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FACULDADES IPPEO

INSTITUTO DE CULTURA HINDU NARADEVA SHALA

THAYSA DE REZENDE CARVALHO

BABY BLUES OU TRISTEZA MATERNA: UMA ABORDAGEM SOB A


PERSPECTIVA DO AYURVEDA

SÃO PAULO, SP

2020
THAYSA DE REZENDE CARVALHO

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado a Faculdades IPPEO e
Instituto de Cultura Hindu Naradeva
Shala, como requisito parcial para
obtenção do título de Especialista em
Ayurveda, sob orientação da professora
Dra. Sabrina Alves.

SÃO PAULO, SP

2020


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BABY BLUES OU TRISTEZA MATERNA: UMA ABORDAGEM SOB A
PERSPECTIVA DO AYURVEDA

THAYSA DE REZENDE CARVALHO1

RESUMO

O presente artigo faz uma análise comparativa sobre a abordagem da tristeza materna, ou baby blues,
no período do puerpério sob a visão da Medicina Ocidental e a racionalidade do Ayurveda a partir de
revisão bibliográfica. Para contextualizar e discutir a prática da Medicina Ocidental, foram utiliza-
dos dois textos principais, o Manual Técnico - Pré-natal e puerpério: atenção qualificada e humani-
zada, publicado e disponibilizado pelo Ministério da Saúde, e artigo publicado por Vera Iaconelli,
psicanalista e doutora, profissional especializada no tema. De forma a apresentar e discutir a pers-
pectiva do Ayurveda, toma-se como referência a obra clássica de sua literatura, o Caraka Saṃhitā de
Agniveṣa. Em complemento, foi realizado levantamento em banco de dados para seleção de artigos
científicos dentro da academia de Ayurveda. Foram utilizados três artigos, tendo como critério de se-
leção a aplicação dos conceitos descritos no Ayurveda na atualidade. O objetivo desse trabalho é am-
pliar a discussão sobre a vivência do baby blues, considerando fatores contribuintes para seu surgi-
mento e agravamento, bem como possíveis procedimentos para prevenção e tratamento.

Palavras-chave:

Ayurveda, baby blues, tristeza materna, puerpério, saúde da mulher

ABSTRACT

This article utilizes literature review to make a comparative analysis on the approach of maternal
sadness, or baby blues, in the puerperium period from the perspective of Western Medicine and the
rationality of Ayurveda. To contextualize and discuss the practice of Western Medicine, two main texts
were used, the 'Manual Técnico - Pré-natal e puerpério: atenção qualificada e humanizada', pu-
blished and made available by the Ministry of Health, and an article published by Vera Iaconelli, a
professional specialized in the theme . In order to present and discuss the perspective from Ayurveda,
the classic work of its literature, Caraka Saṃhitā de Agniveṣa, is taken as a reference. In addition, a
database survey was carried out to select scientific articles within the Ayurveda academy. Three arti-
cles were selected, using as a selection criterion the application of the Ayurveda concepts nowadays.
The objective of this work is to expand the discussion on the baby blues experience, considering con-
tributing factors for its emergence and aggravation, as well as possible procedures for prevention and
treatment.

Key words

Ayurveda, baby blues, maternal sadness, puerperium, women's health

1 Arquiteta e Pós-graduanda em Ayurveda. thaysa_carvalho@yahoo.com.br


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1. INTRODUÇÃO

O presente artigo nasceu da minha experiência na vivência de um estado depressivo


durante o período de puerpério. Dentro do que é atualmente praticado na Medicina Ocidental,
os apoios que encontrei para minha condição foram somente em grupos de puérperas e em
acompanhamento psicoterapêutico. Isso me motivou a buscar no Ayurveda outra forma de en-
tender esse estado e discutir alternativas para ajudar a puérpera a vivenciar esse período tendo
a compreensão ampliada sobre o processo e, assim, podendo vivê-lo de forma mais amena.
Com o objetivo de contextualizar a identificação, vivência e acompanhamento do baby
blues na sociedade brasileira na contemporaneidade, a primeira parte do artigo analisa a visão
da Medicina Ocidental tomando como referência um documento oficial e um estudo elabora-
do por profissional especializada e atuante no tema.
Visando apresentar e discutir uma outra abordagem para a prevenção da configuração
de um estado depressivo e apoio à puérpera, as seções subsequentes discutem os elementos
apresentados na primeira parte do artigo sob a perspectiva do Ayurveda. O embasamento para
tal se dá na obra cânone do Ayurveda, o Caraka Saṃhitā de Agniveṣa, e artigos de Vaydias e
escolas indianas de prática do Ayurveda na contemporaneidade.
Por fim, são apresentadas as considerações finais que demonstram as diferentes abor-
dagens que as duas racionalidades têm sobre o tema da tristeza materna em particular, e da
saúde em geral.

2. A VISÃO DA MEDICINA OCIDENTAL

Farei aqui um recorte da identificação e vivência do baby blues sob a perspectiva da


Medicina Ocidental, a partir de dois textos de referência: o Manual Técnico-Pré-natal e puer-
pério: atenção qualificada e humanizada, publicado e disponibilizado pelo Ministério da
Saúde, e o artigo Depressão pós-parto, psicose pós-parto e tristeza materna, de Vera Iaconel-
li. A definição do termo puerpério foi extraída de outra obra referência da área, uma vez que
os materiais anteriormente citados, voltados para profissionais da área da saúde, não apresen-
tam sua caracterização de forma específica.

2.1. DEFINIÇÃO E IDENTIFICAÇÃO


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O puerpério é definido como o período do ciclo gravídico-puerperal em que as modi-
ficações locais e sistêmicas causadas pela gestação, no organismo materno, retornam ao esta-
do pré-gravídico. Tem início imediatamente após a expulsão da placenta e das membranas
ovulares e seu término varia entre a 6ª semana e um ano após o parto. (Neme, 2000)
Já a tristeza materna ou baby blues é caracterizado pelo Ministério da Saúde, como um
estado depressivo transitório e mais brando, que pode surgir a partir do terceiro dia do pós-
parto e tem duração aproximada de duas semanas. Dentre as características citadas estão fra-
gilidade, hiperemotividade, alterações do humor, falta de confiança em si e sentimentos de
incapacidade. (2005, p. 38)
Em trecho de destaque na obra, ressalta-se a importância do profissional de saúde no-
tar "sintomas que se configurem como mais desestruturantes e que fujam da adaptação “nor-
mal” característica do puerpério”. (2005, p. 39) Vale aqui reflexão sobre a condição do profis-
sional dispor efetivamente dos parâmetros necessários para estabelecer o que seria "normal"
em cada caso.
Destaca-se a importância de, tanto no período da gravidez como no puerpério, consi-
derar a mulher de forma ampla, além da análise meramente física. A orientação abrange con-
siderar seu contexto social, história de vida, sentimentos, encorajando a mulher a falar de si e
ressalta a importância de ouvir de forma atenta para a elaboração de um diagnóstico correto.
Sobre o aspecto emocional, menciona-se que sintomas depressivos são comuns devido às an-
siedades despertadas pela chegada do bebê.
As alterações emocionais são apresentadas como: (i) baby blues - acomete entre 50 e
70% das puérperas; (ii) depressão pós parto - manifesta-se em 10 a 15% das puérperas. Sin-
tomas associados: perturbação do apetite e do sono, decréscimo de energia, sentimento de
desvalia ou culpa excessiva, pensamentos recorrentes de morte e ideação suicida, sentimentos
de inadequação e rejeição ao bebê (iii) lutos de transição entre o período de gravidez e de ma-
ternidade (iv) sentimentos gerados pela perda do corpo gravídico e não retorno imediato ao
corpo original e pela separação entre mãe e bebê. (2005, p. 38)
Iaconelli (2005) apresenta números ligeiramente diferentes com relação à prevalência
das alterações emocionais: entre 10 e 20% das mulheres desenvolvem a depressão pós-parto,

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a tristeza materna ou baby blues acomete até 80% das puérperas e, em um quadro mais raro, a
psicose materna chega a cerca de 0,2% dos casos.
Ressalto aqui como os estados depressivos, seja em sua forma branda ou severa, pre-
valecem entre as puérperas, como podemos notar a partir dos números citados. Podemos justi-
ficar assim a importância de se abordar o tema de forma franca e ampla.
Em seu estudo, Iaconelli aponta o tabu cultural que dificulta a abordagem e a discus-
são do tema gravidez/gestação e depressão e como o senso comum tende a esconder a real
natureza do processo de se tornar mãe. Sobre como as pessoas próximas podem apoiar a
puérpera durante esse período de humor depressivo, ressalta:

Primeiro, a família pode ajudar sendo compreensiva e apoiando a mãe neste momen-
to único, sem cobrar atitudes idealizadas pela mídia. A mídia tende a glorificar o
papel da mãe e tratar o humor depressivo da mulher como da ordem da patologia.
Basta vermos as propagandas e matérias veiculadas nos meios de comunicação que
encontraremos a mãe que amamenta sem dificuldades ou desconforto, a mãe sentin-
do-se realizada e completa, sentindo-se linda. No entanto, o que a mãe de um recém-
nascido menos sente é completude. Uma gestante pode sentir-se assim e é o que se
espera em algumas fases da gestação. Já a mãe de bebê vive exatamente o oposto,
ela vive a incompletude, o vazio da barriga, a separação. Ela precisará de um tempo
até que possa preencher este espaço. São necessários todo apoio e compreensão para
que a mãe recém nascida saiba que não há nada de errado com ela. Ser aceita em sua
natureza de mãe ajuda muito a diminuir o mal estar, encurtando o baby blues drasti-
camente. (2005, p.5)

A partir dessa citação, cabe ressaltar dois fatores que, a partir da minha experiência
pessoal na vivência desse período do puerpério, ganham relevância na configuração do baby
blues.
O primeiro fator a ser destacado é a idealização do papel pessoal. Considerado o con-
texto e dinâmicas configuradas após o nascimento do bebê, uma ideia distorcida sobre o papel
que pode/deve desempenhar e as atividades a ele associadas, influi diretamente na compreen-
são e vivência dessa nova fase na vida da mulher e pode contribuir significativamente para
manter ou ampliar a dimensão dos estados depressivos.
A partir da participação em grupos de mulheres voltados para a troca e a partilha de
experiências, pude perceber e ampliar minha perspectiva com relação às expectativas criadas
a partir da mencionada atitude idealizada, seja pela mídia, seja devido ao histórico familiar, ou
social. Dentro de um contexto capitalista em que o valor pessoal é diretamente relacionado à
geração de valor, e o valor, em geral, refere-se especificamente à renda, o período dedicado ao
resguardo e aos cuidados com o bebê, e consigo, entram em choque com as demandas inter-
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nas e, muitas vezes, externas. Entenda-se demanda interna a expectativa que a mulher cria
sobre sua capacidade e necessidade de cuidar de si, do bebê, da dinâmica do seu relaciona-
mento com o(a) parceiro(a), se for o caso, das atividades do dia-a-dia da casa, de se manter
“produtiva", no sentido de retornar o quanto antes ao mercado de trabalho, entre outros. Ex-
pectativa externa caracteriza-se aqui como os papéis e atividades atribuídos à mulher por sua
família, parceiro(a), empregador, etc.
Some-se a isso o segundo fator: a falta de rede de apoio de forma continuada. Além da
troca e partilha, na minha experiência, foi fundamental no processo de superação do baby blu-
es, perceber e utilizar uma rede de apoio de forma continuada. Isto é, no meu caso, contar
com o apoio da família nas demandas diárias e cuidados com o bebê e demandas diárias ao
longo de todo esse período, até hoje. Da mesma forma, o relato de diversas mulheres dos gru-
pos de troca e partilha corroboram essa percepção individual. Trago aqui minha experiência
pessoal, pois entendo que é relevante no sentido de contribuir com a experiência prática do
tema. Infelizmente, essa não é a realidade de todas as puérperas que, muitas vezes, têm que
lidar com todos os cuidados consigo, com o bebê, as demandas da casa, etc., sozinhas, levan-
do a um quadro de exaustão física, mental e emocional.
Assim, um desdobramento possível ainda seria a discussão de gênero e dos papéis
atribuídos a cada pessoa na sociedade brasileira atual. Apesar desse não ser o objetivo desse
artigo, entendo que também é um fator que contribui para o estabelecimento do quadro de-
pressivo e das dinâmicas previamente apresentadas e cabe pontuá-lo para estudos posteriores
que possam vir a fazer uma análise mais aprofundada da questão.

2.2. PREVENÇÃO E TRATAMENTO

Por ser definido como um processo natural e transitório, não há indicação de medidas
de prevenção ou de tratamento específicos para a tristeza materna ou baby blues no manual
editado pelo Ministério da Saúde, além do acompanhamento e entrevista durante as consultas
realizadas com os profissionais de saúde após o parto.
Iaconelli (2005) também ressalta que trata-se de um quadro benigno e que tende a re-
gredir por si só por volta do primeiro mês após o parto. Menciona-se que, "apesar de ser co-

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mum e normal envolve uma quantidade razoável de sofrimento que pode ser atenuado no
compartilhar com outras pessoas que entendam esta condição como natural” (p.3).
Tem-se então uma perspectiva da Medicina Ocidental que, em geral, interpreta a vi-
vência do baby blues como evento isolado, transitório, de origem hormonal e psicológica. Por
não ser caracterizado como uma patologia, em princípio, não há indicação de um tratamento
específico, além do acompanhamento do estado da puérpera ao longo das consultas após o
parto. A única indicação além desse acompanhamento esporádico, é a menção ao benefício da
troca de experiências com outras mulheres que já tenham vivenciado o processo. Não há
menção a cuidados específicos com a dieta ou procedimentos corporais indicados.

3. CAUSAS E SINTOMAS: UMA VERSÃO SEGUNDO O AYURVEDA

A partir da listagem dos sintomas apresentados na seção anterior, nesse trecho, serão
discutidas as possíveis causas para seu desenvolvimento sob a perspectiva do Ayurveda. O
objetivo é fomentar a discussão sobre como o Ayurveda pode contribuir para a ampliação da
percepção sobre a vivência do baby blues, mesmo esse não sendo um estado descrito nos clás-
sicos.
Nos textos de Ayurveda, puérpera é chamada de sutika e o período do puerpério é no-
meado como Sutikakala. O cuidado dispensado à mulher nesse período pós-natal é denomina-
do Sutikaparickarya.
S, M e Mishra (2015) destacam que o período de até 45 dias após o parto, aproxima-
damente, é crítico para a saúde da mulher, posto que seu corpo e mente estão em condição
sensível. É necessário restaurar sua força física e mental. Se não houver o apoio necessário
nessa fase, a mulher fica vulnerável a diversas doenças devido a uma diminuição natural do
Agni e aumento de Vata, causas principais do desenvolvimento das doenças que ocorrem nes-
se período (p. 635).
Segundo os autores, as causas dos estados depressivos no período do puerpério podem
ser compreendidos da seguinte forma pela racionalidade do Ayurveda: rasa dhatu nutre ma-
nas. Há uma diminuição de rasa (rasa kshaya) ao longo dos 9 meses de gestação, e manas (a
mente) não recebe a nutrição adequada. Essa condição leva à alteração do equilíbrio de ma-
nas, propiciando variações significativas entre estados rajásicos e tamásicos da mente. Da
mesma forma, o aumento da Vata produz sintomas como diminuição de bala, dificuldades

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com o sono, diminuição da clareza mental, entre outros. Apesar de a causa exata do desenvol-
vimento dos estados depressivos ser desconhecida, fatores físicos, nutricionais, emocionais e
decorrentes do estilo de vida podem desempenhar um papel importante no seu desenvolvi-
mento. (S, M e MISHRA, 2015, p. 636)
Tirtha (2005) descreve que, quando Vayu dosha está em desequilíbrio, a mente é preo-
cupada, nervosa, medrosa e instável. Uma mente de constituição Vata, tende ao medo, à ansi-
edade e insegurança. Em estado rajásico, prevalecerá a indecisão, hiperatividade e ansiedade.
O tamásico, por sua vez, cria medo, atitudes servis, depressão, entre outros comportamentos
(p. 21).
Da mesma forma, uma mente de constituição predominantemente Pitta, quando em
desequilíbrio, oscilará entre obstinação, ambição, raiva, manipulação, vaidade, impulsividade
e agressividade (estado rajásico), e vingança, violência, ódio e comportamento psicopático em
estado tamásico. Quando na mente predomina Kapha, em desequilíbrio rajásico, haverá ga-
nância por dinheiro, luxos materiais e conforto, além de se tornar muito sentimental, controla-
dora, apegada e lasciva. A predominância de Tamas cria entorpecimento, preguiça, letargia,
depressão e falta de cuidado. (TIRTHA, 2005, p. 22)
Podemos notar assim uma correspondência entre as características descritas de mentes
de constituições variadas em desequilíbrio com os sintomas associados à vivência do baby
blues - mudanças bruscas de humor, indisposição, tristeza, insegurança, baixa auto-estima,
falta de confiança em si.
No parto, a mulher despende grande energia ao longo de todo o processo (contribuin-
do para a redução do Agni), perde sangue, fluídos corporais e permanece com o espaço vazio
onde antes estava o feto em seu corpo, o que propicia o aumento de Vata. Dessa forma, todos
os procedimentos e orientações para esse primeiro momento após o parto se darão no sentido
de aumentar esse Agni e apaziguar Vata em seu corpo e mente.

4. PREVENÇÃO E APOIO

Tendo o olhar ampliado para o tema a partir do que foi previamente apresentado, essa
seção discutirá as técnicas de prevenção do baby blues e apoio à puérpera considerando uma
abordagem segundo princípios do Ayurveda. Para tal, tem-se como base a obra clássica do
Ayurveda, o Caraka Saṃhitā de Agniveṣa, e artigos de Vaydias e escolas indianas de prática
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do Ayurveda referentes ao tema de Sutika Paricharya. O objetivo é apresentar e discutir uma
possível abordagem para a prevenção do estado e apoio à puérpera que vivencia o baby blues
tendo essa racionalidade como referência.
No Caraka Saṃhitā de Agniveṣa, o período do puerpério é tratado na seção Sārīrasthā
(anatomia). No trecho em que trata da conduta para com a mãe após o parto, são descritos os
procedimentos a serem realizados com a mulher de acordo à sua condição particular para a
manutenção da saúde.

Ghee, óleo, vasā (gordura animal) e majjā (medula óssea) que sejam considerados
saudáveis, devem ser administrados junto com pippali (Piper longum, Linn.), raiz de
pippali, cavya (Piper chaba, Hunter), citraka (Plumbagozeylanica, Linn) e srngave-
ra (Zinziberofficinale, Rosc.) para a mãe após ela sentir fome. A quantidade deve ser
considerada conforme o vigor da mãe. Depois da ingestão da gordura, seu abdome
deve ser untado com ghee e óleo e enrolado com um tecido longo e limpo. Com isso
vayu não produz nenhuma morbidade em seu abdome por causa da ausência de es-
paços vazios no seu interior.
Após a digestão da fórmula oleosa, um mingau preparado através da fervura de pip-
pali, etc. deve ser administrado em quantidade adequada. Este mingau deve estar na
forma líquida e adicionado de substâncias oleosas. Antes da administração das subs-
tâncias oleosas e do mingau, ela deve ser respingada com água morna duas vezes.
Ela deve ser mantida assim por cinco a sete noites e depois pode ir sendo gradual-
mente nutrida.
Estas são as medidas para a manutenção da saúde positiva da mãe que deu à luz re-
centemente. (s.d., p. 548)

Na sequência é ressaltada a gravidade do fato de alguma doença vir a acometer a mu-


lher, pois se entende que é muito difícil ou ainda impossível a cura nesse momento. Por essa
razão, o autor enfatiza a importância da prevenção de doenças com a prescrição de diversas
condutas para tal.

Se ela é acometida com alguma doença, a condição se torna difícil de curar ou incu-
rável, porque todos os elementos teciduais de seu corpo estão diminuídos em quan-
tidade. Isto ocorre porque a maior parte da nutrição da mãe é utilizada para o cres-
cimento do feto. Depois do parto, seu corpo é acometido pelo vazio por causa do
esforço envolvido no trabalho de parto e pela perda de fluídos corporais e sangue.
Além disso, ela deve ser tratada especificamente através de massagem, aspersão,
banhos, dieta e bebidas preparadas com drogas que sejam bhautika (que aliviam os
efeitos dos espíritos prejudiciais e dos germes), jivaniya (que promovem vitalidade),
brmhaniya (que promovem corpulência), que possuem sabor doce e vatahara (que
aliviam vata). O corpo da mulher torna-se particularmente vazio após o parto. (s.d.,
p. 549)

A análise das orientações contidas no texto clássico, permite perceber o claro objetivo
de fortalecer o Agni - ingestão de ghee, pippali, gengibre, etc., após ela sentir fome -, e apa-
ziguar Vayu, com essa mesma ingestão de gorduras e a massagem do abdômen e sua conten-

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ção com um tecido. Nota-se que em todos os procedimentos recomendados (corporais e de
alimentação), prevalecem gunas que contribuem para o apaziguamento de Vata dosha - guru
(pesado), snigdha (úmido, pegajoso), mridu (mole, suave), sthira (estável, sem movimento) -
e que fortalecem o corpo (majja, vasa), permitem uma fácil digestão (mingau líquido) e forta-
lecer Agni (substâncias oleosas, ghee, pippali, cavya, gengibre, etc.).
Os estudos contemporâneos demonstram que as indicações contidas nos textos clássi-
cos são eficazes. Nanal e Borgave (2008) ressaltam que os cuidados com a mãe e com o bebê
são amplamente descritos pelo Ayurveda e que todos os princípios básicos são necessários
para lidar com os problemas que podem surgir após o parto. Devem ser utilizadas condutas
específicas de Ahara (dieta), Vihara (estilo de vida), Sadavrutta (conduta moral) além de va-
riadas terapias no combate aos desequilíbrios desse período. Destacam igualmente a impor-
tância da utilização de variados ghrtas e tailas (ghees e óleos) com excelentes resultados.
Jayashree (2008) destaca que a fase do puerpério é considerada pelo Ayurveda tão crí-
tica quanto a da gravidez. Com o objetivo de recuperar a saúde pré-gestação, a mulher deve
seguir um regime composto por elementos de Ahara (alimentação e nutrição), Vihara (ativi-
dade física) e Vichara (atividade mental). Ressaltam-se ainda o recebimento de massagens
(abhyanga) com óleo medicado como benéfico nesse processo e que, apesar de não se tratar
de um quadro de doença, há necessidades muito específicas e aumentadas de nutrição. É apre-
sentada ainda uma lista de formulações ayurvédicas mencionadas com esse objetivo.
Assim, os estudos apresentados corroboram as indicações formuladas no texto clássico
do Caraka Saṃhitā. Em contraposição à análise da perspectiva da medicina ocidental previa-
mente apresentada, notamos uma leitura distinta e, consequentemente, uma abordagem mais
ampla sobre como a puérpera deve ser cuidada. Mesmo o aspecto mental, que de alguma for-
ma aparece também na medicina ocidental, é abordado de forma mais específica. Isto é, exis-
tem prescrições indicadas para apoiar a puérpera no processo de recuperar sua condição pré-
gestação, considerando seus aspectos físicos, mentais e emocionais. Devido à condição sensí-
vel em que se encontra, não se parte do princípio que esse seja apenas um quadro transitório
que tente a regredir por si mesmo, mas que essa pessoa que passou por todo o processo da
gestação e parto requer atenção, apoio e cuidados especiais.
Note-se ainda que todas as condutas prescritas para esse período contemplam aspectos
diversos da vida da mulher e, de alguma forma, demandam que ela receba apoio de outras

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pessoas, seja para o preparo da alimentação prescrita, no apoio com os cuidados com o bebê
para manter uma atividade física e mental saudáveis, ou para receber os procedimentos corpo-
rais como o abhyanga. Esse fator de apoio à mulher não aparece de forma explícita nos clás-
sicos ou nos estudos, possivelmente por não ser um ponto de atenção em outras culturas, en-
tretanto, considerada a realidade da puérpera na sociedade brasileira contemporânea, entendo
que esse é um item relevante ao se analisar o contexto em que a mulher vivencia o período do
puerpério. Isso possibilita que as prescrições recomendadas sejam coerentes com a realidade e
que haja a discussão e busca de alternativas que atendam concretamente as necessidades da
puérpera.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentro da perspectiva da Medicina Ocidental, o baby blues, é um quadro que acomete


puérperas a partir do terceiro dia após o parto e tem duração estimada de um mês. É classifi-
cado como evento isolado, transitório, de origem hormonal, psicológica e que, em geral, re-
gride por si só sem necessidade de intervenções.
Dentre os fatores que contribuem significativamente para o surgimento e agravamento
do quadro, destaco a idealização do papel que a puérpera entende que deve desempenhar den-
tro da nova dinâmica familiar e social após o nascimento da criança. Além disso, a falta de
uma rede de apoio com quem possa contar de forma continuada, pode contribuir significati-
vamente com o agravamento do estado. Isso porque, ambos os fatores - ideia distorcida de seu
papel e falta de apoio - contribuem para o aumento do esgotamento físico, mental e emocio-
nal da mulher.
A troca e a partilha de experiência com outras mulheres, sejam da família, sejam de
grupos voltados para o apoio às puérperas, contribui para aliviar parte das dificuldades e an-
gústias vividas nessa fase.
Dentro da visão da Medicina Ocidental a partir do levantamento realizado, ao não ser
caracterizado como uma patologia, o baby blues não demanda um tratamento específico. Em
geral, além do acompanhamento do estado da puérpera ao longo das consultas após o parto e
da menção ao benefício da troca de experiências com outras mulheres, não há menção a cui-
dados específicos com a dieta, atividades ou procedimentos corporais que sejam indicados
para o alívio dos sintomas.

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Em contrapartida, tanto a análise do texto clássico de Caraka Saṃhitā, como de estu-
dos contemporâneos de escolas que praticam o Ayurveda, demonstram que a visão que se tem
sobre a necessidade de procedimentos e cuidados de apoio à recuperação da puérpera ao seu
estado pré-gravídico é diferente dentro dessa racionalidade.
Há recomendações variadas que abrangem aspectos que compreendem desde a ali-
mentação, nutrição e capacidade digestiva (Ahara), atividade física (Vihara), atividade mental
(Vichara), conduta moral (Sadavrutta), até procedimentos corporais como massagens com
óleos medicados (abhyanga).
As duas abordagens para o período de pós-parto refletem, assim, diferentes perspecti-
vas sobre a saúde. Na Medicina Ocidental, em geral, trata-se a doença. Assim, como a tristeza
materna ou baby blues não é enquadrado como um quadro patológico, não há uma recomen-
dação ou tratamento específico indicado. O Ayurveda visa, antes de tudo, manter a saúde,
pois entende que isso é muito mais simples e eficiente do que tratar da doença. Dessa forma,
percebe os fatores que causam desequilíbrios e indica as formas de corrigi-los antes que a do-
ença efetivamente se instale.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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