contudo, mais da metade da população de quinze anos e mais, em 1920, estava fora
da escola (COUTINHO, 2009).
A população do país, em torno de 14.333.915 milhões de habitantes, tinha
apenas 250 mil estudantes (RIBEIRO, 2001). A educação, pela primeira vez, passa a
ser tratada como uma questão nacional, por meio da edição da Constituição de 1934,
que também exigia a elaboração de Diretrizes e Bases para a educação nacional e a
elaboração de um Plano Nacional de Educação. Mas, tal anseio não se consolidou
em decorrência do Estado Novo de 1937. A Constituição do Estado Novo tomaria a

13
educação rural como fundamento para organizar a juventude no trabalho, promover
disciplina moral e adestramento físico “de maneira a prepará-la ao cumprimento dos
seus deveres para com a economia e a defesa da Nação”. Essa é a educação para
os camponeses porque para os filhos da burguesia agrária e industrial a educação
haveria a educação secundária, de caráter propedêutico, que tinha por objetivo educar
as futuras elites condutoras. A lei do Ensino primário só seria aprovada em 1946,
época em que está no poder o general Eurico Gaspar Dutra. A grande novidade da
Lei foi o Artigo n.º 56, Parágrafo Único:

Para realização do ensino nas zonas rurais, a União reservará, no mínimo,


vinte por cento das cotas destinadas à educação no respectivo orçamento
anual. Quanto ao ensino agrícola, a estrutura implantada pelo Decreto-Lei
9613/46 foi a de cursos de nível médio divididos em cursos de formação e
cursos pedagógicos. Os de formação se subdividiam em cursos de 1º e 2º
ciclos. O de 1º ciclo, por sua vez, se subdividia em básico (4 anos) e de
maestria (2 anos). O de 2º ciclo era constituído dos cursos técnicos (3 anos),
tais como: de agricultura, de horticultura, de zootecnia, de práticas
veterinárias, de indústrias agrícolas, de laticínios e de mecânica agrícola. Os
cursos pedagógicos se subdividiam em cursos de (2 anos) para formar
professores nas áreas de educação rural doméstica e em cursos (1 ano)
didática do ensino agrícola e administração do ensino agrícola (RIBEIRO,
2001, p. 150)

Será que a educação no meio rural passou a ser prioridade? Evidente que não.
Porém, interessava ao capitalismo conter e controlar a tensões existentes no campo
e a educação rural, assim chamada pelos legisladores, seria um dos instrumentos de
correspondência às práticas abusivas de poder. O ano de 1946 demarca a aprovação
da Lei Orgânica do Ensino Agrícola para a formação de trabalhadores da agricultura,
equiparando esses cursos as outras modalidades, mesmo assim, continuavam as
restrições àqueles que faziam opção por cursos profissionalizantes. O período do
chamado nacional desenvolvimentismo é marcado por intensas lutas políticas, em que
os movimentos sociais (operários e camponeses) passam a exigir reformas de base,
econômicas e sociais. Unem-se a eles estudantes, educadores, partidos de esquerda
e muitos movimentos populares. Porém, em outro extremo e contrários a estes
interesses, os empresários (norte-americanos e brasileiros), militares, latifundiários,
partidos de direita (União Democrática Nacional) e diversos segmentos das elites,
setores da igreja e da mídia unem-se em contraposição aos ideais socialistas
veiculados, às reformas - da reforma agrária à realização da campanha nacional de
alfabetização do povo – reivindicadas pelos trabalhadores (COUTINHO, 2009).

14
A LDB nº. 4.024 foi aprovada em 1961, resultante dessas disputas, num
processo conflituoso entre os defensores da escola pública e da escola privada,
culminando com o consenso entre os projetos Mariani e Lacerda. Por sua vez, a
realidade educacional mostrava que 50% da população em idade escolar estavam
fora da escola. Paralelamente, fatos importantes no campo da cultura, da política e da
educação popular ocorreram, trazendo um novo significado para a educação rural e
popular: os movimentos políticos culturais no início dos anos 60, com destaque para
os Centros Populares de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE); o
Movimento de Cultura Popular (MCP), em Pernambuco e o Movimento de Educação
de Base (MEB), da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Esses movimentos promoviam a alfabetização da população rural e urbana
marginalizadas, a partir dos referenciais teóricos constituídos da unidade entre a
política das lutas dos movimentos sociais e dos círculos de cultura idealizados por
Paulo Freire, os quais culminariam com a proposta da Pedagogia Libertadora, que
tem nesse último o seu maior expoente. Várias comunidades rurais adotaram a
educação libertadora como filosofia de luta e resistência ao capitalismo e como
ferramenta de apoio à luta pela transformação da realidade social produzida pelo
mesmo. Esses movimentos foram alvo de repressão e controle ideológico pelos
governos militares, após 64, e suas reformas da Educação a partir de 1968: a Reforma
Universitária (Lei nº. 5.540/68), a Reforma do Ensino de 1º e 2º graus (Lei nº. 5.
692/71) que estabelecia a profissionalização do Ensino de 2.º grau e definia o ensino
de 1.º grau num ciclo de oito séries. Outras medidas de política educacional
arrefeceram e deram nova dimensão ao ímpeto de se ofertar a educação rural em
contraposição aos movimentos de base democrática. Os mecanismos mais intensos
se deram pela criação, em 1970, do Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL)
- à época o Brasil tinha um percentual 33% de analfabetos (COUTINHO, 2009).
Com os governos militares fecha-se mais um ciclo histórico marcado pelas
ações autoritárias e articulado do Estado brasileiro, associado ao capital internacional
e nacional, que culminou com o desmonte da educação pública, fortaleceu a iniciativa
privada, controlou ideologicamente as lutas sociais desmobilizando-as, caçou as
liberdades políticas individuais e coletivas, entre outras ações nefastas à construção
da educação no campo e na cidade. É nesse período que se publica o Estatuto da
Terra, um instrumento para desarticular os conflitos no campo e abri-lo para a empresa

15
capitalista no campo, numa forte aliança entre o capital internacional, a burguesia
nacional, militares e intelectuais a seu serviço (COUTINHO, 2009).

4 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NO CAMPO

A educação no meio rural, no Brasil, ainda tem muito a desenvolver. A falta de


políticas educacionais voltadas para esse fim caracteriza a desvalorização do homem
do campo, estabelecendo uma vida limitada aos seus filhos. São grandes as
dificuldades encontradas pelas trilhas por onde passam as crianças e jovens desse
meio, que procuram adquirir conhecimentos, mas também um lugar para conviver com
pessoas da mesma idade, ampliando suas relações sociais (BARROS, 2021).
Pesquisas recentes comprovam que o insucesso nesse meio de educação
atinge os 40%, além de ter 70% dos alunos em séries incompatíveis com as idades.
As escolas do campo normalmente são compostas de apenas uma sala de aula, tendo
que se desenvolver um trabalho de sala multisseriada, com mistura de idades e de
conteúdo. Sem contar na estrutura dos prédios, muitos deles ainda de taipa, madeira,
alvenaria, sem iluminação e circulação de ar adequadas, faltando carteiras e outros
materiais (BARROS, 2021).

Falta de estrutura no transporte e nas instalações.


Fonte: www.educador.brasilescola.uol.com.br

16
Além disso, chegar à escola é um grande problema, as distâncias são
quilométricas, faça chuva ou faça sol, pondo em risco a integridade física e emocional
dos alunos e funcionários, além do cansaço por ter que acordar muito cedo para
chegar à escola depois de horas de caminhada. Os currículos geralmente não são
interessantes, não atraem os estudantes, pois fogem à realidade de suas vidas e não
adianta incutir a cultura da cidade aos mesmos. Pelo contrário, esses devem ser
adaptados à realidade local, valorizando aquilo que faz parte da vida dos alunos e de
suas famílias (BARROS, 2021).
Os calendários também devem ser adaptados, pois o período de férias coincide
com a colheita das safras, o que causa o afastamento de muitos alunos, que precisam
ajudar seus pais. Nas faculdades, não temos formação específica em salas
multisseriadas, gerando outro ponto controverso nas escolas do campo. Os
profissionais que atuam dessa forma buscam alternativas por serem apaixonados pelo
processo de ensinar e aprender, mas não contam com apoio das secretarias
municipais, muitas vezes adquirindo materiais com recursos próprios (BARROS,
2021).
Por mais que o governo lance campanhas de qualificação profissional,
construção de novas escolas rurais, como as escolas-núcleo, que possuem uma
estrutura melhor, essas se localizam em distintas regiões rurais, ocasionando o
problema do transporte, além dos ônibus velhos, sem reparos, sem cintos de
segurança, e da falta de verba para o seu abastecimento; pois muitas vezes tais
problemas não são solucionados pelo governo municipal. Vemos que os
investimentos são baixos, carecendo de maior dedicação, olhares mais voltados para
as verdadeiras necessidades dessa população.
E por tantos problemas, não há como fugir da evasão escolar nos meios rurais.
Triste realidade do Brasil!

17
5 A EDUCAÇÃO DO CAMPO ENQUANTO PRODUÇÃO DE CULTURA

5.1 Educação do campo: Um conceito em construção

Decorrendo o tempo histórico no Brasil, os movimentos sociais têm sido os


sujeitos centrais que vem dialogando com o governo as necessidades sociais básicas.
Diante deste fato, podemos entender que muitos destes sujeitos têm colocado na
pauta política discussões sobre leis e ações que partem das demandas sociais, a
exemplo temos o Movimento dos Trabalhadores Rurais – MST tem buscado, desde a
década de 1990, a possibilidade de estudar em seu próprio local de origem e formular
sua própria proposta pedagógica. A proposta da Escola do Campo envolve a luta do
MST por uma escola com características próprias, que valorize o homem e a mulher
que vivem na e da terra (MACHADO, 2018).

Fonte: www.catalogo.egpbf.mec.gov.br

Nas palavras de Machado (2018), essa discussão política entre governo e


Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra tem colocado o ser humano no

18
centro do diálogo. A relação do movimento com a educação constitui-se numa relação
de origem. A história do MST, para Caldart (2004) é uma grande obra educativa. A
prática da educação, no entender do MST, reside na formação humana. Enfim, a
transformação dos sujeitos excluídos de tudo, em cidadãos dispostos a lutar por um
lugar digno na história, faz a educação ser percebida em cada uma das ações que
constituem a formação da identidade do sem-terra do MST. Do ponto de vista de
Vendramini (2007), observamos no contexto educacional a continuidade de uma
política de fechamento/nucleação envolvendo as escolas rurais. O objetivo desta
política é de racionalizar a estrutura, bem como a organização de pequenas escolas,
portanto orientando-se pelo Plano Nacional de Educação (projeto de Lei n. 4173/98),
com intenção de diminuir, também, o número de classes multisseriadas. Segundo
Vendramini (2007, p.2), compreender a escola do campo, significa que:

É preciso compreender que a educação do campo não emerge no vazio e


nem é iniciativa das políticas públicas, mas emerge de um movimento social,
da mobilização dos trabalhadores do campo, da luta social. É fruto da
organização coletiva dos trabalhadores diante do desemprego, da
precarização do trabalho e da ausência de condições materiais de
sobrevivência para todos.

Fonte: www.catalogo.egpbf.mec.gov.br

Conforme Machado (2018), o movimento nacional vem provocando a


construção de uma escola do campo, e alia uma construção de projeto popular para
19
o Brasil. Este fato é muito significativo, pois, acarretaram mudanças de teoria e prática,
referentes à educação rural. É neste sentido que o termo “campo” carrega consigo o
significado histórico do espaço de disputa e conquista pela terra-educação, ou seja,
consiste numa negação histórica do termo “educação rural”, que impulsionou os
movimentos sociais a ressignificarem a si mesmos enquanto sujeitos coletivos. Assim,
entendemos que, para o Movimento, os conteúdos e as metodologias de ensino estão
voltados aos interesses e envolvimento da comunidade, e, assim, direcionam suas
atividades escolares em prol da emancipação dos trabalhadores e trabalhadoras, a
partir de valores como cooperação, parceria, solidariedade, autonomia e outros. O
contexto que o MST dialoga com o governo, envolve a relação entre educação, escola
e a questão agrária em toda sua complexidade histórica, ou seja, a proposta
pedagógica da educação do campo trata, dentre outros aspectos, da realidade dos
sujeitos de direitos. É neste sentido, que a educação do campo, tem intensificado o
diálogo com o governo em prol de melhores condições de vida e trabalho em seu
espaço de pertencimento, como resultado da luta em defesa da Educação Pública e
de qualidade para todos que ali vivem. Tratando da proposta pedagógica própria da
educação do campo, os trabalhadores têm colocado em evidência a valorização da
cultura dos povos do campo, a exemplo das Conferências Nacionais – Por uma
Educação Básica do Campo (1998) e Por uma Política Pública de Educação do
Campo (2004) −, o que resultou na criação de um grupo permanente de Educação.
Concatenando com as pesquisas de Souza (2008, p.1092) entendemos que a
educação do campo:

Possibilita o debate acerca da prática pedagógica nas escolas do campo,


expressando as divergências políticas entre a concepção de educação rural
pautada na política pública estatal e a concepção de campo pautada no
debate empreendido pelos movimentos sociais de trabalhadores. Com isso,
coloca professores, secretarias de educação, diretores, entre outros, em
processo de indagação quanto à prática desenvolvida nas escolas do campo.
Percebe-se que a educação do campo apresenta heterogeneidade no que
tange à prática educativa em sala de aula e à gestão da escola, uma mostra
de que a realidade, lentamente, vem sendo modificada pela prática social [...].

É neste contexto que um dos papéis da escola é fundamental: A formação


educativa das novas gerações que por meio do conhecimento encontram alternativas
de realizar um projeto de vida e de sociedade mais humana.
Vale mencionar que a educação do campo, para os movimentos sociais, busca
restabelecer, dentre tantas perdas, os vínculos entre educação e trabalho, na intenção
20
de valorizar aqueles que lutam contra a opressão, a exploração, a dominação e,
consequentemente, contra a alienação. Existem contradições e peculiaridades em
uma sociedade assentada (envolvendo o capital) enquanto apropriação do trabalho.
A expropriação da terra e dos meios de subsistência implica não só as experiências
pedagógicas, mas a configuração concebida historicamente e a forma que a
nomeamos e organizamos decorrido o tempo (MACHADO, 2018).

5.2 Escola rural: indagações acerca da cultura e do trabalho

O advento da industrialização e o avanço do capitalismo aumentaram a


insatisfação dos trabalhadores rurais, que ao reconhecerem que a subordinação os
distanciava do autodesenvolvimento concluíram que esta condição somente servia
para produzir a separação entre trabalho manual e intelectual. O trabalho no meio
rural significa tecnicamente o envolver-se na labuta diária expostos às intempéries da
natureza, perseguir o calendário do plantio e da colheita em conformidade com o
conhecimento da terra e carregar em si as marcas de um discurso que há séculos
vêm sendo construído aos trabalhadores rurais: gente da roça não precisa estudar
(MACHADO, 2018).

Fonte:www.vermelho.org.br

21
De acordo com Machado (2018), o pensamento utilitarista incutido à escola
rural, para o povo da roça, tem sido pautado em saberes mínimos, úteis ao trabalho
com a enxada; um percurso histórico que vem marcando fortemente muitas escolas
localizadas no meio rural. Se a discussão principal das elites governantes é garantir
que todas as pessoas tenham acesso a uma educação de qualidade, de que forma a
educação serve aos interesses da vida humana e como é envolvida com a valorização
do trabalhador? Para Beltrame (2002, p.132), as relações dos professores, com o
mundo rural, permite lhes desenvolver uma prática em várias dimensões: “produtiva,
política e educativa” e mais: “em seu dia-a-dia, esses homens e mulheres, no trabalho,
no contato direto com a natureza, participam intensamente dos ciclos da vida” e, nesta
dinâmica, vão organizando conhecimentos e afinidades que os enriquecem como
professores.
No sentido de uma dimensão exploratória de pesquisa, nos servimos de uma
entrevista, desenvolvida junto a uma professora da escola, fazendo à ela a seguinte
interrogação: Quais atividades agrícolas e artesanais se mantêm na comunidade? A
mesma, em resposta ao questionamento, afirmou o seguinte:

As atividades agrícolas das comunidades atendidas pela escola são o cultivo


de fumo, a avicultura, e a agricultura familiar sendo que nesta são cultivadas,
milho, batata salsa, e verduras para o próprio consumo e vendas para a
comunidade local. Quanto ao artesanato, algumas poucas famílias
aproveitam os barbantes usados para amarrar fumo para fazer crochê como
toalhinhas, tapetes e enfeites para casa.

A transformação da natureza pelo trabalho e a manifestação deste proceder


pela invenção da cultura no exercício da prática social, possibilita que a educação
continue no homem e na mulher o trabalho da natureza, fazendo-os evoluir e
tornando-os mais humanos, pois, as contradições entre o trabalho e a cultura no
contexto de nossa pesquisa são evidentes. O trabalho como meio produtivo de
sobrevivência cotidiana, desenvolve-se no meio rural, numa relação moldada por
ações repetitivas, pela exposição ao sol e todo tipo de intempérie, um contato direto
com a natureza. Subsequente ao questionamento anterior e para análise das relações
entre o projeto histórico e o projeto educacional de escolarização em consonância
com nossa intenção de pesquisa, outro questionamento faz-se fundamental: De que
maneira se relacionam com o trabalho? Para Marx (2004), a tendência histórica da
acumulação capitalista funda-se sobre o trabalho pessoal de seu possuidor, ou seja,

22
certamente a maneira de produção encontra-se entre a escravidão, o servilismo e
outros estados de dependência. Sobre isso, a professora entrevistada, afirmou:

[...] A relação com trabalho é segundo muitos é sofrida, pois na lavoura de


fumo, precisam colher e amarrar durante o dia e cuidar da secagem em
estufas durante a noite. O período de trabalho inicia por volta de julho/ agosto
e vai até meados de abril a maio. Após o mês de Janeiros muitos acabam
saindo e procurando emprego em centros urbanos, visto que o trabalho deixa
de ser tão difícil podendo ser realizado pelas próprias famílias (sem a
necessidade de contratar um “camarada”, um ajudante). As pessoas que
trabalham por contrato (não há registro algum em carteira, ou em cartório),
ganham as refeições, e em alguns casos dormem na estufa ou nos paióis
junto com o fumo colhido ou seco.

A consequência necessária e evidente na afirmação da professora está restrita


às relações do trabalhador sobre os meios da atividade produtiva, ou seja, as relações
sociais do trabalho em sua gênese histórica que se concentram na relação direta com
as formas capitalistas de produção, onde os trabalhadores do campo e ou da cidade
não estão livres para desenvolver o pensamento sobre suas potencialidades sociais
do trabalho, bem como os meios e os esforços da atividade coletiva.
Em continuidade ao nosso questionamento anterior, a professora diz: “Estas
pessoas trabalham quando é conveniente aos seus patrões e quando acaba a safra
procuram novos meios de subsistência em outros locais ou empresa”.
Para Marx (2004), as origens da gênese do capital residem na acumulação e
concentração da propriedade, ou seja, a produção individual de muitos e suas
propriedades minúsculas, fazendo a propriedade colossal de alguns e ainda, os
métodos de acumulação primitiva, abrangendo uma série de processos violentos,
dentre eles, a expropriação dos produtores (MACHADO, 2018).
Frigotto (2010) escreve que reside em nosso país uma tendência dominante de
considerar a população do campo como atrasados e ou fora de um projeto de
modernidade. Uma tendência que não avança sem contradições, pois, a crise do
emprego e a migração campo-cidade refletem as marcas de um projeto de capitalismo
que impede o avanço da educação escolar básica, ou seja, a burguesia brasileira
nunca teve interesse em colocar para a classe trabalhadora uma educação de
qualidade e para todos como preconizava na década de 1980 a nova Lei de Diretrizes
da Educação Nacional, um surgimento novo das lutas sociais por um projeto societário
e de educação para o Brasil. Após o regime militar, passa-se a cobrar da instituição
escolar e da educação uma individualidade sem limites, ou seja, que o indivíduo passe

23
a lutar por seu lugar a qualquer preço, ou ainda, numa visão do ideário marxista, os
ditames do mercado que viam nos indivíduos o mercado e não a sociedade
(MACHADO, 2018).
Prosseguem as décadas e ainda reside na educação a força dos interesses
das classes dos centros hegemônicos adjunta à classe burguesa brasileira. Em
continuidade ao pensamento de Frigotto (2010), entendemos que na escola do meio
rural, o que está em jogo ainda são as escolas, as propostas educativas que ali
acendem e a conexão desta educação com as estratégias do poder que ali residem,
ou seja, uma educação no campo, que mantém o sentido extensionista onde o
destaque é dado a dimensão do localismo e particularismo. Para Frigotto (2010, p.
35):

[...] Trata-se da visão de que as crianças, jovens e adultos do campo estão


determinados a uma educação menos, destinada às operações simples de
trabalho manual e também com a perspectiva de que permaneceriam para
sempre no campo. [...] nega-se, nesta perspectiva uma educação unitária
(síntese do diverso) e, portanto, com a universalidade historicamente possível
do conhecimento em todas as esferas da vida humana, independentemente
de residir no campo ou na cidade.

Consensual à realidade posta, entendemos que problematizar a emergência de


pesquisas acerca dos aspectos acima mencionados, localizados numa conjuntura
político cultural é em grande medida um desafio aos pesquisadores que questionam
as práticas pedagógicas e consequentemente, uma educação que tem reafirmado a
alienação e a negação da identidade dos sujeitos de direitos. As práticas pedagógicas
interdependentes das matrizes pedagógicas e culturais, vinculadas às estratégias de
desenvolvimento da escola enquanto instituição educacional, composta por sujeitos
de direitos, especificamente para pensar a escola do campo, consiste numa educação
voltada para o futuro, ou seja, a valorização de um povo que historicamente tem sido
relegado ao descaso (MACHADO, 2018).

6 A EDUCAÇÃO DO CAMPO NA FORMAÇÃO DOS SUJEITOS

A educação do campo é construída a partir das demandas e das experiências


dos sujeitos que vivem no campo. Ela questiona a ausência de políticas educacionais
para os povos do campo, o modelo de uma educação empobrecida, inferiorizada,
destituída dos saberes do trabalho, da cultura e do contexto do campo. Pensar a
24
educação do campo dentro de uma política educacional implica reconhecer a
identidade da escola do campo. Nas diretrizes operacionais para a educação básica
nas escolas do campo (2002), esta identidade é definida a partir dos sujeitos do
campo, do modo como estes organizam seu cotidiano, dos saberes e da cultura que
produzem enquanto transformam a terra e o próprio contexto onde estão inseridos,
bem como dos conhecimentos e da cultura historicamente acumulados, produzidos
na relação dialética entre o campo e a cidade, no modo de trabalho e organização da
sociedade. A escola é compreendida como um direito e como um dos espaços
educativos em que mulheres e homens se educam. Para Arroyo (1999), a ela cabe
conhecer e interpretar os processos educativos que acontecem fora dela, tomando
por referência os saberes acumulados pelas experiências vividas pelos povos do
campo nos movimentos sociais, nas lutas, no trabalho, na produção, na família, na
vivência cotidiana, para organizar este conhecimento e socializar o saber e a cultura
historicamente produzidos, viabilizando os instrumentos técnico-científicos para
interpretar e intervir na realidade, na produção e na sociedade (RIBAS, 2018).

Fonte: http://www.folhavitoria.com.br

Assim, a escola precisa possibilitar que os sujeitos do campo compreendam a


realidade em que estão inseridos no seu movimento histórico, nas suas contradições
25
e em relação ao contexto mais amplo, tanto no que se refere à articulação campo-
cidade quanto ao processo de desenvolvimento, de globalização, de lutas sociais.
Para que a escola do campo possa ter sua identidade reconhecida e assumida no
trabalho pedagógico escolar, coloca-se como fundamental reestruturar os currículos
e a formação de professores. Fazendo uma análise no currículo escolar revela-se que
o trabalho, a cultura e os saberes do campo geralmente são tratados de forma
pejorativa, ultrapassada, inferiorizada ou, ainda, estão ausentes no processo
pedagógico. O modelo de currículo historicamente adotado busca impor para o campo
a cultura urbana e os saberes produzidos nestes espaços como modelo. É neste
sentido que a educação do campo, por advir a partir de uma luta dos camponeses, os
traz como sujeitos de políticas e não meros consumidores de ações educativas, de
modo que suas experiências, seu contexto, sua cultura, seus conhecimentos e suas
demandas sejam tomados como referências para a formulação de políticas públicas.
O projeto político-pedagógico traduz a concepção e a forma de organização do
trabalho pedagógico da escola com vistas ao cumprimento de suas finalidades. As
finalidades têm caráter social, implicando na explicitação o tipo de sujeito que se
deseja formar, por isso, esse projeto vincula-se a um projeto histórico de sociedade
(FREITAS, 1995), ou seja, tem relação com a sociedade que se deseja construir,
transformar. O projeto político-pedagógico constitui-se em instrumento de ação
político pedagógica, na medida em que possibilita a manifestação dos desejos e
aspirações da comunidade em termos da educação das crianças e jovens e norteia
todo o processo educativo desencadeado pela escola. Nesse sentido, não pode ser
visto apenas como produto ou resultado de um trabalho de definição de finalidades e
linhas de ação. O projeto político-pedagógico é “processo permanente de reflexão e
discussão dos problemas da escola, na busca de alternativas viáveis à efetivação de
sua intencionalidade” (VEIGA, 2002, p. 13) e assenta-se numa dimensão de
globalidade e totalidade da educação (RIBAS, 2018).
O projeto político-pedagógico não se resume no documento escrito que
formaliza as concepções, objetivos, conteúdos, metodologia de trabalho e sistemática
de avaliação de uma escola. Ele é exercício de construção permanente que
acompanha e é acompanhado pela prática pedagógica, cotidianamente se fazendo e
refazendo. Daí a necessidade de coesão e clareza política, condições nem sempre
fáceis de serem obtidas num espaço que congrega sujeitos com as mais diferentes

26
experiências de vida, concepções de educação e expectativas. Contudo, é de
fundamental importância a constituição do coletivo escolar, uma vez que projeto
político pedagógico se refere sempre a um coletivo, sendo inconcebível sem ele;
jamais pode ser fruto de desejos e aspirações individuais. Machado (2003) aponta que
o trabalho pedagógico é o modo de organização que a escola assume na tarefa de
pensar e produzir as relações de saber entre sujeitos e o mundo concreto, o mundo
do trabalho socialmente produtivo.
O trabalho pedagógico é norteado por um conjunto de princípios filosóficos,
políticos e epistemológicos definidores das normas e ações escolares e se apresenta
como condição de sustentação das relações estabelecidas entre os sujeitos que
integram o universo escolar. Pensar a organização do trabalho pedagógico implica
pensar o que será trabalhado - conteúdos, como - metodologia - e para que -
finalidades. Em se tratando das escolas do campo é preciso ter um olhar atento e
cuidadoso para o contexto em que estão inseridos, valorizando suas particularidades
e singularidades, que são características do seu entorno, bem como levar em conta o
diagnóstico da realidade sócio-político-econômica da localidade em que está inserida
a escola. A educação do campo nasceu colada ao trabalho e à cultura do campo e
não pode perder isso em seu projeto pedagógico (RIBAS, 2018).
O trabalho forma e produz o ser humano. A educação do campo precisa
recuperar uma tradição pedagógica de valorização do trabalho como princípio
educativo, do vínculo entre educação e processos produtivos e de discussão sobre as
diferentes dimensões e métodos de formação do trabalhador, de educação
profissional, cotejando esse acúmulo de teorias e de práticas com a experiência
específica de trabalho e de educação dos camponeses. O projeto da educação do
campo precisa estar atento para os processos produtivos que conformam o ser
trabalhador do campo e participar do debate sobre as alternativas de trabalho e
opções de projetos de desenvolvimento locais e regionais que possam devolver
dignidade para as famílias e as comunidades camponesas. Isso significa pensar a
pedagogia sob um ponto de vista mais amplo, como processo de humanização-
desumanização dos sujeitos, e pensar como estes processos podem e devem ser
trabalhados nos diferentes espaços educativos do campo. A cultura também forma o
ser humano e dá as referências para o modo de educá-lo (RIBAS, 2018).

27
São os processos culturais que garantem a própria ação educativa do trabalho,
das relações sociais, das lutas sociais. A educação do campo precisa recuperar a
tradição pedagógica que nos ajuda a pensar a cultura como matriz formadora e que
nos ensina que a educação é uma dimensão da cultura, como uma dimensão do
processo histórico, e que processos pedagógicos são constituídos desde uma cultura
e participam de sua reprodução e transformação simultaneamente. Quando dizemos
que os movimentos sociais são educativos é exatamente compreendendo que estão
provocando processos sociais que, ao mesmo tempo, reproduzem e transformam a
cultura camponesa, ajudando a conformar um novo jeito de ser humano, um novo
modo de vida no campo, uma nova compreensão da história. A educação do campo
precisa ser a expressão e o movimento da cultura camponesa transformada pelas
lutas sociais do nosso tempo. Pensar a educação vinculada à cultura significa
construir uma visão de educação em uma perspectiva de longa duração, ou seja,
pensando em termos de formação das gerações. E isto tem a ver, especialmente, com
a educação de valores (RIBAS, 2018).
A educação do campo, além de se preocupar com o cultivo da identidade
cultural camponesa, precisa recuperar os veios da educação dos grandes valores
humanos e sociais: emancipação, justiça, igualdade, liberdade, respeito à diversidade,
bem como reconstruir nas novas gerações o valor da utopia e do engajamento pessoal
a causas coletivas e humanas. O vínculo com as matrizes formadoras do trabalho e
da cultura nos remete a pensar em outro traço muito importante para a educação do
campo: sua dimensão de projeto coletivo e de concepção mais ampliada do que sejam
relações pedagógicas. O trabalho e a cultura são produções e expressões
necessariamente coletivas e não individuais. Raiz cultural, que inclui o vínculo com
determinados tipos de processos produtivos, significa pertença a um grupo,
identificação coletiva (RIBAS, 2018).
As relações interpessoais são inerentes à concretização do ato educativo, mas
se trata de pensá-las não como relação indivíduo, indivíduo para formar indivíduos,
mas sim como relações entre pessoas culturalmente enraizadas para formar pessoas
que se constituem como sujeitos humanos e sociais. A educação do campo também
se identifica pela valorização da tarefa específica dos educadores. Sabemos que em
muitos lugares eles têm sido sujeitos importantes da resistência social no campo,
especialmente nas escolas, e que têm estado à frente de muitas lutas pelo direito à

28
educação. A educação do campo tem construído um conceito mais alargado de
educador. Compreende-se que educadora é aquela pessoa cujo trabalho principal é
o de fazer e o de pensar a formação humana, seja ela na escola, na família, na
comunidade, no movimento social, seja educando as crianças, os jovens, os adultos
ou os idosos. Nesta perspectiva, todos somos de alguma forma educadores, mas isto
não tira a especificidade desta tarefa, pois nem todos temos como trabalho principal
educar pessoas e conhecer a complexidade dos processos de aprendizagem e de
desenvolvimento do ser humano, em suas diferentes gerações (RIBAS, 2018).
Para Caldart (2002), construir a educação do campo significa formar
educadores para atuação em diferentes espaços educativos. Na medida em que se
defende uma formação específica é porque se entende que boa parte deste ideário
que se está construindo é algo novo em nossa própria cultura. Há uma nova identidade
de educador a ser cultivada, ao mesmo tempo em que há uma tradição pedagógica e
um acúmulo de conhecimentos sobre a arte de educar que precisam ser recuperados
e trabalhados desde esta intencionalidade educativa da educação do campo. Por isso,
ao pensar no projeto político e pedagógico da educação do campo deve-se incluir uma
reflexão sobre qual perfil do profissional de educação precisamos e sobre como se faz
esta formação. Faz se necessário pensar sobre como os educadores têm se formado
nos próprios processos de construção da educação do campo e como isso pode ser
potencializado pedagogicamente em programas e políticas de formação específicas.
A educação do campo não cabe em uma escola, mas a luta pela escola (RIBAS,
2018).
A escola terá tanto mais lugar no projeto político e pedagógico da educação do
campo se não se fechar nela mesma, vinculando-se com outros espaços educativos,
com outras políticas de desenvolvimento do campo, e com a própria dinâmica social
em que estão envolvidos os seus sujeitos. Compreender o lugar da escola na
educação do campo é ter claro que ser humano ela precisa ajudar a formar e como
pode contribuir com a formação dos novos sujeitos sociais que se constituem no
campo. A escola precisa cumprir a sua vocação universal de ajudar no processo de
humanização, com as tarefas específicas que pode assumir nesta perspectiva. Ao
mesmo tempo é chamada a estar atenta à particularidade dos processos sociais do
seu tempo histórico e ajudar na formação das novas gerações de trabalhadores e de
militantes sociais. Não se trata de propor algum modelo pedagógico para as escolas

29
do campo, mas de construir coletivamente referências para processos pedagógicos a
serem desenvolvidos pela escola, que lhe permitam serem obra e identidade dos
sujeitos que ajuda a formar, com traços que a identifiquem com o projeto político e
pedagógico da educação do campo. (RIBAS, 2018)
Para construir referências comuns às escolas vinculadas a este projeto de
educação do campo, precisa-se antes pensar em alguns aspectos principais do que é
o trabalho específico da escola ou quais as funções sociais que assume ou deve
assumir, já dialogando com a intencionalidade política e pedagógica do projeto da
educação do campo. E pensar ainda em aspectos ou tarefas gerais, que depois
precisam ser desdobradas e pensadas pedagogicamente a partir dos diferentes
sujeitos que estão em cada escola específica, bem como levar em conta as diferenças
de cada ciclo da vida, de cada modalidade de escola. A escola precisa ser vista como
um espaço de socialização. A escola costuma ser um dos primeiros lugares em que a
criança experimenta, de modo sistemático, relações sociais mais amplas das que vive
em família e de uma intencionalidade política e pedagógica nesta dimensão pode
depender muitos dos traços de seu caráter, muitos dos valores que venha a assumir.

Fonte:blogviniciusdesantana.com

Na escola sempre há socialização porque sempre há relações sociais. Mas


nem sempre isto integra o projeto pedagógico e a intencionalidade do trabalho dos
30
educadores. Neste aspecto é preciso ter presente que o principal componente
curricular da escola é que a experiência cultural de escola é pedagogicamente muito
mais significativa do que a tematização da socialização ou apenas a tentativa de
transformar determinadas relações sociais em conteúdo discursivo de sala de aula. A
escola socializa a partir das práticas que desenvolve, pelo tipo de organização do
trabalho pedagógico que seus sujeitos vivenciam, pelas formas de participação que
constituem seu cotidiano. São as ações que revelam as referências culturais das
pessoas e é trazendo à tona estas referências que elas podem ser coletivamente
recriadas e reproduzidas (RIBAS, 2018).
A educação do campo precisa incluir em seu projeto pedagógico uma reflexão
cuidadosa e mais aprofundada sobre como acontecem no cotidiano da escola, os
processos de socialização, sua relação com a conservação e a criação de culturas,
fazendo também a reflexão específica sobre que traços de socialização são
importantes na formação dos sujeitos do campo hoje. Ela também precisa instigar a
construção de uma visão de mundo. Muitas vezes a escola trabalha conteúdos
fragmentados, ideias soltas, sem relação entre si ou com a vida concreta. São muitos
estudos e atividades sem sentido, fora de uma abordagem mais ampla, que deveria
ser exatamente a de um projeto de formação humana. Para que a escola cumpra esta
tarefa é necessário que a escolha dos conteúdos de estudo e a seleção de
aprendizados a serem trabalhados em cada momento não seja aleatória, mas feita
dentro de uma estratégia mais ampla de formação humana, bem como se busque
coerência entre teoria e prática, entre o que se estuda e o ambiente cultural da escola.
Na educação do campo é preciso refletir sobre como se ajuda a construir, desde
a infância, uma visão de mundo crítica e histórica, como se aprende e como se ensina
nas diferentes fases da vida a olhar para a realidade enxergando seu movimento, sua
historicidade e as relações que existem entre uma coisa e outra, como se aprende e
como se ensina a tomar posição diante das questões do seu tempo, como se
aprendem e como se ensinam utopias sociais e como se educam valores humanistas,
como se educa o pensar por conta própria e o dizer a sua palavra e como se respeita
uma organização coletiva. Ela precisa não deixar desflorar o cultivo de identidades.
Esta também é uma das funções da escola: trabalhar com os processos de percepção
e de formação de identidades, no duplo sentido de ajudar a construir a visão que a
pessoa tem de si mesma - autoconsciência de quem é e com o que ou com quem se

31
identifica -, e de trabalhar os vínculos das pessoas com identidades coletivas, sociais:
identidade de camponês, de trabalhador, de membro de uma comunidade, de
participante de um movimento social, identidade de gênero, de cultura, de povo, de
Nação (RIBAS, 2018).
Compreende-se que este é um aprendizado humano essencial: olhar no
espelho do que somos e queremos ser, assumir identidades pessoais e sociais, ter
orgulho delas, ao mesmo tempo em que se desafiar no movimento de sua permanente
construção e reconstrução. Educar é ajudar a construir e a fortalecer identidades,
desenhar rostos, formar sujeitos. E isto tem a ver com valores, modo de vida, memória,
cultura. As identidades se formam nos processos sociais. O papel da escola será tanto
mais significativo se ela estiver em sintonia com os processos sociais vivenciados
pelos seus educandos e educadores, e se ela mesma consegue constituir um
processo social - cumprindo a tarefa da socialização de que tratamos antes - capaz
de ajudar a construir e fortalecer identidades. Pensando desde a intencionalidade
política e pedagógica da educação do campo, a escola deveria trabalhar com mais
ênfase para ajudar no cultivo de identidades aguçando a autoestima, memória e
resistência cultural (RIBAS, 2018).
A escola tem um papel que não pode ser subestimado na formação da
autoestima de seus educandos e também de seus educadores. E isto é muito
importante para a educação do campo, já que em muitas comunidades camponesas
existe um traço cultural de baixa autoestima acentuado, fruto de processos de
dominação e alienação cultural muito fortes, e que precisa ser superado em uma
formação emancipatória dos sujeitos do campo. Para que a escola assuma a tarefa
de fortalecer a autoestima dos seus educandos, além de todo um trabalho ligado à
memória, à cultura, aos valores do grupo, é preciso pensar na postura dos educadores
e na transformação das didáticas ou do jeito de conduzir as atividades escolares
(RIBAS, 2018).
A escola precisa ajudar a enraizar as pessoas em sua cultura, que pode ser
transformada, recriada a partir da interação com outras culturas, mas que precisa ser
conservada, porque não é possível fazer formação humana sem trabalhar com raízes
e vínculos. Isto quer dizer que a escola precisa trabalhar com a memória do grupo e
com suas raízes culturais e isto quer dizer também que se deve ter uma
intencionalidade específica na resistência à imposição de padrões culturais

32
alienígenas e no combate à dominação cultural. Ou seja, a escola pode ajudar os
educandos a perderem a vergonha de ser da roça, a aprender a ser camponês, e a
ser de movimento social, a aprender a valorizar a história dos seus antepassados,
tendo uma visão crítica sobre ela, e a aprender do passado para saber projetar o futuro
pela contação de histórias que tenham a memória do grupo como referência, assim
como trabalhar com que expressem a cultura camponesa e a coloquem em diálogo
com outras culturas (RIBAS, 2018).
A educação do campo precisa aprofundar a reflexão sobre como a escola pode
ajudar a cultivar utopias, respeitando a cultura camponesa e a própria fase da vida em
que se encontram os diferentes educandos. É preciso refletir permanentemente sobre
a intencionalidade educativa da escola nesta perspectiva e olhar para os detalhes do
seu ambiente educativo e trabalhar com diferentes saberes à qual cabe uma
aproximação crítica, nem tanto para tentar trazer estes saberes para o seu interior, o
que nem sempre é possível sem trair sua natureza, mas para provocar a inserção dos
educandos em processos sociais capazes de produzi-los. Ao mesmo tempo, cabe à
escola ajudar na reflexão coletiva sobre esses saberes, relacionando-os entre si e
potencializando-os nos processos de socialização dos educandos, de construção de
sua visão de mundo e de suas identidades, enfim, em seu processo mais amplo de
humanização ou de formação humana.
Entende-se que a educação do campo deve incluir em seu debate político e
pedagógico a questão de que saberes são mais necessários aos sujeitos do campo e
podem contribuir na preservação e na transformação de processos culturais, de
relações de trabalho, de relações de gênero, de relações entre gerações no campo e
de que saberes podem ajudar a construir novas relações entre campo e cidade. É
necessário discutir sobre como e onde estão sendo produzidos esses diferentes
saberes, qual a tarefa específica da escola em relação a cada um deles e, também,
que saberes especificamente escolares podem ajudar na sua produção e apropriação
cultural. Esta é uma reflexão que deve continuar. A educação do campo precisa
aprofundar sua reflexão sobre que formato de escola é capaz de dar conta destas
tarefas indicadas e, especialmente, dedicar-se ao estudo de didáticas e metodologias
que traduzam esta concepção de escola e projeto político e pedagógico em cotidiano
escolar (RIBAS, 2018).

33
7 A EDUCAÇÃO DO CAMPO COMO FORMAÇÃO HUMANA PARA O
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

O olhar construído historicamente acerca do campo esteve associado ao


subdesenvolvimento, ao atraso e à pobreza, tendo em vista que os ideais capitalistas
elegeram o modelo urbano-industrial como padrão de vida ideal para as sociedades
modernas. Por conta disso, o mundo rural tornou-se esquecido no âmbito dos projetos
políticos da maioria dos gestores públicos, resultando na negação do campo enquanto
espaço de produção cultural, social e econômica e, consequentemente, no abandono
de milhares de famílias camponesas. Nesse contexto, boa parte das famílias
abandonou o campo e migrou para as cidades, desencadeando o processo de
favelização das grandes e médias cidades, tendo como principal consequência o
aumento da pobreza, da miséria e da violência. Por outro lado, os camponeses que
permaneceram no meio rural articularam-se em movimentos sociais e construíram
diversas lutas em defesa do direito à terra, à água, ao crédito, à educação entre outros
(LIMA, 2011).

Fonte:www.envolverde.cartacapital.com.br

As lutas dos movimentos sociais do campo colocaram em pauta o debate sobre


o modelo de desenvolvimento excludente e concentrador desenvolvido no país,
centrado no acúmulo de capital, na concentração de terra, na exploração da mão de
34
obra escrava, a destruição do meio ambiente, dentre outros problemas. A partir do
debate supracitado, novas políticas públicas passaram a ser gestadas no âmbito
nacional (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF;
Programa de Aquisição de Alimentos - PAA; Programa Nacional de Alimentação
Escolar - PNAE; Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA;
dentre outros) que apontam para a construção de novos projetos de desenvolvimento
sustentável para o país através da valorização da agricultura familiar e da cultura
sócio-político-organizativa dos camponeses (LIMA, 2011).
Em meio aos debates acerca das políticas públicas para o campo, os
movimentos sociais perceberam que a construção de novos projetos de
desenvolvimento sustentável passa pela produção de novos saberes no e sobre o
campo, que impulsione a agricultura familiar através da produção de novos
conhecimentos e tecnologias associadas à produção sustentável. Daí a importância
de lutar pela construção de um projeto de educação do campo que possa, não só levar
os conhecimentos aos jovens do campo, mas fomentar a produção de saberes
específicos inerentes às formas de viver e produzir no campo, envolvendo os aspectos
sociais, políticos, culturais e econômicos (LIMA, 2011).
Diante desse contexto, os movimentos sociais vêm lutando por uma educação
capaz de reconhecer as diversidades socioculturais do campo, que possibilite a
valorização dos saberes e das culturas vivenciadas pelas populações campesinas ao
longo dos tempos. Uma educação que partisse dos saberes dos povos do campo,
problematizando-os a fim de construir novos olhares críticos acerca daquela realidade
e de suas possibilidades de desenvolvimento (LIMA, 2011). Ou seja, “A ideia era
reivindicar e simultaneamente construir um modelo de educação sintonizado com as
particularidades culturais, os direitos sociais e as necessidades próprias à vida dos
camponeses” (BRASIL, 2007, p. 11). Diante dos vários debates, manifestações e
ocupações, os movimentos sociais do campo obtiveram inúmeras conquistas, dentre
elas, destaca-se a instituição das Diretrizes Operacionais da Educação Básica para
as Escolas do Campo, em 2001. Essas diretrizes fazem parte das reivindicações
históricas dos movimentos sociais do campo, portanto trazem um conjunto de
preocupações relacionadas ao:

[...] reconhecimento e valorização da diversidade dos povos do campo, a


formação diferenciada de professores, a possibilidade de diferentes formas
de organização da escola, a adequação dos conteúdos às peculiaridades
35
locais, o uso de práticas pedagógicas contextualizadas, a gestão
democrática, a consideração dos tempos pedagógicos diferenciados, a
promoção, através da escola, do desenvolvimento sustentável e do acesso
aos bens econômicos, sociais e culturais (BRASIL, 2007, p. 17).

As diretrizes operacionais, além de estabelecer novos princípios políticos e


pedagógicos para as escolas do campo que atendam aos interesses e as
necessidades dos jovens camponeses, criou um novo marco legal, obrigando, em seu
artigo 13, que os sistemas de ensino reconstruam seus projetos de formação para o
campo com base nos seguintes componentes:

I - estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo das crianças,


dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade social da vida
individual e coletiva, da região, do país e do mundo; II - propostas
pedagógicas que valorizem, na organização do ensino, a diversidade cultural
e os processos de interação e transformação do campo, a gestão
democrática, o acesso ao avanço científico e tecnológico e respectivas
contribuições para a melhoria das condições de vida e a fidelidade aos
princípios éticos que norteiam a convivência solidária e colaborativa nas
sociedades democráticas (BRASIL, 2003).

As diretrizes operacionais rompem com o silêncio das políticas públicas de


educação das escolas do campo, resgata a educação como um direito subjetivo e
reafirma que não basta ter apenas escolas, é preciso ter escolas com políticas
públicas para permanência do homem no campo. Isso significa a necessidade de
fortalecer a luta pela efetivação e garantia dessas escolas como espaços de reflexão
das práticas desenvolvidas dentro de um contexto de vivências. Desse modo, as
diretrizes operacionais são ferramentas que subsidiam o debate sobre a Educação do
Campo e impulsionam novas práticas educativas no campo. Além disso, se constitui
num instrumento legal que permite a construção de projetos educativos que
contrapunha ao modelo de desenvolvimento implantado para atender os interesses
do capital, cuja finalidade é a ampliação das riquezas materiais, proporcionando bem-
estar a uma restrita parcela da população em detrimento de um povo que sofre as
causas e consequências desse processo, principalmente do Nordeste (LIMA, 2011).

7.1 As diferentes concepções de desenvolvimento

O debate acerca das políticas de desenvolvimento se intensificou nas últimas


décadas em virtude dos graves problemas econômicos e socioambientais causados
pelo modelo de desenvolvimento implementado no mundo a partir da expansão
36
descontrolada da produção industrial, resultando na utilização irracional dos recursos
naturais, na concentração de renda e na exploração da mão-de-obra. No caso
específico do campo, as políticas de desenvolvimento instituída nas últimas décadas
voltam-se para o fortalecimento do agronegócio, baseado na produção em larga
escala que expulsa os trabalhadores rurais, amplia o desmatamento da vegetação
nativa, dissemina o uso de agrotóxicos e reduz significativamente as propriedades dos
agricultores familiares responsáveis pela produção dos alimentos nos pequenos e
médios municípios (LIMA, 2011).
A expansão do agronegócio tem contribuído significativamente para a
ampliação da política de concentração de terra e da renda e, consequentemente
impulsionou o processo de degradação dos recursos naturais, a geração das
desigualdades, a exploração e violência, bem como, a destruição das oportunidades
de trabalho e a descaracterização das identidades e diversidades culturais da
população do campo. Esses projetos de desenvolvimento associados aos interesses
econômicos das grandes empresas multinacionais se utilizam das riquezas naturais
com a finalidade de ampliar os lucros, sem a menor preocupação com os danos
socioambientais e culturais que poderão ser causados. Ou seja, são constituídos
através de práticas perversas de destruição de comunidades tradicionais, com todo
um arsenal histórico-cultural na área produtiva, cultural e da preservação do meio
ambiente. Neste caso,

O predomínio do interesse econômico sobre a conservação do meio ambiente


provoca como consequência imediata a degradação ambiental, através da
perda da camada de solo agrícola e a redução da população de diversas
espécies de plantas e de animais, além dos efeitos indiretos sobre o clima e
a população humana (OLÍMPIO; MONTEIRO, 2005, p. 01).

Esse processo de modernização do campo através das agroindústrias e do


agronegócio vem promovendo a expulsão dos povos do campo, obrigando-os a migrar
para as favelas das metrópoles para dar espaços às grandes áreas de produção
baseado na monocultura. Além desses problemas, os agricultores familiares convivem
também com a destruição de seu patrimônio sociocultural e ambiental construído
através de várias gerações. A ideia de “modernização” do campo vem se constituindo
num violento processo de destruição da vida de milhares de agricultores familiares
uma vez que seus espaços de produção de vida, de cultura, de valores e crenças são
transformados em grandes áreas de produção de eucalipto, soja, arroz, mamona e

37
outros. Isto é, a produção familiar construída a partir de laços de cooperação e
solidariedade dá lugar ao modelo de produção agrícola artificializado e transformado
num ramo da indústria, tendo como consequência estrutural o processo acelerado de
marginalização da agricultura camponesa, cada vez mais sem papel nessa lógica de
pensar o desenvolvimento (UFBA, 2010, p.47).
O atual modelo de desenvolvimento, baseado na acumulação de riqueza nas
mãos de poucos, contribuiu para o esvaziamento do campo, a ampliação das
periferias das grandes cidades e o aumento da concentração de terras, bem como,
favoreceu a troca da adubação orgânica pela química e incentivou a produção voltada
para a exportação em detrimento do mercado interno, levando os agricultores/as ao
endividamento e à perda de terras e, por que não dizer também, da privatização do
saber. No caso mais específico do nordeste brasileiro, vários estudos (FURTADO,
1980; SILVA, 2006; SOUSA, 2005) demonstram que a maioria dos problemas sociais
e econômicos é devido à estrutura excludente predominante nessa região baseada
na concentração da terra e da água, e na dificuldade de acesso aos meios e recursos
necessários à produção agrícola e à pecuária (LIMA, 2011).
Para Silva (2006), os principais problemas sociais e econômicos vivenciados
pelos nordestinos são decorrentes não só das questões climáticas e ambientais, mas
das políticas de desenvolvimento equivocadas, associadas aos processos de
exploração da população e da apropriação indevida de suas riquezas naturais. Por
outro lado, a grande concentração de terra e água nas mãos de pequenos grupos
políticos e econômicos, aspectos que consolidaram o processo de dominação política
pautado no autoritarismo e no abuso de poder dos “coronéis”, contribuiu
definitivamente à implementação de uma cultura política baseada na submissão, no
clientelismo, no paternalismo e no comodismo (SOUSA, 2005). Além disso, as
políticas de desenvolvimento para o nordeste foram centradas na construção de
grandes obras hídricas, na grande propriedade rural e na agricultura irrigada,
constituindo-se em políticas públicas concentradoras e excludentes incentivadoras do
monopólio da propriedade da terra, resultando no fortalecimento do poder dos
latifundiários em detrimento dos interesses dos camponeses.
Diante desse contexto, a década de 80 foi marcada pela organização dos
camponeses em movimentos sociais e pelas mobilizações políticas que se
contrapunham às políticas perversas de desenvolvimento rural, responsáveis pela

38
negação do direito à terra aos camponeses e pela exclusão do acesso às riquezas
produzidas pelo mundo rural. Os movimentos sociais do campo (Movimento Sindical
dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais – MSTTR; Movimento Sem Terra – MST;
Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA; dentre outros) exerceram um
importante papel na organização dos agricultores familiares em defesa de políticas
públicas que garantissem o acesso à terra, à assistência técnica, ao crédito e outros
direitos necessários à produção da vida digna no campo (LIMA, 2011).
O trabalho de mobilização política e social, desenvolvido pelos movimentos
sociais do campo, associado aos estudos em defesa do meio ambiente e da produção
sustentável trouxe à tona novas concepções de desenvolvimento voltadas para a
valorização e a preservação da vida, da cultura, da produção e dos ecossistemas.
Nessa perspectiva, surgem as discussões sobre a necessidade da construção de uma
política de desenvolvimento associada aos princípios da sustentabilidade. No entanto,
não há consenso em torno dos conceitos e princípios que norteiam o debate sobre a
sustentabilidade, termo polissêmico, compreendido e incorporado pelos diferentes
atores sociais de forma difusa e plural. Desse modo, precisamos compreender que o
termo sustentabilidade vem sendo utilizado para satisfazer diferentes interesses
políticos e econômicos. Para Silva (2005, p. 04),

Existe uma concepção reducionista de sustentabilidade, compreendida como


adequação das atividades socioeconômicas aos limites dos recursos
naturais, justificando um modelo de desenvolvimento que pode ser “limpo”,
poluindo dentro de determinados limites estabelecidos pelas legislações
ambientais. Ou seja, é a forma como o conceito de desenvolvimento
sustentável foi apropriado pelo capitalismo: atribuindo valor monetário à
poluição que se torna apenas mais um custo para os agentes econômicos e
sociais poluidores e não uma questão ética, mais ampla.

Entretanto, precisamos pensar num modelo de sustentabilidade que se


contraponha ao proposto pelo sistema capitalista que, por trás do discurso da
preservação do meio ambiente, traz a manutenção da política da exclusão,
desigualdades e concentração de renda. Em contrapartida a esse modelo, Silva
(2005, p. 04) defende que:

A sustentabilidade do desenvolvimento tem por base a transformação das


relações entre as pessoas e a natureza, buscando a harmonia entre o bem-
estar do ser humano e do meio ambiente. Expressa o compromisso com a
manutenção de todas as formas de vida no planeta, no presente e no futuro.
[...] A sustentabilidade é expressa nas diversas dimensões do
desenvolvimento, indo além da dimensão ambiental social (requer a vida de
qualidade para todas as pessoas), cultural (respeito à diversidade e
39
pluralismo de culturas), política (processo contínuo e participativo de
conquista da cidadania e do direito de transformação da realidade) e
econômica (construção de novas dinâmicas de produção e de redistribuição
social das riquezas).

Dessa forma, defendemos um modelo de desenvolvimento que compreende o


campo ambientalmente produtivo, culturalmente dinâmico, socialmente justo,
potencialmente viável e sustentável, que também seja capaz de valorizar os sujeitos,
concebendo o espaço rural como um lugar de bem-viver (CONTAG, 2009). A proposta
de desenvolvimento sustentável discutida pelos movimentos sociais do campo prima
pelo fortalecimento da agricultura familiar construída a partir da valorização dos
saberes locais, da preservação das culturas tradicionais e do respeito às diferentes
dinâmicas organizativas, baseada na cooperação, solidariedade e construção
coletiva. Além disso, está associado ao respeito à biodiversidade, ao patrimônio
genético, ao meio ambiente, às tradições, às relações, às culturas e saberes, à
organização e participação política dos povos do campo (LIMA, 2011).
No entanto, a construção desse modelo de desenvolvimento sustentável e
solidário implica na desconstrução da ideia do desenvolvimento associada ao
crescimento econômico, bem como, na mudança das práticas culturais utilizadas
pelos agricultores familiares em suas atividades produtivas, baseada na destruição
das matas nativas, queimada dos resíduos e utilização de fertilizantes. Assim, as
políticas de desenvolvimento sustentável e solidário devem possibilitar a execução de
processos formativos que fomente a construção de uma nova cultura de relação entre
os camponeses e a biodiversidade do campo. A partir desse trabalho de reflexão
crítica acerca da complexidade e das fragilidades dos ecossistemas no qual os povos
do campo estão inseridos, será mais fácil implementar novas práticas socioculturais e
produtivas voltadas para a sustentabilidade socioambiental e econômica. Desse
modo, torna-se necessária a realização de processos formativos que envolvam tanto
as escolas do campo quanto as organizações sociais e as instituições de assessoria
técnica e extensão rural, na construção de novos saberes associados às práticas
agrícolas agroecológicas e sustentáveis (LIMA, 2011).
A sustentabilidade volta-se para “a preservação do meio ambiente e da
biodiversidade ecológica e sociocultural, mas que acontecerá a partir do momento em
que o ser humano perceber que a sua relação com a natureza não é mais aquela de
domínio, de controle, de exploração, mas sim de coexistência” (PARANÁ, 2009, p.

40
118). A partir das discussões construídas na década de 90, acerca do
desenvolvimento sustentável e solidário, os movimentos sociais vêm articulando-se
com o intuito de reorientar as políticas públicas voltadas para o campo, situando-as
com os princípios da sustentabilidade. Nesse caso, os camponeses trabalham na
perspectiva de construção de um projeto de desenvolvimento que valorize a cultura
camponesa, reconheça a biodiversidade do campo, a beleza de seus povos, sua
originalidade, suas potencialidades, sua complexidade, sua diversidade étnica e
cultural e, sobretudo, compreenda que as políticas específicas para o campo devem
ser pensadas a partir da realidade da vida campesina como forma de reconhecimento
de seu povo como sujeito de sua história (LIMA, 2011).

7.2 O papel dos movimentos sociais na construção das políticas de


desenvolvimento sustentável

Conforme Lima (2011), os movimentos sociais do campo têm se dedicado à


formulação e indicação de alguns pilares para a construção de um novo modelo de
desenvolvimento do campo, dentre os quais destacam-se:

Fonte: www.web.arapiraca.al.gov.br

41
a) A soberania alimentar como princípio organizador de uma nova
agricultura, com uma produção voltada para atender as necessidades
do povo e com políticas públicas voltadas para esse objetivo;
b) A democratização da propriedade e do uso da terra, onde a reforma
agrária deve voltar à agenda prioritária do país como forma de reverter
o processo de expulsão do campo e disponibilizar a terra para a
produção de alimentos;
c) Uma nova matriz produtiva e tecnológica, que combine produtividade do
trabalho com sustentabilidade socioambiental, o que inclui a opção pela
agroecologia;
d) O princípio da cooperação, em lugar da exploração, para organizar a
produção;
e) A mudança da matriz energética;
f) O avanço na organização política, econômica e comunitária dos
camponeses e pequenos agricultores.

A construção desse modelo de desenvolvimento do campo defendido pelos


movimentos sociais pressupõe a superação do modo de produção capitalista. A
resistência a esse projeto tem possibilitado que os trabalhadores do campo lutem
pelos seus interesses de classe e avancem em suas organizações (UFBA, 2010, p.
49). As lutas dos movimentos sociais em defesa da sustentabilidade no campo estão
associadas prioritariamente ao fortalecimento da agricultura familiar. O estudo
desenvolvido pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) define
agricultura familiar a partir de três características centrais:

a) a gestão da unidade produtiva e os investimentos nela realizados são feitos


por indivíduos que mantém entre si laços de sangue ou casamento; b) a maior
parte do trabalho é igualmente fornecida pelos membros da família; c) a
propriedade dos meios de produção (embora nem sempre da terra) pertence
à família e é em seu interior que se realiza sua transmissão em caso de
falecimento ou aposentadoria dos responsáveis pela unidade produtiva
(INCRA/FAO, 1996, p. 04).

Os estudos apontam que a agricultura familiar traz diversas contribuições para


o processo de dinamização econômico e social dos territórios rurais. Dentre essas
contribuições, podemos destacar:

42
a) Seu importante papel na garantia da segurança alimentar;
b) Seu potencial para promoção da sustentabilidade ecológica através de
sua capacidade de conviver de forma harmônica com ecossistemas
naturais; e
c) Sua contribuição na preservação da identidade cultural dos camponeses
através da valorização e resgate do modo de vida que associa conceitos
de cultura, tradição e identidade.

Além disso, o estudo realizado pela INCRA/FAO demonstra que o simples


acesso à terra, somado a um apoio governamental mínimo, permite aos agricultores
familiares obterem um nível de vida muito superior aos trabalhadores assalariados do
campo ou cidade, tanto em termos de superação da pobreza rural como a situação de
emprego (INCRA/FAO, 1996). Entretanto, apesar dessas contribuições, a agricultura
familiar nunca foi prioridade no contexto das políticas de investimento no campo. No
Plano Safra 2009/2010 foram destinados R$93 bilhões para o agronegócio e semente,
além de 15 bilhões para a agricultura camponesa. Apesar do Censo Agropecuário de
1996 demonstrar que do total de 4.859.864 estabelecimentos rurais existentes no
Brasil, 85,17% são estabelecimentos familiares (LIMA, 2011).
Outro grande desafio referente à agricultura está relacionado ao acesso à terra,
pois apesar dos agricultores familiares representarem mais de 85% dos
estabelecimentos rurais, ocupam apenas 30,49% da área total (INCRA/FAO, 2000).
Além disso, os agricultores familiares convivem com a ausência de políticas de
assessoria técnica para o desenvolvimento de novos saberes e tecnologias que
impulsionem os processos de produção sem a utilização de agrotóxicos e a destruição
do meio ambiente. Faltam-lhes novos conhecimentos e tecnologias que permitam
ampliar a produção sem destruir o meio ambiente e as tradições culturais. É nesse
contexto da produção de novos saberes e tecnologias associado aos processos
produtivos da agricultura familiar que a educação do campo dará a sua maior
contribuição, despertando nos jovens do campo a capacidade de pensar o seu
contexto como espaço viável no campo econômico, social e cultural (LIMA, 2011).

43
7.3 As contribuições da educação do campo para o desenvolvimento
sustentável

A construção de novas políticas de desenvolvimento sustentável requer o


desenvolvimento de novas formas de pensar e conviver no/com o mundo. Daí a
importância da educação na construção de um olhar crítico, de acordo com a realidade
sociocultural e ambiental em que vivemos no sentido de pensar alternativas que
apontem novos caminhos e novas perspectivas de desenvolvimento. O debate sobre
o desenvolvimento sustentável nas escolas do campo passa pela desconstrução da
ideia de desenvolvimento disseminada nos meios de comunicação que distorcem
completamente a proposta de desenvolvimento e sustentabilidade, apresentando aos
jovens a filosofia do consumo como uma alternativa de vida moderna e desenvolvida.
As práticas educativas desenvolvidas nas escolas, além de problematizar esses
discursos, precisam mostrar aos alunos os equívocos dessas práticas e seus efeitos
perversos na vida das pessoas das classes populares e na biodiversidade do planeta,
pois como defende Duarte e Grigolo (2006, p. 109)

As propagandas levam a imaginar sempre uma vida melhor na cidade. Mas


a maioria recebe o salário e não tem para pagar as contas e ainda tem que
gastar com a imagem (moda) para ser reconhecido. [...] A pressão sobre o
jovem no interior quanto à imagem e à moda também existe, mas é menor. É
preciso ter um olhar diferente sobre a cidade na relação com o campo para
melhor compreender a realidade. Não é só porque é da cidade que é ruim e
não é porque é do campo que é bom. Precisamos de um olhar que mostre as
contradições, tanto da cidade quanto do campo. No campo é difícil ter um
projeto claro, assumido, decidido. Parece que ao sair do campo superam-se
os problemas, como se na cidade não houvesse a mesma sociedade
excludente, capitalista. Cidade e campo precisam repensar-se, porque hoje
são controlados pelas empresas que definem o padrão de vida e de
pensamento.

Precisamos fazer um debate sobre o desenvolvimento sustentável que rompa


com essa dicotomia entre campo e cidade e apresente novas possibilidades de
articulação entre esses dois espaços enquanto complementares e interdependentes.
Ambos dependem um do outro para desenvolver-se e oferecer melhores condições
de vida à população. Nessa perspectiva, os desafios colocados às escolas do campo
demonstram que o campo e a cidade são espaços diferentes, com suas
especificidades e singularidades além dos seus problemas e contradições. É
importante perceber que ambos passam por profundas transformações que criam
cada vez mais laços de interligações e complementaridades. Além disso, precisamos

44
demonstrar aos jovens que, a partir do avanço tecnológico, inúmeras transformações
estão ocorrendo nesses espaços. E o campo não é mais aquele lugar
subdesenvolvido e atrasado, já que a população tem acesso às novas tecnologias e
aos novos conhecimentos que permitem o desenvolvimento de novas estratégias de
produção cultural e econômica. Como também a cidade não se enquadra mais
naquele discurso de modernidade e desenvolvimento, pois boa parte de sua
população convive com inúmeros problemas sociais relacionados com a insegurança,
o desemprego, a falta de transporte, escolas, dentre outros. Nesse caso, campo e
cidade buscam através desse reencontro soluções complementares para os seus
problemas (LIMA, 2011).

Fonte: www.google.com.br

Atualmente, convivemos com grupos que estão na cidade e querem voltar para
o campo reconstruindo suas vidas a partir de práticas saudáveis e sustentáveis, temos
também pessoas que buscam a cidade para a realização de sonhos profissionais,
entre outras opções. Dessa forma, acreditamos que o papel da educação do campo
não é impor aos alunos modelos ou projetos de vida, mas conscientizá-los das
45
diferenças, contradições e possibilidades que esses espaços oferecem para eles
terem a opção de fazer suas escolhas de forma madura e consciente. Além disso, a
escola precisa oferecer aos alunos conhecimentos e tecnologias, permitindo-os
reinventar as formas de viver e produzir no campo, garantido sustentabilidade e
qualidade de vida.
A educação do campo comprometida com a construção de novas alternativas
de desenvolvimento sustentável deve criar projetos educativos que permitam a
valorização dos saberes socioculturais dos camponeses e a reflexão crítica acerca
das potencialidades e dos problemas vivenciados no campo, favorecendo a
construção de um olhar crítico acerca dos desafios e das possibilidades existentes na
perspectiva do desenvolvimento sustentável e solidário. Somente através do
reconhecimento de seus potenciais, enquanto protagonistas das políticas de
desenvolvimento rural, os camponeses poderão ampliar seus processos organizativos
e buscar as condições para a implementação de novas políticas e práticas voltadas à
sustentabilidade do campo. Daí a importância da parceria entre as escolas do campo,
os movimentos sociais e as instituições de assessoria técnica e extensão rural, pois
através dessa articulação será possível pensar práticas formativas associadas aos
projetos de desenvolvimento local que de fato promovam mudanças significativas nas
comunidades rurais (LIMA, 2011).
Como dizia Freire (1997), se a educação não é capaz de permitir a
transformação da realidade, sem ela torna-se ainda mais difícil as transformações
ocorrerem. Neste caso, a escola pode se colocar na condição de mobilizadora de
conhecimentos, tecnologias e saberes que fomentem processos organizativos e
políticos voltados para a articulação de novas parcerias entre os grupos e as
organizações sociais com a finalidade de promover o desenvolvimento sustentável. O
conhecimento das potencialidades locais e das possibilidades de desenvolvimento é
uma das principais atividades a serem explanadas pela escola comprometida com a
sustentabilidade no meio rural. Ou seja, a construção de projetos de desenvolvimento
sustentável passa pelo trabalho de reconhecimento dos aspectos socioculturais,
ambientais e econômicos das comunidades para que, através desse processo, se
visualize os caminhos que serão trilhados na área da formação e implementação das
práticas de intervenção que possibilitará a gestão das políticas de sustentabilidade.
No entanto, esse não pode ser um processo autoritário e impositivo, porque um dos

46
princípios básicos da sustentabilidade é a construção coletiva dos processos
formativos e de intervenção (LIMA, 2011).
Nesse aspecto, a sustentabilidade se constitui a partir dos sonhos, dos desejos
coletivos e através do reconhecimento e da potencialização das riquezas culturais,
sociais e ambientais dos grupos. Não há desenvolvimento sustentável se as
atividades e projetos não estiverem em sintonia com os processos organizativos e
culturais das pessoas. É importante a educação do campo ser construída enquanto
prática social alimentada pelos sonhos e desejos coletivos, além de ser um reflexo
dos interesses dos grupos sociais que atuam no contexto da escola. Logo a escola
não está para determinar os sonhos e projetos das pessoas, mas para contribuir na
construção de saberes que permitam a concretização dos sonhos e projetos coletivos.
Constitui-se numa ferramenta imprescindível na democratização de
conhecimento e tecnologias que auxiliarão as pessoas na compreensão do mundo e
na produção de novas perspectivas de vida. Nesse sentido, as diferentes áreas do
conhecimento trabalhadas nas escolas oferecerão aos jovens a possibilidade de
produzir novos conhecimentos que permitam desenvolver um olhar multidisciplinar
sobre a realidade do campo, compreendendo-o em sua complexidade e singularidade,
consentindo a produção de projetos que superem a lógica fragmentada que muitas
vezes se contrapunha aos princípios da sustentabilidade. A educação para o
desenvolvimento sustentável deve ser construída a partir dos saberes locais, tendo a
realidade sociocultural, ambiental e produtiva como ponto de partida e de chegada
dos processos educativos. Assim, o trabalho pedagógico necessita estar associado
às práticas culturais desenvolvidas pelos camponeses (LIMA, 2011).
Desse modo, no ensino com pesquisa, os alunos serão desafiados a
pesquisarem e refletirem sobre as dinâmicas organizativas e produtivas da
comunidade, identificando os elementos que precisam de uma reflexão coletiva
aprofundada na perspectiva de redefinir práticas e ações, buscando assim o caminho
para a sustentabilidade econômica, socioambiental e cultural. Sendo assim, as
práticas educativas construídas a partir dos princípios da sustentabilidade devem
articular-se a partir das seguintes dimensões, conforme Silva (2006):

a) A dimensão social: direciona para a criação das condições que garantam a


qualidade de vida, a redução da pobreza e da miséria;

47
b) A dimensão cultural: imprescindível para construir novas formas de relação
entre homens e mulheres e entre o ambiente natural e social;
c) A dimensão econômica: necessária para criar alternativas de produção
apropriada e solidária que garanta a geração e distribuição de renda;
d) A dimensão ambiental: é imprescindível para que se adotem práticas
culturais que favoreçam o uso sustentável, a conservação e a preservação
dos recursos naturais; e,
e) A dimensão política: indispensável ao fortalecimento da sociedade civil e à
participação cidadã na formulação e conquista de políticas públicas para o
campo.

A partir do trabalho com estas dimensões, as escolas irão fomentar nos jovens
do campo um olhar crítico acerca das alternativas de desenvolvimento e das
possibilidades de reinvenção dos processos organizativos e políticos, visando a
conquista de políticas públicas que deem conta das necessidades da comunidade no
contexto da produção da sustentabilidade. Entretanto, diante desse contexto,
precisamos de uma escola do campo que se constitua a partir dos princípios
democráticos. Uma escola construída pelos sujeitos do campo, que contemple nos
projetos de formação os interesses, os sonhos e as necessidades formativas dos
grupos sociais do campo. Aberta aos saberes socioculturais e à participação de todos
os camponeses com suas diferenças e singularidades (LIMA, 2011).
Assim, as instituições de ensino situadas no contexto do campo devem adotar
práticas políticas e pedagógicas voltadas à mobilização e problematização da
comunidade, despertando-a para a construção de caminhos que possibilite a solução
dos problemas sociais e, consequentemente a consolidação das políticas de
sustentabilidade. Para tanto, as práticas educativas desenvolvidas no campo devem
reconhecer e despertar os camponeses para o exercício da cidadania. Além disso,
precisa conscientizá-los da importância da organização comunitária na construção
das alternativas de desenvolvimento e na conquista de políticas públicas voltadas para
a sustentabilidade no campo.
É notório o crescimento do debate sobre o desenvolvimento sustentável nos
últimos anos, envolvendo os mais variados setores da sociedade. No entanto, esse
debate não é linear nem homogêneo, mas se consolida a partir de bases conceituais

48
e interesses difusos e plurais. Até mesmo entre os movimentos sociais e setores mais
progressistas que atuam em defesa das políticas públicas do campo não há um
consenso em torno dos princípios e concepções acerca do projeto de
desenvolvimento sustentável. Dessa forma, a compreensão acerca dos princípios que
norteiam as discussões sobre o desenvolvimento e a sustentabilidade torna-se um
dos desafios aos professores e às escolas. Uma vez que o debate sobre a
sustentabilidade nas escolas não pode limitar-se às oficinas de materiais reciclados,
aos estudos desenvolvidos nos livros didáticos, aos projetos pontuais de
reflorestamento e hortas escolares. Deve envolver discussões mais amplas e
profundas acerca do modelo de vida constituído pelos sujeitos do campo (LIMA,
2011).
Diante da complexidade do tema, o debate sobre a sustentabilidade deve
nortear o projeto político pedagógico da escola, norteando todo o seu fazer educativo,
pois tem uma relação direta com o modelo de sociedade que se deseja construir e o
perfil de sujeito que se deseja formar. Passa pelos princípios políticos e filosóficos que
norteiam o currículo e, principalmente pelo processo de seleção dos conteúdos. Nessa
perspectiva, pensar um projeto educativo comprometido com o desenvolvimento
sustentável exige o enfrentamento de alguns desafios:

1) Pensar um currículo integrado com o contexto sócio histórico, ambiental


e cultural do campo;
2) Produzir materiais didáticos contextualizados que possibilitem a
compreensão crítica do campo com seus problemas e potencialidades;
3) Ampliar os processos de formação docente voltados para a
compreensão do campo e suas diversidades;
4) Construir novos modelos de gestão da educação que primem pela
construção coletiva, pela democratização da escola e suas práticas
educativas;
5) Equipar as escolas com recursos didáticos e tecnológicos que
possibilitem o desenvolvimento de práticas educativas dinâmicas e
inovadoras, dentre outros.

49
Além disso, compreendemos que a construção de projetos educativos
comprometida com a sustentabilidade passa também pelo reconhecimento e a
valorização dos diferentes sujeitos que vivem do campo, com seus saberes e práticas
diferenciadas e carregadas de significados políticos e culturais. Por fim, acreditamos
que o desenvolvimento sustentável se consolida na medida em que a democracia se
efetive em sua radicalidade, onde os diferentes sujeitos sejam respeitados e vistos
como protagonistas das políticas de desenvolvimento em meia as suas diferenças e
singularidades, independentemente de cor, raça, orientação sexual, gênero, classe
social, opção religiosa e ideológica.

8 MOVIMENTOS SOCIAIS NO CAMPO

O escravismo, a concentração fundiária e a ampla divisão social do trabalho


culminaram em uma enorme desigualdade de renda e, consequentemente, social no
Brasil. O processo de ocupação territorial (muitas vezes de modo ilegal) ocasionou
enormes conflitos fundiários, que persistem até hoje, envolvendo povos indígenas,
camponeses, latifundiários, posseiros, grileiros, entre outros.
A questão fundiária e a ampla desigualdade social fizeram surgir no Brasil
movimentos sociais que passaram a lutar por direitos, por acesso a políticas públicas
e pelo acesso à terra. No campo, vários foram os movimentos que deixaram na história
uma marca de luta e resistência, na busca pela reforma agrária, pelo acesso à terra,
pelo direito à vida e à (re)produção da cultura camponesa, indígena, quilombola, etc.,
que, sem dúvida, legitimou a identidade de muitos grupos. Esse processo fez emergir
movimentos políticos e sindicais, que começaram a atuar de maneira organizada na
conquista e na luta política por esses direitos.
Desse modo, este capítulo trata brevemente da história dos movimentos sociais
rurais no Brasil, destacando as principais entidades, grupos e movimentos do campo;
posteriormente, faz uma análise acerca dos problemas sociais no campo brasileiro,
que atravessaram a história (e o território) e permanecem até a atualidade; e, por fim,
destaca a importância da educação no campo — e como ela ocorre na atualidade,
enaltecendo as propostas curriculares e levantando os principais desafios da
educação do campo atual.

50
8.1 Movimentos sociais rurais no Brasil

O Brasil é marcado por uma profunda desigualdade social, resultado de


processos históricos complexos que envolvem renda, distribuição de terras, o perfil de
ocupação fundiária implementado, o processo de expropriação territorial de alguns
grupos diante do domínio territorial de outros, leis e direitos fundamentais
conquistados tardiamente (alguns apenas na Constituição de 1988), entre outros
fatores que provocaram gargalos até hoje não superados.
A tentativa de explanação das desigualdades inerentes ao território brasileiro
foi (e ainda é) um grande desafio explicativo nos variados ramos das ciências sociais,
justamente pela complexidade dos fatos sociais, históricos e geográficos em que se
deu a construção do Brasil, na qual há uma questão central: a questão agrária.
Trata-se de um elemento fundamental para a compreensão dos movimentos
sociais no Brasil, visto estar no cerne dos variados ditames e desafios enfrentados
historicamente pelas diversas populações que habitam e habitaram o espaço rural, a
partir da qual se colocam outros desafios da realidade do rural brasileiro, como a
exploração do trabalho, a concentração fundiária e os conflitos agrários.
Longe das generalizações, a questão agrária leva a uma leitura interpretativa
que integra os demais gargalos, além de não esgotá-los, já que permite partir de um
pressuposto básico e, ao mesmo tempo, complexo que orientou (e orienta) uma pauta
importante dos movimentos sociais — a superação do problema agrário depende de
uma reforma agrária, que, sem dúvida, representa uma das principais (se não a
principal) bandeiras da história dos movimentos sociais no Brasil.
Medeiros (1989) aponta que os movimentos sociais surgiram a partir das Ligas
Camponesas em meados da década de 1940 no Brasil, as quais passaram a lutar
pela reforma agrária e tiveram papel central na organização dos movimentos sociais
camponeses. Inicialmente organizadas pelo Partido Comunista do Brasil (PCB), em
virtude da ilegalidade política do partido pós-governo Vargas, as Ligas perderam
expressão em um primeiro momento, voltando a se fortalecer apenas em 1954.

[…] no início dos anos 50, esse partido pregava o confisco da terra aos
latifundiários, seguido de distribuição gratuita aos camponeses sem terra ou
com pouca terra. Em meados da década, no entanto, passando a desfrutar,
desde o início do governo Kubitschek, de uma situação de semilegalidade e
sofrendo os impactos de uma mudança a nível internacional das políticas dos
partidos comunistas, fruto da desestalinização, o PCB revisou suas posições
anteriores. A partir da chamada Resolução de 1958, do Comitê Central do
51
PCB, a reforma agrária, entendida como a transformação radical da estrutura
agrária, com a liquidação do monopólio da terra e das relações pré-
capitalistas de trabalho, mantém-se como uma bandeira central do partido.
Porém, passa a ser condicionada à formação de uma frente única, que
reunisse todas as forças interessadas no combate ao imperialismo norte-
americano. Isso porque, de acordo com a análise do PCB, a contradição
fundamental da sociedade brasileira era com os setores capitalistas
vinculados com essa forma de imperialismo. Ao lado dela figurava ainda a
contradição entre as forças produtivas em desenvolvimento e as relações de
produção semifeudais na agricultura que, por sua vez, tinham por base
setores latifundiários também com interesses ligados ao imperialismo. Essa
frente abrangeria o proletariado, os camponeses, a pequena burguesia
urbana, a burguesia, os latifundiários que tinham contradições com o
imperialismo norte-americano e os capitalistas ligados a grupos imperialistas
rivais dos monopólios norte-americanos (MEDEIROS, 1989, p. 53).

O contexto histórico da época implicava grandes dificuldades para o


fortalecimento dos movimentos, principalmente pelos ideais socialistas vinculados às
Ligas. O ideal reformista era combatido politicamente por diversos grupos que se
opunham às drásticas transformações sociais e territoriais idealizadas por esse
movimento (e pelo PCB). Assim, embates ideológicos marcarão o período, inclusive
com o início do debate sobre modernizar o campo e torná-lo mais produtivo.
Na década de 1950, inúmeros foram os conflitos envolvendo posseiros
paralelamente à disseminação das Ligas Camponesas para outros estados,
procurando organizar os trabalhadores rurais em busca da reforma agrária e do
acesso à terra. Contudo, o PCB, que travou as lutas nos campos político e jurídico,
começou a se distanciar dos ideais das Ligas, o que levou ao rompimento entre as
duas forças (MEDEIROS, 1989).
Em 1954, surgiu a União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas no Brasil
(Ultab), fundada em São Paulo por militantes do PCB, que passou a organizar os
trabalhadores e promover reuniões e debates, criando associações de organização
camponesa, que, mais tarde, passaram a se tornar sindicalizadas, dando origem, em
1963, à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag)
(MEDEIROS, 1989).
A Contag surgiu em um momento no qual as Ligas Camponesas começaram a
sofrer uma série de crises, cenário em que a Igreja Católica passou a desempenhar
um papel fundamental, fato que culminou no surgimento, em 1975, da Comissão
Pastoral da Terra (CPT), entidade vinculada à igreja que passou a fortalecer a
organização dos trabalhadores rurais (MEDEIROS, 1989).

52
Em 1964, com a ditadura civil-militar no Brasil, os movimentos sociais em geral
foram retraídos e a opressão que sofriam do governo tornou a ideia de reforma agrária,
que estava se consolidando no meio rural e nos debates políticos, muito distante. O
processo de intervenção militar provocou um enorme retrocesso em várias áreas que
vinham sendo debatidas publicamente sobre interesses sociais.
Medeiros (1989) salienta que, durante a primeira década da ditadura civil-militar
no país, vários líderes foram presos, associações fechadas e houve um controle rígido
sobre os sindicatos, especialmente na Contag. Contudo, as organizações atuavam na
esfera jurídica, de forma cautelosa, buscando (re)afirmar os direitos dos
trabalhadores, sobretudo ao cobrar a legalidade no trabalho e questões
previdenciárias.

[…] deve ser lembrado que uma atuação mais combativa do sindicato
imediatamente se traduzia em uma possibilidade de intervenção, prisões, e
mesmo repressão policial aberta. E dentro desse quadro que se gera um
determinado tipo de dirigente sindical, caracterizado pela ação prudente, que
não desafiava o Estado. Seu princípio era: “É preferível fazer pouco do que
não fazer nada” (MEDEIROS, 1989, p. 94).

Na década de 1970, houve o II Congresso da Contag, em que se procurou o


fortalecimento das associações sindicais, primando pela união de lideranças em prol
dos trabalhadores rurais. Porém, apesar da afirmação da necessidade de uma
educação do campo e do reconhecimento dos direitos conquistados, os conflitos
estavam longe de acabar, e, em alguns locais, como em São Paulo e no Paraná, a
modernização da agricultura se efetivava e o processo de expulsão dos trabalhadores
rurais promovia um intenso êxodo rural (MEDEIROS, 1989; FAJARDO, 2008).
Na mesma década, os conflitos se expandiram em várias regiões do Brasil,
conforme Medeiros (1989, p. 106–107):

[…] foi na intensidade dos conflitos pela terra, envolvendo principalmente


posseiros, que os anos 70 encontraram a face mais conhecida da violência
no campo. Já mencionamos o fato de que, com a repressão que se seguiu
ao golpe, as ações de despejo se sucederam: muitos proprietários
aproveitaram-se da conjuntura de desmobilização para “limpar” suas terras,
e fazer valer seu poder. Ao mesmo tempo, especialmente a partir do final dos
anos 60, a política modernizante começou a tomar corpo. Os anos 70
trouxeram consigo os grandes projetos agropecuários incentivados para
promover a ocupação da Amazônia pelo grande capital. Nas áreas onde
esses projetos se estabeleceram muitas vezes havia posseiros, que de há
muito haviam migrado de diversos estados do Nordeste e mesmo do Sul em
busca de terras. Com isso, fenômenos semelhantes aos que ocorreram na
ocupação do Paraná ou de Goiás, nos anos 50, agora se repetiam com mais
intensidade. Foram inúmeros os conflitos que então eclodiram no

53
enfrentamento entre os jagunços das grandes empresas e os posseiros.
Alguns poucos foram divulgados pela imprensa 107 da época, rigidamente
censurada.

Vale destacar, como já mencionado, que na década de 1970 a igreja


desempenhou papel fundamental no fortalecimento da luta dos trabalhadores rurais,
com enfoque nos anseios dos assalariados do campo, além de outros grupos
marginalizados a partir da presença do latifúndio e dos grupos que dominavam as
terras. A CPT ganhou expressão e passou ser um movimento de apoio e
fortalecimento sindical importante.
No final da década de 1970 e início da década de 1980, a crise do regime militar
ficou mais evidente, em razão das graves crises econômicas, da ausência de apoio
popular, do amplo processo de questionamento de variados grupos sociais, rurais e
urbanos, além do fato de o regime não responder mais a demandas sociais
importantes. Nesse contexto, abriu-se espaço novamente para o fortalecimento dos
movimentos sociais, dando início à formação de duas entidades significativas nos
anos de 1980: a Central Única dos Trabalhadores (CUT), criada em 1983, e a
Confederação Geral dos Trabalhadores (CGT), em 1986 (MEDEIROS, 1989).
A eclosão de várias greves no Nordeste, a resistência dos seringueiros na
região Norte e vários outros conflitos isolados demonstraram que o fim do problema
fundiário no Brasil estava longe de acabar, o que ofereceu consistência aos
movimentos que foram se unificando ao longo dos anos, integrando demandas como
reforma agrária, legalização fundiária, cumprimento dos direitos trabalhistas,
previdência, melhores salários, etc.
Outro movimento importante surgido nesse momento foi o da organização
política dos agricultores, comerciantes, posseiros e outros contra os projetos de
barragens para a construção de usinas hidrelétricas no Brasil entre as décadas de
1970 e 1980, fato que os atingiam diretamente. A CPT passou defender essa bandeira
e a organizar esses trabalhadores, recebendo apoio, em um segundo momento, do
movimento sindical (MEDEIROS, 1989, p. 145):

No conjunto, as reivindicações e as formas de luta desenvolvidas nesses


movimentos indicavam que o que estava em jogo era mais do que o
pagamento de um determinado montante de dinheiro a título de indenização
de uma terra. Os projetos de barragens feriam todo um modo de vida. A
defesa do espaço social e cultural desses trabalhadores vai
progressivamente tornando-se importante no desenvolvimento das lutas e
acúmulo de experiências delas decorrentes.

54
Em 1984, surgiu oficialmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST), considerado por muitos o principal movimento social na luta pela reforma
agrária. Resultado de uma série de conflitos que iniciaram na década de 1970, o MST
envolvia posseiros, grileiros, grandes latifundiários, ocupações de terras irregulares e
outros processos fundiários, também como resultado do Movimento dos Atingidos por
Barragens, organizado pela CPT, além de conflitos no Paraná, em Santa Catarina e
em outros estados na década de 1980:

Em 1982, deu-se um primeiro encontro de lideranças em Medianeira, no


Paraná, com participação de representantes do Rio Grande do Sul, Santa
Catarina, Paraná, São Paulo e Mato Grosso do Sul. No ano seguinte, novo
encontro foi realizado em Chapecó e em 1984, num encontro em Cascavel,
entre a liderança dos cinco estados mencionados e de mais seis outros,
formalizou- -se a criação do Movimento dos Sem Terra, entendido como
movimento de massa. Sua bandeira de luta era: “Terra não se ganha, se
conquista”, o que implica numa valorização de formas mais incisivas de luta
como as ocupações e os acampamentos e, ao mesmo tempo, num esforço
enorme de organização (MEDEIROS, 1989, p. 149).

Esse movimento organizado desempenhou (e ainda desempenha) papel


central na luta pela reforma agrária, e, apesar de certo alinhamento com o
sindicalismo, por vezes agiu de modo independente e distanciado do modelo
administrador e burocrático de negociação das demandas, agindo com ocupações,
criação de assentamentos e resistência para obter o direito e o acesso à terra.
Após o período de redemocratização, houve uma derrota dos movimentos
sociais rurais na constituinte, já que ela não tratou, do modo como gostariam os
movimentos, da questão agrária: direitos civis e trabalhistas foram conquistados, além
de o capítulo da política urbana ter sido promulgado, mas, no que se refere à reforma
agrária, o gargalo permaneceu, dando a continuidade aos movimentos sociais rurais
— com destaque para o MST, que, após os anos de 1990, foi hegemônico no processo
de luta pela reforma agrária e pelo acesso à terra.
Já a década de 1990 foi marcada pelo avanço do capitalismo no campo, com o
processo de modernização agrícola, a formação e o fortalecimento dos complexos
agroindustriais, a expansão das fronteiras agropecuárias e o capital externo na
agricultura nacional, e, ao mesmo tempo, pela desregulamentação de uma série de
setores produtivos, fato que impulsionou tanto crises econômicas quanto o avanço do
setor industrial sobre o campo (GERMER, 2013).

55
Assim, o MST passou a exercer um papel expressivo para a regularização
fundiária no campo e na luta pelo acesso à terra dos milhares de sem- -terra em todo
Brasil, tendo ultrapassado, a partir dos anos 2000, a marca de 1,5 milhão de pessoas
com mais de 350 mil famílias assentadas (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES
RURAIS SEM TERRA, 2020).
Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para a Presidência da República em
2003, o Movimento voltou a ter esperança em relação aos projetos e às políticas que
viabilizariam a reforma agrária; contudo, o modelo adotado pela via das políticas de
crédito promoveu dois perfis de agricultura a grosso modo: de um lado, o agronegócio,
expressão criada para representar o grande capital atuante na agricultura de mercado
global, que despontou no Brasil pós-2003 depois da criação do Sistema Nacional de
Crédito Rural, que passou articular o sistema financeiro ao capital agrícola e elevou o
país a patamares de produtividade jamais vistos (DELGADO, 2012; MELLO;
GUALDA, 2013). De outro, o país passou a fomentar políticas públicas para
agricultores familiares, oferecendo condições de integração para os pequenos
produtores rurais familiares ao mercado, possibilitando sua permanência no campo e
disponibilizando crédito para a modernização das propriedades rurais. Ao mesmo
tempo, passou a articular e expandir algumas políticas públicas, como o Programa
Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que criou uma demanda governamental em
relação aos pequenos produtores familiares.
Fato é que, apesar dos dois governos Lula e do governo Dilma, a reforma
agrária não ocorreu, e os conflitos fundiários permanecem até a atualidade, dando
sentido cada vez maior aos movimentos sociais rurais.
Nesse contexto, a agricultura empresarial brasileira tem tornado a possibilidade
de reforma agrária cada vez mais distante, pois se, na década de 1950, grande parte
da população rural não tinha acesso a propriedades e o perfil agrário improdutivo
favorecia o debate acerca da questão, na atualidade cerca de 15% apenas da
população brasileira vive no campo, com um perfil de elevada concentração fundiária
em várias regiões do Brasil, uma agricultura voltada à elevada produção de
commodities e uma intensa produtividade de algumas regiões, promovendo um
debate daquele promovido no século passado. O próprio saldo positivo na balança
comercial brasileira, resultado, entre outras coisas, das exportações de grãos, dificulta
a atuação dos movimentos sociais, que, apesar de permanecerem ávidos na luta,

56
agem de forma localizada, inclusive pelo distanciamento de parte dos grandes
partidos políticos de esquerda em dar ênfase às demandas (na atual conjuntura) do
MST.
Ainda, os problemas sociais no campo na atualidade são maiores que em
outros momentos históricos, pois se soma a grave questão ambiental promovida pela
agricultura moderna empresarial, como destacaremos adiante.

8.2 Problemas sociais no campo brasileiro

Para retratar as questões que envolvem o campo brasileiro, é interessante


retomar os estudos de Oliveira (2013), Abramovay (2013), Silva (2013), Delgado
(2012) e Ribeiro e Cleps Junior (2008), que, entre tantos outros, dedicaram obras a
compreender alguns dos problemas sociais, que não são poucos, nesse cenário.
Os problemas sociais do campo brasileiro decorrem, entre outros, do próprio
processo de colonização exploratória efetuado pelos europeus, essencialmente pelos
portugueses que expropriaram a terra (e o território) dos povos tradicionais, ao mesmo
tempo que promoveram a divisão social do trabalho moldada pelo escravismo e pela
supremacia do homem branco. Vale ressaltar que o processo (projeto) de
territorialização portuguesa e espanhola resultou da estruturação do sistema
capitalista, da busca pela expansão de riquezas, fato que levou os colonizadores a
verem na terra — no território e na natureza — uma fonte de recursos econômicos,
de exploração e de acumulação (PORTO-GONÇALVES, 2018).
Os povos explorados e marginalizados sustentaram a metrópole portuguesa
por séculos, e, mesmo com o processo de independência e as ideologias libertárias
surgidas nas Revoluções Francesa e Inglesa, somado aos movimentos de abolição
da escravidão no mundo, essas populações não obtiveram direito à terra e à
propriedade por séculos no Brasil. O próprio avanço do capitalismo moderno no país
se deu por meio de uma economia dependente forjada sobretudo na exportação de
açúcar e café, e, internamente, a partir de ampla divisão social do trabalho e da
exploração da mão de obra rural, com ausência de leis trabalhistas e forte
concentração fundiária (GUIMARÃES, 1982).
Sem dúvida, houve grandes mudanças no século XX em relação às
conjunturas, econômicas e políticas, mas também quanto à história dos próprios

57
movimentos sociais, destacando-se a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) no
governo Vargas, o surgimento dos movimentos sociais rurais de modo mais
expressivo pós-1950 e a Constituição de 1988, além da diversificação econômica
atrelada à expansão populacional, a intensa migração externa e interna, o êxodo rural
e a urbanização e mudanças do próprio território em termos de tecnificação, como
algumas das alterações drásticas vividas no país (SANTOS; SILVEIRA, 2001;
BECKER; EGLER, 1994).
Apesar disso, os problemas do campo atravessaram a história do Brasil
colonial, do Brasil republicano, do período de transformações econômicas do século
XX, do período do regime militar, da redemocratização e se estende até a atualidade
no século XXI — trata-se de anseios jamais superados e que, hoje, parecem cada vez
mais distantes de ser solucionados.
Entre os principais problemas do campo, podemos destacar a questão fundiária
envolvendo a legalidade do acesso à terra, motivo pelo qual inúmeras disputas pela
terra acirraram a violência no campo, ampliando conflitos, mortes, vítimas e
catástrofes. A incorporação das terras a partir da colonização e da herança (sesmarias
e capitanias hereditárias) promoveu enormes concentrações fundiárias;
posteriormente, a incorporação de terras por meio de grilagem, posse ilegal e
propriedades não documentadas levou a conflitos entre povos indígenas,
camponeses, posseiros, grileiros, seringueiros, mineradores, bem como entre o
próprio Estado em algumas ocasiões. Aqui, evidenciam-se dois problemas: a
ilegalidade na ocupação das terras e a clandestinidade na aquisição das propriedades
e os conflitos surgidos como resultado dos primeiros.
Desse processo, decorre a necessidade da reforma agrária, principal bandeira
das Ligas Camponesas e, depois, do MST, representando tanto uma solução para os
problemas descritos quanto para questões de caráter econômico e social, como
promover o direito à propriedade, a reprodução da vida digna a partir do trabalho e a
diminuição da exploração a partir da divisão social entre assalariado e proprietário.
A reforma agrária também ganhou expressão a partir da combinação dos
fatores destacados e da necessidade de garantir o direito à reprodução da própria
cultura camponesa, que não vincula a terra à renda, mas sim à reprodução de um
modo de vida, na qual se torna parte inerente da cultura do grupo camponês; assim,
os grupos indígenas passaram a assumir essa postura pela reivindicação territorial, já

58
que natureza, água, solo, clima e floresta compõem naturalmente parte de sua cultura
e reprodução como grupo social.
Além do processo de apropriação e incorporação da terra e os problemas delas
resultados, o avanço do capitalismo no campo provocou outros impasses, como o
desmatamento, a continuidade do avanço da fronteira agrícola (muitas vezes, em
áreas ilegais), a subordinação da agricultura ao capital industrial e financeiro e ao
mercado global, colocando em destaque o problema da soberania alimentar.
O uso intensivo de agroquímicos nas lavouras, as sementes transgênicas e a
atuação massiva de multinacionais no território brasileiro colocaram em xeque a
soberania alimentar, a saúde da população consumidora e a própria soberania do
território, haja vista uma tremenda articulação entre o espaço territorial físico e a
dependência dos atores globais quanto ao controle do uso e da organização territorial,
tendo se adaptado às exigências capitalistas globais (RIBEIRO; CLEPS JUNIOR,
2011).
Problemas ambientais, como erosão, perda da biodiversidade, poluição das
águas e do solo, além do desmatamento, também surgiram como resultado do avanço
do capitalismo agrário moderno, momento em que as bandeiras dos movimentos
sociais ambientais se somaram às dos movimentos sociais rurais.
No bojo desse processo, os movimentos sociais — ora mais expressivos, ora
menos — travaram embates políticos, ideológicos e legítimas reivindicações, e, ao
mesmo tempo, têm assumido um papel de resistência, absorvendo diversas
demandas que surgiram no decorrer da história quanto ao processo de ocupação do
campo, aos conflitos, à modernização agrícola e à atuação de multinacionais no
controle territorial, lutando contra os problemas do campo brasileiro, que parecem
estar longe de se exaurir. Para isso, tendo em vista a complexidade histórica,
geográfica, econômica, política e cultural dessas questões, exigem-se cada vez mais
leituras que dialoguem com diferentes saberes, mas que vocalizem os anseios
populares da atualidade.

8.3 Educação no campo e movimentos sociais

Enquanto na história do Brasil verificou-se uma grande negligência educacional


em relação à população trabalhadora, até a metade do século XX predominantemente

59
rural, os movimentos sociais passaram a atuar de modo significativo em um modelo
de educação que, para além da alfabetização, inserisse princípios como cidadania e
identidade de classe a partir do processo de constituição da luta camponesa
paralelamente à formação educacional do indivíduo.
Desse modo, conforme salienta Queiroz (2011, p. 39):

Se por um lado a história da educação rural no Brasil foi de negação deste


direito aos agricultores, por parte das ações e das políticas governamentais,
constata-se, sobretudo nas três últimas décadas do século XX, toda uma
movimentação e organização por parte das organizações e entidades dos
agricultores, não apenas por uma educação rural, mas por uma educação do
campo. Estas lutas fazem parte do conjunto de iniciativas e ações contra a
concentração da terra, do poder e do saber.

A década de 1970 no Brasil foi marcada pelas “lutas e resistências coletivas,


em busca do resgate de direitos da cidadania cassada e contra o autoritarismo
vigente” (GOHN, 2001, p. 53–54). É um período de organização dos movimentos
sociais, bem como da luta pela democracia.
Podemos perceber que as organizações começaram a se comprometer com a
educação possibilitando uma formação complexa de indivíduos que reconhecessem
a importância das pautas levantadas pelos movimentos sociais do campo e, ainda,
que se politizassem a partir do espírito de classe, efetivando um papel de formação
cidadã aos indivíduos que passaram a construir e constituir uma educação
transformadora.
Ainda conforme Queiroz (2011, p. 39):

No campo educacional, sobressaem as iniciativas de educação popular


através da educação política, da alfabetização de jovens e adultos, da
formação de lideranças sindicais, comunitárias e populares. Por parte de
alguns setores de algumas igrejas, houve um comprometimento com os
movimentos sociais e com as lutas e organizações dos trabalhadores tanto
no meio urbano, quanto rural. É nessa década, por exemplo, que surge a
Comissão Pastoral da Terra (CPT), organização da Igreja Católica, mas com
participação de outras igrejas, em defesa dos posseiros, na luta pela reforma
agrária e pela permanência na terra. Neste período surgiram as Escolas
Famílias Agrícolas (EFA) no Estado do Espírito Santo, trabalhando com a
Pedagogia da Alternância, no Ensino Fundamental. Apesar de terem surgido
no final dos anos 60, na década de 1970 vão se expandindo e, mais
especificamente, em 1976, inicia-se a primeira experiência de Escola Família
Agrícola de Ensino Médio (EFA de EM).

Desse modo, a educação, de modo geral, passou ser um direito a partir da


constituição de 1988, um ganho para toda a sociedade, essencialmente as classes

60
trabalhadoras, rurais e urbanas. No que tange às escolas rurais, discute-se a questão
do currículo e do próprio processo de formação do alunado, tendo em vista que a
constituição dessas escolas se dá em um contexto de luta e politização no seio dos
movimentos sociais.
E, embora a Lei de Diretrizes e Bases da Educação promulgada em 1996 tenha
instituído as diretrizes educacionais e definido os pressupostos que norteiam e
regulamentam a educação do campo, e, ainda, da instituição dos Parâmetros
Curriculares Nacionais nos anos posteriores (de 1997 a 1999), as discussões acerca
desse currículo permaneceram, levando as escolas a criar seus projetos políticos
pedagógicos e instaurar seus planos norteadores dentro de uma proposta
convergente com a realidade local.
Nesse contexto, as escolas do campo começaram a atuar com uma pedagogia
crítica e valorizar a identidade camponesa, inserindo temáticas fundamentais no
contexto pedagógico, como princípios sustentáveis e projetos voltados à produção de
alimentos, sendo guiada por uma filosofia crítica e, ao mesmo tempo, solidária.
As escolas envolvidas com movimentos sociais, principalmente MST ou as
Pastorais da Terra, mantiveram o currículo com tais vieses, porém aquelas que se
distanciaram dos movimentos sociais passaram a incorporar um currículo educacional
da escola urbana, tema que tem sido alvo de inúmeras pesquisas críticas no campo
da educação, da sociologia, entre outros.
Em uma pesquisa, Souza (2007, p. 1109) afirmou que:

A construção da educação do campo vem sendo marcada por uma prática


social que indaga a educação pública estatal e que demanda/fortalece a
educação pública proveniente das reflexões dos povos do campo. Analisar a
articulação que tem havido entre a sociedade civil organizada e o Estado
contribuirá na compreensão da trajetória da educação do campo, como uma
nova concepção de educação e de campo no Brasil, fundada nas relações de
classe.

Dessa forma, é necessária uma educação do campo não como extensão da


educação pública que chega a esse território, mas que (re)afirme a identidade do
campo e o problematize, em sua diversidade de sujeitos e processos, formando,
assim, uma identidade coletiva de classe, que reconheça a complexidade de temas
que abranjam esse cenário. Para isso, torna-se necessária a discussão acerca do
currículo e da adoção de novas práticas pedagógicas na educação do campo na

61
construção de um projeto articulado à demanda local dos sujeitos ensinantes e
aprendentes no contexto territorial.
Ainda, fica evidente que as escolas do campo formadas a partir e no bojo dos
movimentos sociais acabaram incorporando aos seus projetos político-pedagógicos
instrumentos ideológicos instrumentalizados por essas organizações, contribuindo
para a reprodução de ideias que vão de encontro à comunidade. Assim, a luta e a
resistência do grupo social combinam-se ao papel da escola do campo, que se afirma
não apenas no sentido da formação cognitiva e do letramento de indivíduos, mas
também de uma formação sociopolítica cidadã, que permite a construção social das
classes e a (re)produção cultural do camponês como indivíduo ávido no debate
público e sujeito pertencente à coletividade de forma solidária.
Assim, a educação do campo sofre na atualidade alguns embates, como a
implementação de uma Base Nacional Comum Curricular, que tem, entre outros, o
objetivo de padronizar nacionalmente o currículo escolar, além de problemas de
custeio, principalmente no caso de instituições dependentes diretamente do Estado,
com o fechamento de inúmeras escolas. Também carecem de um debate mais intenso
sobre o currículo da educação do campo, haja vista que grande parte das escolas
rurais segue o currículo alinhado à escola urbana, descontextualizado da realidade
local da comunidade.
Em paralelo, a própria educação crítica, de modo geral, sofre vários embates,
na tentativa de diminuir conteúdos de formação política, o que se estende a todas as
escolas, inclusive urbanas. Desse modo, as escolas do campo firmadas com base nos
ideais dos movimentos sociais mais uma vez assumem um papel de resistência e de
exemplo, a partir de uma educação comprometida com a transformação social da
realidade, que prima pela identidade das classes e preserva ideais de cidadania e
solidariedade.

9 POLÍTICA E CIDADANIA NO CAMPO

A partir dos anos 1990, os movimentos sociais do campo e várias organizações


da sociedade civil iniciaram o movimento pela educação básica do campo no Brasil.
Assim, nos propomos a refletir as políticas públicas de educação do campo que
surgiram no período pós LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) atual e verificar

62
se estas possibilitaram outra cidadania que consideramos possível destinada aos
vários grupos de camponeses existentes no campo brasileiro. No primeiro momento,
fazemos um breve balanço histórico da educação no Brasil até nossos dias
considerando especificamente a educação básica e suas conquistas na legislação e
na realidade dos povos do campo. No segundo momento, nos propomos a discutir o
papel dos movimentos sociais do campo na formação de uma outra cultura política de
cidadania que se distingue do chavão “cidadania” amplamente utilizado pelas elites
liberal-burguesas até o momento (NASCIMENTO, 2018).
Por fim, no terceiro momento queremos propor uma discussão de que a
educação do campo que surge nos anos 90 a partir das lutas sociais e de cidadania
dos movimentos sociais deve ser considerada como política pública ainda em
processo de construção e de afirmação. Ao mesmo tempo, apresentamos três
programas governamentais, a saber: Pronera, Saberes da Terra e Programa de Apoio
à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo – ProCampo. O
Pronera é um programa que surge ainda no governo FHC e os outros dois são
políticas implantadas durante o governo Lula. Assim, essa reflexão se pauta numa
intencionalidade visível que é a educação do campo neste cenário de busca pelos
direitos sociais negados e de afirmar o fim da longa noite escura da educação
destinada aos povos do campo brasileiro.

9.1 Balanço histórico das políticas “públicas” de educação do campo no


Brasil

O final do século XX foi um momento determinante para o surgimento de


concepções políticas opostas e paradoxais. Por um lado, a ideologia neoliberal com
sua máxima “salus mercati non est” onde se defende premissas da lei do livre
mercado, a esquizofrenia da concentração, da acumulação e a centralização de
capital. Tais concepções se resumem como sendo novas formas “renovadas” de
colonialismo e de subserviência que possibilitam as pessoas assimilarem as teses do
fim da história, fim das ideologias, impossibilidade de uma alternativa socialista e o
pior, o fatalismo, ou seja, o fim das utopias. Por outro lado, as resistências não
cessaram. Continuaram acontecendo de Norte a Sul, de Leste a Oeste.
Evidentemente, com menos intensidade e com novas preocupações que não
deixaram de lado o sonho de uma sociedade mais justa, democrática e sem
63
exclusões. Os movimentos sociais continuaram exercendo um papel fundamental na
construção de alternativas e de propostas contrárias ao pensado e construído pelo
dogma neoliberal que realiza uma simbiose do pensamento liberal burguês em sua
matriz econômica com a política conservadora (NASCIMENTO, 2018).
No Brasil, ainda vivíamos nos anos 1990 sob a simbiose do patrimonialismo e
da ascendente neoliberal que começa a ser implantada no governo Collor e se efetiva
completamente com o governo FHC. As principais características eram: a ideia liberal
clássica de neutralidade, uma visão instrumentalista do aparelho político, o atraso
agrário, uma noção capitalista de reforma agrária misturada com elementos
oligárquicos do Brasil-Colônia e, por fim, a existência de classes dominantes
parcialmente burguesas, pois o poder está acumulado entre o capital e o político
(BIANCHETTI, 2005: p. 40). A educação de uma forma geral sofreu as drásticas
consequências de duas leis do atraso, a saber: a Lei 5.540/68 e a Lei 5.692/71 que
foram construídas com a parceria e acordos MEC/USAID em detrimento da escola
pública sob a égide do regime militar. Portanto, de 1968 aos anos 1990, o Brasil viveu
o detrimento da escola pública e a falta de políticas públicas de Estado que acolhesse
os vários grupos sociais, entre eles, os camponeses. Jamais se pensaria em
educação do campo no Brasil a partir das duas leis promulgadas pela Ditadura Militar.
Havia uma luta pela educação pública e gratuita sob a responsabilidade do Estado
por parte dos movimentos sociais, mas que ficava silenciada diante dos processos de
perseguição política realizados pelo Regime (NASCIMENTO, 2018).
Com a abertura política e o processo de “redemocratização” no Brasil, os
movimentos sociais ganharam novos ares e conseguiram abrir as janelas e limpar o
mofo das lutas sociais e começaram a levantar novas bandeiras de luta. Contudo, o
processo de “redemocratização” foi lento, demorado, burocrático e a cultura política
não poderia se desfazer de um dia para outro. E pior: juntamente com o processo de
abertura política foi se instituindo no cenário brasileiro tendências neoconservadoras
que viriam a se estabelecer nos governos seguintes ao Governo Sarney. Estas
tendências neoconservadoras poder-se-ia entender como sendo a implantação do
neoliberalismo nos governos Collor, Itamar e, principalmente, FHC. No início dos anos
1990 a educação passa a ser percebida como mercadoria e influenciada pela lei da
oferta e da demanda. Os pais e filhos são vistos como consumidores do saber e o
professor e o gestor/administrador da escola como sendo os produtores do saber. A

64
escola é a grande “feira” onde se vende o ensino. Comumente se vê professores
chamarem os alunos de “clientes”, “clientela” ou outros adjetivos que determinam o
comportamento político dos mesmos, ou seja, a relação entre capital e saber está
intrinsecamente determinada por aqueles que se tornam clientes do sistema de ensino
e por ele pagam (NASCIMENTO, 2018).

A despesa com educação é um investimento de capital numa empresa


arriscada, por assim dizer, como o investimento numa empresa recém-
formada. O método mais satisfatório de financiar essas empresas não é
através de empréstimos em quantia fixa, mas através de investimento no
capital social de ‘compra’ de ações na empresa com recebimento, como
retorno, de uma parte dos lucros. (FRIEDMAN, 1980. In.: BIANCHETTI, 2005:
p. 100).

Assim, não havia nenhuma sinalização concreta de políticas públicas para


educação do campo até a primeira metade dos anos 1990. Quando se trabalha com
a categoria educação do campo significa pensar uma educação forjada a partir das
intencionalidades dos movimentos sociais do campo onde os trabalhadores rurais são
os protagonistas da história e sujeitos da ação pedagógica. A educação destinada ao
meio rural existe desde a República Velha. No entanto, sua existência não legitima a
homologação de políticas públicas de Estado destinada aos trabalhadores rurais. A
educação era um privilégio das camadas mais ricas da sociedade o que determinava
a não-existência de políticas e, muito menos, de vontade por parte dos governantes
em oferecer o direito de cidadania da educação aos camponeses que estavam
condenados ao analfabetismo e à exploração. Dessa forma, devido ao movimento
migratório, a primeira estratégia de educação que surge na realidade brasileira por
volta dos anos 1920 é o “Ruralismo Pedagógico” que tinha a ideia de uma escola
integrada regionalmente e queria promover a fixação do homem ao meio rural
(NASCIMENTO, 2018).
Do Estado Novo à chamada Primeira Redemocratização do Brasil (1945-1964)
a educação rural foi palco de algumas iniciativas, tais como: a criação da CBAR
(Comissão Brasileira-Americana de Educação das Populações Rurais) que seria o
embrião da ABCAR (Associação Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural)
que surge em 1956. Outra iniciativa que surge neste cenário é o Programa de
Extensão Rural nos moldes norte-americanos e com interesses para formar empresas
familiares no meio rural. A extensão rural busca persuadir os camponeses a usarem
a assistência técnica na produção de sua propriedade para que pudesse conseguir

65
um maior índice de produtividade e, como consequência, o bem-estar social
(FONSECA, 1985). Em 1950, há a criação da Campanha Nacional de Educação Rural
(CNER) e do Serviço Social Rural (SSR) que preparava técnicos para atuar no meio
rural em várias áreas, tais como: educação de base ou alfabetização, melhoria de
vida, saúde, associativismo, economia doméstica, artesanato, entre outros. A década
de 1950 foi um momento difícil no meio rural brasileiro devido ao problema do êxodo
rural que toma um nível de proporção assustador. A educação rural na Lei 4.024/61,
considerada a primeira LDB, continuou negando a existência da diversidade no meio
rural brasileiro, pois a escola estava condicionada às intencionalidades capitalistas.
Na concepção de Leite (1999) a educação rural sofreu as mesmas discriminações
governamentais de tempos anteriores (NASCIMENTO, 2018).

Foi a negação da escolarização nacional, da cultura, do hábito, do trabalho e


dos valores da sociedade. Foi a cristalização de uma relação de dependência
e subordinação que, historicamente, vinha acontecendo desde o período
colonial. A concretização desses impasses aconteceu por ocasião da
promulgação da Lei 4.024, em dezembro de 1961 (LEITE, 1999: p. 38).

No entanto, os movimentos de resistência surgiam, tais como os Centros


Populares de Cultura (CPC) e o Movimento de Educação de Base (MEB) que tinham
ligação profunda com as Ligas Camponesas, os Sindicatos dos Trabalhadores Rurais
e outras organizações. Essa resistência teve seu auge com a promulgação do
Estatuto do Trabalhador Rural com a Lei 4.214/63. Esses movimentos foram
importantes para o surgimento de grupos de alfabetização de adultos e de educação
popular. Por outro lado, os grupos conservadores reordenaram suas ações para
conter o expansionismo dos movimentos agrários e das lutas por parte dos
trabalhadores rurais ao criar a conhecida “Aliança para o Progresso” que desenvolveu
programas como a SUDENE, a SUDESUL, o INBRA, o INDA e o INCRA. Com a
implantação da barbárie da Ditadura Militar há uma profunda penetração da Extensão
Rural e de sua ideologia no campo onde se substituiu o educador pela figura do
técnico e extensionista (NASCIMENTO, 2018).
O projeto contrário a este modelo surge de Paulo Freire com sua educação
popular e muitas comunidades aderiram ao projeto da educação libertadora. Não se
contentando, a Ditadura Militar implanta duas leis que afetam consideravelmente a
educação rural, a saber: a Lei 5.540/68 com a reforma do ensino superior e a Lei
5.692/71 com a nova estruturação do ensino de 1º e 2º graus. O que nos interessa é

66
a Lei 5.692/71 que possuía um caráter mais conservador do que a Lei 5.540/68,
principalmente, por não trazer novidades renovadoras e transformadoras. O dualismo
entre educação para o saber e educação para o fazer, entre formação intelectual e
formação técnica-profissional prevaleceu. A Lei em si permaneceu distante dos
anseios camponeses o que determinou a não incorporação das exigências culturais
emergentes do processo escolar rural e nem sequer cogitou a possibilidade de
políticas educacionais específicas aos vários grupos do campo brasileiro
(NASCIMENTO, 2018).
Com o novo processo de redemocratização a partir do Governo Tancredo e
Sarney, os movimentos sociais do campo se articulam na busca pelos direitos sociais
historicamente negados na legislação brasileira e no imaginário social da população.
A criação da CPT (Comissão Pastoral da Terra) em 1975 e do MST (Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra) em 1984 deu novo impulso para as lutas sociais no
campo brasileiro. As lutas não se destinavam somente à reforma agrária, mas,
sobretudo, aos direitos sociais como saúde, educação, moradia e crédito.

9.2 Cidadania e Educação do Campo: o “público” político dos movimentos


sociais

A partir da década de 1990 em diante foi se criando aos poucos grupos de


reflexão acerca da problemática da escola rural, da escola do campo e no campo.
Sabe-se que desde os anos 1960, com a Educação Popular, tiveram-se alguns
avanços na busca por uma melhor conscientização política a respeito da educação
oferecida aos trabalhadores rurais. Por isso, precisa-se entender que os movimentos
sociais do campo tiveram uma grande importância neste cenário. Em toda e qualquer
sociedade humana histórica sempre se teve processos contra hegemônicos que
resistem a determinadas imposições por parte da classe dominante. A partir da
década de 1990 começou-se a se pensar numa resistência concretamente constituída
por meio de debates, conferências e fóruns que viessem ser um espaço da sociedade
civil em estar trocando experiências e buscando novas alternativas para os problemas
mais agravantes do meio rural e a educação a ela inserida (NASCIMENTO, 2018).
Alguns movimentos sociais e organizações não-governamentais (ONGs) estão
rompendo com a visão unilateral construída ao longo desses 500 anos. Nos
movimentos de resistência cultural os camponeses/as assumem uma outra dimensão.
67
Tornam-se sujeitos históricos de uma nova ordem que se baseia em três princípios
básicos: a solidariedade, a partilha e a luta. Tais movimentos ainda sobrevivem diante
da avalanche de questionamentos realizados pela mídia e pelo marketing
governamental a fim de desqualificá-los. O Encontro Nacional dos Educadores/as da
Reforma Agrária (ENERAs) foi o primeiro espaço constituído pelos movimentos
sociais e sindicais do campo como: MST, CONTAG, CPT e outros. Estes encontros
sempre foram apoiados por ONGs e por organismos ligados a Igreja Católica (CNBB)
e organizações ligadas a ONU como é o caso da FAO, UNESCO e UNICEF.
Com os encontros foi formada uma equipe de articulação nacional que
envolveu os vários setores das entidades ligadas à luta pela Reforma Agrária que,
também, pensassem uma Conferência onde as discussões gerariam em torno da
educação do campo (NASCIMENTO, 2002). Surge assim, a Articulação Nacional Por
Uma Educação Básica do Campo, tendo como entidades promotoras a CNBB, o MST,
a UNICEF, a UNESCO e a UnB através do Grupo de Trabalho e Apoio à Reforma
Agrária (GTRA). Realizou-se em 1998, a I Conferência Nacional Por uma Educação
Básica do Campo, na cidade de Luziânia – GO. Muitas experiências alternativas foram
sendo descobertas e trazidas a público, principalmente, a partir deste espaço de
debates. As experiências do MAB (Movimento dos Atingidos pelas Barragens), do
próprio MST com as escolas de assentamentos e as escolas itinerantes que se fazem
presente nos acampamentos, do MOC (Movimento de Organização Comunitária)
presentes na Bahia, o MEB (Movimento de Educação de Base) importante na década
de 1960 e 1970 e, hoje, continua desenvolvendo atividades junto aos povos da floresta
e no sertão nordestino com a proposta de alfabetização de adultos tanto no Norte e
Nordeste brasileiro. Enfim, os próprios movimentos sociais e sindicais do campo que
lutam pela posse da terra constroem processos permanentes de educação popular e
não-formal por meio de encontros, conferências, debates, fóruns, marchas, romarias
e cursos de capacitação para os camponeses/as. Comprova-se assim, um processo
contra hegemônico, um sistema vivo que se faz presente nas comunidades
(NASCIMENTO, 2018).
Por um lado, sabe-se que de uns tempos para cá houve um enorme refluxo
destas práticas educativas, por outro, percebe-se o ressurgimento de movimentos
sociais do campo que estão construindo a história, a memória e a educação a partir
das experiências de lutas e a partir da conscientização como ato de libertação desse

68
cativeiro imposto pela hegemonia neoliberal que apresenta o deus mercado como
única via, única alternativa. Por isso, pensar a educação do campo significa assumir
três compromissos básicos: um compromisso ético/moral com a pessoa humana
desumanizada historicamente; um compromisso com a intervenção social e educar,
neste sentido, significa intervir para transformar as realidades de exclusão
pedagógicas tão frequentes nos municípios e estados da federação; e, por último, um
compromisso com a cultura camponesa em suas diversas facetas, seja para resgatá-
la, seja para recriá-la, bem como, para conservá-la.
A Educação Básica do Campo não pode ser vista sem a participação do
movimento social existente no campo. É a partir das pedagogias, dentre elas, a
Pedagogia da Alternância, construídas pelo movimento que se compreenderá o
fenômeno educativo camponês. As pedagogias dos gestos, do fazer, da construção
coletiva falam mais do que qualquer teoria pedagógica pensada pelo cientificismo das
estruturas educacionais. A característica do movimento social é exatamente falar
pelos gestos, ou seja, falar por meio da linguagem, das palavras, dos rituais, da
mística. Isto pode ser percebido claramente nos encontros e nas ações coletivas
(NASCIMENTO, 2018).
Para Arroyo (1999: p. 09):

(...) os movimentos sociais são em si mesmos educativos em seu modo de


se expressar, pois o fazem mais do que por palavras, utilizando gestos,
mobilizações, realizando ações, a partir das causas sociais geradoras de
processos participativos e mobilizadores.

Neste sentido, o movimento social do campo existe, está em movimento,


inquieto e construindo o “público” político de uma esfera. Há um movimento
pedagógico do campo de renovação a partir das propostas elaboradas pelos
movimentos sociais do campo, sejam os sem-terra, os povos indígenas, os
pescadores (caiçaras), os lavradores/as, seringueiros/as etc. A educação se dá nesta
realidade do campo e dos movimentos sociais onde determinante e determinado se
constroem a partir da relação dialética existente entre o contexto real (realidade do
mundo rural) e o contexto ideal (utopia dos movimentos sociais do campo). Por isso,
os movimentos sociais são educativos, por excelência, pois forma novos valores, nova
cultura, uma nova noção de cidadania que se difere da matriz liberal-burguesa
(NASCIMENTO, 2018).

69
9.3 A educação do campo enquanto política pública

Saviani (2000: p. 172) nos mostra na íntegra os documentos oficiais da


educação brasileira que alertam no Art. 28 da LDB – Lei Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (Lei nº. 9.394/96) o seguinte propósito:

Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino


promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades
da vida rural e de cada região, especialmente: I – conteúdos curriculares e
metodologias apropriadas às reais necessidades e interesses dos alunos da
zona rural; II – organização escolar própria, incluindo adequação do
calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas; III –
adequação à natureza do trabalho na zona rural.

A concepção de escola do campo procura defender os interesses, a política, a


cultura e a economia da agricultura camponesa. Segundo Fernandes (1999: p. 65) “a
política de educação que está sendo implantada no Brasil, por meio dos Parâmetros
Curriculares Nacionais, ignora a necessidade da existência de um projeto para a
escola rural”. Mas, o que vem sendo um ponto agravante é o fator regulador da
qualidade de educação vista a partir de uma ótica determinista. Um determinismo
geográfico que legitima a existência de uma concepção de que a escola urbana é
melhor, superior do que a escola rural. O que seria a proposta de uma educação
básica do campo? Pode-se dizer que a educação básica do campo possui três
características fundamentais: é um projeto político-pedagógico da sociedade civil que
busca intervir nos fundamentos da educação brasileira. Além disso, é um projeto
popular alternativo para o Brasil e um projeto popular de desenvolvimento para a
realidade campesina (NASCIMENTO, 2018).
Tais projetos estão estritamente ligados ao projeto de construção de uma
política pedagógica vinculada às causas, aos desafios, aos sonhos, à história e à
cultura dos povos do campo. Mas, é preciso ter bem claro que a educação do campo
não é um resíduo em processo de extinção como querem alguns. É preciso ter claro,
também, que a escola do campo é necessária para se cultivar a própria identidade do
homem e da mulher do campo e que esta escola do campo pode vir a contribuir no
desenvolvimento de estratégias de um projeto educativo socioeconômico desde que
esteja contextualizada.
O processo de construção de um projeto popular alternativo de
desenvolvimento para o Brasil requer novos valores éticos e culturais que precisam

70
ser assumidos por todos. Estes valores são os compromissos básicos, urgentes e
emergentes. São eles: compromisso com a soberania; com a solidariedade
(extermínio da exclusão social e da desigualdade); com o desenvolvimento
(rompimento com o capital financeiro); com a sustentabilidade; com a democracia
ampliada; e, com a segurança alimentar. Diante dessa exposição sobre a concepção
de educação do campo queremos apresentar de forma preliminar três programas de
educação do campo que se efetivaram durante dos anos 90 nos governos de FHC e
Lula. Tais programas são: Pronera, Saberes da Terra e o Programa de Apoio à
Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo (NASCIMENTO, 2018).

9.4 Pronera: a política de FHC continuada por Lula

Em 16 de abril de 1998, por meio da Portaria Nº. 10/98, o Ministério


Extraordinário de Política Fundiária criou o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária – PRONERA, vinculando ao Gabinete do Ministro e aprovou o seu
Manual de Operações. No ano de 2001, o Programa é incorporado ao INCRA. É
editada a Portaria/INCRA/nº. 837, aprovando a edição de um novo Manual de
Operações. A concepção de educação do Pronera entende que a educação do campo
é um direito de todos e se realiza por diferentes territórios e práticas sociais que
incorporam a diversidade do campo. É, ainda, uma garantia para ampliar as
possibilidades de criação e recriação de condições de existência da agricultura
familiar/camponesa. Por isso, o Pronera quer fortalecer o mundo rural como território
de vida em todas as suas dimensões: econômicas, sociais, ambientais, políticas e
éticas (NASCIMENTO, 2018).

71
Fonte:www.dsvc.com.br

Esta ação promove a justiça social no campo por meio da democratização do


acesso à educação na alfabetização e escolarização de jovens e adultos, na formação
de educadores para as escolas de assentamentos/acampamentos e na formação
técnico-profissional de nível médio e superior. Enquanto política pública, o Pronera
fundamenta-se na gestão participativa e na descentralização das ações das
instituições públicas envolvidas com a educação. Essas instituições criam por meio
de projetos a oportunidade de exercitar e realizar ações com a coparticipação dos
movimentos sociais e sindicais de trabalhadores e trabalhadoras rurais, instituições
de pesquisa, governos estaduais e municipais, em prol do desenvolvimento
sustentável no campo, da construção da solidariedade e da justiça social. Desta
forma, o Pronera realiza práticas e reflexões teóricas da Educação do Campo, tendo
como fundamento a formação humana como condição primordial, e como princípio a
possibilidade de todos e todas serem protagonistas da sua história, criando novas
possibilidades para descobrir e reinventar, democraticamente, relações solidárias e
responsáveis no processo de reorganização socio territorial em que vivem
(NASCIMENTO, 2018).

72
9.5 Programa Saberes da Terra: a política do Governo Lula

O Pro-Jovem Campo – Saberes da Terra é um programa de escolarização de


jovens agricultores/as familiares em nível fundamental na modalidade de Educação
de Jovens e Adultos (EJA), integrado à qualificação social e profissional. O Programa
surgiu em 2005, vinculado ao Ministério da Educação pela Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD) com a meta de escolarização de
5.000 jovens agricultores/as de diferentes estados e regiões do Brasil: Bahia,
Pernambuco, Paraíba, Maranhão e Piauí pela região nordeste. Mato Grosso do Sul
no Centro-Oeste. Santa Catarina e Paraná pela região Sul (NASCIMENTO, 2018).

Fonte:www.portalcgrn.com

Da região Sudeste, Minas Gerais, e, do Norte, participam Pará, Tocantins e


Rondônia. Nos dois anos de sua existência, o Programa Saberes da Terra atingiu a
formação de jovens agricultores/as que vivem em comunidades ribeirinhas,
quilombolas, indígenas, assentamentos e de pequenos agricultores, escolarizou
adultos, entre outros. Essa diversidade étnico-cultural e de gênero vivenciada pelo
Programa, aparece nos debates e produções realizadas durante os quatro Seminários
Nacionais de Formação de Formadores/as, dezenas de Seminários Estaduais de
Formação de Educadores e na produção de materiais pedagógicos. Estas
73
experiências pedagógicas realizadas viabilizaram a escolarização em nível
fundamental integrada à qualificação social e profissional em Agricultura Familiar e
Sustentabilidade (NASCIMENTO, 2018).
A organização curricular do Pro Jovem Campo – Saberes da Terra está
fundamentada no eixo articulador Agricultura Familiar e Sustentabilidade. Este eixo
amplia suas dimensões de atuação na formação do jovem agricultor por meio dos
seguintes eixos temáticos:

a) Agricultura Familiar: identidade, cultura, gênero e etnia.


b) Sistemas de Produção e Processos de Trabalho no Campo.
c) Cidadania, Organização Social e Políticas Públicas.
d) Economia Solidária.
e) Desenvolvimento Sustentável e Solidário com enfoque Territorial.

Os eixos temáticos agregam conhecimentos da formação profissional e das


áreas de estudo para a elevação da escolaridade. A execução da proposta
pedagógica e curricular acontece por meio da realização de atividades educativas em
diferentes tempo e espaços formativos. Os jovens iniciam a escolarização pelo
“Tempo Escola” que corresponde ao período no qual os jovens permanecem
efetivamente na unidade escolar com atribuições de aprendizagens sobre os saberes
técnico científicos dos eixos temáticos, planejamento e execução de pesquisas,
atividades de acolhimento e organização grupal, entre outras atividades pedagógicas.
Outro momento de organização do tempo e espaço formativo do Programa é o “Tempo
Comunidade” correspondente ao período no qual os educandos realizam pesquisas,
estudos e experimentações técnico-pedagógicas nas comunidades, com o objetivo de
partilharem seus conhecimentos e suas experiências adquiridas na escola com as
famílias ou instâncias de organização social (NASCIMENTO, 2018).
O “Tempo Escola” e o “Tempo Comunidade” são espaços formativos
privilegiados de articulação entre estudo, pesquisa e criação de propostas de
intervenção de modo a estimular diferentes aprendizagens nos jovens agricultores/as,
tais como, leitura, escrita, arte, afirmação da diversidade étnica, cultural e gênero;
desenvolver o espírito coletivo e solidário; superação dos valores de dominação,
preconceito étnico-raciais e desigualdades existentes na relação campo cidade;

74
desenvolver a autonomia e a solidariedade produtiva, entre outras aprendizagens
(NASCIMENTO, 2018).

9.6 Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação


do Campo – Procampo

O Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do


Campo – Procampo é uma iniciativa do Ministério da Educação, por intermédio da
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD), em
cumprimento às suas atribuições de responder pela formulação de políticas públicas
de combate às desvantagens educacionais históricas sofridas pelas populações rurais
e valorização da diversidade nas políticas educacionais (NASCIMENTO, 2018).

Fonte: www.seminarioprocampo2014.blogspot.com

O objetivo do Programa é apoiar a implementação de cursos regulares de


Licenciatura em Educação do Campo nas Instituições Públicas de Ensino Superior de
todo o país, voltados especificamente para a formação de educadores para a docência
nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio nas escolas rurais. O Procampo
tem a missão de promover a formação superior dos professores em exercício na rede
75
pública das escolas do campo e de educadores que atuam em experiências
alternativas em educação do campo, por meio da estratégia de formação por áreas
de conhecimento, de modo a expandir a oferta de educação básica de qualidade nas
áreas rurais, sem que seja necessário a nucleação extracampo (NASCIMENTO,
2018).
Entre os critérios exigidos, os projetos devem prever: a criação de condições
teóricas, metodológicas e práticas para que os educadores em formação possam
tornar-se agentes efetivos na construção e reflexão do projeto político-pedagógico das
escolas do campo; a organização curricular por etapas presenciais, equivalentes a
semestres de cursos regulares, em Regime de Alternância entre Tempo-Escola e
Tempo-Comunidade, para permitir o acesso e permanência dos estudantes na
universidade (tempo-escola) e a relação prática-teoria-prática vivenciada nas
comunidades do campo (tempo-comunidade); a formação por áreas de conhecimento
previstas para a docência multidisciplinar – Linguagens e Códigos, Ciências Humanas
e Sociais, Ciências da Natureza e Ciências Agrárias, com definição pela universidade
da(s) respectiva(s) área(s) de habilitação; e a consonância com a realidade social e
cultural específica das populações do campo a serem beneficiadas, segundo as
determinações normativas e legais concernentes à educação nacional e à educação
do campo em particular (NASCIMENTO, 2018).
Quatro universidades públicas federais desenvolveram experiências piloto:
UnB (Universidade de Brasília), UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), UFBA
(Universidade Federal da Bahia) e UFS (Universidade Federal do Sergipe). O
processo seletivo da Universidade de Brasília ocorreu em setembro de 2007, com o
curso organizado em uma carga horária de 3.525 horas-aula, distribuída em 8 etapas,
uma a cada semestre, integralizando 4 anos. Cada etapa é composta de um tempo-
escola e um tempo-comunidade. O tempo-escola é dividido em períodos intensivos,
com o mínimo de 50 e máximo de 70 dias ininterruptos, em regime de internato, com
8 horas diárias de atividade. A primeira etapa do tempo-escola teve início em setembro
de 2007 no Instituto de Educação Josué de Castro, em Veranópolis, Rio Grande do
Sul (NASCIMENTO, 2018).
A primeira etapa do tempo comunidade, que ocorreu no início de 2008, prevê
a inserção orientada dos estudantes nas comunidades camponesas, onde
desempenharão atividades curriculares específicas da respectiva etapa. Sabemos

76
que a burocracia estatal delimita as ações da Coordenação-Geral de Educação do
Campo o que determina que as práticas realizadas sejam impulsionadas realmente
pelos movimentos sociais do campo que possuem uma noção clara sobre a educação
do campo conforme destaca Fernandes (2002).

A Educação do Campo é um conceito cunhado com a preocupação de se


delimitar um território teórico. Nosso pensamento é defender o direito que
uma população tem de pensar o mundo a partir do lugar onde vive, ou seja,
da terra em que pisa, melhor ainda: desde a sua realidade. Quando
pensamos o mundo a partir de um lugar onde não vivemos, idealizamos um
mundo, vivemos um não lugar. Isso acontece com a população do campo
quando pensa o mundo e, evidentemente, o seu próprio lugar a partir da
cidade. Esse modo de pensar idealizado leva ao estranhamento de si mesmo,
o que dificulta muito a construção da identidade, condição fundamental da
formação cultural. (FERNANDES, 2002).

Para concluir, podemos formular cinco princípios básicos que mostram o papel
da escola e a sua transformação. A primeira transformação do papel da escola refere-
se, especificamente, a três compromissos que a educação do campo deve assumir.
São eles:
O compromisso ético/moral com a pessoa humana. O compromisso com a
intervenção social que irá vincular os projetos de desenvolvimento regional e nacional.
E, o compromisso com a cultura no seu resgate, na sua conservação e na sua
recriação, tendo como eixo a educação dos valores baseada na educação para
autonomia cultural a partir de Freire (1997) e na educação pela memória histórica a
partir de Brandão (1985).

77
Fonte: www.conselhodeumbrasileiro.blogspot.com

A segunda transformação do papel da escola diz respeito à gestão da escola


como espaço público e comunitário, ou seja, a democratização do espaço escolar.
Isto significa que deve haver ampliação (quantitativa e qualitativa) do acesso às
escolas; participação da comunidade nas decisões sobre gestão escolar, propostas
pedagógicas e políticas públicas; participação dos educandos/as na gestão escolar
superando a democracia representativa; e, a criação de coletivos pedagógicos que
pensem e repensem os processos de transformação (NASCIMENTO, 2018).
A terceira transformação do papel da escola vem abordar a pedagogia escolar,
onde a educação popular inserir-se-á no cotidiano escolar e no processo de ensino-
aprendizagem. A finalidade desta transformação é trazer, para a escola, alternativas
pedagógicas que são produzidas fora do espaço escolar formal; analisar as
experiências e as discussões que acontecem a respeito da renovação pedagógica;
aprender a conhecer, aprender a viver juntos, aprender a fazer e aprender a ser.
A quarta transformação refere-se aos currículos escolares que deve se adequar
no movimento da realidade que o cerca. Por isso, a princípio, deve-se retirar o conceito
de que a escola é mera transmissora de conhecimentos teóricos. Mas, é um espaço,
por excelência, de formação humana. Para isso, faz-se necessário pensar um novo
ambiente educativo. Num segundo momento, refletir sobre a existência do
reducionismo de tendência pedagógica em ter a escola como simples espaço de
memorização e de informação (NASCIMENTO, 2018).
78
Posteriormente, exigir que o currículo de uma escola do campo contemple as
relações com o trabalho na terra e trabalhar o vínculo entre educação e cultura, sendo
a escola um espaço de desenvolvimento cultural de toda a comunidade. E, por fim, o
currículo deve romper com a postura presenteísta que domina nossa sociedade.
Enfim, a quinta transformação do papel da escola vem mostrar a transformação
dos educadores e educadoras das escolas do campo. Dois problemas são visíveis: os
educadores/ as são vítimas de um sistema educacional que desvaloriza o trabalho da
docência e, principalmente, os coloca num círculo vicioso e perverso. Isto faz gerar
uma consequência problemática: como vítimas (os educadores/as) constroem novas
vítimas, os educandos/as das escolas do campo. As iniciativas específicas para
educadores/as do campo são: articulação, ou seja, a criação e o fortalecimento dos
coletivos pedagógicos locais, municipais, estaduais, nacionais e internacionais;
qualificação ou formação escolar para os docentes leigos/as; e, criar programas
sistemáticos de formação com metodologias pedagógicas alternativas e dialógicas
(NASCIMENTO, 2018).

10 IGUALDADE E DIVERSIDADE NA EDUCAÇÃO DO CAMPO

O avanço da consciência social a respeito da importância da educação no


processo de construção das condições dignas da existência humana, impõe, hoje, na
agenda do Estado brasileiro, a necessidade de estabelecer em conjunto com os
movimentos sociais, as bases de uma política pública de educação, que efetive a
responsabilidade do poder público com a população do campo enquanto sujeito de
direitos, num espaço social, político e geográfico, em permanente transformação.
Neste sentido, a parceria com os movimentos sociais define uma configuração
reconhecidamente específica para a política em pauta (SOARES, 2018).
Em primeiro lugar, trata a educação como direito humano e, ao fazê-lo, vai além
dos marcos legais. Estabelece o foco nos diversos modos de pertencimento às
comunidades, aos grupos, às classes sociais e ao mundo, apontando para uma forma
de sociabilidade ou modelo de convivência que, segundo Telles (1994), é regida pelo
reconhecimento do outro enquanto portador de interesses, demandas e valores
legítimos e, assim sendo, potencializa, além do pertencimento, a definição do tipo de
sociedade no interior da qual se pretende efetivar esta inclusão. Neste modelo, o

79
campo é considerado diverso e simultaneamente elo de unidade na complexa
realidade brasileira, razão pela qual a educação do campo é uma dimensão
estruturadora da política nacional de educação que incorpora, em seu âmbito, os
espaços da floresta, da pecuária, das minas e da agricultura, mas os ultrapassa ao
acolher em si os espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativista (Resolução
n° 01-CEB/CNE, 2002).
Dessa forma, poder-se-ia identificar, de imediato, que a especificidade exige a
capacidade de reconhecer o diferente e o outro na condição de sujeito e, em
decorrência, elege como horizonte um modo de pertencimento que impede a
transformação das diferenças em efetivas desigualdades. Com esse entendimento,
poder-se-ia afirmar que a diferença e o pertencimento são aspectos de uma
abordagem que acolhe o diverso sem, contudo, perder a visão de totalidade,
contrapondo-se à compreensão setorializada e excludente que ainda predomina no
debate sobre a inserção da educação do campo numa proposta de desenvolvimento
para o país (CALDART, 2004). De modo equivalente, a Câmara da Educação Básica
do Conselho Nacional de Educação, traduzindo o pensamento da sociedade
brasileira, em especial a compreensão dos movimentos sociais, consultados a partir
de seminários e audiências públicas, estabeleceu as diretrizes para as escolas de
educação básica no campo, reafirmando que o modo próprio de vida social e de
utilização do espaço do campo são fundamentais para a constituição da identidade da
população e da inserção cidadã na definição dos rumos da sociedade brasileira
(SOARES, 2018).
Em função disso, ao tratar da identidade da escola do campo, as citadas
diretrizes contemplam o diverso sem descurar da perspectiva nacional, assegurando
a unidade mediante práticas, valores e discursos que enraízam o direito à igualdade,
no seu cotidiano. A propósito, transcrevemos alguns artigos da resolução que surgem
de uma crítica contundente às análises que procuram identificar problemas e sugerir
soluções, supondo incorretamente a homogeneização do espaço nacional e, portanto,
desconhecendo nos termos do pensamento de Dagnani (1994) que a afirmação da
diferença está vinculada à reivindicação do direito de que ela possa existir como tal,
do direito de que ela possa ser vivida sem que isso signifique o tratamento desigual,
a discriminação.

80
Art. 2°(...) Parágrafo único. A identidade da escola do campo é definida pela
sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade
e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede
de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa
de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social
da vida coletiva do país.
Art. 3°. O Poder Público, considerando a magnitude da importância da
educação escolar para o exercício da cidadania plena e para o desenvolvimento de
um país cujo paradigma tenha como referências a justiça social, a solidariedade e o
diálogo entre todos, independente de sua inserção em áreas urbanas ou rurais, deverá
garantir a universalização do acesso da população do campo à Educação Básica e à
Educação Profissional de Nível Médio.
Art. 4°. O projeto institucional das escolas do campo, expressão do trabalho
compartilhado de todos os setores comprometidos com a universalização da
educação escolar com qualidade social, constituir-se-á espaço público de
investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o mundo do
trabalho, bem como para o desenvolvimento social, economicamente justo e
ecologicamente sustentável.
(...) Art. 10. O projeto institucional das escolas do campo, considerado o
estabelecido no artigo 14 da LDBEN, garantirá a gestão democrática, constituindo
mecanismos que possibilitem estabelecer relações entre a escola, a comunidade
local, os movimentos sociais, os órgãos normativos dos sistemas de ensino e os
demais setores da sociedade.
Como se vê, a diversidade é fundamento básico de uma política pública de
educação do campo que tem como pretensão maior assegurar a mais ampla condição
de igualdade e bem-estar coletivo. Isto pressupõe homens e mulheres que,
independente de geração, etnia, raça, e gênero, entre outros, são sujeitos de
iniciativas em defesa da humanização de todos e, portanto, capazes de submeter seus
interesses individuais aos que são constitutivos do bem comum. Neste particular, cabe
destacar o artigo 2° da LDBEN (1996) quando estabelece a inspiração da educação
nacional no princípio da liberdade e nos ideais da solidariedade humana e coloca a
sua finalidade no pleno desenvolvimento do educando. Assim procedendo, estimula
vínculos e indica como eixo do projeto educativo, a emancipação do isolamento que

81
é próprio de um mundo de estranhos, remetendo diretamente ao processo
permanente de aprendizagem que advém do protagonismo exercido no interior das
lutas sociais pelos direitos. Sobre isto, Chauí (2001) registra que a liberdade é a
consciência simultânea das circunstâncias existentes e das ações, que suscitadas por
tais circunstâncias nos permitem ultrapassá-las. Quanto ao direito, reafirma que é
geral e universal, válido para todos os indivíduos, grupos e classes sociais e sua
instituição, na sociedade democrática, é dada pela abertura do campo social à criação
de direitos reais, à ampliação de direitos existentes e à criação de novos direitos.
Nesta perspectiva, todos são convocados à vida enquanto um território de
possibilidades de criação e recriação de novos e surpreendentes elementos para a
existência da humanidade, admitindo-se a provisoriedade da verdade e a reafirmação
do vínculo entre a história e o direito a ter direitos. Neste caso, fala-se da história que
não se repete nem tampouco é pré-determinada. O amanhã é sempre novo e o
presente, ao valorizar a liberdade, requer escolhas e aponta futuros que emergem da
capacidade de invenção e reinvenção que mobiliza a humanidade. Efetivadas as
escolhas, o futuro, sem sombra de dúvida, passa a ser a esperança do presente que
se viabiliza a partir da superação das condições de existência e que, embora não
tenham sido necessariamente criadas por cada um, no seu interior que se processam
e conduzem as transformações do universo (SOARES, 2018).
Esta é a inspiração acolhida pelos movimentos sociais do campo quando fazem
o registro de que a educação na perspectiva dos direitos humanos é essencialmente
solidária, é um direito humano em si e, ao mesmo tempo, base para a realização de
outros direitos. Neste particular, propugnam uma sociedade aberta ao diverso e ao
novo nos termos das proposições que constam das declarações finais das
Conferências Nacionais de Educação do Campo e, mais recentemente, das estaduais,
todas assinadas por um conjunto de entidades articuladas em torno da garantia da
educação do campo sob a ótica do direito. Observe-se, por exemplo, que as
proposições presentes no texto da Declaração Final da II Conferência Nacional de
Educação do Campo CNEC/04, denunciam a grave situação educacional vivida pela
população camponesa, evidenciam o respeito à diversidade e insistem no esforço de
construir a unidade necessária à luta social que se contrapõe a um modelo de
desenvolvimento baseado na concentração de privilégios e na exclusão da maioria
dos brasileiros. Além disso, pautam a educação do campo na agenda política do país,

82
definindo seus protagonistas e formulando concepções de campo, desenvolvimento,
educação e de política pública que fortalecem os sujeitos coletivos e movimentos
sociais (SOARES, 2018).
A nossa caminhada se enraíza nos anos 60 do século passado, quando
movimentos sociais, sindicais e algumas pastorais passaram a desempenhar papel
determinante na formação política de lideranças do campo e na luta pela reivindicação
de direitos (...) (p.3) Respeitando a diversidade dos sujeitos que aqui representamos
e, ao mesmo tempo, construindo a unidade necessária para a tarefa que nos
colocamos, queremos aqui reafirmar o nosso compromisso coletivo com uma visão
de campo, de educação e de política pública (p.6). (...) Defendemos um tratamento
específico da educação do campo com dois argumentos básicos: - a importância da
inclusão da população do campo na política educacional brasileira, como condição de
construção de um projeto de educação, vinculado a um projeto de desenvolvimento
nacional, soberano e justo; na situação atual está inclusão somente poderá ser
garantida através de uma política pública específica de acesso e permanência e do
projeto político pedagógico; - a diversidade dos processos produtivos e culturais que
são formadores dos sujeitos humanos e sociais do campo que precisam ser
compreendidos e considerados na construção do projeto de educação do campo. (...)
(p.8). (SOARES, 2018).
É por este caminho que se encontra a afinidade entre o que estabelece o artigo
1° da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e as decisões a respeito dos
espaços de realização das ações educativas, agora definidos para além da chamada
educação doméstica e das instituições que integram os sistemas de ensino, nos
seguintes termos:
Art.1°. A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais.
Isto posto, há que se atentar para uma política pública que propicie as
mudanças necessárias no quadro de atendimento escolar brasileiro, em especial, a
superação das desigualdades constatadas quando comparamos o perfil de
escolarização da população tomando como referência a sua residência no campo e
na cidade. No primeiro, o atendimento escolar na educação infantil e no ensino médio

83
são insignificantes, acrescido dos problemas decorrentes da ausência de condições
de trabalho dos docentes, altos índices de analfabetismo de jovens e adultos, baixos
níveis de aprendizagem e significativa taxa de distorção idade-série. A ausência de
políticas públicas para implementar a educação do campo como direito humano é
evidente (SOARES, 2018).

Fonte:www.redebrasilatual.com.br

Demonstra, segundo o MEC, o descaso dos dirigentes e as matrizes culturais


centradas no trabalho escravo, na concentração fundiária, no controle do poder
político pela oligarquia e nos modelos de cultura letrada europeia. Neste sentido,
merece especial destaque, o relatório nacional para o direito humano à educação que,
apoiado nas diretrizes operacionais para as escolas de educação básica do campo e,
ao mesmo tempo, aproximando-se do que propugnam os movimentos sociais,
recomendam a vinculação rigorosa entre a universalização da oferta pública da
educação escolar, as demandas sociais e culturais específicas das diversas regiões,
rurais ou urbanas, e adiversidade dos seus públicos. Para tanto indica políticas
próprias e afirmativas, sem perder as características que conformam o povo brasileiro
(HADDAD, 2005).

84
11 A QUESTÃO AGRÁRIA E A EDUCAÇÃO DO CAMPO

Fonte: www.novaescola.org.br

A discussão sobre a questão agrária no Brasil é muito recente - se comparada


ao debate internacional - e somente aconteceu em sua forma diversa (ideias e teses
contrastantes que interpretavam a origem e a posse da terra) na década de 1960.
Essa discussão surgiu, segundo Stédile (2005), devido à necessidade política e
sociológica dos partidos e não ao devido desenvolvimento científico e acadêmico, que
sempre foi fruto da submissão colonial e que se encontrava impedido de desenvolver
pesquisas e um consolidado pensamento nacional (SOUZA, 2018).
Para o autor, o conceito “questão agrária” é um conjunto de interpretações e
análises da realidade agrária, que procura explicar como se organiza a posse, a
propriedade, o uso e a utilização das terras na sociedade brasileira. Para a corrente
hegemônica de interpretação da evolução da questão agrária no Brasil, no período de
50.000 a.C. a 1.500 d.C., a ocupação do nosso território se deu através das correntes
migratórias que vieram da Ásia, cruzando o estreito do Alasca e ocupando todo o
continente americano, essa interpretação se consolida pelos vestígios humanos e
instrumentos localizados no Estado do Piauí que datam deste período. A historiografia
brasileira registra que as populações que habitavam nosso território viviam em

85
agrupamentos sociais, famílias, tribos, clãs, de maioria nômade, dedicando-se
basicamente à caça, à pesca, à extração de frutas, sendo que os bens naturais
presentes no território eram de uso coletivo e atendiam às necessidades de
sobrevivência do grupo (SOUZA, 2018).
É de comum acordo nos debates da corrente hegemônica que a posse o uso
do território nesse contexto era coletivo e que se vivia no comunismo primitivo. Sobre
o período que vai de 1500 d.C. a 1850 d.C. existem, segundo Stédile (2005), teses e
registros históricos de que missões de outros povos, seja dos fenícios, dos árabes,
dos africanos e até mesmo de europeus, que chegaram ao nosso continente antes de
1500, informações para além do registro oficial da descoberta e empoderamento
realizado por Cristóvão Colombo, em 1492. Com a invasão europeia e com a
dominação e aculturação dos povos originais os bens naturais aqui presentes foram
submetidos à lógica e às leis do capitalismo mercantil (período histórico já dominante
na Europa), bem como a força de trabalho se tornou a escrava. Todos os bens foram
transformados em mercadoria e enviados à metrópole, em pouco tempo os europeus
perceberam que a alta fertilidade de nossas terras era a principal fonte de exploração
de produtos que antes eram obtidos em territórios que não estavam sob seu domínio
e pelos quais pagavam-se altos valores; surgiram então os ciclos de exploração da
cana de açúcar, do algodão, do gado, do café, da pimenta do reino e do cacau,
inundando o mercado europeu através de um modelo agroexportador (SOUZA, 2018).
Quanto à organização da produção, para Stédile (2005), apesar das polêmicas
sobre o assunto, existe um consenso de que o modelo adotado para organizar as
unidades de produção agrícola foi o da plantation, que se caracteriza pela organização
da produção agrícola em grandes fazendas de áreas contínuas, priorizando as
monoculturas como as citadas acimas e de boa localização no território para facilitar
a exportação pelos portos. Apesar da utilização da mão de obra escrava, em termos
de tecnologia os engenhos utilizavam o que havia me mais avançado para aumentar
a produção/lucros e diminuir os custos; a propriedade da terra era da Monarquia e
gerenciada pela coroa, o que não caracterizava a propriedade da terra como
capitalista, pois não havia propriedade privada. Para Stédile (2005) a relação desse
sistema com o capitalismo residia no modelo agroexportador que para estimular o
investimento do capital na produção das mercadorias, concedeu o uso de enormes
extensões de terra para a produção de mercadorias para exportação (SOUZA, 2018).

86
Para o autor, a “concessão de uso” era dada por direito hereditário, sendo que
os herdeiros do fazendeiro poderiam continuar com a posse das terras e com a sua
exploração, ao mesmo tempo não lhes era garantido o direito de vender as terras, ou
mesmo de comprar terras vizinhas, em suma não havia propriedade privada das terras
e as terras ainda não eram mercadorias (STÉDILE, 2005). Podemos notadamente
afirmar como demonstra Stédile (2005), que a adoção do modelo agroexportador sob
a lógica da plantation foi um genocídio do povo brasileiro, o autor mostra que em 1500
existiam aproximadamente 5 milhões de pessoas em nosso território, ou seja, um
grande massacre da população indígena, da população negra trazida da África, pelo
colonizador europeu. Devido às pressões inglesas para a substituição do trabalho
escravo por trabalho assalariado e com a abolição da escravidão, surge em 1850 a
primeira lei de terras no país que garantia a propriedade privada, não permitindo que
os negros libertos se apossassem das mesmas, nem que se tornassem pequenos
camponeses, pois para a compra de propriedades no Brasil era necessário que se
pagasse uma parcela para a coroa (SOUZA, 2018).
Essa conjuntura refletia a crise do trabalho escravo e inaugurava o período que
vai de 1850 a 1930, no qual os escravos continuaram sob o domínio dos fazendeiros
só que agora como assalariados. Após a promulgação da Lei Áurea de 1888 estima-
se que quase dois milhões de ex-escravos (STÉDILE, 2005) abandonaram o trabalho
agrícola e migraram para as cidades em busca de alternativas para vender a força de
trabalho, ao mesmo tempo que buscavam territórios nas cidades; os mesmos eram
proibidos pela lei de terras de se apossarem de terrenos que já eram propriedade
privada dos capitalistas, surgindo assim, as primeiras favelas presentes nas grandes
cidades e suas comunidades. Como estratégia para repor a mão de obra escrava, as
elites realizaram uma forte propaganda na Europa no período de 1875 a 1914 atraindo
cerca de 1,6 milhões de camponeses renegados pelo avanço do capitalismo para o
trabalho agrícola das grandes propriedades, para Stédile (2005) o número de
imigrantes europeus coincide com as últimas estatísticas de trabalhadores
escravizados. Parte desses imigrantes foram para a região sul do país e outra parte
para São Paulo e Rio de Janeiro, estabelecendo o regime de produção sob a forma
de colonato, no qual recebiam as lavouras de café prontas, casa, direito de moradia e
direito de plantar outros produtos para sua subsistência, recebendo o pagamento em
forma de café que poderia ser vendido (SOUZA, 2018).

87
Fonte:www.redebrasilatual.com.br/

O campesinato brasileiro teve então sua origem em duas formações, a primeira


mencionada acima, inseriu milhares de camponeses pobres europeus no trabalho
agrícola nas regiões Sudeste e Sul, já a segunda formação é relativa à miscigenação
das populações branca, indígena, e negra presentes no processo de colonização. A
crise do modelo agroexportador e a migração de camponeses europeus seguiu até a
primeira guerra mundial, e foi nesse contexto que surgiu o campesinato brasileiro. No
período subsequente ocorreram mudanças significativas para a questão agrária no
Brasil, a crise da República Velha havia se prolongado ao longo da década de 1920,
os seus expoentes políticos vinham perdendo força com a mobilização do trabalhador
industrial e com as dissidências políticas que enfraqueceram as grandes oligarquias.
Esses acontecimentos ameaçaram a estabilidade da tradicional aliança rural entre os
estados de São Paulo e Minas Gerais (a política do café com leite) e no ano de 1930
setores da elite da nascente burguesia industrial fizeram uma "revolução" política
provocando a queda da republica velha e tomando o poder da oligarquia rural
exportadora e impondo um novo modelo econômico para o país (SOUZA, 2018).

88
11.1 A educação no brasil e a sua relação com a questão agrária

No contexto de transição da república no Brasil, a república velha se


encarregou de inserir o país no processo de modernidade do século XX,
“escolarizando” o povo brasileiro e criando uma alavanca para o progresso; esse
movimento tinha como intenção inserir o Brasil na disputa econômica junto às grandes
potências da época. Neste contexto “escolarizar” significava abrir mão da escolaridade
formal que era exclusividade das classes elevadas e leva-la às classes médias e
inferiores do meio urbano. Para Leite (1999), essa transição já dava sinais desde antes
do final do império quando um número significativo de congregações religiosas
instalou escolas de ensino médio nas principais províncias. Apesar das inspirações
positivistas da república, não se desenvolveram políticas educacionais destinadas à
escolarização rural devido ao maior interesse das elites na formação do operariado e
de experiências urbanas (SOUZA, 2018).
Para Florestan Fernandes (1973) surge nesse contexto de criação de um novo
modelo econômico, a industrialização dependente, que se explica pela condição de
não romper política e economicamente a dependência com países desenvolvidos,
nem romper o vínculo com a oligarquia rural brasileira, mas criando-se um novo
cenário, de subordinação da agricultura à lógica da indústria. Stédile (2005) aponta
que alguns estudiosos chamaram esse período de “projeto nacional
desenvolvimentista” e de “Era Vargas”, pois a coordenação política foi executada por
Getúlio Vargas, que governou o país de 1930 a 1945 (SOUZA, 2018).

89
Fonte: www.slideplayer.com.br

Ao mesmo tempo em que se modificou a correlação de forças entre a burguesia


nascente e a oligarquia, a posse das terras e a produção para a exportação ainda era
das oligarquias, perdendo somente a força política que antes detinham, isso se deve
ao fato de que a burguesia industrial brasileira se originou das oligarquias e possuía
origem vinculada à acumulação das exportações do período colonial. Para a
consolidação do processo industrial no Brasil necessitava-se importar máquinas,
tecnologia e mão de obra operária o que, segundo Stédile (2005), gerava dividas
justificava a consequente dependência, nesse contexto surge também a necessidade
de uma indústria para a agricultura que importasse insumos, ferramentas, máquinas,
adubos, venenos, criando-se então a agroindústria e consequentemente uma
burguesia agrária (SOUZA, 2018).
A agroindústria dinamizou e criou também um mercado interno incorporando
os camponeses à indústria e ao mercado. Nesse contexto os camponeses passaram
a fornecer mão de obra barata para as indústrias, passaram pelo processo de êxodo
rural e de proletarização, consequência da lógica capitalista que desestimulou os
filhos de camponeses a sonharem em se reproduzir socialmente enquanto classe
camponesa e se desestimulassem com a sua permanência no campo. A educação
brasileira só deu sinais de preocupação com o rural neste momento, face ao grande
movimento migratório dos rurícolas (nos anos de 1910-1920) para as grandes cidades
em busca de emprego e está representada pela corrente do Ruralismo Pedagógico
90
que defendia as virtudes do campo e da vida campesina, mascarando a sua maior
preocupação, o esvaziamento populacional das áreas rurais e a possível oposição à
movimentação progressista urbana (MAIA, 1982).
Essa corrente permaneceu até a década de 1930 ainda fortemente ligada às
origens coloniais e somente após as transformações mais profundas do modelo
agroexportador é que a educação no Brasil deu alguns sinais de mudanças. Frente as
forças liberais da década de 1930 algumas mudanças são incorporadas na sociedade
brasileira seguindo os moldes do estado de bem-estar social, onde o estado é o
promotor da vida social e organizador da economia, implementando a noção de
direitos e participação da população. Essas mudanças estão fortemente presentes na
constituição de 1934 e foram “incrementadas” de forma nacionalista no período
Vargas, reforçando a consolidação de um processo de industrialização de base,
possibilitando o equilíbrio social e sustentando a condução do Estado Novo (SOUZA,
2018).
Nesse contexto a escolarização ganha nova função, passa a ser suporte para
a industrialização, mas não tem olhares voltados para o processo de educação rural,
ainda está ligada ao desenvolvimento de sujeitos para o trabalho urbano (capacitação
profissional) e sujeitos que permaneçam no campo, ou seja, ainda era de caráter
ruralista pedagógica. Apesar da pouca atenção para a educação rural nesse período
existem dois momentos marcantes, foi criada em 1937 a Sociedade Brasileira de
Educação Rural que tinha como meta a preservação da cultura, da arte e do folclore
rural e em 1942 durante o VIII Congresso Brasileiro de Educação, foram reforçadas
as tendências ruralistas pedagógicas e as tendências nacionalistas-burguesas do
Estado Novo. Com o fim da II Guerra e do Estado Novo e com surgimento da
tendência de redemocratização, solidificou-se ainda mais a influência da política
externa norte americana e criou-se no Brasil a CBAR – Comissão Brasileiro-
Americana de Educação das Populações Rurais que tinha como programa a
implantação de projetos na zona rural brasileira para o desenvolvimento de
comunidades camponesas, trazendo através de centros de ensino, conhecimentos
técnicos aos camponeses, criando conselhos, clubes e representações camponesas.
Esse tipo de ação tinha por finalidade organizar o campesinato brasileiro de acordo
com os padrões norte-americanos - nesse caso o padrão Farmer - no qual os

91
camponeses passariam a produzir em grandes propriedades voltadas para a
exportação (SOUZA, 2018).
O governo brasileiro possuía fortes alianças com os Estados Unidos,
emblematicamente representadas pela Inter American Foundation Inc. que propunha
a criação de missões rurais, que segundo Ammann (1991) funcionavam como
missões que realizavam o adestramento de brasileiros naquele país e pela
Associação de Crédito e Assistência Rural (ACAR) a qual se transformou em EMATER
após alguns anos, famosa pelos programas de extensão rural. Observamos que a
criação do novo modelo econômico brasileiro ocorreu necessariamente segundo as
coordenações políticas e influencias intelectuais do modelo norte-americano, ligadas
ao ideal de bem-estar social e desenvolvimento assegurados pelo Estado, com o
propósito de ensinar a “ajudar” as famílias camponesas a “ajudarem” a si mesmas
usando tecnologia para conseguir uma maior produtividade e atingirem os padrões de
bem-estar, incorporando consequentemente o modelo liberal no Brasil (SOUZA,
2018).
A extensão rural tinha como princípio o combate à carência, às doenças, à
subnutrição e à ignorância dos classificados como desprovidos de valores, trabalho e
de integração à sociedade, assistindo e protegendo a população rural. Ampliar e
melhorar as condições de vida do campo é uma questão política e ideológica na
medida em que ela silencia as possíveis forças camponesas revolucionárias que
nesse contexto poderiam se rebelar frente ao imperialismo no Brasil. A partir dos anos
1950 crescem no Brasil as atividades educacionais voltadas para a população rural,
temos a Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) e o Serviço Social Rural
(SSR) que continuam seguindo o modelo extensionista visando construir um
desenvolvimento comunitário no campo e desconsiderando as contradições naturais
dos grupos campesinos (SOUZA, 2018).
Para Leite (1999), apesar dos esforços dessas organizações para manter o
homem no campo, intensificaram-se os fluxos migratórios para as grandes cidades
nos anos subsequentes. Com a criação das Leis de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional nos anos 1960, reforçou-se ainda mais as contradições da educação no
Brasil, para Freitag (1980) apesar da lei possuir elementos populistas ela não deixava
seu caráter elitista de lado e explicitava claramente a relação de dependência e
subordina populares que se organizavam e se solidificavam enquanto grupos que

92
lutavam por seus interesses. Em todos os momentos em que surgia na sociedade
brasileira uma nova força resistente no campo ou na cidade, em contraposição, era
criado e executado mais um programa norte americano; nesse momento criou-se a
Aliança para o Progresso que tinha como objetivo reajustar a estrutura econômica da
américa latina através de um programa assistencial que não modificava nem um
pouco a relação de dependência em relação aos Estados Unidos.
O programa servia como ferramenta de controle para que o presidente norte
americano em exercício John F. Kennedy, conseguisse manter o nível de bem-estar
social no país e diminuísse as possíveis contradições sociais que impulsionavam as
ideologias comunistas. Nesse momento criou-se as superintendências para o
desenvolvimento do Nordeste e do Sul, SUDENE, SUDESUL, INBRA, INDA e o
INCRA e outros subprogramas que estavam preocupados com o desenvolvimento
territorial das áreas agrícolas, trabalhando questões políticas (como a educação e a
organização de camponeses) e questões econômicas (como o aumento da produção)
que fundamentalmente serviam para controlar os movimentos migratórios e as
rebeliões camponesas. A partir dos anos 1960 consolida-se então no Brasil uma
agricultura capitalista moderna e um setor camponês completamente subordinado aos
interesses do capital industrial. Esse período é marcado pelo caráter monopolista ou
imperialista do capital, no qual se desenvolveu de forma abrangente a tecnologia e a
ciência, construindo novos polos de concentração de renda e conhecimento, grandes
indústrias ligadas a grandes centros de estudo e pesquisa (SOUZA, 2018).
Com a formação de grandes conglomerados financeiros e industriais,
aumentou-se ainda mais a dependência dos países pobres através da dívida externa
e o endividamento gerado pela lógica da industrialização dependente, como
mencionado acima, para Florestan Fernandes (1973), a implantação de uma política
neocolonial. Nos anos subsequentes no Brasil temos a entrada do governo militar que
solidificou ainda mais a dependência e a aproximação brasileira ao fundo monetário
internacional, temos a agravação das ondas de migração e o desenvolvimento do
milagre econômico, fatores que coordenaram as ações voltadas para a construção do
rural neste momento. A extensão rural consolidou a sua ideologia e substituiu os
professores do ensino formal no campo, pelo técnico e pelo extensionista -
subsidiados pela organização norte americana Inter-American Foundation; esse
cenário, tanto no campo quanto na cidade, demonstra a preocupação com a educação

93
de sujeitos para minimamente operarem máquinas e executarem tarefas técnicas para
se inserirem no mercado de trabalho, retirando o conteúdo de reflexão crítica e uma
pedagogia na qual poderiam se criar sujeitos para construir e modificar a sua
sociedade (SOUZA, 2018).
Podemos dizer então que a nova estruturação curricular partiu das mesmas
premissas tanto para o campo quanto para a cidade, buscando educar os sujeitos
para o trabalho capitalista. A lei 5.692 elaborada pelos governos militares, conferia
poderes municipais para cuidar das escolas rurais e acentuava a profissionalização
pelo ensino, ou seja, considerava a formação de um exército de reserva para o
processo produtivo cada vez mais sofisticado e elaborado. Os movimentos sociais
percebendo os problemas da educação no Brasil buscaram outras formas de
educação, utilizando-se da metodologia de Paulo Freire o Movimento de Educação de
Base (MEB) popularizou a alfabetização de diversos sujeitos nas comunidades rurais
utilizando seu próprio repertório cultural e simbólico. Essa metodologia possuía
também um forte caráter combatente, conscientizando os sujeitos das pressões
advindas do capitalismo exploratório. Para a manutenção de um estado de bem-estar
social o estado brasileiro continuou criando programas para vincular capital, trabalho
e educação (SOUZA, 2018).

Fonte: www.jornalistaslivres.org

O Programa nacional de Ações Socioeducativas e Culturais para o meio rural


(Pronasec) instituído pelo governo militar trabalhava com a participação da
94
comunidade, com a ampliação das oportunidades de renda, de suas manifestações
culturais e visava a inclusão dessas pessoas na previdência social e no ensino formal.
Porém, na prática, o programa não se preocupava com a formação urbana dos
professores que lecionavam no campo, não se preocupava com a inadequação do
material didático e com as precárias instalações da escola no campo. O programa
nada mais foi do que um agravante da precarização das relações entre trabalho e
educação. Nesse momento a política educacional teve seu discurso mudado,
vinculado a participação e à redistribuição de renda, elementos chaves na tentativa
de o Estado garantir a sua legitimidade, mas que foram inúteis, já que não foram
cumpridas em decorrência do quadro de crise que impulsionava cada vez mais o
governo (SOUZA, 2018).
Em 1975 o ensino sofreu uma municipalização, ou seja, os encargos
educacionais do 1º grau como previa a lei 5692/71 foram transferidos aos municípios,
com a justificativa de que somente o governo municipal tinha condições de identificar
as necessidades de sua população, e assim transpor a educação tradicional e criasse
uma que equalizasse as oportunidades, promovesse a ascensão social e
proporcionasse um planejamento participativo que permitisse o desenvolvimento de
suas ações. O governo militar para manter sua hegemonia perante a sociedade
brasileira, criou políticas de redistribuição de renda e de participação da população na
formulação de uma sociedade democrática com acesso livre a oportunidades, isso
ocorreu pela necessidade de legitimidade por parte do Estado frente às manifestações
das elites contra a ditadura (SOUZA, 2018).
A educação, neste quadro, foi colocada pelo governo como a “salvadora da
pátria” aquela que teria o poder de modificar a vida social brasileira, já que era vista
como a propulsora de ascensão social, mas que era enfatizada que dependia da força
de vontade de cada indivíduo. Sobre a educação durante o regime militar é claro,
segundo Leite (1999), que o sistema escolar controlado pela ideologia de caserna
limitou-se aos ensinamentos mínimos e necessários para a garantia do modelo
capitalista-dependente e dos elementos básicos de segurança nacional. No período
subsequente, com o término do regime militar, são importantes as mudanças trazidas
pela LDB de 1996 para a educação, que em partes, descolou o ensino rural do ensino
urbano, tornando o calendário escolar rural mais adequado às peculiaridades locais,
climáticas, econômicas, respeitando o sistema de ensino sem reduzir o número de

95
horas previsto nessa lei e favorecendo a escolaridade rural com base no tempo do
plantio/colheita com as dimensões sócio culturais do campo.
Para Leite (1999) essa nova concepção difere consubstancialmente do modelo
militar pela sua consciência ecológica, pelo seu interesse na preservação dos valores
culturais e da práxis rural juntamente à ação política dos rurícolas. Para o autor,
apesar da legitimação através da lei de novos parâmetros para a educação rural, ainda
existem diversos problemas na escola rural até os dias de hoje, problemas que
surgiram e que permanecem desde o início do modelo urbano/industrial de educação,
dentre esses fatores estão as condições estruturais da escola no campo, a formação
urbana dos professores que não estão preparados para lidar com outras práticas
culturais e temporais, as distâncias percorridas pelos alunos para se locomoverem até
as escolas, a não participação dos rurícolas na elaboração do currículo das escolas –
o que consequentemente gera um currículo inadequado e inadaptado para essas
realidades e a ausência de recursos financeiros para a escola rural (SOUZA, 2018).

96
12 REFERÊNCIAS

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

MOLINA, M.C.; FREITAS, H.C. Avanços e desafios na construção da Educação


do Campo. In: Em Aberto, Brasília. V. 24, n. 85, p. 17-31, 2011.

PIRES, Angela Monteiro. Educação do Campo como Direito Humano. São Paulo:
Cortez, 2012.

TAFAREL, C. Z., MOLINA, M. C. Política Educacional e Educação do Campo. In:


Dicionário da Educação do Campo. CALDART, R. S., PEREIRA, I. B., ALENTEJANO,
P., FRIGOTTO, G. (Orgs.). Rio de Janeiro, São Paulo: Escola Politécnica de Saúde
Joaquim Venâncio, Expressão Popular, 2012.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

BARROS. J. Educação no campo. Disponível em


https://educador.brasilescola.uol.com.br/orientacoes/educacao-no-campo.htm
Acesso em 07/05/2021

COUTINHO. A.F. Do direito à educação do campo: A luta continua! Disponível


em http://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/Aurora/COUTINHO.pdf -
Acesso em 07/05/2021.

DANTAS, J. S. Geografia Agrária. Soluções Educacionais Integradas – SAGAH,


2013.

LIMA. E.S, SILVA. M.S.P. Educação do campo e desenvolvimento sustentável.


Disponível em
http://www.educacaonosemiarido.xpg.com.br/Educa%C3%A7%C3%A3o%20do%20
campo%20e%20desenvolvimento%20sustent%C3%A1vel.pdf – Acesso em
10/05/2021.

MACHADO. C. Educação do campo. A cultura e o trabalho no contexto escolar.


Disponível em http://educere.bruc.com.br/CD2011/pdf/6456_3956.pdf - Acesso em
10/05/2021

NASCIMENTO. C.G. Políticas “Públicas” e educação do campo: Em busca da


cidadania possível? Disponível em file:///C:/Users/Colaborador/Downloads/3450-
12685-1-PB.pdf Acesso em 10/05/2021.

PINHEIRO. M.S.D. A concepção de educação do campo no cenário das políticas


públicas da sociedade brasileira. ANPAE. Disponível em
http://www.anpae.org.br/congressos_antigos/simposio2007/289.pdf - Acesso em
07/05/2021.

97
RIBAS. J. R. ANTUNES. H.S. Olhares para a educação do campo: em busca da
construção do projeto político-pedagógico. Disponível em
file:///C:/Users/Colaborador/Downloads/14603-64306-1-PB.pdf - Acesso em
10/05/2021

SOARES. E. Educação e direto: diversidade e igualdade no campo. Disponível


em
http://www.contag.org.br/imagens/f298Educacao_como_%20Direito_Edla%20Soares
.pdf - Acesso em 10/05/2021

SOUZA. B.L, SIMONETTI. M.L. A educação do campo e a questão agrária.


Disponível em
http://www.marilia.unesp.br/Home/Eventos/2014/jornadadeestudosagrarios/lacerra_b
runo_simonetti_mirian.pdf - Acesso em 10/05/2021.

98

Você também pode gostar