Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Mestrando do Curso de História da Universidade Federal do Amazonas.
raspados, na medida que estão crescendo novamente, seus lábios inferiores estão escondidos,
o garoto aperta-os com os dentes superiores, a postura rígida, quase que de um militar,
ressaltada pela mão levemente espalmada sob a coxa direita, contrasta com o rosto cansado e
o corpo curvado, o corpo, por sinal apresenta algumas lesões na perna direita abaixo do
joelho, possíveis feridas.
O ângulo da fotografia também indica um diferencial, apesar do foco se direcionar aos
garotos eles não são captados de frente, outra diferença diz respeito aos fotografados,
especialmente no que tange as outras fotografias que registravam crianças. Enquanto algumas
fotografias mostram o fotografado olhando na direção do fotografo2, nesta o olhar do garoto
resiste e se direciona, ao que tudo indica, ao local do crematório. Nota-se que o mesmo está
vestido de duas peças de vestimentas, uma camisa de cor clara comprida com um bolso a
vista, além de botões escuros, semiaberta, um short pequeno, da mesma cor da camisa,
assemelha-se a um fardamento, porém as insuficientes evidências não permitem tal ir além
das suposições, tal vestimenta apresenta manchas, possivelmente de terra, os pés estão
descalços, sob o peito cruza-se uma espécie de cinto afivelado no lado direito, no qual
sustenta o corpo de uma criança, conforme O’Donell a criança em questão era o irmão do
garoto e encontrava-se morto, a criança levava o corpo de seu irmão para ser cremado. A
criança suspensa nas costas do pequeno está com parte do corpo pendido para a direita, os
cabelos não foram raspados e está envolta em uma manta grossa, por se tratar de uma
fotografia monocromática não é possível identificar exatamente o material. Caso não fosse
informado pelo fotografo, poderíamos supor que a criança dormia profundamente, pela
serenidade do rosto. Ao fundo nota-se um terreno limpo e alguma vegetação o que indica a
possibilidade de uma rua a frente do garoto.
Cumpre estender a analise ao fotografo. Joe O’ Donnel trabalhou como fotografo da
marinha com a missão de registrar o pós-bomba atômica em Hiroshima e Nagazaki, após a
missão entregou algumas evidencias para o governo porem escondeu algumas fotografias,
conforme relato do próprio fotografo. O’Donell faleceu em 9 de agosto de 2007 aos 85 anos,
curiosamente quando o ataque a Nagazaki completava 62 anos. Um deslize de memória quase
lhe custou o legado, uma vez que assumiu uma foto que não era sua. 3. Independente das
razões que o levaram a tal comportamento, isso não invalida a gama de potencialidades das
fotografias, sejam comprovadamente autorais ou assumidas equivocadamente, quanto a isso
concordo com Menezes na sua analise sobre Robert Capa e o problema de autenticidade,
2
Para conferir outras fotografias ver: https://www.fivecolleges.edu/fcceas/ODonnell_photos
3
Conferir entre outros: https://nppa.org/news/1618
montagem ou não o fato da fotografia assumir um papel de importância entre seus pares tem
muito a dizer.
A fotografia do garoto a espera do crematório voltou a ter atenção da mídia, após ser
recentemente adotada pelo Papa Francisco em visita ocorrida no final de 2019 a Nagazaki, a
autoridade católica apresentou um cartão com os dizeres, “o fruto da guerra”.4 O impacto da
fotografia ultrapassou os limites do tempo, haja vista que a banalidade da guerra e da
violência são notórios, não há como negar que a imagem estimula a reflexão, no entanto
novas imagens impactantes tanto quanto aquela surgem em meio ao ressurgimento de
conflitos por todo o globo. Semelhante a foto de Robert Capa a imagem capturada por Joe
O’Donell mantem sua relevância.
Notadamente algumas perguntas não serão facilmente respondidas: Quem era o
garoto? Onde se encontrava sua família? Teria ele caminhado alguns quilômetros até o local?
O que o estimulava a segurar o choro? Existiriam outras crianças no local? Cumpre ao
presente texto contar com a narrativa do fotografo até o momento que o garoto seja
encontrado e possa responder as questões.
Referências
MENESES, Ulpiano T. B. A fotografia como documento. Robert Capa e o miliciano abatido
na Espanha: sugestões para um estudo histórico. Tempo, Rio de Janeiro, n. 14, p.131-151,
2002.
4
Conferir entre outros: https://portugues.clonline.org/notícias/igreja/2019/11/26/papa-francisco-japao-
hiroshima-nagasaki
Cremation Site. Joe O’Donnell
Disponível em: https://www.rgj.com/story/news/2019/06/16/father-and-son-takes-photos-las-
vegas-other-1945-japan/1445595001/