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Sistemas Geoquímicos

Neste capítulo são abordadas as mudanças que afetam as propriedades


geoquímicas de um sistema ou de um conjunto de sistemas ao longo do
tempo, como manto, crosta, oceano, quando submetidos a perturbações
naturais ou antrópicas. Os principais conceitos utilizados, tempo de
residência e forçantes, são emprestados da engenharia química. A propósito,
a comparação entre o planeta Terra e uma indústria química, com seus
reatores, válvulas, fontes e sumidouros, é um modelo simples e robusto.
Entre as várias denominações aplicadas aos sistemas geoquímicos, talvez a
mais utilizada seja "modelo de caixas" (box model). Iniciamos este capítulo
p-ela descrição do comportamento de um sistema com um reservatório único
e, a partir daí, partimos para uma abordagem mais geral.

lll!ii\,
Ili!"' inâmica de reservatórios simples

Consideremos um lago (Fig. 6.1 ) que


Entrada Q Q
rontenha uma massa M constante de água. e;
r:;.
Um rio flui através do lago com uma taxa
Agua Saída
·· fluxo igual a Q, expressa em kg por ano; M p
e;
:portanto, Q tem o mesmo valor a mon- C~euimento

te e a jusante. Estamos interessados no


anço das espécies químicas nesse lago.
· Um elemento i introduzido a montante Fig. 6.1 Modelo de caixas de um reservatório
Ji»m concentração Cfn pode ser perdido a simples, típico de um lago. M: massa de água no
- te ou ficar retido nos sedimentos. A lago, Q: entrada de água = saída de água, P: taxa de
de sedimentação P também é expressa sedimentação
148 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

em kg por ano. O lago é considerado homogêneo, em virtude da mistura


causada pelo fluxo turbulento e pela convecção.

A concentração Ci do elemento i é, portanto, a mesma no lago e no fluxo à


jusante. Esse balanço pode ser escrito como:

dCi . . .
M dt = QC:n - QC - PC~edimento EQ.6.1

Como de costume, vamos introduzir um coeficiente de partição Di que


indica o fracionamento do elemento i entre a água e o sólido, tal que
c:edimento = DiCi. Podemos rearranjar a equação da seguinte forma:

TH dei . ci
- -. - + C1 = __m_. EQ. 6.2
1 + /31 dt 1 + {31

onde TH = M / Q corresponde ao tempo necessário para a renovação da água


do lago e /Ji = P Di / Q representa a reatividade do elemento em relação à
sedimentação. A reatividade é igual a zero para um traçador inerte, como
um corante ou o íon cloreto, e aumenta com o coeficiente de partição
sólido/líquido do elemento. O termo que antecede a derivada é o tempo de
residência Ti = TH/ ( 1 + /Ji) do elemento i no lago, ou seja, o tempo médio
que os átomos de i permanecem no lago antes de serem removidos (ver
Apêndice G).

A forma da Eq. (6.2) é bastante instrutiva. Nesse caso, o tempo é uma parte
integrante do balanço, diferentemente das equações de destilação comentadas
anteriormente. Se a concentração dei a montant~o lago for igual a zero,
podemos descrever, por exemplo, a liberação acidental de um poluente em
t = O e as mudanças a partir da concentração inicial Ci(O):

EQ.6.3

Podemos dizer que o lago irá "relaxar" a partir de seu estado inicial de
concentração do elemento em t =O.A medida da taxa de relaxamento é o
tempo de residência Ti, que é mais curto para os elementos mais reativos
e menor que o tempo necessário para a renovação de toda a água do lago.
O tempo de residência Ti indica com que velocidade o lago acomoda uma
perturbação no balanço do elemento i. A expressão correspondente para C:n
diferente de zero é fornecida no Apêndice G.

Quando t » T, o relaxamento é completo, a derivada na Eq. (6.2) desaparece


e uma concentração constante é atingida. Esse estado é denominado de
estado estacionário. A simples relação Ci (oo) = Cfn / ( 1 + /Ji) mostra que o
6 SISTEMAS GEOQUÍMICOS j 149

e~

C;(oo) ............ , ... .... .. .. ........... .-:~


. ...':.."'.' ....
"7'.::-:
.. 7:-
.. :-:,
.. ...,.,
.. .,.,.
., ,.,..,
.... . , . . . , . , , - ~ - - ~

- ~ I
Transitório 1
o~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
ri
Tempo, t

Fig. 6.2 Relaxamento após uma perturbação na concentração do elemento i no


tempo t = O em um modelo de caixas de reservatório simples. O tempo de residência
.1 indica a taxa de relaxamento da perturbação. O regime transitório é aquele no qual
:a. perturbação inicial ainda pode ser percebida
--------...

ia.do direito da equação representa a concentração quando o relaxamento


rotal é atingido após a condição inicial (Fig. 6.2). Esse termo é denominado
de termo forçante, que neste exemplo é à entrada à jusante. O termo forçante
mostra em que direção o sistema evolui. Mais uma vez, podemos ver que a
roncentração final do lago será menor quanto mais reativo for o elemento.

O leitor pode checar na Eq. (6.2) que o tempo de residência do elemento i


é simplesmente a razão entre a massa contida no reservatório e a saída do
demento no estado estacionário, ou seja:

MCi (oo)
Ti =~~~~~~~~~~-
Ci (oo) + PCi
º sedimento
massa do elemento i no reservatório
taxa de saída do elemento i
(oo)
EQ. 6.4

& o sistema estiver no estado estacionário, a taxa de saída pode ser


\Ribstituída, por conveniência, pela taxa de entrada. O caso do oceano
·- ere do caso do lago, por causa da evaporação. Em estado estacionário, o
'.~rte Q é equivalente à taxa de evaporação. A atmosfera é equivalente ao
,5Edimento, mas com todos os valores de solutos i iguais a zero. O tempo de
:.m dência dos elementos no oceano pode ser estimado a partir de dados de
mncentração na água do mar e nos rios (Apêndice A) e dados geofísicos
!!f..i\pêndice F). Por exemplo, o tempo de residência do estrôncio é igual
m(i, 4 x 1021 kg x 8.000 µgl- 1) / ( 3, 6 x 1016 kg a- 1 x 70 µg 1- 1), ou seja, 4,4
Bihões de anos.
150 1 GEOQUÍMICA: U MA INTRODUÇÃO

Um aspecto fundamental dessa dinâmica de reservatórios é a eliminação mais


rápida dos poluentes mais reativos, cuja concentração residual será menor.
A reatividade é uma função de dois fatores: da taxa de sedimentação (os
sedimentos purificam a água) e do fracionamento do elemento entre sólido e
líquido. Há um aparente paradoxo: os elementos que mais contaminam os
micro-organismos e sedimentos são eliminados mais rapidamente.

Essa teoria elementar explica alguns aspectos comuns, mas essenciais, da


geoquímica de grandes sistemas geoquímicos. Introduzindo as definições
de T i e de Ci (oo) na Eq. (6.2) e reorganizando os termos, obtemos:

1 d [ci - e; eoo)] d ln [e; - e; (oo)] 1


EQ. 6.5
Ci - Ci (oo) dt dt

que indica que os desvios da concentração de um elemento em relação ao seu


estado estacionário flutuam em uma taxa proporcional ao inverso do tempo
de residência. Os elementos inertes, cujos coeficientes de partição Di são
pequenos, têm longos tempos de residência. Sua concentração permanece,
portanto, estável. Esses elementos têm alta concentração (ou seja, são os
elemento maiores), seu tempo de residência é longo e eles não apresentam
variações bruscas de concentração. Este é o caso do estrôncio nos oceanos,
cujo tempo de residência que calculamos é de 4,4 Ma. Em contraste, os
elementos reativos, com altos coefiçi~ntes de partição Di, apresentam curto
tempo de residência e são rapidamente depletados nos reservatórios (ou
seja, são os elementos menores). Seu breve tempo de residência significa
que eles se reajustam rapidamente após uma perturbação, mas com intensas
flutuações de concentração em torno da concentração de estado estacionário.
Um reservatório como um lago, o oceano ou o manto, comporta-se, por
analogia, como um filtro de baixa frequência, que elimina as flutuações de
concentração com tempo característico mais breve que o tempo de residência
do elemento. Se o tempo característico T m de mistura no reservatório puder
ser definido e se o tempo de residência T i do elemento i for tal que Ti > T m ,
esse elemento irá permanecer no reservatório tempo suficiente para ser
homogeneizado. Se seu tempo de residência for mais curto que o tempo de
mistura do reservatório, o elemento será carregado pelo fluxo de saída a
jusante antes de haver sido efetivamente misturado e terá uma distribuição
heterogênea no sistema. Por exemplo, a concentração de Sr (8 ppm) e a razão
isotópica 87 Sr/ 86 Sr (0,7093) são homogêneas em todo o oceano.

No oceano, a extração da maioria dos elementos se dá por sedimentação e o


coeficiente de partição é uma medida do fracionamento no sistema partículas
sedimentares/água do mar. No manto, o processo de extração ou exportação
de elementos é o magmatismo e o coeficiente D i, que indica o fracionamento
do sistema magma/sólido residual, é o inverso do coeficiente de partição
6 SISTEMAS GEOQUÍMICOS 1 151

geralmente utilizado pelos petrólogos. Os elementos ou íons inertes são


residuais, homogeneamente distribuídos, abundantes e sua concentração
é fixa: este é o caso dos elementos Mg, Ni e Cr no manto; de Cl, Na e S04 no
oceano e de N2, 02 e Ar na atmosfera. Em contraste, os elementos reativos
ocorrem, em geral, como elementos-traço e apresentam grande variabilidade
no espaço e no tempo: este é o caso dos elementos litófilos incompatíveis
(Th, Ba, La, Rb etc.) no manto; de Pb, Cd, Zn e La no oceano e de metano e
ozônio na atmosfera.

Na ausência de uma entrada a jusante, a Eq. (6.2) pode ser reformulada


segundo:
dCi 1 PD; 1 1
--.- = - + -- = - + -,- EQ.6.6
Cdt TH M TH T~

Essa equação indica que a probabilidade total de um átomo i deixar o


sistema é a soma de duas probabilidades: a probabilidade da presença de
i na corrente a jusante, que é igual ao inverso do tempo de renovação da
água no reservatório TH, mais a probabilidade de i ser capturado pelos
sedimentos, que corresponde ao inverso do tempo de sua remoção pelos
sólidos T~ = M / PDi. Uma regra simples mas poderosa: as probabilidades
de remoção por várias rotas são independentes entre si e, portanto, são
aditivas; o mesmo vale para o inverso do tempo de residência. Veremos a
seguir que um terceiro mecanismo de remoção é a radioatividade e que sua
probabilidade é simplesmente a constante d~ecaimento À..
152 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

Um terceiro aspecto do tempo de residência é a distribuição das "idades" dos


átomos no interior do reservatório. Para entendermos esse conceito, vamos
fazer uma analogia com o nascimento e a morte em uma população de seres
humanos. Para simplificar, suponha que o número de nascimentos por ano
6 SISTEMAS GEOQUÍMICOS 1 153

seja constante. Em uma população saudável, a morte afeta preferencialmente


o s indivíduos mais idosos e, portanto, a população é pouco misturada
quanto a esses aspectos. Um passeio por um cemitério irá mostrar que a
idade média dos mortos está em torno de 70 a 80 anos, dentro do intervalo
da expectativa média de vida. Entretanto, a idade média da população é
muito mais baixa, provavelmente entre 30 e 40 anos. Imaginemos a dispersão
de um vírus que afetasse indiscriminadamente idosos e jovens. A população
caria bem misturada, pois a probabilidade de um indivíduo sair do sistema
seria independente de sua idade, e as lápides mostrariam uma média de idade
próxima da média de idade da população. Esse caso aplica-se à dinâmica
dos sistemas naturais, em que a probabilidade de uma partícula deixar o
sistema não aumenta com a sua idade. Podemos demonstrar (ver Box 6.1 )
que as partículas em um sistema bem misturado apresentam um histograma
e.xponencial de grupos de idade ( a saída é um processo de Poisson). Em
tais circunstâncias, a proporção de indivíduos residentes no sistema por um
emp o mais longo que é:e
f (e) = e-6/T EQ. 6.12

on de T é o tempo de residência médio dos indivíduos do sistema. Em um


reservatório bem misturado, nem todos os indivíduos têm o mesmo tempo
e residência, mas todos têm a mesma probabilidade de sair do sistema, não
importando sua história prévia.

Um exemplo de distribuição de idades desse tipo é o levantamento das rochas


sedimentares elásticas desde o final do Paleozoico (Fig. 6.3). A proporção
d e rochas sedimentares que "sobrevivem" além de uma determinada
idade diminui exponencialmente com o tempo. A idade média das rochas
sedimentares é igual à sua idade média de sobrevivência, em torno de 150
milhões de anos. Isso demonstra o caráter estacionário da massa total de
argilitos, arenitos etc. Conceitos similares podem ser aplicados a traçadores
no manto ou no oceano: o "nascimento" dos traçadores químicos (p. ex. o
elemento Ba ou o nuclídeo 86 Sr) corresponde à sua introdução no oceano
or rios ou no manto por processo de subducção, enquanto sua "morte"
orresponde à extração por sedimentação (oceano) e por magmatismo nas
cadeias meso-oceânicas (manto). A radioatividade corresponde à "morte"
de um nuclídeo radioativo (p. ex. 87 Rb) e ao "nascimento" de um nuclídeo
radiogênico (p. ex. 87 Sr ). Esses conceitos serão úteis ao final deste capítulo,
quando discutiremos a mistura no manto e no oceano.

O conceito de tempo de residência requer que flutuações na entrada de um


elemento, cujas durações forem menores que seu tempo de residência,
não apareçam na saída do sistema. Esse aspecto pode ser aplicado a
vários processos em oceanografia, limnologia, petrologia magmática e em
154 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

Cenozoico

0,1 ~ - - ~ - -- ~ - -- -- - ~- - -- - -~
o 50 100 150 200 250 300
Idade (Ma)

Fig. 6.3 Distribuição de idades de rochas sedimentares elásticas finas (segundo


Garrels e Mackenzie, 1971). O arranjo linear indica que o reservatório sedimentar é
bem misturado, com uma probabilidade de erosão independente da idade das rochas.
A inclinação da reta indica que esse tipo de rocha "sobrevive", em média, 150 milhões
de anos antes de sererodido

geoquímica do manto. Vamos usar um exemplo do campo da petrologia


magmática. Uma câmara magmática que esteja continuamente sendo
alimentada e expelindo magma é análoga a um lago, onde o fluxo a montante
corresponde à injeção de magma na câmara; o fluxo a jusante, às erupções
vulcânicas e os cumulados são equivalentes aos sedimentos. Nesse contexto,
os elementos compatíveis, que são capturados pelo processo de cristalização,
são elementos reativos e seu tempo de residência no reservatório é mais curto
que o dos elementos incompatíveis, que são, portanto, mais inertes. Um
reservatório como esse irá acomodar todas as flutuações na concentração dos
elementos cujo tempo característico for menor que seu tempo de residência.
O período característico de flutuação da razão 207 Pb/2º6 Pb na lava do vulcão
ativo de Piton de la Fournaise (Ilhas Reunião ) é da ordem de alguns anos
(Fig. 6.4). Como o Pb é um elemento incompatível (pi : : : O), ele nos fornece
uma importante restrição quanto ao tempo de renovação TH do reservatório
de magma que alimenta as erupções vulcânicas. O tempo de renovação
TH é da ordem de poucos anos. A partir da taxa de erupção Q, a massa

M = Q x TH do reservatório pode ser calculada. Essa simples observação


permite limitar o volume de câmara magmática a menos de um quilômetro
cúbico. O conceito de tempo de residência alterou nosso modo de ver os
sistemas vulcânicos. Até poucos anos atrás, os vulcões eram, em sua maioria,
considerados como saídas de enormes câmaras magmáticas. Atualmente,
graças a observações desse tipo, as câmaras magmáticas passaram a ser
6 SISTEMAS GEOQUÍMICOS 1 155

0,829 ,-------- - - - -- - - - - - - -- - -- - -- - - -----,


207pb/206pb •
0,828 Vulcão Piton de la Fournaise
(Ilhas Reunião, Ocea no Índico) •
0,827 •
•• •
0,826

0,825

0,824
O,823 '-------'----'------'--------'-------'---'--------'-----'-~---L---'----'--~------'--~---'----'--'--~------'-----'-----'-------'--J__'--'----'------'--------'-------'---'-----'
o 200 400 600 800 1.000 1.200 1.400 1.600
Dias acumulados de erupção deste 4 de novembro de 1975

Fig. 6.4 Razão 2º 7 Pb/2º6 Pb em rochas vulcânicas recentes do vulcão Piton de la Fournaise (Ilhas
Reunião, oceano Índico). A rápida flutuação dessa razão isotópica em intervalos de poucos anos indica
que a câmara magmática contém um volume de magma apenas suficiente para poucos anos de erupção.
O volume da câmara magmática sob este vulcão tem, portanto, menos que um quilômetro cúbico
(Vlastelic et ai., 2008)

vistas como sistemas muito menores, compostos por canais de alimentação


preenchidos por uma mistura pastosa de líquido e cristais (crystal mush).

Consideremos um elemento radioativo com constante de decaimento À;. O


decaimento radioativo À;MCi pode ser subtraído da Eq. (6.1), o que modifica
a Eq. (6.2) segundo:

EQ. 6.13

Essa equação pode ser aplicada na determinação do tempo de mistura do


oceano, que é estimado com base no tempo de residência do carbono no
oceano profundo. A água do oceano profundo está isolada da atmosfera
e, p ortanto, o carbono-14 por ela absorvido quando em superfície não se
renova e decai em um sistema fechado. Medidas oceanográficas revelam
que a razão 14 C/ 12 C das águas profundas equivale a 84% da razão das águas
superficiais. Suponhamos que a composição do oceano tenha atingido um
mvel estacionário (dci/dt = o).
Vamos dividir o oceano arbitrariamente em
Zois reservatórios, águas profundas e águas superficiais, com trocas entre
por mistura vertical. O fluxo para o interior do reservatório profundo
• o rtanto, o movimento descendente da água superficial. Dividindo-se a
r . (6.13) para 14 C pela Eq. (6.2) para o isótopo estável 12 C, obtemos:

14c)
EQ. 6.14
( 12
C profundo

reatividade química é idêntica para os dois isótopos de carbono e o termo


a representa, 13c, é suficientemente pequeno e pode ser ignorado. O leitor
156 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

poderá constatar que, ao inserir os valores das razões isotópicas fornecidos


acima e o valor de A14c (Tab. 3.1), o tempo de renovação TH da água do
oceano profundo calculado é de 1.600 anos. O valor de TH representa o
tempo médio entre duas passagens sucessivas da água pelo reservatório
profundo e é, em geral, denominado de tempo de mistura do oceano.

6.2 Interação entre reservatórios múltiplos e ciclos geoquímicos

A dinâmica de um sistema com múltiplos reservatórios difere em vários


aspectos da dinâmica de um sistema simples, com um único reservatório.
O reajuste coletivo é invariavelmente mais rápido do que o reajuste
dos reservatórios considerados separadamente. Veremos a seguir que, se
desconsiderarmos esse princípio, podemos incorrer em sérios erros.

Consideremos o caso de variação no número de átomos de um elemento em


dois reservatórios que trocam matéria entre si, por exemplo, as trocas por
advecção vertical entre a água superficial e a água profunda dos reservatórios
oceânicos, ou o sistema manto-crosta continental. Vamos denominar de
p 1--, 2 a probabilidade de um átomo ser transferido do reservatório 1 para o
reservatório 2 por unidade de tempo e, de modo análogo, definimos ph 1•
Se n1 e n2 representam o número de moles de um dado elemento em cada
reservatório, obtemos duas equações:

-dni
dt
= -p 1--,2n1 +p
2--,1
n2 EQ. 6.15

-dn2
dt
= p 1--,2 n1 - p
2--, 1
n2 EQ . 6.16

Denominemos M 1 e M2 as massas dos dois reservatórios e Q a massa de


material (água, magma) trocado entre eles por unidade de tempo. Como
vimos na seção anterior, podemos relacionar a probabilidade de transferência
com a razão entre o fluxo de um elemento e sua quantidade no reservatório,
como, por exemplo:

EQ. 6.17

onde (ni/M1) representa a concentração e r 1, o tempo de residência


do elemento no reservatório 1. Caso ocorra fracionamento durante a
transferência (p. ex. por precipitação ou fusão ), essa equação deve ser
substituída por:

EQ. 6.18
6 SISTEMAS GEOQUÍMICOS 1 157

onde o numerador apresenta o fluxo de material Q multiplicado pela


concentração nd Mi e pelo coeficiente de partição Di__,, j , para descrever
o possível fracionamento sofrido pelo elemento na sua passagem do
reservatório i para o reservatório j. Quando há extração de material do
manto na forma de magma basáltico ou andesítico e posterior incorporação
desse material na crosta continental, o magma é quimicamente fracionado
em relação à sua fonte mantélica e D manto __,, crosta aumenta com o caráter
litófilo dos elementos. Por outro lado, quando há troca de água entre dois
reservatórios no oceano, os coeficientes D são iguais a um.

O balanço pode ser descrito por meio de duas equações de conservação:

dn1 QD1-2 QD2__,, 1


- n1 + n2 EQ. 6.19
dt Mi M2
dn2 QD1__,,2 QD2__,,1
- n1 - n2 EQ. 6.20
dt M1 M2

Em relação aos tempos de residência r 1 e r2 do elemento em cada


reservatório, temos:
\
dn1 1 1
- = - -n1 + -n2 EQ. 6.21
dt T1 T2
dn2 1 1
- = -n1 - -n2 EQ. 6.22
dt TI T2

A soma dessas duas equações é igual a zero, o que representa a constância da


quantidade total do elemento no sistema, n 1 + n2 = N . Se introduzirmos
essa condição na Eq. (6.2) e rearranjarmos os termos, obteremos:

EQ. 6.23

onde n 1,0 representa o valor inicial de n 1 • Uma equação simétrica pode ser
escrita para n 2. O tempo total T de relaxamento do sistema pode ser definido
rom o:
1 1 1
- = - +- EQ. 6.24
T T1 T2

indicando que T é menor que r1 e r 2 (Fig. 6.5). O estado estacionário é


~ gido mais rapidamente e a homogeneização entre os dois reservatórios
também é mais rápida do que a análise individual dos tempos de residência
.a~ cada reservatório parece indicar. Está errada, portanto, a ideia falsamente
· mtuitiva de que o tempo de resposta química do sistema seria mais longo
~ e o tempo de residência de seu reservatório mais lento. O motivo dessa
· --:leração pode ser visto ao reescrevermos a Eq. (6.21 ) da seguinte forma:
158 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

0,14

V) 0,12
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0,00
0,0 0,2 0,4 0,6 0,8 1,0

Fig. 6.5 Tempo de homogeneização de um elemento arbitrário em um sistema de dois reservatórios


(unidades arbitrárias). Os coeficientes de partição D indicados são os que controlam a transferência do
elemento de um reservatório para outro. O tempo de homogeneização depende da massa relativa de
cada reservatório e é menor que o tempo de residência do elemento em cada reservatório. O aspecto
cooperativo dessas trocas acelera a homogeneização, em comparação com a dinâmica de reajuste
individual dos reservatórios

T1 T2 dn1
- - - - - + n1 EQ. 6.25
TI+ T2 dt

e ao compil-armos essa equação com a Eq. (6.2). O termo forçante que surge
do lado direito, pelo acoplamento com o reservatório 2, interfere com o
relaxamento direto do reservatório 1 e sempre na direção da aceleração.

O argum ento acima também se aplica a conjuntos m ais complexos de


reservatórios; porém, nesse caso seriam necessários recursos adicionais
da álgebra linear. Nós vimos até aqui sistemas com dois reservatórios e
sem o efeito de forçantes externas; efeitos desse tipo, entretanto, devem
ser considerados quando descrevemos o fluxo de água de um rio para o
oceano ou de matéria cosmogênica para o manto. Em geral, essa teoria
permeia a compreensão dos ciclos geoquímicos, ou seja, dos processos
de troca de elementos químicos entre os diversos reservatórios da Terra.
As condições necessárias para se descrever um ciclo elementar são: ( 1) os
reservatórios essenciais devem ser identificados e seus teores estimados;
(2) os fluxos de elementos entre os reservatórios devem ser avaliados em
relação a um intervalo de tempo comparável com o tempo de relaxamento
do sistema. O ciclo do fósforo (Fig. 6.6) é um bom exemplo de ciclo de
um elemento.
6 SISTEMAS GEOQUÍMICOS 1 159

Um aspecto de difícil delimitação nos


Atmosfera 0,028 -
ciclos geoquímicos é a escala de tempo.
Podemos facilmente perceber que, se fizés -
semos uma estimativa do transporte de um 0,8
3,2 1,4,2 0,5 11º·3
elemento de um rio para o oceano durante Oceano superficial
uma cheia ou do manto para a atmosfera Biata continental 138
1.040 - Biata
pela extrapolação do que se observa em ~
3.000 998 - marinha
uma erupção vulcânica, teríamos uma __,, 2.710

1r
representação imprecisa desses fluxos. A 63.5 63.5 18H 58 142
tran.sferência catastrófica (ou em pulsos)
-
tem um ajuste particularmente difícil nos Solos 1,7 Oceano profundo
modelos. Outra condição que parece estar 200.000 87.100
implícita no conceito de ciclo é a de estado
estacionário ou de ciclo em equilíbrio: 18,7H 21,4 11,9
um átomo pode passar tantas vezes por
todos os reservatórios que o conteúdo de
cada reservatório não chega a se alterar. Sedimentos 4 X 109 ~

Essa condição tem sempre um certo grau


de aproximação. Suponha que estejamos Fig. 6.6 O ciclo externo do fósforo (Lerman, 1988).
interessados no ciclo do carbono em uma As massas (em preto ) e os fluxos (em cinza) são
escala de tempo adequada aos estudos de dados em milhões de toneladas de fósforo por ano
variações climáticas históricas ( de 100 a
2000 anos). Devemos incluir todas as transferências de carbono entre
m anto, crosta, oceano, atmosfera e biomassa em todas as escalas de
tempo, desde os ciclos diários de flutuação da biomassa até as flutuações
das atividades vulcânicas, em uma escala de tempo muito mais ampla?
Em uma escala de tempo de um século, o efeito das flutuações diárias
co rresponde à soma de 365 x 100 ciclos e seu efeito é virtualmente nulo.
Em uma escala de um milênio, as longas variações geológicas teriam um
efeito tênue ou imperceptível. A inclusão desses efeitos corresponderia a
introduzir arbitrariamente uma "não informação" no sistema de equações
de transferência. A matemática nos mostra que incluir uma equação do tipo
O = Otorna insolúvel um sistema de equações. Para se assegurar de que um
ciclo geoquímico esteja descrito propriamente, temos que fazer uma escolha
o nservadora e delinear um conjunto de processos que são importantes
em escalas de tempo entre 1 e 100.000 anos, ignorando os processos de
m ais curto prazo e tratando os processos de longo prazo como forçantes
a erem consideradas à parte. O uso de uma "janela" de tempo correta a
todos os processos considerados é uma condição essencial para a construção
adequada de modelos de ciclos geoquímicos.

É legítimo considerarmos a relação entre a representação total das transfe-


rências químicas por equações que descrevem o fluxo local de traçadores,
em que a concentração de um elemento é controlada em cada ponto do
160 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

sistema em todos os intervalos de tempo, e o modelo de reservatório múltiplo


(modelo de caixas ou zero-dimensional), que não faz indicações explícitas
da posição dos traçadores individuais. Ambas as representações partem
dos mesmos conceitos físicos e são versões consistentes do princípio de
conservação de massas. No modelo de caixas, considera-se uma concentração
média para cada reservatório e os fluxos são integrados em toda a área limite
entre os reservatórios. Pode-se demonstrar que, aumentando-se o número
de reservatórios e fazendo com que suas dimensões tendam a zero, uma
transição contínua pode ser obtida entre os dois tipos de modelos.

6.3 Mistura e perturbação

Nesta seção vamos discutir como as heterogeneidades químicas são destruídas


pelos movimentos convectivos do manto e do oceano ou pela circulação
da água em um aquífero. Como exemplo inicial, podemos imaginar o
que acontece com um pacote de bastões coloridos de massa de modelar
após algum tempo nas mãos de uma criança pequena: o conjunto passa
de um estado inicial, em que os bastões deformados e torcidos ainda são
identificáveis, a um estado final, como uma massa homogênea cinza-azulado,
com um estágio intermediário em que as faixas individuais coloridas,
intensamente dobradas e redobradas, ainda são perceptíveis (Fig. 6.7).
Obviamente, se desejarmos obter uma amostra representativa do pacote de
massa de modelar, ela deve ser suficientemente grande em comparação com
o diâmetro individual dos bastões. O conceito de homogeneidade depende,
portanto, da escala de observação ou de amostragem, e sempre será possível
perceber heterogeneidades locais se o material for observado com resolução
suficientemente alta.

Os termos mistura e perturbação não devem ser usados como sinônimos.


No caso da massa de modelar, se um adulto chegar a tempo, o processo
de entropia causado pela criança pode ser interrompido e, com um pouco
de dedicação e paciência, a forma e a cor original dos bastões podem ser
recuperadas. A massa de modelar foi apenas perturbada. Se, por outro lado,
a brincadeira de dobrar e esticar durar um certo tempo e, depois disso, a
massa de coloração azul-acinzentada for deixada em repouso, os ingredientes
(massa, pigmentos) irão se mesclar e sua separação não será mais possível,
mesmo que tentássemos com grande empenho. A irreversibilidade é um
aspecto característico da verdadeira mistura.

Em reservatórios agitados como o oceano ou o manto, onde se localizam


as zonas de mistura efetiva? Vamos considerar na Fig. 6.8 uma parte do
reservatório onde o deslocamento seja horizontal e a velocidade Vx (y) seja
dependente da distância y em relação ao fundo. Consideremos dois pontos,
um deles na posição inicial (x, y) e outro acima dele na posição inicial
6 SISTEMAS GEOQUÍMICOS 1 161

Fig. 6.7 Estruturas caóticas típicas de misturas (segundo Ottino, 1989)

(x, y + ~y), que se movam no intervalo de tempo ôt uma distância horizontal


um pouco diferente. Essa diferença ôl pode ser escrita como:

dvx
ôl = Vx (y + ~y) ôt - Vx (y) ôt = dy ~yôt EQ. 6.26

onde a derivada da velocidade Vx (y) é expressa em y . Podemos perceber


que, para uma dada separação vertical inicial ~y, o termo que descreve a
velocidade horizontal de estiramento ôl/ôt é a variação vertical dvx/dy da
velocidade horizontal, que é denominada de gradiente de velocidade.
O gradiente de velocidade é uma medida da taxa de deformação e,
portanto, de mistura. Ambientes divergentes e convergentes, como os
fluxos ascendentes e as zonas de subducção, têm movimentos conhecidos
como poloidais, que são bidimensionais
e não representam processos eficientes v,(y+t.y)8t
de mistura, porque suas linhas de fluxo .,,.,,,.,...
são loops fechados, mesmo quando vistas
em três dimensões. As zonas de vórtice v,(y)8t
ou redemoinhos, como as falhas transfor-
mantes, têm movimentos denominados Fig. 6.8 Estiramento entre dois pontos cuja distân-
de toroidais em razão da sua forma de cia inicial era !:!.y após um intervalo de tempo ôt;
anel ou argola, que criam fluxos caóticos Vx (y) corresponde à velocidade horizontal em (x, y)
162 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODU ÇÃO

com trajetórias abertas (como as gavinhas das plantas trepadeiras) e


propiciam misturas eficientes. A geração de movimentos toroidais está
associada com limites de camadas (o litoral e a superfície do oceano, a
litosfera e o manto) ou com mudanças laterais de viscosidade. A convecção,
portanto, tem um papel importante na redução da dimensão das hetero-
geneidades. Consideremos uma heterogeneidade na forma de uma faixa
única; por exemplo, uma placa litosférica sendo introduzida em um manto
homogêneo ou um volume de água com temperatura e salinidade distintas
dentro do oceano. Com o tempo, a convecção irá estirar e dobrar essa
heterogeneidade, do mesmo modo como um padeiro estira e dobra a massa
de pão antes de assá-la. Cada evento desse tipo duplica o número de camadas
e reduz à metade sua espessura. Imaginemos agora um grande número
de placas litosféricas ou de heterogeneidades na água do oceano sendo
continuamente produzidas ao longo do tempo geológico e injetadas no
sistema: cada evento de estiramento e dobramento desloca uma camada
de sua "classe de espessura" para uma classe com metade da espessura
original. Podemos aplicar nossa analogia de nascimento e morte para prever
o destino dessas heterogeneidades: criadas
pela adição contínua de grandes objetos
recém-produzidos (placas jovens), seus
"'
a, tamanhos característicos diminuem sob
"C

"'
"C
"ã3
o efeito da convecção do manto (Fig. 6.9 ).
e:
a,
bO Esta é a essência da teoria da mistura de
e
a,
1i,
.e:
Batchelor (1959). Por fim, quando a es-
"'
"'
"C
pessura das camadas estiradas e dobradas
"'e:
·;:; é reduzida a dimensões muito pequenas
'"'e:
"C
(tipicamente de 1 a 10 cm no manto), o
:::,
..o
"' processo de difusão torna-se o processo
"'o
"C

.§ predomi~ te de suavização ou homoge-


·.::::
"'
bO
..:l V
Novas heterogeneidades introduzidas
neização. As heterogeneidades de pequena
escala desaparecem após intervalos de
tempo da ordem de 100 a 1.000 Ma no
manto e de 10 a 100 anos no oceano.
Logaritmo da espessura das heterogeneidades

Fig. 6.9 Mistura e perturbação. As heterogenei- Como as heterogeneidades são constante-


dades de larga escala (p. ex. placas litosféricas) mente produzidas, não é de se esperar que
introduzidas no manto são estiradas e dobradas elas tenham uma distribuição homogênea,
por convecção: faixas mais delgadas e numerosas
mesmo sob condições vigorosas de convec-
substituem as faixas espessas originais. Este é o
campo das perturbações, em que o transporte ainda
ção. A configuração mais provável de um
é reversível, pelo menos teoricamente. Quando a meio aleatoriamente misturado não é a
espessura das faixas for reduzida a tal ponto que homogeneidade química. Ilustremos essa
a difusão passa a ser predominante, o transporte questão com uma comparação ingênua.
torna-se irreversível e o processo passa a ser Uma porção de grãos de arroz lançada
denominado de mistura sobre uma mesa quadriculada nunca irá
6 SISTEMAS GEOQUÍMICOS 1 163

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Fig. 6.10 Mil grãos de arroz lançados aleatoriamente sobre uma superfície quadrada.
Cada setor quadrado contém um número diferente de grãos (2-20), portanto a
distribuição não é regular, mas é aleatória: um grão tem igual probabilidade de
se situar em qualquer local da mesa. O número de grãos em qualquer setor da
superfície é proporcional à área do setor ( distribuição de Poisson). De modo similar,
o manto é bem misturado se a distribuição de suas heterogeneidades atingir uma
distribuição aleatoria máxima. Uma distribuição regular de heterogeneidades é
totalmente improvável. Padrões complexos de heterogeneidades químicas e isotópicas
não são indicações de que o manto não seja bem misturado

produzir uma distribuição regular de grãos na superfície. Em vez disso, os


grãos se espalharão de modo aleatório (Fig. 6.10). Aleatório, nesse caso,
significa que todos os setores quadrados têm a mesma probabilidade de
receber um grão de arroz. A quantidade de grãos de arroz contados em
qualquer setor delimitado na mesa será aproximadamente proporcional
área do setor. Novamente nos deparamos com uma distribuição de
Poisson. Enquanto a distância entre as heterogeneidades químicas e isotópicas
Ddentificáveis exceder a distância média de alcance da difusão, a mistura
1.igorosa do manto tenderá a produzir uma distribuição das anomalias
químicas e isotópicas semelhante a uma distribuição de Poisson. Um padrão
complexo de heterogeneidades não necessariamente indica uma mistura
incompleta no manto ou no oceano, mas é uma consequência direta da
redistribuição aleatória de material por convecção.
164 1 GEOQUÍMICA: UMA INTRODUÇÃO

Exercícios

1. Qual é o tempo médio que (1) a água reside nos oceanos antes de ser renovada pelos
rios e (2) o material permanece no manto antes de ser extraído na litosfera oceânica?
Use os dados do Apêndice F e desconsidere as diferenças de densidade.
2. Por que a composição isotópica de oxigênio em seções de carbonatos e em testemu-
nhos de gelo sofre variações abruptas em uma escala de tempo muito menor que
o tempo de residência da água no oceano (p. ex. no Dryas recente)? Por que essas
mudanças abruptas não são observadas nas razões 87 Sr/86 Sr?
3. Com base nos dados dos Apêndices A e F e considerando um estado estacionário,
calcule o tempo de residência dos seguintes elementos no oceano: Br, Rb, Mg, Fe,
Sr e Pb. Quais desses elementos você considera que possam ter uma distribuição
homogênea no oceano? Quais deles devem apresentar variações regionais ou verti-
cais? Você espera que as flutuações da razão 87 Sr/86 Sr sejam moduladas pelos ciclos
glaciais-interglaciais? Por quê?
4. A composição média do manto pode ser calculada pela subtração dos elementos que
formam a crosta continental a partir da composição da Terra Global Silicática (Bulk
Silicate Earth, BSE) (ver Exercícios do Cap. 1). Usando os dados da Tab. 1.4 para
a composição de basaltos MORB e os dados apropriados do Apêndice F, calcule o
tempo médio de residência no manto dos elementos K, Sr, La, Yb, Th e U, antes de
sua extração para a crosta oceânica. Discuta a homogeneidade do manto versus a
heterogeneidade na distribuição desses elementos.
5. Uma laguna em um atol no oceano Pacífico tem diâmetro aproximadamente circu lar
igual a 3,5 km e profundidade média de 500 m. A água flui por um canal de entrada
com uma taxa de vazão Q = 108m3 a- 1 .
i) Qual é o tempo de residência da água na laguna?
ii) A laguna foi acidentalmente contaminada por estrôncio-90, cuja meia-vida é
de 29, 1 anos. Se a sedimentação pudesse ser ignorada, qual seria o tempo de
residência desse nu,e'Íídeo na água da laguna?
iii) O crescimento de recifes de coral fixa sedimentos carbonáticos no fundo da
laguna. Considere uma densidade dos sedimentos de 2.000 kg m- 3 e uma taxa
de sedimentação v = 1 mm a- 1 . Calcule o fluxo P de sedimentos em kg a- 1 .
O estrôncio é capturado pelos sedimentos com um coeficiente de partição
1
carbonato-água do mar D= 25 m3 kg- •
90
iv) Qual é o tempo de residência do isótopo Sr na laguna se considerarmos a
sedimentação?
v) Apresente uma teoria alternativa, na qual os tempos de residência sejam substi-
tuídos por probabilidades.
6. Demonstre que, se a concentração de Sr não se alterar significativamente durante
uma sequência de erupções vulcânicas, a reabsorção de uma oscilação da razão
87
Sr/86 Sr pode ser usada para estimar o tempo de residência de Sr no magma (discuta
a importância potencial do plagioclásio no liquidus). Demonstre que, se a taxa de
erupção for conhecida, o volume da câmara magmática pode ser calculado. Em 1880,
6 SISTEMAS GEOQUÍMI COS 1 165

uma mudança incomum na razão 87 Sr/86 Sr de um vulcão havaiano foi reabsorvida em


cerca de 30 anos. Qual era o volume aproximado da câmara magmática, sabendo-se
que a taxa de erupção era de 0,05 km 3 a- 1 ?
7. O elemento estrôncio tem um tempo de residência no oceano de cerca de 4 Ma. Qual
é a proporção de átomos de Sr que permanece no oceano por mais de 20 Ma? E por
menos de 100 ka?
8. Um ciclo global de hidrogênio: consideremos que H e D estejam distribuídos entre
dois reservatórios, um profundo (manto) e outro superficial (hidrosfera). Use as Eqs.
(6.19) e (6.20) em estado estacionário e a hipótese de que não há água residual após
a fusão do manto nas cadeias mesa-oceânicas para demonstrar como o valor de 6D
do manto (~ - 85%0) está relacionado com o coeficiente de fracionamento D/H em
zonas de subducção.
9. Se o tempo médio de residência de Nd no manto for de 6 Ga, qual será a proporção
de átomos de Nd que nunca foi extraída do manto pelo magmatismo nas dorsais
mesa-oceânicas?
10. Modelo de caixas do oceano com dois reservatórios, de Broecker e Peng (1982);
ver Fig. 7.16: o oceano é dividido em dois reservatórios, oceano superficial e oceano
profundo, cujo limite é marcado pela termoclina . Modifique as Eqs. (6.15) e (6.16)
para considerar (1) a entrada do fluxo dos rios ~ (2) a sedimentação de partículas
formadas na superfície do oceano: uma fração destas partículas é redissolvida abaixo
da termoclina e o restante é rapidamente incorporado nos sedimentos sem se
reequilibrar com as águas profundas.
u . Outro modelo de caixas do oceano com dois reservatórios, mas, nesse caso, a
divisão é horizontal, nas bacias do Atlântico e do Pacífico. Modifique as Eqs. (6.15)
e (6.16) para considerar (1) a contribuição dos rios apenas no Atlântico (uma boa
aproximação!) e (2) a sedimentação em cada uma das bacias.
12. Discuta o ciclo oceân ico do Sr e suas variações isotópicas. Inclua o fluxo de um rio

contendo Sr radiogênico, a precipitação de carbonatos e as trocas entre a água do


mar e os basaltos (assinatura não radiogênica) nos sistemas hidrotermais das cadeias
mesa-oceânicas.
13. Um ciclo do carbono simplificado: desenhe o ciclo do carbono com caixas e setas,
usando os dados da Tab. 6.1. Calcule o tempo de residência do carbono em cada
reservatório. Discuta a trajetória da adição antropogênica de 6, 3 Gt a- 1 de carbono
derivado de combustíveis fósseis.

Tab. 6.1 Um ciclo de carbono. Massa de carbono dada em Gt, fluxos em Gt a- 1 (Houghton, 2003 )

A partir do Massa Para a Para o Para o Para o Para as


reservatório atmosfera oceano oceano solo plantas
superficial profundo
Atmosfera 780 92 o o 120
Oceano superficial 728 90 44 o o
Oceano profundo 37 275 o 42 o o
Solo 1500 58 o o o
Vegetação 550 59 o o 60
166 1 G EOQUÍMICA: UMA IN T RO DUÇÃO

14. Escreva as equações usadas para construir a Fig. 6.5 .


15. Defina uma série de "celas " unidimensionais ou intervalos entre O e 1 (p. ex. 0-
0,05; 0,05-0,1O; O, 10-0, 15 etc.). Use um gerador de desvios aleatórios a partir de
uma distribuição uniforme (p. ex. use a função RAND em Excel) para produzir n pares
de valores (p. ex. comece com n = 100). Cada amostra em um par de valores
deve ser designada "Rb" e "Sr". Organize os pares e divida-os em intervalos. O
número de valores em cada intervalo representa a "concentração" de Rb e Sr em
cada cela individual, e a razão entre esses números equiva le à razão Rb/Sr. Construa
os histogramas de Rb, Sr e Rb/Sr. Repita o exercício com um número maior de n (p.
ex. n = 500). Na sua opinião, como serão os histogramas quando n ---t oo ? Discuta
diferentes aplicações desse princípio para o manto e o oceano.
16. Para os leitores mais motivados em calcular: considere uma seção do oceano ou do
manto como um recinto bidimensional com x = [O - 1] e y = [O- l] , com o campo
de velocidades dependente da posição ( Vx , V y) em estado estacionário:
dx
Vx (x,y ) = dt = cos (1ry [t]) sen (1rx [t])

Vy (x,y ) = t = sen (1ry[t]) cos(1rx [t])

de forma que a velocidade x seja zero nas bordas superior e inferior e a velocidade y
seja zero nas bordas esquerda e direita. Considere dois pontos situados inicialmente
em x 1 = O, 1; y 1 = O, 1 e x2 = O, 1; y 2 = O, 2, respectivamente. Como a distância
entre esses pontos varia ao longo do tempo (t = O, 1; O, 2 etc.)? (Dica: lembre-se
que x e ysâo independentes do tempo para inferir a posição em t + M a partir
da posição em te avance em pequenos incrementos, p. ex. t..t = O, 01; use uma
planilha de cálculo ou programa de sua preferência) .
17. Discuta por que uma distribuição de Poisson na escala de tamanho das heteroge-
neidades isotópicas - e não uma composição homogênea - é indicativa de mistura
completa. Por que podemos descrever essa distribuição como um processo "sem
memória"?

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