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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA
REITORA
MARGARETH DE FÁTIMA FORMIGA DINIZ
VICE-REITOR
EDUARDO RABENHORST
Diretor do CCTA
JOSÉ DAVID CAMPOS FERNANDES
Vice-Diretor
ELI-ERI LUIZ DE MOURA
Editora do
CCTA
Conselho Editorial
CARLOS JOSÉ CARTAXO
GABRIEL BECHARA FILHO
HILDEBERTO BARBOSA DE ARAÚJO
JOSÉ DAVID CAMPOS FERNANDES
MARCÍLIO FAGNER ONOFRE
Editor
JOSÉ DAVID CAMPOS FERNANDES
Secretário do Conselho Editorial
PAULO VIEIRA
2
LINGUAGEM,
INTERAÇÃO E
SOCIEDADE
DIÁLOGOS SOBRE O ENEM
Coleção Gelins
Volume II
Editora do CCTA
João Pessoa
2015
3
© Copyright by Gelins, 2015
Revisão
DÉBORA REIS AGUIAR
Ficha catalográfica
4
Sumário
Apresentação ................................................................................................. 9
Introdução ............................................................................................... 15
Seção I
As Competências da Prova de Redação
5
A produção escrita em processos seletivos e o desenvolvimento de
competências e capacidades
Aline Malaquias da Silva & Regina Celi Mendes Pereira ................................................................. 79
Seção II
A prova de Linguagens, códigos e suas tecnologias
Seção III
Impactos e percepções do Enem
6
O desempenho na prova de redação do Enem da rede estadual de
Sergipe
Raquel Meister Ko. Freitag, Fernando da Cunha Mendonça & José Júnior de Santana Sá ............ 163
7
8
Apresentação
13
14
Introdução
LINGUAGEM, INTERAÇÃO E SOCIEDADE:
O ENEM COMO FOCO DE PESQUISAS GELINS
Raquel Meister Ko. Freitag
Leilane Ramos da Silva
Denise Porto Cardoso
Isabel Cristina Michelan de Azevedo
Taysa Mércia dos Santos Souza Damaceno
18
dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo (0 a
200 pontos)
III - Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações,
fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista (0 a
200 pontos)
IV - Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos
necessários para a construção da argumentação (0 a 200 pontos)
V - Elaborar proposta de solução para o problema abordado,
respeitando os valores humanos e considerando a diversidade
sociocultural (0 a 200 pontos) (BRASIL, 2009, p. 63)
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira. Exame Nacional do Ensino Médio: fundamentação teórico-metodológica. Brasília, 2000.
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira. Matriz de Referência do Enem 2009. Brasília, 2009.
20
Seção I
AS COMPETÊNCIAS DA PROVA
DE REDAÇÃO
21
22
A competência I na prova de
redação do Enem
Raquel Meister Ko. Freitag
Introdução1
1
Este texto é uma versão do que se encontra publicado na Interdisciplinar: Revista de Estudos de Língua e Literatura, v. 20, n. 20
(FREITAG, 2014).
2
Por exemplo, como resultado do projeto “Ler+Sergipe: Leitura para o letramento e cidadania” (Observatório da Educação –
CAPES/INEP/2012), constatamos que, nas diretrizes de exame de avaliação diagnóstica de leitura, especificamente na Provinha Brasil,
o conteúdo da matriz de competências está alinhado com os resultados de pesquisas internacionais, que preconizam o trabalho com a
consciência fonológica para o aprendizado inicial da leitura, o que, no entanto, não é componente curricular dos cursos de formação
docente, nas licenciaturas em Pedagogia (FREITAG, 2013; 2010; FREITAG; ALMEIDA; ROSÁRIO, 2013).
23
1 O tratamento da diversidade linguística nos documentos oficiais
3
Especificamente sobre “e”, “aí”, “daí”, “então”, itens linguísticos que atuam na função de sequenciação discursiva, é interessante
observar os resultados de estudos descritivos (TAVARES, 2008; 2010; BARRETO; FREITAG, 2009) que apontam tendências de uso de
cada uma das formas associadas a um contínuo de formalidade e informalidade, na fala e na escrita.
26
se aos usos linguísticos socialmente prestigiados, vistos pelos falantes como
pertencentes a uma variedade superior em relação às chamadas variedades não-
padrão ou populares. O prestígio não decorre de propriedades gramaticais, ou
linguísticas, mas de características extralinguísticas relacionadas a processos
sócio-históricos: enquanto algumas variedades são socialmente avaliadas
positivamente, outras recebem valoração negativa, podendo até ser estigmatizadas.
Essa noção de norma culta se aproxima à noção de normas urbanas de prestígio,
do Programa Nacional do Livro Didático (BRASIL, 2011). Já a norma-padrão não é
uma variedade da língua (como é a norma culta), mas “uma codificação
relativamente abstrata, uma baliza extraída do uso real para servir de referência,
em sociedades marcadas por acentuada dialetação, a projetos políticos de
uniformização linguística” (FARACO, 2008, p. 75). Regulando explicitamente os
comportamentos dos falantes, a norma-padrão funciona como coerção social em
busca de um efeito unificador e como uma referência suprarregional e
transtemporal. Norma culta e norma padrão são conceitos distintos; não há quem
escreva na norma padrão, pois esta não é uma variedade da língua,
diferentemente do que é previsto na Habilidade 27 da Competência 8 da matriz do
Enem, como vimos anteriormente. Tal confusão conceitual tem implicações na
abordagem do estudante no que tange às escolhas a serem feitas no decorrer do
exame.
O guia do participante do Enem 2012 (BRASIL, 2012, p. 12-13) tipifica o
que considera como prescrição de norma padrão – tais como concordância
nominal e verbal, regência nominal e verbal, pontuação, flexão de nomes e verbos,
colocação de pronomes átonos, grafia das palavras, acentuação gráfica, emprego
de letras maiúsculas e minúsculas; e divisão silábica na mudança de linha – e
ainda estabelece uma gradação de penalidades (desvios mais graves, graves e
leves) que não apresenta respaldo na literatura:
ATENÇÃO!
27
- desvios graves de grafia e de acentuação (letra minúscula
iniciando frases e nomes de pessoas e lugares); e
- presença de gíria
Desvios graves:
- falta de concordância do verbo com o sujeito (com sujeito
depois do verbo ou muito distante dele);
- falta de concordância do adjetivo com o substantivo;
- regência nominal e verbal inadequada (ausência ou emprego
indevido de preposição);
- ausência do acento indicativo da crase ou seu uso inadequado;
- problemas na estrutura sintática (frases justapostas sem
conectivos ou orações - subordinadas sem oração principal);
- desvios em palavras de grafia complexa;
- separação de sujeito, verbo, objeto direto e indireto por vírgula;
e
- marcas da oralidade.
Desvios leves
- ausência de concordância em passiva sintética (exemplo: uso de
“vende-se casas” em vez de “vendem-se casas”); e
- desvios de pontuação que não comprometem o sentido do texto.
29
Considerações finais
Referências
BARRETO, E. A.; FREITAG, R. M. K. Procedimentos discursivos na escrita de Itabaiana/SE:
estratégias de sequenciação de informação. Scientia Plena, v. 5, p. 115801-1, 2009.
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Enem 2012: Guia do participante. Brasília: Ministério da Educação, 2012.
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Enem 2013: Guia do participante. Brasília: Ministério da Educação, 2013.
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2011.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e
quarto ciclos do ensino fundamental. Brasília: Ministério da Educação, 1998.
30
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FREITAG, R. M. K. Entre norma e uso, fala e escrita: contribuições da Sociolinguística à
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FREITAG, R. M. K. Leitura, Letramento e Cidadania: explorando a Provinha Brasil. Curitiba:
Appris, 2013.
FREITAG, R. M. K. Prova de redação do Enem: divergências entre as orientações para a prática e as
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FREITAG, R. M. K.; ALMEIDA, A. N. S.; ROSARIO, M. M. S. Contribuições para o aprimoramento da
Provinha Brasil enquanto instrumento diagnóstico do nível de alfabetização e letramento nas séries
iniciais. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 94, n. 237, p. 390-416, 2013.
TAVARES, M. A. Aí especificador na fala, na escrita e na escola. Odisseia, v. 1, p. 45-58, 2008.
TAVARES, M. A. Conectores sequenciadores E, AÍ e ENTÃO na fala de Natal (RN): indícios de
especialização funcional. Interdisciplinar: Revista de Estudos em Língua e Literatura, v. 12, p.
195-213, 2010.
31
32
Organização de textos
dissertativo-argumentativos em
prosa: o que se percebe em dez
anos de realização do Enem?
Isabel Cristina Michelan de Azevedo
Introdução
1
A primeira matriz do Enem (de 1998 a 2008) era composta por cinco competências, que correspondiam a domínios específicos
expressos em vinte e uma habilidades; a segunda Matriz (a partir de 2009) passou a ter cinco eixos cognitivos, entre sete a nove
competências e trinta habilidades para cada uma das áreas, totalizando 120 distribuídas igualmente nas quatro áreas de
conhecimento: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias e
Ciências Humanas e suas Tecnologias.
2
Os textos motivadores são pequenos textos verbais e não-verbais que constituem um acervo mínimo que contextualiza o tema
proposto para discussão na prova de redação do Enem.
34
Também foi mantida a exigência da competência 53, ou seja, ao organizar
a conclusão do texto, o autor tem que necessariamente apontar soluções para a
situação-problema, que respeitem os direitos humanos.
As competências gerais foram adequadas à análise das redações, por isso,
desde 1998, temos as seguintes competências na avaliação dos textos produzidos
em prosa:
3
As cinco competências avaliadas até 2008 são: I. dominar a norma culta da Língua Portuguesa e fazer uso das linguagens
matemática, artística e científica; II. construir e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para a compreensão de fenômenos
naturais, de processos histórico-geográficos, da produção tecnológica e das manifestações artísticas; III. selecionar, organizar,
relacionar, interpretar dados e informações representados de diferentes formas, para tomar decisões e enfrentar situações-problema;
IV. relacionar informações, representadas em diferentes formas, e conhecimentos disponíveis em situações concretas, para construir
argumentação consistente; V. recorrer aos conhecimentos desenvolvidos na escola para elaboração de propostas de intervenção
solidária na realidade, respeitando os valores humanos e considerando a diversidade sociocultural. Essas competências passaram a ser
tratadas como eixos cognitivos na nova Matriz em vigor desde 2009.
35
Quadro 1: Competências e critérios para análise da Redação do Enem.
(BRASIL,2001, p. 53-54)
4
Optamos por analisar o ano de 2004 para que pudéssemos comparar com as redações produzidas dez anos depois, em 2014.
37
pelo texto; como o encadeamento das partes do texto promove a progressão
temática; bem como as marcas pessoais manifestadas na organização textual.
Em função dessas exigências, essa competência permite a análise e a
interpretação dos dados reunidos, a observação das informações e dos conceitos
selecionados, tendo em vista a construção de uma argumentação consistente.
Como o participante deve ler uma coletânea de textos e considerar o repertório de
informações oferecido, além de outras informações obtidas na escola e fora dela, a
construção de argumentos revela também as estratégias persuasivas acionadas
pelo autor.
O aprimoramento dos critérios relativos à competência 2 é bastante
evidente no quadro 3, pois, além de apresentar descrição específica para seus
cinco níveis de análise, há uma pontuação única para cada um deles.
CRI T ÉRI O S D E AV A LI AÇ Ã O D A R E D AÇ Ã O
NÍVEL Pont. DESCRIÇÃO
Desenvolve texto que não contempla a proposta de redação, desenvolve
Nível 0 0 outro tema e/ou elabora outra estrutura textual que não a dissertativo-
argumentativo.
Desenvolve de maneira tangencial o tema ou apresenta inadequação ao tipo
Nível I 200
texto textual dissertativo-argumentativo.
Desenvolve de forma mediana o tema a partir de argumentos do senso
Nível II 400 comum, paráfrases dos textos motivadores ou apresenta domínio precário
do tipo textual dissertativo-argumentativo.
Desenvolve de forma adequada o tema, a partir de argumentação previsível e
Nível III 600
apresenta domínio adequado do tipo textual dissertativo-argumentativo.
Desenvolve bem o tema a partir de argumentação consistente e apresenta
Nível IV 800
bom domínio do tipo textual dissertativo-argumentativo.
Desenvolve muito bem o tema a partir de um repertório sociocultural
Nível V 1000 produtivo e de argumentação consistente e apresenta excelente domínio do
tipo textual dissertativo-argumentativo.
Quadro 3: Critérios de avaliação da redação – Competência 2 (BRASIL, 2011, p. 5)
adaptado.
38
previsível e consistente, mas não se explica exatamente como isso pode ser
identificado.
39
ser composto. Por fim, há um esquema montado para esclarecer os dois
princípios de estruturação desse tipo de texto, como se vê no quadro 4.
Nota-se que o documento relaciona a tese aos argumentos na composição
de justificativas para compor um ponto de vista, ou seja, ressalta-se que a
elaboração de argumentos em função da tese apresentada tem a função de
colaborar para a constituição do processo argumentativo da justificação (LEITÃO,
2007).
A especificação das estratégias argumentativas é apresentada como um
recurso importante para a discussão do problema proposto. Por meio do
acionamento de exemplos, dados estatísticos, pesquisas, fatos comprováveis,
citações ou depoimentos, alusões, comparações são constituídas não apenas como
formas de sustentação, mas também como de negociação de ideias e sentidos, o
que promove a possibilidade de revisão das próprias concepções acerca de objetos,
fenômenos, ideias ou pessoas, articulada a um processo de autorregulação do
pensamento pelo autor do texto (LEITÃO, 2007, 2011).
Essa evolução no processo de avaliação da competência 2 parece estar
alinhada ao reconhecimento do crescente valor que a argumentação passou a ter
na sociedade atual. Em nossos tempos, basta ser estabelecida alguma conexão na
internet, ser ligada a televisão, ocorrer a leitura de um jornal, a audição de um
político ou de alguma mensagem publicitária para se constatar que a todo instante
os discursos estão tentando apresentar uma imagem ou um ponto de vista que
visa agradar, seduzir, provocar ou persuadir o outro, a partir de um conjunto de
recursos que há muito tempo foi estudado pela retórica, mas ultimamente vem
sendo atualizado devido às inúmeras demandas sociais contemporâneas. Segundo
Meyer (1998), tudo se tornou comunicação persuasiva.
40
Diante desse cenário, os organizadores do Enem propõem ao autor que
ao apresentar uma opinião ou um ponto de vista suponha outros que se
encontram em circulação na sociedade, por isso deve acionar ao mesmo tempo o
conjunto de crenças ao qual está ligado, os valores que possui e as representações
de mundo, construídos sócio-historicamente, colocando-os em prol dos
posicionamentos assumidos no texto. Assim, a escrita é argumentativa porque
defende uma tese ou opinião e dissertativa porque apresenta explicações para
justificá-la (BRASIL, 2013, p. 15-16).
42
Dessa forma, ao tomar a perspectiva do texto dissertativo-argumentativo
como um gênero escolar, a interação entre diferentes sujeitos, ideias e recursos
torna-se uma característica fundamental, pois permite estabelecer relações
diversas entre o sujeito-escritor e leitor de seu texto, entre enunciação e discurso e
entre os elementos constitutivos do contrato estabelecido entre eles. Assim,
espera-se que o participante seja capaz de:
43
exame nas práticas escolares, a cada dia o efeito retroativo5 do Enem torna-se
mais evidente (VICENTINI, 2014; AZEVEDO, 2015), por isso, se busca observar se
houve mudanças significativas nas produções dos participantes. Contudo, é
importante sublinhar que esta análise é sugestiva, pode e deve ser confrontada
com outros textos produzidos nos exames.6
2 Análise de textos
5
Conceito proposto por Alderson e Wall, em 1992, para explicar o efeito (positivo ou negativo) que os exames institucionais têm sobre
as ações dos professores.
6
Na amostra fornecida pelo INEP, em 2004, não haver nenhuma com nota 1000, e as que obtiveram 800-900 constituírem um grupo
com apenas 6,4% das redações recebidas (AZEVEDO, 2009). Também inquieta verificar que, em 2014, após a publicação de vários
documentos orientadores ao longo de dez anos e do aumento do efeito retroativo do Enem nas escolas, há apenas um conjunto com 250
redações com nota 1000, em 5,9 milhões dos textos corrigidos (0,004%), e do total 4.444 não atendem ao tipo textual.
7
Os textos reunidos neste trabalho são provenientes do (composto por textos representativos de produções oriundas de diversos
estados brasileiros), organizado por Azevedo (2009) para a pesquisa que investigou as capacidades linguístico-discursivas observadas
em textos produzidos para o Enem, em 2004.
8
Devido à dificuldade em ter acesso aos textos produzidos em 2014, foram aproveitados apenas os que foram divulgados pelo meio
jornalístico.
44
elementos não verbais presentes na situação discursiva. O tema da enunciação,
então, é concreto, tão concreto como o instante histórico ao qual ela pertence.
Apesar disso, o recorte temático produzido pelo sujeito-escritor faz uso de
formas e lugares conhecidos, reiteráveis, por vezes fundados sobre convenções,
que permitem a retomada de variadas práticas de linguagem pelos sujeitos.
Quando se observa a abertura dos textos selecionados para a análise, é
evidente que os autores partem de situações bastante divulgadas na sociedade
brasileira para apresentar o ponto de vista que serve de base para a argumentação
que em andamento.
Texto 1, Texto 2,
produzido em 20049 produzido em 201410
Um canal mostra um assalto, o outro É comum vermos comerciais direcionados ao
mostra um assassinato, enquanto um público infantil. Com a existência de
último faz uma visita para um presídio de personagens famosos, músicas para crianças e
segurança máxima para entrevistar um parques temáticos, a indústria de produtos
traficante. É isto que se vê na televisão destinados a essa faixa etária cresce de forma
brasileira, com o intuito de mostrar e não nunca vista antes. No entanto, tendo em vista a
informar, vender e não educar. Mas como idade desse público, surge a pergunta: as
associar liberdade de expressão com direitos crianças estariam preparadas para o
humanos? bombardeio de consumo que as propagandas
veiculam?
9
A redação n. 0130000-8, produzida em Campo Grande/MS, com nota 925, constitui o organizado com 249 textos.
10
Texto recolhido e divulgado pelo jornal O Globo, em 21 de janeiro de 2015, produzido por um participante do Rio de Janeiro/RJ,
que recebeu nota 1000.
45
proposta pelo exame, com ênfase para o desafio de os meios de comunicação
respeitarem os direitos humanos; o texto 2 revela a reação do sujeito frente as
circunstâncias sociais e a preocupação que quer dar destaque. São formas
parecidas de organização discursiva, distinguindo-se apenas pelo conteúdo
temático mobilizado.
47
Essas estratégias argumentativas colaboram para o processo de
negociação, pois são realizadas revisões das próprias posições, dos fatos
selecionados, das ideias em circulação, articulando, assim, um processo de
análise que promove o desenvolvimento do pensamento reflexivo (LEITÃO, 2011).
Referências
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Médio/2004: os múltiplos percursos discursivos seguidos por jovens em processo de formação.
Tese (Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas) – Universidade de São Paulo, São Paulo,
2009.
AZEVEDO, Isabel Cristina Michelan. Efeito retroativo da proposta de redação do Enem nas
atividades de produção textual realizadas na educação básica de Sergipe. In: SILVA, Leilane R.;
49
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em construção. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011.
MEYER, Michael. Questões de retórica: linguagem, razão e sedução. Lisboa: Edições 70, 1998.
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professoras do terceiro ano do Ensino Médio. Anais do SIELP, v. 1, n. 3, p. 1-9, 2014.
50
O estatuto da leitura na
redação do Enem 2014:
o caso da fuga ao tema
Solange dos Santos
Débora Reis Aguiar
Introdução
Figura 1: Balanço das redações dos participantes (Fonte: Coletiva do Enem 2014)
Figura 2: Desempenho dos concluintes em 2013 e 2014 (Fonte: Coletiva do Enem 2014).
58
O tema proposto foi “Publicidade Infantil em questão no Brasil”. Logo, a
argumentação deveria girar em torno dos aspectos da publicidade infantil dentro
do contexto brasileiro e da perspectiva apresentada nos textos motivadores.
A proposta é composta por três textos motivadores. O primeiro indica em
que contexto se deve desenvolver a argumentação, ao abordar sobre a resolução,
emitida pelo Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente
(Conanda), que determina como abusiva toda propaganda que, com o propósito
de levar crianças ao consumismo, recorre a aspectos apelativos. O texto também
toca nas controvérsias relacionadas à implementação da resolução, expondo as
opiniões das ONGs de defesa dos direitos das crianças e os setores contrários,
como as empresas e os profissionais do mercado publicitário.
O segundo texto consiste em um infográfico com informações referentes
à publicidade infantil em alguns países do mundo, mostrando as diferentes
maneiras de controlar a publicidade voltada às crianças, indo da
autorregulamentação à proibição. Esse texto acrescenta informações relevantes
para a construção da argumentação, e até mesmo para a elaboração de uma
proposta de intervenção.
O terceiro texto, fragmento do livro intitulado A Criança e o marketing,
também traz subsídios para a elaboração de um ponto de vista e de uma proposta
de intervenção pautada na necessidade de formar consumidores conscientes.
Nesse âmbito, a partir da leitura dos textos motivadores, é possível
depreender que o assunto mais amplo da proposta de redação da edição 2014 é a
publicidade infantil. Por conseguinte, de acordo com o exposto pelos textos
motivadores, o eixo temático se direciona para as propagandas destinadas ao
público infantil, ou seja, para a publicidade que, com o intuito de persuadir as
crianças, apela com a utilização de desenhos animados, bonecos, linguagem e
trilhas sonoras infantis, oferta de prêmios, brindes ou artigos colecionáveis.
Desse modo, fazendo uma analogia com o que foi considerado no
exemplo da edição 2012, citado anteriormente, podemos inferir que se caracteriza
como fuga ao tema: i) o direcionamento temático limitado à publicidade em
geral, sem ligação com o mundo infantil; ii) tratar somente da infância sem
estabelecer uma relação com a publicidade; iii) discutir somente a respeito de
problemas ligados à infância, entre outros enfoques que não relacionem
publicidade e infância.
Diante dessa perspectiva, é aceitável que se encaixem no grupo de
tangenciamento ao tema o direcionamento temático voltado para participação de
crianças no ramo da publicidade, como a exposição de crianças em propagandas,
ou até mesmo a conscientização de crianças com relação ao consumismo.
59
A par do entendimento de que o Enem exige do participante, na
competência 2, a compreensão da proposta temática e a aplicação de um
repertório sociocultural produtivo, isto é, uma argumentação fundamentada em
várias áreas do conhecimento, torna-se imprescindível que, na leitura da proposta,
sejam acionados conhecimentos linguísticos e conhecimentos denominados de
mundo, aqueles interligados com a experiência, adquiridos a partir de interações
sociais, o que demonstra aptidão em adequar o contexto à produção textual
requerida, construindo sentidos.
Todavia, o que ainda se observa é uma grande falha nesse processo de
ensino de leitura e produção textual nas escolas, muitas vezes, enraizado num
ensino descontextualizado, o que pode estar gerando a falta compreensão dos
textos motivadores por parte dos participantes do Enem. Dessa maneira, os
fracassos podem estar relacionados a diversos fatores, desde o processo de ensino-
aprendizagem, especificamente a metodologia adotada na escola, até a própria
falta de interesse dos alunos.
Neste âmbito, é possível citar algumas hipóteses para o alto índice de
redações zeradas por fuga ao tema. Uma delas diz respeito aos problemas no
ensino de leitura, que está intrinsecamente atrelado à escrita. Muitas vezes, a
escola forma o cidadão como um leitor mecânico, não abre o leque de
possibilidades interpretativas, não apresenta estratégias e/ou adota materiais
didáticos que não favorecem a prática de leitura.
Nas séries iniciais, a leitura é colocada como critério de avaliação,
contudo, só costuma levar em consideração o processo de decodificação. Nas
séries posteriores, quando o aluno já domina o código escrito, a leitura é
trabalhada com atividades de compreensão/interpretação textual, no entanto, o
esquema seguido por tais atividades é crítico, destacando-se o uso constante de
perguntas e respostas vazias, seguindo uma literalidade e, igualmente, uma
temporalidade condicionada, mantendo uma regularidade discursiva, afetando no
desenvolvimento da criticidade do aluno que, por vezes, fica preso à prática da
cópia de informações explícitas do texto.
Assim, comumente, desde os primeiros anos de alfabetização, o aluno é
“ensinado” a decodificar, ao invés de ser orientado a interpretar e a fazer conexões
com seus conhecimentos de mundo. Deste modo, fica um estudo restrito à
superficialidade do texto, gerando falhas no processo de ensino-aprendizagem e
ocasionando o não desenvolvimento das habilidades leitoras. Em decorrência
disso, surgem problemas de leitura, como a má interpretação/compreensão da
proposta de redação e de seus respectivos textos motivadores. Sem falar que o
60
candidato acaba se colocando como leitor passivo, ao invés de se posicionar na
construção dos sentidos do texto.
A partir do momento que um participante não tem em sua bagagem
conhecimento sobre o assunto, não consegue interpretar a proposta e não traça
uma linha de conhecimento com os textos motivadores, a probabilidade de fugir
ao tema aumenta. Por esse viés, o participante deve fazer pontes com outras
construções de sentidos e sua bagagem sociocultural deve se fazer presente.
Portanto, como a leitura encabeça a escrita, precisa-se de um participante leitor
para que se tenha uma boa produção textual.
Considerações finais
61
A leitura adequada da proposta de redação e a interpretação dos textos
motivadores são essenciais para a subsequente escrita. Por isso, se há uma falha
no processo de leitura, a sua escrita estará, evidentemente, comprometida. E para
que isso não ocorra, é necessário que a escola insira o aluno no mundo dos textos
de maneira real e significativa.
Em vista disso, a escola, o professor e o livro didático devem estar
intrinsecamente aplicados num projeto que trabalhe na perspectiva interacional:
vise o aluno como leitor-interacional, ensine ou proporcione ao aluno o
conhecimento das diversas estratégias de leitura para que se possa fazer uso delas
e tornar-se um leitor eficiente e autônomo. Dentro desta perspectiva de ensino-
aprendizagem, a leitura trabalhada de forma real e significativa, o aluno perceberá
desde a sala de aula, a ampliação de suas visões, o aprofundamento dos saberes,
verá o texto como um campo o qual o leitor atribui sentidos.
Referências
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ensino Médio. Brasília: MEC/SEMTEC, 2000.
BRASIL. PCN+ Ensino Médio: Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros
Curriculares Nacionais: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEMTEC, 2002.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: primeiro e
segundo ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental.
Brasília: MEC, 1997.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e
quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Secretaria de Educação Fundamental.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
KOCH, Ingedore Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e compreender os sentidos do texto. São
Paulo: Contexto, 2006.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:
Parábola Editorial, 2008.
SANTOS, Solange dos; SILVA, Leilane Ramos da. Tipologia de perguntas nas atividades de mediação
para leitura em livros didáticos. In: FREITAG, Raquel Meister Ko.; DAMACENO, Taysa Mércia Souza
Santos. Livro didático – gramática, leitura e ensino de língua portuguesa contribuições para a
prática docente. São Cristóvão: Editora UFS, 2015.
SOLÉ, Isabel. Estratégias de Leitura. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
62
Argumentação e matriz de
referência do Enem: o espaço da
competência III no livro
didático em Sergipe
Leilane Ramos da Silva
Danillo da Conceição Pereira Silva
Layane Mayara Dantas da Cruz
Nathalia da Silva Paixão
Introdução
66
V. Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado,
respeitando os direitos humanos. (BRASIL, 2014, p.77).
68
Tendo em vista que o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) –
instituído pelo Decreto nº 91.542, de 19 de agosto de 1985 – tem como função
avaliar, indicar, comprar e distribuir livros didáticos para as escolas públicas,
partimos da premissa de que os livros didáticos de Língua Portuguesa que chegam
às escolas e que, na maioria dos contextos de ensino, funcionam como principal
elemento norteador das práticas docentes, devem estar alinhados com o que
preconizam as orientações governamentais para a área.
Destarte, um dos objetivos específicos foi analisar a adequação das
diretrizes adotadas pelos livros didáticos ao conjunto de exigências previstas na
competência III. Para tanto, a primeira atividade desenvolvida foi escolher uma
coleção que contemplasse o plano de trabalho desenvolvido.
A coleção escolhida é “Novas Palavras (Manual do Professor)”, volumes 1,
2 e 3 do Ensino Médio, escrito pelos autores Emília Amaral, Mauro Ferreira,
Ricardo Leite e Severino Antônio. Sendo a segunda edição da FTD Editora, é um
material de divulgação para os professores de língua portuguesa, apresentando
PNLD 2015. Tal livro é, atualmente, o mais adotado pelas escolas da rede pública
de ensino em Sergipe, mediante o constatado em levantamento realizado junto à
seção de distribuição de livros didáticos no sítio do Fundo Nacional de
Desenvolvimento Educacional na internet.
Os volumes possuem uma estrutura tripartida, ou seja, são divididos
em: Literatura, Gramática e Redação e leitura, ocupando espaços separados;
essa divisão é tão marcada que cada disciplina possui uma cor distinta.
69
Já no capítulo 4 do mesmo exemplar, intitulado “As modalidades
clássicas: descrever, narrar, dissertar”, encontram-se os conceitos básicos da
categoria de produção textual, exemplos através de textos contemporâneos,
literários, e até um trecho de depoimento jornalístico, sem falar nas atividades e
propostas de produção. A abordagem de algumas atividades visa o ponto de vista
do aluno, como no excerto (1):
(1) Qual é a sua opinião sobre o texto lido? Você concorda com
a tese nele defendida? Por quais razões? Dê o seu ponto de
vista sobre o tema, por meio de um texto argumentativo de 15
linhas. Em seguida, leia-o para os colegas e ouça aqueles
produzidos por eles, de modo a:
Expor e defender seu ponto de vista;
Conhecer as posições alheias, a fim de reafirmar
e/ou rever suas opiniões, enriquecendo-as o
máximo possível;
E quanto a este texto? Qual a sua estrutura, o seu
tema e o ponto de vista que defende? (AMARAL et
al., 2013, p. 343).
70
e, através deste, convencer os demais colegas de que o filme apresentado na
atividade está de acordo com o tema exposto, “a ideia de ética”.
Encontra-se no volume 1 uma gradação de conteúdo voltado ao primeiro
ano do ensino médio; exemplo disso está no capítulo 7. Sendo uma continuação
do capítulo anterior, o capítulo 7, “Descrição: subjetiva e objetiva/estática e
dinâmica”, traz os elementos textuais e seus conceitos; apresenta textos literários
e uma reportagem para explicar os tipos de texto descritivo.
As atividades foram elaboradas conforme as competências II e III da
matriz de avaliação do Enem, pois exigem do estudante a aplicação de conceitos
das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites
estruturais do texto dissertativo-argumentativo (competência II), ao passo que
também pede a seleção, interpretação de fatos, opiniões e argumentos em defesa
de um ponto de vista (competência III). Exemplo disso ocorre em (2):
(4)
2. Leia atentamente o texto e, em seguida, faça o que se pede.
Pensar já é sustentar-se no vazio. É como nadar ou equilibrar-
se. É um exercício que deve ser aprendido. Uma prática a qual
é necessário iniciar-se por certo, mas sobretudo ser iniciado.
Para pensar é preciso ter aprendido a se sustentar no vazio.
Em outras palavras, é preciso ter podido tomar apoio, pelo
menos uma vez, num outro que já se sustentava no vazio, um
outro que tinha aprendido isso de um outro ainda. É para isso
que serve – vamos ter que dizer no imperfeito? – os mestres.
Fazer o aprendizado de pensar não é, portanto, muito simples.
Trata-se não só de aprender, mas também e sobretudo de
aprender a aprender. Não só de conhecer o que foi aprendido,
mas de deixar o apoio no que foi aprendido do outro. Pois
continuar a se apoiar não seria realmente pensar, já que
pensar é manter-se sem apoio. Ou, em todo caso, unicamente
com a memória do apoio. Logo, é preciso largar esse apoio e, a
partir dali, manter-se. É isso pensar: sustentar-se no vazio,
enquanto a vida durar.
LEBRUN, Jen-Pierre. A perversão comum: viver junto sem o
outro.Rio de Janeiro: Cia de Freud, 2008.
a) Identifique os trechos que correspondem ao
desenvolvimento e à conclusão, justificando sua resposta.
Escreva uma introdução para esse texto (AMARAL et al., 2013,
p. 312).
(5)
2. Observe que, no terceiro parágrafo, a autora mantém as
estratégias argumentativas presentes no primeiro: o tom
interrogativo e o uso de elementos descritivos.
a) Selecione dois trechos desse parágrafo que retomam o
sentido da expressão “circo midiático”, utilizada no
primeiro parágrafo para caracterizar o ambiente em que
ocorrem os desfiles de moda.
b) Que palavras são utilizadas para contrapor os “perfis
esguios, de longas pernas e ventres torneados” dos
modelos ao mundo das pessoas comuns? (AMARAL et al.,
2013, p. 320).
Considerações finais
Referências
AMARAL, Emília [et al.]. Novas Palavras: 1º ano. 2. Ed. São Paulo: FTD, 2013a.
AMARAL, Emília [et al.]. Novas Palavras: 2º ano. 2. Ed. São Paulo: FTD, 2013b.
AMARAL, Emília [et al.]. Novas Palavras: 3º ano. 2. Ed. São Paulo: FTD, 2013c.
AUSTIN, J. L. Howto do thingswithwords. Oxford: Clarendon Press, 1962.
77
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais do Ensino Médio: Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília:
MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto.PCN+ Ensino Médio: Orientações
Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais: Linguagens,
códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEMTEC, 2002.
BRASIL, Ministério da Educação. Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.Exame
Nacional do Ensino Médio 2014 – manual do candidato. Brasília: MEC/Inep, 2014.
BRASIL, Ministério da Educação. Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.Guia do
Participante: A redação no Enem 2014. Brasília: MEC, 2014.
KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e linguagem. 4 ed. São Paulo: Cortez Editora, 2011.
LEITÃO, Selma. O lugar da argumentação na construção do conhecimento em sala de aula. In:
LEITÃO, Selma; DAMIANOVIC, Maria Cristina (orgs.). Argumentação na escola: o conhecimento
em construção. Campinas, SP: Pontes Editores, 2011. pp. 13 – 46.
SEARLE, John. Expressão e significado: estudos da teoria dos atos de fala. (Tradução de Ana
Cecília G. A. de Camargo e Ana Luiza Marcondes Garcia). 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da argumentação: a nova retórica.
(Tradução Maria Ermantina de Almeida Prado Galvão). 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
78
A produção escrita em processos
seletivos e o desenvolvimento de
competências e capacidades
Aline Malaquias da Silva
Regina Celi Mendes Pereira
Introdução
1
Nos limites desse capítulo, selecionamos apenas as ocorrências que focalizam estratégias argumentativas acionadas pelos candidatos
no momento da elaboração.
79
língua(gem) e, particularmente, as noções de folhado textual e das capacidades de
linguagem como eixos estruturantes da análise.
O capítulo encontra-se organizado em duas seções. Na primeira,
discorreremos sobre o conhecimento e ensino de língua(gem) e a sua estreita
relação com o processo de textualização. Sobre esse aspecto, fazemos um paralelo
entre o conhecimento do funcionamento linguístico e o desenvolvimento de
capacidades discursivas e linguístico-discursivas, por estarem mais relacionadas às
estratégias argumentativas postas em funcionamento nas redações dos candidatos.
Nessa perspectiva, o trabalho com o texto em sala de aula implica, entre outras
coisas, o conhecimento e o uso dos elementos gramaticais responsáveis pela
estruturação do texto e seus efeitos de sentido. Na segunda seção, analisamos, à
luz desses pressupostos, as ocorrências localizadas nas redações dos candidatos
evidenciando que o uso eficaz de recursos argumentativos no texto está vinculado
ao desenvolvimento das capacidades linguístico-discursivas, viabilizadas por meio
de um ensino de língua contextualizado. Como conclusão, apontamos algumas
possibilidades de abordagens que podem ser implementadas em sala de aula.
82
procurando mobilizar as capacidades envolvidas na produção textual, ao mesmo
tempo em que procura avaliar aquelas que precisam ser aperfeiçoadas.
Cristovão (2007) enfatiza a importância da noção de capacidades de
linguagem na teoria sociointeracionista, mais precisamente quanto a contextos de
ensino de língua: “No quadro do ISD, considera-se que, em relação à linguagem,
aprender a ler e a produzir textos demanda a aprendizagem de capacidades de
linguagem” (CRISTOVÃO, 2007, p. 262). Estas seriam, basicamente, de três
espécies: as capacidades de ação, as capacidades discursivas e as capacidades
linguístico-discursivas. Vejamos a explicação detalhada da autora sobre essas
noções.
As capacidades de ação possibilitam ao sujeito adaptar sua
produção de linguagem ao contexto de produção, ou melhor, às
representações do ambiente físico, do estatuto social dos
participantes e do lugar social onde se passa a interação.
As capacidades discursivas possibilitam ao sujeito escolher a
infra-estrutura geral de um texto, ou seja, a escolha dos tipos de
discurso e de seqüências textuais, bem como a escolha e
elaboração de conteúdos, que surgem como efeito de um texto já
existente e estímulo para outro que será produzido.
As capacidades lingüístico-discursivas possibilitam ao sujeito
realizar as operações implicadas na produção textual, sendo elas
de quatro tipos: (i) as operações de textualização, que incluem a
conexão, a coesão nominal e a verbal; (ii) os mecanismos
enunciativos de gerenciamento de vozes e modalização; (iii) a
construção de enunciados, oração e período; (iv) e, finalmente, a
escolha de itens lexicais (CRISTOVÃO, 2007, p.263, grifos do
original).
84
Percebemos que os mecanismos de textualização abarcam, como um
todo, o nível do folhado textual que tanto nos instiga na leitura de textos com
dificuldades de textualização, as quais, por sua vez, acarretam problemas de
organização argumentativa. Os processos de coesão e coerência, progressão
argumentativa se intercalam a todo o momento indicando uma das capacidades
linguístico-discursivas implicadas no processo de produção textual e que, em
nosso entendimento, claramente se interligam à competência IV avaliada pelo
Enem.
Nesse sentido, selecionamos apenas as ocorrências mais relacionadas ao
desenvolvimento dessas capacidades, focalizando as operações que possibilitam a
planificação do texto e a instauração das relações de conexão, continuidade e/ou
de ruptura entre as fases da sequência argumentativa.
85
PRODUÇÃO TEXTUAL REFERENTE AO CURSO DE LETRAS – L2
2
Antunes (2012) estabelece uma distinção entre os termos e . Já que mencionamos o estudo e ele, de alguma
maneira, não vai de encontro com o suporte teórico que adotamos, decidimos manter a designação da autora a fim de sermos
coerentes com a sua contribuição aqui. “Uma das distinções refere-se, primeiro, à palavra enquanto da
língua – designada com o termo – e, segundo, à palavra – designada com o termo
” (ANTUNES, 2012, p.51). A autora esclarece, mais adiante, um outro aspecto com o qual concordamos: “Meu interesse (...)
é deter-me, mais especificamente, em questões relacionadas aos vocábulos, ou seja, às palavras que entram na composição de
determinado texto. As funções dessas palavras na arquitetura do texto são, pois, o foco deste trabalho, com o intuito maior de trazer
outras perspectivas para as atividades de ensino da língua”. (ANTUNES, 2012, p.52)
86
as palavras que ocorrem em um texto não cumprem apenas a
função de “significar”; elas não são relevantes, apenas, porque
carregam um determinado significado. São parte constitutiva de
uma armação que dá sustentação à unidade do texto e, portanto,
interferem em sua coerência. (ANTUNES, 2012, p.66. Grifo da
autora)
88
subordinação entre frases sintáticas de uma mesma frase gráfica complexa3,
aspecto também avaliado frente à competência IV requerida no Enem.
Verificaremos, portanto, os mecanismos que são utilizados ou que deixam de ser
utilizados para marcar esse tipo de articulação, em textos, chamada de
encaixamento.
3
Termo utilizado pelo próprio autor em seu livro “Atividade de linguagem, textos e discursos”: “d) as subordinativas ou conjunções de
subordinação ( etc.), que encaixam frases sintáticas em uma frase gráfica complexa” (BRONCKART,
1999, p.266). Seriam as orações e os períodos, respectivamente, segundo a gramática teórica.
89
2.4 Ocorrências de ligação
90
analisando os efeitos de sentido decorrentes desse uso. Há a oportunidade,
portanto, de um trabalho com uma gramática reflexiva.
QUESTÕES DA ATIVIDADE 3
QUESTÕES DA ATIVIDADE 7
Referências
ANTUNES, I. Território das palavras: estudo do léxico em sala de aula. São Paulo: Parábola
Editorial, 2012.
BRASIL, Ministério da Educação. Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN – terceiro e quarto
ciclos do ensino fundamental: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1999.
BECHARA, I. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
BRONCKART, Jean-Paul. Atividades de linguagem, textos e discursos: por um interacionismo
sócio-discursivo. 2. ed. São Paulo: EDUC, 1999.
BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, discurso e desenvolvimento humano.
Organizado por Anna Raquel Machado e Maria de Lourdes M. Matencio. Campinas, SP: Mercado de
Letras, 2006.
BRONCKART, Jean-Paul. O agir nos discursos: das concepções teóricas às concepções dos
trabalhadores. São Campinas: Mercado de Letras, 2008.
CRISTOVÃO, Vera Lúcia L. Procedimentos de análise e interpretação em textos de avaliação. In:
GUIMARÃES, Ana Maria de Mattos; MACHADO, Anna Rachel; COUTINHO, Antónia (Orgs.). O
Interacionismo sociodiscursivo: questões epistemológicas e metodológicas. Campinas: Mercado
de Letras, 2007, p. 77-97.
LEITÃO, Poliana Dayse Vasconcelos; PEREIRA, Regina Celi Mendes. Como as diferentes áreas de
conhecimento concebem o fazer científico. In: PEREIRA, R.C. M. (Org.). Ateliê de Gêneros
Acadêmicos: didatização e construção de saberes. João Pessoa: Ideia, 2014, p.17-88.
94
PEREIRA, R.C. M. (Org.) Nas Trilhas do ISD: práticas de ensino-aprendizagem da escrita.
Campinas: Pontes, 2012.
SCHNEUWLY, Bernard e DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. [Tradução e
organização de Roxane Rojo e Glaís S. Cordeiro]. Campinas: Mercado de Letras, 2004.
TRAVAGLIA, L. Gramática ensino plural. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2011 [2003].
95
96
Exercício da cidadania e
direitos humanos: as funções da
competência V na redação do
Enem
Ricardo Nascimento Abreu
Introdução
101
sentido. São valores: a solidariedade, o respeito aos outros, a
responsabilidade, a liberdade, etc.
As atitudes são as tendências ou predisposições relativamente
estáveis das pessoas para atuar de certa maneira. São a forma
como cada pessoa realiza sua conduta de acordo com valores
determinados. Assim, são exemplos de atitudes: cooperar com o
grupo, ajudar os colegas, respeitar o meio ambiente, etc.
As normas são padrões ou regras de comportamento que
devemos seguir em determinadas situações que obrigam a todos
os membros de um grupo social. As normas constituem a forma
pactuada de realizar certos valores compartilhados por uma
coletividade e indicam o que se pode fazer e o que não se pode
fazer neste grupo. (ZABALA, 2010, p. 46).
1
Sobre esta dupla abordagem acerca da dignidade da pessoa humana, Schier (2007) relembra uma história bastante ilustrativa
ocorrida numa cidade francesa chamada Morsang-sur-Orge, na qual se praticava em uma taberna, após certo horário, um “esporte”
chamado arremesso de anão, que consistia em permitir que os clientes arremessassem o mais distante possível, um anão devidamente
contratado para tal fim. Ao tomar conhecimento do fato, o prefeito da cidade proibiu que a prática fosse repetida sob o argumento de
que afrontava a dignidade humana. Diante da proibição, o estabelecimento e o próprio anão decidiram ingressar com um recurso em
desfavor da decisão do gestor municipal. O tribunal administrativo francês, compreendendo que a dignidade da pessoa humana é
valor universal e que a agressão à dignidade de uma pessoa importa na agressão da dignidade de todos, proibiu definitivamente a
prática do arremesso, para a frustração do estabelecimento, dos clientes e do próprio anão.
103
Humanos na redação do Enem. Não raro, ouve-se a pergunta: “São os Direitos
Humanos um conteúdo a ser observado na formação inicial e continuada dos
docentes de todas as áreas do saber e na trajetória da escolarização básica dos
brasileiros?” A resposta não poderia ser mais cristalina que um “claro que sim!”.
Passemos agora a discutir os porquês.
A Resolução CNE/CP, n. 1, de 30 de maio de 2012, que estabelece as
Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, apesar de ser o
principal documento regulatório da aproximação das instituições de ensino para
com a questão dos Direitos Humanos no Brasil, ainda está em fase de
implementação nos cursos de formação de professores e é deveras desconhecida
por parte dos docentes das mais diversas áreas do conhecimento que já estão em
atividade nas escolas do país. Pelo caráter recente da Resolução, a absorção da
temática nos currículos da Educação Básica ainda está em um estágio
embrionário, não obstante se percebe que as Secretarias Estaduais de Educação
têm feito um trabalho que renderá bons frutos dentro em breve.
As Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos baseiam-
se em uma série de instrumentos internacionais de Direitos Humanos, a exemplo
da própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948; da Declaração
das Nações Unidas sobre a Educação e Formação em Direitos Humanos
(Resolução A/66/137/2011) e do Programa Mundial de Educação em Direitos
Humanos (PMEDH 2005/2014), mas também se inspiram em um repertório
nacional de documentos que tratam da temática, quais sejam, a Constituição
Federal de 1988, o Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3/ Decreto nº
7.037/2014) e o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
(PNEDH/2006).
De forma a sintetizar estes documentos em eixos que possam ser
incorporados nos Projetos Político Pedagógicos das escolas, bem como nos
Projetos Pedagógicos dos Cursos Superiores de Graduação, a Educação em
Direitos Humanos, tendo como objetivo central a formação para a vida e para a
convivência, fomentando o respeito à diversidade e a coexistência baseada na
tolerância, alicerça-se nos seguintes princípios: I – dignidade da pessoa
humana; II – igualdade de direitos; III – reconhecimento e valorização
das diferenças e das diversidades; IV – laicidade do Estado; V –
democracia na Educação; VI – transversalidade, vivência e globalidade e,
por fim, VII – sustentabilidade socioambiental.
Estes princípios que norteiam a Educação em Direitos Humanos devem
ser observados em conformidade com as características fundantes dos Direitos
Humanos, as quais passamos a destacar:
104
a. Universalidade: Toda e qualquer pessoa é titular de Direitos Humanos sem exceção.
Assim, pelo simples fato de existir faz com que qualquer indivíduo tenha resguardados
seus direitos, independente de sexo, raça, cor, origem, etnia, nacionalidade, idade,
religião, língua, orientação sexual etc.
b. Inerência: trata-se de um atributo imanente à própria noção de Direitos Humanos.
Basta então a condição de ser humano para que a pessoa possa reclamar para si a
titularidade desse conjunto de direitos.
c. Historicidade e proibição do retrocesso: diz respeito ao fato de que os Direitos Humanos
são frutos de conquistas da humanidade ao longo da sua história. O rol de direitos
humanos apresenta-se, dessa forma, como um catálogo aberto para que novos direitos
possam ser incorporados com o transcurso do tempo. Por outro lado, o princípio da
vedação ao retrocesso determina que uma determinada norma de Direitos Humanos
somente poderá ser substituída por outra que ofereça mais proteção à dignidade
humana.
d. Os Direitos Humanos são inalienáveis, irrenunciáveis e indisponíveis, não podendo ser
vendidos ou negociados ou doados, mesmo que assim queira o seu titular.
105
defesa dos direitos humanos, bem como da reparação das
diferentes formas de violação de direitos. (BRASIL, 2012, p. 2).
Considerações finais
107
Não é algo que anime a qualquer educador testemunhar anualmente o
comportamento de uma sociedade que se diz mais escandalizada com a
ocorrência de um “trousse” escrito com “ss” do que com uma proposta de
fuzilamento de imigrantes haitianos; que se estarrece mais com desvios
linguístico-ortográficos “plantados” por pessoas que se inscrevem no exame com
o único intuito de tentar desacreditar o processo, que com alguém que propõe o
linchamento público ou mesmo a pena de morte para motoristas flagrados
dirigindo em estado de embriaguez. Este paradoxo linguístico – moral só pode
mesmo nos levar a apenas uma consideração final:
Há ainda muito por ser feito.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.
BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional.
GUERRA, Sidney. Direitos Humanos e Cidadania. São Paulo: Atlas, 2012.
BRASIL. A redação no Enem 2013: guia do participante. Brasília: INEP/DAEB, 2013.
BRASIL. Resolução Nº 1, de 30 de maio de 2012. Estabelece as Diretrizes Nacionais para a
Educação em Direitos Humanos. Diário Oficial da União, Brasília, 31 mai. 2012.
SCHIER, Paulo Ricardo. Novos desafios da filtragem constitucional no momento do
Neoconstitucionalismo. In: SOUZA NETO, Claudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. (Coords.). A
Constitucionalização do Direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2007, p.251-269.
VIANA, Antonio Carlos. Guia de Redação: escreva melhor. São Paulo: Scipione, 2011.
ZABALA, Antony. A prática educativa: como ensinar. São Paulo: Artmed, 2010.
108
Seção II
A PROVA DE LINGUAGENS,
CÓDIGOS E SUAS TECNOLOGIAS
109
110
O estatuto da variação
linguística nas provas do Enem
Sammela Rejane de Jesus Andrade
Introdução
111
A partir das orientações dos PCN, os currículos escolares, os livros
didáticos e exames em larga escala devem ser constituídos a partir de uma
perspectiva de ensino de língua materna voltado para o contexto variável da língua,
não se prendendo à perpetuação dos dogmas da gramática normativa.
A Sociolinguística é uma área da linguística cujas bases teóricas permitem
discutir realidades linguísticas antes ignoradas, como questões relacionadas ao
ensino e fatores sociais, e principalmente o mito da língua homogênea. Nessa
perspectiva, a diversidade de formas de expressão é vista como variação
linguística, partindo do princípio de que, em uma comunidade de fala, coexistem
formas distintas em diferentes contextos de uso.
É importante apreciar o que os materiais que norteiam a educação básica
consideram a respeito das habilidades exigidas no Enem, já que o ensino nas
escolas – pelo menos na rede pública – segue essas diretrizes através dos livros
didáticos, selecionados e distribuídos pelo Programa Nacional do Livro Didático
aos alunos da educação básica. A escolha desses é feita pelo programa em ciclos
trienais a partir de critérios estabelecidos pelo Ministério da Educação. Na medida
em que os documentos norteadores tratam a língua a partir do pluralismo
linguístico, a contribuição da Sociolinguística torna-se indispensável, por
possibilitar o diálogo entre os parâmetros educacionais, sua aplicação em sala de
aula e em avaliações como o Enem.
Partindo do princípio de que o Enem tem como função primeira de
avaliar e, consequentemente, auxiliar na elaboração de políticas públicas
destinadas à última etapa da educação básica, o exame torna-se ferramenta
importante na investigação das competências linguísticas. Observamos as
competências exigidas na prova de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias do
Enem com ênfase nos aspectos sociolinguísticos, observando a aderência às
diretrizes dos PCN e do PNLD e da matriz de competências de avaliação da própria
prova do Enem.
113
A adequação ajuda a explicar o fato dos indivíduos adquirirem recursos
comunicativos diante das experiências vividas e dos papéis sociais assumidos,
sendo a escola um dos agentes mais importantes no processo dessas experiências,
uma vez que, ao ingressar no ambiente escolar, todo individuo já traz uma
bagagem comunicativa, e cabe a ela ampliar esses recursos comunicativos.
Segundo Bortoni-Ricardo (2004a, p. 73), “é papel da escola facilitar a ampliação
da competência comunicativa dos alunos, permitindo-lhes apropriar-se dos
recursos comunicativos necessários para desempenharem bem, e com segurança,
nas mais distintas tarefas linguísticas”.
Contemporâneo ao período inicial dos estudos linguísticos de Chomsky e
Dell Hymes, entre as décadas de 1960 e 1970, Labov levanta a discussão a respeito
do inglês afro-americano em Language in the inner city (1972), defendendo que
não se caracterizava como uma gíria, mas como um dialeto oriundo de processos
de mudanças linguísticas nos contextos histórico e social e, por isso, não deveria
ser ignorado.
A contribuição desse estudo ganha relevância no contexto educacional
americano, na medida em que Labov levanta a discussão de que o fracasso escolar
das crianças negras em escolas da periferia de Nova York seria a consequência de
um déficit cultural e cognitivo decorrente da privação verbal no
ambiente doméstico. O estudo realizado por Labov, segundo Zaidan (2013, p. 34),
“atribui o mau desempenho escolar das crianças à incompetência do próprio
sistema para lidar com a diversidade, para avaliar as crianças e para efetuar os
ajustes sociais necessários na interação entre professores e alunos”. O estudo do
inglês afro-americano leva Labov a criticar a ideia prostrada no ambiente
educacional de que obter sucesso escolar significava adquirir os hábitos
linguísticos e retóricos da classe média.
No Brasil, na década de 1980, Soares (1986) também levanta questões
sobre o fracasso escolar, ao defender que a linguagem é também o fator de maior
relevância nas explicações do fracasso escolar das camadas populares, uma vez
que a escola usa e quer ver usada a variante padrão socialmente prestigiada.
Partindo da concepção de que a linguagem é um produto da cultura, a
autora aponta a eleição de uma única variante da língua no processo de
aprendizagem como responsável pela ineficiência do método de ensino utilizado
no país, modelo educacional ao qual a autora denomina de “contra o povo”,
partindo da constatação de que a educação praticada parte de uma falsa
democratização do ensino pautada em três ideologias: a ideologia do dom,
a ideologia da deficiência cultural e a ideologia das diferenças culturais.
114
A primeira ideologia se sustenta pela ideia de que o fracasso do aluno não
seria responsabilidade da escola, mas de si mesmo, por ele não ter as
características necessárias ao bom aproveitamento dos recursos da escola. A
segunda postula que as desigualdades sociais seriam responsáveis pelas diferenças
de rendimento dos alunos na escola, sendo o meio em que o aluno vive
responsável pela sua má formação escolar. E a última, marcada pela visão
deturpada do que seria cultura, haja vista que o que se entende por cultura é o
que a elite define como tal.
Para Soares (1986, p. 78), é “inadmissível deixar de vincular o ensino da
língua materna às condições sociais e econômicas de uma sociedade”, uma vez
que a falsa democratização se materializa em nomenclaturas como a deficiência
linguística, em que se pratica um ideal de uma cultura como superior às outras
e, consequentemente, de que uma língua é mais importante que a outra. Somente
com a adoção da relação sociedade e linguagem é possível superar o fracasso no
ensino de língua materna de Língua Portuguesa.
Abordagens como as de Labov (1972) e Soares (1986) evidenciam que o
fracasso escolar está relacionado às diferenças entre a linguagem e as experiências
que as crianças trazem de casa e a linguagem e experiências demandadas pela
escola, sendo essa premissa a que norteia a teoria da Sociolinguística Educacional,
focada em analisar a influência do capital cultural no contexto escolar.
No Brasil, as manifestações dessa concepção de capital cultural se
materializam no ensino de língua materna, principalmente no que concerne às
questões de preconceito linguístico.
Segundo Bortoni-Ricardo & Freitas (2009), muitas foram as propostas
educacionais de bases linguísticas, entre essas, as de teoria sociolinguísticas.
Muitos livros foram publicados, com muita expressividade de década de 1980, e
nos anos seguintes, suas influências começaram a se fazer presentes nos livros
didáticos.
À medida que chegavam ao mercado editorial obras com
recomendações importantes para o aprimoramento do ensino da
língua portuguesa nas escolas brasileiras, pôde-se observar a
ocorrência de algumas mudanças de postura, em especial um
esforço dos livros didáticos para substituir a excessiva ênfase na
terminologia gramatical pelo tratamento da língua em uso,
embora ainda haja muito que fazer para tornar mais eficiente o
trabalho pedagógico com a leitura e a escrita nas nossas escolas.
(BORTONI-RICARDO, FREITAS, 2009, p. 221)
115
Com a presença das bases sociolinguísticas na literatura acadêmica, ao
longo dos anos, os currículos dos cursos de Letras e Pedagogia foram acumulando
teorias, porém os espaços para discussão destas não cresceram na mesma
proporção. Como consequência disso, o que existe hoje é o pouco aproveitamento
de suas contribuições em sala de aula.
Essa problemática também pode ser observada no que concerne às
avaliações aplicadas em todas as etapas de ensino da educação básica, haja vista
que têm levado em consideração as concepções sociolinguísticas na elaboração de
suas matrizes e, consequentemente, nas questões aplicadas. Levantar essa questão
ajuda a entender a dificuldade que professores e alunos têm enfrentado diante
dessas avaliações. Como apontam Bagno e Rangel (2005),
Existe, antes de mais nada, uma demanda social por educação
linguística que suscita, da parte das diferentes instâncias
ocupadas com o tema, conjuntos variados de respostas. De um
lado, as diferentes políticas oficiais de ensino (sobretudo as de
âmbito federal) vêm gerando um acervo cada vez mais volumoso
de reflexões teóricas, consubstanciadas em documentos da mais
diversa natureza [...] Do outro lado, todo esse esforço político
oficial de atender às demandas de educação linguística da
sociedade é acompanhado num ritmo muitíssimo mais lento.
(BAGNO; RANGEL, 2005, p. 64)
←------------------------------------------------------------------------------------------------------→
Variedades área variedades urbanas
rurais isoladas rurbana padronizadas
←---------------------------------------------------------------------------------------------------→
eventos de eventos
oralidade de letramento
119
cognitiva envolvida na sua produção linguística e familiaridade do falante com a
tarefa comunicativa que está sendo desenvolvida. E, ainda,
Na produção do estilo monitorado o/a falante presta mais atenção
à sua fala. Este estilo geralmente caracteriza-se pela maior
complexidade cognitiva do tema abordado. Se o/a falante tiver um
maior grau de apoio contextual, bem como maior familiaridade
com a tarefa comunicativa, poderá desempenhar-se no estilo
monitorado com menor pressão comunicativa. A pressão
comunicativa aumenta quando o apoio contextual é menor e a
temática mais complexa. (BORTONI-RICARDO, 2004a, p. 336).
Isso ficou ainda mais latente nos dados quantitativos, uma vez que 71%
dos alunos das séries iniciais se classificaram como bons falantes do português, e
apenas 31% dos informantes das séries finais do ensino fundamental disseram se
identificar do mesmo modo. Ou seja, à medida que são submetidos a uma maior
complexidade cognitiva a partir da produção linguística, os alunos tendem a se
sentir menos eficientes no domínio da língua, reflexo da abordagem unilateral que
existe no processo de ensino da língua.
A abordagem teórica por contínuos é uma estratégia produtiva no ensino
de Língua Portuguesa em sala de aula, uma vez que:
120
Uma pedagogia que é culturalmente sensível aos saberes dos
educandos está atenta às diferenças entre a cultura que eles
representam e da escola, e mostra ao professor como encontrar
formas efetivas de conscientizar o educando sobre essas
diferenças. Na prática, contudo, esse comportamento é ainda
problemático para os professores, que ficam inseguros, sem saber
se devem corrigir ou não, que erros devem corrigir ou até mesmo
se podem falar em erros. (BORTONI-RICARDO 2004a, p. 38)
121
Figura 3:
Questão nº4 da prova de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.
(Enem, 2006, p. 2)
Figura 5:
Questão nº 99 da prova de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.
(Enem, 2012, p. 6)
123
regional, em que o poema de Mário de Andrade trata das diferenças linguísticas do
falar em algumas regiões do país.
125
Figura 9: Questão nº 9 da prova amarela Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.
(Enem, 2005, p. 3)
Considerações finais
Referências
BAGNO, Marcos. RANGEL, Egon de Oliveira. Tarefas da educação linguística no Brasil. Rev.
Brasileira de Linguística Aplicada, v. 5, n. 1, p. 63-80, 2005.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a sociolinguística na sala de
aula. São Paulo: Parábola, 2004a.
126
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Um modelo para a análise sociolinguística do português do
Brasil. In: BAGNO, Marcos (Orgs.). Linguística da norma. São Paulo: Loyola, p. 333-347, 2004b.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Nóis cheguemo na iscola, e agora? Sociolinguística e
educação. São Paulo: Parábola, 2005.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. FREITAS, Vera Aparecida de Lucas. Sociolinguística Educacional.
In: HORA, D. et alli (Orgs.) Abralin 40 anos em cena. João Pessoa: Editora Universitária (UFPB),
2009, p. 217-240.
BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros
Curriculares Nacionais (Ensino Médio). Brasília: MEC, 2000.
COAN, Márluce. FREITAG, Raquel Meister Ko. Sociolinguística variacionista: pressupostos teórico-
metodológicos e propostas de ensino. Domínios de Lingu@gem, v.4, n. 2, p.173-194, 2010.
FREITAG, Raquel Meister Ko. CYRANKA, Lúcia Mendonça. Sociolinguística variacionista e
educacional: tendências metodológicas. In: GONÇALVES, A.V. GÓIS, M. L. de S. (org.). Ciências da
linguagem: o fazer científico, v. 2, p. 249-280, 2014.
HYMES, Dell. Foundations in Sociolinguistics: an ethnographic approach. Philadelphia:
University of Pennsylvania Press, 1989[1974].
MELO, Terezinha Toledo Melquíades de. CYRANKA, Lucia Furtado de Mendonça. SILVA, Maria
Diomarada. Variação linguística: Um estudo sobre o nível de conscientização dos alunos. In:
Cadernos do CNLF, v. 14, n. 4, t. 4, p. 3321-3332, 2012.
NEVES. Maria Helena de Moura. Gramática de usos do português. 2 ed. São Paulo: Editora da
UNESP, 2011.
SOARES, Magda. Linguagem e escola: uma perspectiva social. São Paulo: Ática, 1986.
ZAIDAN, Junia Claudia Santana De Mattos. Por um inglês menor: a desterritorialização da grande
língua. Tese. Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2013.
127
128
Performatividade e modalização
na prova do Enem
Leilane Ramos da Silva
Jaqueline dos Santos Nascimento
Layane Mayara Dantas da Cruz
Nathalia da Silva Paixão
Introdução1
Ao lado das discussões sobre a ideia que a língua é uma forma de ação,
emerge uma noção extremamente importante: a de que, no momento da
enunciação, entendida como “ato individual de utilização da língua” (DUBOIS et
al, 1998, p.218), o locutor pode indicar uma maior ou menor adesão frente ao
enunciado que produz via encadeamento de modalização. Tal indicação pode estar
atrelada ao grau de força ilocucionária projetado nos atos de fala emitidos. Num
gênero como ‘exame/prova de concurso’, ora acentuando, ora suavizando as
instâncias onde se materializam os atos de fala diretivos (e mesmo os assertivos
que os alicerçam), podem-se depreender efeitos modalizadores diversos, que
mantêm acesa a discussão entre performatividade e modalização, bastante em
voga nos dias atuais.
A par dessa perspectiva, neste capítulo, apresenta-se a análise dos atos de
fala veiculados nas questões 96 a 135 do Enem 2011, área de Linguagens,
Códigos e suas Tecnologias, caderno amarelo. O foco da análise recai sobre os
aspectos relativos à construção dos atos de fala nas referidas questões, à expressão
de modalização que atualizam, aos mecanismos de definição dos lugares do
locutor e do interlocutor nesse tipo de situação e, por fim, à própria relação que o
tipo de ato de fala em avaliação mantém com cada uma das questões formuladas
na prova.
1
Este capítulo é um desdobramento das atividades do projeto “Performatividade, Modalização e Prova do Enem em cena: foco nas
questões de língua portuguesa”, desenvolvido entre agosto de 2013 e julho de 2014, sob o apoio do PIBIC/CNPq/UFS.
129
1 O entrelace de teorias: diálogos entre performatividade e modalização
A Teoria dos Atos de Fala (TAF) teve como mentor o filósofo inglês John L.
Austin (1962), que compreendia a linguagem como forma de ação (“todo dizer é
um fazer”). Para a TAF, o texto oral ou escrito consiste na realização de um ato
locucionário, isto é, a emissão do falante de acordo com as regras de uma língua;
de um ato ilocucionário, o falante atribui à emissão uma determinada força, com
o objetivo de influenciar o comportamento do interlocutor; e um ato
perlocucionário, relacionado aos efeitos produzidos no interlocutor.
Austin (1962) estabelece cinco tipos de atos ilocucionários: os
vereditivos, os expositivos, os exercitivos, os comportativos, e os
compromissivos. Searle (2002), observando a classificação de Austin, detectou
algumas lacunas e a partir daí fez uma reclassificação dos atos propondo as
seguintes categorias: i) Assertivos: comprometem o falante com a verdade
expressa; ii) Diretivos: atos cujo propósito ilocucionário consiste na tentativa do
falante de levar o ouvinte a fazer algo; iii) Compromissivos: atos que têm como
propósito ilocucionário comprometer o falante com alguma linha futura de ação;
iv) Expressivos: transmite um estado psicológico; e por fim, v) Declarações: são
os atos que, quando bem sucedidos, apresentam uma correspondência entre o
conteúdo proposicional e a realidade, o “dizer faz existir”.
Ao produzirmos nossos enunciados, não o fazemos de forma neutra,
descompromissada. Há um modo específico para produção do que será proferido,
seja em maior ou menor intensidade. Esse modo indica o nosso grau de
comprometimento com o que dizemos, estabelecendo a relação entre língua e
mundo. Assim, dá-se o fenômeno da modalidade/modalização, codificada
linguisticamente pelos modalizadores:
130
Castilho e Castilho (1993) apontam para o fato de a modalização
mobilizar vários tipos de recursos linguísticos, como a prosódia, os modos verbais,
verbos auxiliares (querer e dever), verbos que constituem oração, adjetivos,
advérbios e outros. E da mesma forma como a modalização pode aparecer de
diversas maneiras, diferentes tipos de modalidades podem ser veiculados com um
mesmo item lexical, segundo Koch (2002). Este é o caso do verbo dever, que pode
veicular possibilidade, probabilidade, dúvida, certeza etc.
Um dos fatores que contribuem no direcionamento das respostas em
uma atividade e/ou avaliação é a forma como o enunciado é apresentado (o tipo
de ato de fala, os modalizadores empregados, etc.), pois os enunciados
direcionam a compreensão. A seguir, demostraremos, por meio de exemplos, o
diálogo entre as teorias da performatividade e modalização nas questões de
Linguagens, códigos e suas tecnologias da prova do Enem 2011.
131
(1) Considerando a reflexão trazida no texto a respeito da
multiplicidade do discurso, verifica-se que
a) estudantes que não conhecem as diferenças entre língua
escrita e língua falada empregam, indistintamente, usos aceitos
na conversa com amigos quando vão elaborar um texto escrito.
b) falantes que dominam a variedade padrão do português do
Brasil demonstram usos que confirmam a diferença entre a
norma idealizada e a efetivamente praticada, mesmo por falantes
mais escolarizados.
c) moradores de diversas regiões do país que enfrentam
dificuldades ao se expressar na escrita revelam a constante
modificação das regras de emprego de pronomes e os casos
especiais de concordância.
d) pessoas que se julgam no direito de contrariar a gramática
ensinada na escola gastam de apresentar usos não aceitos
socialmente para esconderem seu desconhecimento da norma
padrão.
e) usuários que desvendam os mistérios e sutilezas da língua
portuguesa empregam formas do verbo ter quando, na verdade,
deveriam usar formas do verbo haver, contrariando as regras
gramaticais. (questão 129, p. 17)
135
No primeiro momento, o candidato precisa interpretar o que está escrito
no texto que antecede o enunciado, avaliando seu nível de conhecimento na área;
depois do reconhecimento (ou não) daquilo que foi apresentado, o estudante
tende a formular um pensamento crítico e, consequentemente, apresentar um
juízo de valor escolhendo uma das cinco opções de resposta.
Tendo em vista todas as ocorrências identificadas, a distribuição dos
efeitos modalizadores é apresentada no gráfico 1.
67%
18%
15%
Gráfico 1: Distribuição dos efeitos modalizadores das questões 96 a 135, Enem 2011.
136
diretivo na questão, o modalizador predica o conteúdo sentencial, sendo
compreendido como algo que necessita de resposta.
Considerações finais
Referências
AUSTIN, J. L. How to do things with words. Oxford: Clarendon Press, 1962.
CASTILHO, Ataliba T. de; CASTILHO, M. M. de. Advérbios modalizadores. In: ILARI, Rodolfo
(org.). Gramática do português falado. 2 ed. Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 1993.
KOCH, Ingedore G. Villaça. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 2002.
MARI, Hugo. Atos de fala: notas sobre origens, fundamentos e estrutura. In: MARI, Hugo et alii.
Análise do discurso: fundamentos e práticas. Belo Horizonte: Núcleo de Análise do Discurso,
FALE/UFMG, 2001, p. 93-131.
137
NEVES, Maria Helena de Moura. A modalidade. In: KOCH (org.). Gramática do português
falado. 2 ed. ver. Campinas: Editora da UNICAMP, 2002, p.171-208.
SEARLE, John. Uma taxinomia dos atos ilocucionários. In: Expressão e significado: estudos da
teoria dos atos de fala. (Tradução de Ana Cecília G. A. de Camargo e Ana Luiza Marcondes Garcia).
2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 01-46.
138
Alternância gênero/texto nas
questões da prova de
Linguagens, códigos e suas
tecnologias do Enem
Denise Porto Cardoso
Fabíola dos Santos Lima
Francielle Santos Araújo
Introdução
1
Gêneros textuais e gêneros discursivos, neste capítulo, são usados indistintamente.
140
diferente e representa um gênero textual. Assim, a escolha do gênero X ou Y é
determinada a partir da intenção do sujeito e da situacionalidade em que este está
inserido e não de forma aleatória. Os gêneros possuem identidades e essas
condicionam as escolhas visando, principalmente, quem escreve, para quem se
escreve, para que se escreve Acerca disso, Bakhtin diz que
142
contínua de conhecimento. Já as habilidades correspondem ao desenvolvimento
das aptidões intrínsecas ao ser humano.
O que de fato nos interessa é observar e analisar como o Enem nomeia os
Gêneros Textuais e como estes estão aplicados na prova de Linguagens, Códigos e
suas Tecnologias. Nela se faz presente uma enorme variação de gêneros.
Entendemos que o exame busca trabalhar com a diversidade de Gêneros, pois é
através deles que as interações nas atividades sociais são realizadas. Além disso,
reflete a perspectiva pedagógica que defende a necessidade das escolas
trabalharem de forma diversificada o ensino de língua portuguesa. Há na prova
gêneros simples e complexos, entre eles charges, piadas, cartas, gráficos, artigos
de opinião, fragmentos de romance etc. Além disso, os gêneros escritos estão mais
presentes que os gêneros orais. Mas o que de fato nos chamou atenção é a
maneira como os gêneros avaliados são identificados por meio de alguma
denominação ao longo da questão na prova LCT em 2013. Percebemos que há
uma multiplicidade de denominação. Na questão 119, da prova amarela,
encontramos uma denominação de senso comum, vejamos na figura 1.
A charge é um tipo de cartum, “cujo objetivo é a crítica humorística de
um fato ou acontecimento específico, em geral de natureza política” (RABAÇA,
2002, p.89). Uma boa charge deve procurar um assunto atual e ir direto onde
estão centradas a atenção e o interesse do público leitor. A charge é um tipo de
texto atraente aos olhos do leitor; afinal, enquanto imagem é de rápida leitura e
transmite múltiplas informações de uma só vez. No entanto, o leitor da charge
tem que estar sempre bem informado acerca do tema abordado, para que possa
compreender e captar seu teor crítico. Afinal, ali está focalizada e sintetizada uma
certa realidade. E somente os que conhecem essa realidade efetivamente
entendem a charge. A charge é temporal, relata um fato ocorrido em uma época
definida, dentro de um determinado contexto cultural, econômico e social
específico. Além disso, a charge é humor em toda a sua essência. Por isso mesmo,
é um instrumento de persuasão, sempre intervém no processo de definições
políticas e ideológicas do receptor, através da sedução pelo humor.
Por todos esses motivos, é importante utilizar a charge nas provas do
Enem e denominá-la no enunciado, como na questão 119, facilitará que o aluno
perceba qual será a “intenção” do exame, pois é comum as charges abordarem
sobre a realidade e mais natural ainda que questões como as da prova do Enem
indaguem sobre qual o humor da charge ou tira, assim o examinado buscará no
próprio gênero ou fará inferência para alcançar a resposta correta.
143
Figura 1: Gênero denominado. (Prova amarela, questão 119, Enem 2013)
Mas o texto do Enem não traz apenas o gênero, como também se utiliza
da denominação do domínio discursivo, ou seja, “com formações históricas e
sociais que originam os discursos” (MARCUSCHI, 2008, p.158) sem especificar o
gênero em si. Ora, um domínio discursivo engloba vários gêneros e não é fácil
determinar para cada domínio discursivo suas coordenadas. Vejamos a questão
112, prova amarela, figura 2.
Figura 2: Gênero denominado pelo Domínio Discursivo (prova amarela, questão 112,
Enem 2013)
144
Também foram encontradas questões em que o gênero é
denominado/tratado apenas como texto. Sabemos com Marcuschi (2008, p. 160)
que “todos os textos realizam um gênero”, por isso, é muito comum essa
denominação, como na questão 103, da prova amarela, na figura 3.
Figura 3: Gênero tratado como texto (prova amarela, questão 103, Enem 2013).
Figura 4. Gênero não denominado no enunciado (prova amarela, questão 107, Enem
2013)
145
É importante ressaltar que, ao apresentar o gênero ao examinando, o
enunciado pode auxiliá-lo e situá-lo a respeito da competência e habilidade a
serem avaliadas pela questão. Na LCT de 2013, das 45 questões, apenas 18
denominam o gênero por seu nome. Outras 17 chamam-no apenas de “ texto” e
as outras 06 não fazem referência a nenhuma denominação, as 04 questões
restantes são da Língua Estrangeira escolhida pelo candidato e não nos detivemos
em observá-las. Dessas 18 questões, notou-se que aparecem os seguintes
domínios: Instrucional (textos acadêmicos, como trechos de artigos científicos),
Jornalístico (discurso de repórter, charges), Ficcional (poemas, trechos de
romances), Lazer (piadas, histórias em quadrinhos), Interpessoal (cartas),
Publicitário (cartaz). Sobre o olhar da tipologia textual não se encontrou uma
questão que se dirigisse diretamente a algum tipo de texto e sim de forma indireta
como na questão 117, da prova amarela: “A elaboração de uma voz narrativa
peculiar acompanha a trajetória literária de Clarice Lispector, culminada com a
obra A hora da estrela, de 1977, ano da morte da escritora. A leitura é algo
imprescindível na vida do homem. Ler é entender o que nos transmitem as
palavras, é reconhecer o sujeito e sua ação no texto. Pela leitura o ser humano
interage com o outro e com o mundo, em um processo em que o outro é sujeito
ativo, em uma atitude responsiva”. Da maioria das questões foi cobrada a
intrepretação; seis questões cobraram sobre gramática abordando sobre escolhas
morfossintáticas, pontuação e concordância e três indagaram sobre características
do gênero trabalhado na questão.
Considerações finais
146
A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo
de compreensão e interpretação do texto, a partir de seus
objetivos, de seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de
tudo o que sabe sobre a linguagem etc.[...] Trata-se de uma
atividade que implica estratégias de seleção, antecipação,
inferência e verificação, sem as quais não é possível proficiência.
É o uso desses procedimentos que possibilita controlar o que vai
sendo lido, permitindo tomar decisões diante de dificuldades de
compreensão, avançar na busca de esclarecimentos, validar no
texto posições feitas (BRASIL, 1998, p. 69-70).
Referências
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. São Paulo:Martins Fontes, 2003.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de educação fundamental. Parâmetros
curriculares nacionais terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa.
Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de educação fundamental. Parâmetros
curriculares ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: MEC/SEF, 1999.
FARACO, C.A.; TEZZA, C. Prática de texto para estudantes universitários. 20. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2011.
JURATO, Shirley; ROJO, Roxane. A leitura no ensino médio: o que dizem os documentos oficiais e o
que se faz? In: BUNZEN, Clecio; MENDONÇA, Márcia (orgs.). Português no ensino médio e
formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. p. 37-56.
MARCUSCHI, Beth. O que nos dizem o SAEB e o Enem sobre o currículo de língua portuguesa para
o ensino médio. In: BUNZEN, Clecio; MENDONÇA, Márcia (orgs.). Português no ensino médio e
formação do professor. São Paulo: Parábola Editorial, 2006. p. 57-82.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:
Parábola, 2008
147
RABAÇA, Carlos Alberto e Barbosa, Gustavo Campos. Dicionário de comunicação. Rio de Janeiro:
Editora Campus, 2002.
148
Seção III
IMPACTOS E PERCEPÇÕES DO
ENEM
149
150
O Enem enquanto política
pública
Marlucy Mary Gama Bispo
Introdução
151
1 Reformas no Ensino Médio
Ressalte-se que, para Azevedo (2004), citado por Parente, Peres e Matos
(2011) “ a política educacional definida como policy – é um fenômeno que se
reproduz no contexto das relações de poder expressas nas politics.” (PARENTE;
PERES; MATOS, 2011, p. 18).
É a partir dessa compreensão teórica do Enem enquanto política
educacional, enquanto policy, enquanto conteúdo político e operacionalização da
política que será sistematizada uma análise tendo como matriz o modelo do
policy cicle.
153
Ademais, num olhar metalinguístico, o código explicando o próprio
código, a expressão policy cicle se anuncia apresentando a ideia de ciclo da
política, o que, para Baptista e Rezende,
154
Figura1: Policy cicle. Adaptada de Bussmann, Klöti e Knoepfel (1997)
155
Este é um indicativo que, certamente entre outros, denuncia que o
Ensino Médio no Brasil apresenta sérios entraves, consequentemente, a avaliação
dessa modalidade de ensino configura-se como um problema. Dentro do modelo
de análise proposto a identificação do problema se configura como a primeira
fase do processo.
LDB 9394/96: Art. 7º: O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes
condições: I - autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder
Público. Art. 36: estabelece as diretrizes para o currículo do ensino médio.
PNE 1996: em vigor de 2001 a 2010, vigeu como meta “expandir a oferta e
melhoria da qualidade do Ensino Médio” e alertava para a necessidade de “correção
do fluxo de alunos na escola básica, hoje com índices de distorção idade-série
inaceitáveis” (BRASIL, 2001).
PNE 2011 a 2020: a preocupação com a taxa líquida de matrícula é explicitada na
meta 3: “universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de
quinze a dezessete anos e elevar, até o final do período de vigência deste PNE, a taxa
líquida de matrículas no ensino médio para oitenta e cinco por cento” (BRASIL,
2010).
Resolução CNE/CEB nº 2, de 30 de janeiro de 2012: define as Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. O art. 21º trata do Sistema de Avaliação
da Educação Básica - Saeb e prevê que o Exame Nacional do Ensino Médio - Enem
assuma, progressivamente, as funções de: I - avaliação sistêmica; II - avaliação
certificadora; III - avaliação classificatória (BRASIL, 2012).
PNE 2014 a 2024 - Meta 7, estratégia 7.7 : “aprimorar continuamente os
instrumentos de avaliação da qualidade do ensino fundamental e médio, de forma a
englobar o ensino de ciências nos exames aplicados nos anos finais do ensino
fundamental, e incorporar o Exame Nacional do Ensino Médio, assegurada a sua
universalização, ao sistema de avaliação da educação básica, bem como apoiar o uso
dos resultados das avaliações nacionais pelas escolas e redes de ensino para a
melhoria de seus processos e práticas pedagógicas” (BRASIL, 2014).
156
3.3 Fase 3: Formulação da política
157
3.3.2 Fase 3.2: Desenho administrativo
Política de Estado – consolidado pela LDB 9493/96; criado pela Portaria Ministerial
438/1998 e reafirmado pela Lei 13.005/2014 (PNE 2014-2024).
Avaliação de sistemas educacionais – “visa diagnosticar a qualidade do ensino
oferecido pelos sistemas educacionais nacional, estaduais e municipais”, (ALMEIDA,
2010, p.18).
Avaliação externa e de larga escala – promovida por órgãos oficiais de educação.
Uma avaliação pontual aplicada anualmente, em todo o território nacional, no
período de dois dias.
Uma avaliação de desempenho, identificando as habilidades que foram
desenvolvidas pelos alunos, considerando matrizes de referências.
Uma avaliação macro, aplicada nacionalmente, porém, apresentando resultados
individuais e por escola participante. Cabe ressaltar que, por se tratar de uma
avaliação voluntária, diferentemente da Prova Brasil, os resultados do Enem por
escolas são parciais.
Provas com 180 itens de múltipla escolha, com cinco opções e uma redação.
Áreas do conhecimento: Matemática e suas Tecnologias, Linguagens, Códigos e suas
Tecnologias e Redação; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas
e suas Tecnologias.
158
desenvolvimento de atividades de ordem didático-pedagógico, visando à eficácia e
eficiência de todo processo, disposto em planos de ação.
159
3.5.2 Fase 5.2: Impacto
Considerações finais
Referências
ALMEIDA, Samantha Nunes de Oliveira. A utilização dos resultados da Prova Brasil na
tomada de decisão pela equipe gestora de Teodoro Sampaio-BA: Um estudo de
caso.2010.96p. Monografia (Curso de Pedagogia) Faculdade de Educação, Universidade Federal da
Bahia, Salvador, 2010.
ARRETCHE, Marta T. S. Tendências no estudo sobre avaliação. In: RICO, Elizabeth Melo (org.).
Avaliação de políticas sociais: uma questão em debate. 6. ed. São Paulo: Cortez, Instituto de
Estudos Especiais, 2009.
BRASIL. República Federativa do Brasil. Lei 9.394: Estabelece Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Brasília, 1996.
BRASIL. Ministério da Educação. Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Portaria
Ministerial n°438 de 28 de maio de 1998. Brasília: INEP, 1998.
161
BRASIL. Ministério da Educação. Resolução CNE/CEB n° 2, de 30 de janeiro de 2012. Define
as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.
BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. Aprova o Plano
Nacional de Educação – PNE e dá outras providências.
BAPTISTA, Tatiana Wargas de Faria; REZENDE, Mônica de. A ideia de ciclo na análise de políticas
públicas. In MATTOS, R. A.; BAPTISTA, T. W. F. Caminhos para análise das políticas de saúde,
2011. p.138-172.
FREY, Klaus. Políticas Públicas: um debate conceitual e reflexões referentes à prática da análise de
Políticas Públicas no Brasil. Planejamento & Políticas Públicas. N°21.Junh.2000.
NASCIMENTO, Manoel Nelito M. Ensino Médio no Brasil: determinações históricas. Publicatio
UEPG: Ciências Humanas, Ciências Sociais Aplicadas, Linguística, Letras e Artes. 15, 2007. P. 77-
87.
PARENTE, Cláudia da Mota Darós; PEREZ, José Roberto Rus; MATTOS, Maria José Marinho Viana
de. Avaliação, monitoramento e controle social: contribuição à pesquisa e à política educacional.
In: PARENTE, Cláudia da Mota Darós; PARENTE, Juliano Mota. In: Avaliação, política e gestão da
educação. São Cristóvão: Editora UFS, 2011, p. 115-31.
SCHMITZ, Heike; ALMEIDA, Samantha Nunes de Oliveira. Avaliação de políticas e políticas de
avaliação. In: PARENTE, Cláudia da Mota Darós; PARENTE, Juliano Mota. (Org.). Avaliação,
Política e Gestão da Educação. São Cristóvão: Editora UFS, 2011, p. 32-46.
SCHMITZ, Heike; ARGOLLO, Rivailda Silveira Nunes de; TENÓRIO, Robinson Moreira. Governança e
gestão num sistema de avaliação da educação superior. In: TENÓRIO, Robinson Moreira e VIEIRA,
Marcos Antônio. Avaliação e sociedade: a negociação como caminho. Salvador: EDUFBA, 2009, p.
21-43.
SHIROMA, Eneida; Maria Célia Marcondes de Moraes, Olinda Evangelista. Política Educacional. 4.
Ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007.
SOUZA, Celina; Políticas Públicas: uma revisão da literatura. Sociologias, v. 8, n. 16, p. 20-45,
2006.
162
O desempenho na prova de
redação do Enem da rede
estadual de Sergipe
Raquel Meister Ko. Freitag
Fernando da Cunha Mendonça
José Júnior de Santana Sá
Introdução1
do estado de Sergipe, em seu espaço de atuação, se dispuseram a colaborar com a pesquisa; cada sujeito foi apresentado ao TLC,
contendo o objetivo da pesquisa e a garantia de sigilo e preservação do anonimato. As entrevistas duraram de 4 a 37 minutos, tendo
uma média de 16 minutos). Após a gravação das entrevistas, procedemos ao processo de transcrição e validação. No processo de
validação, reduzimos a amostra para 20 entrevistas (8 docentes e 12 discentes), por identificarmos a baixa adesão na colaboração
(respostas polares “sim/não” e estratégias de descomprometimento “não sei”).
3
Este capítulo é resultado do desenvolvimento dos planos de trabalho “Impacto da prova de redação do Enem no currículo escolar da
rede estadual de Sergipe: DRE Estância, Itabaiana e Lagarto” (SÁ, 2014) e “Impacto da prova de redação do Enem no currículo
escolar da rede estadual de Sergipe: DRE Aracaju, Carmópolis, Propriá e São Cristóvão” (CUNHA, 2014), vinculados ao projeto
“Impacto da prova de redação do Enem no currículo escolar da rede estadual de Sergipe” e financiados, no âmbito da Universidade
Federal de Sergipe, pelo Programa Institucional de Iniciação Científica (PIBIC/UFS/2014).
4
A maior dificuldade enfrentada foi relacionada à etapa das entrevistas: os sujeitos, ao serem informados do objetivo da entrevista,
não se mostravam disponíveis para colaborar com a pesquisa. No total, somente 93 sujeitos (47 docentes e 46 discentes) nas 10 DRE
do estado de Sergipe, em seu espaço de atuação, se dispuseram a colaborar com a pesquisa; cada sujeito foi apresentado ao TLC,
contendo o objetivo da pesquisa e a garantia de sigilo e preservação do anonimato. As entrevistas duraram de 4 a 37 minutos, tendo
uma média de 16 minutos). Após a gravação das entrevistas, procedemos ao processo de transcrição e validação. No processo de
validação, reduzimos a amostra para 20 entrevistas (8 docentes e 12 discentes), por identificarmos a baixa adesão na colaboração
(respostas polares “sim/não” e estratégias de descomprometimento “não sei”).
164
1 As notas da prova de redação do Enem
Por outro lado, todas as médias abaixo de 400 pontos são das escolas
localizadas no interior do estado. Diante deste cenário, a entrevista com os
professores de Língua Portuguesa e Redação e com os alunos do 3º ano pode
auxiliar no desvelamento dos motivos que levam a um desempenho abaixo do
esperado para a certificação mínima de ensino médio.
166
(2)“ Na minha concepção é de extrema importância não só
pela questão do exercício da cidadania ou seja através da
escrita e da leitura em primeiro plano o aluno se apropria de
habilidades e competências que possibilitarão que ele tenha
um bom desempenho no âmbito escolar mas na vida social
como um todo.” (Gravação 31 – DRE 08)
Os professores relataram que boa parte dos seus alunos não estão
preparados para obterem resultados satisfatórios na prova de redação do Enem. A
partir dos relatos, sumarizamos as principais dificuldades dos alunos da rede
estadual, na visão dos docentes que colaboraram com a investigação.
A maior dificuldade está relacionada com a organização das ideias. Os
professores apontam que os alunos sentem dificuldades em apresentar
argumentos convincentes que respaldem ao entendimento e conhecimento sobre
o assunto proposto para a produção escrita, mais precisamente o texto dissertativo
argumentativo, como podemos ver em (7) e (8).
168
precária ... a gente só tem acesso ao livro didático
praticamente...” (Gravação 27 – DRE 06)
(10)“O aluno de hoje ele não quer ler então por ele não ler
consequentemente ele não tem o que escrever a gente sabe que
precisa ter argumentos para escrever...” (Gravação 23 – DRE
04)
(11)“O nosso aluno nós temos que instigá-lo a ler porque ler
você sabe o brasileiro não gosta não e ele não tem a cultura na
casa dele e a escola sozinha não consegue é difícil porque se
você não ler se você não se atualiza das situações né da
sociedade como é que você vai fazer uma boa redação ah deu
um branco branco é a falta de vocabulário né é a falta de
conhecimento o problema de uma redação ruim é a falta de
conhecimento que tá ali ... desde o sexto ano desde o
fundamental essa preparação tem’ que existir sempre o aluno
do sexto ano é o alicerce o fundamental tem que ser a base...
(Gravação 21 – DRE 04)
(15) “A gente esse ano vai dedicar as três últimas semanas que
antecede o Enem para fazer revisão” (Gravação 26 – DRE 06)
170
literatura e os conteúdos relacionados à redação mesmo que
associados ... o estudo não se restringe à sala de aula à escola
ele tem que ter um cotidiano uma disciplina para estudar em
casa mas isso nem sempre ocorre na prática então é um
desafio realmente com o número reduzido de aulas e com as
condições de trabalho que nós temos fazer um trabalho como
se deve relacionado à leitura produção de texto análise
linguística e os conhecimentos literários” (Gravação 31–DRE
08)
171
públicas, é de se questionar se o investimento para a formação dos alunos face às
exigências do Enem deve se dar Pré-SEED ou no ensino regular.
É preciso considerar que o não ingresso no ensino superior
imediatamente após o ensino médio tem implicações na economia, além do que,
atualmente, apresenta um cenário de desvantagem ao egresso da rede pública,
que fica restrito em termos de acesso a programas governamentais que
consideram a nota no exame, como o Ciência Sem Fronteiras (e mais
recentemente o FIES).
Considerações finais
Referências
172
Impactos do Enem sobre o
Colégio de Aplicação da
Universidade Federal de Sergipe
Maria Josefa de Menezes Almeida
174
Clássico e Científico, passando a identificar-se como Colégio de Aplicação da
Faculdade Católica de Filosofia de Sergipe (NUNES, 2013).
É no interior das faculdades de Filosofia que nasce a ideia de tantos
Colégios de Aplicação espalhados por todo o país. Em linhas gerais, são criados
para contribuir para melhorar o ensino, incentivar práticas pedagógicas
inovadoras, servindo de campo de estágio para futuros professores. Neste contexto,
o Colégio de Aplicação da UFS nasce à luz de um movimento de organização do
país que incluía a modernização do sistema educacional (UFS/CONEP 10/96).
Percebe-se que a história dos Colégios de Aplicação, bem como a do
Codap/UFS relaciona-se à história das práticas de ensino. Foram criados a partir
da preocupação com a formação do professor, servindo como campo de estágio
para os futuros professores. Segundo Evangelista (1999, p.1):
Tais escolas nasceram no bojo de um programa político no qual a
formação do professor era central, pois dele dependeria a
formação da “mentalidade brasileira”, das elites condutoras e das
“massas ignaras”. Para constituir a nação tais escolas foram
vocacionadas a funcionar como laboratórios para experimentação
em seus alunos do que seria desejável ao trabalhador.
Referências
Introdução
179
Por sua ordem, adotamos, também, uma perspectiva discursiva que
inclui a figuração do ethos. A noção aqui tomada de empréstimo servirá para
justificar a abordagem oficial do Enem, para a qual o texto que o orienta tende a
ter a manifestação constitutiva de um ethos, ou uma boa impressão, ou ainda,
uma pragmática para convencer, orientar a confiança pelo instrumental aplicável.
Assim, implicações institucionalizadas do discurso (caso dos documentos oficiais)
estão nos documentos oficiais que tratam do Enem como que para autenticar, dar
fé ou instituir um orador (ou uma Lei) digno de fé (discurso de propriedade).
Começamos o nosso dizer por falar do óbvio ou dar a conhecer a nossa
impressão sobre o Enem e suas fases vivenciais como instrumental de avaliação.
Na sequência, tentamos situar a abordagem congregando a discussão sobre as
implicações pedagógicas e teóricas com os elementos éticos no entorno do Enem
para, então, falar sobre representações dele no CFP. Por fim, damos a conhecer a
nossa opinião pessoal sobre o que aqui pode ser constitutivo de uma dentre
muitas opiniões sobre o Enem.
181
mantemos laços de alteridade, a pergunta norteadora foi “Curso de Letras: o quê e
para quê?”.
Assim, pensar em mudanças (aderindo aos anseios nacionais de
mudança) sem perder a identidade pareceu ser o princípio do trabalho com o jogo
de experiências e expectativas e, seguramente, administrar o conflito dos saberes e
seus efeitos: saber fazer; saber fazer o saber crível e adequado, etc. O processo
conduziu a todos ao desejo de elaboração de novas propostas para ensinar e
aprender. E os projetos pedagógicos começaram a ser esboçados em todos os
níveis e segmentos da educação nacional.
O nosso questionamento sobre as atividades pensadas para as ‘mudanças
de paradigmas de ensino e aprendizagem’ pode ser aqui denominado como um
jogo de expectativas para o que se reconhece como passível de compensação e as
reais finalidades impostas por exigência da legislação institucional (aqui
denominado discurso da instituição ou, simplesmente, discurso de propriedade).
Tal discurso, ao nosso princípio de consideração, parece ter seguido uma
orientação para criar uma série de estratégias consideradas necessárias ao novo
curso: uma espécie de espaço a ser preenchido por uma ideia ou uma proposta
complexa e com dados e condições de produção e trocas em termos de efeitos
visados pela nova ordem.
Flexibilizados os princípios e habilidades, programas e currículos, agora
seria necessário atrair candidatos para os cursos de humanas... O Enem foi um
dos parâmetros, mas antes as vagas poderiam ser preenchidas com um processo
de exame (vestibular) diferenciado e direcionado para o quadro de profissionais
da educação formal (e atuantes nas sérias do Ensino Fundamental), interessados
em garantir a sua formação em nível superior.
Ensinar a realizar algo é a consideração mais significativa para o que pode
ser sinônimo de prescrever. Por seu turno, prescrever pode ser entendido,
dependendo do ponto de vista (ou lugar, na comunidade linguística), como norma
para a realização de algo, forma autorizada de pensar e agir, modo adequado de
usar os discursos escritos e orais. Ensinar implica instruir, usando práticas
diversificadas. Importa aqui relembrar as considerações de Garcia (2004) sobre as
necessidades humanas em termos do saber, do poder e das limitações humanas
em termos de sua liberdade de escolha, frente ao totalitarismo científico.
A administração de tais práticas de formação ou lugares de interações
sociais organizados em função de uma atividade social definida a partir de um ou
mais objeto de estudo, que vai de uma disciplina (e conjuntos delas) a um
conjunto de práticas e situações ativas. A respeito de tais constituintes, Bourdieu
(1982) nos alerta para o fato da existência de campos das práticas sociais e,
182
consequentemente, da inexistência de um domínio de tais práticas como
pertencente a uma ou outra disciplina. Assim, quase sem saber como
operacionalizar as mudanças, elas foram postas em prol das pretensões
semânticas...
187
Referências
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar,
2003.
BOURDIEU, P. Ce que parle veut dire. Paris: Fayard, 1982.
DURKHEIM, Émile. Educação e sociologia. São Paulo: Melhoramentos, 1978.
MAINGUENEAU, Dominique. Cenas da enunciação. São Paulo: Parábola, 2008.
MOSCOVICI, Serge. A máquina de fazer deuses. Rio de Janeiro: Imago, 1990.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e Formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
188
OS AUTORES
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