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Um momento capturado na Segunda Guerra Mundial.

Rodrigo Caetano Sousa1

A Segunda Guerra Mundial (1939 – 1945) foi um evento catastrófico em todos os


sentidos, porém foi nesse período que se produziu uma quantidade considerável de registros,
desde a fotografia até documentário. Trata-se de documentação produzida durante e após o
evento apresentando diversas possibilidades para o historiador. Destaca-se a entrada dos
Estados Unidos após 3 anos de conflito, de acordo com as autoridades daquele país, mediante
o ataque japonês a Base norte americana de Pearl Harbor. Aqui se localiza o recorte temporal
que interessa ao presente texto, na medida em que a imagem que provocou o pensamento que
será apresentado data do fim desse conflito, a saber, 1945, mais especificamente entre os
meses de agosto e setembro daquele ano, período que marca o antes e o depois o lançamento
das bombas atômicas sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagazaki. Seguindo as
trilhas analíticas propostas por Ulpiano Bezerra de Menezes pretende-se analisar uma
fotografia em especial produzida no fim da Segunda Guerra Mundial.
A fotografia intitulada Cremation Site faz parte de uma coletânea de fotos registradas
pelo fotojornalista Joe O’Donell durante o período posterior ao lançamento das duas bombas
atômicas, O’Donell fotografou durante meses os impactos das duas bombas, tal
empreendimento resultou em centenas de fotografias, parte o fotografo entregou ao governo e
a outra reservou para si, posteriormente O’Donell decidiu publicar um livro intitulado Japan
1945: A U.S Marine’s Photographs from Ground Zero, no ano de 2005 pela editora
Vanderbilt University Press, que reunia exatamente as fotografias salvas. Entre os diversos
registros, o mais famoso, sem dúvida foi Cremation Site. Na imagem um pequeno garoto
japonês que aparenta ter 8 ou 10 anos carrega nas costas uma criança possivelmente de colo.
De acordo com o fotografo a imagem chamou-lhe a atenção pelo fato daquele ser um espaço
para cremação de cadáveres. Vale ressaltar que trata-se de uma fotografia compartilhada em
diversos veículos de comunicação, porém o acesso ao documento original não foi possível,
portanto a nitidez será um fator a ser considerado.
No que diz respeito ao ambiente nota-se cerca de 3 fios deitados no chão, não é
possível identificar exatamente se são fios de cobre, talvez um porte de energia caído, além de
um marco a esquerda identificando possivelmente um local importante, alguns centímetros
depois percebe-se o garoto em pé, com olhar fixo para frente, os cabelos supostamente foram

1
Mestrando do Curso de História da Universidade Federal do Amazonas.
raspados, na medida que estão crescendo novamente, seus lábios inferiores estão escondidos,
o garoto aperta-os com os dentes superiores, a postura rígida, quase que de um militar,
ressaltada pela mão levemente espalmada sob a coxa direita, contrasta com o rosto cansado e
o corpo curvado, o corpo, por sinal apresenta algumas lesões na perna direita abaixo do
joelho, possíveis feridas.
O ângulo da fotografia também indica um diferencial, apesar do foco se direcionar aos
garotos eles não são captados de frente, outra diferença diz respeito aos fotografados,
especialmente no que tange as outras fotografias que registravam crianças. Enquanto algumas
fotografias mostram o fotografado olhando na direção do fotografo2, nesta o olhar do garoto
resiste e se direciona, ao que tudo indica, ao local do crematório. Nota-se que o mesmo está
vestido de duas peças de vestimentas, uma camisa de cor clara comprida com um bolso a
vista, além de botões escuros, semiaberta, um short pequeno, da mesma cor da camisa,
assemelha-se a um fardamento, porém as insuficientes evidências não permitem tal ir além
das suposições, tal vestimenta apresenta manchas, possivelmente de terra, os pés estão
descalços, sob o peito cruza-se uma espécie de cinto afivelado no lado direito, no qual
sustenta o corpo de uma criança, conforme O’Donell a criança em questão era o irmão do
garoto e encontrava-se morto, a criança levava o corpo de seu irmão para ser cremado. A
criança suspensa nas costas do pequeno está com parte do corpo pendido para a direita, os
cabelos não foram raspados e está envolta em uma manta grossa, por se tratar de uma
fotografia monocromática não é possível identificar exatamente o material. Caso não fosse
informado pelo fotografo, poderíamos supor que a criança dormia profundamente, pela
serenidade do rosto. Ao fundo nota-se um terreno limpo e alguma vegetação o que indica a
possibilidade de uma rua a frente do garoto.
Cumpre estender a analise ao fotografo. Joe O’ Donnel trabalhou como fotografo da
marinha com a missão de registrar o pós-bomba atômica em Hiroshima e Nagazaki, após a
missão entregou algumas evidencias para o governo porem escondeu algumas fotografias,
conforme relato do próprio fotografo. O’Donell faleceu em 9 de agosto de 2007 aos 85 anos,
curiosamente quando o ataque a Nagazaki completava 62 anos. Um deslize de memória quase
lhe custou o legado, uma vez que assumiu uma foto que não era sua. 3. Independente das
razões que o levaram a tal comportamento, isso não invalida a gama de potencialidades das
fotografias, sejam comprovadamente autorais ou assumidas equivocadamente, quanto a isso
concordo com Menezes na sua analise sobre Robert Capa e o problema de autenticidade,
2
Para conferir outras fotografias ver: https://www.fivecolleges.edu/fcceas/ODonnell_photos
3
Conferir entre outros: https://nppa.org/news/1618
montagem ou não o fato da fotografia assumir um papel de importância entre seus pares tem
muito a dizer.
A fotografia do garoto a espera do crematório voltou a ter atenção da mídia, após ser
recentemente adotada pelo Papa Francisco em visita ocorrida no final de 2019 a Nagazaki, a
autoridade católica apresentou um cartão com os dizeres, “o fruto da guerra”.4 O impacto da
fotografia ultrapassou os limites do tempo, haja vista que a banalidade da guerra e da
violência são notórios, não há como negar que a imagem estimula a reflexão, no entanto
novas imagens impactantes tanto quanto aquela surgem em meio ao ressurgimento de
conflitos por todo o globo. Semelhante a foto de Robert Capa a imagem capturada por Joe
O’Donell mantem sua relevância.
Notadamente algumas perguntas não serão facilmente respondidas: Quem era o
garoto? Onde se encontrava sua família? Teria ele caminhado alguns quilômetros até o local?
O que o estimulava a segurar o choro? Existiriam outras crianças no local? Cumpre ao
presente texto contar com a narrativa do fotografo até o momento que o garoto seja
encontrado e possa responder as questões.

Referências
MENESES, Ulpiano T. B. A fotografia como documento. Robert Capa e o miliciano abatido
na Espanha: sugestões para um estudo histórico. Tempo, Rio de Janeiro, n. 14, p.131-151,
2002.

4
Conferir entre outros: https://portugues.clonline.org/notícias/igreja/2019/11/26/papa-francisco-japao-
hiroshima-nagasaki
Cremation Site. Joe O’Donnell
Disponível em: https://www.rgj.com/story/news/2019/06/16/father-and-son-takes-photos-las-
vegas-other-1945-japan/1445595001/

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