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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 99-121 OUT.

2011

COMO SE VIGIA OS VIGILANTES:


O CONTROLE DA POLÍCIA FEDERAL SOBRE A
1
SEGURANÇA PRIVADA

Cleber da Silva Lopes

RESUMO

O aparecimento da segurança privada e de organizações e policiamento privado que provêem policiamen-


to de maneira informal colocam novos problemas para a efetivação dos direitos civis na sociedade brasilei-
ra. Frente a isso, o trabalho analisa o controle estatal sobre a segurança privada exercido pela Polícia
Federal no período 1996-2006. Tendo como referência o modo como esse controle é realizado em outros
países e a partir do estudo dos documentos legais e entrevistas com os atores diretamente envolvidos no
controle da segurança privada, são analisados: os instrumentos legais disponíveis à Polícia Federal para
o controle da segurança privada; os mecanismos que incentivam o controle interno e o controle externo da
segurança privada; e a fiscalização exercida sobre a segurança privada e demais organizações e agentes
particulares que provêem policiamento de maneira informal.
PALAVRAS-CHAVE: segurança privada; direitos civis; Polícia Federal; fiscalização; agentes.

I. INTRODUÇÃO grande atualidade na sociedade brasileira, cujas or-


ganizações policiais têm notabilizado-se historica-
A pergunta “mas quem vigiará os vigias?” do
mente pelo elevado grau de autonomia e arbitrarie-
satirista romano Juvenal sintetiza o dilema políti-
dade com que atuam (PINHEIRO, 2001). O cres-
co relacionado às organizações e agentes que, em
cimento do policiamento privado, executado pelas
sociedades democráticas, exercem policiamento,
empresas de segurança privada e por organizações
entendido como a atividade que visa manter a se-
e agentes informais, ocorrido no Brasil nas últimas
gurança de uma ordem social particular ou da or-
décadas, deu novo significado ao dilema político
dem social geral através da vigilância e ameaça ou
implícito na pergunta de Juvenal. Como se contro-
uso de sanções (SHEARING, 1992; BAYLEY &
la a segurança privada e os demais provedores par-
SHEARING, 1996; REINER, 2004). Os agentes
ticulares de policiamento que atuam na
de policiamento estão autorizados a distribuir san-
informalidade tornou-se tema relevante para as agen-
ções (especialmente com força física) para prote-
das política e acadêmica brasileiras.
gerem direitos civis, mas nessa distribuição de san-
ções os direitos civis podem ser violados. As soci- A necessidade de controle público sobre a se-
edades democráticas vislumbram no controle2 das gurança privada em vista dos riscos potenciais que
organizações e agentes que exercem policiamento
uma solução possível para esse dilema, que é de
é utilizado ao longo deste artigo para referir-se, indistinta-
mente, a duas formas de controle: controle sobre os proce-
1 O artigo é um resumo da dissertação de mestrado de dimentos das organizações que provêem policiamento, tam-
mesmo título defendida na Universidade Estadual de Cam- bém chamado “responsabilização”; e controle sobre a con-
pinas (Unicamp) em abril de 2007 (cf. LOPES, 2007). Ver- duta dos agentes que fazem policiamento. Embora uma
são preliminar deste trabalho foi apresentada na mesa de distinção entre esses dois tipos de controle seja possível,
“Políticas Públicas” do 6° Encontro da Associação Brasi- ela é pouco relevante porque ambos são interdependentes
leira de Ciência Política (ABCP), realizado na Unicamp e complementares. Como notou Bayley, a “ação
entre os dias 29 de julho e 1° de agosto de 2008. institucional se manifesta no modo como seus membros
agem; o controle das instituições não existe se o comporta-
2 Entende-se por “controle” os mecanismos e ações que mento de seus membros não é afetado. A responsabilização
visam gerar adequação das empresas e profissionais de se- implica controle, e controle gera responsabilização”
gurança privada às expectativas e regras públicas. O termo (BAYLEY, 2001, p. 174-175).

Recebido em 18 de maio de 2010.


Aprovado em 18 de junho de 2010.
Rev. Sociol. Polít., Curitiba, v. 19, n. 40, p. 99-121, out. 2011
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COMO SE VIGIA OS VIGILANTES

esses serviços representam para os direitos civis da, como muitos preferem – tem sido abordado
e para a ordem democrática foi apontada por qua- por duas perspectivas teóricas que divergem quanto
se todos os autores brasileiros que escreveram à melhor forma de obter condutas adequadas de
sobre o tema (MATHIAS, 1990; PAIXÃO, 1991; empresas e profissionais de segurança privada. De
HERINGER, 1992; SILVA, 1992; MUSUMECI, uma perspectiva, entende-se que o controle de-
1998; CUBAS, 2002; CALDEIRA, 2003). Contu- pende fundamentalmente do Estado (REYNOLDS,
do, foram poucos os autores que realizaram estu- 1996; LOADER, 2000; BAYLEY & SHEARING,
dos específicos sobre o modo como o controle é 2001; BURBIDGE, 2005), ao passo que outra
feito, com destaque para Zanetic (2006), Coelho perspectiva sustenta que a segurança privada está
(2006) e Ricardo (2006), que deixaram lacunas submetida a outras formas de controle além do
importantes para serem preenchidas. Os dois pri- estatal-formal, algumas das quais supostamente
meiros privilegiaram a análise do marco regulatório mais efetivas em termos de gerar adequação do
em detrimento do estudo da fiscalização e do in- policiamento privado aos interesses e normas pú-
centivo estatal a formas de controles não-estatais blicas: o controle realizado pela própria empresa
sobre a segurança privada. Ricardo objetivou es- sobre os seus funcionários (controle interno) e os
tudar a regulamentação, fiscalização e controle da controles externos provenientes dos clientes, das
segurança privada no Brasil com o intuito de iden- associações de classe, do mercado competitivo,
tificar problemas e propor aperfeiçoamentos, mas de grupos de pressão, da imprensa e de pessoas
não realizou pesquisa de campo junto aos órgãos descontentes que movem processos para respon-
de controle e nem entrevistou os agentes que fa- sabilizar civil e/ou criminalmente empresas e pro-
zem esse trabalho, produzindo assim uma análise fissionais de segurança privada (STENNING,
que precisa ser aprofundada. 2000; 2006; The Public Accountability of Private
Police, 2000). A análise aqui desenvolvida parte
Este artigo traz uma contribuição para essa li-
do pressuposto de que essas perspectivas teóri-
teratura através de um estudo exploratório sobre
cas não são conflitantes. Ainda que o Estado não
o controle da segurança privada exercido pelo
seja a única ou mesmo a mais importante fonte de
Estado brasileiro no período 1996-2006. Desde
controle direto da segurança privada, é a institui-
1996 a agência estatal responsável por vigiar os
ção com maior capacidade de conduzir isso por
“vigilantes”3 que proliferaram na sociedade brasi-
pelo menos três razões. A primeira é que apenas o
leira nas últimas décadas é a Polícia Federal, que
Estado pode impor regras válidas para todo o se-
desempenha o papel de agência reguladora,
tor – diferentemente da regulação feita por asso-
controladora e fiscalizadora da segurança privada
ciações de classe, restrita aos associados – em
em todo o país. O objetivo geral deste artigo é
razão do caráter geral e coativo da regulação esta-
explorar como a Polícia Federal desempenha es-
tal. A segunda é que somente o Estado tem autori-
ses papéis com vistas a assegurar a responsabili-
dade e potencial para exercer controle constante
dade pública das empresas e agentes de seguran-
e próativo sobre as organizações de policiamento
ça privada. Para a consecução desse objetivo, além
privado, intervindo de maneira corretiva quando
de levantamento de dados para caracterizar o uni-
os demais mecanismos de controle falham, e, so-
verso do policiamento privado no Brasil, foram
bretudo, no combate às organizações e agentes
pesquisados documentos legais referentes à se-
que exercem policiamento informalmente. Por fim,
gurança privada (leis, decretos, portarias, parece-
a terceira razão é que só o Estado pode criar um
res, jurisprudências, decisões de tribunais etc.) e
ambiente favorável à adequação do comportamen-
foi realizada observação das rotinas de trabalho de
to das organizações e agentes de segurança privada
dois órgãos de controle, bem como 19 entrevistas
ao interesse público, o que pode ser feito mediante
semi-estruturadas, feitas entre novembro de 2006
o alinhamento dos controles interno e externos.
e janeiro de 2007, com os atores diretamente en-
Como The Public Accountability of Private Police
volvidos no controle da segurança privada.
(2000) mostrou, o controle da segurança privada
Na literatura internacional de língua inglesa, o só pode existir de maneira efetiva se as empresas
controle da segurança privada – ou polícia priva- estiverem dispostas a controlar seus agentes tendo
em vista o interesse público. E essa disposição está
fortemente relacionada ao desejo dos clientes de
3 “Vigilante” é o termo que juridicamente designa os pro- que isso ocorra. O problema aqui, então, é criar
fissionais de segurança privada no Brasil. incentivos e constrangimentos para que as empre-

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sas e/ou os clientes interessem-se e cobrem con- particulares de policiamento que emergiram na
dutas adequadas e altamente profissionais dos agen- sociedade brasileira nas últimas décadas podem
tes de segurança privada, problema que o Estado ser divididos em dois grandes universos. De um
está em condições privilegiadas de equacionar. lado, estão as empresas formalmente constituí-
das e autorizadas pelo Estado a executarem poli-
Considerando esses três aspectos, pode-se
ciamento, a chamada segurança privada. De ou-
afirmar que o controle efetivo da segurança pri-
tro, há uma variedade de serviços protetores exe-
vada requer: i) a existência de um marco
cutados informalmente (sem autorização do Esta-
regulatório que permita responsabilizar empresas
do) e que extrapolam a definição legal de seguran-
e profissionais de segurança privada, ii) mecanis-
ça privada, tornando problemática a delimitação
mos de incentivo ao controle interno e aos con-
da jurisdição de controle da Polícia Federal e a
troles externos não-estatais e iii) unidades de con-
identificação dos alvos de suas atividades de fis-
trole capazes de exercer fiscalização constante e
calização.
proativa sobre a segurança privada e sobre o uni-
verso informal dos provedores particulares de II.1. A segurança privada
policiamento. Investigar de que modo essas con-
O universo da segurança privada inclui tanto
dições se realizam no Brasil é o que pretende este
as empresas de capital privado que possuem con-
artigo, que para isso divide-se em três partes. A
cessão do Estado para comercializar serviços de
primeira apresenta o universo do policiamento
proteção ao patrimônio e às pessoas (empresas
privado formal e informal no Brasil. Optou-se por
de segurança privada especializadas), quanto as
uma exposição mais abrangente a partir do con-
empresas e organizações das mais variadas que
ceito de policiamento privado. Ao proceder deste
organizam departamentos internos para promo-
modo pretende-se não apenas apontar a necessi-
verem sua própria segurança (empresas com se-
dade, as dificuldades e desafios colocados para o
gurança orgânica).
controle da segurança privada no Brasil, mas tam-
bém os limites do controle estatal exercido pela O segmento comercial abrange as empresas
Polícia Federal face ao universo mais amplo do especializadas que oferecem em bases contratuais
policiamento privado existente na sociedade bra- os serviços de “vigilância patrimonial”, “transporte
sileira. As duas partes seguintes analisam o modo de valores”, “escolta armada” e “segurança pes-
como a segurança privada é controlada. A segun- soal privada”. Inclui também os chamados “cur-
da parte situa-se em um plano mais geral, dedican- so de formação”, empresas cuja atividade-fim não
do-se a descrever e caracterizar a estrutura é comercializar serviços de proteção e sim for-
normativa e organizacional que regula e controla a mar, especializar e reciclar a mão-de-obra que
segurança privada no Brasil. A terceira e última parte executará policiamento – os vigilantes. Já a segu-
analisa os instrumentos legais disponíveis à Polícia rança orgânica diz respeito às atividades de vigi-
Federal para a responsabilização das empresas e lância patrimonial e transporte de valores execu-
agentes de segurança privada, os mecanismos de tadas por profissionais contratados diretamente
incentivo ao controle interno e controle externo não- pelos usuários dos serviços. Grosso modo, esses
estatal (principalmente o controle pelos clientes e dois segmentos correspondem àqueles que as le-
pelas associações de classe), e a fiscalização sobre gislações de diversos países e a literatura socioló-
a segurança privada legal e sobre os provedores gica tratam pelo termo “segurança privada”4.
particulares de policiamento que atuam na Grosso modo porque as leis de alguns países in-
informalidade. As considerações finais sumarizam cluem na definição serviços de investigação parti-
as questões discutidas ao longo do texto, especial- cular e de segurança eletrônica. No Brasil, tais
mente na última parte, e trata de algumas implica-
ções para a pesquisa e para as políticas públicas
decorrentes da análise aqui desenvolvida. 4 Enquanto categoria sociológica, o termo “segurança pri-
vada” foi empregado por Shearing e Stenning (1981) para
II. SEGURANÇA PRIVADA E POLICIAMENTO referirem-se às empresas formalmente constituídas que
PRIVADO INFORMAL NO BRASIL vendem serviços de vigilância ou equipamentos de preven-
ção no mercado (a chamada indústria da segurança), bem
Partindo da definição de policiamento tal como como às empresas e às organizações mais variadas que
formulada por autores como Bayley e Shearing organizam divisões internas para promover sua própria
(1996; 2001) e Reinner (2004), os provedores segurança (segurança orgânica ou private security in-house).

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serviços não fazem parte do universo legal da se- da e outras centenas de empresas e instituições
gurança privada, portanto estão fora da jurisdição com serviços orgânicos de segurança (cf.
de controle da Polícia Federal. FENAVIST, 2005). Essas empresas e organiza-
ções empregavam cerca de 450 000 vigilantes,
Em 2004 havia no Brasil 1 523 empresas pres-
efetivo superior ao das principais forças de segu-
tando regularmente serviços de segurança priva-
rança pública do país, como mostra o Gráfico 1.

GRÁFICO 1 – EFETIVO DAS FORÇAS DE SEGURANÇA PÚBLICA E DA SEGURANÇA PRIVADA NO BRASIL


(2003-2004)

FONTES: o autor, a partir de Brasil. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública (s/d) e
Fenavist (2005).
NOTAS: 1. Dados de 2003. O efetivo da polícia civil não inclui a polícia técnica
2. Dados do II ESSEG/FENAVIST. Inclui os vigilantes que trabalham em empresas de segurança
privada (dados de 2004) e os que trabalham em empresas com segurança orgânica (dados de
2003).
3. Os dados das Guardas Municipais são de 2004, mas estão subestimadas porque a SENASP
levantou informações em apenas 192 das 285 Guardas existentes no país. Não há dados para
a região Norte.

Observa-se no Gráfico 1 que a segurança pri- de maioria (72%) atuava no setor público, de ser-
vada estava mais concentrada nas regiões Nor- viços e em bancos. Em outros termos, a maioria
deste, Sul e Sudeste, sendo que nestas duas últi- dos vigilantes patrimoniais realizava policiamento
mas superava os efetivos das Polícias Civis, Mili- nos chamados “espaços comunais” – espaços de
tares e Guardas Municipais. A região de maior uso coletivo localizados no interior de proprieda-
destaque era o Sudeste, especialmente os estados des fechadas (públicas ou privadas) que assumem
de São Paulo e Rio de Janeiro, que, juntos, reuni- a responsabilidade por sua própria segurança: re-
am aproximadamente 39% do total de empresas partições públicas, shopping centers, instituições
de segurnaça privada especializadas e 53% do to- de ensino, hipermercados, espaços recreativos
tal de vigilantes (terceirizados e orgânicos). So- etc. 5 .
mente o estado de São Paulo tinha cerca de 27%
das empresas e 40% dos vigilantes do país (cf.
FENAVIST, 2005). 5 A definição de espaços comunais é de Kempa et. al.
(1999). Os dados sobre os setores em que os vigilantes
Olhando para o local de atuação dos vigilantes atuam constam no II Estudo do setor de segurança priva-
patriminiais (Gráfico 2), descobre-se que a gran- da (cf. FENAVIST, 2005).

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GRÁFICO 2 – DISTRIBUIÇÃO DOS VIGILANTES POR SETOR ECONÔMICO

FONTE: o autor, a partir de Fenavist (2005).

Como o cidadão médio passa parte substanti- estarem legalmente autorizados para tanto. Trata-
va de seu tempo no interior desses espaços, pode- se de um universo bastante heterogêneo. De um
se afirmar que a vida pública é hoje tão ou mais modo geral, inclui: i) empresas juridicamente cons-
policiada pela segurança privada do que pelas for- tituídas como de segurança privada em juntas
ças de segurança pública. Dado os poderes envol- comerciais ou com registro em outros órgãos
vidos nas atividades de policiamento privado, esse públicos, porém não autorizadas a prestarem ser-
fato tem consequências para os direitos civis nas viços de segurança privada; ii) empresas que pres-
sociedades democráticas. Embora não contem tam serviços típicos de segurança privada sob a
com os mesmos poderes coercitivos especiais fachada de empresas juridicamente constituídas
disponíveis aos policiais, profissionais de segu- para atuarem em outras áreas – conservação e
rança privada detêm poderes consideráveis e po- limpeza, administração de condomínios, portaria,
tencialmente ameaçadores das liberdades civis. promoção de eventos etc.; iii) organizações juridi-
Treinados para utilizar força física e autorizados a camente inexistentes ou simplesmente pessoas
portar armas, uniformes, insígnias de autoridade associadas que prestam serviços de vigilância
e sofisticados aparatos de vigilância, profissionais patrimonial intramuros ou em vias públicas, se-
de segurança privada colocam à disposição dos gurança em eventos, serviços de proteção às pes-
que controlam propriedades poderes para investi- soas, cargas etc.; iv) “seguranças autônomos” que
gar, fiscalizar, revistar, autorizar, proibir, obstruir prestam serviços como freelancer para pessoas
e excluir que não estão submetidos às regras do ou propriedades variadas. No limite, esses agen-
devido processo legal, tal como estão os poderes tes e organizações podem assumir a forma de jus-
da polícia pública (SHEARING & STENNING, ticeiros, esquadrões da morte e milícias urbanas
1981; 1983; PAIXÃO, 1991; STENNING, 2000). ou rurais.
O fato acima aponta para a relevância do tema A quantidade de organizações e agentes na
do controle, que ganha importância ainda maior informalidade é uma das características que dis-
no contexto da sociedade brasileira, onde se veri- tingue o policiamento privado no Brasil daquele
fica a existência de um amplo universo integrado existente na América do Norte e Europa. A pre-
por agentes não-estatais (ou que agem nessa con- sença de agentes de segurança pública da ativa
dição) provendo policiamento sem a autorização exercendo atividades informais de policiamento
do Estado. privado é outro aspecto que parece singularizar a
realidade brasileira6.
II.2. O policiamento privado informal
O universo informal dos provedores particu- 6 Vale notar que a permuta de profissionais entre as orga-
lares de policiamento abrange todas as organiza- nizações de policiamento público e privado não é uma ex-
ções e pessoas que executam policiamento sem clusividade do Brasil. O intercâmbio de pessoal e serviços

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COMO SE VIGIA OS VIGILANTES

Por se tratar de um universo informal é difícil em áreas públicas (cf. BRASIL, 1988). Assim,
avaliar com precisão o seu tamanho. As suposi- aqueles que provêem policiamento em vias públi-
ções oscilam muito. As entidades patronais e cas incorreriam em crime de usurpação de fun-
laborais do setor de segurança privada estimam ção pública.
que, para cada vigilante regularizado, haja de três
Contudo, tem havido algumas tentativas de
a cinco informais. Portanto, em 2004 havia no
regulamentar as atividades de vigilância comuni-
Brasil pelo menos 1,5 milhão de pessoas envolvi-
tária. O estado de São Paulo, por exemplo, editou
das em atividades informais de policiamento pri-
em dezembro de 2002 a Lei n. 11 275, que reco-
vado7. As autoridades envolvidas no controle da
nhece e determina o registro na Secretaria de Se-
segurança privada também concordam que o
gurança Pública (SSP-SP) de “Guardas Noturnas
universo informal é maior do que o formal. Levan-
Particulares”9, “Agentes de Segurança Noturno”
tamento realizado em 2005 pela Delegacia de Con-
e “Agentes de Segurança Comunitária para Guar-
trole de Segurança Privada (Delesp) do Rio de Ja-
das de Rua” que atuam no estado. Essa lei está
neiro estimou que as atividades clandestinas repre-
sendo questionada no Supremo Tribunal Federal
sentavam 60% da segurança privada no estado.
(STF), mas até junho de 2010 estava em vigor. A
Não se sabe ao certo qual o número de pesso- Câmara Legislativa do Distrito Federal também
as envolvidas em atividades informais de policia- baixou, em 2001, lei que regulamentou serviços
mento privado, mesmo porque há dúvidas em se de vigilância em vias públicas (Lei n. 2 763, de 16
categorizar determinadas atividades como de po- de agosto de 2001). A atividade, chamada de “Ser-
liciamento e conflitos de normas que tornam al- viço Comunitário de Quadra”, podia ser exercida
gumas atividades ilegais sob um ponto de vista e por pessoas físicas ou jurídicas. Entretanto, a lei
legais sob outro. Esse é o caso das atividades de que regulamentou tais serviços foi anulada pelo
vigilância comunitária realizada em vias públicas, STF, que a julgou inconstitucional especialmente
seja por organizações ou por indivíduos autôno- no que feria o art. 144, § 5º, da Constituição Fe-
mos8. As normas federais que regulam a segu- deral de 1988 (cf. BRASIL, 1988).
rança privada no Brasil não permitem esse tipo de
Outro ponto a ser considerado é que há dúvi-
atividade. Em princípio, nenhuma outra lei pode-
das quanto a se caracterizar determinadas ativida-
ria permitir porque o art. 144, § 5º, da Constitui-
des de vigilância comunitária como policiamento
ção Federal de 1988 reserva às polícias militares a
privado. Alguns dos agentes que atuam na vigi-
competência para exercer policiamento ostensivo
lância de bairros residenciais talvez sejam mais
bem definidos como “sentinelas” do que como
agentes de policiamento privado. O termo senti-
é um importante traço estrutural da segurança privada em nela faria jus àqueles que se dedicam explicita-
vários locais (cf. SHEARING & STENNING, 1981; PAI- mente à atividade de vigilância, porém sem mobi-
XÃO, 1991). Particular ao Brasil parece ser o fato de essa lizarem sanções.
permuta envolver predominantemente policiais civis e mi-
litares da ativa e ocorrer amplamente com o universo do Policiamento privado ou não, as atividades de
policiamento privado informal. vigilância em vias públicas compreendem um uni-
7 Conforme entrevista com o Presidente do Sindicato das verso bastante amplo e do qual não se sabe pra-
Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica, Ser- ticamente nada. Como informou Khan (1999),
viços de Escolta e Cursos de Formação do Estado de São aproximadamente 29% da população da cidade
Paulo (Sesvesp) publicada no jornal Folha de S. Paulo de São Paulo reconheciam ter vigia ou guarda de
(PM NÃO É APTO PARA SER VIGIA, 2005).
segurança em casa. Segundo os presidentes da
8 Refiro-me aqui aos chamados “rondantes” – também Associação e do Sindicato dos Vigilantes Notur-
conhecidos como “guardas noturnos”, “agentes de segu- nos Autônomos, havia 170 mil vigilantes autôno-
rança comunitária”, “vigias noturnos”, “vigilantes notur-
mos credenciados no estado de São Paulo e esti-
nos autônomos” ou simplesmente “vigias” ou “guardas de
rua” –, pessoas que se dedicam à patrulha a pé, de bicicleta mava-se a existência de mais de 130 mil irregu-
ou motorizada de ruas de bairros residenciais, muitas vezes lares do ponto de vista da lei estadual. Não fo-
iniciada sem a solicitação dos moradores, que posterior-
mente são impelidos ou achacados a pagarem pelos servi-
ços. Muitos integram empresas ou cooperativas que se 9 Essas guardas são definidas como entidades sem fins
autodenominam empresas de vigilância comunitária ou guar- lucrativos mantidas por eventuais contribuições espontâ-
das noturnas. neas dos beneficiários dos serviços de vigilância prestados.

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ram encontradas estimativas para outros esta- do clandestinamente no estado de Mato Grosso,
dos, mas acredita-se que os números também em 1995, eram de propriedade de oficiais da PM
sejam elevados. que recrutavam para mão-de-obra soldados que
trabalhavam sob seu comando, além de “pistoleiros
Dificuldades à parte para mensurar o tamanho
tradicionais” (MUSUMECI, 1998, p. 16). Mais re-
do mercado marginal de policiamento privado,
centemente, em outubro de 2005, o Presidente da
parece certo que ele conta com a ampla presença
Associação de Cabos e Soldados da PM de São
de profissionais de segurança pública, especial-
Paulo declarou ao jornal Folha de S. Paulo (É
mente policiais civis e militares. Em uma pesquisa
MELHOR BICO DO QUE ROUBO, 2005) que
realizada em 1992, sobre o perfil dos policiais
cerca de 80% dos policiais da corporação faziam
militares do estado de São Paulo, Gullo (1992)
algum tipo de bico, a maioria na segurança irregu-
constatou que 33% dos policiais tinham algum
lar de estabelecimentos comerciais10.
trabalho remunerado fora da Polícia Militar (PM),
proporção que era tanto maior quanto menor o A grande quantidade de pessoas, muitas das
posto ou graduação. Não foi possível aferir ao quais agentes de segurança pública, atuando na
certo quantos desses 33% trabalhavam com poli- promoção de segurança de maneira informal, re-
ciamento privado, mas estimou-se que a maioria. presenta riscos consideráveis para os direitos ci-
Outra pesquisa, realizada no mesmo ano pelo jor- vis e problemas adicionais para o controle dessas
nal O Globo, com 886 policiais militares de todo atividades, como será mostrado mais adiante. So-
o Brasil, concluiu que 66% deles possuíam um mente na cidade de São Paulo, entre janeiro de 2001 e
segundo emprego, 36% na área de segurança co- setembro de 2003, a Secretaria de Estado da Seguran-
mercial (HERINGER, 1991, p. 56). No estado do ça Pública de São Paulo registrou 7 377 ocorrências
Rio de Janeiro, tanto em 1991 quanto em 1997, criminais envolvendo pessoas que se auto-identifi-
cálculos da imprensa estimavam que 70% dos caram como 'seguranças", vigilantes', 'vigias' e 'guar-
policiais civis possuíam outras atividades, princi- das noturnos”. O gráfico 3 e a tabela 1 mostram,
palmente com o policiamento privado respectivamente, como as ocorrências distribuí-
(MUSUMECI, 1998, p. 16). Segundo o Jornal do ram-se entre as profissões auto-declaradas e a
Brasil, 20 das 36 empresas de segurança operan- natureza dos crimes.

GRÁFICO 3 – DISTRIBUIÇÃO DAS OCORRÊNCIAS DE ACORDO


COM A PROFISSÃO DECLARADA (JANEIRO DE
2001 A SETEMBRO DE 2003)

FONTE: o autor, a partir de São Paulo. Secretaria de Estado da

10 Os policiais civis e militares não estão presentes ape-


nas no universo informal do policiamento privado, mas
também em empresas regulares, nas quais aparecem
(explicita ou disfarçadamente) como instrutores, consulto-
res, sócios ou executivos.

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COMO SE VIGIA OS VIGILANTES

TABELA 1 – NATUREZA DAS OCORRÊNCIAS definida. O contrário já não é tão provável. Os


CRIMINAIS (JANEIRO DE 2001 A indiciados que se auto-identificaram como vigi-
SETEMBRO DE 2003)
lantes podem perfeitamente não integrar o uni-
verso formal da segurança privada. Na cidade de
São Paulo, por exemplo, existem os
autodenominados “vigilantes autônomos”. A ca-
tegoria 'vigilante' registrada pela Secretaria de Es-
tado da Segurança Pública de São Paulo pode
incluir esses profissionais, que nada têm a ver
com os vigilantes regulados pelas leis federais
da segurança privada.
É preciso observar ainda que na zona de
intersecção entre policiamento público e privado
há uma área crítica para os direitos civis. Casos
conhecidos mostram que graves transgressões
FONTE: o autor, a partir de São Paulo. Secretaria de e violações de direitos humanos estão associa-
Estado da Segurança Pública. Coordenadoria de das à venda de proteção informal – individual ou
Análise e Planejamento (s/d). organizadamente, mas em grande parte feita por
NOTAS: 1. * Agrupa os crimes de injúria, injúria real, policiais civis e militares – para esquemas crimi-
desacato, calúnia e difamação. nosos ou clientes que percebem a ação da polí-
2. ** Agrupa mais de 30 tipos de crimes, cia como insuficiente para a proteção de sua in-
cada qual com um percentual menor tegridade e propriedade. Sob a fachada de em-
que 2%. presas de segurança privada, serviços informais
de policiamento privado têm sido prestados a la-
Embora os dados da Tabela 1 não permitam tifundiários com propriedades rurais em dispu-
distinguir se os crimes ocorreram quando os in- ta, grupos criminosos, comerciantes e outros seg-
divíduos promoviam a segurança de alguém ou mentos sociais interessados em promover a “fa-
algo, a natureza das ocorrências mais expressi- xina social” da periferia violenta dos grandes
vas leva a crer que isso tenha acontecido, já que centros urbanos. Nessa mancha mais cinza é di-
os crimes de ameaça, lesão corporal dolosa, porte fícil distinguir as fronteiras entre policiamento
de arma de fogo, ofensas verbais e vias de fato público, policiamento privado e banditismo, co-
são típicos de atividades que precisam recorrer locando assim desafios sérios do ponto de vista
à ameaça ou uso de força física para impor nor- de quais órgãos devem combater tais atividades.
mas de conduta. É preciso ponderar ainda que Como será mostrado na seqüência, a Polícia Fe-
as estatísticas geradas pela Secretaria de Estado deral tem grandes limitações para atuar nessa área
da Segurança Pública de São Paulo não permi- de intersecção.
tem discriminar com precisão os agentes for-
III. CARACTERÍSTICAS DA ESTRUTURA
mais e informais de policiamento privado. Toda-
NORMATIVA E ORGANIZACIONAL DE
via, o fato de o gráfico 3 mostrar que a maioria
CONTROLE
das ocorrências envolveram pessoas que se auto-
declararam “seguranças”, “vigias” e “guarda no- As normas que regem a segurança privada
turno” (62%) sugere fortemente que os crimes no Brasil e conformam as organizações de con-
estão concentrados no universo informal do po- trole são compostas por três leis, dois decretos
liciamento privado, pois na legislação da segu- e dezenas de portarias, resoluções e outros ex-
rança privada essas categorias não existem for- pedientes normativos típicos de burocracias exe-
malmente. Os profissionais regulares de segu- cutivas. A norma-base é a Lei federal n. 7 102,
rança privada são denominados vigilantes. Não de 20 de junho de 1983, regulamentada pelo De-
haveria razão para esses profissionais identifica- creto n. 89 056, de 24 de novembro de 1983.
rem-se de outra maneira que não fosse como Em meados dos anos 1990 essa lei foi modifica-
vigilantes, tendo em vista que formam uma cate- da por duas outras, a Lei n. 8 863, de 28 de
goria profissional com direitos e identidade bem- março de 1994, e a Lei n. 9 017, de 30 de março

106
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 99-121 OUT. 2011

de 1995. O Decreto n. 89 056/83 também foi políticas para o setor e julgar processos punitivos
reformulado pelo Decreto n. 1 595, de 10 de instaurados pela Polícia Federal contra empresas
agosto de 1995. de segurança. Além do representante do órgão es-
tatal de controle, que o preside, esse colegiado foi
O Ministério da Justiça, por meio do Departa-
composto por representantes de entidades das clas-
mento de Polícia Federal (DPF), é responsável
ses patronal e laboral do setor de segurança priva-
pela normatização, controle e fiscalização da se-
da, bem como por representantes de órgãos públi-
gurança privada desde 1995, quando a Lei n. 9
cos exercentes de atividades correlatas. Esse ór-
017/95 atribuiu a ele tais funções e instituiu taxas
gão denomina-se Comissão Consultiva para Assun-
para que a Polícia Federal prestasse os serviços.
tos de Segurança Privada (Ccasp) e em 2006 era
Isso possibilitou ao DPF criar em sua estrutura
composta por treze membros: Diretor-Executivo
orgânica um setor especializado para exercer as
do DPF, dois representantes do poder público (Ins-
novas atribuições, que se denominou Divisão de
tituto de Resseguros do Brasil e Exército Brasilei-
Controle de Segurança Privada (DCSP), órgão
ro), quatro representantes do setor patronal (Fede-
central que foi sediado em Brasília com a incum-
ração Nacional das Empresas de Segurança e Trans-
bência de regular, coordenar e controlar a segu-
porte de Valores (Fenavist), Associação Brasileira
rança privada em todo o Brasil. Hoje esse órgão
de Cursos de Formação e Aperfeiçoamento de Vi-
chama-se Coordenação-Geral de Controle de Se-
gilantes (Abcfav), Associação Brasileira de Empre-
gurança Privada (Cgcsp).
sas de Transporte de Valores (ABTV) e Associação
Junto com o órgão central foram criados ór- Brasileira de Empresas de Vigilância (Abrevis)), qua-
gãos executores específicos chamados Delegaci- tro do setor laboral (Confederação Nacional dos
as de Controle de Segurança Privada (Delesp), uni- Vigilantes e Prestadores de Serviços (CNTV),
dades regionais vinculadas às Superintendências Ftravest, Sindicato dos Empregados de Transpor-
Regionais de Polícia Federal nos estados e Distri- tes de Valores e Similares do Distrito Federal
to Federal, responsáveis pela fiscalização e con- (Sindvalores-DF) e Associação Brasileira dos Pro-
trole da segurança privada no âmbito de suas cir- fissionais em Segurança Orgânica (ABSO)), além
cunscrições. As Comissões de Vistoria, que já de um representante do setor financeiro (Federa-
existiam, foram mantidas nas Delegacias de Polí- ção Brasileira de Bancos (Febraban)) e outro dos
cia Federal, descentralizadas das principais cida- trabalhadores bancários (Confederação Nacional dos
des do país com o objetivo de ajudar as 27 Delesp Bancários (CNB)). O Quadro 1 resume essa estru-
criadas a fiscalizarem e controlarem a segurança tura.
privada. Em 2006 havia no Brasil 82 Comissões
A regulação e o controle da segurança priva-
de Vistoria (CV) distribuídas pelos 27 estados da
da no Brasil estão atualmente sob a égide das
federação, conforme o organograma do Quadro
estruturas normativa e organizacional aqui des-
1. Cada Comissão é também responsável pelo
critas. Quatro aspetos podem ser evocados para
controle e fiscalização da segurança privada em
caracterizar essa estrutura: a amplitude da
uma circunscrição específica11.
regulação, sua extensão, o modo como o con-
Para colaborar com a normatização e controle trole organiza-se no interior da unidade federati-
da segurança privada, o Ministério da Justiça criou va e quem são os atores que conduzem a
também um órgão colegiado incumbido de sugerir regulação e o controle.

11 Essa estrutura organizacional foi criada pela Portaria n.


73, de 10 de dezembro de 1996. No intervalo de tempo
entre a promulgação da Lei n. 9 017/95 e a Portaria n. 73/96
o controle da segurança privada ficou provisoriamente a
cargo do extinto Departamento de Organização Política e
Social (DOPS) do Departamento de Polícia Federal.

107
COMO SE VIGIA OS VIGILANTES

QUADRO 1 – ORGANOGRAMA DA ESTRUTURA ORGANIZACIONAL PARA O CONTROLE DA SEGURANÇA


PRIVADA

FONTE: o autor.

A amplitude da regulação e controle diz respei- marco regulador mínimo, ou seja, poucas regras
to a quais atividades de policiamento privado são e padrões genéricos para o funcionamento de
reguladas e controladas formalmente. A amplitu- empresas e contratação de trabalhadores; iii)
de da regulação e do controle pode ser maior ou “regulação abrangente”, quando há normas esta-
menor conforme o leque de atividades reconheci- tais que visam aumentar o padrão e a qualidade dos
das: vigilância patrimonial, patrulha de rua/bairro, serviços prestados pela indústria de segurança, me-
transporte de valores, escolta, segurança pessoal, canismos para proteger o público contra maus pro-
serviços de investigação particular, segurança ele- vedores e, às vezes, proteger empresas nacionais
trônica, brigada de incêndio, transporte de pre- contra a competição de empresas estrangeiras12.
sos, segurança em presídios, segurança de O Brasil é um caso de regulação abrangente, pois
dignatários, etc. Sob esse ponto de vista, o marco conta com legislação específica que estabelece para
legal brasileiro apresenta amplitude limitada, pois as empresas de segurança privada uma série de
regula apenas quatro atividades: vigilância condições operacionais relativas à mão-de-obra,
patrimonial intra-muros, transporte de valores, treinamento dos profissionais, aquisição de armas
escolta armada e segurança pessoal privada, além
dos cursos para formação de vigilantes.
A extensão da regulação pode ser caracteriza- 12 Waard (1999) combinou essa classificação com outras
da em três níveis, tal como sugerido por Waard duas variáveis relacionadas à capacidade para implementar
(1999): i) “não-intervencionista”, quando não há as regras fixadas no marco legal (capacidade regulatória li-
marco legal específico e a responsabilidade de mitada ou ampla), montando assim uma tipologia para en-
regulação é deixada para o mercado, que a realiza quadrar os vários contextos regulatórios existentes na Eu-
ropa. Este artigo não leva em conta a variável “capacidade
através de arranjos corporativistas; ii) “regulação
regulatória” pelo fato de ela inserir-se no plano do controle
mínima”, situação em que o Estado introduz um fático.

108
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 99-121 OUT. 2011

e munições, infra-estrutura para a existência da em- abrangente existente. Ao contrário, as mudanças


presa etc. A última parte deste artigo dá uma idéia desejadas são no sentido de tornar o marco legal
mais clara a esse respeito. ainda mais abrangente. Como órgão regulador e
de controle, a Polícia Federal está naturalmente
A caracterização da estrutura organizacional
interessada em um marco legal que lhe permita
para o controle da segurança privada relativa aos
realizar suas atribuições com a maior eficiência
atores que fazem a regulação e o controle leva em
possível, para isso conta com o apoio do setor de
conta a possibilidade de o processo ser conduzi-
segurança privada, interessado em um ambiente
do de três maneiras: pelo Estado, pelo setor de
institucional regrado e controlado a ponto de me-
segurança privada ou pelo Estado e setor de segu-
lhorar as condições de oferta do problemático
rança privada em conjunto. O primeiro caso é o
mercado brasileiro de segurança. Em um merca-
mais comum. Na maioria dos locais a regulação e
do com informalidade reduzida, a tendência seria
a fiscalização da segurança privada são feitas por
haver posições divergentes em relação ao padrão
uma agência burocrática ligada ao setor adminis-
de regulação ideal para a segurança privada. Nes-
trativo (geralmente, Ministério do Interior) ou li-
se caso, a tendência seria que a Polícia Federal de-
gada ao setor de Justiça e Segurança (geralmente,
fendesse um marco legal abrangente e o setor de
uma força policial). Casos em que o mercado se
segurança privada, ao menos a parte empresarial,
auto-regula através de arranjos corporativos esta-
um marco legal mínimo, que é menos inter-
belecidos pela indústria são raros, mas a Inglater-
vencionista. Mas não é o que ocorre no Brasil.
ra é um exemplo. A regulação e o controle tam-
bém podem ser conduzidos através de um mode- A característica responsiva e centralizada da es-
lo misto ou “responsivo” em que o Estado regula trutura organizacional para o controle da segurança
e controla a segurança privada contando com a privada existente no Brasil também encontra-se res-
participação formal do setor de segurança privada paldada pelos interesses dos setores de segurança
e outros agentes no processo (PRENZLER & privada e da Polícia Federal. Da parte desta, apesar
SARRE, 1998). A existência da Ccasp faz do Bra- de aparentemente haver certo desconforto em rela-
sil um caso de estrutura institucional responsiva. ção ao amplo poder que o setor de segurança priva-
da detém, via Ccasp, dentro do processo de
Por fim, a estrutura institucional para o contro-
regulação e controle, os dirigentes da Polícia Federal
le da segurança também pode ser caracterizada em
acreditam que a boa governança sobre as atividades
vista da possibilidade de ela organizar-se de manei-
de segurança privada não pode prescindir da partici-
ra centralizada no governo federal, o que implica a
pação e colaboração de empresários e trabalhadores
existência de um padrão de regulação uniforme (vá-
do setor. Assim, a Polícia Federal vê com bons olhos
lido em todo o país), ou descentralizada (sob a res-
a existência de uma estrutura institucional responsiva
ponsabilidade das unidades federadas), que, por sua
que permita envolver o setor de segurança privada
vez, implica na existência de diversos padrões de
no processo de regulação e controle, embora não
regulação e controle dentro de um mesmo país. O
pareça plenamente satisfeita com o formato que essa
Brasil e muitos outros países são exemplos de es-
estrutura adquiriu no Brasil.
truturas institucionais de controle centralizadas. Os
Estados Unidos e o Canadá são casos de estruturas Já o caráter centralizado da regulação e con-
de controle descentralizadas. trole da segurança privada é algo absolutamente
pacífico. Da parte do setor de segurança privada,
As entrevistas realizadas com os atores direta-
a defesa da centralização está associada ao fato
mente envolvidos no controle da segurança priva-
de ela teoricamente gerar regras e procedimentos
da e a leitura de documentos oficiais pertinentes
iguais em todo o país, o que permite a formação
revelaram que tanto a Polícia Federal quanto o
de um ambiente institucional homogêneo, algo fun-
setor de segurança privada (empresários e traba-
damental para que os vigilantes tenham os mes-
lhadores) estão comprometidos com a estrutura
mos direitos em todo o território e para que as
normativa e organizacional aqui descrita e carac-
empresas possam expandir-se e/ou operacionalizar
terizada. Embora o setor de segurança privada e a
seus negócios com mais facilidade. Do lado da
Polícia Federal tenham críticas ao marco legal
Polícia Federal, a defesa desse modelo centraliza-
brasileiro, que não atende a todos os interesses
do que atribui a ela o papel de agência reguladora
dos atores envolvidos, as reivindicações por mu-
e fiscalizadora da segurança privada parece estar
dança não são pela alteração do padrão de regulação

109
COMO SE VIGIA OS VIGILANTES

relacionado a um comportamento considerado mas: requisitos para a atuação de empresas e pro-


característico dos atores estatais: a ação no senti- fissionais de segurança privada, treinamento, ar-
do de reforçar a autoridade, a longevidade política mas de fogo e uniforme e identificação visual dos
e o controle dos funcionários do Estado sobre a agentes. Esses temas também estão presentes em
sociedade (SKOCPOL, 1989). diversas partes do mundo, sendo fundamentais para
assegurar responsabilidade pública da segurança
São basicamente esses os interesses que ex-
privada. Vê-se a seguir como eles apresentam-se
plicam a identificação existente no Brasil entre
no marco legal brasileiro e como foram regulados
órgão regulador-controlador (Polícia Federal) e
pela Polícia Federal no período 1996 a 2006.
setor regulado-controlado (empresas e trabalha-
dores de segurança privada), ambos defensores Primeiramente, há o tema dos requisitos para
do padrão institucional em vigor, caracterizado, empresas e vigilantes atuarem. Exigências desse
por um lado, por uma estrutura normativa com tipo são importantes porque funcionam como uma
regulação de tipo abrangente e, por outro lado, espécie de filtro que visa garantir que somente
por uma estrutura organizacional de controle cen- pessoas idôneas, qualificadas e em condições de
tralizada e responsiva. serem responsabilizadas civil e/ou criminalmente
venham a entrar no universo da segurança priva-
IV. O CONTROLE DA POLÍCIA FEDERAL SO-
da. Trata-se de um tema presente em muitos con-
BRE A SEGURANÇA PRIVADA
textos regulatórios (CUKIER, QUIGLEY &
IV.1. Dispositivos legais para controle SUSLA, 2003). No Brasil essas exigências são ri-
gorosas, com exceção do nível educacional exigi-
Em razão do seu caráter abrangente, o marco
do para tornar-se vigilante, que é apenas a 4º série
legal que regula a segurança privada no Brasil con-
do Ensino Fundamental. O Quadro 2 resume os
tém uma série de dispositivos que permitem, dire-
requisitos básicos que empresas e vigilantes de-
ta ou indiretamente, responsabilizar empresas e
vem cumprir para serem autorizados a desempe-
profissionais de segurança privada. Entre os dis-
nhar atividades de policiamento privado nos ter-
positivos legais mais importantes para o controle
mos da Lei n. 7 102/83.
da segurança privada, estão os que tratam dos te-

QUADRO 2 – EXIGÊNCIAS PARA QUE EMPRESAS E VIGILANTES EXERÇAM ATIVIDADES DE SEGURANÇA


PRIVADA

FONTE: Brasil (1983) e Brasil. Ministério da Justiça. Departamento de Polícia Federal (1995; 2006).
NOTA: Uma UFIR corresponde a R$ 1,0641. Esse valor está congelado desde o ano 2000, quando a UFIR
foi extinta por medida provisória.

Embora de um modo geral os requisitos exigi- exigências para tornar-se vigilante: a comprova-
dos para empresas e vigilantes atuarem sejam ri- ção de inexistência de antecedentes criminais e a
gorosos, problemas de ordem regulatória necessidade de passar por testes de saúde física e
fragilizaram até recentemente duas das principais mental. No caso dos antecedentes, até pouco tem-

110
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 99-121 OUT. 2011

po predominou o entendimento de que a exigên- por parte do órgão regulador (COELHO, 2006), a
cia referia-se apenas aos antecedentes judiciais. legislação brasileira assegura a todo vigilante porte
Como a condenação na Justiça pressupõe uma de arma quando em serviço, independente do tipo
sentença com trânsito julgado, pessoas que se de serviço que ele venha a prestar. A lei define ape-
encontravam respondendo a inquérito policial, nas quais atividades precisam ser executadas com
mesmo que por crimes contra a vida ou o armas – segurança bancária, transporte de valores
patrimônio, não podiam ser impedidas de ingres- e escolta armada. Nas demais atividades, a decisão
sar ou manter-se na profissão de vigilante. O fato sobre o uso de armas no policiamento privado cabe
só foi alterado com a promulgação do Estatuto do apenas ao prestador e ao contratante do serviço de
Desarmamento, que, ao vetar a concessão do porte segurança. Assim, o Estado não pode exercer con-
de arma a quem responde a inquérito policial, for- trole público sobre uma decisão cujas conseqüên-
çou a Polícia Federal a exigir dos vigilantes ates- cias determinam em grande medida o potencial de
tados de antecedentes policiais. Não obstante essa ameaça que a segurança privada representa para os
mudança, as entidades representativas dos traba- direitos civis.
lhadores do setor de segurança privada têm ques-
Se a Polícia Federal não tem competência para
tionado judicialmente o entendimento de que pes-
decidir em quais situações a segurança privada pode
soas que respondem a inquérito policial não po-
usar armas de fogo, ela tem para regular quais ar-
dem exercer atividades de segurança privada. Se-
mas podem ser usadas e em quais condições as
gundo a liderança dos trabalhadores, essa inter-
empresas podem adquiri-las. Nesse sentido, a par-
pretação abrangente do que vem a ser “antece-
tir de 1997 ocorreram mudanças importantes na
dentes criminais” fere o princípio constitucional
política de controle de armas implementada pela
de presunção de inocência13.
Polícia Federal, notadas principalmente no aumen-
Em relação à higidez física e mental dos vigi- to do controle sobre esses insumos e na autoriza-
lantes, problemas na normatização da matéria le- ção para o uso de armas não-letais. O aumento do
varam à delegação das competências fiscalizadoras controle foi uma resposta a dois fatores. Primeiro,
desses requisitos para o Ministério do Trabalho, o uma reação a diversos episódios envolvendo o ex-
que, na prática, significou tornar a exigência inó- travio, furto ou roubo dos arsenais de empresas de
cua. O fato só foi parcialmente resolvido em agosto segurança. Segundo, uma adaptação a políticas mais
de 2006, quando a Polícia Federal promoveu uma amplas empreendidas por sucessivos governos fe-
reforma no marco regulatório com a edição de derais para aumentar o controle sobre a oferta, de-
uma nova portaria – Portaria n. 387/06-DG-DPF manda e estoque das armas em circulação14. Já a
(BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. DEPAR- inclusão de armas não-letais no universo da segu-
TAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL, 2006) – e rança privada é um processo mais recente e ainda
trouxe para si a competência para normatizar e em curso, portanto difícil de ser avaliado. De qual-
fiscalizar a aplicação dos exames psicológicos. quer modo, trata-se de uma importante inovação
com potencial para reduzir a capacidade ofensiva
No que diz respeito às armas de fogo, a
da segurança privada.
regulação brasileira está focada no produto arma, e
não em quais atividades de policiamento privado Quanto ao tema uniforme e identificação visu-
podem fazer uso de armas. Isso ocorre menos por al, do ponto de vista do controle, o que faz dele
regulação indevida da Polícia Federal e mais pelo algo fundamental é o fato de os uniformes pode-
fato de o Brasil possuir um marco legal permissivo rem facilitar ou dificultar a identificação de um
que não define ou permite que o órgão regulador agente de segurança privada e da empresa a qual
defina quais atividades de segurança privada deve- se vincula em caso de desvio de conduta. A
rão ser executadas de maneira desarmada. Dife- efetividade de controles externos, principalmente
rentemente do que ocorre em países da Europa,
América do Norte e América Latina, que proíbem o
uso de armas por agentes de segurança privada ou 14 Essa política começou com a criação do Sistema Naci-
condicionam o seu porte a uma autorização prévia onal de Arma (Sinarm) no âmbito da Polícia Federal (Lei n.
9 473/97), passou pela promulgação do “Estatuto do De-
sarmamento” (Lei n. 10 826/03) e atingiu seu ápice com a
campanha do desarmamento e referendo sobre a proibição
13 Conforme entrevista com o Presidente da CNTV. do comércio de armas de fogo e munição no país.

111
COMO SE VIGIA OS VIGILANTES

aqueles provenientes do público-alvo do policia- bal, negociação, administração da raiva (angry


mento privado (controle pela sociedade), depen- management) – e em resolução pacífica de con-
de em grande medida do modo como esse tema é flitos, aptas a minimizar o uso da força por agen-
regulado. No caso do Brasil, o marco legal mani- tes de segurança privada16, também não foram
festa a preocupação de que os vigilantes utilizem contempladas na reforma curricular empreendida
uniformes ostensivos, identificados e diferentes pela Polícia Federal, que optou por uma mudança
dos utilizados pelas Forças Armadas e Polícias de caráter mais incremental.
Militares. Mas a regulação da “plaqueta de identi-
Apesar do caráter incremental da mudança, ela
ficação do vigilante” não facilita a identificação
foi suficiente para alterar o padrão de treinamento
visual dos agentes a uma distância razoável, colo-
que vigorou no país entre 1995 e 2006, centrado
cando obstáculos para a efetividade do controle
na defesa do patrimônio e sem nenhuma preocu-
pela sociedade.
pação com direitos humanos e uso adequado da
Por fim, o tema treinamento. Nesse assunto o força. Não por acaso, essa mudança é vista pela
Brasil também faz exigências rigorosas quando Polícia Federal como a mais importante inovação
comparada às existentes em países da América da política de controle do período 1996-2006. E,
do Norte e Europa, cuja regulação sobre treina- de fato, tal mudança é fundamental para o contro-
mento varia enormemente, havendo desde casos le da segurança privada, já que vigilantes educa-
em que não há nenhuma exigência até aqueles em dos em direitos humanos e treinados para a utili-
que são exigidos cursos que variam de 32 a 280 zação da força física de maneira progressiva e
horas (CUKIER, QUIGLEY & SUSLA, 2003, p. profissional estão, em tese, menos suscetíveis a
246). O marco regulatório brasileiro exige o trei- desvios de conduta e comportamentos irrespon-
namento e o aperfeiçoamento contínuo dos pro- sáveis.
fissionais que atuam em empresas de segurança
IV.2. Instrumentos de incentivo aos controles in-
privada, que devem fazer curso preparatório para
terno e externo
tornar-se vigilante e reciclagens de dois em dois
anos. Tanto os cursos preparatórios quanto as Como alguns estudos de caso apontam (The
reciclagens são ofertados por cursos de forma- Public Accountability of Private Police, 2000;
ção e aperfeiçoamento de vigilantes autorizados STENNING, 2000), o controle estatal da segu-
pelo Ministério da Justiça-Polícia Federal. O tipo rança privada é mais eficiente quando capaz de
de treinamento oferecido por esses cursos sofreu incentivar as demais formas de controle, especi-
mudanças significativas com a recente reforma almente aquele realizado nas próprias empresas
do marco regulatório empreendida pela Polícia (controle interno) e pelos contratantes dos servi-
Federal, que aumentou a carga horária dos cur- ços de segurança (controle pelo cliente). Com-
sos, introduziu o princípio do uso proporcional prometer as entidades representativas do setor de
da força, matérias relacionadas a direitos huma- segurança privada no controle da segurança (con-
nos e outras que visam melhorar a integração en- trole pelas associações de classe) também é fun-
tre segurança pública e segurança privada. Essas damental para o controle estatal.
mudanças foram apoiadas por empresários e tra-
Um dos principais mecanismos disponíveis ao
balhadores do setor, mas contemplaram apenas
Estado para incentivar o controle interno é exigir
uma parte das demandas do setor de segurança
que empresas de segurança privada enviem rela-
privada e da sociedade. Os trabalhadores e parte
tórios de suas atividades para as autoridades pú-
do empresariado, por exemplo, desejavam mudan-
blicas ou mantenham-nos para revisão em caso
ças mais profundas através da regulamentação de
de fiscalização. Exigências desse tipo estão pre-
módulos curriculares que oferecessem aos pro-
sentes em diversos países da Europa e também
fissionais de segurança privada formação adequa-
da para que pudessem atuar em áreas tão diversas
quanto uma planta industrial, um condomínio, um
16 Conforme sugestão da Coordenadoria de Análise e Pla-
hospital e uma escola15. Por outro lado, treina-
nejamento da Secretaria de Segurança Pública do estado de
mento em técnicas de “desescalada” – judô ver-
São Paulo (CAP-SSP/SP) (cf. SÃO PAULO. SECRETA-
RIA DE ESTADO DA SEGURANÇA PÚBLICA.
COORDENADORIA DE ANÁLISE E PLANEJAMEN-
15 Conforme entrevista com o Presidente da CNTV. TO, 2004).

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REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 99-121 OUT. 2011

em alguns locais da América do Norte. No Brasil, ter responsivo. Embora seja um espaço importan-
as empresas de segurança privada não estão obri- te, a Ccasp não conta com a participação dos cli-
gadas a manter ou apresentar periodicamente re- entes (exceto o segmento financeiro), que segun-
latórios sobre suas atividades. Ao invés de relató- do a literatura são os atores em condições de de-
rios sobre atividades cotidianas, a Polícia Federal sempenhar o papel mais efetivo no controle ex-
cobra das empresas de segurança privada relató- terno da segurança privada (The Public
rios sobre produtos controlados e sobre a apura- Accountability of Private Police, 2000).
ção de eventuais condutas criminais de vigilantes.
Outro problema relacionado à Ccasp é que as
Esses relatórios são importantes. Mas, no primei-
regras que regulam o órgão (portarias do Ministé-
ro caso, o controle induzido é sobre o produto
rio da Justiça) permitem que uma parte importante
arma e demais acessórios relacionados. O segun-
do processo de controle – a punição das empresas
do visa controlar comportamentos, mas está lon-
de segurança que cometem infrações – fique sujei-
ge de ser um instrumento de supervisão constan-
ta às decisões dos próprios representantes dos
te e passível de controle público tal como são os
empresários e trabalhadores da segurança privada,
relatórios de atividades exigidos em outros con-
que formam maioria na Ccasp. Desse modo, o ór-
textos regulatórios. Assim, o Brasil dispõe de pou-
gão permite a interferência de interesses privados
cos instrumentos para incentivar o controle inter-
em um aspecto fundamental do controle estatal,
no da segurança privada com sentido público.
que é a punição das empresas infratoras. Assim, ao
Em relação ao incentivo do controle externo, invés de uma divisão clara entre controle estatal e
o Brasil dispõe de instrumentos que estimulam – controle pelas associações de classe há no Brasil
ou permitem estimular – apenas o controle pelas um amálgama problemático dessas duas modalida-
associações de classe, e mesmo assim apresen- des de controle que, em algumas circunstâncias,
tam problemas. Um desses instrumentos está pre- resulta em prejuízos para o controle público.
visto no marco regulatório normatizado pela Polí-
IV.3. A fiscalização
cia Federal, que permite aos sindicatos patronais
e laborais realizarem supervisões, sob determina- Diferentemente de outros órgãos
das circunstâncias, sobre os cursos de formação fiscalizadores, a Polícia Federal não exerce uma
de vigilantes. Além de limitado aos cursos, parece fiscalização por amostragem, e sim uma fiscaliza-
que os sindicatos não têm feito uso dessa prerro- ção extensiva a todo o setor de segurança priva-
gativa, conforme apontou o presidente da Associ- da. Isso porque a legislação determina que as
ação Brasileira dos Cursos de Formação (Abcfav): empresas de segurança privada devam ser fiscali-
“Olha, eu estou aqui nesta empresa faz 15 anos. zadas ao menos uma vez por ano. Além dessa fis-
Nunca, em tempo algum, apareceu um dirigente calização obrigatória, Delesp e CV podem iniciar,
sindical aqui pra me fiscalizar. Mesmo porque a a qualquer tempo, fiscalização de ofício, por soli-
própria Polícia Federal entende que para o cara citação da Cgcsp, do setor de segurança privada,
vir aqui tem que telefonar, marcar hora. Ele não dos órgãos de segurança pública ou ainda medi-
tem esse poder de polícia. E isso nunca aconte- ante denúncia de terceiros, desde que haja funda-
ceu. E eu acho que eles não fazem isso em ne- da suspeita de irregularidade em atividades típicas
nhum lugar. Talvez, se acontece eventualmente de segurança privada.
algum problema em uma empresa com algum vi-
Em razão da obrigatoriedade de fiscalização
gilante deles, vigilantes sindicalizados, talvez aí eles
anual sobre o setor de segurança privada, não exis-
possam ir na empresa. Agora, com relação aos
te propriamente uma política nacional de fiscali-
cursos, eu nunca recebi ninguém aqui e não co-
zação cujas diretrizes partam do órgão central.
nheço nenhuma escola que tenha recebido” (en-
Mas as lideranças empresariais pressionam a Cgcsp
trevista realizada com o Presidente da Abcfav).
e, principalmente, a Delesp e a CV para que a fis-
O principal instrumento de que a Polícia Fede- calização incida prioritariamente sobre as empre-
ral dispõe para incentivar diretamente o controle sas que oferecem preços considerados
das entidades patronais e laborais sobre a segu- inexeqüíveis no mercado de segurança privada17.
rança privada é a Ccasp, órgão colegiado que in-
corpora as entidades de empresários e trabalha-
dores no processo de regulação e controle da se- 17 Conforme entrevistas com as lideranças dos empresári-
gurança privada, atribuindo ao processo um cará- os que participam da Ccasp.

113
COMO SE VIGIA OS VIGILANTES

Todavia, os delegados de Polícia Federal que atu- trole, Delesp e CV desfrutam de ampla autonomia
am na Cgcsp revelaram nas entrevistas que a única para o planejamento de suas ações fiscalizadoras.
orientação passada às Delesp e CV é para que não Conseqüentemente, a fiscalização da segurança pri-
se restrinjam a punir, mas também orientem o vada apresenta grandes variações regionais que são
empresariado de modo a prevenir irregularidades. determinadas pelos diferentes graus de estruturação
O entendimento dos delegados era o de que a puni- das Delesp e CV (recursos financeiros, materiais e
ção deve ser utilizada apenas como último recurso, humanos disponíveis) e pelas próprias caracterís-
dirigido àqueles que cometem irregularidades fla- ticas do mercado regional de segurança privada.
grantes às normas que regem a segurança privada. Essas variações podem ser vistas no gráfico 4, que
compara o número de penalidades aplicadas com o
Como não existe uma política nacional de fis-
tamanho do mercado de segurança privada nos di-
calização emanada da autoridade central de con-
versos estados da federação.

GRÁFICO 4 – DISTRIBUIÇÃO DA SEGURANÇA PRIVADA E DAS PENALIDADES POR ESTADO (2004-2005)

FONTES: o autor, a partir de Fenavist (2005), Departamento de Polícia Federal (DPF) e Comissão Consul-
tiva para Assuntos de Segurança Privada (Ccasp) (2004.
NOTAS: 1. Inclui os dados de empresas especializadas referentes a 2004 (FENAVIST, 2005) e de empre-
sas de segurança orgânica e instituições financeiras extraídos do Sistema Nacional de Segu-
rança e Vigilância Privada (Sisvip), em 31.jan.2007.
2. Penalidades aplicadas pela Ccasp em 2005. A opção pelos dados de 2005 deve-se ao fato de
a maior parte das penalidades julgadas nesse ano terem sido aplicadas pelas Delesp e CV em
2004.

Quanto ao desempenho geral da Polícia Fede- relacionado ao maior investimento em recursos


ral no quesito fiscalização, os dados disponíveis humanos realizado na Polícia Federal. Segundo
sugerem um aumento da capacidade fiscalizadora dados dos Relatórios Anuais da Polícia Federal,
de Delesp e CV a partir de 2003 (Gráfico 5), houve a partir de 2002 um acréscimo dos polici-
verificável pelo aumento considerável do número ais de carreira, que saltaram de 6 915 em 2001
de autuações18. Esse incremento no número de para 8 260 em 2004. Aumento ainda maior ocor-
penalidades aplicadas parece estar diretamente reu com os funcionários administrativos, que eram

18 No período 2002-2006 o mercado de segurança privada


vável que o mercado tenha se tornado mais problemático
cresceu a uma proporção muito menor do que a do número neste período, certamente o que ocorreu foi um aumento
de autuações (cf. FENAVIST, 2005). Como é pouco pro- considerável da capacidade de controle da Polícia Federal.

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1 804 em 2003 e passaram a 3 204 em 2004 – mero de penalidades coincidem no tempo, suge-
crescimento de 77,6%. Não foi possível avaliar rindo a hipótese de que a melhora da capacidade
quantos desses novos servidores foram lotados fiscalizadora das Delesp e CV deva-se fundamen-
em Delesp e CV19. Mas o aumento do número de talmente ao investimento em recursos humanos
servidores da Polícia Federal e o aumento do nú- realizado pela Polícia Federal.

GRÁFICO 5 – PENALIDADES E ARQUIVAMENTOS (2002-2006)

FONTE: o autor, a partir de dados da Comissão Consultiva para Assuntos de Seguran-


ça Privada (Ccasp)

Como o Gráfico 5 mostra, junto com o au- organizacionais que afligem as unidades de con-
mento das penalidades houve um aumento do nú- trole e fiscalização. Entre essas dificuldades, des-
mero de arquivamentos, o que revela problemas taca-se a existência de um banco de dados sobre
na qualidade da fiscalização exercida por Delesp empresas e vigilantes pouco confiável, a alta
e CV. Em média, 21% dos processos julgados na rotatividade de funcionários, a ausência de uma
Ccasp, entre os anos de 2002 e 2006, foram ar- política de qualificação profissional voltada es-
quivados. Parte dos arquivamentos decorre da pecificamente para os servidores lotados em
própria dinâmica do processo administrativo, Delesp e CV e outros fatores que contribuem
mas, segundo os policiais federais entrevistados, para a ocorrência de falhas na instrução dos pro-
grande parte está relacionada a dificuldades cessos punitivos, que por essas razões acabam
sendo arquivados.
As falas a seguir, de policiais federais apon-
19 Tentou-se fazer esta avaliação, mas há inúmeras dificul-
tam para alguns desses problemas: “[...] o que
dades envolvidas em um levantamento desta natureza. O
acontece na prática (procedimentos equivocados
DPF em Brasília faz a alocação de servidores de acordo
com a demanda das Superintendências Regionais. A lotação adotados por policias federais que executam a
de funcionários nas Delesp e CV compete às superinten- fiscalização), via de regra, é provocado pela cons-
dências regionais (SR), que são quem tem ascendência ad- tante rotatividade existente na composição das
ministrativa sobre as delegacias especializadas e delegacias Delesp e Comissões de Vistorias, que para um
descentralizadas. Portanto, as informações sobre lotação determinado funcionário assimilar todos os co-
dos servidores encontram-se descentralizadas, isto é, de
nhecimentos referentes à aplicabilidade da legis-
posse das 27 superintendências regionais. Mas a dificulda-
de principal para fazer esse levantamento se deve ao fato lação requer tempo, que muitas vezes o funcio-
de haver uma rotatividade de funcionários dentro da estru- nário é preparado, vem à sede da Divisão fazer
tura orgânica do DPF que torna extremamente difícil obter estágio, outros são orientados constantemente por
dados precisos telefone, ou através de respostas a consultas for-

115
COMO SE VIGIA OS VIGILANTES

muladas por escrito e, quando está afinado com de arquivamentos de cada Delesp e CV e como
a legislação, logo, preparado para deslanchar, esse índice tem evoluído ano a ano. Tanto a Cgcsp
acaba sendo removido para outro setor da regio- quanto as Delesp e CV trabalham sem conhecer
nal, ou deslocado para escalas de plantão, des- tais dados, o que prejudica o desempenho das
falcando o setor, provocando acúmulo de servi- unidades fiscalizadoras.
ços” (fala do delegado que chefiava o controle
Se em meio às dificuldades ainda enfrentadas
da segurança privada em 2000, constante da ata
é possível notar avanços na fiscalização exercida
da 30ª reunião da Ccasp). E, de acordo com o
pela Polícia Federal sobre o mercado legal de se-
discurso de um policial federal, “[...] o elevado
gurança, o mesmo não pode ser dito em relação à
índice de ocorrência de ‘falhas’ na instrução dos
fiscalização do universo informal dos provedores
processos prende-se ao fato de que os servido-
particulares de policiamento. A capacidade de con-
res, ao serem lotados no setor, quase não rece-
trole da Polícia Federal sobre esse universo é bai-
bem treinamento específico, ou seja, aprendem
xa e limitada.
os procedimentos à medida que vão tendo con-
tato prático com o serviço” (entrevista com agen- Em primeiro lugar, a fiscalização da Polícia
te de polícia federal de Delesp). Federal está restrita à chamada “segurança pri-
vada clandestina”, que não inclui o policiamento
Sendo os funcionários mais especializados
privado executado em vias públicas, exceto
e experientes substituídos constantemente por
quando ele se relaciona ao transporte de valores,
funcionários novos e com pouco treinamento e
escolta armada e segurança pessoal privada. A
experiência, a continuidade e a qualidade do tra-
Cgcsp entende que a vigilância patrimonial de áre-
balho das Delesp e CV ficam comprometidas20.
as residenciais, realizada a partir de ruas e
Assim, a rotatividade de funcionários, somada
logradouros públicos, não é considerada irregu-
à inexistência de uma política de capacitação
lar nos termos da legislação federal de segurança
constante, acabam diminuindo a eficiência dos
privada, já que esta legislação define vigilância
órgãos que fazem o controle e a fiscalização na
patrimonial apenas como as atividades realiza-
ponta.
das no interior de propriedades (vigilância
Outro problema associado à fiscalização e à intramuros). Segundo os delegados e agentes de
política de controle da Polícia Federal, em geral, é Polícia Federal entrevistados, como não há
o fato de os órgãos de controle não sistematiza- tipificação para a vigilância patrimonial em vias
rem informações relativas às suas ações. A Cgcsp públicas, não há irregularidade a ser combatida
não produz estatísticas que lhes permita supervi- pela Polícia Federal.
sionar e corrigir as ações fiscalizadoras de Delesp
Em segundo lugar, para além da retórica dos
e CV. Não se sabe, por exemplo, qual é o índice
governos e autoridades públicas de que o comba-
te à segurança privada clandestina é prioritário,
não existia até 2006 uma política nacional voltada
para o combate dessas atividades. Como o gráfi-
co 6 mostra, os resultados da Polícia Federal no
20 Segundo os delegados entrevistados, o prazo de perma- combate à segurança privada clandestina são pífios
nência em uma delegacia especializada do DPF é e oscilantes. Basta dizer que em 2006 havia 109
indeterminado e não existe regra para alterações. Pode ser unidades de controle da segurança privada no Brasil
por vontade própria do policial, por necessidade e deman-
da de trabalho ou, ainda, por determinação da administra-
(27 Delesp e 82 CV), mas foram encerradas so-
ção. Mas há dificuldades em lotar servidores para Delesp e mente 67 empresas clandestinas, ou seja, em mé-
CV, porque essa área é considerada pouco atrativa na estru- dia menos de uma empresa fechada por unidade
tura orgânica da Polícia Federal. de controle.

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GRÁFICO 6 – ENCERRAMENTO DE EMPRESAS CLANDESTINAS DE SEGURANÇA PRIVADA


(2000-2006)

FONTE: Departamento de Polícia Federal (DPF).

Na ausência de uma política pública específi- Além do grande volume de trabalho interno,
ca voltada para o controle da segurança privada os policiais lotados em Delesp e CV queixam-se
clandestina, a fiscalização é realizada de maneira também de estarem sujeitos a concorrerem às
pontual por Delesp e CV, que têm autonomia para escalas de plantão, de sobreaviso, de segurança
decidir quando e em quais circunstâncias a segu- de dignitários e participação nas famigeradas ope-
rança privada irregular será alvo de fiscalização. rações especiais da Polícia Federal, o que reduzi-
Nesse sentido, Delesp e CV estão submetidas a ria ainda mais o tempo necessário para o planeja-
fortes restrições decorrentes, de um lado, da ca- mento e execução das operações de combate à
rência de recursos materiais e humanos presen- clandestinidade.
tes, de outro, das pesadas exigências de controle
Contudo, a principal reclamação dos policiais
sobre o segmento legal de segurança privada, que
de Delesp e CV é quanto à ausência de instrumen-
consome grande parte do trabalho das unidades
tos legais que permitam combater com eficiência
de controle, conforme explica uma das autorida-
o mercado clandestino de segurança privada. De
des responsáveis pela execução da fiscalização no
fato, o marco legal da segurança privada não con-
Rio de Janeiro: “[...] [realizamos] por mês, em
fere à Polícia Federal instrumentos legais que per-
média, duas operações de repressão aos clandes-
mitam combater a clandestinidade com eficiên-
tinos, mas acontece que a Delesp-RJ não faz só
cia. A repressão à segurança privada clandestina
isso, tem outras obrigações. Temos também que
está circunscrita à esfera administrativa e restrita
fiscalizar os planos de segurança de todas as agên-
aos provedores, não alcançando os patrocinado-
cias bancárias, os cursos de formação e as em-
res desse tipo de atividade. A empresa, pessoa ou
presas de segurança. Ao todo realizamos cerca de
grupo que provê irregularmente serviços de segu-
duas mil operações por ano, e cada uma gera um
rança é penalizado somente com o encerramento
volume gigantesco de papéis. O trabalho não ter-
das atividades, não havendo multa ou qualquer
mina quando saímos do local. Precisamos dar
outro processo de responsabilização pelo ato em
continuidade e ir ‘fechando’ a operação e seus
si, a não ser que o autuado seja recalcitrante ou o
desdobramentos, o que depende de tempo” (en-
serviço envolva o uso de armas. No caso de a
trevista com o chefe de operações e delegado subs-
segurança privada irregular ser desarmada, além
tituto da Delesp-RJ apud DELESP-RJ FECHA O
de não estar prevista nenhuma pena para respon-
CERCO, 2006).
sabilizar provedores e patrocinadores, há decisões

117
COMO SE VIGIA OS VIGILANTES

de tribunais favoráveis a empresas que questiona- nhado por melhoras na qualidade da fiscalização.
ram na Justiça as competências fiscalizadoras da Contrastando com esse fato, observou-se que a
Polícia Federal com base no argumento de que a capacidade de fiscalização da Polícia Federal so-
Lei n. 7 102/83 legisla apenas sobre as atividades bre os provedores particulares de policiamento que
de segurança privada armada21. Finalmente, se os atuam na informalidade é extremamente baixa e
clandestinos forem agentes de segurança pública, as tentativas de controle visam apenas a uma par-
especialmente, policiais civis e militares, à Polícia te desses provedores.
Federal resta apenas oficiar as Secretarias de Se-
Se em meio às dificuldades que persistem é
gurança Pública e respectivas organizações poli-
possível notar avanços na regulação e fiscalização
ciais e torcer para que haja a responsabilização
realizada pela Polícia Federal sobre o universo
dos envolvidos, o que raramente acontece.
formal da segurança privada, o mesmo não pode
VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS ser dito em relação à fiscalização do amplo e pro-
blemático universo do policiamento privado infor-
O estudo exploratório do controle estatal da
mal. A fiscalização que a Polícia Federal exerce
segurança privada exercido pela Polícia Federal
sobre esse universo é precária e limitada. Esse é o
revela uma situação ambígua. Em relação aos dis-
maior desafio colocado para a sociedade brasilei-
positivos legais disponíveis para a responsabilização
ra. Os poucos dados disponíveis indicam que os
da segurança privada, nota-se que a regulação
riscos mais sérios para os direitos civis estão as-
abrangente presente no Brasil contempla uma sé-
sociados ao universo do policiamento privado in-
rie de temas importantes para o controle. A análi-
formal. As ocorrências criminais parecem con-
se focada nesses temas revela que a política
centradas nesse universo, que é também o terre-
regulatória empreendida pela Polícia Federal entre
no no qual floresce o policiamento privado exe-
1996 e 2006 promoveu melhoras significativas em
cutado por justiceiros, “milícias”, esquadrões da
alguns desses temas (caso dos requisitos para
morte etc. Isso aponta para a necessidade de po-
empresas e vigilantes atuarem, principalmente,
líticas públicas voltadas especificamente para o
treinamento), mas outros temas permanecem re-
controle dos provedores que se inserem nesse
gulados de maneira permissiva (caso das armas
universo, seja estendendo a regulação estatal para
de fogo) e deficiente (caso dos uniformes).
algumas atividades – caso da vigilância comunitá-
Outro problema observado no controle estatal ria, cujos agentes desarmados (isso é imperati-
da segurança privada é que os instrumentos dis- vo!), treinados em legislação penal, técnicas de
poníveis para incentivar o controle interno e o observação e comunicação com a polícia podem
controle externo das empresas são frágeis. Em tornar-se “sentinelas” aptas a auxiliarem a segu-
relação ao controle interno, a Polícia Federal não rança pública22 –, seja controlando a arena em que
exige relatórios sobre as atividades das empresas o policiamento privado está em intersecção com
de segurança, mecanismo que a literatura aponta o policiamento público e com a criminalidade, seja
como fundamental para incentivar o controle no desestimulando a contratação de agentes e em-
interior das organizações. Em relação ao controle presas de segurança privada irregulares.
externo, não há mecanismos para incentivar o
Políticas desse tipo, por sua vez, dependem
controle pelos clientes. O Brasil dispõe apenas de
de um melhor conhecimento desse universo, so-
instrumentos que estimulam – ou permitem esti-
bre o qual não se sabe praticamente nada. É pre-
mular – o controle pelas associações de classe, e
mesmo estes apresentam problemas.
Finalmente, descobriu-se que a fiscalização 22 Há alguns anos o jornal Folha de S. Paulo (VIGIAS
exercida pela Polícia Federal sobre o mercado le- AUXILIAM POLÍCIA, 2006) noticiou um projeto de-
gal de segurança privada dá-se de maneira cons- senvolvido pela Polícia Civil na costa sul de São Sebas-
tião, litoral norte de São Paulo, que registrava vigilantes
tante e extensiva a todo o setor. Nos últimos anos
e oferecia treinamento de duas semanas para que apren-
houve um aumento da capacidade fiscalizadora dessem a comunicar corretamente um crime à polícia,
da Polícia Federal, aumento que não foi acompa- técnicas de observação e uso de rádio do tipo HT, que
eram suas ferramentas de trabalho. Polícia e moradores
estavam satisfeitos com o projeto, que segundo a maté-
21 Para uma análise e defesa desse ponto de vista, ver ria estava trazendo bons resultados para a segurança
Coelho (2006). local.

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ciso conhecer quem são os provedores (e quantos trole. Em que medida as várias formas de contro-
são) e patrocinadores de policiamento privado in- le são capazes de gerar resultados também é ou-
formal, onde atuam, como o policiamento é exe- tra questão a ser avaliada. Articular pesquisa
cutado, quais sanções utilizam, quais ameaças re- empírica com as questões teórico-conceituais mais
presentam para os direitos civis, quais implica- gerais é outro desafio. O caso brasileiro parece
ções têm para a segurança pública, como são con- apresentar muitas particularidades em relação ao
trolados por aqueles que os empregam etc. Além das democracias desenvolvidas, mas também
dessas questões, no caso da vigilância comunitá- guarda relações com o que tem ocorrido nesses
ria realizada em vias públicas, é preciso saber se países. É importante não perder de vista o debate
ela de fato tem sido considerada irregular e com- na literatura internacional, que tem avançado na
batida pelas polícias estaduais, se há leis nas esfe- elaboração teórico-conceitual disso que tem sido
ras locais regulando esse tipo de atividade, de que chamado de “reestruturação”, “pluralização” ou
modo regula, quem as controla e como controla. “multilateralização” do policiamento.
A agenda de pesquisa é ampla e, embora o polici-
Diante de tantas questões a serem esclarecidas,
amento privado informal suscite as questões mais
uma coisa parece certa. O controle dos agentes e
urgentes, inúmeras outras relacionadas à segurança
organizações informais de policiamento privado
privada legal também precisam ser compreendi-
depende do controle das principais forças polici-
das. No que diz respeito ao controle, é preciso
ais do país, visto que parece ser intensa a partici-
entender como tem atuado as diversas formas de
pação de policiais civis e militares em atividades
controle possíveis sobre a segurança privada –
informais de policiamento privado. Os dilemas
controle dos clientes, controle pelas associações
antigos e modernos a que Paixão (1991) referia-
de classe e controle social. É preciso saber tam-
se no início dos anos 1990 estão articulados. O
bém como essas diversas formas de controle ar-
dilema político implícito na pergunta “mas quem
ticulam-se entre si e com o controle estatal, ou
vigiará os vigias?” com a qual se começou este
seja, qual a dinâmica das diversas formas de con-
trabalho permanece no ar.

Cleber da Silva Lopes (cleber1lopes@hotmail.com) é Mestre em Ciência Política pela Universidade


Estadual de Campinas (Unicamp) e Doutorando em Ciência Política na Universidade de São Paulo
(USP).

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121
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 291-296 OUT. 2011

WATCHING OVER WATCHMEN: FEDERAL POLICE CONTROL OVER PRIVATE


SECURITY GUARDS
Cleber Lopes
The emergence of private security guards and organizations that supply informal policing poses new
problems for civil rights in Brazilian society. This paper analyzes State control over private security,
through a focus on Federal Police activity during the 1996 -2000 period. Taking the way this control
is dealt with in other countries as a crucial reference and using analysis of legal documents as well
as interviews with those who are directly involved in the control of private security, we examine the
following phenomena: the legal instruments that the Federal Police has at its disposal for the control
of private security; the mechanisms that encourage internal and external control over private security
and the watch that is kept over private security and other organizations and agents which engage in
informal forms of policing.
KEYWORDS: Private Security; Federal Police; Fiscalization; Agents.
* * *

293
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 299-305 OUT. 2011

COMMENT ON SURVEILLER LES SURVEILLANTS : LE CONTRÔLE DE LA POLICE


FÉDÉRALE SUR LA SÉCURITÉ PRIVÉE
Cleber da Silva Lopes
L’apparition de la sécurité privée et des organisations et agents particuliers qui fournissent de la
surveillance de manière informelle, pose des nouveaux problèmes pour la concrétisation des droits
civils dans la société brésilienne. Dans ce contexte, le document analyse le contrôle de l’Etat sur la
sécurité privée exercé par la Police Fédérale entre 1996 et 2006. En ayant comme référence la
façon dont ce contrôle est réalisé dans d’autres pays et à partir de l’étude des documents juridiques
et des entretiens avec les acteurs directement liés au contrôle de la sécurité privée, on analyse: les
instruments juridiques disponibles à la Police Fédérale pour le contrôle de la sécurité privée; les
mécanismes qui stimulent le contrôle interne et le contrôle externe de la sécurité privée; et la
fiscalisation exercée sur la sécurité privée et sur d’autres organisations et agents particuliers qui
fournissent de la surveillance de manière informelle.
MOTS-CLÉS: la sécurité privée; les droits civils; la Police Fédérale; la fiscalisation; les agents.
* * *

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