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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA

INSTITUTO DE ARTES
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES – MESTRADO

RENATO MENDES ROSA

ANÁLISE, ESCUTA E INTERPRETAÇÃO MUSICAL:


o uso da análise computacional de gravações no processo de construção interpretativa de
Tetragrammaton XIII, de Roberto Victorio

UBERLÂNDIA
2015

1
RENATO MENDES ROSA

ANÁLISE, ESCUTA E INTERPRETAÇÃO MUSICAL:


o uso da análise computacional de gravações no processo de construção interpretativa de
Tetragrammaton XIII, de Roberto Victorio

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Artes do Instituto de Artes da
Universidade Federal de Uberlândia para obtenção
do título de Mestre em Artes.

Área de concentração: Artes


Subárea: Música
Linha de Pesquisa: Práticas e Processos em Artes

Orientador: Prof. Dr. Daniel Luís Barreiro

UBERLÂNDIA
2015
2
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.

R788a Rosa, Renato Mendes, 1988-


2015 Análise, escuta e interpretação musical: o uso da análise
computacional de gravações no processo de construção interpretativa de
Tetragrammaton XIII, de Roberto Victorio / Renato Mendes Rosa. -
2015.
158 f. : il.

Orientador: Daniel Luís Barreiro.


Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Uberlândia,
Programa de Pós-Graduação em Artes.
Inclui bibliografia.

1. Música - Teses. 2. Victorio, Roberto - Crítica e interpretação -


Teses. 3. Gravação musical - Teses. 4. - Teses. I. Barreiro, Daniel Luís.
II. Universidade Federal de Uberlândia. Programa de Pós-Graduação em
Artes. III. Título.

CDU: 78
4
AGRADECIMENTOS

Ao programa de Pós-Graduação em Artes da Universidade Federal de Uberlândia;

Ao Prof. Dr. Daniel Luís Barreiro pela orientação sempre cuidadosa e criteriosa que
proporcionou um ambiente favorável ao crescimento pessoal e acadêmico. Obrigado pela
dedicação e amizade!

À CAPES pela concessão da bolsa de estudos;

Ao Prof. Dr. Cesar Adriano Traldi pelos momentos de aprendizagem nas disciplinas cursadas,
e por todas as contribuições e indagações no Exame de Qualificação e na Defesa;

Ao Prof. Dr. Alexandre Zamith Almeida, Membro Externo no Exame de Qualificação e


Defesa, pelas valiosas contribuições;

À Prof. Dra. Lilia Neves Gonçalves pelas contribuições na construção de meu objeto durante
a disciplina Pesquisa em Artes;

Às professoras das demais disciplinas Dra. Sônia Teresa Ribeiro e Dra. Ana Carolina Mundin
por todos os ensinamentos;

Ao Técnico do LASON, Cássio Ribeiro, pelo total apoio durante as gravações;

Aos meus pais Maria Aparecida Mendes Rosa e Ricardo Rosa (in memorian), que sempre
demonstraram amor incondicional e sempre vibraram com as minhas conquistas. Sou grato
por tudo!

Ao meu irmão Rafael Mendes Rosa pelo amor fraternal e por todas as conversas e ‘debates
despretensiosos’ que sempre me fazem crescer;

À Luísa Vogt Cota pelo amor e parceria de sempre. Obrigado por todos os momentos
compartilhados durante a vida!

Aos meus familiares pelo apoio em minha jornada musical e acadêmica;

Aos colegas de mestrado, em especial Katiane, Paulo, Gislaine, Lívia, Márcia, Cecília, Ivy,
Sarita e Luísa, pela amizade;

Aos amigos do Conservatório Estadual de Música em Araguari.

5
RESUMO

Este trabalho discute o uso da análise de gravações no processo de construção da


interpretação musical. Reconhecendo que a interpretação é tradicionalmente estabelecida com
base em uma escritura musical, questionam-se as limitações representacionais inerentes à
notação. Nesse percurso, em que a notação impõe desafios aos intérpretes, a escuta exerce um
importante papel para concretização da criação na interpretação. O objeto proposto parte da
hipótese de que o uso da análise de gravações por meio de ferramentas computacionais pode
contribuir no processo de decifração da escritura musical integrada à escuta do fenômeno
sonoro. O uso de software como recurso para análise de gravações aponta para uma
abordagem dos aspectos intrínsecos do fenômeno sonoro que podem auxiliar o intérprete na
compreensão de materiais sonoro-musicais não revelados pelo recurso notacional,
viabilizando, assim, uma interpretação musical fundamentada pela escuta. Esta análise
fornece dados quantitativos acerca de aspectos expressivos da execução, tais como: os
conteúdos agógicos, dinâmicos e de articulação. São apontadas as raízes desse modelo
analítico no campo musicológico, sobretudo na caracterização da visão de música enquanto
performance. Para a viabilização desse estudo, adota-se a obra Tetragrammaton XIII, para
violão solo, de Roberto Victorio como objeto interpretativo-analítico. São apresentadas três
gravações destinadas à investigação – duas preliminares e uma final –, realizadas pelo autor
da pesquisa. A partir da análise das duas gravações preliminares elaborou-se um mapa
interpretativo apresentado como resultado do processo vivenciado na pesquisa e que subsidiou
a realização da gravação final. Esta, por sua vez, é entendida como um registro dentre as
múltiplas possíveis performances viabilizadas a partir do mapa interpretativo elaborado. Por
fim, busca-se entender, a partir do percurso vivenciado, em que medida o uso da análise de
gravações fomentou a expansão da escuta, bem como auxiliou na criação de uma concepção
interpretativa da obra utilizada.

Palavras-chave: Escuta no Processo de Interpretação Musical; Análise Computacional de


Gravações; Sonic Visualiser; Tetragrammaton XIII; Roberto Victorio; Mapa interpretativo.

6
ABSTRACT

In this dissertation, I discuss the analysis of recorded performances as a tool in the process of
creating a musical interpretation. Considering that interpretation is traditionally based on the
understanding generated by the musical score, one may question the representational
limitations of notation. In this process, as notation imposes challenges to performers, listening
plays an important role in enabling the creation of a musical interpretation. The proposed
object departs from the hypothesis that the analysis of recorded performances with
computational tools may help in the process of deciphering the musical écriture integrated to
the listening of the sound phenomenon. The use of software as a resource for analyzing
recorded performances approaches the intrinsic aspects of sound, which can assist the
performer in understanding sonic-musical materials that are otherwise obscured by notation –
thus allowing a musical interpretation based on listening. The analysis of the recordings
provides quantitative data about the expressive aspects of performance, such as timing,
dynamics and articulation. The roots of this analytical model in the musicological field are
mentioned, especially the concept of music as performance. In order to make this study
possible, I adopt the work Tetragrammaton XIII for solo guitar, by Roberto Victorio, as an
interpretative and analytical object. Three recordings that I made are presented in this research
- two preliminary and one concluding. Based on the analysis of the two preliminary
recordings, an interpretative map was elaborated as a result of the process experienced in this
research, which supported the performance in the concluding recording. This recording, in
turn, is understood as one performance among the many possible ones made viable by the
interpretative map. Finally, I seek to understand, from this experience, to what extent the
analysis of recordings may foster the expansion of listening and help to create an
interpretative understanding of the work.

Keywords: Music Interpretation Process and Listening; Computer Analysis of Recorded


Performances; Sonic Visualiser; Tetragrammaton XIII; Roberto Victorio; Interpretative
Guide.

7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Lista de Figuras

FIGURA 1: Transição entre a primeira e a segunda seções. ................................................................ 47

FIGURA 2: Compassos 1 a 6 – exemplo do uso de métricas combinadas. ...........................................49

FIGURA 3: Compassos 20 a 30 – justaposição de gestos com diferentes proporções e organizações


internas. ..................................................................................................................................................50

FIGURA 4: Compassos 48 a 53 (início): exemplo de tempo não-homogêneo (alternância entre liso e


estriado). ................................................................................................................................................54

FIGURA 5: Inicio da terceira seção (compasso 57). Montagem por justaposição de materiais e figuras
distintas. .................................................................................................................................................56

FIGURA 6: Compassos 36 a 38, correspondentes ao trecho 14 da segmentação realizada. .................63

FIGURA 7: Espectrograma das Gravações 01 (quadro superior) e 02 (quadro inferior). .....................64

FIGURA 8: Espectrograma da Seção B da Gravação 01 (quadro superior) e Gravação 02 (quadro


inferior). .................................................................................................................................................66

FIGURA 9: Formas de onda (waveforms) das Gravações 01 (quadro superior) e 02 (quadro inferior).
................................................................................................................................................................66

FIGURA 10: Subseção A I (Compassos 1 a 10), correspondente aos Trechos 1 a 4. ...........................73

FIGURA 11: Trecho 1 (Compassos 1 e 2). Em destaque, a ligaduras de demarcação dos gestos.........76

FIGURA 12: Trecho 2. Demarcação do agrupamento das células. .......................................................79

FIGURA 13: Trecho 3. Compassos 5, 6 e 7. .........................................................................................80

FIGURA 14: Trecho 4 (Compasso 8 a 10). ...........................................................................................83

FIGURA 15: Variações da estrutura rítmica do gesto em destaque. A terceira aparição (C) refere-se à
célula inicial da Subseção A IV. Nesta última ocorre variação intervalar e na configuração rítmica.
................................................................................................................................................................85

FIGURA 16: Trecho 8 (Compassos 20 a 23). Configuração dos gestos e células. ...............................88

FIGURA 17: Trecho 9 - Compassos 24 a 26 (primeiro quarto de pulso). Divisão dos gestos e células.
................................................................................................................................................................89

FIGURA 18: Trecho 10. Compassos 26 a 30 (dois primeiros pulsos). .................................................91

FIGURA 19: Subseção B I (Trechos 17 e 18). ......................................................................................94

FIGURA 20: Subseção A’ I. Compassos 57 a 62. ...............................................................................100

8
FIGURA 21: Compassos 93 a 97 (Subseção A’ VI). ..........................................................................103

FIGURA 22: Excerto do mapa interpretativo. Compassos 17 a 31. ....................................................112

FIGURA 23: Excerto do mapa interpretativo. Trecho 1 (Compassos 1 e 2). ......................................114

FIGURA 24: Excerto do mapa interpretativo. Trecho 17. ..................................................................115

FIGURA 25: Excerto do mapa interpretativo. Compassos 83 a 85. ....................................................116

FIGURA 26: Excerto do mapa interpretativo. Compassos 64 a 66. ....................................................116

FIGURA 27: Mapa Interpretativo. Compasso 1 a 14. .........................................................................119

FIGURA 28: Mapa Interpretativo. Compassos 15 a 31. ......................................................................120

FIGURA 29: Mapa Interpretativo. Compassos 32 a 44. ......................................................................121

FIGURA 30: Mapa interpretativo. Compassos 45 a 54. ......................................................................122

FIGURA 31: Mapa Interpretativo. Compassos 55 a 67. ......................................................................123

FIGURA 32: Mapa Interpretativo. Compasso 68 a 80. .......................................................................124

FIGURA 33. Mapa interpretativo. Compassos 81 a 92. ......................................................................125

FIGURA 34: Mapa Interpretativo. Compassos 93 a 97. ......................................................................126

FIGURA 35: Arpejo final da Seção B. ................................................................................................133

FIGURA 36: Modelo de representação gráfica do (Trecho 10 - Gravação 01). .................................134

9
Lista de Gráficos

GRÁFICO 1: Gráfico de duração de cada um dos trechos segmentados. No eixo vertical o valor em
segundos. O eixo horizontal refere-se à numeração dos trechos. ..........................................................67

GRÁFICO 2: Proporção de duração entre seções. ................................................................................67

GRÁFICO 3: Mapeamento agógico da Subseção A I (Gravação 01). ..................................................74

GRÁFICO 4: Mapeamento agógico da Subseção A I (Gravação 02). ..................................................75

GRÁFICO 5: Mapeamento dinâmico (quadro superior) e agógico (quadro inferior) do Trecho 1


(Gravação 01). .......................................................................................................................................77

GRÁFICO 6: Mapeamento da dinâmica e da agógica do Trecho 1 (Gravação 02). .............................78

GRÁFICO 7: Mapeamento da dinâmica e agógica do Trecho 2 (Gravação 01). ..................................79

GRÁFICO 8: Mapeamento da agógica e da dinâmica do Trecho 2 (Gravação 02). .............................80

GRÁFICO 9: Mapeamento de dinâmica, agógica e articulação do Trecho 3 (Gravação 01). ..............81

GRÁFICO 10: Mapeamento de agógica, articulação e dinâmica do Trecho 3 (Gravação 02). ............82

GRÁFICO 11: Mapeamento de agógica e dinâmica do Trecho 4 (Gravação 01). ................................84

GRÁFICO 12: Mapeamento de agógica e dinâmica do Trecho 4 (Gravação 02). ................................84

GRÁFICO 13: Mapeamento agógico da Subseção A III (Gravação 01). .............................................86

GRÁFICO 14: Mapeamento agógico da Subseção A3 (Gravação 02). ................................................87

GRÁFICO 15: Trecho 8 (Gravação 01). ...............................................................................................88

GRÁFICO 16: Trecho 8 (Gravação 02). .............................................................................................. 89

GRÁFICO 17: Trecho 9 (Gravação 01). .............................................................................................. 90

GRÁFICO 18: Trecho 9 (Gravação 02). .............................................................................................. 91

GRÁFICO 19: Trecho 10 (Gravação 01). ............................................................................................ 92

GRÁFICO 20: Trecho 10 (Gravação 02). .............................................................................................93

GRÁFICO 21 – Gráfico de andamento do Trecho 17, Seção B. (Gravações 01 e 02). ........................94

GRÁFICO 22: Gráfico de Intensidade Trecho 17, Seção B (Gravações 01 e 02). ...............................95

GRÁFICO 23: Gráfico de Intensidade do Trecho 18 (Gravações 01 e 02). ..........................................95

GRÁFICO 24: Gráfico de agógica. Primeiro gesto do Trecho 18 (accelerando). ................................96

GRÁFICO 25: Gráfico de agógica. Segundo gesto do Trecho 18. ........................................................97

10
GRÁFICO 26: Subseção A’ I. (Gravação 01). ..................................................................................... 98

GRÁFICO 27: Subseção A’ I (Gravação 02). .......................................................................................99

GRÁFICO 28: Trecho 24 (Gravação 01). ...........................................................................................101

GRÁFICO 29: Trecho 24 (Gravação 02). ...........................................................................................102

GRÁFICO 30: Subseção A’ VI (Gravação 01). ..................................................................................104

GRÁFICO 31: Subseção A’ VI. (Gravação 02). .................................................................................105

GRÁFICO 32: Trecho 39 (Gravação 01). ...........................................................................................106

GRÁFICO 33: Trecho 39 (Gravação 02). ...........................................................................................107

GRÁFICO 34: Trecho 40 (Gravação 01). ...........................................................................................107

GRÁFICO 35: Trecho 40 (Gravação 02). ...........................................................................................108

GRÁFICO 36: Direção gestual do Trecho 27 da Gravação 03. ..........................................................127

GRÁFICO 37: Trecho 11 da Gravação 03. Agrupamento de notas para formação gestual. ...............128

GRÁFICO 38: Compasso 5. Exemplo de divisão de planos sonoros. .................................................129

Lista de Tabelas
TABELA 1: Descrição dos excertos selecionados para discussão dos dados. ......................................72

11
Lista dos arquivos de áudio

As gravações podem ser ouvidas no site do Núcleo de Música e Tecnologia do Instituto de Artes da
Universidade Federal de Uberlândia através do link:

http://www.numut.iarte.ufu.br/node/99

Faixa 1: Gravação 01

Faixa 2: Gravação 02

Faixa 3: Trecho 1 (Gravação 01) - Gráfico 5

Faixa 4: Trecho 1 (Gravação 02) - Gráfico 6

Faixa 5: Trecho 2 (Gravação 01) - Gráfico 7

Faixa 6: Trecho 2 (Gravação 02) - Gráfico 8

Faixa 7: Trecho 3 (Gravação 01) - Gráfico 9

Faixa 8: Trecho 3 (Gravação 02) - Gráfico 10

Faixa 9: Trecho 4 (Gravação 01) - Gráfico 11

Faixa 10: Trecho 4 (Gravação 02) - Gráfico 12

Faixa 11: Trecho 8 (Gravação 01) - Gráfico 15

Faixa 12: Trecho 8 (Gravação 02) - Gráfico 16

Faixa 13: Trecho 9 (Gravação 01) - Gráfico 17

Faixa 14: Trecho 9 (Gravação 02) - Gráfico 18

Faixa 15: Trecho 10 (Gravação 01) - Gráfico 19

Faixa 16: Trecho 10 (Gravação 02) - Gráfico 20

Faixa 17: Trecho 17 (Gravação 01) - Gráficos 21 e 22

Faixa 18: Trecho 17 (Gravação 02) - Gráficos 21 e 22

Faixa 19: Trecho 18 (Gravação 01) - Gráficos 23, 24 e 25

Faixa 20: Trecho 18 (Gravação 02) - Gráficos 23, 24 e 25

Faixa 21: Trecho 24 (Gravação 01) - Gráfico 28


12
Faixa 22: Trecho 24 (Gravação 02) - Gráfico 29

Faixa 23: Trecho 39 (Gravação 01) - Gráfico 32

Faixa 24: Trecho 39 (Gravação 02) - Gráfico 33

Faixa 25: Trecho 40 (Gravação 01) - Gráfico 34

Faixa 26: Trecho 40 (Gravação 02) - Gráfico 35

Faixa 27: Gravação Final

Faixa 28: Trecho 27 (Gravação Final) - Gráfico 36

Faixa 29: Trecho 11 (Gravação Final) - Gráfico 37

Faixa 30: Compasso 5 (Gravação Final) - Gráfico 38

13
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 16

1. CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA ........................................................................................... 21


1.1 Limites da representação musical ................................................................................... 21
1.2 Discutindo o papel da escuta nas práticas interpretativas ............................................... 28
1.2.1 Os quatro modos de escuta de Pierre Schaeffer ................................................................... 28
1.2.2 A escuta no campo da interpretação musical........................................................................ 30
1.2.3 Considerações preliminares sobre escuta ............................................................................. 33
1.3 A análise musical com suporte computacional ............................................................... 33
1.3.1 Sobre análise e performance................................................................................................. 33
1.3.2 A abordagem da análise de gravações no campo musicológico ........................................... 36
1.3.3 Possibilidades analíticas com o software Sonic Visualiser................................................... 39
1.3.4 Considerações sobre o uso da análise de áudio com suporte computacional ....................... 40

2. A OBRA TETRAGRAMMATON XIII: CARACTERÍSTICAS E GRAVAÇÕES


PRELIMINARES ................................................................................................................................ 41
2.1 Contexto musicológico de Victorio e sua obra ............................................................... 41
2.2 Uma análise da escritura: organização formal de Tetragrammaton XIII ........................ 45
2.3 Gravações preliminares ................................................................................................... 57

3. ANÁLISE DAS GRAVAÇÕES...................................................................................................... 59


3.1 Ferramentas para coleta de dados ................................................................................... 59
3.2 A questão da segmentação e a análise das gravações de Tetragrammaton XIII ............. 61
3.3 A organização da forma a partir dos dados da análise das gravações. ............................ 64
3.4 Características interpretativas das gravações de Tetragrammaton XIII .......................... 68

4. UMA INTERPRETAÇÃO DE TETRAGRAMMATON XIII .................................................... 110


4.1 Construção de um mapa interpretativo.......................................................................... 110
4.2 Nova gravação ............................................................................................................... 126

5. ANÁLISE, ESCUTA E INTERPRETAÇÃO MUSICAL: CONCLUSÕES SOBRE O


PERCURSO REALIZADO.............................................................................................................. 131
5.1 Análise de gravações e a expansão da escuta................................................................ 131
5.2 Perspectivas entre a análise das gravações e a interpretação de Tetragrammaton XIII 137

14
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................... 141

REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 144

APÊNDICE A – Segmentação das unidades estruturais. .............................................................. 150

APÊNDICE B – Tabela de referência dos símbolos para análise dos gráficos. ........................... 158

15
INTRODUÇÃO

A práxis da música de concerto ocidental é comumente pautada pelo estabelecimento


de uma escritura musical a ser decifrada por um intérprete. Entretanto, as limitações
representacionais inerentes à notação musical impõem ao intérprete desafios quanto a sua
decifração e sua interpretação. Isso não nos permite reconhecer a interpretação apenas como
um processo de decodificação de uma escrita, acreditando que a figura do intérprete
desempenhe apenas a função de concretizar a obra notada em uma realização sonora da
mesma. Mas, sabemos que esse processo é mais complexo do que essa perspectiva
reducionista. Desse modo, as diferentes interpretações dadas às mesmas escrituras revelam o
quão indeterminado é o processo criativo da interpretação, dado o inacabamento do texto
musical.
O fato de que o recurso notacional permite ao compositor prescrever uma série de
parâmetros a serem executados, não determina totalmente os modos em que essa obra se
concretizará quando colocada em sua esfera fonológica 1 . Acreditamos que a práxis
interpretativa é um tecido de acontecimentos, ações, interações, acasos, determinações e
indeterminações que permitem que a criação também ocorra nessa instância do fazer musical.2
A interpretação musical tem no ‘inacabamento da obra’, dada a impossibilidade de
representação em detalhe de todos os acontecimentos musicais, seu principal ambiente de
criação. Ao mesmo tempo em que o recurso notacional normatiza certos parâmetros musicais,
suas lacunas representacionais permitem que a obra seja interpretada, até certo ponto, segundo
o conhecimento, a intuição, e os preceitos daquele que a interpreta, o que revela uma
incontornável apropriação da obra pelo intérprete. Os recursos da escrita, nesse sentido,
“motivam” uma interpretação da obra, mas não a determinam de maneira unívoca.
Temos reconhecido os processos de escuta enquanto elementos integralizadores nas
práticas interpretativas. Assim, é por meio de processos múltiplos de escuta que acreditamos
que se estabeleçam as relações entre a escritura, suas realizações sonoras, e a criação de uma

1
Como veremos, o termo ‘fonológico’ é designado por Menezes (1997) ao referir à dimensão sonora da música.
2
Essa perspectiva do fenômeno interpretativo pode ser entendida a partir do Pensamento Complexo de Edgar
Morin (2003). O pensamento complexo vai ao encontro da noção da performance musical enquanto um processo
que se estabelece em uma rede de (inter)ações entre seus agentes, considerando, também, os meios em que essas
redes são estabelecidas. Nesse sentido, com a busca por uma compreensão dos fenômenos de modo a
descompartimentalizar suas relações, dilui-se as fronteiras entre cada uma das instâncias do fazer musical, isto é,
do compositor, da escritura, do intérprete e do ouvinte. A obra é inacabada porque sua criação é inacabada. O
intérprete, nesse sentido, é parte da obra quando a executa, e atua significativamente na sua criação. Na
perspectiva da complexidade, a obra musical passa, então, a ser um organismo dinâmico, nutrido pela
multiplicidade de interações e de significados postulados pelos seus diversos agentes.

16
concepção interpretativa. Buscamos, portanto, compreender como são estruturados os modos
de escuta inerentes a essa prática. O uso de uma abordagem de análise que priorize a esfera
fonológica da música se faz relevante uma vez que esta pode contribuir no processo de
decifração da escritura musical integrando-o à escuta do fenômeno sonoro. O uso de software
como recurso para análise de gravações tem apontado para uma abordagem dos aspectos
intrínsecos do fenômeno sonoro que podem auxiliar o intérprete na compreensão de materiais
sonoro/musicais não revelados pela notação, viabilizando, assim, um aguçamento da escuta e,
consequentemente, uma interpretação musical fundamentada em parâmetros que vão para
além do texto notado.
Como objeto desta pesquisa, buscou-se entender como a abordagem da análise por
meio de recursos computacionais pode, portanto, fomentar a interpretação musical tendo em
vista os processos de escuta envolvidos. Buscou-se compreender como a utilização da análise
sonora pode fomentar a escuta de elementos musicais que nem sempre são perceptíveis na
leitura da partitura durante a preparação do repertório. A intenção foi contribuir para o
planejamento das práticas interpretativas, a qual se mostra afinada às atuais perspectivas da
pesquisa musicológica. Dialogando com referências atuais em análise musical (COOK, 2006;
2007a; 2007b; 2009; DONIN, 2007; FORTUNATO, 2011; GASQUES, 2013; LEECH-
WILKINSON, 2009; LOUREIRO, 2006; MATSCHULAT, 2011; RINK, 2012), esta pesquisa
delineiou-se na articulação entre a análise sonora por meio de recursos tecnológicos e o
processo de construção da interpretação do violonista. Delimitamos nossa investigação na
busca das possibilidades de análise de gravações por meio do software Sonic Visualiser que
está vinculado aos trabalhos do Centre for the History and Analysis of Recorded Music,
referência no estudo musicológico de gravações. Portanto, sua eleição como ferramenta se
deu a partir da adoção dos trabalhos desse centro de pesquisa como referencial nesta pesquisa.
Tomamos uma obra específica para viabilização deste estudo. Assim, a obra
Tetragrammaton XIII, para violão solo, do compositor Roberto Victorio foi escolhida para o
estudo das possibilidades de utilização dessa abordagem de análise no processo de construção
interpretativa. A escolha dessa obra se deu pelas possibilidades e desafios que ela fornece
quanto a aspectos sonoros, estruturais e, sobretudo, temporais. Outra razão para a escolha
dessa obra está no fato de seu universo sonoro ter demandado atitudes de escuta condizentes a
ela. Essa condição representou, portanto, um desafio tanto para a decifração de sua escritura
quanto no estabelecimento de uma concepção interpretativa. O intuito foi, então, desvelar
como o procedimento analítico utilizado pode auxiliar o intérprete em situações como esta. O

17
exercício analítico proposto destinou-se ao estudo de gravações próprias realizadas para esta
pesquisa.
Diante das considerações apresentadas acima, esta investigação foi construída sobre a
seguinte pergunta norteadora: de que forma a análise sonora por meio de software pode
fomentar a escuta dos materiais musicais de uma obra (no caso, Tetragrammaton XIII, de
Roberto Victorio), auxiliar a decifração de sua escritura e contribuir na criação de uma
concepção interpretativa? A pesquisa possuiu como objetivo geral: desvelar como a análise
sonora pode fomentar a escuta dos materiais musicais, tendo em vista a criação de uma
concepção interpretativa da obra.
Considerando-se a obra adotada para a realização da pesquisa aqui proposta, teve-se os
seguintes objetivos específicos:
 identificar estratégias de escuta que pudessem guiar a criação de uma concepção
interpretativa da obra;
 compreender como a análise do som por meio de software pode auxiliar o intérprete
no processo de escuta do fenômeno musical;
 discutir o uso de software de análise sonora no processo de criação da interpretação
musical;
 compreender como a análise sonora pode auxiliar o intérprete a avaliar seu processo
criativo;
 revelar o processo desenvolvido na criação de uma concepção interpretativa da obra
utilizada neste estudo.

Partindo de um paradigma que considera que “a ciência não descobre, [mas] cria”
(SANTOS, 2010, p. 83), construímos o caminho metodológico da pesquisa. Santos (2010)
discorre sobre um modelo de ciência pós-moderno que emerge sob a revolução científica a
qual estamos vivenciando. Essa revolução científica, segundo o autor, parte da negação de
uma ciência moderna positivista que se funda em um conhecimento a partir da ideia de ordem
e estabilidade do mundo, e de forma determinista prevê o estabelecimento de leis universais.
A partir do momento em que esse modelo positivista de ciência passa a ser introduzido no
âmbito das ciências sociais surgem os conflitos epistemológicos, uma vez que tal modelo não
se aplica às especificidades do ser humano e suas relações sociais. Por outro lado, Santos
(2010) descreve que o paradigma emergente prevê um conhecimento cada vez menos dualista,
no sentido em que se funda na superação da distinção entre objetivo e subjetivo; natureza e

18
cultura; coletivo e individual; sujeito e objeto. Essa superação implica em um saber científico
cada vez menos compartimentalizado. Assim, a pesquisa em artes tem se beneficiado dessa
perspectiva emergente, uma vez que ela assume o caráter criativo da pesquisa e reconhece,
portanto, o próprio fazer artístico e suas especificidades.
Nesse sentido, a opção por estudar as próprias gravações apoiou-se no fato de que esse
novo paradigma de pesquisa volta-se à ideia de que as fronteiras que delimitam o sujeito e o
objeto estudado tem sido cada vez mais diluídas. Clausewitz (apud Santos, 2010, p. 83)
afirma que “o objeto é a continuação do sujeito por outros meios”. Além disso, no paradigma
emergente, “o caráter autobiográfico e autoreferenciável da ciência é plenamente assumido”
(SANTOS, 2010 p.85), o que demonstra a dimensão ativa do sujeito no processo, ao invés da
constante busca pelo controle do objeto.
Fundamentado nas questões apontadas por Santos (2010), consideramos que
alimentar-se desse modelo na pesquisa em artes pode não só ser uma saída em relação às
práticas ainda arraigadas ao paradigma positivista dominante, mas também uma possível
forma para poder discutir aspectos específicos das artes, tais como sua produção e criação, seu
ensino, seus papéis sócio-culturais e sua inerente subjetividade de forma mais ampla e
profunda. A segregação entre sujeito e objeto, como postulada no paradigma dominante das
ciências, não permite que se leve em conta as especificidades do fenômeno artístico.
Encontramos no novo paradigma das ciências uma porta de entrada para discussão sobre
processos criativos nas artes. Desse modo, ao estudar as próprias gravações, deu-se ênfase
numa pesquisa que considerou o processo e a subjetividade inerente à criação.
O caminho percorrido na pesquisa para alcançar os objetivos propostos reflete-se na
estruturação dos capítulos e subcapítulos desta dissertação, que está organizada em cinco
partes. A primeira delas destina-se à Contextualização Teórica – Capítulo 1. São discutidos
os pressupostos teóricos que fundamentaram as reflexões acerca do uso da análise de
gravações no processo interpretativo. São introduzidos, a partir da literatura estudada, três
eixos para as discussões, a saber: (i) os limites da representação musical; (ii) o papel da escuta
nas práticas interpretativas; e (iii) o uso das ferramentas de análise com suporte
computacional no contexto musicológico, incluindo a apresentação inicial das ferramentas de
análise com o software Sonic Visualiser. Apresentam-se brevemente algumas referências da
literatura produzida em língua portuguesa que comungam diretamente com o tema de
pesquisa realizado.

19
Os três capítulos subsequentes correspondem a três momentos distintos do processo
interpretativo da obra tomada para a realização do estudo – Tetragrammaton XIII, de Roberto
Victorio. Neles, buscou-se descrever os conteúdos analítico-interpretativos obtidos no
percurso criativo. O Capítulo 2 – A obra Tetragrammaton XIII: características e
gravações preliminares – representa o momento inicial do processo e destina-se à
apresentação do contexto musicológico de Roberto Victorio bem como de seu pensamento
composicional, e de uma análise feita a partir da escritura da peça. São ainda apresentadas as
características de duas gravações realizadas preliminarmente, utilizadas para análise com o
software Sonic Visualiser. No Capítulo 3 – Análise das gravações – são apresentados os
resultados do segundo momento do processo. São descritas, inicialmente, as ferramentas
utilizadas na análise das gravações e a segmentação adotada para as análises. Os dados
coletados com o uso do software são contemplados na discussão com base nas características
interpretativas extraída das gravações preliminares. O Capítulo 4 – Uma Interpretação de
Tetragrammaton XIII – corresponde ao terceiro momento do processo e destina-se a
apresentação de um mapa interpretativo da peça tendo como referência os dados coletados na
análise das gravações anteriores. Uma nova gravação foi realizada com base nos resultados
expostos no capítulo anterior. Esta gravação é entendida aqui como registro de uma das
instâncias dentre as múltiplas possíveis performances viabilizadas a partir do mapa
interpretativo. Em razão disso, são apresentadas ilustrações de suas principais características
em três eixos, a saber: a direção gestual, o agrupamento de notas para a formação dos gestos e
divisão em planos sonoros. Por fim, buscou-se, no Capítulo 5 – Análise, escuta e
interpretação musical: conclusões sobre o percurso realizado –, um exercício reflexivo
sobre o processo interpretativo vivenciado, tomando como subsídio o aporte teórico
desenvolvido no primeiro capítulo desta dissertação, as gravações e análises realizadas.
Aponta-se em que medida o uso da análise de gravações fomentou a expansão da escuta, bem
como auxiliou na criação de uma concepção interpretativa da obra utilizada. São salientadas
as especificidades na interação entre o intérprete e a ferramenta de análise com software.

20
1. CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA

Neste capítulo é abordado o contexto teórico que levou à construção do objeto de


pesquisa. O referencial teórico abordado perpassa a discussão do papel e dos limites da
representação musical enquanto texto escrito e seu reflexo na práxis da interpretação musical
(ALMEIDA, 2011; CHUEKE, 2005; COOK, 2007b; HILL, 2002; MENEZES, 1997;
ZAMPRONHA, 1996; 2000). Tendo em vista os limites da própria escrita musical,
apontamos para a escuta enquanto elemento que integraliza o processo de construção da
interpretação musical. Em razão disso, buscamos compreender o fenômeno da escuta de
forma genérica a partir dos escritos de SCHAEFFER (1988); CHION (2009); SMALLEY
(1986; 1996) e SALGADO (2005) para, então, compreendê-lo na especificidade da prática da
construção/criação interpretativa. A partir da discussão dos processos de escuta, sugerimos a
utilização de recursos computacionais de análise como ferramenta de expansão e refinamento
da escuta no processo de construção interpretativa. Os pressupostos da interação entre análise
musical e performance são discutidos a partir de DUNSBY(1989); LESTER (2009) e RINK,
(2007; 2012). Baseado nisso, e ainda a partir do trabalho de COOK (2006; 2007a; 2007b;
2009), assinalamos que o estudo da performance no campo musicológico produziu
ferramentas analíticas úteis para o performer, como o software Sonic Visualiser.
Este caminho teórico aqui descrito é organizado em três subcapítulos, intitulados
respectivamente, Limites da representação musical; Discutindo o papel da escuta nas
práticas interpretativas e A análise musical com suporte computacional.

1.1 Limites da representação musical

A música de concerto ocidental estabeleceu-se sob uma estreita relação com a escrita
musical. É fato que grande parte da produção do gênero ampara-se na produção da partitura
como suporte de uma ideia musical a ser executada pelos intérpretes. Como já se sabe,
anteriormente ao advento de tecnologias que permitiram a gravação de performances no
início do século XX, o único meio de registro de obras musicais se dava através das partituras.
Embora esse avanço tecnológico tenha permitido que a veiculação da música se expandisse
consideravelmente, a partitura ainda é a principal forma de registro musical, especialmente no
que se refere à produção da música de concerto. Dada a relevância da escrita para a produção
musical do gênero, o texto musical revelou-se como um dos principais documentos utilizados

21
em pesquisas musicológicas produzidas até as últimas décadas, conforme já apontado por
Nicholas Cook (2007b). Essa hegemonia do texto (partitura) sobre as outras instâncias da
música manifesta-se em diversas áreas da musicologia. Os estudos sobre a performance
musical, bem como os estudos da teoria e da análise musical, consolidaram-se a partir de uma
preeminência do texto sobre outros aspectos do fenômeno musical. Cook (2007b, p.11)
reitera essa afirmação quando ressalta a orientação escritural da musicologia, uma vez que a
disciplina foi modelada a partir dos valores e práticas da filologia do século XIX.
A notação musical, sobre a qual se desenvolvem a composição, a interpretação
musical e a performance da música de concerto ocidental, tem como um de seus papéis a
normatização de parâmetros a serem executados por um ou mais instrumentistas. Apesar de
sua notória função prescritiva, a notação não necessariamente determina em todos os aspectos
a execução de uma obra. O ambiente de criação dos intérpretes incide estreitamente sobre as
lacunas representacionais da notação. Como observado por Hill (2002, p. 129), ainda que
algumas das informações obtidas através da decifração do código musical sejam exatas
quanto ao signo a que elas se referem, outras são apenas aproximações de ideias musicais –
como, por exemplo, as indicações de caráter – o que vem a oferecer margem a diferentes
interpretações.
Em uma perspectiva reducionista, entende-se que o processo de interpretação na
música de concerto seria pautado pelo estabelecimento de uma partitura como suporte do
discurso musical, no qual o intérprete trabalharia somente em um processo de decodificação a
fim de catalisar os princípios musicais registrados pelo compositor, traduzindo-os em
fenômeno sonoro. Entretanto, a decifração de uma escritura musical transcende a simples
decodificação de sua escrita, referindo-se à compreensão de questões composicionais como
um todo, englobando tanto elementos estruturantes quanto os aspectos estéticos, poéticos e
conceituais da obra.
Cabe aqui destacar a distinção feita por Zampronha (2000) entre os conceitos de
escrita e escritura. A escrita, uma forma de representação dos sons em uma notação, se
aproxima das ideias de texto, partitura. Já escritura se refere ao pensamento musical em si,
pois contempla as formas de organização musical. A escrita é o ambiente de organização
musical que permite a geração de escrituras (p. 14-15). Assim, o autor discute a noção de
escritura da escrita, na qual “a escrita é um contínuo de possibilidades que possibilita a
emergência de escrituras que, por sua vez, fazem marcas sobre a própria escrita” (p.16).
Portanto, ao tratarmos sobre o processo de interpretação musical, assinalamos que a

22
decifração da escritura de uma obra – isto é, a compreensão dos elementos que estruturam o
sentido estético de uma obra – perpassa pela decodificação de uma escrita, embora não se
restrinja a ela. A elaboração de um discurso sonoro/musical que tem como ponto de partida a
decifração de uma escritura é tratada, aqui, enquanto processo criativo. Engajado na cadeia
criativa da obra, o intérprete interage com os elementos registrados na notação enquanto
agente e não apenas enquanto executor (materializador) da obra no tempo. Dessa forma, a
construção interpretativa se dá pela interface entre a compreensão dos materiais musicais
implícitos e explícitos na escrita e suas ressignificações no processo decifratório, bem como
no ato performático.
No que tange à notação musical, Zampronha (2000) aponta que esta é considerada, sob
um paradigma tradicional, uma forma de representação dos sons musicais, que são registrados
a partir de sons ouvidos ou imaginados. Considera-se, ainda, que a notação forneceria todo o
conjunto de informações e instruções necessárias à execução da obra. Assim, nessa
concepção, ela exerceria a função de registro, mas também prescreveria modos de execução,
ou seja, esta serviria de suporte à comunicação da obra idealizada pelo compositor. O caráter
prescritivo da notação permitiria a um intérprete que domine todas as regras e os signos do
código3 reconstituir uma informação musical através da decodificação de sua escrita. Assim,
nessa perspectiva tradicional, acredita-se que o sistema notacional seja capaz de abarcar todas
as informações necessárias à sua decodificação e permita o restabelecimento das ideias
musicais do compositor que deram origem à obra notada, de modo que o sentido original da
concepção musical precise ser resgatado pelo intérprete.
Por outro lado, sob outro paradigma apontado por Zampronha (2000), entendemos que
o complexo sistema em que a criação musical está inserida não permite acreditarmos em uma
noção de originalidade da obra. A obra musical, não mais estática, mas sim inacabada e
dinâmica, molda-se em seu decurso criativo e se transforma (até certo ponto) em suas diversas
instâncias: a ideia inicial do compositor; sua representação através da escrita; a decifração e
interpretação do código musical pelo intérprete; e as diversas possibilidades de compreensão
pelo público. Assim, se a evolução da notação ao longo da história se deu como tentativa de
representar todos os aspectos do fenômeno musical, e assim garantir um sentido musical
exatamente como originalmente pensado, sem dúvidas essa foi uma tentativa que não se
confirmou completamente.

3
Para Zampronha, “conhecer o código é saber identificar os caracteres do sistema de notação e objetos aos quais
se referem, além de conhecer as regras de associação desses caracteres” (ZAMPRONHA, 2000, p.26)

23
Ademais, a própria concepção de ‘evolução’ do sistema notacional ao longo do
percurso histórico carrega consigo a noção de que teria havido um esforço de produzir um
registro cada vez mais detalhado capaz de fornecer informações mais precisas sobre a
execução da obra. Talvez isso teria sido uma tentativa, cada vez mais acirrada, de prescrever e
determinar como a obra deve soar, diminuindo possíveis ‘ruídos’ ao longo do percurso que
separa o compositor e suas ideias musicais das interpretações dadas pelos performers.
Contudo, tendemos a acreditar não em uma ‘evolução’ do sistema notacional, mas em
transformações do código que tanto se adequaram às exigências das mudanças da linguagem
musical ao longo da história da música, quanto foram responsáveis por tais mudanças, em um
movimento de reciprocidade.
Zampronha (2000) disserta sobre essa questão, ressaltando que o percurso histórico do
sistema de escrita musical aponta não só para o fato de que o sistema notacional foi
determinado pelas mudanças na linguagem musical, mas mostra que os modelos de escrita
também determinaram mudanças na linguagem. 4 Como exemplo dessa segunda afirmação,
cita a polifonia da ars antiqua (século XII e XIII) que surgiu após as alterações na notação
que permitiram uma forma de escrita das durações que possibilitaram a sobreposição de linhas
melódicas, de certa forma, sincronizadas. (ZAMPRONHA, 2000, p. 14)
Diante desses apontamentos, reconhecemos o papel da notação musical enquanto
suporte para veiculação de ideias musicais. Além disso, entendemos a função da escrita como
um meio de aproximação – primeiro, entre o compositor, sua obra, e os intérpretes, e,
segundo, entre épocas distintas, posto que é a notação que nos permite executar composições
escritas em períodos históricos anteriores ao advento dos recursos de gravação. Por outro
lado, ao discorrer sobre as relações existentes entre a escrita e a práxis da interpretação
musical, devemos nos dar conta quanto às limitações inerentes a esse recurso documental que
é a partitura.
Outro apontamento de Zampronha (2000) refere-se à tradicional relação dada entre
notação e performance, que coloca a primeira enquanto código secundário. O autor aponta
que em um paradigma tradicional há a crença em um universo estável, de modo que a obra é
algo anterior à partitura, e, que o intérprete restitui uma ‘obra original’ através de processos de
decodificação da escrita. Em razão disso, a escrita seria concebida enquanto código
secundário (p. 16). Em outras palavras, o ato de escrever (a notação musical) seria

4
Talvez venha daí a noção de ‘escritura da escrita’ proposta por Zampronha (2000), ao dizer que não só a escrita
determina a escritura, mas que as escrituras também fazem marcas sobre a própria escrita.

24
desvinculado do complexo criativo, e, portanto, seria considerado uma instância neutra nesse
processo. Nessa linha de pensamento, poderíamos dizer que, questionando-se o paradigma
tradicional, do mesmo modo que o intérprete passa a ser incluído no decurso criativo da obra,
a escritura (o ato de escrever) também o é.
Ao nos voltarmos, em nosso estudo, à esfera fonológica da música, não estamos
negando o papel da escrita no processo de criação da obra. Embora reconheçamos as
limitações representacionais que a notação impõe àqueles que a interpretam, não
consideramos o código notacional enquanto neutro, ou mesmo secundário. Acreditamos, pelo
contrário, que são justamente essas limitações que não permitem que ela seja considerada
secundária. O inacabamento e a flexibilidade da escrita estão estreitamente relacionados ao
ambiente que tanto o intérprete quanto o compositor se debruçam para a criação. Nesse
sentido, acompanhamos as considerações de Zampronha (2000).
Diante disso, a própria noção de ‘obra musical’ é questionada por Zampronha:

se a partitura não é a obra, então como é que a performance, que é dita a


obra, pode vir da notação, que não o é? Onde está esse objeto chamado obra?
E como lidar com o problema das performances serem diferentes entre si,
mesmo sendo consideradas realizações fiéis da partitura e, apesar de
diferentes, serem consideradas a mesma obra? (ZAMPRONHA, 2000, p.24).

Kivy (apud Zampronha, 2000) diz que a obra está em algo como uma “essência”,
sempre presente em diferentes performances da mesma obra. A partitura, na verdade,
descreveria essa essência, mas não necessariamente representaria a “obra”. A escrita (texto)
descreveria a essência de uma escritura (pensamento musical) que seria então decifrada e
comunicada por meio de uma performance. Diríamos ainda, acrescentando a essa
conceituação, que a obra não só estaria nessa “essência”, mas sim na complexidade dela. Isso
significa que a obra está em sua própria rede de possibilidades; na interação entre suas
diferentes instâncias (a escrita, a escritura, as interpretações dadas a elas, etc); e em seu
inacabamento diante de um potencial de ressignificações no decurso do processo de
interpretação e comunicação. Assim, em concordância com o apontamento de Zampronha
(1996, p.132), a obra não está no texto, nem em sua performance, mas sim no “rastro”, no
“traço” deixado por ela. E dentro desse complexo, a notação é uma instância deixada nesse
“rastro”.
Como dito anteriormente, ainda que admitamos as limitações e as imprecisões da
escrita musical, não podemos configurá-la enquanto um código secundário no processo
interpretativo. São essas imprecisões que possibilitam o dinamismo da criação de uma
25
interpretação musical. Ao mesmo tempo em que a notação prescreve e normatiza, oferece
margem para diferentes concepções (ALMEIDA, 2011). Se por um lado o sistema notacional
apresenta lacunas representativas, por outro, ele desvela ao intérprete possibilidades no
processo de construção interpretativa, de modo que a variabilidade e o dinamismo na
execução dos materiais notados estão no cerne do processo criativo. Na realidade, devemos
nos dar conta de seu papel dentro do complexo da práxis interpretativa. Assim, buscamos uma
prática interpretativa que não subjugue as potencialidades do sistema notacional, mas que
também não supervalorize as atribuições a que ela se propõe.
Corroborando essas afirmações, Almeida (2011) descreve que a excessiva valorização
das atribuições da notação musical coloca-nos diante de dois riscos:

O primeiro deles nos induz a uma decepção: investimos tanta autoridade à


notação, acreditando que ela possa abarcar minuciosamente os mais diversos
aspectos musicais e sonoros, que decepcionamo-nos com seus resultados.
Acusamos, então, várias deficiências, quando na verdade o próprio recurso
notacional jamais se propôs a tão complexas atribuições. [...] Um segundo
[...] é a confusão entre partitura e obra, ou seja, a idolatria ao texto, a crença
de que ele se basta por supostamente comportar e cristalizar todos os
aspectos do que se entende por obra musical (ALMEIDA, 2011, p. 66).

Como nos alerta Menezes (1997, p.28), os compositores [e acrescentaríamos aqui os


intérpretes] correm o risco de atribuírem uma excessiva crença no sistema notacional ao invés
de voltar suas atenções/intenções na realidade dos contextos sonoros. O autor descreve que
embora a escritura musical tenha adquirido uma importância ímpar, do ponto de vista
histórico, na evolução do código musical utilizado como suporte para que compositores
pudessem veicular seus pensamentos musicais, é necessário que se tome consciência de seus
limites. Com base nessas considerações, Menezes (1997) chama a atenção para a

não menos importante condição essencial dos fenômenos musicais, qual


seja: o fato de que os dados musicais estejam intimamente ligados à esfera,
diríamos, “fonológica” da música, em outros termos, a uma fenomenologia
da escuta. (MENEZES, 1997, p.28, grifo nosso)

Chueke (2005) corrobora essa afirmação dizendo que as abordagens de análise que
se voltam para o texto musical não existem para colocar a música em uma estrutura (frame)
pré-existente, de modo a transformar o som em algo palpável, mas auxiliam os intérpretes a
construírem referências a certos aspectos de sua própria escuta de uma determinada obra.
(CHUEKE, 2005, p.110). A compreensão do texto por meio de uma análise colabora, de fato,
na busca de uma linha de coerência na decifração de uma escritura. Porém, para o intérprete,

26
essa busca integraliza-se dentro de um contexto fonológico da produção musical, isto é, por
meio dos processos de escuta. A autora afirma, ainda, que os “músicos devem ter atenção e
evitarem ser presos pelo conhecimento, quebrando todas as possíveis barreiras que bloqueiam
a descoberta do novo, mesmo em contextos familiares” (CHUEKE, 2005, p.110)5. Em outras
palavras, ainda que o conhecimento musicológico seja de suma importância no processo de
criação de uma interpretação, este não substitui a experiência sonora.
Portanto, ir além das barreiras da notação significa apoiar-se também no fenômeno
sonoro, e, inevitavelmente em sua escuta. Concordamos com Reimer and Wright (1992,
p.231, apud CHUEKE, 2005, p.107) ao afirmar que a escuta é a forma “fundamental de
interação com a música” 6, manifestando-se em todas as instâncias da criação musical, seja
pela via do compositor, do intérprete, e mesmo do ouvinte.
Assim, a realização sonora no processo decifratório da escritura se caracteriza por ser
um processo de manipulação dos sons. Ao trazer os materiais musicais notados para a esfera
sonora o intérprete conduz a performance sob o “manuseio” dos elementos sonoro/musicais.
O modo como o intérprete molda o tempo musical, as intensidades e o timbre, por exemplo,
está intimamente ligado à forma como ele percebe os eventos musicais, fazendo com que,
dessa forma, o fenômeno da escuta seja intrínseco ao processo interpretativo. Nesse sentido,
com base nas considerações de Menezes (1997), a escuta dos materiais musicais é um fator
fundamental na gênese do processo musical (no qual enfatizamos as questões interpretativas),
suprindo as deficiências representativas da notação. Além disso, as escolhas interpretativas
realizadas por meio de experimentações durante a preparação da obra podem ser guiadas pelo
exercício da escuta.
Diante das considerações acerca dos limites representacionais da escrita musical, bem
como do papel da escuta enquanto elemento de integração na decifração das escrituras
musicais faz-se relevante a discussão do fenômeno da escuta no contexto específico da prática
interpretativa. Buscamos a compreensão de uma escuta que é notadamente multifacetada e se
desenvolve sob vários aspectos e processos. Por isso, não nos referimos à escuta enquanto um
fenômeno único, mas a algo que se concretiza sob suas diferentes perspectivas, isto é, sob
seus “pontos de escuta”.

5
No original: Musicians should be attentive and avoid being imprisoned by knowledge, breaking all the possible
barriers which block the discovering of the new even in familiar contexts.
6
No original: “foundational interaction with music.”
27
1.2 Discutindo o papel da escuta nas práticas interpretativas7

A fim de compreender como são estruturados os modos de escuta na interpretação


musical nos amparamos conceitualmente na teoria desenvolvida por Pierre Schaeffer (1988)
em seu Tratado dos objetos musicais, bem como nos trabalhos de dois autores subsequentes
na linhagem do pensamento de Schaeffer, a saber: Michel Chion (2009) e Denis Smalley
(1986; 1996). Vale ressaltar que estas teorias foram elaboradas no contexto das pesquisas
sonoras da música concreta desenvolvidas por Schaeffer desde finais da década de 1940 e
posteriormente pelos autores/compositores daquela que passou a ser chamada de música
eletroacústica. No entanto, sua aplicação na música instrumental é também pertinente, posto
que a escuta da música instrumental aqui proposta possa voltar-se, igualmente, ao que há de
“concreto” na música, ressaltando a realidade concreta dos sons instrumentais – isto é, dos
sons em si, não vinculados às suas cargas simbólicas, abstratas, estruturais, etc. Assim,
embora tais teorias tenham sido desenvolvidas como ferramenta à escuta e composição da
música eletroacústica, e, portanto, não concentrem suas atenções à música instrumental e nem
às práticas interpretativas, podem promover uma tomada de consciência sobre o fenômeno da
escuta que se mostre profícua ao nosso campo de pesquisa.

1.2.1 Os quatro modos de escuta de Pierre Schaeffer

Schaeffer (1988) articula seu campo conceitual a partir de quatro modos de escuta,
quais sejam: escutar, ouvir, entender e compreender 8. Para abordá-los, nos remetemos ao
trabalho de Ananay Salgado (2005). Seguindo o roteiro apontado pela autora, o primeiro
modo, escutar, é um modo dirigido ao evento extrínseco ao fenômeno sonoro. Quando
buscamos saber o que produziu determinado som, ou seja, sua origem, estamos exercendo a
atividade de escutar. Assim, o som é um indício que abre as portas para uma rede de
associações para com o som percebido. O que, aqui, torna-se fundamental é a associação com
sua origem, isto é, com a sua causa.
O segundo modo, ouvir, caracteriza-se pela passividade em relação à recepção do som.
Estamos sujeitos o tempo todo a estímulos sonoros diversos sem que possamos evitá-los. A
atividade de ouvir é centrada na resposta imediata do aparelho auditivo a um estímulo sonoro.

7
O texto que segue neste tópico deriva do artigo intitulado “Discutindo o papel da escuta nas práticas
interpretativas” publicado nos Anais do II Congresso da Associação Brasileira de Performance Musical.
8
No original em francês: écouter, ouïr, entendre e comprendre.
28
O que difere os modos ouvir e escutar é que, enquanto ‘escutar’ dirige-se ao exterior do
fenômeno sonoro – o indício –, ‘ouvir’ se refere à recepção do som bruto, ainda sem
associações.
O verbo que se refere ao terceiro modo, entender, possui na língua portuguesa um
significado diferente daquele descrito originalmente no francês – entendre. Entendre provém
de ‘tender para’, ‘ter uma atenção’. Este modo volta-se à percepção do fenômeno sonoro em
si, segundo a observação de propriedades específicas do som, ou seja, dirigidas aos seus
aspectos intrínsecos. Há um ato de seleção do que se quer perceber. Ao escutar um evento
percussivo sobre uma caixa clara posso me atentar, por exemplo, ao seu conteúdo espectral ou
ao seu comportamento morfológico, ou seja, como o som se comporta ao longo do tempo
(ataque, sustentação, extinção do som, etc.).
Vinculado ao campo semântico da percepção, o quarto modo, compreender, toma o
som enquanto signo. O ouvinte atribui valor ao som. Os significados dados para o som
percebido podem ser distintos, uma vez que este é determinado pelo aspecto cultural daquele
que ouve. O som de uma sirene, por exemplo, pode ter significados distintos em cada
contexto. Dessa forma, nos voltamos aos aspectos extrínsecos do som. Em uma escuta
musical o modo compreender está diretamente vinculado à compreensão do discurso musical
e às relações dos materiais musicais em uma obra. (BARREIRO, 2010, p.36)
Schaeffer (1988) ressalta que os quatro modos da percepção sonora não acontecem de
forma linear, e que as diferenciações apontadas entre cada um deles são recursos discursivos
para compreensão do fenômeno da escuta. Os modos devem ser entendidos como
complementares, pois interagem e se apoiam uns nos outros. Todos os modos, de certa
maneira, estão presentes em uma atividade de escuta, sendo que o que os difere é a
atenção/intenção dada a algum aspecto em detrimento de outro, o que faz com que um desses
modos fique preponderante sobre os demais a cada momento.
A partir da fundamentação sobre a percepção sonora de maneira geral, Schaeffer busca
compreender esse modelo no âmbito musical, isto é, reconhecer as intenções de escuta
resultantes no contexto específico da experiência musical. A intencionalidade, para o autor, é
um dos princípios condutores da escuta musical. 9 As diferentes intenções de escuta são
delineadas de acordo com as situações, atitudes e objetos aos quais a escuta é dirigida. Chion
(1999, apud SALGADO, 2005) apresenta três intenções de escuta relevantes no âmbito
musical que emergem a partir dos conceitos apresentados por Schaeffer (1988): as escutas

9
A questão da intencionalidade segue os preceitos da fenomenologia de Husserl utilizada por Schaeffer como
arcabouço teórico.
29
semântica, reduzida e causal. Esta última está associada ao primeiro modo (escutar), pois
projeta a percepção à procedência do som. No contexto desta pesquisa, este tipo de escuta não
é o foco principal das nossas atenções e, portanto, nos voltaremos apenas às demais.
Em uma escuta semântica, o ouvinte direciona suas atenções às propriedades sonoras
que constroem o sentido musical. Vinculada ao quarto modo (compreender), trata o som
enquanto signo, de modo que os significados e valores atribuídos emergem através do
reconhecimento da linguagem musical. A percepção é dirigida aos materiais sonoros de modo
a compreendê-los enquanto parte do discurso musical. Em uma escuta semântica, voltamos as
atenções a como se organizam as estruturas musicais, isto é, como se relacionam os elementos
formais, o fraseado, a condução melódica e harmônica, a organização temporal, ou qualquer
parâmetro que construa o sentido musical de uma obra.
A escuta reduzida, vinculada ao terceiro modo (entender), pode ser definida como
uma atitude de escuta orientada aos aspectos intrínsecos do som de modo que a identificação
da fonte sonora, o sentido musical, bem como de qualquer outro tipo de referências extra
sonoras não sejam preponderantes. A escuta é direcionada a perceber o som “em sua
materialidade, sua substância” (Chion, 2009, p. 31) e, portanto, volta-se ao objeto sonoro. De
acordo com Chion (2009), o objeto sonoro, na conceituação de Schaeffer, caracteriza-se como
“um fenômeno sonoro e evento percebido como um todo, uma entidade coerente e ouvida por
meio da escuta reduzida, a qual se volta ao som em si mesmo, independentemente de sua
origem ou seu significado” (CHION, 2009, p. 32, tradução nossa)10.

1.2.2 A escuta no campo da interpretação musical

Ao tratar o fenômeno da escuta em música, geralmente remete-se à perspectiva do


ouvinte, isto é, daquele que aprecia uma obra musical seja em um concerto ao vivo ou através
de alguma mídia gravada. No entanto, se nos atentarmos em todo o complexo que é a prática
musical, perceberemos que cada um dos agentes dessa prática possui seu próprio ‘ponto de
escuta’ com características singulares. A escuta de um ouvinte em um concerto é
provavelmente distinta daquela delineada pelo intérprete durante a performance, uma vez que
esta é conduzida pela situação em que cada um está inserido. Reconhecemos assim, a escuta

10
No original: sound phenomenon and event perceived as a whole, a coherent entity, and heard by means of
reduced listening, which targets it for itself, independently of its origin or its meaning. (CHION, 2009, p. 32)
30
musical como um fenômeno multifacetado, mas dirigimos nossos esforços, aqui, para
compreendê-la sob a perspectiva do intérprete musical.11
O exercício da escuta conduz a prática decifratória/interpretativa de modo a orientar a
manipulação (factura) dos sons dentro de um contexto musical. A atitude ativa do intérprete
frente à produção/escuta dos sons revela uma dinâmica imbricada entre o ato de tocar e o ato
de se escutar. O modo como se escuta alimenta a execução que, por sua vez, retroalimenta a
escuta. No entanto, reconhecemos que os modos, bem como os objetos aos quais dirigimos
nossas atenções são flexíveis de acordo com os objetivos da execução. Em uma performance,
por exemplo, o intérprete projeta sua escuta sob uma perspectiva holística da realização
sonora/musical. Já em sua prática de estudo, os objetos e as intenções podem variar de acordo
com a finalidade da prática. Consideramos que as intenções de escuta preponderantes na
prática da interpretação musical são as escutas semântica e reduzida.
Nas práticas interpretativas, a decifração de uma escritura – em virtude da
compreensão das estruturas (locais e globais) que regem a obra – reflete em uma
intencionalidade de escuta voltada à observação dos elementos sonoros produtores do sentido
estético. Considerando que a compreensão da obra vai além da decifração da escritura,
dirigindo-se ao sentido fonológico projetado por ela (segundo Menezes, 1997), a escuta torna-
se um elemento integralizador da construção interpretativa. Nesse sentido, a intencionalidade
semântica da escuta auxilia o intérprete na tarefa de produzir uma execução musicalmente
coerente, tanto do ponto de vista da estruturação, quanto de suas concepções interpretativas
particulares. A intenção semântica permite, portanto, que o intérprete avalie como as
estruturas estabelecidas previamente pela escritura, bem como os elementos expressivos,
estão sendo projetados na execução.
Por outro lado, há momentos em que o intérprete se volta às qualidades intrínsecas do
fenômeno sonoro. Preocupado com as qualidades espectrais (tímbricas) e morfológicas
(articulação, dinâmica e agógica) dos sons produzidos por ele, o intérprete canaliza sua
atenção para o entendimento dos sons em si. Aproxima-se, assim, da noção de escuta
reduzida. Embora, por razões óbvias, a fonte sonora seja evidente para o intérprete, ainda
consideramos essa atitude como uma escuta reduzida, uma vez que ela se volta
preponderantemente ao objeto sonoro. Em outras palavras, as qualidades dos sons tornam-se

11
Schaeffer (1988, p. 85) aponta três situações relevantes na escuta musical, a saber: a situação acusmática, a
situação do instrumentista, e a situação do ouvinte normal ou banal. No segundo caso, o ouvinte/instrumentista
preocupa-se com a factura do som e com a qualidade da produção de sonoridades (SALGADO, 2005, p.34).
Portanto, é esta que melhor se encontra em conformidade ao nosso objeto de pesquisa.
31
mais relevantes que a fonte sonora. Chion (2009), descreve a compreensão de objeto sonoro
no contexto da música instrumental:

visto como uma unidade de som, uma "gestalt", no qual pode ser composto
de vários micro-eventos ligados por uma forma, o objeto sonoro na música
clássica pode não corresponder exatamente a cada nota na partitura: o arpejo
de uma harpa na partitura é uma série de notas, mas, para o ouvinte, é um
único objeto sonoro (CHION, 2009, p. 33, tradução nossa)12

As referências à fonte e à dimensão semântica são muito fortes na prática


interpretativa, e, assim sendo, reconhecemos que a escuta reduzida é de difícil realização.
Entretanto, o intérprete coloca-se em vários momentos do processo em uma postura que se
aproxima da escuta reduzida, ainda que, por vezes, inconscientemente. Essa postura de escuta
pode ser descrita como aquela que auxilia o intérprete a avaliar sua execução instrumental
quanto às qualidades de sua produção sonora. Ajuda-o, por exemplo, a experimentar formas
de manipular o timbre de um acorde, a conduzir a dinâmica de um gesto, ou a reconhecer
formas de articular cada uma das notas em um arpejo. Em cada um desses exemplos, a
intenção de escuta está dirigida às qualidades espectro-morfológicas do som, e, portanto,
voltadas às suas qualidades intrínsecas. Ou seja, o intérprete inclina sua escuta ora para o
aspecto semântico, ora para as qualidades intrínsecas dos sons.
Essa formulação conceitual aqui trabalhada – de relacionar o pensamento de Schaeffer
com as práticas interpretativas – reitera que o exercício da escuta na interpretação musical
constitui-se de um complexo de associações que envolvem diferentes modos de escuta, nas
quais consideramos preponderantes as escutas semântica e reduzida (ou algo que se aproxime
desta). Assim, concluímos que a relação entre o sujeito (intérprete) e seu objeto de escuta (sua
execução da obra) vai ao encontro do que Smalley (1996) descreve como uma relação de
escuta interativa.
A relação interativa envolve os modos três e quatro (entender e compreender) do
quadro de escutas de Schaeffer, assim como as intenções semântica e reduzida. Promove,
assim, uma relação ativa do sujeito na exploração das qualidades e estruturas do objeto.
(SMALLEY, 1996, p.82). A contribuição de Smalley é reconhecer a interseção entre o
terceiro e o quarto modos, o que, para nossa proposta conceitual, é de grande relevância, visto
que é em torno deles que é estruturada a escuta na construção interpretativa.

12
No original: “insofar as it is a unit of sound, a “gestalt”, which can be made up of several micro-events bound
together by a form, the sound object in a classical music cannot precisely match each note on the score: a harp
arpeggio on the score is a series of notes; but, to the listener, it is a single sound object” (CHION, 2009, p.33)
32
1.2.3 Considerações preliminares sobre escuta

Com base nessas formulações, desenvolvemos nosso objeto de estudo com vista a uma
construção interpretativa da obra Tetragrammaton XIII de Roberto Victorio, uma vez que esta
obra apresenta desafios quanto a aspectos sonoros, estruturais e temporais que contribuíram
para as discussões sobre o tema. O universo sonoro desta obra demanda atitudes de escuta
condizentes a ela. Para auxiliar o processo de escuta na construção interpretativa, o software
Sonic Visualiser foi utilizado como ferramenta de análise de dados expressivos extraídos de
gravações da obra realizadas pelo pesquisador, como, por exemplo, variações de andamento e
de dinâmica. O software, nesse caso, funcionou como instrumento de expansão e refinamento
da escuta, auxiliando-nos no exercício criativo.
Acreditamos que o diálogo conceitual sobre os processos de escuta pode fornecer uma
tomada de consciência sobre a práxis da interpretação musical. Consideramos, ainda, a análise
computacional de áudio como forma de auxiliar essa tomada de consciência, contribuindo
para uma expansão dos recursos utilizados no planejamento das práticas interpretativas. Desse
modo, tendo em vista os limites representacionais que a notação nos impõe, ampliam-se as
ferramentas para a decifração da escritura musical e fornecem-se estratégias para a preparação
do repertório, levando-se em conta a conscientização exercida pela escuta.

1.3 A análise musical com suporte computacional

1.3.1 Sobre análise e performance

O percurso assumido pela análise musical, conforme descrito por Corrêa (2006),
revela o modo como essa disciplina foi se construindo enquanto campo de estudo da música.
A análise surge inicialmente como suporte às notas de programa. Em seguida, estabelece-se
como ferramenta ao ensino da composição musical, para, então, consolidar-se enquanto área
autônoma dentro dos estudos musicais. Para Corrêa (2006, p. 47), tal autonomia refere-se
notadamente à desvinculação do ato analítico para com os aspectos críticos composicionais e
interpretativos, isto é, se volta aos diversos aspectos composicionais sem preocupação com
alguma aplicação pragmática.
No entanto, não é difícil observar a inserção de métodos analíticos em outros campos
de estudo da música. Na medida em que os compositores começaram a ensinar seu ofício, a

33
análise musical foi se tornando uma ferramenta fundamental para compreensão das técnicas
composicionais. Do mesmo modo, os intérpretes encontraram na análise musical um meio de
alicerçar suas práticas interpretativas. Além disso, parte das pesquisas em música,
especialmente nas práticas interpretativas, busca na análise um caminho para legitimação e
demonstração de um conhecimento que possui forte caráter empírico.
Nesse sentido, embora tenha se estabelecido enquanto área de estudo autônoma, a
análise musical é comumente associada à sua aplicabilidade em outros campos, dentre eles o
da performance musical. A literatura que discute a relação entre análise e performance (ver,
por exemplo, DUNSBY,1989; LESTER, 2009; RINK, 2007) reconhece a importância daquela
na interpretação musical, mas coloca algumas observações quanto aos seus modos de
interação.
A primeira delas considera que os intérpretes estão de alguma maneira engajados em
um processo de ‘análise’, ainda que não possua os formalismos que alguns métodos analíticos
propõem. Todo processo de escolha exige algum procedimento analítico. Assim, ao falarmos
da interação entre análise musical e performance, estamos falando não necessariamente de
uma análise que se sustente teoricamente em métodos, mas também a algo que se aproxime
do que Rink (2007) denomina como ‘análise para intérpretes’. A ‘análise para intérpretes’ tem
como prerrogativa o que o autor chama de ‘intuição informada’, ou seja, um procedimento
analítico que acontece no processo de formulação de uma interpretação, no qual a bagagem
conceitual do intérprete sustenta, mas não domina, o ato da performance. O mérito, aqui, é o
reconhecimento do caráter intuitivo, sem que se exclua o conhecimento teórico implícito à
interpretação musical. Nesse sentido, a análise não é um procedimento independente e
aplicado à interpretação, mas parte do processo interpretativo que se realiza na performance.13
Com isso, não afirmamos que as análises que apresentem rigor metodológico não possam
fomentar o processo criativo do intérprete, mas ressaltamos o quanto a análise musical é
inerente à prática da interpretação mesmo quando possua um forte caráter intuitivo.
Além dessas considerações, a literatura apontada tem, de certa maneira, advertido que
geralmente a interação estabelecida entre essas duas práticas tem colocado a interpretação
subordinada à análise, de modo que esta tem exercido, nesse contexto, a função de validar as

13
Faz-se pertinente apresentar a distinção entre interpretação musical e performance, termos frequentemente
atribuídos como sinônimos. Almeida (2011) apresenta essa distinção do seguinte modo: “[...] interpretação
envolve todo o processo – estudo, reflexões, práticas e decisões do intérprete – que concorre para a construção
de uma concepção interpretativa particular de determinada obra, performance é o momento instantâneo e
efêmero de enunciação da obra, direcionado em algum grau pela concepção interpretativa.” (ALMEIDA, 2011,
p. 67). Assim, considerando-a em seu sentido cognitivo a interpretação possui um significado mais amplo do que
performance.
34
escolhas interpretativo-musicais feitas pelo intérprete. A unidirecionalidade nessa interação
tende a considerar a análise como um meio de encontrar uma espécie de ‘verdade’ da obra, de
modo que o intérprete deveria, então, articular em sua execução os pontos construídos pelo
compositor e revelados pela análise. No entanto, esquece-se que a análise não produz
afirmações absolutas sobre uma obra, mas é até certo ponto, igualmente às performances, uma
interpretação particular desta. Assim, temos concordado com uma análise que exerce um
papel instrumentalizador e complementar à prática performática, mas não necessariamente
aplicável de modo prescritivo e legitimador à interpretação.
Dunsby (1989, p.9) ressalta que entender e tentar explicar uma estrutura musical não é
o mesmo tipo de atividade que entender e comunicar música, ainda que vários pontos
coincidam nesse processo. Análise e performance são apenas duas formas distintas de abordar
o mesmo objeto musical. Isso significa que uma não é aplicável à outra, mas conjugam-se
como partes de um mesmo processo, complementares e recíprocas. Lester (2009) coloca que a
interação deve acontecer em um discurso recíproco, de modo que os intérpretes também
entrem neste diálogo analítico em condição de igualdade com teóricos. É justamente a
multiplicidade de perspectivas analíticas para com o objeto musical – seja pelo olhar do
intérprete ou do analista – que poderá ampliar o debate sobre os diferentes papéis da análise
na criação interpretativa. Rink (2007) aponta esse aparente paradoxo no artigo sugestivamente
intitulado Análise e (ou?) performance, no qual discorre sobre a análise musical para
intérpretes chamando a atenção para os diferentes enfoques analíticos – deliberados ou
intuitivos – dados pelo intérprete na concepção musical.
A partir dessas considerações, temos buscado reconhecer um intérprete que se mune
de ferramentas analíticas e as incorpora em seu processo criativo, sistematicamente e/ou
intuitivamente, bem com um analista que ancora-se na performance como forma de melhor
compreender as obras que estuda. Buscamos, ainda, compreender em nosso trabalho os modos
que a análise musical – especificamente a análise de áudio com suporte computacional – e a
escuta podem instrumentalizar a criação de uma interpretação musical. Assim, reconhecemos
o processo analítico-interpretativo como um possível caminho para uma performance musical
criativa.
Em conformidade à literatura abordada, evidenciamos a prática analítica em sua ampla
perspectiva, considerando-a tanto em seu caráter deliberado como em sua condição intuitiva.
Além disso, ratificamos o princípio de que análise exerce primordialmente a função de
instrumentalizar o processo de criação do intérprete, em contraponto à concepção

35
legitimadora da análise para com a performance. Assim, nessa abordagem, o ato analítico (no
qual a escuta exerce um importante papel) pode oferecer outras perspectivas ao intérprete em
relação ao objeto musical, fornecendo possivelmente informações complementares não
reveladas inicialmente no exercício de realização da obra notada. A perspectiva adotada em
nossa pesquisa consiste, então, na tentativa de aproximação da análise e performance, não
como duas atividades distintas, mas como atividades que fazem parte de um mesmo processo,
o da interpretação musical.

1.3.2 A abordagem da análise de gravações no campo musicológico

A formação da disciplina musicológica no século XIX, segundo Nicholas Cook (2006;


2007a; 2007b), se deu a partir do modelo e dos métodos da filologia. Isto significa que os
estudos musicais têm sido majoritariamente baseados sobre textos escritos, e assim,
privilegiado “apenas um lado do tecido musical” (COOK, 2007a, p.8). Os padrões sociais nos
quais as músicas adquirem significados, especialmente no que as caracterizam enquanto arte
performativa, estiveram afastados da disciplina musicológica, que manteve sua atenção
primordial direcionada aos estudos da música enquanto texto.
Essa orientação escritural da pesquisa musical, de certa forma, reflete-se no modo
como tem sido compreendida a relação entre análise musical e performance, especialmente no
que tange à perspectiva – já discutida acima – que coloca a análise com a função de legitimar
escolhas interpretativas, ao invés de instrumentalizar o processo criativo do intérprete. Cook
(2007b) menciona a ideia corrente de que a música seria em sua essência uma forma escrita, o
que induz a pensar que a obra musical é um texto a ser reproduzido em performance. Para o
autor, essa é uma visão que, de fato, não considera música enquanto arte performativa, mas
reitera a orientação predominantemente escritural das investigações acadêmicas.
Em uma visão de música enquanto performance, enfatizar a dimensão performática
não significa negar o papel da obra do compositor e de seu texto, mas sim, como assinala
Cook (2006), “constatar as implicações para nosso entendimento do que vem a ser esta obra”
(COOK, 2006, p.11). Para o autor, não há uma distinção entre a noção de obra e a noção de
performance, posto que “o que temos é um número ilimitado de instanciações
ontologicamente equivalentes, todas existindo no mesmo plano ‘horizontal’” (COOK, 2006,

36
p.13). Assim, nesse outro paradigma dos estudos musicais busca-se compreender o fenômeno
da performance sob suas diversas perspectivas, incluindo-se as pesquisa históricas.14
Como registrado por Cook (2007b, p.17), geralmente as análises que lidam de alguma
forma com a interpretação musical tendem a confrontá-la com seu texto. A performance é
examinada diretamente em relação à partitura, em um sentido de verificação de quanto/como
o texto foi “projetado”, descartando-se aquilo que não se ajusta a ele. Sob outro entendimento,
e considerando que a partitura é incapaz de fornecer todas as informações necessárias à
execução, acreditamos que a riqueza está em justamente compreender o porquê das
convergências e divergências entre as duas visões: a da música entendida em termos
analíticos, e a da música comunicada por meio da execução musical. Com efeito, isso
significa considerar que a performance musical não é um simples meio de projetar o texto
extraído pela análise, mas que incorpora fatores que não estão presentes na partitura e que
participam da interação intérprete-texto.
A tentativa de aproximação da prática performática com a análise musical se torna
mais evidente nos trabalhos do Centre for the History and Analysis of Recorded Music
(CHARM). 15 A contribuição das pesquisas deste grupo consiste na mudança de uma
orientação exclusivamente escritural da análise musical, passando a concentrar suas atenções
naquilo que os autores consideram como o principal documento da visão de música enquanto
performance: as gravações. O estudo crítico dessas fontes pode prover informações sobre
música que não são completamente evidenciadas no estudo das partituras. Nessa perspectiva,
Almeida (2011) esclarece, ainda, que:

a música pode ser bem melhor compreendida enquanto expressão que, em


performance, dilui a suposição do dualismo abstrato/concreto e a segregação
entre compositor, intérprete e ouvinte, que passam a ser compreendidos
como agentes colaboradores e co-criadores (ALMEIDA, 2011, p. 69).

Nesse contexto, o grupo CHARM, criado em 2004 por pesquisadores da Royal


Holloway, University of London, em parceria com King´s College London e a University of
Sheffield, fomentou o avanço nas pesquisas sob este novo paradigma musicológico. O grupo

14
Rink (2012, p. 37-38) aponta que os estudos da performance no âmbito da musicologia histórica têm como
objetos de investigação: (i) questões relacionadas à interpretação e estilo, tais como a notação, inflexão
melódica, articulação, tempo e agógica. (ii) E fatores que vão para além destes, como a edição musical, escuta,
registro, relação entre música popular e erudita, questões de gênero e sexualidade, dentre outros citados pelo
autor. Poderiam ser ainda fontes para a pesquisa: materiais iconográficos, registros históricos dos mais variados
tipos (contas domésticas, extratos postais, contratos, etc.), fontes literárias, como escritos críticos, cartas e
diários, tratados práticos e livros de instrução, partituras e gravações de áudio e vídeo.
15
Acesso através do link <http://www.charm.rhul.ac.uk>
37
trabalhou na realização de simpósios e eventos sobre a temática, na criação de um catálogo
virtual de gravações, bem como no desenvolvimento de ferramentas computacionais de
análise que pudessem subsidiar as pesquisas do grupo. O desenvolvimento do software Sonic
Visualiser16 é resultado dos esforços do grupo na criação dessas ferramentas de análise de
gravações. A expansão dos trabalhos do grupo culminou na criação, em 2009, do Centre for
Musical Performance as Creative Practice 17 (CMPCP) que tem se dedicado à pesquisas
interessadas em entender o “quanto a performance musical é criativa e qual conhecimento
está criativamente incorporado na performance musical”. Embora sejam relevantes os
trabalhos desenvolvidos nesta segunda etapa do grupo de pesquisa inglês, nos deteremos,
nesse momento, em apresentar os trabalhos voltados à análise da música gravada
direcionando-os aos nossos objetivos de pesquisa.
Essa abordagem tem gradativamente ganhado espaço no Brasil, o que pode ser
comprovado pela presença de autores do referido grupo de pesquisa (tais como John Rink e
Eric Clarke) em recentes conferências no país. Portanto, cabe apontar dois trabalhos
produzidos no Brasil que se desenvolveram a partir das contribuições oferecidas pelo
CHARM, a saber: Matschulat (2011) e Gasques (2013).18
Matschulat (2011) tem como objeto de pesquisa o estudo gestual no Ponteio n. 49 para
piano de Camargo Guarnieri, a partir da teoria dos gestos de Robert Hatten. Como caminho
metodológico, utiliza as ferramentas do software Sonic Visualiser para encontrar os traços
interpretativos quanto ao tempo e a dinâmica em dez gravações da obra. A análise
comparativa das gravações ofereceu dados que permitiram estabelecer hierarquizações dos
gestos através das inflexões de agógica e dinâmica. Além disso, a pesquisa buscou relacionar
as decisões apresentadas por cada intérprete, a fim de identificar linhas de pensamento
interpretativo.
Gasques (2013) realiza uma análise comparativa entre nove gravações da obra para
piano Reflets dans l’eau, do ciclo Images, de Claude Debussy. A fim de estabelecer
parâmetros interpretativos quanto aos aspectos dinâmicos (intensidades) e temporais (agógica)
utiliza-se das ferramentas analíticas do Sonic Visualiser, bem como da visualização das
formas de onda para extrair dados quantitativos das gravações. Os dados permitiram a geração

16
Disponível gratuitamente pelo link: <http://www.sonicvisualiser.org>
17
Acesso através do link <http://www.cmpcp.ac.uk>
18
Outros trabalhos que trazem a discussão sobre o uso da análise com recurso tecnológico na performance têm
sido publicados no Brasil, embora não se apresentem diretamente alinhadas às questões discutidas pelo grupo
CHARM. Como exemplo, citamos os trabalho de Loureiro (2006) e Garcia (2005). O primeiro discute acerca
dos modelos de representação e de extração de conteúdo expressivo musical por meio da análise de áudio. O
segundo apresenta o uso da análise espectral na preparação de repertório e na didática musical.
38
de gráficos nos quais cada execução pôde ser elucidada segundo detalhes nem sempre
identificáveis em uma escuta superficial. Nesse contexto, a utilização da análise de gravações
voltou-se “às estratégias adotadas em diferentes interpretações, o que permite identificar a
maneira como os elementos estruturais foram interpretados e trabalhados na performance”
(GASQUES, 2013, p.14).
Dentre os trabalhos escritos em língua portuguesa citamos ainda a dissertação de
Fortunato (2011) desenvolvida na Universidade de Aveiro em Portugal. O trabalho propôs-se
a estudar as características do tempo musical na obra para piano Préludes II de Claude
Debussy. Para a análise foi levada em conta a forma como são indicadas as questões relativas
ao tempo pelo compositor na escritura musical, e suas correlações com os modos em estes são
explorados pelos intérpretes. Para isso, a autora analisou, por meio das ferramentas do Sonic
Visualiser, cinco gravações. Para a autora, a importância da investigação tange ao fato de que
“a percepção da exploração de elementos que se assumem fulcrais para a concepção global da
obra conduz o intérprete à construção e definição de propósitos pessoais coerentes e
condizentes com o exigido pelo autor” (FORTUNATO, 2011, p.172).

1.3.3 Possibilidades analíticas com o software Sonic Visualiser

O desenvolvimento de ferramentas computacionais de análise tem proporcionado aos


analistas a compreensão de aspectos sonoro-musicais que compõem a execução musical a
partir da extração de dados quantitativos de elementos expressivos como o andamento
(timing) e a intensidade. Ao observar como essas ferramentas funcionam, reconhecemos seu
potencial emprego enquanto estratégia para preparação da performance, de modo que possam
instrumentalizar as experimentações durante o processo interpretativo. Assim, esse exercício
analítico pode vir a se somar ao processo de autoavaliação da interpretação, promovendo a
expansão da escuta, uma vez que o intérprete coloca-se sob outras perspectivas não
evidenciadas inicialmente.
O software Sonic Visualiser permite diversas formas de visualização do arquivo de
áudio, dentre eles os vários tipos de espectrogramas, as formas de onda, além de gráficos de
andamento e de intensidade. Além disso, há uma grande variedade de plug-ins que permitem
a análise de outros parâmetros. Conforme apontado por Cook (2009, p. 223), a visualização é
uma técnica fundamental de análise. A variedade de notações e representações gráficas pode
auxiliar a trazer ao ouvido aspectos não claramente observáveis ou ainda estabelecer outras

39
perspectivas daquilo que é facilmente compreendido mesmo em uma escuta superficial. As
qualidades espectrais (tímbricas) e morfológicas (articulação, dinâmica e agógica) da
gravação da obra, podem ser facilmente visualizadas pelo espectrograma, ou mesmo pelos
gráficos gerados no software. O software oferece uma representação do fenômeno sonoro de
modo distinto daquele notado na partitura.
Cook (2009) destaca que o sistema notacional é seletivo enquanto representação do
fenômeno sonoro. Ao passo que a notação fornece a estruturação básica de altura e de tempo,
e oferece algumas indicações sobre questões expressivas de dinâmica, articulação, agógica e
timbre, os espectrogramas são justamente o contrário, pois medem com precisão cada um dos
parâmetros sonoros. Logo, essa abordagem analítica permite ao intérprete comparar
(quantitativa e qualitativamente) as gravações, confrontando-as quanto às várias formas de
organização da expressividade. Como exemplo, a dimensão temporal da interpretação da obra
estudada para esta pesquisa, pode ser objeto de análise considerando-se uma comparação do
timing de duas gravações, realizadas pelo mesmo intérprete ou por intérpretes diferentes.

1.3.4 Considerações sobre o uso da análise de áudio com suporte computacional

Pensamos nessa abordagem como um meio de instrumentalizar o processo de


preparação do repertório instrumental. Nesse contexto, a aproximação sugerida entre análise e
performance se constrói tanto como uma análise da performance como uma análise para
performance, uma vez que conjugam-se em um mesmo processo. A análise de áudio a
alimenta através da expansão da escuta, que, por sua vez, retroalimenta o exercício analítico
para compreensão da obra.
Esta não é uma análise que desconsidera o papel do texto, mas é uma análise que vai
para além dele, aproximando-se da escuta como forma de melhor entender as escrituras
musicais, e as interpretações dadas a estas. Como já apontado, reconhecemos o papel
integralizador da escuta na prática interpretativa, e em razão disso, buscamos nessa
investigação compreender como a análise do fenômeno sonoro pode delinear diferentes
“pontos de escuta” no decurso criativo da interpretação.

40
2. A OBRA TETRAGRAMMATON XIII: CARACTERÍSTICAS E GRAVAÇÕES
PRELIMINARES

Este capítulo destina-se a apresentar as principais informações construídas no primeiro


momento do processo interpretativo adotado para esta pesquisa. Considerando a obra
Tetragrammaton XIII, de Roberto Victorio, para a realização do estudo interpretativo, buscou-
se, assim, entender o seu pensamento composicional, bem como reconhecer as características
da obra em questão. Os estudos foram fundamentados em três eixos, a saber: na literatura que
aborda o pensamento composicional de Victorio (RODRIGUES, 2008a; 2008b); nos
trabalhos que discutem as características do ciclo Tetragrammaton (FERNANDEZ, 2008;
2010); e os textos do próprio compositor (VICTORIO, 2003; [20??]).
Uma análise da escritura também foi realizada a fim de compreender a organização
estrutural de Tetragrammaton XIII. As discussões acerca do tempo musical são levantadas
com o objetivo de melhor fundamentar a compreensão da organização formal da obra. Assim,
referenciaram esta análise os seguintes trabalhos: Boulez (2011; 2013); Barreiro (2000);
Kostka (1999); Kramer (1973; 1978) e Zuben (2005).
Por fim, são apresentadas duas gravações preliminares, as quais são utilizadas como
objeto para análises com o software Sonic Visualiser (abordadas no Capítulo 3).

2.1 Contexto musicológico de Victorio e sua obra

Roberto Victorio, compositor nascido na cidade do Rio de Janeiro em 1959, é também


violonista, pesquisador e professor no Departamento de Artes da Universidade Federal do
Mato Grosso. Victorio é, ainda, diretor do Grupo Sextante e idealizador da Bienal de Música
Contemporânea do Mato Grosso. Em seu catálogo constam mais de duas centenas de obras,
sendo várias delas premiadas em concursos nacionais e internacionais de composição musical,
e executadas em diversos países.19
Rodrigues (2008a) disserta sobre o pensamento composicional de Victorio
considerando o contexto musical em que ele está inserido, bem como suas principais
referências estéticas. Segundo a autora, assim como boa parte dos compositores brasileiros
formados no final dos anos 60, Victorio teve como principais referências os compositores que

19
Outras informações sobre o currículo e discografia de Roberto Victorio podem ser acessadas no site do
próprio compositor através do endereço eletrônico: <http://www.robertovictorio.com.br/> Acesso em 05 de
Janeiro de 2014.
41
participaram do conhecido Festival de Darmstadt, compositores que, aliás, foram relevantes
para a formação poética vanguardista no Brasil. Dentre esses compositores, a autora cita os
brasileiros Gilberto Mendes (nascido em 1922) e Willy Corrêa (nascido em 1938), além de
Pierre Boulez, Oliver Messian, György Ligeti, e John Cage.
Entretanto, Victorio desenvolve um processo composicional particular tque denomina
como “Musica Ritual”. Segundo Rodrigues (2008a), o que o compositor intitula como Música
Ritual decorre da etnomusicologia e designa a música produzida nos rituais tribais. O trabalho
de composição de Victorio é peculiar, pois ele atribui aos processos de criação preceitos
extramusicais advindos dos ritos, tais como simbolismos, a distinção entre mundo material e
mundo imaterial, que são, por exemplo, representados pela contradição entre aquilo que é
controlado, estruturado, previsível e o que é contínuo, indeterminado, aleatório, por exemplo.
Assim, para o compositor, as relações extramusicais transformam-se em suporte para a
criação. Além disso, as questões que envolvem o tempo musical e suas diferentes percepções
tangem suas obras como um todo. Rodrigues afirma que, para o compositor,

quando se transpõe para uma peça de concerto os elementos comuns à


música que interage com o ritual propriamente dito, a música tanto no ato da
composição (intenção), quanto no da execução/ percepção (ação), transporta
os envolvidos a uma possibilidade de desapercebimento do tempo enquanto
contagem, e abre a experiência para a percepção do tempo não cronológico,
percebido apenas por suas transformações sensíveis do material sonoro ou
das sonoridades (RODRIGUES, 2008a, p.21).

Nesse sentido, a autora aponta que o compositor explicita isso em música por meio de
técnicas composicionais tais como acordes ou notas geradoras; pontilhismo e textura como
maneira de contraposição de sonoridades; tratamento textural; aleatoriedade, etc.
Acrescentaríamos, aqui, o uso de densidades como geradora da percepção do tempo musical e
uso da irregularidade métrica, incluindo-se o uso de métrica indeterminada - o que trataremos
no decorrer deste trabalho.
Sua relação com o rito se desenvolve no trabalho de doutoramento intitulado Tempo e
Despercepção: trilogia e Música Ritual Bororo (VICTORIO, 2003) no qual o compositor
desenvolve a música como uma maneira de transcendência do mundo material, tendo como
objeto de estudo etnomusicológico o ritual funerário dos índios Bororos de Mato Grosso.
Nesse sentido, entendemos que o conceito de despercepção desenvolvido por Victorio é de
fundamental importância na compreensão de sua obra. Rodrigues (2008a) o descreve da
seguinte maneira:

42
[...] na Música Ritual de Roberto Victorio, em sua música de concerto feita
atualmente existe a alternância de sons contínuos e descontínuos, mais e
menos fragmentado, de forma que a percepção do tempo seja mesurada
apenas pela percepção de mudança ou transformação de objetos musicais.
Então, ao contrário da música ritual tribal, onde a tendência é de um tempo
liso, na Música Ritual de Victorio, são exatamente as alternâncias entre
tempo liso e estriado, e a sensação do trato das nuances sonoras, seja em
instrumentos de altura definida ou não é que fazem parte do jogo que ele
denomina como ‘des-percepção’ (RODRIGUES, 2008a, p.30).

Esse processo denominado pelo compositor como despercepção do tempo apoia-se


conceitualmente na filosofia de Susanne Langer (1980) sobre tempo virtual. Victorio descreve
o tempo musical como um tempo experienciado, o qual se dá pela despercepção do tempo
cronológico na escuta de uma obra. O tempo virtual se caracteriza pela percepção do ouvinte
(ou mesmo do executante) sobre o fluxo temporal gerado pela sucessão de eventos ou sobre as
mutações do material durante o percurso musical.
Langer (1980) sugere que a música “cria uma imagem do tempo medida pelo
movimento de formas que parecem dar-lhe substância, porém uma substância que consiste
inteiramente de som, de modo que é a própria transitoriedade” (p.117). Desse modo, a autora
propõe que a percepção do fluxo temporal é uma espécie de ilusão fundamentada pela
transitoriedade dos eventos ao longo da obra. Vale ressaltar que tais eventos não consistem
necessariamente de movimentos regulares, lineares e contínuos. Portanto, a sensação de um
tempo virtual seria como a sensação de um tempo amorfo.
Dessa forma, acompanhando as reflexões de Rodrigues (2008b), o tempo musical para
Victorio consiste em um:

adentramento no continuum espaço-tempo virtual que caracteriza a “des-


percepção” do tempo cronológico em função de uma percepção focada nas
possibilidades intrínsecas no material sonoro, enquanto objeto musical que
se transforma, podendo ter como características duração indeterminada e
irregular, onde a percepção da passagem dos eventos, da mudança é a
característica temporal principal que veicula a percepção para a virtualidade
(RODRIGUES, 2008b, p. 72).

Em contrapartida à percepção subjetiva do tempo virtual considera-se a ideia de tempo


objetivo, isto é, a percepção de uma temporalidade regida por elementos mensuráveis. O
tempo objetivo, ou tempo cronológico, nos permite mensurar as distâncias entre os eventos
bem como suas sucessões dentro de um continuo unidimensional e unidirecional.20

20
Susanne Langer (1980) o descreve como tempo do relógio. Para a autora “o conceito de tempo que emerge de
tal mensuração é algo muito mais afastado do tempo que conhecemos pela experiência direta, que é
essencialmente passagem, ou o sentido de transitoriedade. A passagem é exatamente aquilo que não precisamos
43
O tempo objetivo em música pode ser regulado, por exemplo, pelo pulso e seus ciclos
gerados na métrica dos compassos (simétricos ou não); pela construção rítmica da obra; pelo
andamento na execução; pelo ritmo do encadeamento harmônico e sua construção formal na
obra, ou seja, por elementos de ordem quantitativa. Victorio [20??]. destaca que são os
componentes do corpo estrutural da obra que conduzem (ou motivam) a percepção qualitativa
(subjetiva) do fluxo temporal e levam o ouvinte ao universo da virtualidade na experiência
individual da escuta.
Dentre as obras que se destacam, segundo Rodrigues (2008a), estão: “Trilogia
Bororo”, “Heptaparaparshinokh”, “Codex Troano” e “Cantos Rituais Bororo” 21 Por ter uma
formação como violonista, parte significativa de suas obras foi escrita para violão em diversas
formações. Além de obras solo, concertos para violão e orquestra, duos, trios e quartetos de
violões, encontra-se o violão em grupos de câmara pouco usuais, como por exemplo, a obra
Tetragrammaton XI que é um concerto para violão e seis percussionistas.
Até o momento tivemos acesso a dois CDs gravados com obras para violão de
Victorio. O primeiro deles gravado por Paulo Pedrassoli (PEDRASSOLI, [20??]) e o segundo
gravado por Gilson Antunes (ANTUNES, 2012). Neste último consta a primeira gravação da
obra Tetragrammaton XIII, escrita em 2009 e dedicada a Gilson Antunes. Este possui
importância significativa na escolha da obra Tetragrammaton XIII para esta pesquisa, pois foi
através dele que tivemos contato com a obra, e foi, de certa maneira, responsável pelo nosso
interesse para com a obra de Victorio.
O ciclo de obras intitulado “Tetragrammaton” é, assim como toda sua obra, repleta de
simbolismos. Fernandez (2008) descreve que

A palavra “Tetragrammaton” [...] tem origem grega e representa o misterioso


nome de Deus. Jacob Boehme, importante filósofo alemão do século XVII,
referia-se ao “Tetragrammaton” como um tetragrama dividido em três
estágios que definem a gênese do universo, ou três patamares da relação
divina que se materializam para o homem. O número três (dos três estágios)
e o número quatro (do tetragrama) simbiotizados geram uma força septenária
que regula o equilíbrio das acções entre os mundos (FERNANDEZ, 2008,
p.3).

Portanto, o pensamento composicional do ciclo Tetragrammaton consolida-se sob a


filosofia mítica cristã de Jacob Boehme. Uma vez que nosso objeto de estudo não se

levar em consideração ao formular uma ordem de tempo cientificamente útil, isto é, mensurável; e, por podermos
ignorar esse aspecto psicologicamente fundamental, o tempo do relógio é homogêneo e simples e pode ser
tratado como unidimensional” (LANGER, 1980, p.119).
21
A instrumentação de cada uma delas pode ser encontrada no catálogo de obras do compositor disponível em
sua página eletrônica. O acesso às partituras pode ser realizado através do contato disponível no site.
44
concentra nestas questões, não adentraremos a construção poética de Victorio em torno dos
simbolismos intrínsecos à obra. 22 Entretanto, dentre os pontos que podemos levantar, em
acordo com Fernandez (2010), está o fato de que os aspectos musicais inerentes à construção
musical de todo o ciclo Tetragrammaton relaciona-se diretamente com os princípios da
“estrutura ternária da Realidade” (FERNANDEZ, 2010, p.21) proposta por Boehme. Por
exemplo, entre eles está intrínseco o princípio da descontinuidade. Como veremos na análise
que se segue, este é um parâmetro constitutivo da obra Tetragrammaton XIII. No entanto,
abordaremos a questão da descontinuidade apenas sob o ponto de vista da análise musical.
Neste estudo, abordaremos nosso objeto a partir da análise do conteúdo musical.
Portanto, apresento a seguir uma breve análise dos elementos estruturantes da obra
Tetragrammaton XIII a fim de contextualizá-la, antecedendo assim, o estudo da obra sob a
ótica da análise musical com suporte computacional. Para tal, optamos por apresentá-la sob as
características de sua organização formal.

2.2 Uma análise da escritura: organização formal de Tetragrammaton XIII23

O enfraquecimento da hegemonia da linguagem tonal na música de concerto no século


XX e a expansão do tratamento de parâmetros musicais antes relegados a segundo plano nas
estruturas musicais provocaram a ampliação de possibilidades de organização formal nas
diversas vertentes da música contemporânea. Como exemplo, Boulez (2013) aponta que a
elaboração de novas estruturas (especialmente no sistema serial) acarretou obrigatoriamente a
pesquisa por novos modos de organização formal que compreendessem as alterações na
linguagem musical. Nesse sentido, o autor afirma que “a forma musical variou na medida
exata em que variaram as estruturas locais” (BOULEZ, 2013 p.95) 24. Os modelos formais
projetados pelo sistema tonal, que outrora foram capazes de esquematizar quase toda a
linguagem, não acompanharam as mudanças no vocabulário e na morfologia da música do
século XX. A formação de esquemas preestabelecidos deu lugar à concepção de uma forma
‘renovável’, na qual as obras engendram a sua própria forma, construídas irreversivelmente

22
Para maiores informações sobre as relações entre a filosofia de Jacob Boehme e a obra de Roberto Victorio,
sugerimos a leitura da dissertação de FERNANDEZ (2010).
23
A partitura editada de Tetragrammaton XIII encontra-se no apêndice desta dissertação.
24
No texto citado, Boulez faz distinção entre estrutura local e estrutura geral, no qual, a segunda se apresenta
como sinônimo à noção de forma. Adotamos, portanto, o termo estrutura ao se referir às estruturas locais dentro
de um sistema, e o termo forma ao se referir à organização da estrutura geral de uma determinada obra.
45
pelo seu próprio ‘conteúdo’.25 (BOULEZ, 2013, p. 96). Nessa perspectiva, parâmetros como o
timbre, a textura, a densidade e a temporalidade, por exemplo, também passam a ser
reconhecidos enquanto elementos organizadores da forma.
Desse modo, a ampla gama de possibilidades de organização formal que vão além
daquelas impostas pela tradição clássico-romântica, e a exploração da diversidade de
parâmetros composicionais impõem ao analista/intérprete desafios na decifração das
escrituras musicais. Isso os obriga, de certo modo, a reconhecer a teia de possibilidades de
interpretação das escrituras, o que torna mais flexível a compreensão das organizações
formais.
Diante das diversas ‘portas’ que uma obra nos permite entrar optamos por, nesse
momento, descrever a organização formal de Tetragrammaton XIII sob a perspectiva do
tratamento dos elementos estruturantes do tempo musical. Isso se dá por considerarmos o
tratamento do tempo como uma de suas características mais evidentes. Se observarmos sob
uma perspectiva macro-estrutural, o notório estabelecimento de um tempo não-linear
desenvolvido ao longo do discurso da obra alicerça sua organização formal. Assim, falamos
de um tempo musical constituído pela percepção, mas que é claramente orientado pelos
modos de organização das estruturas locais da obra; o que, por sua vez, contribui para a
percepção das estruturas globais.
Sabemos que a percepção do tempo pode ocorrer de vários modos em uma mesma
obra musical. Por ser um processo de percepção individual, a atenção que é dada pelo ouvinte
a determinados aspectos em detrimento de outros pode conduzir a escuta para planos
temporais distintos. No entanto, o tratamento dado pelo compositor ao aspecto temporal na
estruturação da obra funciona como motivador para a percepção do ouvinte. É sobre o
tratamento dessas estruturas que abordaremos nessa exposição.
Afirmamos que a noção de forma musical construída em Tetragrammaton XIII pode (e
assim optamos) ser reconhecida por sua organização temporal. Embora haja vários modos de
organização do tempo musical - conforme descrito por Barreiro (2000)26 - a temporalidade da
obra em questão pode ser encarada a partir da manipulação das densidades sonoras. A

25
Boulez (2013, p.95) cita uma passagem do antropólogo Leví-Strauss que ilustra a noção de forma adotada
neste trabalho, o que remete a visão estruturalista. Para Leví-Strauss, “Forma e conteúdo são da mesma natureza,
apreensíveis pela mesma análise. O conteúdo recebe da sua estrutura a sua realidade, e aquilo que chamamos de
forma é a ‘estruturação’ de estruturas locais de que se constitui o conteúdo”.
26
O autor considera que grande parte das abordagens do tempo musical é tratada no contexto dos parâmetros
musicais mensuráveis como a duração, andamento, métrica, ritmo. No entanto, ressalta que existem outras
abordagens que refletem sobre, por exemplo, a densidade dos eventos em um contexto musical, o grau de
previsibilidade desses eventos, entre outros (BARREIRO, 2000).
46
manipulação das densidades sonoras, dentre outros aspectos, possui um importante papel, na
percepção temporal do discurso da obra. O compositor molda o tempo a partir de variações na
concentração de eventos, sejam eles sucessivos ou simultâneos. Quanto maior a concentração
de eventos, maior sua densidade; quanto menor for a quantidade de eventos, menor será sua
densidade. Essa noção proporciona ao ouvinte sensações de contração ou dilatação temporal.
Schaeffer (apud BARREIRO, 2000) aproxima-se dessa noção ao considerar que “a
densidade de informações (ou eventos diferenciáveis) influi na percepção do tempo por que
modifica a ênfase com que a atenção se detém sobre os fenômenos” (BARREIRO, 2000,
p.89). Assim, os modos como se sucedem os fenômenos (contrastantes ou similares) do
ponto de vista da densidade motivam a impressão das passagens de estado e da
transitoriedade na percepção do tempo.
Ao examinarmos a estrutura formal da obra sob esta óptica percebemos três momentos
distintos: uma primeira seção que ocorre entre os compassos 1 a 47; uma segunda seção que
segue nos compassos 48 a 56; e a terceira que se apresenta entre os compassos 57 a 97. A
Figura 1 mostra o final da primeira seção e o início da segunda. Na segunda seção, alguns
trechos apresentam uma suspensão no uso de fórmulas de compasso e na organização
métrica.27

FIGURA 1: Transição entre a primeira e a segunda seções.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

Ao analisarmos a obra dessa maneira, temos do ponto de vista da densidade dos


eventos uma forma ternária, na qual a primeira e a terceira seção possuem semelhanças na

27
É importante ressaltar que embora os compassos descritos, aqui, como 48, 52, 54 e 56 apresentem uma
suspensão no uso de fórmulas de compasso e na ordenação métrica, excluindo-se as barra de compasso entre
cada evento, adoto esta contagem para facilitar a compreensão da análise pelo leitor. Assim, cada um dos trechos
compreendidos entre barras duplas são contados, neste trabalho, como um compasso.
47
utilização dos materiais enquanto que a segunda seção apresenta-se como um momento
contrastante onde há uma suspensão no continuum temporal construído pelos demais trechos.
A utilização da forma ternária – constituída pela organização apresentação/contraste/retorno
ABA’ – não é limitada à música tonal, sendo observada inclusive em obras eletrônicas
(KOSTKA, 1999)28. Assim, a organização da forma ternária na música pós-tonal pode ser
observada de vários modos, incluindo os aspectos da temporalidade e da densidade dos
eventos.
No caso de Tetragrammaton XIII, os eventos musicais sucessivos e justapostos
apresentados no início da peça são conduzidos, no trecho intermediário da obra, para uma
dilatação temporal e um esvaziamento da densidade. Há, por fim, um retorno à contração
temporal produzida por uma maior densidade dos eventos sucessivos, caracterizando, assim, a
forma ternária. Embora haja diferenças significativas entre as estruturas locais da primeira e
da terceira seção, – as quais veremos a seguir – os trechos se assemelham sob o enfoque de
suas características temporais. Vejamos detalhadamente como cada uma das seções estão
construídas.
A primeira seção (compassos 1 a 47) caracteriza-se pela ocorrência de uma grande
quantidade de eventos sucessivos. A natureza rítmica desse trecho, as constantes mudanças de
fórmulas de compasso, os poucos eventos com duração alongada, e o andamento Movido
descrito pelo compositor, sugerem um movimento e um dinamismo temporal que tendem à
percepção de um tempo contraído (ou acelerado). Essa contração temporal, que é esboçada
pela escuta, pode ser percebida na medida em que ocorre a grande densidade de eventos ao
longo do fluxo desta seção da obra. A percepção da densidade, por sua vez, é motivada pela
disposição de suas estruturas locais, que em Tetragrammaton XIII, são conduzidas pelo
tratamento de seus materiais rítmicos.
Dentre os fatores estruturantes do tempo musical em uma obra, a construção rítmica
desempenha um papel fundamental na condução dos eventos sonoros, sobretudo na percepção
dos gestos musicais e na densidade de suas sucessões. Constituída por unidades de tempo
mensuráveis, a construção rítmica prescreve as durações dos eventos do ponto de vista micro-
temporal, embora também apresentem relações no plano macro-temporal. A estrutura rítmica,
portanto, funciona como uma espécie de alicerce na percepção temporal desse trecho da obra.

28
Este modo de organização formal é comumente denominado, no jargão de compositores e analistas, de forma
em arco quando utilizada na linguagem pós-tonal. Por outro lado, a denominação forma ternária tem se referido
a este tipo de organização dentro de um campo tonal. No entanto, mantemos a nomenclatura forma ternária,
utilizada por Kostka (1999), pois acreditamos que esta designa com maior clareza a disposição
apresentação/contraste/retorno da obra em questão.
48
Sobre os aspectos de ordem rítmica Roberto Victorio aponta que:

no século XX, percebemos um acirramento não só nos tempos internos das


obras, mas na noção de tempo que constrói o alicerce musical. As dinâmicas,
os andamentos e as variantes de pulso, conduzindo (quase) sempre para uma
inconstância e irregularidade na retórica, jamais vista anteriormente [...]
(VICTORIO, [20??], p. 13).

A primeira seção da obra Tetragrammaton XIII apresenta uma estrutura rítmica


baseada no uso de métricas combinadas. Conforme descrito por Fridman (2011) a métrica
combinada é “um procedimento de caráter sucessivo/horizontal que envolve a mudança de
acentuação rítmica no decorrer de uma peça.” (p.358). Essas mudanças podem ocorrer por
alterações na fórmula de compasso ou por acentuações diferenciadas em uma mesma fórmula
de compasso. O excerto da Figura 2 exemplifica o uso das métricas combinadas, neste caso
pelo uso de mudanças nas fórmulas de compasso.

FIGURA 2: Compassos 1 a 6 – exemplo do uso de métricas combinadas.

Fonte: Victorio (2014). Edição do autor.

O uso de métricas combinadas, sobretudo com a interpolação de compassos simétricos


e assimétricos, sugere uma temporalidade pautada em uma não-linearidade do tempo pulsado
(estriado). A irregularidade métrica induz a uma escuta descontínua, não interessada nas
sensações cíclicas dos compassos, mas na percepção individualizada de cada gesto musical.
Além disso, a sensação de uma escuta descontínua é proporcionada também pela
mudança constante de eventos com diferentes proporções de duração. Isso nos transmite a
sensação de irregularidade no fluxo temporal, o que torna a percepção do movimento musical
não-linear. Dessa forma, a percepção de uma temporalidade não-linear é projetada não
somente pela métrica irregularmente organizada, mas também pela justaposição dos eventos
(gestos), também construídos de forma irregular. A justaposição de eventos com durações
irregulares irá acontecer de modo mais sistemático e consistente na terceira seção. O trecho
que segue nos compassos 20 a 30 representa um exemplo de justaposição de eventos com
diferentes proporções que ocorre na primeira seção. Neste caso, os gestos indicados na Figura
49
3 são agrupados por suas características internas e organizados de modo que as relações entre
os eventos são construídas por justaposição, isto é, há um contraste na forma como cada um
deles é organizado.

FIGURA 3: Compassos 20 a 30 – justaposição de gestos com diferentes proporções e organizações internas.

Fonte: Victorio (2014). Edição do autor.

Os dois trechos marcados pela cor vermelha no exemplo apresentam características em


comum, com uma figuração rítmica que possui um ‘desenho’ semelhante. São desenvolvidos
sob a mesma estrutura, isto é, com o uso de dois grupos de quatro fusas na voz superior, e de
colcheias na voz inferior. O intervalo inicial entre as duas vozes é de oitava em ambos os
gestos. Além disso, o contorno melódico da voz superior é similar e o intervalo descendente
na voz inferior é de terça nos dois casos (maior e menor, respectivamente). O que os distingue
é que o segundo gesto é concluído apresentando-se outro material, possivelmente uma
transição para o próximo gesto.
Já os gestos marcados pela cor azul diferenciam-se dos demais por apresentar de
forma clara a utilização de um baixo pedal na voz inferior em contraposição aos acordes
arpejados na voz superior. O movimento sempre ascendente dos arpejos na voz superior é
quebrado por blocos de acordes no final de cada gesto. Entretanto, no segundo gesto a voz do
50
baixo pedal ganha movimento descendente, mas a estrutura intervalar do bloco de acorde tem
semelhanças intervalares se comparado com o apresentado no primeiro gesto no final do
compasso 21. Apresentam-se os intervalos de quinta justa (Fá# - Dó# no primeiro, e Fá - Dó
no segundo) e terça maior (Dó# - Fá/ou Mi# no primeiro, e Dó - Mi no segundo), ambos
acrescidos das notas Mi e Si executadas nas cordas soltas do violão (primeira e segunda
cordas, respectivamente), recurso idiomático bastante utilizado em vários momentos da peça.
O gesto em amarelo guarda semelhanças intervalares com o motivo inicial da obra. Há
uma nota grave (Lá), seguida de um intervalo de sétima maior (Mib e Ré). A próxima nota é
articulada com ligado (Ré - Sol), seguido de um acorde articulado em harmônico. A célula
seguinte possui as mesmas características, com exceção da nota sol que é substituída por ré.
Essa estrutura interna é semelhante a outras já apresentadas em vários trechos da música,
provavelmente variações de sua primeira aparição no compasso 1 da música. As notas graves
(Lá1), embora não se sustentem, podem ser encaradas como pedais para cada um dos dois
grupos que se iniciam com Lá129 e terminam com acorde em harmônico.
O gesto marcado em verde caracteriza-se por seu registro grave. Há uma combinação
do intervalo de quarta justa em movimento cromático descendente, que se inicia com as notas
Dó/Fá e termina com as notas Sol/Dó (movimento cromático que, por sinal, também se
apresenta em um âmbito de quarta justa descendente). Esse movimento cromático em quartas
é mascarado pelas demais notas (Mi1, Ré2, Sol3 e Dó#3). Essas notas são executadas em
corda solta (com exceção ao dó#), o que, com o movimento descendente de quartas, altera a
disposição intervalar de cada acorde. É como se essas notas funcionassem como uma espécie
de pedais que sustentam (e ao mesmo tempo mascaram) o movimento descendente de quartas
justas.
Estas mesmas quartas justas são ampliadas no gesto seguinte (marcação na cor preta).
Há uma sobreposição de quartas justas em acordes de quatro notas, ora apresentado em bloco,
ora arpejado. O perfil melódico, que antes era descendente torna-se ascendente, entremeado
por golpes percussivos. Tais características, combinadas com as indicações de dinâmica
(crescendo e sforzando), a nosso ver, criam certa tensão e conduzem a percepção do ouvinte
ao próximo gesto, que se assemelha ao primeiro apresentado na Figura 3 (indicado em
vermelho), como uma espécie de retorno a uma ideia já apresentada. Talvez essa organização
dos gestos também promova uma relação implícita de tensão e relaxamento (claramente

29
Lembrando-se de que a escrita violonística é transposta sempre uma oitava acima.
51
diferente daquela proporcionada pelas relações tonais), mas que também tem seu reflexo na
percepção da transitoriedade do movimento gestual.
Todo esse trecho da Figura 3 é elucidativo do que ocorre durante quase toda a obra. O
estabelecimento de gestos justapostos é característico principalmente das seções A e A’. Cada
gesto possui seus próprios elementos aglutinadores, que, ao se justaporem, colocam os gestos
em relação contrastante entre si. A justaposição dos gestos e a constante alteração dos
elementos internos de cada um deles é que promovem a percepção de transitoriedade não-
linear do tempo musical. Assim, a Seção A é densa, devido à quantidade de eventos
sucessivos, mas também se evidencia pela irregularidade do tempo musical provocado pela
irregularidade gestual.
Abordando a questão da descontinuidade no discurso musical, Kramer (1978)
argumenta que embora as obras com estas características possam impor dificuldades ao
ouvinte não familiarizado, esse recurso composicional gera outra experiência com o tempo
que passa a ser vivenciado de modo não-linear. Para Kramer (1978) a descontinuidade se
revela como um recurso composicional de grande valor, no qual a expectativa do ouvinte
quanto a sucessão dos eventos é subvertida. Para ele, “o inesperado é mais marcante, mais
significativo do que o esperado, pois contém mais informações” (KRAMER,1978, p. 117)30.
A justaposição de eventos diferenciáveis na construção da primeira e terceira seções de
Tetragrammaton XIII podem ser encarados como um exemplo de descontinuidade no discurso
musical, pois a todo instatnte o ouvinte se depara com a inserção de novos materiais,
organizados sem que necessariamente apresentem uma relação de continuidade entre eles.
Podemos concluir, portanto, que a primeira seção da obra se caracteriza pela alta densidade de
eventos sucessivos, bem como pela irregularidade no movimento dessa densidade. Ao
considerarmos assim, observamos que esse trecho conduz tanto à percepção de um tempo
contraído quanto a um tempo não-linear, simultaneamente.
Esta seção é, então, concluída com uma codeta (compassos 45 a 47) que apresenta
semelhanças motívicas com o início da música, além de uma grande fermata, transportando a
percepção do ouvinte a um novo plano temporal. Assim, ao iniciar a segunda seção
(compassos 48 a 56) ocorre uma suspensão do fluxo temporal em relação à primeira, na qual a

30
Kramer (1978) ressalta que a descontinuidade também se apresenta em um contexto tonal. Em obras que
possuem maior tendência à continuidade - como no caso da música tonal - esse recurso se revela bastante
significativo, de modo que a quebra da linearidade no discurso se torna mais evidente. Como exemplo, em outro
artigo, Kramer (1973) discorre sobre o tempo múltiplo e o tempo não-linear no Quarteto Opus 135 de
Beethoven. A discussão apresentada por Kramer (1973) subjaz o pressuposto de que a nossa experiência musical
está ligada apenas superficialmente à percepção do tempo cotidiano, e, portanto, a noção de tempo que conduz a
obra em questão não é o ‘tempo do relógio’, mas sim um tempo múltiplo e não-linear. (KRAMER, 1973 p. 123)
52
sensação de dilatação do tempo é preponderante. Essa ruptura apresenta-se de forma
contrastante para com as demais seções. O modo de notação deste trecho, também, aponta
alguns aspectos interessantes. A ausência de fórmulas de compasso e o uso de fermatas
implicam na sensação de alargamento da sucessão dos eventos, e, um consequente
esvaziamento da densidade.
Esse trecho da obra abre espaço para as considerações de Pierre Boulez sobre tempo
liso e tempo estriado que podem esclarecer como o tempo musical é aí estruturado. Para
Boulez (2011), o tempo musical pode ser estruturado sob dois modos distintos - o tempo liso
(amorfo) e o tempo estriado (pulsante). O tempo estriado é organizado de modo que as
estruturas de duração são dirigidas em função de uma referenciação cronométrica regular ou
irregularmente distribuída. O tempo liso não é dirigido por um tempo cronométrico, de modo
que a distribuição dos eventos não permite uma avaliação de tempo pulsante. Os termos liso e
estriado se dão por analogia a superfícies espaciais lisas e superfícies que apresentem estrias
(marcas de referência), respectivamente. A citação abaixo elucida a utilização dessa
nomenclatura por Boulez:

Disponhamos, abaixo de uma linha de referência, uma superfície


perfeitamente lisa e uma superfície estriada, regular ou irregularmente,
pouco importa; desloquemos esta superfície lisa ideal, não poderemos nos
dar conta nem da velocidade nem do sentido de seu deslocamento, pois o
olho não encontra nenhum ponto de referência ao qual se prender; com a
superfície estriada, ao contrário, o deslocamento aparecerá tanto na sua
velocidade quanto no seu sentido. O tempo amorfo é comparável à superfície
lisa, o tempo pulsado à superfície estriada; eis por que, por analogia,
denominarei as duas categorias assim definidas tempo liso e tempo estriado
(BOULEZ, 2011, p.88).

Roberto Victorio utiliza-se do tempo liso como recurso composicional logo no início
da segunda seção de Tetragrammaton XIII (compasso 48). Sugere-se, nesse momento, um
esvaziamento da densidade dos eventos sonoros, e um consequente alargamento na sensação
de escoamento temporal. O compositor lança mão da liberdade rítmica na execução do trecho,
abrindo espaço para uma flexibilidade temporal. As fermatas, o uso de acelerando e de células
que devem ser tocadas o mais rápido possível reforçam a interpretação de uma dilatação
temporal na execução do trecho. Nota-se, assim, que o compositor intercala trechos de
movimento (acelerandos ou células rápidas) - apresentados com dinâmica mezzo forte, forte
ou crescendo - com trechos de repouso (fermatas curtas) - apresentados com dinâmica piano.
O tempo liso se dá pela suspensão do tempo pulsante até então explorado.

53
Vale salientar que nesta segunda seção a obra não se caracteriza somente pela ausência
de fórmulas de compasso. Ocorre a alternância de trechos libertos de uma marcação pulsante
e trechos com fórmula de compasso definida. Entretanto, ao analisarmos o discurso sob um
viés macrotemporal, verificamos que este momento apresenta um contraste, do ponto de vista
da densidade, para com as demais seções.
A disposição das estruturas temporais nesta segunda seção da obra vai ao encontro do
que Boulez (2011) observa em relação à combinação de trechos com tempo liso e tempo
estriado. Para o autor há duas possibilidades: tempo homogêneo e o tempo não-homogêneo. O
tempo homogêneo é aquele exclusivamente liso ou estriado; enquanto que o tempo não-
homogêneo se refere à alternância ou sobreposição de trechos lisos e estriados. A segunda
seção de Tetragrammaton XIII (compassos 48 a 56) apresenta um caso típico de tempo não-
homogêneo, no qual há uma alternância entre eventos com métrica definida (pulsante) - por
exemplo, compassos 49, 50, 51 e 53 - e eventos onde não há uma métrica clara (tempo
amorfo) - compassos 48, 52 e (ver Figura 4).

FIGURA 4: Compassos 48 a 53 (início): exemplo de tempo não-homogêneo (alternância entre liso e estriado).

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

Vale notar que em um tempo liso o fio condutor que dita a duração precisa de cada
evento é a percepção do fluxo temporal pelo intérprete. A duração de cada fermata, ou mesmo

54
a progressão do acelerando, é regida pelo modo com que o intérprete percebe cada evento
pontual dentro de um contexto global. Ocorre, assim, um movimento perceptivo entre o plano
micro-temporal (duração de cada evento específico) e o plano macro-temporal (fluxo
temporal geral). O mesmo incide nos retornos ao tempo estriado (Tempo I no exemplo da
Figura 4). O andamento é estabelecido pela pulsação interna que o intérprete possui a partir da
lembrança do tempo anterior à dilatação no tempo liso.
Há na terceira seção (compassos 57 a 97) o retorno a um tempo contraído, de modo
que a movimentação provocada pela densidade dos eventos é retomada na indicação Tempo I
no compasso 57. O caráter enérgico é mantido até o final da obra. Embora este trecho se
assemelhe com a primeira seção, apresenta algumas singularidades. A noção de
descontinuidade do tempo ocorre não somente pelas mudanças métricas mas também através
da montagem por justaposição de materiais musicais distintos (nos moldes já discutidos na
primeira seção). ZUBEN (2005) define que a montagem

é um processo de junção sequencial de partes para a constituição de um todo.


Em música, o termo designa habitualmente a técnica de organização formal
por justaposição de estruturas, muito embora a disposição de uma montagem
sonora possa se dar também por sobreposição (ZUBEN, 2005, p.25).

O autor ressalta, ainda, que a montagem e o corte vertical, que promovem uma
ruptura no discurso, são técnicas composicionais alternativas àquelas predominantes na
música tonal que privilegiavam a continuidade no desenvolvimento do discurso da obra
(ZUBEN, 2005, p. 25). Em Tetragrammaton XIII aparecem momentos em que Victorio
utiliza-se desse recurso. Mesmo ainda dentro de uma temporalidade contraída, com grande
densidade de eventos sonoros, surgem trechos de ruptura do discurso por meio de
interpolações de figuras. Na terceira seção podemos reconhecer com mais evidencia a
utilização desse recurso. Vejamos o exemplo da Figura 5:

55
FIGURA 5: Inicio da terceira seção (compasso 57). Montagem por justaposição de materiais e figuras distintas.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

Logo no início da terceira seção (compasso 57) ocorre a interpolação de materiais


apresentados anteriormente com os novos materiais. No primeiro compasso da Figura 5
(Tempo I) há uma reprodução quase literal do compasso inicial da peça. Em seguida, no
próximo compasso, a reexposição do material inicial é interrompida para a apresentação dos
novos materiais típicos desta seção (efeitos percussivos). As alternâncias entre a recapitulação
variada de materiais antes apresentados e a inserção de novos materiais ocorrem durante toda
a terceira seção. Parte desses materiais novos configura-se como rupturas na construção do
discurso, se assemelhando, por exemplo, ao uso de parênteses em um discurso textual. O
modo como são construídas as justaposições dos materiais reforça a noção de descontinuidade
temporal. A inserção de figuras com ritmo e métrica irregulares, bem como de figuras
percussivas sincopadas, associadas à grande densidade dos eventos sucessivos corroboram a
descontinuidade na percepção do tempo estriado.
Diante dessas informações descritas, concluímos que a obra Tetragrammaton XIII
explora a percepção de um tempo musical não-linear. Isso se dá em diversos planos
temporais. Sob uma perspectiva macro-estrutural concebemos a forma ternária caracterizada
pelos efeitos de dilatação e contração temporal promovida pela manipulação das densidades
sonoras. Assim, a descontinuidade se dá na relação entre as partes, caracterizada pela
formação contração/dilatação/contração no todo da obra. Por outro lado, se observarmos a
56
organização das seções separadamente, perceberemos que a não-linearidade do tempo musical
também ocorre no interior delas e é construída de modos diferentes. Na primeira e terceira
seções são construídas através da irregularidade métrica e da montagem por justaposição de
eventos. Já a segunda seção é construída através da exploração dos tempos não-homogêneos –
tempos lisos e estriados.
Nesse sentido, podemos reforçar a ideia de Pierre Boulez (2013) de que os modos de
organização das estruturas locais alicerçam e determinam a percepção das estruturas globais.
Reafirmamos, portanto, que nesta obra as estruturas locais do tempo musical promovem a
dimensão temporal enquanto geradora da forma musical.
A investigação sobre o tempo musical apresenta várias “portas de entrada”. Assim, os
parâmetros formais de uma obra podem ser analisados sob outras diversas perspectivas, além
das oferecidas neste trabalho. Contudo, os dados fornecidos pela análise configuram-se como
norteadores para uma interpretação musical da obra. Os conceitos descritos podem prover
subsídios ao intérprete na elaboração de uma interpretação interessada na escuta e na
manipulação do tempo musical enquanto organizador da forma, além de delinear-se como
recursos para a compreensão de sua escritura.

2.3 Gravações preliminares

Apresento a descrição de cada uma das gravações realizadas.31 Os textos apresentados


abaixo foram redigidos anteriormente às gravações e nos serviram como guias para a
execução, evidenciando possibilidades interpretativas distintas para cada uma delas. Duas
concepções interpretativas foram gravadas na íntegra (Gravação 01 e Gravação 02). As
Gravações 01 e 02 podem ser ouvidas no site do Núcleo de Música e Tecnologia do Instituto
de Artes da Universidade Federal de Uberlândia através do link:
<http://www.numut.iarte.ufu.br/node/99>.
Gravação 01 32 - Esta opção interpretativa caracteriza-se por apresentar os gestos
musicais com maior rigidez rítmica. A intenção geral foi manter a pulsação, de maneira geral,
sempre a tempo, com exceção dos momentos em que o compositor fornece outras instruções.
A transição entre os gestos ocorre conforme o ritmo descrito. Ocorrem poucas intervenções
do intérprete quanto à agógica. Isso proporciona maior densidade (horizontal) no fluxo da

31
Estas gravações foram realizadas no Laboratório de Ensino e Pesquisa em Produção Sonora (LASON), do
Curso de Música da Universidade Federal de Uberlândia em dezembro de 2013.
32
Faixa 01 do arquivo de áudio.
57
obra, pois aproxima os diferentes eventos no espaço de tempo. Utiliza-se de outros recursos
expressivos como o timbre, a articulação e a dinâmica para evidenciar a mudança dos eventos.
Gravação 02 33 – Nesta opção interpretativa, a obra apresenta-se mais flexível
temporalmente. A transição entre alguns gestos é apresentada com maior liberdade agógica. O
espaçamento (respirações) entre os gestos torna-os mais evidentes (destacados) quanto a sua
unidade dentro do todo. Embora outros recursos, como o timbre, a articulação e a dinâmica
também auxiliem na construção – e diferenciação – de cada evento, o principal recurso
expressivo trabalhado na interpretação é a manipulação do tempo.

As escolhas dos parâmetros a serem abordados nas gravações representam apenas


parte de um processo interpretativo. As questões sobre a organização do tempo musical, o
aspecto tímbrico como forma de delimitação de gestos musicais, e, ainda, a expressividade
dinâmica apontadas nas propostas acima estavam de acordo com o nosso anseio na
interpretação da obra naquele momento específico do processo. O decurso criativo da
interpretação nos apontou outras possibilidades que foram avaliadas e discutidas para a
realização da gravação posterior. Contudo, estas foram as questões que permeavam o
processo no momento das gravações, e isso, sem dúvidas, refletiu nas escolhas das
abordagens nas gravações realizadas. Como veremos no Tópico 4.2, foi realizada outra
gravação durante as etapas finais da pesquisa.

33
Faixa 02 do arquivo de áudio.
58
3. ANÁLISE DAS GRAVAÇÕES

Este capítulo corresponde ao segundo momento do processo interpretativo


desenvolvido. É apresentada a análise das gravações preliminares. Para isso, fizeram-se
necessárias a descrição das ferramentas utilizadas para a coleta de dados e a discussão de uma
segmentação da obra que auxiliasse na tarefa analítica com o software. Em seguida,
apontamos os resultados da análise em dois eixos, a saber: a organização formal a partir da
análise das gravações; e a apresentação de suas características interpretativas.
No decorrer deste capítulo ficará claro que as análises das gravações serviram não
apenas para identificar traços interpretativos, mas também para revelar aspectos escriturais da
obra.

3.1 Ferramentas para coleta de dados

O software Sonic Visualiser oferece diferentes formas de visualização do arquivo a ser


analisado, o que implica ao analista ter várias opções de extração de dados. Assim, optamos
por utilizar apenas aquelas que julgamos apropriadas e que acreditamos fornecer os dados
necessários para a análise da obra em questão. Foram utilizadas três configurações de
extração de dados, a saber: o mapeamento do fluxo de andamento (agógica); o mapeamento
das durações dos compassos, dos trechos e das seções da obra; e o mapeamento do fluxo de
intensidades (dinâmica). Além destas, foram utilizados ainda os espectrogramas para
observação dos aspectos formais da obra. Para a análise foram utilizadas as Gravações 01 e 02
de Tetragrammaton XIII conforme descritas no Tópico 2.3.
O mapeamento do fluxo de andamento consiste na geração de gráficos que
mensuram as inflexões de agógica dadas pelas marcações dos pulsos de toda a música. O
gráfico gerado demonstra visualmente as curvas dos accelerando e ritardando utilizados pelo
intérprete, o que nos permite, por exemplo, avaliar a condução de frases e gestos e as
ocorrências de rubato. Na seção da obra em que ocorre suspensão métrica, e, portanto, não há
pulso definido, optamos por marcar os ataques de cada nota. Assim, nesses trechos, os
gráficos de andamento registram o fluxo com base na marcação dos ataques e não do pulso.
A ferramenta utilizada para a extração destes dados (Time Instants Layer) consiste em
escutar a música e marcar os pulsos de cada compasso. O software registra visualmente essas
marcações por meio de barras verticais (labels) e auditivamente por um som curto (similar às

59
batidas de um metrônomo). O software permite, ainda, que essas marcações sejam
reposicionadas manualmente por meio do espectrograma, caso seja necessário, coincidindo a
marcação com o ataque da nota. Em seguida, extraem-se os dados para outra ferramenta do
software que gera um ‘gráfico de valores de tempo’ (Time Values Layer). Nessa etapa, a
opção “Tempo (bpm) based on duration since previous item” é a que mais se adéqua à
extração de dados de andamento.
O mapeamento das durações consiste na confecção de gráficos que mensuram a
duração - em segundos - de um trecho selecionado. Foram feitas medições de duração (i) em
cada um dos quarenta trechos segmentados na análise (ver tópico seguinte sobre a
segmentação), e, (ii) na duração de cada uma das seções. Esse tipo de dado permite, por
exemplo, evidenciar momentos de discrepância na condução temporal, observando-se a
duração de cada uma das gravações e comparando-as, ainda, a uma duração estimada com
base nas figuras de duração da partitura. A ferramenta utilizada para extração desses dados é a
mesma utilizada para extração de dados de andamento. No entanto, a opção utilizada para
geração dos gráficos foi “duration to the following item”, a qual melhor se adequou aos
nossos interesses de análise.
O mapeamento do fluxo de intensidades, o qual nos permite analisar as gravações
quanto ao parâmetro expressivo da dinâmica, consiste na geração de gráficos que mensuram
os valores de intensidade do sinal de áudio. Dentre as ferramentas possíveis para essa tarefa,
optamos por utilizar duas delas. A ferramenta “smoothed power curve” gera um gráfico que
filtra as informações brutas de intensidade do sinal de áudio, mantendo de modo suavizado os
ataques enquanto que a sustentação e o decaimento dos sons são evidentemente observáveis
neste gráfico34 (MAZURKA). Assim, além do parâmetro da intensidade, a articulação das
notas, em alguns casos, também pode ser visualizada neste tipo de gráfico. Já a ferramenta
“smoothed power slope curve” gera gráficos mais suscetíveis aos ataques das notas, enquanto
que a sustentação não pode ser observada neles. (MAZURKA). Essa ferramenta pode ser útil
na visualização de planos sonoros como, por exemplo, a divisão de vozes em alguns
determinados trechos. Entretanto, utilizamos esta segunda ferramenta apenas em casos
específicos em que nos trouxe informações complementares, e que puderam promover uma
visualização mais completa do sinal de áudio.
Os espectrogramas mostram o arquivo de áudio no domínio das frequências em todo
o espectro sonoro. O áudio é visualizado em três dimensões: tempo, (eixo horizontal),

34
http://sv.mazurka.org.uk/MzPowerCurve
60
frequências (eixo vertical) e a intensidade de cada frequência (escala de cores). Dentre as
opções disponíveis no software escolhemos a ferramenta Melodic Range Spectrogram, pois
esta permite observar os movimentos melódicos e seus respectivos parciais de frequência com
maior definição. O esquema de cores mais nítido elimina da janela visualizada o conteúdo
espectral dos ruídos fazendo com que se tornem mais evidentes os contornos de cada parcial
e, consequentemente, os eventos musicais gravados.
Cabe ressaltar que os dados obtidos por meio do software também apresentam
limitações. Por exemplo, não é possível obter gráficos de intensidade com a mesma precisão
que os gráficos de andamento e de duração. Fatores como a sobreposição de sons provocados
pelo prolongamento de notas executadas em cordas soltas, por exemplo, geram um acúmulo
de sons que aumentam a intensidade. Isto pode, em certos momentos, mascarar os valores e
gerar gráficos incompatíveis com a escuta. Assim, cabe ao analista observar, em constante
confronto com a partitura, os momentos em que os dados podem estar velados.
Diante dos dados extraídos, chegamos à conclusão que uma representação gráfica que
contenha conjuntamente informações de intensidade (dinâmica) e de andamento (agógica)
melhor reflete o propósito de avaliar os gestos. Sabe-se que um gesto não é conduzido
somente por um parâmetro isolado. Existem outros fatores envolvidos na percepção da
direção de uma frase, por exemplo. A dinâmica e a agógica desempenham papel fundamental,
mas, obviamente, outros parâmetros como timbre (sonoridade) também entram nessa soma de
fatores. Entretanto, julgamos que os dois primeiros eram suficientes para as propostas de
análise deste trabalho.
Ademais, toda a análise aqui realizada conjuga sempre as representações gráficas
descritas com o exercício de escuta e da análise da partitura. Assim, reiteramos a ideia
apontada anteriormente de que esta não é uma análise que exclui o papel da notação
tradicional, mas sim que a complementa.

3.2 A questão da segmentação e a análise das gravações de Tetragrammaton XIII

Em acordo com Corrêa (2006), entendemos a análise musical como um processo que
busca a compreensão de obras musicais a partir da decomposição em partes de elementos que
constituem um todo. Assim, o fracionamento dos parâmetros constituintes da obra que se
estuda possibilita a observação de como e quais desses elementos se articulam, e, ainda, como
se conectam para a formação do todo. Segundo o autor, “justifica-se esse procedimento por

61
admitir-se que a explicação do detalhe sobre o conjunto conduz a um melhor entendimento
global” (CORRÊA, 2006, p. 33). Ainda para Corrêa, a identificação dos materiais que a
compõem e a constatação da maneira como eles interagem constituem procedimentos básicos
da análise musical.
Nessa perspectiva, o exercício de segmentação compõe do mesmo modo uma das
tarefas da análise, sobretudo para a compreensão da forma musical. Trajano, Guigue e
Ferneda (2000) afirmam que a “segmentação é a partição de um fluxo musical em segmentos
homogêneos”. (TRAJANO; GUIGUE; FERNEDA, 2000). A identificação e a compreensão
dos materiais que articulam a obra se fazem relevantes para a observação das unidades lógicas
que compõem um determinado trecho, ou mesmo para identificar seções contrastantes, por
exemplo. Portanto, como critério de segmentação deve ser observado como se organizam
todos os elementos interdependentes no material musical estudado.
A forma de Tetragrammaton XIII aqui analisada (descrita no tópico 2.2) foi
identificada e justificada sob o ângulo da organização temporal como unidade lógica de
segmentação, tendo na densidade sonora seu principal elemento de condução da percepção do
tempo. A defesa de uma forma ternária para esta obra – que se caracterizou como
apresentação/contraste/retorno – foi associada à percepção de contração e dilatação temporal
sugerida pela densidade de eventos sonoros.
No âmbito da análise de gravações com uso de software, a segmentação prévia
também se faz necessária. Primeiro, porque é através dela que podemos identificar a
organização dos materiais musicais conforme apresentados na notação musical e compará-los
com os dados das gravações. Isto é, pode-se confrontar um gesto identificado pela partitura a
um gesto identificado nas representações gráficas e visualizar suas confluências e/ou
divergências. E, segundo, esta segmentação facilita a própria operacionalização do arquivo de
áudio no programa. Os segmentos podem, por exemplo, ser analisados em arquivos separados
se o analista achar necessário.
Portanto, a segmentação com o propósito analítico conjugou-se na identificação das
unidades em diferentes níveis perceptivos do material musical de Tetragrammaton XIII.
Convencionamos para esta análise uma hierarquia formal da obra composta por cinco
unidades estruturais, a saber: seção, subseção, trecho, gesto e célula. Denominamos por
seção a maior unidade formal da composição. Sob um ponto de vista macroestrutural, as
seções sustentam-se como unidade perceptiva fundamentadas em sua conformação temporal,
conforme já discutido na análise da escritura. No interior de cada seção os segmentos que são

62
organizados entre si, compostos por uma coerência discursiva que demarcam as pequenas
conclusões e aparições de novos materiais, são chamados aqui por subseção. São
considerados trechos os segmentos das subseções, o que, por sua vez, também são
desmembrados em gestos e células.
O excerto a seguir exemplifica a estruturação dos trechos, gestos e células conforme
adotado nesta pesquisa. O trecho, que corresponde ao de número 14 da segmentação adotada,
constitui-se por um perfil melódico ascendente. A demarcação dos gestos é determinada,
primeiramente, pela quebra do movimento ascendente com o retorno à nota Mi3 no início do
compasso 37. Além disso, as configurações rítmicas e intervalares das células (marcada pela
predominância de quinta justa no primeiro gesto, e de sétima – maior e menor – no segundo)
também contribuem para identificação dos segmentos.

FIGURA 6: Compassos 36 a 38, correspondentes ao trecho 14 da segmentação realizada.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

A questão da segmentação para a análise das gravações representou um desafio. Foi


necessário identificar uma segmentação que permitisse observar tanto os elementos sonoro-
expressivos em níveis sintáticos locais, quanto em níveis globais. Ou seja, o desafio estava em
promover uma segmentação que permitisse transitar entre os diferentes níveis perceptivos de
modo que pudéssemos correlacioná-los. Evidentemente, em uma obra como esta caberiam
outras tantas segmentações, argumentando-se as escolhas sob pontos de vista em níveis
sintáticos e perceptivos diferentes das realizadas aqui. Entretanto, estas foram as que julgamos
mais apropriadas para a pesquisa. A segmentação das seções, subseções e trechos pode ser
conferida no apêndice desta dissertação, e a argumentação em torno dos gestos e células será
realizada no decurso da análise propriamente dita.

63
3.3 A organização da forma a partir dos dados da análise das gravações.

Com o propósito de discutir a análise das duas gravações preliminares realizadas para
este estudo empírico partimos inicialmente da observação das macroestruturas formais de
Tetragrammaton XIII orientados, agora, pelos dados extraídos das gravações, sobretudo
através da análise dos espectrogramas gerados pelo software. Tendo como fundamento a
análise da escritura realizada no tópico 2.2, reiteramos a ideia de descontinuidade temporal no
discurso da obra Tetragrammaton XIII – com base nos pressupostos de Kramer (1978). A
descontinuidade no discurso da obra em questão se dá, primeiro, em um plano macro
estrutural, isto é, por sua organização formal, e segundo por suas micro-organizações no
interior de cada seção. Caracterizada por sua forma ternária, a sensação de descontinuidade é
motivada pela construção irregular da métrica e pela montagem por justaposição de eventos
nas seções A e A’. Já a seção B é organizada pela exploração dos tempos não-homogêneos –
lisos e estriados, de Boulez (2011).
A percepção de um tempo não-linear (descontínuo) em um plano macro-estrutural é
verificada, portanto, pela escuta. Nem sempre a notação musical, a primeira vista, dá conta de
questões que são inerentes à percepção musical. Assim sendo, o modelo de análise de
gravações pode complementar a visualização de alguns elementos não facilmente revelados
na partitura. Observemos algumas das questões apontadas na análise da escritura sob a luz da
análise das gravações. Vejamos o espectrograma das duas gravações preliminares – Gravação
01 e Gravação 02 – observando as características de seu delineamento espectral:

FIGURA 7: Espectrograma das Gravações 01 (quadro superior) e 02 (quadro inferior).


A B A’

A B A’

Fonte: Edição nossa


64
Verificam-se claramente, na disposição espectral mostrada, as três seções apontadas
pela análise da escritura. Nota-se uma maior densidade dos eventos sonoros na primeira e na
terceira seções (A e A’), de modo que não é possível verificar nenhum grupo de parciais de
frequência com duração alongada nesses momentos. Embora a disposição da primeira seção
se assemelhe com a terceira, os perfis espectrais apresentam algumas formas distintas, o que
corrobora a ideia da forma ternária para esta obra.35 A densidade dos eventos e o registro são
parecidos em A e A’, mas em alguns momentos surgem movimentos no registro que marcam
a diferenciação entre as seções (conforme demonstrado pelas indicações na Figura 7). Nesta
imagem, a seção B apresenta eventos sonoros mais espaçados, com duração alongada e menor
densidade vertical dos parciais de frequência, além de maior movimento no registro.
Outra característica da Seção B é a utilização de um tempo não-homogêneo. Segundo
Boulez (2011), um tempo não-homogêneo é aquele que apresenta simultaneamente ou
sucessivamente o uso de tempos estriados e lisos. No caso de Tetragrammaton XIII, Victorio
utiliza-se de um tempo não-homogêneo de modo sucessivo. Como no exemplo da Figura 8, o
espectrograma demonstra o uso desse recurso composicional. O comportamento espectral
permite visualizar a mudança de textura, na qual, nos momentos de tempo liso, há uma
sustentação maior dos parciais de frequência, enquanto que os momentos de tempo estriado
apresentam-se com uma textura próxima à das seções A e A’. As indicações correspondem às
inserções de tempo estriado na Seção B, predominantemente composto por tempo liso.
Estas observações – ainda que panorâmicas – do conteúdo espectral das gravações
ratificam a ideia de descontinuidade na organização formal da peça e corroboram com a
afirmação de uma não-linearidade do discurso da obra. Posto isso, podemos argumentar que a
estrutura ternária da forma na obra Tetragrammaton XIII pode também ser justificada pelo
comportamento espectro-morfológico evidenciado nas gravações.

35
Geralmente, obras em forma ternária compõem suas seções de retorno (terceira seção) com algumas variações
da seção de apresentação, ainda que permaneçam com características semelhantes.
65
FIGURA 8: Espectrograma da Seção B da Gravação 01 (quadro superior) e Gravação 02 (quadro inferior).

Fonte: Edição nossa

A disposição formal pode igualmente ser verificada em duas outras representações


gráficas: nas “formas de onda” (waveforms) e no gráfico que mensura a duração dos trechos
segmentados para análise das gravações. A visualização da forma de onda sugere o
adensamento sonoro nas seções A e A’ em contraposição ao espaçamento dos eventos na
seção B.

FIGURA 9: Formas de onda (waveforms) das Gravações 01 (quadro superior) e 02 (quadro inferior).
A B A’

A B A’

Fonte: Edição nossa

O gráfico de durações abaixo (Gráfico 1) demarca a duração cronométrica (eixo


vertical) em cada um dos trechos segmentados (eixo horizontal). Os trechos da Seção B
66
possuem, em média, uma duração maior do que os trechos das Seções A e A’. Isso acontece,
pois os eventos no interior dos trechos possuem, em geral, durações alongadas, o que faz com
que as mudanças características em seus materiais sejam percebidas mais lentamente do que
nos demais trechos.

GRÁFICO 1: Gráfico de duração de cada um dos trechos segmentados. No eixo vertical o valor em segundos. O
eixo horizontal refere-se à numeração dos trechos.
A B A’
(em segundos)
Duração

25
20
15
10
5
0
1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 23 25 27 29 31 33 35 37 39 Fim
Trechos
Gravação 01 Gravação 02

Fonte: Edição nossa

Por outro lado, ao mensurarmos a duração das seções, verifica-se que há certa
equivalência na proporção cronométrica das seções. (Gráfico 2). Embora a seção B seja
constituída por um menor número de trechos – oito trechos, enquanto as demais possuem
dezesseis – há certa equivalência na duração total de cada seção. Isto é, há, na seção B, um
menor número de eventos em uma janela temporal com duração semelhante às demais seções.
Logo, isto também corrobora para a percepção de rarefação temporal na seção B.

GRÁFICO 2: Proporção de duração entre seções.

1,9
1,7
Duarção (em minutos)

1,5
1,3
1,1
0,9
0,7
0,5
0,3
0,1
-0,1 Seção A Seção B Seção A'

Seções
Gravação 1 Gravação 2

Fonte: Edição nossa

67
Apoiado conceitualmente na filosofia de Susanne Langer (1980) sobre tempo virtual,
Victorio [20??] descreve o tempo musical como um tempo experienciado, o qual se dá pela
despercepção do tempo cronológico na escuta de uma obra. O tempo virtual se caracteriza
pela percepção do ouvinte (ou mesmo do executante) sobre o fluxo temporal gerado pela
sucessão de eventos ou sobre as mutações do material durante o percurso musical, ou seja,
pelos modos em que os materiais são dispostos no tempo. Nesse sentido, as mensurações
realizadas por computador enfatizam justamente esta exploração – provavelmente consciente,
por parte do compositor – de um jogo estabelecido entre um tempo que é dado
cronometricamente e o tempo que é percebido.
Assim, consideramos que a proporção na duração das seções possui uma implicação
significativa na sensação de contraste da estrutura global. A proporção entre elas é, dentre
outros fatores, um elemento que promove a percepção do fluxo temporal na obra. Portanto,
manipular essas durações pode ser um objetivo interpretativo do violonista, e, assim, ser uma
forma de conduzir a atenção do ouvinte.
Em vista das questões apontadas, conclui-se que todo o discurso construído sobre a
organização da forma em Tetragrammaton XIII apresentado na análise da escritura vem a ser
reiterado nos resultados da análise das gravações em um nível global, sobretudo por meio da
observação do conteúdo espectro-morfológico do áudio das gravações. Cabe-nos agora avaliar
as gravações em um nível local, observando as características interpretativas dadas à obra nas
gravações realizadas.

3.4 Características interpretativas das gravações de Tetragrammaton XIII

Apresenta-se neste tópico a análise dos aspectos interpretativos das duas gravações
preliminares realizadas para esta pesquisa. São utilizados os dados obtidos no mapeamento
das intensidades (dinâmica) – por meio das ferramentas smoothed power curve –
conjuntamente aos dados obtidos no mapeamento dos andamentos (agógica). Desse modo, as
considerações sobre a dimensão expressiva das gravações de Tetragrammaton XIII se
concentram essencialmente nos parâmetros da agógica e dinâmica. Eventualmente os gráficos
de intensidade podem revelar questões sobre a articulação, uma vez que estes contêm
informações sobre o ataque, sustentação e decaimento dos eventos. Entretanto, as ferramentas
não permitiram avaliar com precisão o parâmetro da articulação em todo o material, cabendo
essa discussão somente aos momentos específicos citados. Busca-se, de modo geral, uma

68
análise que considere a interseção destes parâmetros para a identificação de conteúdo
expressivo das interpretações.
Cabe ressaltar que as duas gravações são colocadas no discurso analítico de modo a se
complementarem e não a se contraporem. Embora, como já apresentado, as duas gravações
apresentem inicialmente concepções interpretativas distintas, o diálogo entre elas é feito com
o objetivo de compreender algumas possibilidades interpretativas, e não necessariamente
como concepções opostas e incompatíveis – possibilidades estas que foram avaliadas para
construção do mapa interpretativo adotado na gravação realizada posteriormente.

3.4.1 Gestos musicais nas gravações de Tetragrammaton XIII

A abordagem do gesto musical perpassa as diferentes estéticas musicais. Entretanto,


no caso especial da música contemporânea este aspecto musical passou a ser problematizado
de modo sistemático nas pesquisas musicológicas, conforme apontado por Assis e Amorim
(2009, p. 1). Para os autores, ao se romper com o discurso tonal, a coordenação gestual de
uma obra passa a ser estruturada por outros parâmetros que não aqueles subordinados às
estruturas tonais. Assim, em Tetragrammaton XIII a compreensão da organização formal
perpassa, entre outras unidades sintáticas, a identificação dos gestos que compõem as
microestruturas da obra.
Para efeito de delimitação, tomamos o gesto como nossa principal unidade de análise.
O esforço analítico concerne a observação e crítica da configuração expressiva dos gestos
com o propósito de compreender como determinados segmentos se manifestaram nas
performances gravadas, pois sabemos que as diferentes projeções dadas às estruturas locais na
performance conduzem a escutas distintas em níveis perceptivos mais globais. Para tanto, se
faz necessária, de antemão, a conceituação de gesto musical e sua relação com o processo
interpretativo.
Robert Hatten36 (apud MATSCHULAT 2011, p.19) desenvolve seu conceito de gesto
musical precedido pelo entendimento dos gestos humanos como fundamento para a
compreensão dos gestos musicais em obras complexas. Para o autor, o gesto humano é
definido como “qualquer formação energética projetada no tempo que possa ser interpretada
como significante” (HATTEN apud MATSCHULAT, 2011, p.19). Contudo, a ideia de gesto

36
HATTEN Robert S.. Interpreting Musical Gesture, Topics, and Tropes: Mozart Beethoven, Schubert.
Bloomington: Indiana University Press, 2004
69
musical não se concentra apenas no movimento motor do gesto humano. Matschulat ressalva
que o

gesto musical apresenta-se, portanto, na forma de uma formação energética


do som projetada no tempo – o que Hatten define como gesto aural. [...] O
gesto musical não se resume nas meras ações físicas envolvidas na produção
de uma série de sons, mas consiste no contorno característico que confere a
estes sons significado expressivo. São, portanto, unidades perceptivas
sintetizadas nos elementos musicais tais como timbre, articulações,
dinâmicas e tempo, e sua coordenação em diversos níveis sintáticos, e
comportam-se como unidades expressivas (MATSCHULAT, 2011, p 9).

Nesse sentido, o conteúdo expressivo da realização sonora de uma interpretação, tal


como nas variações de agógica (timing), dinâmica e os modos de articulação, projeta e
delineia a configuração gestual escrita pelo compositor. Os intérpretes podem ainda, por uma
ação deliberada e fundamentada estilisticamente (ou mesmo intuitiva), expressar sua própria
compreensão gestual do texto. Em se tratando de um repertório como o estudado aqui, por
exemplo, as configurações gestuais nem sempre são claramente perceptíveis e determinadas.
As limitações inerentes às escrituras permitem configurações gestuais distintas que podem ser
construídas e justificadas de acordo com níveis estruturais diferentes. Por mais que os
compositores alicercem sintaticamente a obra e lancem mão de certos recursos de escrita
como o uso de ligaduras e sinais de dinâmica, ainda há lacunas representativas que permitem
variações do conteúdo expressivo que podem reconfigurar, de certa maneira, a própria
constituição perceptiva dos gestos. Delimitar agrupamentos de notas e correlacioná-los em
planos estruturais de modo coerente são tarefas do processo interpretativo. E nesse processo o
que o intérprete possui como principal ferramenta de construção gestual é a manipulação dos
elementos expressivos. Nesse sentido, a análise que se segue busca identificar estas
manipulações expressivas dos gestos em trechos específicos da obra estudada limitando-se à
apreciação do conteúdo agógico, dinâmico e, eventualmente, dos modos de articulação
representados nos gráficos construídos a partir do software Sonic Visualiser.
Sabe-se que a música enquanto fenômeno conduz, de maneira geral, ao senso de
expectativa. Ao ouvirmos, consideramos, mesmo que intuitivamente, os pontos de partida e
chegada de cada um dos eventos que compõem os diferentes níveis sintáticos de uma peça.
Como exemplo, temos a relação tensão/resolução provocada pelos movimentos cadenciais
que se apresentam claramente na música tonal. Entretanto, no repertório não sistematizado
por relações tonais as sensações de movimento são provocadas por outros elementos: pelo
direcionamento gestual, pelas relações intervalares de acordes, etc. Nossa atenção, de alguma

70
forma, é levada através da energia gerada do movimento de um determinado evento em
direção a outro. Para Smalley (1986, p. 61 apud ASSIS e AMORIM, 2009, p.2) o senso
gestual está relacionado a uma “ação a partir de uma meta previamente atingida ou em direção
a uma nova meta; [...] relacionado com a aplicação da energia e suas consequências".
Portanto, ao discorrer sobre o conteúdo expressivo de um material estamos necessariamente
revelando-o quanto aos modos de agrupamento e manipulação de seu direcionamento gestual.
Os gráficos gerados permitiram avaliar o conteúdo expressivo dos materiais de
Tetragrammaton XIII sob a perspectiva dos modos de agrupamentos das notas para formação
dos gestos, bem como pela manipulação de seus direcionamentos gestuais. Da mesma forma,
nos permitiram avaliar a condução do direcionamento dos materiais em níveis sintáticos
maiores como os trechos e subseções. Assim, os direcionamentos dos gestos, trechos e
subseções são visualizados pelos tipos de perfis gerados tanto no gráfico de dinâmica quanto
de agógica, conforme observaremos nos exemplos que se seguem.37
Para a discussão dos dados de análise optamos por apresentar apenas os segmentos
mais significativos. A Tabela 1 (página seguinte) descreve quais são as subseções
selecionadas dentro de cada uma das seções, bem como os trechos correspondentes a elas. A
análise está estruturada seguindo a ordem numérica das subseções e trechos conforme a
descrição na tabela. Os recortes dos arquivos de áudio de cada um dos trechos analisados
estão disponíveis no link já apresentado anteriormente. A lista das faixas de áudio com os
trechos e gráficos correspondentes é apresenta nas páginas iniciais desta dissertação.

37
Os tipos de perfis encontrados podem ser verificados na “Tabela de referência dos símbolos para análise dos
gráficos” disponível no Apêndice B desta dissertação.
71
TABELA 1: Descrição dos excertos selecionados para discussão dos dados.

Subseções Trechos
1
Subseção A I 2
Compassos 1 a 10 3
4
Seção A
8
Subseção A III 9
Compassos 20 a 30
10

17
Seção B Subseção B I
18

24
Subseção A’ I
Compassos 57 a 61
25
Seção A’
39
Subseção A’ VI
Compassos 93 a 97
40

Fonte: Edição nossa.

Nos exemplos as seguir, primeiramente é observado o comportamento agógico das


duas gravações na Subseção A I (compassos 1 a 10), para então adentrarmos no interior de
cada trecho (correspondentes aos Trechos 1 a 4 da segmentação adotada) e observarmos os
contornos gestuais adotados nas performances gravadas. No primeiro exemplo (Gráficos 3 e
4), nota-se que, embora as gravações apresentem correlações em determinados momentos, as
duas performances possuem características singulares, evidenciando perfis agógicos distintos.

72
FIGURA 10: Subseção A I (Compassos 1 a 10), correspondente aos Trechos 1 a 4.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

São evidenciados perfis agógicos diferentes em cada uma das gravações. São
chamados de perfis agógicos os contornos gerais dos desenhos formados pelos gráficos,
equivalendo, de certa maneira, a um andamento geral da subseção, considerando as tendências
gerais e excluindo-se as oscilações momentâneas. Embora, a intenção interpretativa tomada
para realizar a Gravação 01 tivesse sido de manter uma maior rigidez rítmica, a efetiva
realização interpretativa dos materiais musicais resultou, conforme verificou-se na análise, em
um perfil agógico ligeiramente sinuoso, com movimentos de redução e aceleração do
andamento, enquanto que a performance realizada na Gravação 02 adota um perfil correlato a
um arco. Outro ponto a ser levantado na observação dos gráficos de ambas as gravações é a
tendência do uso de pequenas cesuras temporais entre cada um dos trechos da subseção.
Ainda que haja uma exceção - entre os Trechos 1 e 2 da Gravação 01 -, todas as demais
ligações entre trechos são executadas com uso de um pequeno ritenuto. Além disso, estas
cesuras são ampliadas a cada trecho, direcionando a percepção aos últimos acordes da
subseção – com a indicação poco rallentando.

73
GRÁFICO 3: Mapeamento agógico da Subseção A I (Gravação 01).

Fonte: Edição nossa.

74
GRÁFICO 4: Mapeamento agógico da Subseção A I (Gravação 02).

Fonte: Edição nossa.

75
Com estas observações, inferimos que a percepção estrutural se constrói em níveis e
unidades sintáticas paralelas. Nota-se, por um lado, que o perfil arqueado na Gravação 02 nos
induz a pensar em uma interpretação que evidencie mais a camada, diríamos, macroestrutural
da subseção. Por outro, as pequenas cesuras ressaltam a distinção entre cada um dos trechos
que compõem o interior da Subseção A I. Já na Gravação 01, o contorno agógico geral (perfil
sinuoso) tende a acompanhar, de certa maneira, a segmentação de cada trecho, reforçando o
movimento levemente irregular do andamento no excerto. Ao aprofundarmos a análise em
níveis cada vez mais locais essas camadas perceptivas tornam-se cada vez mais evidentes,
sobretudo a partir do exame dos direcionamentos gestuais.
Os gráficos que se seguem representam o mapeamento dos perfis de agógica e
dinâmica em cada um dos trechos da Subseção A I. A sobreposição dos gráficos nos permite
avaliar quais aspectos são proeminentes na identificação do direcionamento dos gestos. O
exercício de escuta em conjunto com a visualização dos gráficos revela que em determinados
momentos os gestos parecem ser conduzidos mais por um parâmetro do que por outro,
embora sejam projetados, evidentemente, de forma holística.
O Trecho 1 (composto pelos dois gestos demarcados na Figura 11) aparece projetado,
nas duas gravações, de modos distintos:

FIGURA 11: Trecho 1 (Compassos 1 e 2). Em destaque, a ligaduras de demarcação dos gestos.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

O conteúdo expressivo do Trecho 1, apresentado pelos gráficos de agógica e dinâmica,


é constituído com base no direcionamento gestual. Na Gravação 01, o gesto inicial é
conduzido através da agógica em direção ao último acorde do primeiro compasso (segundo
acorde percussivo acentuado). A leve antecipação temporal da última colcheia e o atraso do
primeiro acorde do compasso seguinte induzem a uma sensação de direção ao acorde indicado
na figura, bem como a um espaçamento temporal entre os gestos, marcando, assim, a aparição
inicial das principais células que são recorrentes na peça. Isso nos permite falar que o gesto
inicial configura-se tal qual um motivo em torno do qual toda a peça se desenvolve. O perfil
76
dinâmico não corrobora o movimento gestual no mesmo sentido que o perfil agógico. Como
apontado no gráfico, os perfis dinâmicos salientam o agrupamento das células no interior do
gesto, e não há nenhuma tendência deste parâmetro em direção ao acorde citado.
O gesto seguinte é constituído de um perfil agógico praticamente linear. O movimento
agógico proeminente ocorre apenas na antecipação do pulso 3.1a, o que canalizaria, à
primeira vista, a atenção à nota inicial do terceiro compasso. No entanto, a escuta sinaliza
uma direcionalidade gestual que coincide com o contorno melódico do grupo de notas. O
gráfico de dinâmica revela, portanto, que o contorno melódico ascendente é acompanhado de
um breve crescendo em direção à nota mais aguda do gesto (Fá#). Isto demonstra que, neste
caso, adversamente ao gesto anterior, o movimento gestual é constituído predominantemente
pelo parâmetro da dinâmica.

GRÁFICO 5: Mapeamento dinâmico (quadro superior) e agógico (quadro inferior) do Trecho 1 (Gravação 01).

Fonte: Edição nossa.

Estes mesmos gestos esboçam-se de maneira diferente quando observados na


Gravação 02. No gesto inicial, o movimento melódico ascendente é ratificado pelo perfil
agógico. Desse modo, o gesto progride na mesma direção que o contorno das alturas. A
antecipação da nota Mi articulada em harmônico (h.19) suscita um sutil apoio na nota mais
77
aguda do gesto, o que faz perceber o direcionamento gestual a ela. No segundo gesto, a
diferença significativa em relação à Gravação 01 consiste em uma pequena queda no
andamento a partir do pulso 2.8 determinando, assim, a finalização do Trecho 1. O perfil
dinâmico comporta-se de maneira semelhante nas duas gravações, delineando o movimento
das células do primeiro gesto e conduzindo a direção gestual no segundo.

GRÁFICO 6: Mapeamento da dinâmica e da agógica do Trecho 1 (Gravação 02).

Fonte: Edição nossa.

O Trecho 2 é composto por um único gesto subdivido em três células. O


direcionamento na condução agógica e/ou dinâmica reorganiza o agrupamento dessas células
de acordo com o movimento dado a elas. Vejamos no exemplo da Figura 12 dois modos de
agrupamento das células. A demarcação superior (cor azul) representa o agrupamento mais
próximo do que ocorre na Gravação 01. A demarcação inferior (cor vermelha) demonstra o
agrupamento aproximado da Gravação 02. Nota-se que o segundo agrupamento (em cor
vermelha) acompanha a construção rítmica concebida na escritura. Entretanto, o grupo em
azul altera a métrica da célula direcionando-se sempre à primeira nota da figura rítmica
posterior. Assim, desloca-se o início das células que passam a ser percebidas de modo acéfalo
e não tético, como escrito na partitura.

78
FIGURA 12: Trecho 2. Demarcação do agrupamento das células.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

Estas observações apresentam-se sutilmente em uma escuta superficial. Na medida em


que adentramos na visualização dos gráficos (Gráficos 7 e 8) a identificação dos grupos torna-
se mais evidente. Verifica-se no gráfico que mapeia a agógica deste trecho na Gravação 01 o
posicionamento do agrupamento das células. A primeira célula dirige-se à nota executada em
Pizzicato Bartók (pulso 4.1a). Os perfis arqueados das demais células demarcam o
deslocamento métrico. Por outro lado, o gráfico da Gravação 02 não expressa notáveis
nuances no movimento agógico. A primeira célula apresenta suave arqueamento no perfil,
enquanto que as demais células demonstram pouco movimento do pulso. Assim como ocorre
em quase todos os trechos analisados, a disposição das intensidades manifesta-se de modo
semelhante nas duas gravações. Os perfis ascendentes na primeira e terceira células
corroboram o movimento agógico de cada célula.

GRÁFICO 7: Mapeamento da dinâmica e agógica do Trecho 2 (Gravação 01).

Fonte: Edição nossa.


79
GRÁFICO 8: Mapeamento da agógica e da dinâmica do Trecho 2 (Gravação 02).

Fonte: Edição nossa.

Observemos, agora, o terceiro trecho da Subseção A I:

FIGURA 13: Trecho 3. Compassos 5, 6 e 7.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

O terceiro trecho desta subseção é formado por dois gestos. O último acorde do gesto
do trecho anterior (primeiro pulso do quinto compasso), formado por quartas justas, anuncia a
composição intervalar dos acordes do gesto seguinte. A voz inferior é, portanto, formada por
uma progressão cromática de acordes de três sons em intervalos de quarta justa. Neste gesto
os planos sonoros aparecem com maior autonomia, pois as vozes não são executadas

80
simultaneamente. Com esta disposição de vozes é possível verificar, do ponto de vista das
intensidades, o comportamento dos planos sonoros nas representações gráficas.
Nas duas gravações, os gráficos de intensidades revelam a separação dos planos
sonoros do primeiro gesto. As marcações representam os ataques dos acordes da voz inferior.
As demais elevações deste primeiro gesto representam as notas da voz superior. Atenta-se,
portanto, para progressão de acordes que está disposta em um patamar dinâmico acima das
demais notas, distinguindo os planos sonoros. Além disso, a progressão ascendente de acordes
é projetada por meio de um crescendo em direção ao acorde mais agudo, sendo mais evidente
na Gravação 02.

GRÁFICO 9: Mapeamento de dinâmica, agógica e articulação do Trecho 3 (Gravação 01).

Fonte: Edição nossa.

81
GRÁFICO 10: Mapeamento de agógica, articulação e dinâmica do Trecho 3 (Gravação 02).

Fonte: Edição nossa.

O mapeamento de intensidades também permite, em alguns casos, verificar o


comportamento da articulação dos eventos, uma vez que o gráfico contém informações sobre
ataque, sustentação e decaimento dos sons. Uma característica interessante observada através
do gráfico de intensidades no segundo gesto deste trecho é a diferenciação morfológica da
articulação dos ataques dos sons percussivos, harmônicos e naturais. Notam-se diferentes
conformações no decaimento dos sons de acordo com os tipos de evento sonoro, ou mesmo
com a forma de condução do legato entre os eventos. Os perfis indicados nos Gráficos 9 e 10
representam os decaimentos dos sons. Os eventos percussivos possuem um ataque mais
acentuado seguido de um rápido decaimento, enquanto que as formações de acordes tendem a
ter o ataque suavizado, porém com maior sustentação. Os acordes em que aparece uma brusca
queda na sustentação referem-se às mudanças de posição por traslado horizontal ao violão, o
que ocasiona uma ruptura no prolongamento e uma transição non legato entre os acordes.
Nesse sentido, afirmamos que a arquitetura do gesto em questão constrói-se, em ambas as
gravações, predominantemente pelas características na disposição dos diferentes modos de
articulação. Entendemos o quarto trecho da Subseção A I constituído também por dois

82
grupos gestuais. O primeiro é composto por figuras percussivas, e o segundo por figuras e
grupos acordais remanescentes de gestos anteriores.

FIGURA 14: Trecho 4 (Compasso 8 a 10).

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

O comportamento agógico do trecho nas duas gravações revela-se sob um perfil


arqueado, embora os pontos de pico no andamento não sejam compatíveis. Na Gravação 01, o
desenho do gráfico de agógica induz nossa atenção de escuta a direcionar-se aos acordes do
compasso 10, sobretudo devido ao adiantamento dos acordes em harmônico, o que provoca
um pequeno apoio do pulso nesses instantes. A Gravação 02 não sugere esses apoios, embora
demonstre o contorno da indicação poco rall de forma constante e com certa linearidade. Com
estas observações concluímos que este é um exemplo em que o comportamento agógico é
delineado a partir de um pensamento, diríamos, global do trecho. Não se evidencia no plano
agógico o delineamento gestual. O agrupamento gestual, por sua vez, pode ser identificado,
ainda que não tão claramente, no gráfico das intensidades.

83
GRÁFICO 11: Mapeamento de agógica e dinâmica do Trecho 4 (Gravação 01).

Fonte: Edição nossa

GRÁFICO 12: Mapeamento de agógica e dinâmica do Trecho 4 (Gravação 02).

Fonte: Edição nossa.


84
Destacamos, para esta análise, o segmento que se inicia no compasso 17 e segue até
os dois primeiros pulsos do compasso 30, correspondente à Subseção A III. O mapeamento
da flutuação temporal da Subseção A III pode ser verificado nos gráficos que se seguem, e a
discussão acerca do comportamento expressivo dos gestos é desenvolvida na análise dos
gráficos de cada trecho separadamente.
A estrutura rítmica da célula em destaque na imagem abaixo é apresentada pela
primeira vez na obra nesta subseção. Esta célula sugere ser um material importante na
construção desta subseção, pois marca instantes de espaçamento temporal que promovem
certo direcionamento na subseção. Cada aparição do gesto (em cor vermelha nos gráficos
desta subseção) é antecipada por uma cesura temporal (respiração), inclusive quando sua
estrutura interna é variada (ver a célula inicial da subseção seguinte – A IV – exemplo C na
Figura 15). Estas cesuras são apresentadas, retoricamente, como uma preparação para o
movimento gestual consequente. Ademais, o âmbito de variação agógica expresso nas cesuras
é expandido a cada surgimento do gesto culminando na conclusão da subseção. As duas
gravações realizadas compartilham desta mesma característica, ainda que tenham
diferenciações pontuais, apresentadas a seguir.

FIGURA 15: Variações da estrutura rítmica do gesto em destaque. A terceira aparição (C) refere-se à célula
inicial da Subseção A IV. Nesta última ocorre variação intervalar e na configuração rítmica.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

85
GRÁFICO 13: Mapeamento agógico da Subseção A III (Gravação 01).

Fonte: Edição nossa.

86
GRÁFICO 14: Mapeamento agógico da Subseção A3 (Gravação 02).

Fonte: Edição nossa.

87
À primeira vista, nota-se que os perfis de agógica e de dinâmica evidenciados nos
gráficos do trecho inicial desta subseção (Trecho 8) não destacam com clareza os gestos. Os
perfis identificados não apresentam movimentações que reforçariam, de forma evidente, os
contornos nos níveis do trecho ou gestos, mas sim no nível das células (ou seja, num plano
ainda mais microestrutural), conforme demonstrado nos Gráficos 15 e 16. Nessa situação,
tanto o mapeamento das intensidades e da agógica compartilham os mesmos perfis. Além
disso, nas duas gravações foram identificadas as mesmas conformações expressivas, com
exceção da segunda célula do segundo gesto que apresenta perfis diferentes.

FIGURA 16: Trecho 8 (Compassos 20 a 23). Configuração dos gestos e células.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

GRÁFICO 15: Trecho 8 (Gravação 01).

Fonte: Edição nossa.


88
GRÁFICO 16: Trecho 8 (Gravação 02).

Fonte: Edição nossa.

O delineamento dos perfis ocorre de modo semelhante no Trecho 9, salientando os


grupos celulares e não necessariamente os gestos. A diferença ocorre no fato de que a forma
dos perfis de intensidade não corresponde aos perfis de agógica mapeados, embora o
agrupamento das células tenha sido identificado do mesmo modo. Em outras palavras, o
direcionamento fraseológico não se evidencia da mesma forma comparando-se os dois
parâmetros expressivos analisados. Além disso, confrontando as duas gravações, encontram-
se algumas particularidades em cada uma delas. Observemos a partitura do excerto discutido:

FIGURA 17: Trecho 9 - Compassos 24 a 26 (primeiro quarto de pulso). Divisão dos gestos e células.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

89
Em ambas as gravações a flutuação agógica apresenta-se claramente definida. Ao
contrapor a subdivisão das células com o contorno agógico descrito no gráfico, verificamos
que os perfis arqueados são congruentes com o movimento em cada célula. Por outro lado, o
fluxo dinâmico não responde da mesma maneira, diferenciando-se na sua organização. A
célula inicial apresenta, na Gravação 01, um ataque acentuado seguido das demais notas
mantidas em um mesmo patamar. Já na Gravação 02, um perfil em arco é identificado nesta
célula. O decrescendo indicado na partitura na segunda célula não se evidencia em nenhuma
das gravações. Pelo contrário, a segunda gravação ressalta um movimento dinâmico
crescente. A terceira e quarta células possuem conformação intervalar semelhante, terminando
em acordes em quartas justas articulados em harmônico. Na Gravação 02, estes acordes
funcionam como um apoio, como se pode verificar no gráfico de intensidades através dos
perfis ascendentes direcionados a eles.
É importante ressaltar que estes apontamentos ocorrem em um âmbito muito restrito
na escuta. Há determinados trechos que as diferenciações entre as gravações são clarividentes,
enquanto que em outros momentos é necessário um exercício de escuta bastante aguçado para
que estas modificações tornem-se, do ponto de vista da análise, audíveis.

GRÁFICO 17: Trecho 9 (Gravação 01).

Fonte: Edição nossa.


90
GRÁFICO 18: Trecho 9 (Gravação 02).

Fonte: Edição nossa.

Observemos o trecho seguinte:

FIGURA 18: Trecho 10. Compassos 26 a 30 (dois primeiros pulsos).

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

O Trecho 10 é observado em sua estrutura gestual. A progressão cromática


descendente do primeiro gesto (compassos 26 e 27) é executada, nas duas gravações, em
accelerando e crescendo. As setas nos gráficos de agógica indicam os ataques dos acordes
neste gesto. Nota-se, sobretudo na Gravação 02, um adiantamento na execução de cada
acorde, e um perfil geral que caminha em direção à cabeça do compasso seguinte. Além disso,
no parâmetro da dinâmica, é ressaltada a divisão dos planos sonoros como observado na
acentuação da nota Sol.

91
O gesto seguinte deste trecho é subdividido em duas células, de modo que a segunda é
uma variação da primeira. Assim, o direcionamento é conduzido de forma similar nos dois
casos. O apoio principal na condução da célula ocorre no acorde La – Re – Sol – Do, em
ambas as células. Embora o ponto mais elevado nos gráficos de intensidades esteja no evento
percussivo, a escuta aponta para um apoio no acorde supracitado – provavelmente devido à
rápida extinção sonora do evento percussivo.

GRÁFICO 19: Trecho 10 (Gravação 01).

Fonte: Edição nossa.

92
GRÁFICO 20: Trecho 10 (Gravação 02).

Fonte: Edição nossa.

Adentraremos, agora, na discussão do conteúdo expressivo da Seção B. Como já


apresentado, esta seção contém especificidades quanto à sua construção rítmica. A ausência
de uma métrica definida em parte dos trechos produziu alguns desafios na extração dos dados
de agógica neste contexto. A forma de uso até então utilizada da ferramenta computacional
tornou-se ineficaz, pois a geração dos dados agógicos havia sido construída a partir da
identificação dos pulsos. Naturalmente, como não há pulso definido nesses trechos da Seção
B, não foi possível identificar o fluxo agógico, uma vez que a agógica é determinada por meio
de desvios em um padrão regular de pulsações.
Portanto, optamos por analisá-la sob outra ótica. Adotamos como estratégia
fundamental para extração de dados de andamento marcar cada um dos ataques, ao invés de
marcar os pulsos como nos trechos metricamente estabelecidos. Desse modo, os perfis
gerados nos gráficos não têm como referência um padrão regular de batidas. Os gráficos
destes trechos geram os valores de duração (em frações de segundos) em cada um dos ataques
– e não na sua relação, em bpm, com os demais pulsos. Assim, os contornos dos gráficos não
correspondem às inflexões agógicas, mas sim às diferentes durações de cada um dos eventos
(notas ou acordes) articulados. Nossa alternativa foi utilizar uma estratégia analítica que tem

93
como princípio a comparação entre as duas gravações, para assim observar como são
projetadas as notas e acordes escritos na partitura com uma figuração que não estabelece uma
duração definida. Observemos o excerto abaixo (Subseção B I) e suas respectivas
representações gráficas obtidas com o software. Vale destacar que, neste caso, os pontos mais
elevados nos gráficos de durações representam os eventos de duração mais curta. Já os pontos
mais baixos dos gráficos representam os eventos de duração mais longa. Mantém-se, assim, a
mesma lógica de visualização que vigora nos gráficos de agógica aplicados até então.

FIGURA 19: Subseção B I (Trechos 17 e 18).

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

GRÁFICO 21 – Gráfico de andamento do Trecho 17, Seção B. (Gravações 01 e 02).

Fonte: Edição nossa.

94
GRÁFICO 22: Gráfico de Intensidade Trecho 17, Seção B (Gravações 01 e 02).

Fonte: Edição nossa.

GRÁFICO 23: Gráfico de Intensidade do Trecho 18 (Gravações 01 e 02).

Fonte: Edição nossa.


95
Nota-se, mais uma vez, que o agrupamento dos movimentos gestuais é identificável
através dos gráficos de intensidade. O gráfico que correspondente ao Trecho 17 demonstra a
divisão em três grupos gestuais claros, de modo que cada um dos gestos apresenta
conformações dinâmicas similares. Os gestos são delineados em um sentido sempre
decrescente, isto é, o apoio gestual é marcado nas figuras iniciais de cada gesto. Em um trecho
em que há liberdade na duração das figuras, as conformações gestuais poderiam ser expressas
de várias outras formas, e um exercício interpretativo interessante seria experimentar essas
formas de agrupar as notas por meio da manipulação da dinâmica. Já no Trecho 18, é nítida a
formação de um perfil arqueado da dinâmica. No entanto, o trecho é composto por duas
figurações gestuais diferentes. A primeira corresponde ao accelerando e a segunda ao
movimento das notas graves finalizadas pelo acorde. Os gráficos que seguem representam a
formação das durações em cada gesto do Trecho 18. Nesse caso, as durações nas duas
gravações guardam um perfil geral com grande proximidade, sobretudo no segundo gesto.

GRÁFICO 24: Gráfico de agógica. Primeiro gesto do Trecho 18 (accelerando).

Fonte: Edição nossa.

96
GRÁFICO 25: Gráfico de agógica. Segundo gesto do Trecho 18.

Fonte: Edição nossa.

O retorno a um tempo pulsado na Seção A’ é iniciado com a recapitulação do gesto


inicial da obra, variando apenas a duração da última figura. Os gestos que seguem apresentam
variações no material anteriormente apresentado na Seção A, justapostos por materiais novos,
sobretudo pelos gestos percussivos. Nesse sentido, um dado a ser observado nos gráficos a
seguir diz respeito à manutenção do andamento médio, especialmente na recapitulação do
material inicial que marca o retorno a um tempo pulsado. O patamar de andamento na
recapitulação oscila em média, na Gravação 01, entre 230 e 300 bpm, isto é, pouco abaixo do
andamento médio inicial dessa mesma gravação. Já na Gravação 02, o andamento inicial da
Seção A’ compreende o âmbito entre 225 a 275 bpm, o que significa a manutenção do
andamento médio se comparado ao início da obra nessa mesma gravação.

97
GRÁFICO 26: Subseção A’ I. (Gravação 01).

Fonte: Edição nossa.

98
GRÁFICO 27: Subseção A’ I (Gravação 02).

Fonte: Edição nossa.

99
A Subseção A’ I, que corresponde aos compassos 57 a 61, é organizada em dois
trechos conforme demonstrado na Figura 20:

FIGURA 20: Subseção A’ I. Compassos 57 a 62.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

O gráfico da Subseção A’ I da Gravação 02 demonstra cinco gestos que se apresentam


em três agrupamentos de perfis. O primeiro deles compreende ao primeiro gesto (compasso
57); o segundo perfil concerne ao gesto seguinte (compasso 58) e o terceiro agrupamento de
perfis é delineado até o final da subseção (compasso 59 a 61). É interessante notar que neste
último agrupamento (que envolve três gestos) ocorre um accelerando que se dirige ao
primeiro evento do compasso 62 – nota Mi articulada em Pizzicato Bartók. Ainda que haja
uma cesura no pulso 60.10 (acorde em harmônico), a tendência geral do agrupamento conduz
a atenção da escuta ao início do compasso 62, que é construído por variação do motivo inicial
da peça.
Esse mesmo motivo inicial já ocorre (como reapresentação que marca o início da
Seção A’) no primeiro gesto do Trecho 24 (compasso 57). De modo geral, as características
interpretativas das duas gravações acompanham os mesmos contornos verificados na sua
primeira aparição do gesto na Seção A, conforme pode ser observado nos Gráficos 28 e 29.
Entretanto, o trecho citado ilustra uma das características peculiares da Seção A’ que é a
100
interpolação de gestos percussivos em materiais recorrentes da obra. Direcionaremos a
atenção, portanto, ao conteúdo expressivo dos gestos que são constituídos pelos materiais
percussivos.
Com base no mapeamento da Gravação 01, apontamos que as nuances de agógica e
dinâmica dos materiais percussivos são evidenciadas nos níveis de organização gestual e
celular, mutuamente. Com base nisso, tomamos como exemplo o gesto correspondente ao
compasso 58. Esse gesto apresenta um perfil agógico levemente arqueado. Contudo,
observando o interior do gesto, nota-se que o movimento agógico se dá segundo o
agrupamento das células – agrupamento esse, ressaltado também no mapeamento das
intensidades. Os tipos perfis em cada célula são salientados pelas setas e indicações do gráfico
28. Ademais, analisando os gráficos da Gravação 02 é possível identificar estas mesmas
conformações expressivas, porém de modo não tão evidente quanto às observadas no
mapeamento da Gravação 01 (sobretudo na articulação agógica das células), como se pode
constatar na representação gráfica subsequente. (Gráfico 29).

GRÁFICO 28: Trecho 24 (Gravação 01).

Fonte: Edição nossa.

101
GRÁFICO 29: Trecho 24 (Gravação 02).

Fonte: Edição nossa.

Os gráficos a seguir apresentam a configuração agógica da Subseção A’ VI,


organizada em dois trechos. O primeiro deles compreende os compassos 93 a 95, enquanto
que o segundo se estende até o final a obra, como apontado na figura na página seguinte. Em
ambas as gravações evidenciam-se as disposições gestuais do segmento de modo que os
gestos são demarcados por cesuras temporais, ainda que estas não estejam indicadas na
partitura – à exceção das fermatas nos dois últimos compassos. Dessa forma, é possível
identificar os perfis agógicos construídos, como demonstrado nos gráficos 30 e 31.
Em nossa concepção, o uso das cesuras, aqui, exerce duas funções: uma delas é
agrupar os eventos em unidades perceptivas distintas. A outra função está relacionada ao
princípio da criação de expectativa em torno do encerramento da obra. Verifica-se, nos
gráficos apontados, que a tendência geral do segmento é diminuir o andamento em direção ao
acorde final, além de ocorrer o aumento gradativo da duração de cada cesura. Nesse sentido,
102
percebe-se que, a cada corte temporal entre os gestos, cria-se um acúmulo de energia (uma
espécie de tensão, talvez) que direciona nossa atenção à sua resolução e, consequentemente, à
conclusão do discurso da obra.

FIGURA 21: Compassos 93 a 97 (Subseção A’ VI).

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

103
GRÁFICO 30: Subseção A’ VI (Gravação 01).

Fonte: Edição nossa.

104
GRÁFICO 31: Subseção A’ VI. (Gravação 02).

Edição nossa.

105
O delineamento do conteúdo dinâmico da subseção nas duas gravações pode ser
exemplificado nos gráficos 32 e 33. A disposição deste parâmetro acompanha os
apontamentos anteriormente discutidos nos demais trechos, como, por exemplo, o
agrupamento das células por meio dos perfis dinâmicos e suas correlações para com a
organização e direcionamento gestual. Assim, pode-se observar a composição expressiva dos
trechos a partir das indicações descritas nos gráficos que se seguem. O mapeamento do
Trecho 40 é apresentado nos gráficos 34 e 35.

GRÁFICO 32: Trecho 39 (Gravação 01).

Fonte: Edição nossa.

106
GRÁFICO 33: Trecho 39 (Gravação 02).

Fonte: Edição nossa.

GRÁFICO 34: Trecho 40 (Gravação 01).

Fonte: Edição nossa.


107
GRÁFICO 35: Trecho 40 (Gravação 02).

Fonte: Edição nossa.

A análise de todos os trechos aqui descritos tem como principal unidade perceptiva o
gesto, ainda que, para a compreensão deste, tenha sido necessário adentrar no terreno das
demais conformações estruturais (como as células, trechos e subseções). Afinal, a
compreensão do gesto enquanto um fenômeno estrutural coerente perpassa, evidentemente, a
identificação de seu contexto em termos sintáticos e perceptivos.
Podemos concluir que o mapeamento do fluxo de agógica e dinâmica nas duas
gravações reforçam a ideia defendida de que a percepção dos agrupamentos e
direcionamentos gestuais é conduzida concomitantemente em níveis sintáticos diferentes.
Nota-se claramente que a identificação de perfis, em ambos os parâmetros analisados, ocorre
de modos diferentes em cada segmento analisado. Por exemplo, em um determinado trecho a
visualização de um perfil agógico ocorre em um plano macroestrutural, correspondendo a um
movimento fraseológico que compreende todo aquele material. Isso é percebido quando o
perfil agógico e/ou dinâmico desenvolve-se no trecho como um todo. Em outro segmento, por
outro lado, os perfis podem ser somente identificados em fragmentos menores dos gráficos,
como nos gestos e células no interior dos trechos. Entretanto, em alguns casos, o agrupamento
108
e o direcionamento se dão em unidades perceptivas paralelas, pois ocorrem (ou são
observáveis através dos gráficos) em mais de um nível estrutural concomitantemente.
Com efeito, as observações apontadas na análise se fazem relevantes uma vez que as
representações gráficas nos forçam a adentrar em níveis de detalhamento na escuta antes não
observados, o que nos faz entender o conteúdo expressivo da obra a partir das camadas mais
intrínsecas do fenômeno sonoro. Isso é interessante, pois a interpretação da obra passa a ser
compreendida (e avaliada) a partir de um “ponto de escuta” criado com base em informações
visuais geradas nas representações gráficas. Assim, as várias camadas da organização formal
de Tetragrammaton XIII puderam ser entendidas, primordialmente, em um âmbito perceptivo
– sobretudo pelo viés da interpretação musical – indo para além de uma abordagem que
estivesse pautada exclusivamente na notação musical.

109
4. UMA INTERPRETAÇÃO DE TETRAGRAMMATON XIII

A fim de realizar uma terceira gravação para esta dissertação, foi construído um mapa
interpretativo (concepção) a partir dos elementos observados na análise das duas gravações
preliminares. Esse é o foco inicial deste capítulo. Em seguida, no tópico subsequente, alguns
trechos da gravação são analisados com o software Sonic Visualiser com o objetivo de ilustrar
cada uma das principais questões interpretativas perseguidas com base no mapa elaborado.
Considerando que um dos objetivos da pesquisa foi compreender a utilização da
análise de gravações como um artifício para fomentar um aguçamento da escuta que
colaborasse no processo de construção de uma concepção interpretativa, podemos detectar
que a elaboração do mapa interpretativo configura-se como um produto mais relevante do que
a própria Gravação 03. Esta, por sua vez, é entendida como registro de uma das instâncias
dentre as múltiplas possíveis performances viabilizadas a partir do mapa interpretativo. Em
outras palavras, esta última gravação realizada no contexto desta pesquisa, não deve ser
compreendida como o ponto final do processo interpretativo, mas como mais um ponto (uma
instância) de um processo dinâmico que continua indefinidamente. Ou seja, é o último
registro feito nesta pesquisa, mas não a possibilidade última que finalizaria definitivamente o
processo interpretativo. Isso significa que não se atribui a tal gravação um caráter estático
dentro de um processo que, desde o início dos trabalhos, foi compreendido como dinâmico e
contínuo. Vale também ressaltar que o mapa interpretativo apresentado abaixo é resultado da
vivência desta pesquisa em específico, mas não é o único possível para a obra em questão.

4.1 Construção de um mapa interpretativo

A criação do que denominamos, aqui, como mapa interpretativo direcionou o estudo e


a preparação da obra para a Gravação 03. Todos os assuntos levantados nas discussões das
análises das gravações preliminares conduziram à criação do mapa interpretativo. Em outras
palavras, as informações extraídas das análises tornaram-se princípios que nortearam a
criação de uma concepção interpretativa de Tetragrammaton XIII e a elaboração de um mapa
com indicações interpretativas descritas na partitura.
É importante ressaltar que nem todas as indicações apresentam uma correlação direta
com gráficos apresentados na análise das gravações preliminares, afinal, não discutimos,
naquele capítulo, todos os trechos da obra. No entanto, todas aquelas informações obtidas nos
gráficos analisados modificaram o modo como passamos a compreender (e escutar) todo o
110
restante da obra. Assim, as indicações interpretativas contidas no mapa possuem, direta ou
indiretamente, suas origens nos resultados das análises, pois os conteúdos levantados
propiciaram uma compreensão da obra, a qual gerou os princípios interpretativos adotados.
Portanto, não foram necessariamente os dados pontuais extraídos dos gráficos que geraram o
mapa – e sim, a concepção que surgiu da interpretação dos dados das análises.
Em um plano macroestrutural foram apontados como conteúdos para nortear a
interpretação da obra: o princípio da descontinuidade temporal; a densidade como geradora da
percepção temporal; os contrastes entre tempo liso e tempo estriado; e a percepção das
proporções de cada seção. No plano microestrutural, foram levantados: o direcionamento
gestual; o agrupamento (e desagrupamento) de notas para formação dos gestos; a divisão de
planos sonoros; e, ainda, a identificação dos níveis perceptivos e estruturais (subseções,
trechos, gestos e células). Dado isto, o desafio interpretativo consistiu na intersecção dos
elementos micro e macroestruturais, de modo que estes se projetassem na concepção
interpretativa e, posteriormente, na própria performance da obra.
A indicação “Movido” no princípio da partitura sugere o caráter adotado. O
andamento geral é pensado conforme a indicação do compositor (semínima cerca de 66 bpm).
Concordamos que este andamento oferece condições para que a condução dos gestos seja
construída com clareza mantendo-se, ainda, a energia necessária do caráter sugerido. O
cuidado com o andamento é primordial nesta obra, pois há uma tendência geral de aceleração,
o que prejudicaria, assim, a clareza e a precisão do movimento gestual. Além disso, o
andamento é um fator importante no contraste entre as seções.
A intenção geral de execução na Seção A perpassa a manutenção de uma condução “a
tempo”. Entretanto, entendemos que há diversos pontos em que é necessária a utilização de
pequenas cesuras (respirações), uma vez que estas promovem uma maior distinção entre
trechos e/ou gestos com materiais contrastantes. Um exemplo da adoção do delineamento de
eventos (agrupamento ou separação de gestos ou trechos) por uso de recursos agógicos nesta
primeira seção está no excerto que compreende as transições entre os Trecho 7 e 8; 8 e 9; e,
10 e 11 – compassos 19 e 20; 23 e 24; e início do compasso 30, respectivamente (ver
segmentação no Apêndice A). As respirações são indicadas no mapa pelo símbolo ( , ) – ver
Figura 22.
Adota-se uma opção interpretativa que parte da observação dos gráficos analisados no
Capítulo III (Gráficos 13 e 14). A opção agógica adotada nas gravações preliminares é
mantida neste mapa. O uso das respirações reforça uma inflexão voltada ao gesto inicial de

111
cada trecho, apoiando-se o grupo gestual na cabeça do primeiro pulso dos compassos 20 e 24,
e do terceiro pulso do compasso 30. Compreendemos esses gestos, que possuem contornos
rítmico-melódicos semelhantes, como eventos importantes nesse momento da obra, pois
possuem características, diríamos, motívicas no excerto exemplificado e, assim, os adotamos
como parâmetro para a segmentação dos trechos. Desse modo, o efeito agógico produzido
pelo uso de tais respirações, em nossa interpretação, favorece a percepção da organização
estrutural adotada.
A dinâmica é também pensada a partir dessa disposição dos trechos. O acréscimo do
sforzando nos compassos 20 e 24 amplia a intenção de delinear o gesto a partir dessa inflexão
inicial dos trechos. O uso da indicação ‘suave’ no compasso 30 também reforça, por contraste
dinâmico, a transição dos Trechos 10 e 11 (compasso 30), uma vez que o Trecho 10 é
finalizado em dinâmica forte.

FIGURA 22: Excerto do mapa interpretativo. Compassos 17 a 31.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

112
O delineamento de eventos também pode ser pensado por contraste dinâmico. Neste
mesmo excerto, os compassos 17 a 19 (Trecho 7) são pensados desta maneira. É evidente a
confluência entre os materiais dos compassos 17 e 19 - acordes em quarta com movimento
ascendente e o uso de efeito percussivo. Entretanto, há uma incrustação de material por
justaposição no compasso 18. Essa organização pode ser evidenciada por contraste na
intensidade, o qual é indicado no mapa interpretativo com o uso de piano no material
incrustado. Nesse caso, entendemos que o agrupamento dos gestos fica mais caracterizado
pela manipulação da dinâmica, e não da agógica. O uso de respirações, por exemplo,
interromperia o fluxo pulsante deste momento da peça. Nota-se que, nesse caso, o elemento
expressivo fundamental é a dinâmica, diferentemente do trecho discutido anteriormente
(compassos 20 a 30) em que consideramos a agógica essencial para a projeção da estrutura.
Cabe ressaltar aqui que o excerto deste esse último exemplo (compassos 17 a 19) não
foi analisado nas gravações preliminares e, portanto, não possui um gráfico diretamente
correspondente a ele. Contudo, sua concepção foi pensada a partir da análise de outros
trechos, na qual foram discutidas as questões acerca do delineamento de grupos gestuais por
meio da manipulação de elementos expressivos. Por meio das análises chegou-se à conclusão
que há momentos em que um elemento expressivo é mais preponderante que outro na
projeção das estruturas musicais (sejam elas micro ou macroestruturais), embora saibamos
que todas elas são, evidentemente, conjugadas na execução. Assim, a experimentação de
possíveis agrupamentos de estruturas no decurso de preparação da obra foi importante pra
chegarmos à concepção aqui apresentada. Além disso, acreditamos que os modos como se
agrupam (ou se separam) os gestos e/ou trechos projetados pelos elementos expressivos
possuem efeito no modo com que se percebe a transitoriedade dos eventos e,
consequentemente, na percepção do tempo musical – aspecto importante no pensamento
musical de Roberto Victorio, sobretudo, em Tetragrammaton XIII.
A questão do direcionamento gestual também foi apresentada na discussão das
análises das gravações preliminares. Entre os exemplos demonstrados na Seção A, foi
apontada a disposição gestual do Trecho 1. Foram evidenciados os perfis agógicos e
dinâmicos que compunham a condução dos dois gestos que formam o trecho. (ver Gráficos 5
e 6). A compreensão desses gráficos levou à observação desse aspecto expressivo, explorando
as possibilidades de direcionamento dos gestos (condução), na obra como um todo. Buscou-se
entender, a partir do delineamento dos grupos gestuais, quais os pontos de “chegada” e

113
“partida” dos gestos, levando em consideração as evidências estruturais explicitas na
escritura. Vejamos o exemplo no Trecho 1, apresentado na Figura 23:

FIGURA 23: Excerto do mapa interpretativo. Trecho 1 (Compassos 1 e 2).

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

O argumento principal na adoção da condução indicada na Figura 23 consiste no


reconhecimento dos perfis melódicos ascendentes em ambos os gestos. Os movimentos
gestuais são conduzidos às notas mais agudas, adotando-se, assim, uma perspectiva mais
próxima daquela realizada na Gravação 02. Entretanto, cabe ressaltar que as indicações de
dinâmica do compositor são diferentes em cada um dos gestos. O primeiro, inicia-se em ff e é
levado a um mf na nota tocada em harmônico. Isso sugere que, se queremos conduzir o gesto
à nota mais aguda, isso deve ser pensado por meio da agógica. No segundo gesto, o próprio
compositor faz menção a um crescendo em direção ao ponto mais elevado na melodia, o que
reforça a adoção da direção gestual aqui descrita. Questões como essas são levantadas em
diferentes momentos da obra, e estão indicadas no mapa que segue nas páginas adiante. Em
resumo, as setas azuis presentes no mapa interpretativo indicam direcionamento gestual, o que
pode se corporificar por meio da agógica ou da dinâmica conforme cada caso.
Entendemos que a Seção B, constituída por tempos lisos e estriados, é o momento da
obra em que estes contrastes precisam ser mais evidentes. A quebra do caráter “Movido”
sugere, primordialmente, a dissipação da energia desenvolvida na Seção A. Portanto, as notas
escritas sem duração definida podem ser bastante alongadas, promovendo o desadensamento
do tempo. Observou-se, nesta proposição, o contraste entre as notas alongadas e as apojaturas
que devem ser tocadas ‘o mais rápido possível’. Observou-se, ainda, a oposição provocada
entre os trechos com tempo liso e os momentos com tempos estriados. Além disso,
entendemos que o acelerando do trecho 19 (ver partitura no Apêndice A) deve ser tocado com
vigor (conforme escrito pelo compositor) enfatizando, essencialmente, o direcionamento do
gesto. Compreendemos que os intervalos de segunda menor e sétima maior – tanto os escritos
114
melodicamente quanto em acordes – exercem uma posição de destaque na interpretação deste
trecho. O que nos interessou foi a sonoridade resultante do intervalo, e, portanto, é dada
atenção à articulação e ao timbre.
O Trecho a seguir (Trecho 17) ilustra um caso em que a análise das gravações
influenciou a escuta, tornando evidentes aspectos interpretativos antes não observados. A
disposição dos grupos gestuais nesse trecho não foi deliberadamente articulada na ocasião em
que as gravações preliminares foram realizadas. Ao confrontar a audição das gravações com a
visualização dos gráficos de intensidade (Gráfico 22) verificou-se um delineamento gestual
claro. Percebeu-se, a partir disso, que devido à liberdade rítmica do trecho poder-se-ia dispor
os eventos de diferentes formas. Contudo, após experimentar as diversas possibilidades de
agrupamento dos eventos, adotamos – agora deliberadamente – a mesma opção contida
naquelas gravações, conforme vê-se na Figura 24 por meio das indicações de ligaduras.

FIGURA 24: Excerto do mapa interpretativo. Trecho 17.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

Ao retornar o caráter ”Movido” (Tempo 1) na Seção A’ foram observadas todas as


questões levantadas para a Seção A adaptando-as, naturalmente, às particularidades dos
trechos que compõem a Seção A’. Os excertos percussivos exercem um papel fundamental na
interpretação desta seção. O vigor na execução e a precisão rítmica, associados a algumas
suaves intervenções na agógica (respirações) dos trechos que os antecedem e/ou os sucedem
reforçam a percepção da justaposição nos materiais já apresentados e que são reexpostos na
Seção A’. Entendemos que o movimento geral desta seção é conduzido – e direciona-se – ao
gesto final da obra (compasso 97). Portanto, é interpretativamente interessante construir esse
direcionamento de forma gradual, controlando o andamento e a própria energia na execução.
O senso de expectativa na escuta é promovido pelo domínio do direcionamento em todos os
níveis perceptivos.
O uso de respirações na ocorrência dos gestos percussivos pode ser exemplificado no
excerto dos compassos 83, 84 e 85. O material utilizado no compasso 85 é, de certa forma,
correspondente ao material do compasso 83 (ver Figura 25). Há uma inserção, por
115
justaposição, de um evento percussivo no compasso 84. Assim, sugere-se uma respiração
antes e depois do gesto percussivo, a fim de projetá-lo como uma unidade diferenciável no
interior do excerto.

FIGURA 25: Excerto do mapa interpretativo. Compassos 83 a 85.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

Os compassos 64 a 66 exemplificam aspectos fundamentais na projeção da concepção


interpretativa discutida. Ainda que esse excerto não possua correspondência direta com um
dos gráficos gerados com a análise das gravações preliminares, ele possui informações
importantes na indicação dos princípios que nortearam a construção do mapa interpretativo,
pois aponta os mesmos conteúdos discutidos na análise de outros trechos.

FIGURA 26: Excerto do mapa interpretativo. Compassos 64 a 66.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

Um recurso idiomático bastante utilizado em obras para violão, e recorrente em


Tetragrammaton XIII, é o uso de acordes montados para serem executados em cordas presas e

116
sobrepostos a notas fixas executadas em cordas soltas. 38 Nesse exemplo, no compasso 64,
Victorio utiliza uma sequência de acordes de três sons, compostos por um intervalo de quarta
justa (com a quinta e a sexta cordas presas) – descendente por progressão cromática –
acrescida da nota Ré (fixa na quarta corda solta). Sob nosso ponto de vista, os acordes de três
sons compõem um único plano sonoro (principal), enquanto que as demais notas do gesto
compõem uma voz secundária na condução gestual. Temos consciência que, de certa forma,
isso contradiz a escrita do compositor, em que determina as vozes através das hastes das
figuras rítmicas. No entanto, esse outro entendimento também nos parece coerente, pois o
movimento gestual torna-se mais evidente quando tomamos a progressão dos acordes de três
sons como um plano sonoro, distinto das demais notas. Nesse sentido, o direcionamento desse
gesto (em que se pode utilizar uma combinação entre crescendo e um pequeno acelerando)
culmina no primeiro acorde do compasso 65, formado por um acorde de quatro sons, também
dispostos em quartas justas.
O gesto que compreende os compassos 65 e 66 ilustra como é projetado o
direcionamento em diferentes níveis estruturais. Pode-se pensar que o gesto todo, que possui
um perfil de notas ascendente, inicia-se no primeiro acorde do compasso 65 e culmina no
último acorde do compasso 66. Por outro lado, pode-se pensar no direcionamento de cada
uma das células conduzidas aos acordes que antecedem os golpes percussivos (ver Figura 26).
Entendemos que isso pode promover, diríamos, um ‘acúmulo de energia’ a cada microevento,
o que contribuiria na condução do gesto como um todo.
Os exemplos dados até aqui elucidam de forma pontual o tipo de raciocínio adotado
para a construção do mapa interpretativo, assim como sua relação com as informações obtidas
na análise das gravações e a compreensão da obra daí derivada. Outras indicações específicas
em cada trecho são observadas nas marcações presentes na partitura a seguir. As marcações
na cor azul demonstram as intenções expressivas que consideramos pertinentes. As marcações
na cor vermelha ressaltam as indicações já determinadas pelo compositor e que reforçam
algum aspecto específico da interpretação que propomos. Além disso, nos trechos que
consideramos pertinente uma maior explicação dos símbolos indicados, lançamos mão de
descrições no rodapé das figuras. É importante salientar que todas as indicações apontadas

38
Um exemplo de obra que utiliza esse recurso é o Estudo nº 1 para violão de Heitor Villa-Lobos. Nessa obra, há
o uso de uma sequência cromática descendente de acordes diminutos escritos para serem executados nas cordas
2, 3, 4 e 5 do violão. O padrão de arpejo realizado pela mão direita executa as notas Mi das cordas soltas 1 e 6,
que soam como um pedal. Isso cria um efeito em que as cordas soltas modificam a composição intervalar do
acorde diminuto a medida em que os acordes diminutos fazem a progressão cromática.
117
são projeções de como compreendemos a obra, isto é, são proposições interpretativas. A
gravação que encerra este estudo empírico foi concebida a partir desta concepção.

118
FIGURA 27: Mapa Interpretativo. Compasso 1 a 14.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

(i) Divisão de Planos Sonoros.


(ii) A indicação do compositor sugere um crescendo em direção à nota Mi (Pizzicato Bartók). No
entanto, uma possibilidade experimentada foi realizar o ataque percussivo mezzoforte seguido de um
decrescendo, e um ataque forte súbito no Mi em Pizzicato.
(iii) Divisão de Planos Sonoros. Nesse caso, há uma progressão cromática dos acordes de três sons que
os indicam a um movimento em um mesmo plano sonoro.

119
FIGURA 28: Mapa Interpretativo. Compassos 15 a 31.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

(iv) As ligaduras de expressão correspondem aos agrupamentos gestuais estabelecidos. As unidades


são pensadas, nesse caso, pela divisão rítmica. Além disso, a recorrência do acorde Sib/Mib/Dob/Reb
(marcado com ‘apoio’), também justifica o contorno do grupo gestual.
(v) Como já discutido, o gesto é pensado partindo da inflexão no qual o ponto mais forte é primeiro
pulso do compasso 20 seguido de um decrescendo. Sabemos que, ao sugerirmos o perfil dinâmico
dessa maneira, vamos de encontro à indicação do segundo acento (nota Ré). Portanto, nossa indicação
demonstra apenas outra possibilidade interpretativa, diferente daquela proposta pelo compositor.
(vi) Os Gráficos 17 e 18 mostram que nas Gravações 01 e 02, ao contrário do indicado na partitura,
ocorre crescendo. A marcação em vermelho reforça a dinâmica proposta pelo compositor. Esse é um
caso em que a análise contribuiu na identificação de equívocos interpretativos.
120
FIGURA 29: Mapa Interpretativo. Compassos 32 a 44.

Fonte: Victorio (2014) Edição nossa.

(vii) Destaque na condução da voz inferior.

121
FIGURA 30: Mapa interpretativo. Compassos 45 a 54.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

(viii) Observação do espaçamento e esvaziamento da densidade. Contraste entre as seções, assim


como na distinção entre os tempos liso (amorfo) e estriado (pulsado).
122
FIGURA 31: Mapa Interpretativo. Compassos 55 a 67.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

(ix) Incrustação de material percussivo - indicado no uso de parênteses. O contraste dinâmico indicado
reforça a distinção dos eventos.
(x) Observar o deslocamento do apoio provocado pela alteração rítmica das células (síncopa).

123
FIGURA 32: Mapa Interpretativo. Compasso 68 a 80.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

(xi) Distinção reforçada por contraste dinâmico.

124
FIGURA 33. Mapa interpretativo. Compassos 81 a 92.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

(xii) Separação de eventos por contraste na dinâmica.

125
FIGURA 34: Mapa Interpretativo. Compassos 93 a 97.

Fonte: Victorio (2014). Edição nossa.

(xiii) Uso de “elisão” entre os gestos. A direção do gesto anterior coincide com o início do segundo.

4.2 Nova gravação

Com base no mapa interpretativo descrito no tópico anterior, uma nova gravação foi
realizada com a finalidade de registrar uma performance da obra após o processo de análise
realizado. Considerou-se importante retomar, neste outro registro da obra, os principais
pontos levantados na análise das gravações preliminares. Entre eles, destacamos:
a) o direcionamento gestual;
b) o agrupamento de notas para formação dos gestos;
c) a identificação de planos sonoros.
As demais características observadas nos gráficos, como a identificação dos níveis
perceptivos e estruturais (subseções, trechos, gestos e células), não serão especificamente
abordadas por considerarmos que são, de certa maneira, inerentes à discussão dos três pontos
acima mencionados. Além disso, não é o caso de apresentarmos uma nova abordagem

126
macroestrutural da peça. Assim, dedicamo-nos a apontar brevemente segmentos da Gravação
03 que ilustram algumas de suas características microestruturais.

4. 2.1 Direção gestual

Dentre os diversos segmentos passíveis de análise, foi selecionado apenas um exemplo


elucidativo da direção gestual na última gravação. O segmento corresponde ao Trecho 27
(compassos 64 a 66) e demonstra um modo de condução gestual. O mapa interpretativo
desenvolvido aponta para um direcionamento formado em quatro gestos no interior do trecho.
Além disso, foi pensado um movimento gradual em direção ao momento final do excerto.
Nota-se que o movimento agógico é construído por um leve accelerando, ficando mais
evidente na antecipação do pulso 66.10 (último acorde). O decaimento ocorre nas figuras
percussivas. Com base no mapeamento da dinâmica, observa-se a formação dos quatro grupos
gestuais. Os três primeiros apresentam os perfis crescentes de modo mais acentuado. Há no
último agrupamento um perfil menos sinuoso, mas que, ainda assim, demonstra a condução
do gesto.

GRÁFICO 36: Direção gestual do Trecho 27 da Gravação 03.

Fonte: Edição nossa.


127
4.2.2 Agrupamento de notas para formação do gesto

O Trecho 11 (compassos 30 a 32) é elucidativo da identificação de agrupamento de


notas para formação dos gestos. Esses agrupamentos são identificáveis nos perfis agógicos e
dinâmicos. A conformação desses perfis indica a maneira como foi delineada,
expressivamente, a organização dos materiais na composição dos níveis estruturais (como já
discutido, os gestos, células etc.). Alguns desses perfis corroboram as formas de organização
dos grupos conforme a escrita da obra. No entanto, outros perfis promovem maneiras
diferentes de agrupar as figuras notadas pelo compositor. Isso, de certa maneira, permite
inferir que a formação – e a percepção – dos gestos se dá também nos modos de manipulação
expressiva dos materiais, e não somente na organização deles conforme a escritura.
O trecho abaixo apresenta os três grupos gestuais identificáveis com o mapeamento da
dinâmica. Três perfis dinâmicos são gerados e compreendem o delineamento dos grupos
gestuais – embora o segundo gesto possa também ser compreendido nas duas células que o
constituem. Ainda que de forma não tão evidente quanto a dinâmica, o comportamento
agógico também suscita os mesmos grupos. No entanto, o gráfico de agógica ressalta as
conformações em níveis mais microestruturais, em que podem ser levantados os conjuntos de
células.

GRÁFICO 37: Trecho 11 da Gravação 03. Agrupamento de notas para formação gestual.

Fonte: Edição nossa.


128
4.2.3 Planos sonoros

A divisão de planos sonoros também foi abordada na análise das gravações


preliminares, e foi, consequentemente, objeto de atenção na construção do mapa
interpretativo. A identificação dos planos sonoros nas representações gráficas só foi possível
nas ocasiões em que as notas de uma voz aparecem como contratempo em relação à outra. A
ferramenta utilizada no Sonic Visualiser consegue ler apenas a amplitude sonora total,
resultante da junção das vozes. Entretanto, quando as notas das diferentes vozes não são
articuladas concomitantemente, é possível observar a divisão em planos sonoros em gráficos
que mapeiam a intensidade dos eventos. São utilizadas duas ferramentas de extração dos
dados de dinâmica, a saber: Smoothed Power e Smoothed Power Slope.39 O exemplo abaixo –
compasso 5 – demonstra como as duas ferramentas podem auxiliar na identificação do
comportamento dinâmico localizando a divisão dos planos sonoros. As marcações elevadas
no quadro superior (Smoothed Power) mostram a condução do gesto ressaltando a voz inferior
(acordes em quartas) e sua leve condução em crescendo. O quadro inferior (Smoothed Power
Slope) demonstra com maior nitidez a diferenciação dinâmica entre as vozes.

GRÁFICO 38: Compasso 5. Exemplo de divisão de planos sonoros.

Fonte: Edição nossa.

39
As características de cada uma das ferramentas estão descritas no tópico 3.1 desta dissertação.
129
Cabe ressaltar que este tópico visa ilustrar, a partir desta nova gravação, os aspectos
extraídos das análises das gravações preliminares que consideramos importantes. Assim, a
exposição destes exemplos não possui a pretensão de avaliar ou legitimar a gravação
realizada, ou mesmo ainda de averiguar o quanto a concretização em performance está
próxima (ou não) de sua concepção interpretativa. Buscamos entender o uso da análise no
processo de construção interpretativa e não como ferramenta de validação de uma
performance específica.
Assim, é preciso lembrar, conforme um apontamento anterior, que o mapa
interpretativo é um resultado mais relevante do processo do que a própria Gravação 03. Esta,
entretanto, conclui esta pesquisa – o que não fecha a obra a outras possibilidades de
interpretação e performance. Poder-se-ia sugerir uma nova análise, que fomentaria uma nova
gravação, que, por sua vez, demandaria outra análise, e assim continuamente em uma
constante retroalimentação entre as performances gravadas e suas análises. Tal continuação
demandaria desdobramentos ulteriores da pesquisa proposta numa cadeia interpretativa
infinita. Portanto, é nesse sentido que argumentamos que a pesquisa desenvolvida é um
recorte de um processo que, de forma mais abrangente, deve ser compreendido como
contínuo, infinito e sempre inacabado.

130
5. ANÁLISE, ESCUTA E INTERPRETAÇÃO MUSICAL: CONCLUSÕES SOBRE O
PERCURSO REALIZADO

A partir do estudo da obra Tetragrammaton XIII, descrito nos capítulos anteriores,


bem como do referencial teórico adotado, desenvolvemos algumas reflexões acerca do uso
desse modelo de análise no processo de interpretação musical. O exercício reflexivo
considerou em que medida a análise das gravações fomentou a expansão da escuta e
contribuiu no processo de construção interpretativa da obra. O esforço, portanto, consistiu em
uma avaliação do nosso próprio processo, debruçando-se sobre as especificidades do uso
dessa ferramenta analítica pouco usual no campo das Práticas Interpretativas. São levantados
dois eixos de reflexão – um primeiro que traça as relações entre a análise de gravações e a
expansão da escuta; e um segundo que desenvolve as perspectivas entre a análise de
gravações e a interpretação (tomando-se, nesse caso, a obra Tetragrammaton XIII como
referência).

5.1 Análise de gravações e a expansão da escuta

O reconhecimento da escuta enquanto aspecto fundamental da realização musical se


deve, de forma significativa, ao Tratado dos Objetos Musicais de Pierre Schaeffer, publicado
em 1966, bem como à criação da música concreta. O interesse na escuta enquanto objeto de
estudo acadêmico decorre, igualmente, das contribuições de Michel Chion e Dennis Smalley
no desenvolvimento da teoria schaefferiana. Além disso, esse interesse ocorre na medida em
que o desenvolvimento da poética musical perpassa as discussões sobre os limites da
percepção musical. O advento do aparato tecnológico que permitiu a produção do que hoje
denominamos como música eletroacústica, foi fundamental para se questionar os limites do
fazer musical. Schaeffer (1988) [1966] já apontava na década de 1960 que os limites da
música deixaram de ser os da lutheria e os da técnica instrumental, e passaram a ser os do
próprio ouvido.
Como foi possível observar, a literatura produzida até os dias atuais que discorre sobre
o tema preocupa-se com a escuta ora sob a perspectiva do ouvinte – isto é, daquele que
aprecia – ora sob o pensamento do compositor, tendo em vista os processos composicionais
na música contemporânea, sobretudo os da música eletroacústica. Ainda que esse aparato
teórico seja de fundamental importância para a compreensão da escuta na produção musical
131
como um todo, não se têm discutido de maneira ampla e consistente as especificidades no
campo das práticas interpretativas. Ainda que existam importantes publicações que se
proponham a compreender a escuta (ver, por exemplo, CHUEKE, 2000; 2005), entendemos
que os estudos da escuta sob o viés das práticas interpretativa são incipientes.
Uma sistemática compreensão dos processos de escuta inerentes à prática
interpretativa contribuiria, a nosso ver, para auxiliar os intérpretes a fundamentar seus
processos criativos voltando suas atenções (e intenções) ao aspecto sensível do fazer musical.
Consideramos que a escuta é o princípio essencial da interpretação musical e, em razão disso,
entendemos que o intérprete deve conceber seu desenvolvimento musical em torno de uma
permanente expansão da escuta. Denominamos, aqui, como escuta expandida aquela que vai
para além da superficialidade, que adentra no universo do detalhe, e que se propõe a
compreender tanto os aspectos intrínsecos (espectro-morfológicos) dos sons (tais como, por
exemplo, as qualidades tímbricas, as possibilidades de articulação, dinâmica e manipulação
agógica) quanto as associações desses aspectos aos planos sintático (forma e estrutura) e
semântico (significado musical) das obras interpretadas.
Em virtude disso, reconhecemos que a escuta é a condutora de todo o processo de
criação interpretativa – processo que se inicia nos primeiros contatos com a obra (seja através
da leitura da partitura, seja pela apreciação da execução de outros intérpretes), envolve a
decodificação do texto musical (escrita), a decifração da escritura (pensamento musical), o
desenvolvimento técnico necessário à execução da peça, assim como a própria manipulação
(experimentação das possibilidades expressivas) dos materiais durante o estudo. Assim, em
todos esses momentos, a escuta é o ambiente que conduz à criação. Essa condição essencial
da escuta para com a prática musical, na qual ressaltamos a prática interpretativa, é descrita
sugestivamente na fala de Schaeffer, extraída do texto de Alexandre Ficagna: “Se existe uma
máquina de calcular para calibrar a música, nós possuímos uma, prodigiosa, portátil,
econômica: Senhores, é nosso ouvido” (SCHAEFFER, 1967 apud FICAGNA, 2007, p. 11).
Dada essa relevância do reconhecimento da escuta para as práticas interpretativas, é
significativo discutir estratégias para seu fomento nesse contexto. O uso das ferramentas
computacionais de análise musical tem corroborado nesse sentido. O estudo empírico
realizado demonstrou algumas possibilidades de utilização do software Sonic Visualiser para
o aprimoramento de habilidades de escuta necessárias à interpretação.
Na busca por alicerçar a reflexão sobre os processos de escuta utilizados na preparação
de Tetragrammaton XIII, a teoria schaefferiana sobre os modos de escuta, bem como os

132
desdobramentos realizados por Chion e Smalley, mostraram-se adequados, sobretudo para a
tomada de consciência de processos comuns, sempre vivenciados pelos intérpretes, porém não
tão evidentes até então. A fim de compreender o tratamento da escuta no campo da
interpretação musical, imaginemos, como exemplo, um possível exercício de escuta a partir
do arpejo final da segunda seção de Tetragrammaton XIII:

FIGURA 35: Arpejo final da Seção B.

Fonte: Victorio (2014).

Acompanhando Chion (2009, p. 33), podemos afirmar que, no contexto da música


instrumental, o excerto citado pode ser considerado um objeto sonoro, pois é entendido como
uma unidade de sons composta de vários microeventos ligados por uma forma, e, na
qualidade de objeto sonoro, esse evento sonoro torna-se passível de uma escuta reduzida (ou
a algo que se aproxime desta). Ao executar o arpejo apresentado, o intérprete pode observar,
por meio da escuta, as características espectro-morfológicas do objeto, isto é, suas qualidades
sonoras intrínsecas. Com efeito, uma escuta atenta ao conteúdo espectral corresponderia, por
exemplo, à verificação do timbre e da sonoridade produzida pela sobreposição de notas (efeito
campanella). Uma prática de estudo voltada a esse aspecto consistiria na manipulação
deliberada do timbre no instrumento (sul tasto, ponticello, etc), bem como na identificação
das possibilidades de digitação que forneceriam novas configurações de sobreposição de
notas, o que alteraria a conformação espectral do objeto. Uma escuta atenta à sua morfologia
preocupar-se-ia com o comportamento dos sons ao longo do tempo em termos de intensidade,
duração, sustentação, etc – o que corresponderia a elementos expressivos como a dinâmica,
agógica e articulação.
Entretanto, para a atividade interpretativa, as qualidades intrínsecas de um objeto
sonoro não são tão significativas quando pensadas isoladamente de seu contexto musical. A
compreensão do significado musical do trecho se dá, segundo Schaeffer, pela escuta
semântica. É por meio dela que se pode inferir que o excerto exemplificado possui

133
propriedades que se evidenciam a conclusão de uma ideia musical desenvolvida ao longo de
toda uma seção (Seção B).
Contudo, o próprio Schaeffer já havia alertado que a distinção entre os modos de
escuta tem um efeito muito mais discursivo do que determinante. Afinal, a escuta, na
realidade, não se fragmenta exatamente dessa maneira. Os modos de escuta não acontecem
isoladamente. Por exemplo, uma intencionalidade de escuta voltada às qualidades espectro-
morfológicas é mais determinante ao projetar um significado musical. Os modos de
articulação, agógica e dinâmica sugerem a maneira como um objeto sonoro será
compreendido no contexto em que se insere na obra. Do mesmo modo, a compreensão
semântica motiva a configuração sonora de um objeto, isto é, ela determina como deve ser
executado o arpejo – quanto às suas propriedades expressivas – para que se projetem as
características estruturais estabelecidas pela escritura. É evidente, portanto, que a escuta
semântica e a escuta reduzida se interagem. Assim, o conceito de escuta interativa de Smalley
(1996) se faz importante para a discussão da escuta no contexto das práticas interpretativas,
por justamente reconhecer a congruência entre as duas escutas.
O exemplo mencionado acima retrata como diferentes modos de escuta podem
comunicar-se no exercício interpretativo. Contudo, a aproximação com o modelo de análise
musical proposto ainda faz-se necessária. Para isso tomemos outro exemplo a fim de ilustrar
as estratégias de escuta desenvolvidas através da análise de gravações. Observemos, agora, o
modelo de representação gráfica que, neste exemplo, corresponde ao Trecho 1 (Gravação 01):

FIGURA 36: Modelo de representação gráfica do (Trecho 10 - Gravação 01).

Fonte: Edição nossa.


134
Cada um dos gráficos na figura (intensidade – quadro superior – e andamento – quadro
inferior) apontam conteúdos intrínsecos do evento sonoro representados isoladamente. Isto é,
cada gráfico indica ao analista o comportamento de apenas um parâmetro sem relacioná-lo, de
imediato, com os demais parâmetros. Essa forma de representação, a princípio, pode parecer
um pouco desconectada da realidade da escuta, pois considera cada elemento expressivo de
forma fragmentada. Entretanto, enquanto exercício analítico, essa característica torna-se
interessante. É promovida uma dimensão na escuta voltada a um ponto específico da realidade
sonora, por exemplo, o comportamento dinâmico ou o comportamento agógico. A
representação gráfica induz a intenção de escuta para um aspecto pontual desses sons. Cabe
ao analista, a partir de então, correlacionar as informações de cada gráfico a fim de ter uma
percepção holística do evento estudado. Aliás, ao longo deste trabalho, foi nossa intenção
conjugar os dois modelos de gráficos em uma única figura para que se possam observar suas
conexões.
Podemos especular, nesse sentido, que o exercício descrito aproxima-se da escuta
reduzida de Schaeffer uma vez que induz o analista a tender40 sua atenção a um parâmetro
isolado a fim de observá-lo quanto às suas características intrínsecas. No entanto, como dito
anteriormente, o que é fundamentalmente importante para a interpretação musical são os
desdobramentos desse tipo de escuta. É necessário que se trace o paralelo entre as
características expressivas de cada evento com seus significados no contexto musical da obra.
Assim, um segundo exercício é necessário, agora, mais próximo da escuta semântica de
Schaeffer. Observa-se, portanto, novamente a intersecção entre as duas escutas e a
aproximação do conceito de escuta interativa desenvolvida por Smalley.
É importante fazer algumas considerações sobre a interpretação dos dados obtidos
pelo software. A evidente fragmentação dos dados e das informações de expressividade não
torna necessariamente a atividade analítica uma atividade desconectada da realidade de escuta
na interpretação. Os dados são fragmentados, mas a análise em si não o é. A análise se dá, de
fato, na conexão dos dados e na intersecção com a escuta. Portanto, é exigida do analista a
capacidade de correlacionar dados entre cada um dos gráficos, entre a partitura e as
representações gráficas, e, tudo isso, com o exercício de escuta.
Outro ponto a ser levantado diz repeito ao fato de que a escuta, fomentada por esse
modelo de análise, está inteiramente aliada ao aspecto visual das representações. O que se vê
40
Talvez possa ser feita a correspondência com o terceiro modo de escuta do quadro de Schaeffer – entender (ou
entendre, no francês). Como já apontado no referencial teórico, o verbo provém de ‘tender para’, ‘ter uma
atenção’. Assim, nesse modo de escuta volta-se à percepção do fenômeno sonoro em si, segundo a observação de
propriedades específicas do som, de forma que há uma seleção do que se quer perceber.
135
(nos gráficos) determina como se ouve. Assim, na interpretação dos dados deve-se levar em
conta que, em boa parte da análise, o que interessa é muito mais o “desenho” dos gráficos do
que os dados numéricos em si. Há casos em que a informação puramente visual é muito mais
significativa do que a informação precisa dos números. Portanto, no exercício analítico, é
interessante que se encare os gráficos como guias para a escuta, semelhante às partituras de
escuta, comuns na música eletroacústica.
Um exemplo alusivo a isso diz repeito a ouvir uma música acompanhando sua
partitura. É fato que o apoio de uma representação gráfica conduz a atenção a aspectos
direcionados pelas informações visuais contidas na partitura. Provavelmente, muito do
conteúdo musical da obra é salientado em razão das informações obtidas no texto musical,
tornando-se mais perceptíveis do que em uma escuta superficial. A diferença entre o uso da
partitura e o caso específico das representações gráficas geradas pela análise das gravações é
que a primeira oferece informações visuais prescritivas, isto é, sobre como deverá soar a obra,
enquanto que a segunda fornece informações sobre o conteúdo expressivo de uma
performance já concretizada. É interessante, ainda, que o analista/intérprete utilize ambas as
ferramentas de modo a confrontar os dois tipos de representação. É nesse sentido que
apontamos esse modelo de análise como uma ferramenta que nos leva a “pontos de escuta”
diferentes daqueles que tradicionalmente nos colocamos.
Em se tratando de um modelo analítico que é fundamentalmente comparativo, ou seja,
que busca entender, do ponto de vista da expressividade, as divergências e confluências entre
duas ou mais gravações, as representações gráficas funcionam como ampliadores da escuta.
Uma analogia simbólica pode ser feita com as ferramentas que ampliam figuras em software
de geração de imagens. Há momentos em que as diferenças auditivas entre duas gravações
não são muito perceptíveis, contudo os dados de análise mostram quais são os aspectos e
quais são os pontos específicos em que se configuram as diferenças. O exercício analítico-
auditivo adentra, nesse momento, o universo do detalhe, em que dados microestruturais
emergem, são trazidos “aos ouvidos” e ampliados. A partir daí, essas diferenças passam a ser
percebidas de forma mais natural, observadas mesmo quando em escutas mais superficiais.
Portanto, é nesse percurso, fomentado pela utilização de uma ferramenta computacional de
análise, que se dá o que denominamos, aqui, de expansão da escuta.

136
5.2 Perspectivas entre a análise das gravações e a interpretação de Tetragrammaton XIII

Defendemos, ao longo deste trabalho, o posicionamento de que a obra é, em sua


essência, inacabada e dinâmica de tal modo que seu movimento criativo é constante e
perpassa todas as instâncias do processo interpretativo. A postura do intérprete, a nosso
entender, deve reconhecer esse potencial criativo perante a construção do discurso musical,
mas ao mesmo tempo é exigido dele a responsabilidade no tratamento da escritura musical.
Assim, o processo interpretativo é, com efeito, um processo criativo, uma vez que toma as
inerentes lacunas representacionais da escrita como seu principal ambiente de criação, mas
depende indubitavelmente da compreensão dos modos em que ocorrem tais lacunas em cada
obra estudada. Nesse complexo, a escuta é reconhecida em seu papel integralizador, pois
promove a comunicação do intérprete àquilo que a escrita não dá conta (e, naturalmente, nem
se propõe a dar), isto é, ao plano sensível da música. Desse modo, a análise das gravações
vem auxiliar o intérprete, por meio da expansão da escuta, na observação do tratamento
interpretativo quanto aos aspectos da expressividade e contribui para a decifração da escritura.
Em nossa pesquisa, esta observação deu-se através da análise das próprias gravações, o que
promoveu uma postura autoavaliativa frente ao processo criativo.
Temos consciência da impossibilidade de reconhecer e descrever em detalhes todo o
processo que leva à criação de uma concepção interpretativa, ainda que façamos um imenso
esforço metacognitivo para isso. É improvável a consciência de todo o dinamismo criativo.
Durante o processo estamos imersos em inúmeras informações (novas ou anteriormente
internalizadas) que influenciam, num plano consciente ou inconsciente, as escolhas
interpretativas. É certo que parte delas são deliberadamente determinadas. Já outras
ultrapassam o nível da consciência. Ainda assim, consideramos válida a tentativa de
reconhecer, a partir de uma postura reflexiva, como se deu o processo de criação da
interpretação de Tetragrammaton XIII, sobretudo na identificação dos modos de interação
com a ferramenta analítica utilizada.
O primeiro momento de contato efetivo com a obra foi destinado à sua compreensão
geral, perpassando a leitura inicial, a identificação de suas características principais por meio
de uma análise da escritura, a busca por uma literatura que pudesse contribuir com a
contextualização musicológica e o entendimento do pensamento composicional de Roberto
Victorio. Reuniram-se informações que nortearam o registro da obra em duas gravações
preliminares, evidenciando duas variações interpretativas conceitualmente distintas.

137
A essa altura, já estavam concebidas as características gerais da obra. A compreensão
geral da escritura de alguma maneira motivou o princípio norteador da interpretação.
Elegemos o tempo musical como parâmetro prioritário de enfoque analítico-interpretativo.
Assim, tínhamos alicerçado a interpretação no parâmetro fundamental de projeção do
pensamento composicional de Victorio. A análise da escritura realizada revelou um
tratamento do tempo que foge da abordagem que tradicionalmente o entende como uma
sucessão de durações (ritmos), mas sim que o trata como um parâmetro vinculado ao plano
perceptivo. Nesse sentido, a eleição desse norte foi ao encontro tanto dos apontamentos sobre
a escuta – que se destinavam à argumentação sobre a esfera fonológica do fazer musical –
quanto da escolha de um modelo analítico que se propõe a justamente tomar o plano
perceptivo da música como objeto.
Dessa forma, foi possível por meio da análise das gravações preliminares uma melhor
observação e conscientização das características de organização do tempo musical na obra,
quais sejam: o princípio da descontinuidade temporal (não linearidade do tempo promovida
pela justaposição de materiais distintos), a densidade como geradora da percepção temporal,
os contrastes entre o uso do tempo liso e do tempo estriado, e o senso de proporção entre cada
seção. As conformações espectrais ressaltam visualmente o comportamento dos materiais no
tempo e possibilitaram a identificação do conteúdo gerador da percepção da densidade. Por
meio dos gráficos de duração das seções, especulou-se sobre a manipulação – talvez
consciente por parte do compositor – da proporção das durações e sua correlação com o
tratamento da densidade.
É possível que se argumente que uma escuta sem o auxilio das ferramentas de análise
também promoveria a conscientização das características singulares da peça. De fato, a
consciência se dá muito mais por uma atitude de escuta do que pelos dados em si, mas
também é certo que há informações que apenas são possíveis de serem obtidas via análise,
como, por exemplo, a proporção das durações em cada seção e as informações espectrais.
Ainda em um plano macroestrutural, a contribuição da análise das gravações para a
compreensão da escritura seguiu no sentido da identificação de uma segmentação coerente.
Como já dito, uma obra como esta poderia ser segmentada de várias maneiras, argumentando-
se a partir de unidades sintáticas e perceptivas diferentes daquelas abordadas neste trabalho.
Entretanto, as informações gráficas vieram a confirmar a possibilidade adotada por meio da
observação dos perfis agógico e dinâmico nos trechos abordados. Alguns dos perfis apontados
correspondiam a movimentos fraseológicos que envolviam um trecho como um todo. Em

138
outros momentos, os perfis foram identificados em fragmentos menores dos gráficos, como
nos gestos e células no interior dos trechos. Já em outros ainda, os perfis foram visualizados
em mais de um nível estrutural, observados de forma sobreposta.
No campo das microestruturas, o modelo analítico permitiu adentrar, em detalhes, o
ambiente das conformações gestuais sob a perspectiva dos componentes expressivos, tais
como a agógica, a dinâmica, e eventualmente, a articulação. Ao confrontar as informações em
cada gráfico, estabeleceu-se o mapeamento do direcionamento em cada gesto, trecho ou
célula. Além disso, verificou-se como ocorreram os agrupamentos de notas para a formação
do movimento gestual. Todas essas informações motivaram insights para um tratamento das
minúcias na execução dos materiais.
Haja vistas estas informações, foram levadas em conta para a elaboração do mapa
interpretativo exposto no Capítulo 4 as seguintes questões: os pontos de partida e chegada dos
gestos, bem como seus pontos de apoio; a delimitação dos grupos; a inserção de cesuras
temporais com o propósito de tornar as delimitações mais acentuadas; a caracterização de
materiais como incrustações no tempo; a caracterização dos momentos em que a articulação é
o parâmetro que determina a divisão gestual, como nos trechos em que há o efeito
campanella; o uso de ‘elisões’ gestuais; a divisão de planos sonoros; e a delimitação do
movimento gestual por escolhas na dinâmica.
Todas as questões levantadas revelam as principais informações resultantes da
interação com a ferramenta analítica, que no decurso interpretativo alimentaram o estudo da
obra e fomentaram a criação da interpretação proposta. O exercício analítico realizado nesta
pesquisa reitera o discurso da reciprocidade entre a análise e a performance (que incorpora a
interpretação). A análise ofereceu fundamentos para a criação da interpretação, ao mesmo
tempo em que as performances ofereceram pressupostos acerca da própria atividade analítica.
Portanto, foram tratadas enquanto atividades interatuantes rompendo, na medida do possível,
as barreiras entre teoria e prática. Os papéis do analista e do intérprete tornaram-se
indissociáveis. Ao mesmo tempo em que foram construídas análises das performances
gravadas, tornaram-se também análises para a performance ao longo do decurso criativo.41
A tradicional perspectiva entre análise e performance – que as tratam em um discurso
unidirecional, isto é, que a análise (geralmente do texto) edificaria a performance – é rompida
neste caso. A performance possibilita as especulações analíticas com a utilização do software,
cujas conclusões articulam novos pontos de vista sobre a interpretação – o que demonstra a

41
Para aprofundamento nesse assunto ver Cook (1999): Analysing Performance and Performing Analysis.
139
complementaridade entre as duas atividades. Nesse sentido, é falacioso crer que as
informações obtidas pelo software são concebidas a fim de legitimar, ou determinar a
performance. De fato, como demonstrado ao longo da pesquisa, a análise tem contribuições
significativas à interpretação. Mas nota-se que há expressiva diferença quanto à postura do
intérprete entre tomar a análise como um meio para uma possível “verdade” da obra do que
utilizá-la como uma ferramenta que motiva (ou move, fomenta, problematiza e redireciona) a
criação interpretativa. A visão tradicional entende a análise como prescritiva e toma a obra
como dada. Já a abordagem aqui adotada compreende a análise como um caminho à criação e
encara a obra como um processo. Nesse caminho discursivo, reiteramos que, no “rastro”
criativo da interpretação, a análise (em especial a análise de gravações) possui, em sua
essência, um papel instrumentalizador, e não legitimador da performance.
Assim, os limites dessa abordagem analítica são os limites da própria postura do
analista-intérprete frente à sua utilização. Ao mesmo tempo em que há significativas
contribuições do software, é preciso que sejam feitas algumas ponderações. A primeira delas
diz repeito a acreditar que a análise das gravações daria conta de todos os aspectos
expressivos da música. O software gera representações, e, enquanto representações, estas são
essencialmente limitadas, fragmentadas, e oferecem informações parciais sobre o fenômeno
sonoro-musical. O trabalho analítico consiste em exatamente interpretar os dados
fragmentados, e ‘remontá-los’ em direção a uma percepção holística do fenômeno musical.
Assim, a experiência com o software não substitui a própria experiência musical, mas a
instrumentaliza. A segunda ponderação diz respeito ao risco de acreditar que a expansão da
escuta e a conscientização de elementos não facilmente revelados em uma análise tradicional
sejam apontamentos exclusivos do uso do software. Evidentemente, é possível desenvolver
uma escuta que adentre no universo do detalhe, sem nenhum auxílio computacional. A
ferramenta é, no entanto, um mecanismo facilitador do processo.
Por fim, é preciso dizer que analisar gravações não significa apenas saber controlar o
software e todas suas ferramentas, mas, sobretudo, saber ir para além dos dados, pois eles
somente adquirem significado musical a partir de um tratamento reflexivo e por meio de uma
postura que considere a música enquanto arte performática.

140
CONSIDERAÇÕES FINAIS

O trabalho partiu do interesse em compreender o uso de ferramentas computacionais


de análise como possibilidade de fomentar o processo interpretativo. O objeto de pesquisa foi
fundamentado na prerrogativa de que o modelo analítico oferece informações ao
analista/intérprete que vão para além daquelas obtidas pela decifração da escritura, sobretudo
de aspectos referentes ao conteúdo expressivo, tais como agógica e dinâmica. Assim, buscou-
se uma análise dos aspectos intrínsecos do fenômeno sonoro-musical que, por meio da
expansão da escuta, viesse a alimentar a criação interpretativa. Com a finalidade de viabilizar
o estudo, adotamos a obra Tetragrammaton XIII, de Roberto Victorio, para o exercício
analítico-interpretativo. Nesse contexto, propusemos a seguinte pergunta norteadora: de que
forma a análise sonora por meio de software pode fomentar a escuta dos materiais musicais de
uma obra (no caso, Tetragrammaton XIII, de Roberto Victorio), auxiliar a decifração de sua
escritura e contribuir na criação de uma concepção interpretativa? Objetivamos, portanto,
desvelar como a análise sonora pode fomentar a escuta dos materiais musicais, tendo em vista
a criação de uma concepção interpretativa da obra.
Para o desenvolvimento do objeto de estudo proposto buscou-se entender as
especificidades da pesquisa em artes, sobretudo no que tange a perspectiva da subjetividade
do fazer artístico e da criação. Adotamos, portanto, os pressupostos de Santos (2010) sobre a
emergente pesquisa da pós-modernidade, que prevê um conhecimento cada vez menos
dualista e reconhece cada vez mais o caráter autobiográfico e autoreferenciável da
investigação. Consideramos que, com o percurso adotado, em que nos voltamos para o
próprio processo de criação, pudemos refletir sobre as fronteiras que separam o sujeito e o
objeto. Assim, a dimensão ativa do sujeito nesse processo foi plenamente assumida uma vez
que o próprio objeto demandava tal postura.
Com base no objeto proposto, as limitações da escrita musical enquanto forma de
representação foram levantadas, e a hegemonia do texto musical como principal objeto de
estudos musicológicos foi colocada em questão. Assumindo a incompletude do recurso
notacional para a compreensão do fenômeno musical, levantou-se a perspectiva criadora do
intérprete e a horizontalidade entre cada uma das instâncias da realidade musical, isto é, do
compositor, da escritura, do intérprete, do ouvinte etc. O intérprete que adota uma postura
criadora frente à obra reconhece as lacunas representativas da notação e se debruça sobre elas
como principal ambiente de criação.

141
Nessa perspectiva, a escuta emerge como integralizadora do processo interpretativo de
modo que as atenções e intenções do intérprete voltam-se essencialmente à dimensão sensível
da música – ou, segundo o termo de Menezes, à esfera fonológica da música. Embora
tenhamos uma vasta literatura sobre a escuta, o seu desenvolvimento teórico sob o olhar das
práticas interpretativas ainda necessita de maiores investigações. A teoria schaefferiana sobre
os modos de escuta, assim com seus desdobramentos, alicerçaram esta investigação. Foi
reconhecida a interação entre a escuta reduzida e a escuta semântica de Schaeffer como
fundamentais à interpretação.
Dado todo esse contexto teórico, aproxima-se do modelo de análise de gravações
como instrumentalizadora do processo interpretativo, pois a mesma se caracteriza como uma
análise que vai para além do texto (ainda que reconheça sua importância) e ampara-se na
escuta como seu principal ambiente de reflexão analítica. Adota-se uma perspectiva
aproximativa entre a análise e a performance enquanto atividades que fazem parte de um
mesmo processo, o da interpretação musical, e não mais como duas atividades distintas que se
relacionam apenas numa perspectiva unidirecional (da análise para a performance), mas que
se complementam de modo que a performance – e a interpretação – ofereçam também
subsídios para as especulações analíticas. Por fim, a base musicológica da análise de
gravações, fundamentada nos trabalhos do Centre for the History and Analysis of Recorded
Music, foi apresentada e discutida.
O processo analítico-interpretativo vivenciado foi realizado por meio da obra
Tetragrammaton XIII, de Roberto Victorio. A análise da escritura revelou o tratamento do
tempo musical como o principal aspecto de organização estrutural da obra. Assim, foram
discutidos os seguintes pontos: o uso da densidade na percepção de transitoriedade dos
eventos; a construção não linear do tempo, na qual se destaca o uso de tempo liso e estriado
(conforme conceituação de Boulez); as justaposições de eventos diferenciáveis; e a
irregularidade métrica. Assim, tomou-se como princípio interpretativo a noção de tempo
musical e sua manipulação.
A análise das gravações preliminares sinalizou as principais características nelas
presentes. Foi possível entender o conteúdo expressivo de trechos da obra na perspectiva
mais intrínseca do fenômeno sonoro. O processo interpretativo passou a ser compreendido
sob diferentes “pontos de escuta” baseados nas informações obtidas nas representações
gráficas. As gravações de Tetragrammaton XIII puderam ser entendidas, primordialmente, em
um âmbito perceptivo – levando a abordagem, portanto, para além de um plano

142
exclusivamente escritural. Entre os conteúdos observados através da análise das gravações
pode-se inicialmente citar: a descontinuidade temporal e a densidade como geradora da
percepção do tempo; os contrastes entre tempo liso e estriado; e a proporção entre as seções.
Entre as características expressivas, foram levantadas as seguintes: o direcionamento gestual
como modo de delineamento do próprio gesto; o agrupamento de notas para formação dos
gestos; a identificação de divisão de vozes (planos sonoros distintos); e, ainda, a identificação
dos níveis perceptivos e estruturais (subseções, trechos, gestos e células).
Conclui-se, com base no percurso interpretativo realizado, que o exercício analítico
promoveu a expansão da escuta, pois motivou uma percepção voltada ao universo sensível do
detalhe e das microestruturas de Tetragrammaton XIII. Nesse caminho, o modelo de análise
mostrou-se inteiramente vinculado ao aspecto visual das representações, conduzindo a
atenção e a intenção de escuta a diferentes pontos. Conclui-se, ainda, que o discurso de
reciprocidade entre a análise e a performance mostrou-se efetivo sob o entendimento de que
modo os papéis do analista e do intérprete tornaram-se indissociáveis.
Por fim, os métodos de análise de gravação integram-se à perspectiva das Práticas
Interpretativas, de forma que tais recursos analíticos possam também ser empregados como
estratégia na preparação e no planejamento da execução instrumental, sobretudo no
desenvolvimento metacognitivo da prática interpretativa, o que abre, nesse sentido,
possibilidades de desdobramentos dessa pesquisa. A metacognição está vinculada à
autoavaliação do processo, à prática de estudo e à criação de estratégias de estudo.42 Além
disso, a pesquisa salienta a relevância dos meios tecnológicos para a interpretação musical,
ampliando as possibilidades para a decifração da escritura musical, fornecendo estratégias
para a preparação do repertório e, sobretudo, apontando para as atuais perspectivas da
pesquisa musicológica.

42
Ver Hallan (2001): The development of metacognition in musicians – Implications for education.
143
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147
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149
APÊNDICE A – Segmentação das unidades estruturais.

150
151
152
153
154
155
156
157
APÊNDICE B – Tabela de referência dos símbolos para análise dos gráficos.

Tabela de referência dos símbolos para análise dos gráficos

Indicações

Indicações que constam na partitura,


utilizados aqui para ressaltar algum aspecto
específico, ou facilitar a visualização do
gráfico

Ressalta alguma informação específica de


ou alguma nota / acorde / ataque / perfil ou
evento.

, Representa cesura temporal

Demarcação de gesto ou agrupamento de


notas ou acordes

Configurações quanto aos tipos de perfis de agógica ou de dinâmica.

Para efeito de análise é levada em conta a curvatura dos perfis arqueados, a inclinação dos perfis ascendentes e
descendentes, bem como o tamanho dos perfis.

Os perfis se manifestam em todos os planos perceptíveis (células, gestos, trechos, subseção e seção)

Perfil ascendente ou descendente (dinâmica


ou agógica)

Perfil ascendente descendente em direção a


algum evento específico (nota ou acorde)

158
Perfil horizontal (sem movimentação
evidente)

Perfil horizontal seguido de movimentação


ascendente ou descendente.

Perfil descendente ou ascendente seguido de


sustentação horizontal (sem movimentação
evidente)

Perfil arqueado

Perfil sinuoso

159

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