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CONJUGALI DADES CONTEMPORÂNEAS :

A PERSPECTIVA DE OTTO KERNBERG


Ana Lúcia M. P. Antu*es

"O reconhecimento da maneira comptexe


pela qual a amor e a agressâo se fundem e interagen,
na vida do casal, também destaca os mecanismos
pelos quais o amor pode integrar e neutralizat
a agressão, e, em rnuÍÍas-circsnsÍáricÍas,
tríunfar sobre ela. (Kernberg, í 995)'

l- lntrodução

Otto F. Kenberg nasceu em Viena em 1928, estudou medicina,


psÍquÍatria e psicanálise no Ghile e foi para Nova York na década de 60 e lá
permanece até hoje. Sua obra se referencia no aporte teórico de
psicanalistas europeus (anglo-saxônicos e franceses), latino-americanos e
americanos, sendo a possibilidade dessa articulação correlacionada âo fâto
de sua trajetória de vida e sua formação profissional apresentarern
diversidade de influências, Seus conceitos integram contribuições da
psieologia do ego e da teoria das relaçôes de objeto, sem, contudo, deseartar
aspectos de vários outros enfoques.
Na obra de referência deste trabalho, Psicopatotogia das relações
ârnorosas (1995), o autor afirma que "os aspecfos biotogicos consfíÍueín a
matriz em que os aspecÍos psicologicos da experiência sexual podem s€
desenvalver". "Não deve causar surpresa que um livro sobre o amor comece
com uma discussâo sobre as raízes biológicas e psico/ógicas da experiêncía

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sexual" (pag. 3). Desta forma, postula conceitos sobre a evolução e função
da excitação sexual, do desejo erótico e do amor sexual maduro, nas
variantes normais e patológicas, enfatizando a passagem desses fenômenos
sexuais-eróticos do universo intrapsíquico, individual, calcado na primeira
interação mãe-bebê, para a constituição do casal adulto.
"Lago descoôri que era irnpossíve/ esfudar as vicissifudes do
amor sem também estudar as vicissitudes da agressâo, independente de o
foco ser o relacionamento do casal ou o indivíduo". Kernberg enfatiza a
importância dos aspectos agressivos na psicodinâmica conjugal, e, calcado
na teoria psicanalítica das relações objetais, estabelece ligações entre os
conflitos intrapsíquicos, as relações interpessoais, as mútuas influências
entre o casal e seu grupo circundante, apontando a interação do amor e da
agressão em todos esses campos.
Sua formulação teórica enfatiza que ê por meio de uma mútua
identificação projetiva que os casais reencenam "cenários" passados em seu
relacionamento, o que vai dar sustentação à formação de uma zona
inconsciente cornum entre os parceiros na vivência da coniugalidade.
Encontramos conceituações semelhantes em outros teóricos da psicanálise
de casal, tal como Jürg Willi (1975), com o qual será feita breve articulação.
A proposição dessa zona psíquica comum entre os parceiros se
sobressai na seguinte passagem da obra:
"O amor sexual maduro expande o desejo erótico para um relacionamento com uma pessoa
específica, em que a ativação de relacionamentos inconscientes do passado e as
expectativas conscientes de uma vida futura como casal se combinam com a ativaçâo de um
ideal de ego conjunto (grifo nosso). O amor sexual maduro implica num comprometimento
na esfera dos sistemas sexual, emocional e de valores.'(pag. 19, Kemberg, 1gg5,)

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ll - Algumas conceituações relevantes

Excitação sexual
Kernberg sustenta gue a excitação sexual tem um importante lugar
que servem
entre os afetos. Ela tem raÍzes em funçÕes biotÓgicas e em estruturas
posição
ao instinto básico da reprodução no reino animal, mas também ocupa uma
central na experiência psicológica humana. A excitação sexual se desenvolve apCIs
os afetos primitivos, como raiva, alegria e tristeza e o autor assinala que as
proposiçoes da teoria psicanalítica levam à evidência de que a experiência sexual
se origina no contexto das experiências prazeÍosas dos primeiros relacionamentos
intrafamiliares, especialmente no relacionamento do bebê com seus cuidadores.
A excitação sexual, assim como os outros afetos, existe em relação e
um objeto, mas â um 'objeto parcial" primitivo, refletindo as experiências fusionais
de simbiose e os desejos de fusão da fase mais primitiva da separação
individuação. Este afeto, excitação sexual, vai sendo elaborado durante toda i
infância, no contexto das experiências prazerosa§, principalmente por meio dat
relações familiares, e vai culminar nas sensações genitais da puberdade
(

adolescência, passando então a constituir um fenÔmeno psicológico mais complexo


o desejo erótico.

Desejo erótico
A transformação da excitação sexual em deseio erotics se daria n

escolha de objeto sexual, ficando caracterizada na fase edípica, na quat há ut


desejo de fusão simbiótica com o objeto. Kernberg aponta que, em circunstância
patologicas, corno em patologias narcísicas graves, o desmantelamento do mund
interno das relações objetais pode levar à incapacidade de desejo erÓtico, "cot
uma excitação sexual que se expressa como manifestação aleatóría, dífusa, nãt
setetiva e perpetuamente insatisfeita, ou, inclusive, com a ausência da capacidac
de experimentar qualquer excitação sexual que seja'"
Os cuidados da mãe, tanto para o menino quanto para a menin
seriam responsáveis por desenvolver o erotismo da superfície corporal e, ma
tarde, o desejo erotico.
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As características do desejo erótico postuladas pelo autor merecem
serem transcritas em suas palavras:
- O desejo erótico "é.Ltma busca de prazer sempre orientada para
uma pessoa, um obieto a ser penetrado ou invadido, ou gue se é por ele
penettado ou invadido" E um anseio de proxir*idade, fusão e entretaçamento
que implica em cruzar poderosamente uma barreira e tornar-se um com o
objeto escolhido." (Pá9. 24)
- "Uma segunda característica do desejo erotÍco e a identificação
com a excitação sexua/ e o orgasmo do parceiro, de modo a usufruir duas
experiências complementares de fusão. (...) exisÍe uma gratifícação do desejo
de fusão, de anseros homossexuais e também de rivatidade edípica porque,
por implicação, Íodos os outros relacionamenÍos desaparecem no
relacionamento único e f usionado do par sexual. ( ) identificar-se
inconsclentemente com ambos os gêneros elimina a necessidade de invejar o
outro gênero e, ao continuar sendo ele mesmo e também a outra pessoa,
exisfe um sentimento de transcendência intersubjetiva."
- "uma terceira caracferística do deselo erotico é um sentimento
de transgressão, de superar as proibições envolvidas e/n fodos os enconfros
sexuais, (...), a transgressão ínclui violar as proibições edípicas, constituindo-
sa assim uín desafío ao rival edípico e üffi triunfo sobre ele. (. ) a
fransgressão envolve também uma agressâo contra o objeto, (e ela é)
também prazerosa porque está sendo contida por um relacionamento
ââ?oro§o. Assim nós femos Íamáérn a i*corporação da agress ão no aÍÍ;or e a
garantia da segurança em face da ambivalência inevitável."
"Em resumo, tanto no prazer quanto na dor exisÍe a busca de
ama inÚe*sa experiência afetiva, qüe temporarianrenÍe apaga as
fronteiras do self, uma experiência que pode dar à vida um significado
f undamental, uma transcendência que vincula o comprometimento

sexuaÍ com o êxÍase relfgrose e a experiência de íÍáerdade aÍém dos


limites da exisÍência cotidiana."

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ldentidade de gênero nuclear
Kernberg sustenta uma bissexualidade psicológica original para ambos
os gêneros, discordando da concepção freudiana de que a mais primitiva identidade
genítal seria masculina. Também rejeita a
concepção de que sejam as
earacterísticas biológicas determinantes do sentimento do indivíduo de ser homem
ou mulher. Concorda com autores como Braunschweig & Fain (1971) que propÕem
que este potencial inconsciente é gradualmente controlado pela natureza dominante
da interaçáo máe-bebê, por meio da qual se estabeleee uma idenldade de gênera
nuclear. Seria então, o gênero, definido na esfera parental. A maneira pela qual os
cuÍdadores lidam com o bebê, expressando satisfação na estimulação física do
bebê' no período que vai aproximadamente até os quatro ânos de vida, seria
responsável por desenvolver o erotismo da superfície corporal e, maÍs tarde, o
desejo erótico. O tratamento diferenciado que a mãe vai oferecer para o menino,
coríl c qual mantêm r*ma relaçãa erotica "provccadoFâ", e paía â me*inâ, eom a qual
rejeita sutilmente a excitação sexual, é que vaí cimentar suas respectivas
identidades de gênero. Ou seja, o menino vai dar continuidade à sua excitação
sexual dura*te toda â infância e, a menina vai inibir â consciência de sua
genitalidade vaginal original.
Sobre os meninos, aponta que o relacionamento pré-genital com a mãe
estimula suâ con§ciêncÍa sexual e o investime*to narcísico de seu pênis, passando
por vários estágios evolutivos até identificar-se com a genitalidade adulta. A
superação final do complexo de ÉOipo nos homens seria caracterizada pela
identificação com um pai geneross, diferentemente do pai fantasiado no período
edípico inicial, que seria um homem primitivo, ciumento, controlador e restritivo.
Um dos riscos das gratificações genitais excessivas maternas, que
seriam estimuladas por aspectos do comportamento da mãe que se rebelariam
contra a "lei paterna", recairia na fantasia de que seu pênis seria totalmente
satÍsfatório para a mãe. lsto poderia levá-los a uma competiçâo não resolvida com o
pai, sigr*ificando uma náo internalização da figura do pai no ideal de
ego (falta de
resolução normal do complexo de Edipo nos meninos). O homem adulto poderá
desenvolver um comportamento dependente com mulheres que representam
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imagens da mãe. O autor aponta ainda, uma forma de implicação na relação
amorosa, na qual haveria um conluio entre os eternos garotinhos, 'Don Juâns", e as
mulheres sedutoras maternais, que" o utilizariam para expressar sua própria
competitividade e rebelião contra o pai.
Ao tratar do desenvolvimento do desejo erótico no caso das meninas,
Kernberg se remete ao postulado pela escola francesa de que a genitalidade da
menina é privada, em contraste com a "exibição pública" da genitalidade masculina,
socialmente reforçada e implicando no argulho dos garotinhos pelos seu pênis.
O autor aponta que o caminho do desenvolvimento sexual feminino é
mais solitário e mais secreto que o dos meninos e que, por este motivo, ele seria
mais coraioso. A necessidade quê a menina tem de mudar seu primeiro obieto
erótico (da máe para o pai) a leva a atravessar os desenvolvimentos pré-genital e
genital mais cedo e se reflete, na fase da mulher adulta, em um maior potencial
{maior coragem} para o êomprometimento heterossexua}. Essa característica da
mulher, capacidade de comprometer-se, também adviria de sua preocupação pela
estabilidade e proteção da prole. Já nos homens, a permanência do primeiro objeto,
pode ser urna fonte importante de sua dificuldade erí| co§lprometer-se com uÍnâ
relaçâo amorosa estável, tendendo a buscar eternamente a mãe ideal, com maior
propensão a reativar medos e conflitos pré-genitais em suas relações com as
rnulheres.

Amor sexual maduro, ÉOipo e casal


O autor aponta que apesar das diferenças entre hsmens e mutheres no
desenvolvimento da capacidade para o desejo erótico e para o amor sexual, ambos
apresentam experiências em comum originados da situação edípica que se
constituern como um orgânizador para todas as áreas de interação do casal.
A paixão sexual seria estimulada pelos anseios edípicos, pela
necessidade de superar as fantasias das proibições edípicas e satisfazer a
curiosidade sobre as relaçôes entre os pais. Por meio da relação amorosa é
ativado, reciprocamente, o mundo das relações objetais internas, levando a que o
casal reative o mito edípico como uma estrutura social. Mas essa reativação edípica
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implica em retomar também o medo e a inveja relacionados às figuras edípicas. No
entanto, o autor postula que a superação desses afetos direcionados ao outro
gênero representaria a superação das proibições contra a sexualidade como um
todo. A descoberta pelo casal da sexualidade plena pode levá-lo a não querer mais
se submeter às convençÕes culturais que impedem a genitalidade madura, mas
sempre haverá uma ambigüidade entre o amor e as convenções sociais e, por esta
razáo, as tentativas de "amor sexual livre" quase sempre resultariam numa
mecanização convencionada do sexo.
Kernberg considera a capacidade de apaixonar-se e, depois, de
transformar a paixão num amor sexual maduro, como estágios desenvolvimentais a
serêrn conquistados pelo suieito. A capacidade de apaixonar-se é descrita corno a
capacidade de vincular a idealização com o desejo erótico e no potencial para
estabelecer um relacionamento objetal profundo. Ao conseguirem estabelecer um
relacionamento sexuat completo, que inelua intimidade emocional e um senso de
realizaçâo dos ideais junto com a pessoa amada, além de estarem ligando o
erotismo, a ternura, a sexualidade e o ideal do ego, o casal estará também
exprêssâ*do a capacidade de colocar a agressão a serviço do arnor. Mas estar
apaixonado também implicaria num luto por deixar para trás os objetos da infância.
Em pessoas com patologia de caráter, quando a capacidade de
apaixonar-se é alcançada, proffiovem-se certas conquistas psicologicas. Na
personalidade narcisista, assinalaria o início da capacidade de consideração pelo
outro, sendo uma esperanÇa de superação da desvalorização profunda do objeto de
ârnor. Na personalidade boderlÍne, pode representar o primeiro passc ruríio â urílâ
relação amorosa diferente da relação amor-ódio com os objetos primários. Nos
neuróticos em geral, o autor aponta que a capacidade para uma relação amorosa
duradoura só é desenvolvida na medida de resolução dos conflitos edípicos (talvez
por meio do tratamento psicanalítico).
Kernberg analisa os aspectos normais e psicopatológicos da relação de
casal reafirmando os achados de Henry Dicks (1967) sobre os conflitos de câsâis,
que estabelecem uma delineação das áreas de interação do casal. Enfatizando a

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importância da integração da libido e agressáo, do amor e do ódio, Kernberg propõe
três áreas de inieração:
7) Suas relaçÕes se*uars reais;
2) suas relações objetais, consciente e inconscientemente
predominanfes;
3) Seu esfaôe/ecimento de um ideal de ego conjunto.(pág. 59)
Sobre as relaÇões sexuais, assinala a influência dos aspectos
sadomasoquistas da sexualidade peryersâ polimorfa do bebê influindo ne anseio de
fusão sexual. Aponta as experiências traumáticas (abusos) ou, o seu contrário,
cuidado excessivo, influíndo na capacidade de resposta sexual, concluindo que
tanto a ausência de agressão quanto o excÊsso dela podem inibir a relaÇão
amorosa.
Com relação às relacôes obietais dominantes do casal, distingue a
Ínternalização da ambivalêneia (objetos bsns e maus) corrlü facilitadora da ativação
dos cenários inconscientes e da identificação projetiva de relaçÕes objetais
patogênicas passadas internalizadas.
No que tange ao ideal de ego coniunto, i*cluirrdo a idealização um do
outro e do relacionamento do casal, apresenta a importância do desenvolvimento
normal das funções do superego na função defensiva do casal e no
desenvolvimento do senso de mútua responsabilidade. Mas assi*ala o risco de
ocorrer uma perseguição mútua ou de ser a liberdade suprimida quando a agressão
predominar no superego.
Neste ponto, o autor aponta que a qualidade da relação vai depender
do processo de seleção na escolha amorosa, consistindo o processo de seleçáo
normal numa capacidade de evitar escolher um parceiro que obviamente colocaria
grandes limitações à expeetativa de gratificação sexual. O relacionamento do casal
pode contribuir para a solução de questões edípicas signíficativas não-resolvidas,
mas esta contribuição ficaria atrelada à atitude do elemento mais sadio do par
conjugal.

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Na seleção madura do parceiro, haveria ainda outro elemento, a
possibilidade da pessoâ escolhida corresponder a "um ideal pelo que l$tar', sendo
este um aspecto de transcendência possibilitado pela seleção.
A integraçáo da agressão nessas três áreas de interação garantirá a
profundidade e intensidade do relacionamento, mas também poderá ameaçá-lo,
pois o equilíbrio entre amor e agressão é dinâmico. Dessa forma, o futuro da
relação amorosa será sempre incerto, pois mesmo em condições auspiciosas,
nolros desenvolvimentos poderão âmeâçâr o equi*Íbrio.
Outro fator potencialmente desencadeador de um desequilíbrio da
relação amorosa estaria ligado à condição essencial para o seu estabelecímento e
profundidade, que seria a eapacidade da pessoâ aprofundaí-se Ílo próprio self.
Também a maturidade emocional, ou a capacidade da pessoa
aprofundar-se no próprio self, considerada condição essencial para o seu
estabelecimento e profundidade da relação amorosa, pode se revelar como fator
potencialmente desencadeador de desequilíbrio, pois ao desenvolver a capacidade
de amar em profundidade e de apreciar outra pessoa, poderia vir a encontrar outras
pessCIas que serviriam coms um parceiro satisfatÓrio ou ÍnÊsrno melhor,
Kernberg aponta ainda, a dimensão sociocultural influindo
significatívamente no equilÍbrio do casal. A alteração do enquadre psicossocial e
econômico, que estaria servindo de sustentação e promovendo esmpensâçôes de
conflitos não superados, desencadearia uma descompensação e reativação das
áreas mal resolvidas.
Uma exemplificação desse desequilíbrio é apontado peta situação de
sucesso social, cultural e profissional das mulheres em nossa sociedade, como
fator desencadeador de desequilíbrio entre os gêneros. Kernberg descreve: "(...)
podent aífteaçar a proteção tradÍcional, culturaÍmente sa*cionada e reforçada dos
homens cantra sua insegurança e medos edípicos, e sua inveja das muÍheres no
sentido mais amplo; e a mudança da reatidade confronta ambos os participanfes
cofi? â
potencial reativação da Ínveja, ciúme e ressenfimenfos conscienfe ê
inconsciente, o que aumenta perigosamente os componentes agressivos da relaçãa
amorosa." (Pá9. 56)
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Assinalamos ainda, sua análise sobre uma peculiaridade da diferença
de comportamento nos gêneros quanto ao rnaneio da separação amorosa. Baseado
em sua clínica, o autor sugere que o's homens se sentiriam movidos pela culpa ao
decidirem terminar um relacionamento com uma mulher, e isto refletiria a culpa
masculina pela agressão dirigida à mãe decorrente da pâssagern edípica_ Já as
mulheres se sentiriam mais a vontade para abandonar o homem a quem nâo amam
mais, e isto provavelmente estaria ligado ao fato das mulheres finalizarem mais
cedo a mudança de objeto erotico, da mãe para o pai.

lll - Algumas considerações gerais sobre a obra

Para Kernberg, o amor sexual maduro é uma disposição emocional


complexa que integra a excitação sexual transformada em deseja erótico, a ternura,
a tolerância, a identificaçâo com o outro, a idealização madura acompanhada do
comprometimento e a paixão.
O relacionamento amCIroso pleno incluiria principalmente a capacidade
de colocar a agressão a serviço do amor. Desta forma, a integração da agressão
no
relacionamento amoroso garantiria sua profundidade e intensidade, mas também
poderia ameaçá-lo, na medida em gue esse equilíbrio fosse atingido pelo
dinamismo da vida ou pelos conflitos não-resolvidos em um ou ambos os parceiros.
O anseio de tornar-se um casal viria atender às necessidades
inconscientes de uma identificação amorosa com os proprios pais e seus papéis,
mas a intimidade emocional traria o desejo inconsciente de reparar os
relacionamentos patogênicos dominantes do passado e a tentação de repeti-los
em
termos de necessidades agressivas e vingativas insatisfeitas, resultando em sua
reencenação com o parceiro amado. Cada parceiro tenderia a induzir no
outro
características do antigo objeto edípico e/ou pré-edípico com quem tivera conflitos
e
esse mecanismo manteria a relação ern eguilíbrio. A manutenção da relação,
ou da
"união na loucura" seria estabelecida por uma descontinuidade da
crise,
interrompida pelos aspectos mais normais e gratificantes do relacionamento
do
casal nos domínios sexual, emocional, intelectual e cultural.
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As triangulações são apontadas por Kernberg como componentes
típicos das relaçÕes sexuais normais, constituindo cenários inconscieates quÊ
Bodem destruir o casal ou reforçar sua intimidade. O casal que consegue proteger-
se da invasão de terceiros está mantendo uma barreira convencional e, acima de
tudo, reafirmando a gratificação inconsciente do terceiro excluído, e realizando o
triunfo edípico.
Aconceituação kernbergiana sobre as reencenações amorosas dos
conflitos não-superados no desenvolvimento irrdivÍdual, aponta a identificação
projetiva como o mecanismo por meio do qual seria fundamentado o jogo conjugal.
Outro viés da agressivÍdade conjugal apontado pelo autor, diz respeito
âo Ínâneio das fronteiras do casal. §ustenta que urna forma de perversidade nas
relações amorosas pode ser vista no congelamento da relaçáo num único padrão de
relacionamento objetal complementar ínconsciente do passado.
Em contrapartida, Kernberg, refere-se ao movimento saudável corno
uma alternância de papéis complementares expressados através de sucessivos
conluios do cotidiano, diferentemente das fixações rígidas de papéis que refletiriam
reencenaçÕes dissociadas e incapacidade de conviver csm funçÕes de
descontinuídade relacionadas à culpa edípica ou fixações narcísicas.
Neste ponto, sua postulação se aproxima da conceituação de Willi
{1975} que também é sustentada peta noção de comp}ementaridade entre o par
conjugal, tendo este se utilizado do termo 'colusão' para denominar o "jogo
inconsciente dos parceiros" que desde o momento da escolha os mantém
aprisionados. Para lÂ/illi, a colusáo seria a dinâmica emccional e relacional que se
estabeleceria a partir da escolha inconsciente, engendrando um jogo particular de
gratificações ou não, a partir das experiências infantis. O processo colusivo teria
inícis na escolha des pareeiros mediante a identifÍcação de conflitos fundamentais
não superados e a conexão estabelecida a partir deste encontro promoveria um
jogo conjunto, oculto reciprocamente, e ambos atuariam em papéis distÍntos e
complementares, dando â impressão de tratar-se de opostos, rnâs seriam
polarízações do mesmo conflito fundamental.

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Embora guardem distÍnções em suas postulações, identificamos pontos
de semelhança entre âs obras de Willi e Kernberg, principalmente quanto à
identificação de um jogo conjunto promovido pela interação dos psiquismos. E
ainda, ambos os autores apontam a de transformação das
possibilidade
individualidades, resolução ou âgrâvamento dos conflitos não-resolvidos, por meio
da relação amorosa.

A abrangência dos fatores considerados na análise kernbergiana,


que vão desde a matriz biologica individual, base para a experiência
subjetiva dos fenÔmenos sexuais-eróticos, a formação da identidade de
gênero desenvolvida pelo manejo dos cuidadores e influenciada pelos
valores
sociais, atá constituição do casal adulto, submetido às pressÕes culturais,
torna sua obra instigante e de relevante importâncía no contexto
contemporâneo da literatura psicanalítica de família e casal, por incluir
os
espâÇos intrasubietivo, intersubjetivo e transubjetivo na análise das relaçôes
amorosas.

Referências bibliográficas
KERNBERG, O. F PsícopaÍología das relações arnorosas. porto Alegre: Artes Médicas,
1 995.
WíLL l, J. La pareja humana: relacion e conflicto. Madri: Ediciones
Morata, 1975,

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