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Mídia e Poder

Jair Borin *

Capital estrangeiro
na mídia brasileira

Desta vez é para valer. Depois de aprovado, embora limite a ção de massa brasileiras buscam, final-
quase duzentos anos de domínio participação estrangeira até 30 por mente, o aporte de recursos externos e
absoluto, as grandes famílias que cento do capital, não impedirá que que conseqüências isto trará para o
detinham o controle da imprensa bra- grupos internacionais, por meio de país?
sileira buscam parcerias pressões sobre o quadro de diretores A imprensa nacional é considerada,
internacionais para engordar os seus da empresa, venham a impor a sua pelos vários autores que escreveram a
lucros e conseguir sair da crise que linha editorial. Como medida paliativa sua história, como uma manifestação
envolve quase todo o setor midiático para assoprar a ferida, o Congresso tardia e precária das forças políticas
nacional. A Câmara dos Deputados, também aprovou a instalação do que acabaram dando configuração à
primeiro, e o Senado Federal, Conselho Nacional de Comunicação, sociedade e ao estado brasileiros. Ela
recentemente, acabaram de aprovar com uma composição de represen- nasce apenas em 1808, cerca de 100
a Proposta de Emenda ao artigo 222, tantes não apenas da sociedade civil anos depois de ter surgido nos Estados
da Constituição Federal, que reservava (como estava previsto por ocasião de Unidos e na maioria dos futuros países
aos brasileiros natos a propriedade e sua criação, há doze anos), mas da América hispânica. Seja na mão de
o controle das empresas de comuni- também do empresariado do setor. um único proprietário, seja controlada
cação de massa no país. O projeto Por que as empresas de comunica- por um grupo de empresários, as em-

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presas de comunicação de massa


sempre se alinharam com as classes
Atualmente, ganha cada vez mais defensores,
detentoras do capital ou com as prin-
cipais autoridades do governo federal entre as grandes famílias que detêm o controle dos
ou dos governos estaduais. São raros meios de comunicação no país, a decisão de se associarem
os veículos de comunicação que con- aos grandes grupos de mídia internacional.
seguiram fugir à matriz imposta pelo
binômio interesses oligárquicos e po-
der político. Essa imprensa alternativa 131, o controle das empresas de co- zida para o português e vendida como
ao poder hegemônico no país, pela municação (entendidas aqui as em- publicação independente e o grupo
sua fragilidade, ficou mais conhecida presas publicadoras de jornais, revistas Abril. Também as agências de publici-
como imprensa nanica do que uma de informação geral e de entreteni- dade estrangeiras, que praticamente
força significativa no conjunto das clas- mento e as rádios emissoras) a brasi- controlavam as verbas da propaganda
ses sociais brasileiras. leiros natos. O mesmo dispositivo foi veiculada no Brasil, foram incluídas na
Num país escravocrata e repleto de preservado na Constituição getulista CPI. Esta, infelizmente, acabou não
analfabetos, a imprensa só podia ser de 1937, em seu artigo 122, parágrafo chegando a conclusões, por força e
acessada e, portanto, defender, os in- 15, letra g. Com mais rigor ainda, a pressão dos militares que desfecha-
teresses da burguesia agrário-exporta- Constituição democrática de 1946, no ram o golpe em 1964. O deputado foi
dora, atrelada aos capitais internacio- artigo 160, assegurava: “É vedada a incluído na lista de parlamentares cas-
nais. E foi assim ao longo de todo o sé- propriedade de empresas jornalísticas, sados e acabou tendo que curtir um
culo dezenove. Só com a intensificação sejam políticas ou simplesmente noti- longo exílio na França. Outra CPI ruido-
da emigração européia, que substitui o ciosas, assim como a de radiodifusão, sa foi a acionada pelo deputado Eurico
trabalho escravo, e o advento da Re- a sociedades anônimas de ações ao de Oliveira, conhecida como a CPI do
pública, começa a surgir um público portador e a estrangeiros.... A brasilei- grupo O Globo-Time-Life. Em duas oca-
razoável para a imprensa nacional. ros (art. 129) caberá, exclusivamente, a siões, foram conseguidas as adesões
Mesmo assim, na virada do século de- responsabilidade principal delas e a suficientes para a sua instalação. Mas,
zenove para o vinte, os três maiores sua orientação intelectual e administra- pressões de todos os tipos levaram a
jornais brasileiros (Jornal do Brasil, Ga- tiva”. Também a Constituição de 1967, que alguns dos apoiadores retirassem
zeta de Notícias e O Paiz) mal conse- dos militares, e a de 1988, emanada suas assinaturas. Quando, finalmente,
guem chegar à tiragem de 20 mil pelo Congresso Constituinte, consagra- ela foi instalada, já não havia clima para
exemplares diários, quando a impren- vam os mesmos dispositivos de defesa se chegar a grandes resultados, embo-
sa dos Estados Unidos já contava com nacional do setor. ra ela servisse para um alerta contra a
cerca de dez grandes diários com mais Esses artigos constitucionais refle- força esmagadora que a Globo viria a
de 300 mil exemplares cada. O rádio e tiam a importância que os legislado- ter posteriormente.
a televisão, as duas novas mídias que res, fossem eles eleitos pelo povo ou Atualmente, ganha cada vez mais
surgem na primeira metade do século até mesmo dos esquemas palacianos, defensores, entre as grandes famílias
vinte, desde o seu nascimento, foram viam na função social dos meios de que detêm o controle dos meios de
controladas pelo governo federal, que comunicação de massa. Uma das mais comunicação no país, a decisão de se
sempre usou o poder das concessões acirradas defesas desses princípios associarem aos grandes grupos de mí-
desses veículos como arma política e ocorreu justamente em 1963, por ini- dia internacional. Esta crença não re-
eleitoreira. ciativa do então deputado João Doria, sulta apenas dos processos de globali-
Preocupado com o poder que a do antigo PTB, que conseguiu reunir, zação do capital, mas, sim, da possível
mídia de massas já apresentava nos pela primeira vez, o número regimen- incorporação de novas tecnologias pa-
idos dos anos 30, a Constituição de tal de assinaturas de parlamentares ra a produção e oferta de novos pro-
1934, ao dar ordenamento às transfor- para a instalação da primeira CPI con- dutos midiáticos, que só se tornam
mações do movimento político de ba- tra o capital estrangeiro na mídia brasi- acessíveis com a mundialização do ca-
se civil, que põe fim à hegemonia das leira. Seu principal alvo então era a pital. Também a queda da receita pu-
forças conservadoras ligadas ao setor revista Seleções do Rider Diggest, im- blicitária está pressionando na busca
agropecuário, instituía, em seu artigo portada por um grupo editorial, tradu- de novos parceiros. Assim, os grupos

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tradicionais detentores da mídia im-


pressa, que hoje enfrentam um forte
desaquecimento da demanda de seus
produtos, são os mais entusiastas na
defesa da reforma do artigo 222 da
atual constituição.
Não há, no país, nenhum diário he-
gemônico. A partilha desse mercado
se dá regionalmente. No eixo Rio-São
Paulo, onde se concentram pratica-
mente 60 por cento dos consumidores
de jornais, três grandes grupos divi-
dem o mercado: Folha da Manhã S/A,
O Globo e a Sociedade Anônima O Es-
tado de São Paulo. Existem grupos lo-
cais em cada uma das regiões metro-
politanas ou das capitais estaduais,
disputando as demais sobras do mer-
cado. Estes grupos menores são mais
frágeis e correrão sérios riscos de desa- tro de grupos privados, como o pode- 2 horas de consumo de programas per
parecimento com a internacionaliza- roso LC&C e a Globo; e o terceiro, reu- capita, diariamente., O tempo dedicado
ção do capital da mídia impressa, pois nindo milhares de estações pulveriza- aos programas televisivos no Brasil ul-
poderão perder totalmente suas pe- das por todo o território nacional. O trapassa o de programas radiofônicos.
quenas fatias do mercado local, diante mercado radiofônico praticamente
de novas mídias mais atraentes para o não está na mira atual do capital es- Desinformação e dependência
público consumidor. trangeiro. Todas as emissoras de rádio Três questões de fundo pesam nas
Na área de revistas, dois grupos comercial, hoje dominadas pelo siste- decisões de internacionalização do ca-
(Abril e Globo) com origens no aporte ma OM ou FM, e que perfazem cerca pital desses grandes grupos de mídia
de capital estrangeiro e alvo das CPIs de 3400 unidades no país, faturam no Brasil. A primeira é a desestrutura-
dos anos 60 dominam o mercado. apenas 5% do mercado publicitário ção da cultura nacional pelo aporte de
Além de disputarem o mesmo público nacional, algo em torno de 450 mi- produtos massificados, produzidos
segmentado das classes de renda A e lhões de reais. com o fim único de conquistar índices
B, que somam menos de 20 por cento A maior cobiça do capital estrangei- de audiência, a exemplo dos famigera-
das famílias brasileiras, eles controlam ro, entretanto, está no restrito cartel dos show-realities, tipo Big Brother, ou
as duas maiores revistas semanais de das empresas brasileiras de televisão filmes televisivos produzidos nos Es-
informação, praticamente aculturadas aberta. Seis grupos dominam todo o tados Unidos, que hoje predominam
pelo capital internacional, Veja e Épo- setor, que faturou em 2001 em torno nos horários menos nobres da progra-
ca. Veja, nas questões sobre políticas de 56% do mercado publicitário do mação diária. A segunda é a desinfor-
internas, tornou-se porta-voz do go- Brasil, obtendo uma receita de 4,6 bi- mação paradoxalmente resultante do
verno FHC e, nas matérias comporta- lhões de reais. A rede Globo, que do- excesso de informação. Como as so-
mentais, retira praticamente 50% de mina o cartel, faturou cerca de 60% ciedades modernas geram crescente-
seu conteúdo da Internet. Época repro- desse mercado, seguida de longe pelo mente um volume enorme de novas
duz o jornalismo descomprometido, grupo SBT e pela rede Record. informações, os meios de comunica-
copiado dos padrões norte-americano O poder do cartel televisivo brasileiro ção de massa cada vez mais sacrificam
e europeu. é incomensurável, na atualidade. Ele o espaço para o aprofundamento das
Por sua vez, as rádio emissoras se molda opiniões, condiciona gostos questões cobertas e pulverizam os
concentram em três conjuntos. Um de artísticos e culturais e pode desestabili- programas ou os cadernos dos jornais
origem religiosa, como a Igreja Católi- zar candidaturas presidenciais. São 50 com pequenas notas sobre um núme-
ca e a Universal do Reino de Deus. Ou- milhões de aparelhos em uso e mais de ro cada vez maior de fatos. Assim, ali-

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mentam a ilusão de que seu público


está melhor informado, quando, na Ocorrerá uma forte ampliação da presença
verdade, realizam uma operação de
de dirigentes seduzidos pela visão neoliberal
difusão de fatos mas não de elucida-
ção dos temas cobertos de interesse
dos problemas econômicos e sociais.
público.
A terceira grande questão que se ser dobrado ou triplicado. nacionais, seguramente influenciarão
coloca com a internacionalização dos O grupo de empresas que vier a ter nas suas políticas administrativas e de
conglomerados de mídia é a da de- uma fatia significativa nas novas mí- produção. Além disso, participarão das
pendência tecnológica. Com o predo- dias e nos serviços gerais a elas incor- indicações de dirigentes chaves em
mínio do uso da linguagem digital bi- porados, terá o domínio econômico do suas administrações e no controle de
nária, na qual se fundamenta toda a país. É, portanto, nesta perspectiva, produtos midiáticos de sucesso mun-
comunicação gerada pela computação que deverá ser analisada a internacio- dial. Assim, o controle não ocorrerá só
eletrônica, Nicolas Negroponte prevê nalização das empresas de mídia de pelo aporte de capital, mas sim pelo
para um futuro muito próximo a con- massas no Brasil, cujo mercado inter- domínio das tecnologias que irão ser
vergência de todas as mídias numa no poderá explodir, caso o país consi- incorporadas aos fazeres midiáticos e
única mídia. Provavelmente isso ocor- ga sair da estagnação econômica a pelo controle de postos chaves nas fu-
rerá nos próximos 10 ou 20 anos, com que está sendo submetido por uma turas mega-organizações. Portanto, o
a televisão digital de alta definição, en- política neoliberal ditada pelo Fundo que se pode esperar disso tudo é uma
globando todas as mídias e uma cen- Monetário Internacional. maior presença da ideologia e de valo-
tral de serviços computadorizados. Com a proposta aprovada na Câ- res neoliberais nos meios de comuni-
Provavelmente no ano em curso ou no mara Federal e que só aguarda o aval cação e o fortalecimento das políticas
próximo, o Brasil fará escolha do siste- do Senado, para ir à sansão do Presi- econômicas gestadas nos países hege-
ma televisivo de alta definição que vier dente da República, ocorrerá uma for- mônicos, além de dificuldades cres-
a adotar. Isto significará um mercado te ampliação da presença de dirigen- centes para o discurso socializante, de
potencial de cerca de 100 bilhões de tes seduzidos pela visão neoliberal dos caráter humanista e crítico à globaliza-
dólares nos próximos vinte anos. Se ao problemas econômicos e sociais. Ape- ção.
sistema previsto forem agregados ser- sar de os grandes grupos internacio-
* Jair Borin é professor-titular do Depar-
viços de telefonia, de operações de nais de mídia terem, num primeiro tamento de Jornalismo da ECAUSP: Escola
crédito, de pagamentos e de compras momento, a participação de apenas de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo.
e vendas, este valor poderá facilmente 30 por cento no capital das empresas
Investimentos publicitários caem 5,39% em 2001
Demonstrativo em R$ -5,39

-3,64 2000 2001 crescimento


5.542.039.411

5.340.230.640

9.854.054.082

9.322.581.096

-6,56
2.113.741.689

1.975.049.292

-5,35
-8,42
-21,00
1.043.401.772

-5,26 -11,73
441.564.300
482.152.759

985.466.248
296.036.503

233.857.118

215.133.041

203.810.479

142.603.019
161.548.907

TELEVISÃO RÁDIO OUTDOOR JORNAL EXTERIOR REVISTA TV ASSINAT. TOTAL


Fonte: Meio & Mensagem

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