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2011
RESUMO
esses serviços representam para os direitos civis da, como muitos preferem – tem sido abordado
e para a ordem democrática foi apontada por qua- por duas perspectivas teóricas que divergem quanto
se todos os autores brasileiros que escreveram à melhor forma de obter condutas adequadas de
sobre o tema (MATHIAS, 1990; PAIXÃO, 1991; empresas e profissionais de segurança privada. De
HERINGER, 1992; SILVA, 1992; MUSUMECI, uma perspectiva, entende-se que o controle de-
1998; CUBAS, 2002; CALDEIRA, 2003). Contu- pende fundamentalmente do Estado (REYNOLDS,
do, foram poucos os autores que realizaram estu- 1996; LOADER, 2000; BAYLEY & SHEARING,
dos específicos sobre o modo como o controle é 2001; BURBIDGE, 2005), ao passo que outra
feito, com destaque para Zanetic (2006), Coelho perspectiva sustenta que a segurança privada está
(2006) e Ricardo (2006), que deixaram lacunas submetida a outras formas de controle além do
importantes para serem preenchidas. Os dois pri- estatal-formal, algumas das quais supostamente
meiros privilegiaram a análise do marco regulatório mais efetivas em termos de gerar adequação do
em detrimento do estudo da fiscalização e do in- policiamento privado aos interesses e normas pú-
centivo estatal a formas de controles não-estatais blicas: o controle realizado pela própria empresa
sobre a segurança privada. Ricardo objetivou es- sobre os seus funcionários (controle interno) e os
tudar a regulamentação, fiscalização e controle da controles externos provenientes dos clientes, das
segurança privada no Brasil com o intuito de iden- associações de classe, do mercado competitivo,
tificar problemas e propor aperfeiçoamentos, mas de grupos de pressão, da imprensa e de pessoas
não realizou pesquisa de campo junto aos órgãos descontentes que movem processos para respon-
de controle e nem entrevistou os agentes que fa- sabilizar civil e/ou criminalmente empresas e pro-
zem esse trabalho, produzindo assim uma análise fissionais de segurança privada (STENNING,
que precisa ser aprofundada. 2000; 2006; The Public Accountability of Private
Police, 2000). A análise aqui desenvolvida parte
Este artigo traz uma contribuição para essa li-
do pressuposto de que essas perspectivas teóri-
teratura através de um estudo exploratório sobre
cas não são conflitantes. Ainda que o Estado não
o controle da segurança privada exercido pelo
seja a única ou mesmo a mais importante fonte de
Estado brasileiro no período 1996-2006. Desde
controle direto da segurança privada, é a institui-
1996 a agência estatal responsável por vigiar os
ção com maior capacidade de conduzir isso por
“vigilantes”3 que proliferaram na sociedade brasi-
pelo menos três razões. A primeira é que apenas o
leira nas últimas décadas é a Polícia Federal, que
Estado pode impor regras válidas para todo o se-
desempenha o papel de agência reguladora,
tor – diferentemente da regulação feita por asso-
controladora e fiscalizadora da segurança privada
ciações de classe, restrita aos associados – em
em todo o país. O objetivo geral deste artigo é
razão do caráter geral e coativo da regulação esta-
explorar como a Polícia Federal desempenha es-
tal. A segunda é que somente o Estado tem autori-
ses papéis com vistas a assegurar a responsabili-
dade e potencial para exercer controle constante
dade pública das empresas e agentes de seguran-
e próativo sobre as organizações de policiamento
ça privada. Para a consecução desse objetivo, além
privado, intervindo de maneira corretiva quando
de levantamento de dados para caracterizar o uni-
os demais mecanismos de controle falham, e, so-
verso do policiamento privado no Brasil, foram
bretudo, no combate às organizações e agentes
pesquisados documentos legais referentes à se-
que exercem policiamento informalmente. Por fim,
gurança privada (leis, decretos, portarias, parece-
a terceira razão é que só o Estado pode criar um
res, jurisprudências, decisões de tribunais etc.) e
ambiente favorável à adequação do comportamen-
foi realizada observação das rotinas de trabalho de
to das organizações e agentes de segurança privada
dois órgãos de controle, bem como 19 entrevistas
ao interesse público, o que pode ser feito mediante
semi-estruturadas, feitas entre novembro de 2006
o alinhamento dos controles interno e externos.
e janeiro de 2007, com os atores diretamente en-
Como The Public Accountability of Private Police
volvidos no controle da segurança privada.
(2000) mostrou, o controle da segurança privada
Na literatura internacional de língua inglesa, o só pode existir de maneira efetiva se as empresas
controle da segurança privada – ou polícia priva- estiverem dispostas a controlar seus agentes tendo
em vista o interesse público. E essa disposição está
fortemente relacionada ao desejo dos clientes de
3 “Vigilante” é o termo que juridicamente designa os pro- que isso ocorra. O problema aqui, então, é criar
fissionais de segurança privada no Brasil. incentivos e constrangimentos para que as empre-
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sas e/ou os clientes interessem-se e cobrem con- particulares de policiamento que emergiram na
dutas adequadas e altamente profissionais dos agen- sociedade brasileira nas últimas décadas podem
tes de segurança privada, problema que o Estado ser divididos em dois grandes universos. De um
está em condições privilegiadas de equacionar. lado, estão as empresas formalmente constituí-
das e autorizadas pelo Estado a executarem poli-
Considerando esses três aspectos, pode-se
ciamento, a chamada segurança privada. De ou-
afirmar que o controle efetivo da segurança pri-
tro, há uma variedade de serviços protetores exe-
vada requer: i) a existência de um marco
cutados informalmente (sem autorização do Esta-
regulatório que permita responsabilizar empresas
do) e que extrapolam a definição legal de seguran-
e profissionais de segurança privada, ii) mecanis-
ça privada, tornando problemática a delimitação
mos de incentivo ao controle interno e aos con-
da jurisdição de controle da Polícia Federal e a
troles externos não-estatais e iii) unidades de con-
identificação dos alvos de suas atividades de fis-
trole capazes de exercer fiscalização constante e
calização.
proativa sobre a segurança privada e sobre o uni-
verso informal dos provedores particulares de II.1. A segurança privada
policiamento. Investigar de que modo essas con-
O universo da segurança privada inclui tanto
dições se realizam no Brasil é o que pretende este
as empresas de capital privado que possuem con-
artigo, que para isso divide-se em três partes. A
cessão do Estado para comercializar serviços de
primeira apresenta o universo do policiamento
proteção ao patrimônio e às pessoas (empresas
privado formal e informal no Brasil. Optou-se por
de segurança privada especializadas), quanto as
uma exposição mais abrangente a partir do con-
empresas e organizações das mais variadas que
ceito de policiamento privado. Ao proceder deste
organizam departamentos internos para promo-
modo pretende-se não apenas apontar a necessi-
verem sua própria segurança (empresas com se-
dade, as dificuldades e desafios colocados para o
gurança orgânica).
controle da segurança privada no Brasil, mas tam-
bém os limites do controle estatal exercido pela O segmento comercial abrange as empresas
Polícia Federal face ao universo mais amplo do especializadas que oferecem em bases contratuais
policiamento privado existente na sociedade bra- os serviços de “vigilância patrimonial”, “transporte
sileira. As duas partes seguintes analisam o modo de valores”, “escolta armada” e “segurança pes-
como a segurança privada é controlada. A segun- soal privada”. Inclui também os chamados “cur-
da parte situa-se em um plano mais geral, dedican- so de formação”, empresas cuja atividade-fim não
do-se a descrever e caracterizar a estrutura é comercializar serviços de proteção e sim for-
normativa e organizacional que regula e controla a mar, especializar e reciclar a mão-de-obra que
segurança privada no Brasil. A terceira e última parte executará policiamento – os vigilantes. Já a segu-
analisa os instrumentos legais disponíveis à Polícia rança orgânica diz respeito às atividades de vigi-
Federal para a responsabilização das empresas e lância patrimonial e transporte de valores execu-
agentes de segurança privada, os mecanismos de tadas por profissionais contratados diretamente
incentivo ao controle interno e controle externo não- pelos usuários dos serviços. Grosso modo, esses
estatal (principalmente o controle pelos clientes e dois segmentos correspondem àqueles que as le-
pelas associações de classe), e a fiscalização sobre gislações de diversos países e a literatura socioló-
a segurança privada legal e sobre os provedores gica tratam pelo termo “segurança privada”4.
particulares de policiamento que atuam na Grosso modo porque as leis de alguns países in-
informalidade. As considerações finais sumarizam cluem na definição serviços de investigação parti-
as questões discutidas ao longo do texto, especial- cular e de segurança eletrônica. No Brasil, tais
mente na última parte, e trata de algumas implica-
ções para a pesquisa e para as políticas públicas
decorrentes da análise aqui desenvolvida. 4 Enquanto categoria sociológica, o termo “segurança pri-
vada” foi empregado por Shearing e Stenning (1981) para
II. SEGURANÇA PRIVADA E POLICIAMENTO referirem-se às empresas formalmente constituídas que
PRIVADO INFORMAL NO BRASIL vendem serviços de vigilância ou equipamentos de preven-
ção no mercado (a chamada indústria da segurança), bem
Partindo da definição de policiamento tal como como às empresas e às organizações mais variadas que
formulada por autores como Bayley e Shearing organizam divisões internas para promover sua própria
(1996; 2001) e Reinner (2004), os provedores segurança (segurança orgânica ou private security in-house).
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COMO SE VIGIA OS VIGILANTES
serviços não fazem parte do universo legal da se- da e outras centenas de empresas e instituições
gurança privada, portanto estão fora da jurisdição com serviços orgânicos de segurança (cf.
de controle da Polícia Federal. FENAVIST, 2005). Essas empresas e organiza-
ções empregavam cerca de 450 000 vigilantes,
Em 2004 havia no Brasil 1 523 empresas pres-
efetivo superior ao das principais forças de segu-
tando regularmente serviços de segurança priva-
rança pública do país, como mostra o Gráfico 1.
FONTES: o autor, a partir de Brasil. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Segurança Pública (s/d) e
Fenavist (2005).
NOTAS: 1. Dados de 2003. O efetivo da polícia civil não inclui a polícia técnica
2. Dados do II ESSEG/FENAVIST. Inclui os vigilantes que trabalham em empresas de segurança
privada (dados de 2004) e os que trabalham em empresas com segurança orgânica (dados de
2003).
3. Os dados das Guardas Municipais são de 2004, mas estão subestimadas porque a SENASP
levantou informações em apenas 192 das 285 Guardas existentes no país. Não há dados para
a região Norte.
Observa-se no Gráfico 1 que a segurança pri- de maioria (72%) atuava no setor público, de ser-
vada estava mais concentrada nas regiões Nor- viços e em bancos. Em outros termos, a maioria
deste, Sul e Sudeste, sendo que nestas duas últi- dos vigilantes patrimoniais realizava policiamento
mas superava os efetivos das Polícias Civis, Mili- nos chamados “espaços comunais” – espaços de
tares e Guardas Municipais. A região de maior uso coletivo localizados no interior de proprieda-
destaque era o Sudeste, especialmente os estados des fechadas (públicas ou privadas) que assumem
de São Paulo e Rio de Janeiro, que, juntos, reuni- a responsabilidade por sua própria segurança: re-
am aproximadamente 39% do total de empresas partições públicas, shopping centers, instituições
de segurnaça privada especializadas e 53% do to- de ensino, hipermercados, espaços recreativos
tal de vigilantes (terceirizados e orgânicos). So- etc. 5 .
mente o estado de São Paulo tinha cerca de 27%
das empresas e 40% dos vigilantes do país (cf.
FENAVIST, 2005). 5 A definição de espaços comunais é de Kempa et. al.
(1999). Os dados sobre os setores em que os vigilantes
Olhando para o local de atuação dos vigilantes atuam constam no II Estudo do setor de segurança priva-
patriminiais (Gráfico 2), descobre-se que a gran- da (cf. FENAVIST, 2005).
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Como o cidadão médio passa parte substanti- estarem legalmente autorizados para tanto. Trata-
va de seu tempo no interior desses espaços, pode- se de um universo bastante heterogêneo. De um
se afirmar que a vida pública é hoje tão ou mais modo geral, inclui: i) empresas juridicamente cons-
policiada pela segurança privada do que pelas for- tituídas como de segurança privada em juntas
ças de segurança pública. Dado os poderes envol- comerciais ou com registro em outros órgãos
vidos nas atividades de policiamento privado, esse públicos, porém não autorizadas a prestarem ser-
fato tem consequências para os direitos civis nas viços de segurança privada; ii) empresas que pres-
sociedades democráticas. Embora não contem tam serviços típicos de segurança privada sob a
com os mesmos poderes coercitivos especiais fachada de empresas juridicamente constituídas
disponíveis aos policiais, profissionais de segu- para atuarem em outras áreas – conservação e
rança privada detêm poderes consideráveis e po- limpeza, administração de condomínios, portaria,
tencialmente ameaçadores das liberdades civis. promoção de eventos etc.; iii) organizações juridi-
Treinados para utilizar força física e autorizados a camente inexistentes ou simplesmente pessoas
portar armas, uniformes, insígnias de autoridade associadas que prestam serviços de vigilância
e sofisticados aparatos de vigilância, profissionais patrimonial intramuros ou em vias públicas, se-
de segurança privada colocam à disposição dos gurança em eventos, serviços de proteção às pes-
que controlam propriedades poderes para investi- soas, cargas etc.; iv) “seguranças autônomos” que
gar, fiscalizar, revistar, autorizar, proibir, obstruir prestam serviços como freelancer para pessoas
e excluir que não estão submetidos às regras do ou propriedades variadas. No limite, esses agen-
devido processo legal, tal como estão os poderes tes e organizações podem assumir a forma de jus-
da polícia pública (SHEARING & STENNING, ticeiros, esquadrões da morte e milícias urbanas
1981; 1983; PAIXÃO, 1991; STENNING, 2000). ou rurais.
O fato acima aponta para a relevância do tema A quantidade de organizações e agentes na
do controle, que ganha importância ainda maior informalidade é uma das características que dis-
no contexto da sociedade brasileira, onde se veri- tingue o policiamento privado no Brasil daquele
fica a existência de um amplo universo integrado existente na América do Norte e Europa. A pre-
por agentes não-estatais (ou que agem nessa con- sença de agentes de segurança pública da ativa
dição) provendo policiamento sem a autorização exercendo atividades informais de policiamento
do Estado. privado é outro aspecto que parece singularizar a
realidade brasileira6.
II.2. O policiamento privado informal
O universo informal dos provedores particu- 6 Vale notar que a permuta de profissionais entre as orga-
lares de policiamento abrange todas as organiza- nizações de policiamento público e privado não é uma ex-
ções e pessoas que executam policiamento sem clusividade do Brasil. O intercâmbio de pessoal e serviços
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COMO SE VIGIA OS VIGILANTES
Por se tratar de um universo informal é difícil em áreas públicas (cf. BRASIL, 1988). Assim,
avaliar com precisão o seu tamanho. As suposi- aqueles que provêem policiamento em vias públi-
ções oscilam muito. As entidades patronais e cas incorreriam em crime de usurpação de fun-
laborais do setor de segurança privada estimam ção pública.
que, para cada vigilante regularizado, haja de três
Contudo, tem havido algumas tentativas de
a cinco informais. Portanto, em 2004 havia no
regulamentar as atividades de vigilância comuni-
Brasil pelo menos 1,5 milhão de pessoas envolvi-
tária. O estado de São Paulo, por exemplo, editou
das em atividades informais de policiamento pri-
em dezembro de 2002 a Lei n. 11 275, que reco-
vado7. As autoridades envolvidas no controle da
nhece e determina o registro na Secretaria de Se-
segurança privada também concordam que o
gurança Pública (SSP-SP) de “Guardas Noturnas
universo informal é maior do que o formal. Levan-
Particulares”9, “Agentes de Segurança Noturno”
tamento realizado em 2005 pela Delegacia de Con-
e “Agentes de Segurança Comunitária para Guar-
trole de Segurança Privada (Delesp) do Rio de Ja-
das de Rua” que atuam no estado. Essa lei está
neiro estimou que as atividades clandestinas repre-
sendo questionada no Supremo Tribunal Federal
sentavam 60% da segurança privada no estado.
(STF), mas até junho de 2010 estava em vigor. A
Não se sabe ao certo qual o número de pesso- Câmara Legislativa do Distrito Federal também
as envolvidas em atividades informais de policia- baixou, em 2001, lei que regulamentou serviços
mento privado, mesmo porque há dúvidas em se de vigilância em vias públicas (Lei n. 2 763, de 16
categorizar determinadas atividades como de po- de agosto de 2001). A atividade, chamada de “Ser-
liciamento e conflitos de normas que tornam al- viço Comunitário de Quadra”, podia ser exercida
gumas atividades ilegais sob um ponto de vista e por pessoas físicas ou jurídicas. Entretanto, a lei
legais sob outro. Esse é o caso das atividades de que regulamentou tais serviços foi anulada pelo
vigilância comunitária realizada em vias públicas, STF, que a julgou inconstitucional especialmente
seja por organizações ou por indivíduos autôno- no que feria o art. 144, § 5º, da Constituição Fe-
mos8. As normas federais que regulam a segu- deral de 1988 (cf. BRASIL, 1988).
rança privada no Brasil não permitem esse tipo de
Outro ponto a ser considerado é que há dúvi-
atividade. Em princípio, nenhuma outra lei pode-
das quanto a se caracterizar determinadas ativida-
ria permitir porque o art. 144, § 5º, da Constitui-
des de vigilância comunitária como policiamento
ção Federal de 1988 reserva às polícias militares a
privado. Alguns dos agentes que atuam na vigi-
competência para exercer policiamento ostensivo
lância de bairros residenciais talvez sejam mais
bem definidos como “sentinelas” do que como
agentes de policiamento privado. O termo senti-
é um importante traço estrutural da segurança privada em nela faria jus àqueles que se dedicam explicita-
vários locais (cf. SHEARING & STENNING, 1981; PAI- mente à atividade de vigilância, porém sem mobi-
XÃO, 1991). Particular ao Brasil parece ser o fato de essa lizarem sanções.
permuta envolver predominantemente policiais civis e mi-
litares da ativa e ocorrer amplamente com o universo do Policiamento privado ou não, as atividades de
policiamento privado informal. vigilância em vias públicas compreendem um uni-
7 Conforme entrevista com o Presidente do Sindicato das verso bastante amplo e do qual não se sabe pra-
Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica, Ser- ticamente nada. Como informou Khan (1999),
viços de Escolta e Cursos de Formação do Estado de São aproximadamente 29% da população da cidade
Paulo (Sesvesp) publicada no jornal Folha de S. Paulo de São Paulo reconheciam ter vigia ou guarda de
(PM NÃO É APTO PARA SER VIGIA, 2005).
segurança em casa. Segundo os presidentes da
8 Refiro-me aqui aos chamados “rondantes” – também Associação e do Sindicato dos Vigilantes Notur-
conhecidos como “guardas noturnos”, “agentes de segu- nos Autônomos, havia 170 mil vigilantes autôno-
rança comunitária”, “vigias noturnos”, “vigilantes notur-
mos credenciados no estado de São Paulo e esti-
nos autônomos” ou simplesmente “vigias” ou “guardas de
rua” –, pessoas que se dedicam à patrulha a pé, de bicicleta mava-se a existência de mais de 130 mil irregu-
ou motorizada de ruas de bairros residenciais, muitas vezes lares do ponto de vista da lei estadual. Não fo-
iniciada sem a solicitação dos moradores, que posterior-
mente são impelidos ou achacados a pagarem pelos servi-
ços. Muitos integram empresas ou cooperativas que se 9 Essas guardas são definidas como entidades sem fins
autodenominam empresas de vigilância comunitária ou guar- lucrativos mantidas por eventuais contribuições espontâ-
das noturnas. neas dos beneficiários dos serviços de vigilância prestados.
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ram encontradas estimativas para outros esta- do clandestinamente no estado de Mato Grosso,
dos, mas acredita-se que os números também em 1995, eram de propriedade de oficiais da PM
sejam elevados. que recrutavam para mão-de-obra soldados que
trabalhavam sob seu comando, além de “pistoleiros
Dificuldades à parte para mensurar o tamanho
tradicionais” (MUSUMECI, 1998, p. 16). Mais re-
do mercado marginal de policiamento privado,
centemente, em outubro de 2005, o Presidente da
parece certo que ele conta com a ampla presença
Associação de Cabos e Soldados da PM de São
de profissionais de segurança pública, especial-
Paulo declarou ao jornal Folha de S. Paulo (É
mente policiais civis e militares. Em uma pesquisa
MELHOR BICO DO QUE ROUBO, 2005) que
realizada em 1992, sobre o perfil dos policiais
cerca de 80% dos policiais da corporação faziam
militares do estado de São Paulo, Gullo (1992)
algum tipo de bico, a maioria na segurança irregu-
constatou que 33% dos policiais tinham algum
lar de estabelecimentos comerciais10.
trabalho remunerado fora da Polícia Militar (PM),
proporção que era tanto maior quanto menor o A grande quantidade de pessoas, muitas das
posto ou graduação. Não foi possível aferir ao quais agentes de segurança pública, atuando na
certo quantos desses 33% trabalhavam com poli- promoção de segurança de maneira informal, re-
ciamento privado, mas estimou-se que a maioria. presenta riscos consideráveis para os direitos ci-
Outra pesquisa, realizada no mesmo ano pelo jor- vis e problemas adicionais para o controle dessas
nal O Globo, com 886 policiais militares de todo atividades, como será mostrado mais adiante. So-
o Brasil, concluiu que 66% deles possuíam um mente na cidade de São Paulo, entre janeiro de 2001 e
segundo emprego, 36% na área de segurança co- setembro de 2003, a Secretaria de Estado da Seguran-
mercial (HERINGER, 1991, p. 56). No estado do ça Pública de São Paulo registrou 7 377 ocorrências
Rio de Janeiro, tanto em 1991 quanto em 1997, criminais envolvendo pessoas que se auto-identifi-
cálculos da imprensa estimavam que 70% dos caram como 'seguranças", vigilantes', 'vigias' e 'guar-
policiais civis possuíam outras atividades, princi- das noturnos”. O gráfico 3 e a tabela 1 mostram,
palmente com o policiamento privado respectivamente, como as ocorrências distribuí-
(MUSUMECI, 1998, p. 16). Segundo o Jornal do ram-se entre as profissões auto-declaradas e a
Brasil, 20 das 36 empresas de segurança operan- natureza dos crimes.
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de 1995. O Decreto n. 89 056/83 também foi políticas para o setor e julgar processos punitivos
reformulado pelo Decreto n. 1 595, de 10 de instaurados pela Polícia Federal contra empresas
agosto de 1995. de segurança. Além do representante do órgão es-
tatal de controle, que o preside, esse colegiado foi
O Ministério da Justiça, por meio do Departa-
composto por representantes de entidades das clas-
mento de Polícia Federal (DPF), é responsável
ses patronal e laboral do setor de segurança priva-
pela normatização, controle e fiscalização da se-
da, bem como por representantes de órgãos públi-
gurança privada desde 1995, quando a Lei n. 9
cos exercentes de atividades correlatas. Esse ór-
017/95 atribuiu a ele tais funções e instituiu taxas
gão denomina-se Comissão Consultiva para Assun-
para que a Polícia Federal prestasse os serviços.
tos de Segurança Privada (Ccasp) e em 2006 era
Isso possibilitou ao DPF criar em sua estrutura
composta por treze membros: Diretor-Executivo
orgânica um setor especializado para exercer as
do DPF, dois representantes do poder público (Ins-
novas atribuições, que se denominou Divisão de
tituto de Resseguros do Brasil e Exército Brasilei-
Controle de Segurança Privada (DCSP), órgão
ro), quatro representantes do setor patronal (Fede-
central que foi sediado em Brasília com a incum-
ração Nacional das Empresas de Segurança e Trans-
bência de regular, coordenar e controlar a segu-
porte de Valores (Fenavist), Associação Brasileira
rança privada em todo o Brasil. Hoje esse órgão
de Cursos de Formação e Aperfeiçoamento de Vi-
chama-se Coordenação-Geral de Controle de Se-
gilantes (Abcfav), Associação Brasileira de Empre-
gurança Privada (Cgcsp).
sas de Transporte de Valores (ABTV) e Associação
Junto com o órgão central foram criados ór- Brasileira de Empresas de Vigilância (Abrevis)), qua-
gãos executores específicos chamados Delegaci- tro do setor laboral (Confederação Nacional dos
as de Controle de Segurança Privada (Delesp), uni- Vigilantes e Prestadores de Serviços (CNTV),
dades regionais vinculadas às Superintendências Ftravest, Sindicato dos Empregados de Transpor-
Regionais de Polícia Federal nos estados e Distri- tes de Valores e Similares do Distrito Federal
to Federal, responsáveis pela fiscalização e con- (Sindvalores-DF) e Associação Brasileira dos Pro-
trole da segurança privada no âmbito de suas cir- fissionais em Segurança Orgânica (ABSO)), além
cunscrições. As Comissões de Vistoria, que já de um representante do setor financeiro (Federa-
existiam, foram mantidas nas Delegacias de Polí- ção Brasileira de Bancos (Febraban)) e outro dos
cia Federal, descentralizadas das principais cida- trabalhadores bancários (Confederação Nacional dos
des do país com o objetivo de ajudar as 27 Delesp Bancários (CNB)). O Quadro 1 resume essa estru-
criadas a fiscalizarem e controlarem a segurança tura.
privada. Em 2006 havia no Brasil 82 Comissões
A regulação e o controle da segurança priva-
de Vistoria (CV) distribuídas pelos 27 estados da
da no Brasil estão atualmente sob a égide das
federação, conforme o organograma do Quadro
estruturas normativa e organizacional aqui des-
1. Cada Comissão é também responsável pelo
critas. Quatro aspetos podem ser evocados para
controle e fiscalização da segurança privada em
caracterizar essa estrutura: a amplitude da
uma circunscrição específica11.
regulação, sua extensão, o modo como o con-
Para colaborar com a normatização e controle trole organiza-se no interior da unidade federati-
da segurança privada, o Ministério da Justiça criou va e quem são os atores que conduzem a
também um órgão colegiado incumbido de sugerir regulação e o controle.
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COMO SE VIGIA OS VIGILANTES
FONTE: o autor.
A amplitude da regulação e controle diz respei- marco regulador mínimo, ou seja, poucas regras
to a quais atividades de policiamento privado são e padrões genéricos para o funcionamento de
reguladas e controladas formalmente. A amplitu- empresas e contratação de trabalhadores; iii)
de da regulação e do controle pode ser maior ou “regulação abrangente”, quando há normas esta-
menor conforme o leque de atividades reconheci- tais que visam aumentar o padrão e a qualidade dos
das: vigilância patrimonial, patrulha de rua/bairro, serviços prestados pela indústria de segurança, me-
transporte de valores, escolta, segurança pessoal, canismos para proteger o público contra maus pro-
serviços de investigação particular, segurança ele- vedores e, às vezes, proteger empresas nacionais
trônica, brigada de incêndio, transporte de pre- contra a competição de empresas estrangeiras12.
sos, segurança em presídios, segurança de O Brasil é um caso de regulação abrangente, pois
dignatários, etc. Sob esse ponto de vista, o marco conta com legislação específica que estabelece para
legal brasileiro apresenta amplitude limitada, pois as empresas de segurança privada uma série de
regula apenas quatro atividades: vigilância condições operacionais relativas à mão-de-obra,
patrimonial intra-muros, transporte de valores, treinamento dos profissionais, aquisição de armas
escolta armada e segurança pessoal privada, além
dos cursos para formação de vigilantes.
A extensão da regulação pode ser caracteriza- 12 Waard (1999) combinou essa classificação com outras
da em três níveis, tal como sugerido por Waard duas variáveis relacionadas à capacidade para implementar
(1999): i) “não-intervencionista”, quando não há as regras fixadas no marco legal (capacidade regulatória li-
marco legal específico e a responsabilidade de mitada ou ampla), montando assim uma tipologia para en-
regulação é deixada para o mercado, que a realiza quadrar os vários contextos regulatórios existentes na Eu-
ropa. Este artigo não leva em conta a variável “capacidade
através de arranjos corporativistas; ii) “regulação
regulatória” pelo fato de ela inserir-se no plano do controle
mínima”, situação em que o Estado introduz um fático.
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COMO SE VIGIA OS VIGILANTES
FONTE: Brasil (1983) e Brasil. Ministério da Justiça. Departamento de Polícia Federal (1995; 2006).
NOTA: Uma UFIR corresponde a R$ 1,0641. Esse valor está congelado desde o ano 2000, quando a UFIR
foi extinta por medida provisória.
Embora de um modo geral os requisitos exigi- exigências para tornar-se vigilante: a comprova-
dos para empresas e vigilantes atuarem sejam ri- ção de inexistência de antecedentes criminais e a
gorosos, problemas de ordem regulatória necessidade de passar por testes de saúde física e
fragilizaram até recentemente duas das principais mental. No caso dos antecedentes, até pouco tem-
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po predominou o entendimento de que a exigên- por parte do órgão regulador (COELHO, 2006), a
cia referia-se apenas aos antecedentes judiciais. legislação brasileira assegura a todo vigilante porte
Como a condenação na Justiça pressupõe uma de arma quando em serviço, independente do tipo
sentença com trânsito julgado, pessoas que se de serviço que ele venha a prestar. A lei define ape-
encontravam respondendo a inquérito policial, nas quais atividades precisam ser executadas com
mesmo que por crimes contra a vida ou o armas – segurança bancária, transporte de valores
patrimônio, não podiam ser impedidas de ingres- e escolta armada. Nas demais atividades, a decisão
sar ou manter-se na profissão de vigilante. O fato sobre o uso de armas no policiamento privado cabe
só foi alterado com a promulgação do Estatuto do apenas ao prestador e ao contratante do serviço de
Desarmamento, que, ao vetar a concessão do porte segurança. Assim, o Estado não pode exercer con-
de arma a quem responde a inquérito policial, for- trole público sobre uma decisão cujas conseqüên-
çou a Polícia Federal a exigir dos vigilantes ates- cias determinam em grande medida o potencial de
tados de antecedentes policiais. Não obstante essa ameaça que a segurança privada representa para os
mudança, as entidades representativas dos traba- direitos civis.
lhadores do setor de segurança privada têm ques-
Se a Polícia Federal não tem competência para
tionado judicialmente o entendimento de que pes-
decidir em quais situações a segurança privada pode
soas que respondem a inquérito policial não po-
usar armas de fogo, ela tem para regular quais ar-
dem exercer atividades de segurança privada. Se-
mas podem ser usadas e em quais condições as
gundo a liderança dos trabalhadores, essa inter-
empresas podem adquiri-las. Nesse sentido, a par-
pretação abrangente do que vem a ser “antece-
tir de 1997 ocorreram mudanças importantes na
dentes criminais” fere o princípio constitucional
política de controle de armas implementada pela
de presunção de inocência13.
Polícia Federal, notadas principalmente no aumen-
Em relação à higidez física e mental dos vigi- to do controle sobre esses insumos e na autoriza-
lantes, problemas na normatização da matéria le- ção para o uso de armas não-letais. O aumento do
varam à delegação das competências fiscalizadoras controle foi uma resposta a dois fatores. Primeiro,
desses requisitos para o Ministério do Trabalho, o uma reação a diversos episódios envolvendo o ex-
que, na prática, significou tornar a exigência inó- travio, furto ou roubo dos arsenais de empresas de
cua. O fato só foi parcialmente resolvido em agosto segurança. Segundo, uma adaptação a políticas mais
de 2006, quando a Polícia Federal promoveu uma amplas empreendidas por sucessivos governos fe-
reforma no marco regulatório com a edição de derais para aumentar o controle sobre a oferta, de-
uma nova portaria – Portaria n. 387/06-DG-DPF manda e estoque das armas em circulação14. Já a
(BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. DEPAR- inclusão de armas não-letais no universo da segu-
TAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL, 2006) – e rança privada é um processo mais recente e ainda
trouxe para si a competência para normatizar e em curso, portanto difícil de ser avaliado. De qual-
fiscalizar a aplicação dos exames psicológicos. quer modo, trata-se de uma importante inovação
com potencial para reduzir a capacidade ofensiva
No que diz respeito às armas de fogo, a
da segurança privada.
regulação brasileira está focada no produto arma, e
não em quais atividades de policiamento privado Quanto ao tema uniforme e identificação visu-
podem fazer uso de armas. Isso ocorre menos por al, do ponto de vista do controle, o que faz dele
regulação indevida da Polícia Federal e mais pelo algo fundamental é o fato de os uniformes pode-
fato de o Brasil possuir um marco legal permissivo rem facilitar ou dificultar a identificação de um
que não define ou permite que o órgão regulador agente de segurança privada e da empresa a qual
defina quais atividades de segurança privada deve- se vincula em caso de desvio de conduta. A
rão ser executadas de maneira desarmada. Dife- efetividade de controles externos, principalmente
rentemente do que ocorre em países da Europa,
América do Norte e América Latina, que proíbem o
uso de armas por agentes de segurança privada ou 14 Essa política começou com a criação do Sistema Naci-
condicionam o seu porte a uma autorização prévia onal de Arma (Sinarm) no âmbito da Polícia Federal (Lei n.
9 473/97), passou pela promulgação do “Estatuto do De-
sarmamento” (Lei n. 10 826/03) e atingiu seu ápice com a
campanha do desarmamento e referendo sobre a proibição
13 Conforme entrevista com o Presidente da CNTV. do comércio de armas de fogo e munição no país.
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COMO SE VIGIA OS VIGILANTES
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em alguns locais da América do Norte. No Brasil, ter responsivo. Embora seja um espaço importan-
as empresas de segurança privada não estão obri- te, a Ccasp não conta com a participação dos cli-
gadas a manter ou apresentar periodicamente re- entes (exceto o segmento financeiro), que segun-
latórios sobre suas atividades. Ao invés de relató- do a literatura são os atores em condições de de-
rios sobre atividades cotidianas, a Polícia Federal sempenhar o papel mais efetivo no controle ex-
cobra das empresas de segurança privada relató- terno da segurança privada (The Public
rios sobre produtos controlados e sobre a apura- Accountability of Private Police, 2000).
ção de eventuais condutas criminais de vigilantes.
Outro problema relacionado à Ccasp é que as
Esses relatórios são importantes. Mas, no primei-
regras que regulam o órgão (portarias do Ministé-
ro caso, o controle induzido é sobre o produto
rio da Justiça) permitem que uma parte importante
arma e demais acessórios relacionados. O segun-
do processo de controle – a punição das empresas
do visa controlar comportamentos, mas está lon-
de segurança que cometem infrações – fique sujei-
ge de ser um instrumento de supervisão constan-
ta às decisões dos próprios representantes dos
te e passível de controle público tal como são os
empresários e trabalhadores da segurança privada,
relatórios de atividades exigidos em outros con-
que formam maioria na Ccasp. Desse modo, o ór-
textos regulatórios. Assim, o Brasil dispõe de pou-
gão permite a interferência de interesses privados
cos instrumentos para incentivar o controle inter-
em um aspecto fundamental do controle estatal,
no da segurança privada com sentido público.
que é a punição das empresas infratoras. Assim, ao
Em relação ao incentivo do controle externo, invés de uma divisão clara entre controle estatal e
o Brasil dispõe de instrumentos que estimulam – controle pelas associações de classe há no Brasil
ou permitem estimular – apenas o controle pelas um amálgama problemático dessas duas modalida-
associações de classe, e mesmo assim apresen- des de controle que, em algumas circunstâncias,
tam problemas. Um desses instrumentos está pre- resulta em prejuízos para o controle público.
visto no marco regulatório normatizado pela Polí-
IV.3. A fiscalização
cia Federal, que permite aos sindicatos patronais
e laborais realizarem supervisões, sob determina- Diferentemente de outros órgãos
das circunstâncias, sobre os cursos de formação fiscalizadores, a Polícia Federal não exerce uma
de vigilantes. Além de limitado aos cursos, parece fiscalização por amostragem, e sim uma fiscaliza-
que os sindicatos não têm feito uso dessa prerro- ção extensiva a todo o setor de segurança priva-
gativa, conforme apontou o presidente da Associ- da. Isso porque a legislação determina que as
ação Brasileira dos Cursos de Formação (Abcfav): empresas de segurança privada devam ser fiscali-
“Olha, eu estou aqui nesta empresa faz 15 anos. zadas ao menos uma vez por ano. Além dessa fis-
Nunca, em tempo algum, apareceu um dirigente calização obrigatória, Delesp e CV podem iniciar,
sindical aqui pra me fiscalizar. Mesmo porque a a qualquer tempo, fiscalização de ofício, por soli-
própria Polícia Federal entende que para o cara citação da Cgcsp, do setor de segurança privada,
vir aqui tem que telefonar, marcar hora. Ele não dos órgãos de segurança pública ou ainda medi-
tem esse poder de polícia. E isso nunca aconte- ante denúncia de terceiros, desde que haja funda-
ceu. E eu acho que eles não fazem isso em ne- da suspeita de irregularidade em atividades típicas
nhum lugar. Talvez, se acontece eventualmente de segurança privada.
algum problema em uma empresa com algum vi-
Em razão da obrigatoriedade de fiscalização
gilante deles, vigilantes sindicalizados, talvez aí eles
anual sobre o setor de segurança privada, não exis-
possam ir na empresa. Agora, com relação aos
te propriamente uma política nacional de fiscali-
cursos, eu nunca recebi ninguém aqui e não co-
zação cujas diretrizes partam do órgão central.
nheço nenhuma escola que tenha recebido” (en-
Mas as lideranças empresariais pressionam a Cgcsp
trevista realizada com o Presidente da Abcfav).
e, principalmente, a Delesp e a CV para que a fis-
O principal instrumento de que a Polícia Fede- calização incida prioritariamente sobre as empre-
ral dispõe para incentivar diretamente o controle sas que oferecem preços considerados
das entidades patronais e laborais sobre a segu- inexeqüíveis no mercado de segurança privada17.
rança privada é a Ccasp, órgão colegiado que in-
corpora as entidades de empresários e trabalha-
dores no processo de regulação e controle da se- 17 Conforme entrevistas com as lideranças dos empresári-
gurança privada, atribuindo ao processo um cará- os que participam da Ccasp.
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COMO SE VIGIA OS VIGILANTES
Todavia, os delegados de Polícia Federal que atu- trole, Delesp e CV desfrutam de ampla autonomia
am na Cgcsp revelaram nas entrevistas que a única para o planejamento de suas ações fiscalizadoras.
orientação passada às Delesp e CV é para que não Conseqüentemente, a fiscalização da segurança pri-
se restrinjam a punir, mas também orientem o vada apresenta grandes variações regionais que são
empresariado de modo a prevenir irregularidades. determinadas pelos diferentes graus de estruturação
O entendimento dos delegados era o de que a puni- das Delesp e CV (recursos financeiros, materiais e
ção deve ser utilizada apenas como último recurso, humanos disponíveis) e pelas próprias caracterís-
dirigido àqueles que cometem irregularidades fla- ticas do mercado regional de segurança privada.
grantes às normas que regem a segurança privada. Essas variações podem ser vistas no gráfico 4, que
compara o número de penalidades aplicadas com o
Como não existe uma política nacional de fis-
tamanho do mercado de segurança privada nos di-
calização emanada da autoridade central de con-
versos estados da federação.
FONTES: o autor, a partir de Fenavist (2005), Departamento de Polícia Federal (DPF) e Comissão Consul-
tiva para Assuntos de Segurança Privada (Ccasp) (2004.
NOTAS: 1. Inclui os dados de empresas especializadas referentes a 2004 (FENAVIST, 2005) e de empre-
sas de segurança orgânica e instituições financeiras extraídos do Sistema Nacional de Segu-
rança e Vigilância Privada (Sisvip), em 31.jan.2007.
2. Penalidades aplicadas pela Ccasp em 2005. A opção pelos dados de 2005 deve-se ao fato de
a maior parte das penalidades julgadas nesse ano terem sido aplicadas pelas Delesp e CV em
2004.
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1 804 em 2003 e passaram a 3 204 em 2004 – mero de penalidades coincidem no tempo, suge-
crescimento de 77,6%. Não foi possível avaliar rindo a hipótese de que a melhora da capacidade
quantos desses novos servidores foram lotados fiscalizadora das Delesp e CV deva-se fundamen-
em Delesp e CV19. Mas o aumento do número de talmente ao investimento em recursos humanos
servidores da Polícia Federal e o aumento do nú- realizado pela Polícia Federal.
Como o Gráfico 5 mostra, junto com o au- organizacionais que afligem as unidades de con-
mento das penalidades houve um aumento do nú- trole e fiscalização. Entre essas dificuldades, des-
mero de arquivamentos, o que revela problemas taca-se a existência de um banco de dados sobre
na qualidade da fiscalização exercida por Delesp empresas e vigilantes pouco confiável, a alta
e CV. Em média, 21% dos processos julgados na rotatividade de funcionários, a ausência de uma
Ccasp, entre os anos de 2002 e 2006, foram ar- política de qualificação profissional voltada es-
quivados. Parte dos arquivamentos decorre da pecificamente para os servidores lotados em
própria dinâmica do processo administrativo, Delesp e CV e outros fatores que contribuem
mas, segundo os policiais federais entrevistados, para a ocorrência de falhas na instrução dos pro-
grande parte está relacionada a dificuldades cessos punitivos, que por essas razões acabam
sendo arquivados.
As falas a seguir, de policiais federais apon-
19 Tentou-se fazer esta avaliação, mas há inúmeras dificul-
tam para alguns desses problemas: “[...] o que
dades envolvidas em um levantamento desta natureza. O
acontece na prática (procedimentos equivocados
DPF em Brasília faz a alocação de servidores de acordo
com a demanda das Superintendências Regionais. A lotação adotados por policias federais que executam a
de funcionários nas Delesp e CV compete às superinten- fiscalização), via de regra, é provocado pela cons-
dências regionais (SR), que são quem tem ascendência ad- tante rotatividade existente na composição das
ministrativa sobre as delegacias especializadas e delegacias Delesp e Comissões de Vistorias, que para um
descentralizadas. Portanto, as informações sobre lotação determinado funcionário assimilar todos os co-
dos servidores encontram-se descentralizadas, isto é, de
nhecimentos referentes à aplicabilidade da legis-
posse das 27 superintendências regionais. Mas a dificulda-
de principal para fazer esse levantamento se deve ao fato lação requer tempo, que muitas vezes o funcio-
de haver uma rotatividade de funcionários dentro da estru- nário é preparado, vem à sede da Divisão fazer
tura orgânica do DPF que torna extremamente difícil obter estágio, outros são orientados constantemente por
dados precisos telefone, ou através de respostas a consultas for-
115
COMO SE VIGIA OS VIGILANTES
muladas por escrito e, quando está afinado com de arquivamentos de cada Delesp e CV e como
a legislação, logo, preparado para deslanchar, esse índice tem evoluído ano a ano. Tanto a Cgcsp
acaba sendo removido para outro setor da regio- quanto as Delesp e CV trabalham sem conhecer
nal, ou deslocado para escalas de plantão, des- tais dados, o que prejudica o desempenho das
falcando o setor, provocando acúmulo de servi- unidades fiscalizadoras.
ços” (fala do delegado que chefiava o controle
Se em meio às dificuldades ainda enfrentadas
da segurança privada em 2000, constante da ata
é possível notar avanços na fiscalização exercida
da 30ª reunião da Ccasp). E, de acordo com o
pela Polícia Federal sobre o mercado legal de se-
discurso de um policial federal, “[...] o elevado
gurança, o mesmo não pode ser dito em relação à
índice de ocorrência de ‘falhas’ na instrução dos
fiscalização do universo informal dos provedores
processos prende-se ao fato de que os servido-
particulares de policiamento. A capacidade de con-
res, ao serem lotados no setor, quase não rece-
trole da Polícia Federal sobre esse universo é bai-
bem treinamento específico, ou seja, aprendem
xa e limitada.
os procedimentos à medida que vão tendo con-
tato prático com o serviço” (entrevista com agen- Em primeiro lugar, a fiscalização da Polícia
te de polícia federal de Delesp). Federal está restrita à chamada “segurança pri-
vada clandestina”, que não inclui o policiamento
Sendo os funcionários mais especializados
privado executado em vias públicas, exceto
e experientes substituídos constantemente por
quando ele se relaciona ao transporte de valores,
funcionários novos e com pouco treinamento e
escolta armada e segurança pessoal privada. A
experiência, a continuidade e a qualidade do tra-
Cgcsp entende que a vigilância patrimonial de áre-
balho das Delesp e CV ficam comprometidas20.
as residenciais, realizada a partir de ruas e
Assim, a rotatividade de funcionários, somada
logradouros públicos, não é considerada irregu-
à inexistência de uma política de capacitação
lar nos termos da legislação federal de segurança
constante, acabam diminuindo a eficiência dos
privada, já que esta legislação define vigilância
órgãos que fazem o controle e a fiscalização na
patrimonial apenas como as atividades realiza-
ponta.
das no interior de propriedades (vigilância
Outro problema associado à fiscalização e à intramuros). Segundo os delegados e agentes de
política de controle da Polícia Federal, em geral, é Polícia Federal entrevistados, como não há
o fato de os órgãos de controle não sistematiza- tipificação para a vigilância patrimonial em vias
rem informações relativas às suas ações. A Cgcsp públicas, não há irregularidade a ser combatida
não produz estatísticas que lhes permita supervi- pela Polícia Federal.
sionar e corrigir as ações fiscalizadoras de Delesp
Em segundo lugar, para além da retórica dos
e CV. Não se sabe, por exemplo, qual é o índice
governos e autoridades públicas de que o comba-
te à segurança privada clandestina é prioritário,
não existia até 2006 uma política nacional voltada
para o combate dessas atividades. Como o gráfi-
co 6 mostra, os resultados da Polícia Federal no
20 Segundo os delegados entrevistados, o prazo de perma- combate à segurança privada clandestina são pífios
nência em uma delegacia especializada do DPF é e oscilantes. Basta dizer que em 2006 havia 109
indeterminado e não existe regra para alterações. Pode ser unidades de controle da segurança privada no Brasil
por vontade própria do policial, por necessidade e deman-
da de trabalho ou, ainda, por determinação da administra-
(27 Delesp e 82 CV), mas foram encerradas so-
ção. Mas há dificuldades em lotar servidores para Delesp e mente 67 empresas clandestinas, ou seja, em mé-
CV, porque essa área é considerada pouco atrativa na estru- dia menos de uma empresa fechada por unidade
tura orgânica da Polícia Federal. de controle.
116
REVISTA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA V. 19, Nº 40: 99-121 OUT. 2011
Na ausência de uma política pública específi- Além do grande volume de trabalho interno,
ca voltada para o controle da segurança privada os policiais lotados em Delesp e CV queixam-se
clandestina, a fiscalização é realizada de maneira também de estarem sujeitos a concorrerem às
pontual por Delesp e CV, que têm autonomia para escalas de plantão, de sobreaviso, de segurança
decidir quando e em quais circunstâncias a segu- de dignitários e participação nas famigeradas ope-
rança privada irregular será alvo de fiscalização. rações especiais da Polícia Federal, o que reduzi-
Nesse sentido, Delesp e CV estão submetidas a ria ainda mais o tempo necessário para o planeja-
fortes restrições decorrentes, de um lado, da ca- mento e execução das operações de combate à
rência de recursos materiais e humanos presen- clandestinidade.
tes, de outro, das pesadas exigências de controle
Contudo, a principal reclamação dos policiais
sobre o segmento legal de segurança privada, que
de Delesp e CV é quanto à ausência de instrumen-
consome grande parte do trabalho das unidades
tos legais que permitam combater com eficiência
de controle, conforme explica uma das autorida-
o mercado clandestino de segurança privada. De
des responsáveis pela execução da fiscalização no
fato, o marco legal da segurança privada não con-
Rio de Janeiro: “[...] [realizamos] por mês, em
fere à Polícia Federal instrumentos legais que per-
média, duas operações de repressão aos clandes-
mitam combater a clandestinidade com eficiên-
tinos, mas acontece que a Delesp-RJ não faz só
cia. A repressão à segurança privada clandestina
isso, tem outras obrigações. Temos também que
está circunscrita à esfera administrativa e restrita
fiscalizar os planos de segurança de todas as agên-
aos provedores, não alcançando os patrocinado-
cias bancárias, os cursos de formação e as em-
res desse tipo de atividade. A empresa, pessoa ou
presas de segurança. Ao todo realizamos cerca de
grupo que provê irregularmente serviços de segu-
duas mil operações por ano, e cada uma gera um
rança é penalizado somente com o encerramento
volume gigantesco de papéis. O trabalho não ter-
das atividades, não havendo multa ou qualquer
mina quando saímos do local. Precisamos dar
outro processo de responsabilização pelo ato em
continuidade e ir ‘fechando’ a operação e seus
si, a não ser que o autuado seja recalcitrante ou o
desdobramentos, o que depende de tempo” (en-
serviço envolva o uso de armas. No caso de a
trevista com o chefe de operações e delegado subs-
segurança privada irregular ser desarmada, além
tituto da Delesp-RJ apud DELESP-RJ FECHA O
de não estar prevista nenhuma pena para respon-
CERCO, 2006).
sabilizar provedores e patrocinadores, há decisões
117
COMO SE VIGIA OS VIGILANTES
de tribunais favoráveis a empresas que questiona- nhado por melhoras na qualidade da fiscalização.
ram na Justiça as competências fiscalizadoras da Contrastando com esse fato, observou-se que a
Polícia Federal com base no argumento de que a capacidade de fiscalização da Polícia Federal so-
Lei n. 7 102/83 legisla apenas sobre as atividades bre os provedores particulares de policiamento que
de segurança privada armada21. Finalmente, se os atuam na informalidade é extremamente baixa e
clandestinos forem agentes de segurança pública, as tentativas de controle visam apenas a uma par-
especialmente, policiais civis e militares, à Polícia te desses provedores.
Federal resta apenas oficiar as Secretarias de Se-
Se em meio às dificuldades que persistem é
gurança Pública e respectivas organizações poli-
possível notar avanços na regulação e fiscalização
ciais e torcer para que haja a responsabilização
realizada pela Polícia Federal sobre o universo
dos envolvidos, o que raramente acontece.
formal da segurança privada, o mesmo não pode
VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS ser dito em relação à fiscalização do amplo e pro-
blemático universo do policiamento privado infor-
O estudo exploratório do controle estatal da
mal. A fiscalização que a Polícia Federal exerce
segurança privada exercido pela Polícia Federal
sobre esse universo é precária e limitada. Esse é o
revela uma situação ambígua. Em relação aos dis-
maior desafio colocado para a sociedade brasilei-
positivos legais disponíveis para a responsabilização
ra. Os poucos dados disponíveis indicam que os
da segurança privada, nota-se que a regulação
riscos mais sérios para os direitos civis estão as-
abrangente presente no Brasil contempla uma sé-
sociados ao universo do policiamento privado in-
rie de temas importantes para o controle. A análi-
formal. As ocorrências criminais parecem con-
se focada nesses temas revela que a política
centradas nesse universo, que é também o terre-
regulatória empreendida pela Polícia Federal entre
no no qual floresce o policiamento privado exe-
1996 e 2006 promoveu melhoras significativas em
cutado por justiceiros, “milícias”, esquadrões da
alguns desses temas (caso dos requisitos para
morte etc. Isso aponta para a necessidade de po-
empresas e vigilantes atuarem, principalmente,
líticas públicas voltadas especificamente para o
treinamento), mas outros temas permanecem re-
controle dos provedores que se inserem nesse
gulados de maneira permissiva (caso das armas
universo, seja estendendo a regulação estatal para
de fogo) e deficiente (caso dos uniformes).
algumas atividades – caso da vigilância comunitá-
Outro problema observado no controle estatal ria, cujos agentes desarmados (isso é imperati-
da segurança privada é que os instrumentos dis- vo!), treinados em legislação penal, técnicas de
poníveis para incentivar o controle interno e o observação e comunicação com a polícia podem
controle externo das empresas são frágeis. Em tornar-se “sentinelas” aptas a auxiliarem a segu-
relação ao controle interno, a Polícia Federal não rança pública22 –, seja controlando a arena em que
exige relatórios sobre as atividades das empresas o policiamento privado está em intersecção com
de segurança, mecanismo que a literatura aponta o policiamento público e com a criminalidade, seja
como fundamental para incentivar o controle no desestimulando a contratação de agentes e em-
interior das organizações. Em relação ao controle presas de segurança privada irregulares.
externo, não há mecanismos para incentivar o
Políticas desse tipo, por sua vez, dependem
controle pelos clientes. O Brasil dispõe apenas de
de um melhor conhecimento desse universo, so-
instrumentos que estimulam – ou permitem esti-
bre o qual não se sabe praticamente nada. É pre-
mular – o controle pelas associações de classe, e
mesmo estes apresentam problemas.
Finalmente, descobriu-se que a fiscalização 22 Há alguns anos o jornal Folha de S. Paulo (VIGIAS
exercida pela Polícia Federal sobre o mercado le- AUXILIAM POLÍCIA, 2006) noticiou um projeto de-
gal de segurança privada dá-se de maneira cons- senvolvido pela Polícia Civil na costa sul de São Sebas-
tião, litoral norte de São Paulo, que registrava vigilantes
tante e extensiva a todo o setor. Nos últimos anos
e oferecia treinamento de duas semanas para que apren-
houve um aumento da capacidade fiscalizadora dessem a comunicar corretamente um crime à polícia,
da Polícia Federal, aumento que não foi acompa- técnicas de observação e uso de rádio do tipo HT, que
eram suas ferramentas de trabalho. Polícia e moradores
estavam satisfeitos com o projeto, que segundo a maté-
21 Para uma análise e defesa desse ponto de vista, ver ria estava trazendo bons resultados para a segurança
Coelho (2006). local.
118
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ciso conhecer quem são os provedores (e quantos trole. Em que medida as várias formas de contro-
são) e patrocinadores de policiamento privado in- le são capazes de gerar resultados também é ou-
formal, onde atuam, como o policiamento é exe- tra questão a ser avaliada. Articular pesquisa
cutado, quais sanções utilizam, quais ameaças re- empírica com as questões teórico-conceituais mais
presentam para os direitos civis, quais implica- gerais é outro desafio. O caso brasileiro parece
ções têm para a segurança pública, como são con- apresentar muitas particularidades em relação ao
trolados por aqueles que os empregam etc. Além das democracias desenvolvidas, mas também
dessas questões, no caso da vigilância comunitá- guarda relações com o que tem ocorrido nesses
ria realizada em vias públicas, é preciso saber se países. É importante não perder de vista o debate
ela de fato tem sido considerada irregular e com- na literatura internacional, que tem avançado na
batida pelas polícias estaduais, se há leis nas esfe- elaboração teórico-conceitual disso que tem sido
ras locais regulando esse tipo de atividade, de que chamado de “reestruturação”, “pluralização” ou
modo regula, quem as controla e como controla. “multilateralização” do policiamento.
A agenda de pesquisa é ampla e, embora o polici-
Diante de tantas questões a serem esclarecidas,
amento privado informal suscite as questões mais
uma coisa parece certa. O controle dos agentes e
urgentes, inúmeras outras relacionadas à segurança
organizações informais de policiamento privado
privada legal também precisam ser compreendi-
depende do controle das principais forças polici-
das. No que diz respeito ao controle, é preciso
ais do país, visto que parece ser intensa a partici-
entender como tem atuado as diversas formas de
pação de policiais civis e militares em atividades
controle possíveis sobre a segurança privada –
informais de policiamento privado. Os dilemas
controle dos clientes, controle pelas associações
antigos e modernos a que Paixão (1991) referia-
de classe e controle social. É preciso saber tam-
se no início dos anos 1990 estão articulados. O
bém como essas diversas formas de controle ar-
dilema político implícito na pergunta “mas quem
ticulam-se entre si e com o controle estatal, ou
vigiará os vigias?” com a qual se começou este
seja, qual a dinâmica das diversas formas de con-
trabalho permanece no ar.
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