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Pontifícia Universidade Católica de Goiás 

Escola de Ciências Sociais e da Saúde

Curso de Psicologia 

Professora: Mara Rúbia Venâncio Vieira

Alunos: Geovanna Lissa Mascarenhas de Freitas e Maira Oliveira dos Santos

Turma PSI 1030 (A01)

Disciplina: Matrizes do Pensamento Psicológico II

Análise fenomenológica do Livro Anjos de


Zabine

O livro Anjos de Zabine: um ensaio psicoterapêutico escrito por Giuliana Bilbao,


conta a história e processo terapêutico de Zabine a partir do olhar de sua
Acompanhante terapêutica (A.T.) Angela, no início ao ser designada para essa
paciente, com histórico de não lidar bem com o processo de psicoterapia e nem com
suas antigas acompanhantes, sentiu angústia e ressalvas sobre o que iria encontrar
nesse desafio. Angela também se questiona internamente sobre a abordagem que
terá frente aquela pessoa, trazendo reflexões importantes sobre, entender aquele
paciente tendo como parâmetro sua própria existência e não apenas julgá-lo,
enquadrá-lo e entendê-lo pela visão da patologia e/ou apenas da teoria.

No primeiro encontro, ou desencontro, com Zabine, Angela percebe o quanto a


paciente não está aberta para o processo, assim como sua determinação em ajudar
aquela pessoa e entendê-la verdadeiramente. Ao longo da história a acompanhante
tem algumas dicas sobre quem é de fato Zabine, assim como pequenas amostras
de seu sofrimento psíquico e angústia existencial, mas o que prevalece é a
característica fechada e quase impenetrável da paciente frente a situação.

Durante toda a narrativa a narradora-personagem ressalta a importância, dificuldade


e o processo de se abrir para a paciente além de sua patologia, de suas
interpretações e julgamentos pessoais e das suposições que surgem durante as
curtas interações entre as duas personagens.

Ao fim da leitura nós é revelado que Angela é um alter-ego de Zabine, se tratando


de sua parte saudável, lúcida, aberta ao mundo e com vontade de viver, além de
alter-ego Angela também é revelada como anjo mais importante entre os anjos que
acompanham Zabine, por se tratar de sua avó, que pode ser entendida como objeto
de refúgio e segurança para ela.

Para dar início de fato a análise fenomenológica do livro, voltemos à


conceitualização do termo fenômeno: segundo Erthal (1955) fenômeno é o
manifestar da essência que vai se revelando a uma consciência, a essência é a
coisa em si (real ou imaginária). De acordo com o livro, Angela tem pressa para que
Zabine responda as perguntas feitas a ela para que ocorram trocas significativas e
começar de fato o processo psicoterapêutico, assim como também se questiona
internamente sobre as possíveis respostas de sua acompanhada, Angela não
espera o fenômeno aparecer e pressiona a cliente, e acaba por também identificar
sua ansiedade frente ao desejo de compreendê-la, como podemos observar no
trecho:

“[...] percebi que todas aquelas perguntas eram a minha busca pelas respostas que
trariam uma certa segurança sobre aquele mundo em que eu acabava de entrar.
Disse a mim mesma: “Calma, você quer entender o mundo de alguém em apenas
alguns minutos? Não tenha pressa”” (Bilbao,2007) p. 33

Outro ponto importante para iniciar a análise fenomenológica do livro é a abordagem


do modelo cartesiano e do modelo positivista dentro da narrativa das personagens.
Dentro disso temos que, de acordo com Feijoó (2011) Husserl defende que a
filosofia deve se fazer parte do projeto moderno, dessa forma, seu projeto se
contrapõe ao projeto cartesiano quando apresenta o homem com uma noção de
intencionalidade da existência, assim também nega o modelo positivista para dar
conta do fenômeno existir.

Sendo assim, esse aspecto fica evidente quando Angela se questiona sobre o tipo
de abordagem que deve seguir como psicóloga, ela refletiu sobre como os outros
profissionais se referiam a seus pacientes de uma forma determinista e faziam suas
análises elaborando conceitos e estratégias, e observando que os pacientes são
vistos como diagnósticos, resultados e não como um ser com possibilidade de
mudança e de fato responsável por sua existência. Como verificamos nos trechos:

“[...] J.R. era esquizofrênico , mas essa nomenclatura não revelava para mim quais
eram seus medos, qual a sua forma de ser-no-mundo, qual sua compreensão de si
mesmo, e portanto, eu pensava que era preciso ir além dos conceitos e da
descrição de psicopatologia para compreender realmente o outro” (Bilbao,2007)
p.20
Assim como o trecho em que questiona: “Para quem realmente servia tudo aquilo
que eu tinha aprendido?” (Bilbao,2007) p.19, como forma de entender a
necessidade de moldar a dinâmica psicoterápica de acordo com a pessoa que está
naquele processo.

Mostra ainda uma necessidade de compreender o homem além da teoria, como


pessoa que “lidera” o processo terapêutico. Como visto no livro em: “[...] não era
fundamentada em como ajudar pensando em “ o que o J.R tem?”, a avaliação
baseava-se em “quem J.R. é?” “para onde ele quer ir”” (Bilbao,2007) p.16

No processo de rompimento com a visão cartesiana de terapia temos ainda a


necessidade apontada por Angela de: “[...] respeitar a autonomia do paciente e não
lhe roubar o poder de decisão sobre sua própria vida. Além do mais, eu já havia
compreendido os meus limites e sabia que não podia saber o que era melhor para o
paciente” (Bilbao,2007) p.49

Ademais, devemos entender o homem como produto e produtor no mundo, para


isso temos que entender a Intencionalidade. O conceito de Intencionalidade,
segundo Feijoó (2011), está ligado à tentativa de desviar da perspectiva da
subjetividade nuclear do mundo, como em Descartes, rumo a uma vida inseparável
da consciência. A intencionalidade é o elemento mais original a partir do qual tudo
se dá a conhecer.

Como também cita Feijoó (2011) Heidegger retira a ideia de consciência, mantendo
apenas a intencionalidade como o espaço onde a existência acontece, o Dasein.
Esse aspecto é observado no livro quando Angela analisa a forma negativa como
J.R é descrito, ela diz que alguém é aquilo que faz de si mesmo, que ele deve ser
visto como um ser de possibilidades produto e produtor do mundo. Ao lado do texto
do livro tem uma frase que se completa com a afirmação de Feijó e Angela:

“”O ser humano não se resume, ao contrário, transborda, estica, expande,


escolhe...” o ser humano é um ser de possibilidades e não pode ser visto/ descrito
como algo determinado e estático.” (Bilbao,2007)

Assim como os trechos retirados do livros que também reiteram e ilustram a ideia de
Intencionalidade:

“O que alguém é não poderia remeter-se apenas a uma classificação fechada,


descolada da história da vida e dos significados produzidos ao longo da mesma.
Alguém é aquilo que fez de si mesmo, segundo as condições, crenças, valores e
segundo aquilo que escolheu para si.” (Bilbao,2007) p 21

“[...] E se nós fôssemos, antes de mais nada, o produto de nossa própria produção?
Caberia a nós mudar, caberia a nós reconhecer a responsabilidade pelo que
fizemos de nós e pelo que faremos por nós dali em diante. As possibilidades
abrem-se e, novamente, o ser humano põe-se em movimento” (Bilbao,2007) p.23

Já no que tange o tema Epoché tem se que, de acordo com Husserl (1859- 1938) é
necessário suspender os pressupostos, processo de epoché, para alcançar os
fenômenos e poder analisá-los corretamente sem a prioris e julgamentos, a
ausência desse processo é observado no livro quando Ângela chega a primeira vez
na casa de Zabine e a mesma não abre a porta, Angela senta na calçada e faz
vários questionamentos e reflexões sobre a paciente e o porquê dela não ter aberto
a porta, assim como a situação de sua casa, levando a acompanhante a firmar
posteriormente estar ouvindo seus próprios pensamentos e suposições e não o
fenômeno de fato, como podemos confirmar no trecho :

“Eu estava ouvindo apenas os outros e minhas próprias suposições, mas, afinal,
quem era Zabine? O que ela diria?” (Bilbao,2007) p.30

Esse mesmo trecho supracitado demonstra a importância de entender e identificar


quais são e o que são julgamentos e suposições e o que seria a verdadeira
observação do fenômeno de maneira fenomenológica. A não suspensão dos
julgamentos/preconceitos atrapalha a compreensão do fenômeno e
consequentemente a análise e resultado dessa interpretação, outro momento em
que o julgamento prevalece a observação é ilustrados no trecho:

“A essa altura, supus que algo em Zabine havia morrido, [...]. Por vezes, vinham-me
à mente imagens de um lugar arrasado por um vento incontrolável ou uma imensa
tempestade.” (Bilbao,2007) p.38

Ao longo da história Angela percebe que precisa focar na pessoa e no fenômeno


que ela quer observar para fazer uma análise eficaz e efetiva sobre sua
acompanhada, destacando assim a importância da Epoché, o trecho seguinte
demonstra essa percepção da personagem:

“Eu pensava que, para entendê-la realmente, era preciso mergulhar na sua
experiência e não conseguiria fazê-lo estando repleta de preconceitos e
pressupostos teóricos ou pessoais” (Bilbao,2007) p.60

Depois de realizar o rompimento com o modelo cartesiano, o processo de Epoché e


entender a intencionalidade da existência, temos que enfatizar a relevância de
entender essa pessoa a partir de sua própria existência, ou seja, de sua forma de
ver e estar no mundo. Segundo Sapienza (2011) a explicação de um sentido não é
algo que se dê a garantia de não voltar para o encobrimento. Compreender alguma
coisa é a realização ôntica do existencial “compreensão” que está imbricado na
existencial afinação. Portanto é necessário buscar um sentido na experiência do
outro já que somos singulares e únicos.
Angela enquanto faz suas reflexões afirma: “[...] o paciente vive segundo os seus
parâmetros e dentro de um mundo próprio, único e peculiar” (Bilbao,2007) p.56

Angela ressalta seu entendimento sobre importância desse processo ao ouvir uma
história incompleta em significados e palavras de sua acompanhada e dizer: “Eu
sabia que existia um significado particular em tudo aquilo, mas não podia terminar a
história com minhas próprias conjecturas porque elas poderiam ser falsas”
(Bilbao,2007) p.58

No livro temos ainda a narrativa de um episódio em que Zabine exprime falas e


comportamentos que só podem ser entendidos dentro de um contexto específico, e
para acessar de fato o que a personagem quer dizer a sua acompanhante tem que
se voltar ao mundo de Zabine para entender o fenômeno que está observando, o
episódio é retratado no trecho:

“[...] Zabine assustou-se com aquelas palavras de Sabino e apressou o passo em


direção ao portão principal [...] Chegamos, mais uma vez, ao belvedere localizado
na quota 86 [...] Zabine lançou ao mar algumas palavras [...] Depois de recitar os
versos, Zabine deu alguns passos para trás sem retirar os olhos do horizonte, olhou
para mim e começou a chorar. Eu a abracei e senti a dor que fazia seu corpo
tremer. [...] Eu percebia que algo se movimentava dentro de Zabine, [...]. Procurando
juntar significados, costurei uma colcha de retalhos que finalmente fazia sentido
para mim.[...]” (Bilbao,2007) p 69,70 e 71.

No que tange as relações terapêuticas de fato temos ricas contribuições, acerca do


próprio vínculo terapêutico, da postulação do que seria um bom terapeuta e uma
intervenção efetiva em psicoterapia, assim como o processo de Abertura de ambas
as partes, o exercício de presença, o olhar sobre a pessoa adoecida e sobre o ser
de possibilidades.

Iniciando pelo vínculo terapêutico cabe ressaltar a identificação do papel do


terapeuta : “[...] a cura para um mal-estar psicológico devia se dar em uma relação
de ajuda e, para isso, deveria existir um vínculo.” (Bilbao,2007) p.34

Assim como a atuação de fato e como o terapeuta também é afetado durante a


intervenção com o outro: “[...] senti que Zabine olhavam para si mesma enquanto
olhava para mim” (Bilbao,2007) p.46 e “[...] o terapeuta também vai tecendo
significados enquanto fala e que a mudança não ocorre apenas em uma única
direção na relação terapêutica” (Bilbao,2007) p. 47

Além do respeito ao processo, as dificuldades e a existência do paciente: “[...]


respeitar a autonomia do paciente e não lhe roubar o poder de decisão sobre sua
própria vida. Além do mais, eu já havia compreendido os meus limites e sabia que
não podia saber o que era melhor para o paciente” (Bilbao,2007) p.49
Durante as interações das personagens e das reflexões da terapeuta podemos
identificar outros conceitos, como a Abertura de ambas ao processo terapêutico e
para o fenômeno em si. De acordo com Fernandes (2013) citando Günter Figal
sobre o conceito de abertura:

[...] Heidegger se apropria disso para formular a abertura [...] como uma
apreensão, mas uma apreensão como pura possibilidade em oposição a apreensão
aristotélica [...]. A abertura, assim, sai do âmbito teórico (consciência) para o âmbito
fático, é uma apreensão das possibilidades de acordo com o mundo, o que lhe
confere o caráter dinâmico em oposição ao caráter estático da apreensão da pura
realidade.

Durante os encontros de Zabine e Angela, a acompanhante se apresenta


consciente da responsabilidade como terapeuta em estar aberta para o fenômeno
como fica evidenciado no trecho:

“[...] o terapeuta deve manter sempre uma abertura para compreender o paciente
segundo seus próprios parâmetros. Isso não é uma tarefa fácil, pois exige certo grau
de humildade e de confiança para lidar com o estranho” (Bilbao,2007) p.56

Angela também se depara com dificuldades em se abrir para o fenômeno, assim


como para as experiências da paciente, como a mesma traz no trecho:

“O difícil era sustentar a incerteza e, mesmo tendo vários conhecimentos teóricos,


manter a abertura necessária para apreender a particularidade do outro, para
receber a surpresa que vem daquilo que nos é diferente” (Bilbao,2007) p.50

Unindo a consciência da responsabilidade e as dificuldade no processo de abertura


a acompanhante demonstra ainda assim conseguir se manter aberta durante as
interações com a paciente, como podemos verificar nos trechos:

“[...] viver com os outros sem tabelas e conceitos preestabelecidos, sem saber se
era possível, sem saber se eu suportaria a angústia desse horizonte aberto à minha
frente.” (Bilbao,2007) p.23

“[...] estava disposta a mergulhar naquele mundo estranho, compreender o que ela
pensava e sentia e, para isso, não podia ter pressa.” p.32

Outrossim temos a paciente, que também apresenta grande dificuldade para se


abrir tanto para o processo terapêutico assim como para a própria existência em
uma demonstração de ausência de abertura e a característica de impropriedade,
como ilustrado na relutância de Zabine para abrir a porta para sua A.T, para levantar
de sua cama assim como para contar de fato situações e histórias com significado
que pudessem lhe ajudar.
Já no que tange o olhar para a pessoa adoecida, podemos analisar que, para a
fenomenologia a patologia seria o desequilíbrio / perturbação do Dasein, ou seja é
um ser-no-mundo com impropriedade e/ou dessintonizado e/ou fechado para suas
experiências, ou seja, de alguma maneira desafinado na sua existência, o ser
doente é então um ser com a existência obscurecida, que não consegue perceber a
totalidade de suas possibilidades e de todas as suas experiências. A patologia
dentro da fenomenologia pode ser ilustrada na narrativa nos seguintes trechos:

“A doença é, muitas vezes, uma compreensão limitada de uma existência que traz
múltiplos significados” (Bilbao,2007) p.34

“Começava a ver que fobia, depressão, histeria, esquizofrenia eram diferentes


formas que encontramos para estar no mundo” (Bilbao,2007) p.36

“Com a doença, ela não tinha mais controle, nem liberdade para escolher e nem
responsabilidade sobre si mesma” p.50

Para dar encerramento à análise de Anjos de Zabine vale entender Zabine, assim
como todos nós seres em adoecimento ou não, como ser-no-mundo, ou seja
devemos nos entender e ser entendidos dentro de nossas próprias experiências,
devemos ser analisados e compreendidos com parâmetro em nós mesmos e não
em teorias e postulados em que devemos nos encaixar jogando as sobras fora.
Assim como devemos ser vistos como ser de possibilidade, trazendo a
responsabilidade e liberdade para viver e vivenciar nossas experiências, fazendo
com que tenhamos propriedade sobre o que de fato nos pertence e compromisso
com a forma que lidamos com o mundo.

Referências:
- Bilbao, Giuliana. Os Anjos de Zabine: um ensaio psicoterapêutico. Campinas, SP;
Editora Alinea, 2007.

-Erthal, Tereza Cristina (1989). Terapia vivencial: uma abordagem existencial em


psicoterapia. Rio de Janeiro: Vozes.

-Feijoó, A.M.L.C. A existência para além do sujeito: a crise da subjetividade


moderna e suas repercussões para a possibilidade de uma clínica psicológica com
fundamentos fenomenológicos-existenciais. Rio de janeiro: Vérita, 2011;

- Fernandes, E.J (2013). A abertura do ser-no-mundo como desdobramento da


intuição categorial. V congresso de Fenomenologia da região
Centro-Oeste.Universidade Estadual de Maringá UEM.
-Sapienza, B. T. (2007). Do desabrigo à confiança: Daseinsanalyse e terapia. São
Paulo: Escuta.

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