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O HOMEM A TERRA E AS PLANTAS

Rubem C. P. Paz
Psicó logo Clínico Junguiano
Watts 051995268858

O interesse em desenvolver este tema é decorrente da minha experiência


no cultivo da terra na horta.
Este artigo visa abordar a psicologia alquímica através da relaçã o entre o
homem, a terra e as plantas. Este entendimento foi se construindo através da
observaçã o e do sentimento vivido com os resultados obtidos na prá tica. Percebi
que na horta as questõ es de tempo e do espaço se entrelaçam no sentido de
favorecer novas vivencias, e isso permite ao homem ser tocado pela relaçã o com
a natureza. Percebi a importâ ncia de cultivar e vivenciar este espaço vivo que
necessita de cuidados permanentes assim como a nossa alma. Este contato com a
terra faz com que despertemos para uma vida nova.
No ato de plantar estamos exteriorizando os sentimentos e os
pensamentos. Diante disso, somos levados para um lugar especial a horta. Neste
lugar vamos nos conectar com as forças vivas da natureza em um campo
definido, preservado e consagrado por nossa pratica. Essa tomada de consciência
se observa desde a produçã o do adubo, cultivo da terra, semeadura, desbaste,
combate as pragas, regar, colheita, etc.
Conforme Jung, a terra, assim como o pró prio corpo, faz parte do
complexo de representaçõ es simbó licas do arquétipo da Grande-Mã e, a primeira
figura estruturante da psique. Percebi, em consonâ ncia com este pensamento,
que a expressã o simbó lica dos conteú dos psíquicos do agricultor, através da
projeçã o neste contato prá tico com a terra, serve de instrumento para a
compreensã o e integraçã o da subjetividade que está em conflito. A horta é este
lugar de ressonâ ncia simbó lica, onde o cultivador vivencia a sua transformaçã o
começando pela alquimia da compostagem de resíduos para produçã o de
fertilizante (hú mus).
1. ALQUIMIA NA COMPOSTAGEM
O lixo é abordado, atualmente, em seus aspectos técnicos e nã o
simbó licos.
Constatamos que na antiguidade o homem havia encontrando formas de
aproveitamento dos dejetos. Os antigos já conheciam a utilizaçã o de resíduos
animais, vegetais e humanos na agricultura. Mas em nossa sociedade de maneira
geral, o lixo é visto como os restos das atividades humanas e considerado inú til,
velho, indesejá vel, descartá vel, sujo, perigoso e, também, reciclá vel e valioso.
(Rodrigues, 1995)
Na cultivo da terra é necessá rio o fertilizante o hú mus, este processo vai
acontecer através da compostagem do lixo, aquilo que é descartado, da cozinha
da poda, dos dejetos dos animais, aquilo que nã o serve mais.
A compostagem é realizada na composteira que é o lugar ou a estrutura
pró pria para o depó sito e processamento do material orgâ nico. É nesse local que
irá ocorrer a compostagem, a transformaçã o desse lixo em adubo. Um dos fatores
de grande importâ ncia no processo de compostagem é a temperatura.
Esse processo de decomposiçã o da matéria orgâ nica por micro-organismos se
relaciona diretamente à temperatura, por meio de micro-organismos que
produzem o calor, pela metabolizaçã o da matéria orgâ nica, estando a
temperatura relacionada a vá rios fatores. Se a temperatura estiver alterada, é
sinal de que outros fatores estã o desregulados.
A presença de á gua é fundamental para o bom desenvolvimento do
processo, pois a umidade garante a atividade microbioló gica. O valor do teor de
umidade do solo refere-se à quantidade de á gua absorvida nele e é um dos
parâ metros que devem ser monitorados durante a compostagem para que o
processo se desenvolva satisfatoriamente. Porém, a escassez ou o excesso do
líquido pode desacelerar a compostagem.
O ar dentro da compostagem é essencial para os organismos, garantindo
reaçõ es de oxidaçã o e oxigenaçã o no processo, além de também ajudar a regular
o pH. É um dos fatores mais importantes e pode ser feita através de revolvimento
do composto.
Também deve-se levar em conta que, quanto mais ú mida está a massa
orgâ nica, mais deficiente será sua oxigenaçã o. Enfim devemos monitorar a
temperatura e a umidade. Nem calor demais e nem de menos, nem á gua demais
ou de menos.
A operaçã o de solutio é um dos principais procedimentos da alquimia. Diz
um texto: “A solutio é a raiz da alquimia”. Outro afirma: “Nã o faças nenhuma
operaçã o enquanto nã o transformares tudo em á gua”. Em muitos textos, a opus
inteira é resumida pela frase: “Dissolve e coagula.” Da mesma maneira que
calcinato pertence ao elemento fogo, a coagulatio ao elemento terra e a
sublimatio ao elemento ar, a solutio pertence à á gua. Em termos essenciais, a
solutio transforma um só lido num líquido. O só lido parece desaparecer no
solvente, como se tivesse sido engolido. Para o alquimista, a solutio significava o
retorno da matéria diferenciada ao seu estado indiferenciado original – isto é, à
prima matéria. Considerava-se a á gua como um retorno ao ú tero para fins de
renascimento. Num certo texto, o velho rei submete-se à solutio do afogamento,
dizendo: [Sem isso, nã o posso entrar no reino de Deus: / E, assim, nascer de
novo, / Ficarei humildemente no Seio de minha Mã e, / Dissolvo-me na Matéria
Primeira, e ali repouso.]
Diz um texto: "Os corpos nã o podem ser mudados senã o pela reduçã o à
sua primeira matéria". Esse procedimento corresponde à quilo que se passa na
psicoterapia. Os aspectos fixos e está ticos da personalidade nã o admitem
mudanças. Eles sã o estabelecidos e têm certeza de seu cará ter justo. Para a
transformaçã o ocorrer, esses aspectos fixos devem primeiro ser dissolvidos ou
reduzidos à prima matéria. Fazemos isso por meio do processo analítico, que
examina os produtos do inconsciente e coloca em questã o as atitudes
estabelecidas do ego. (Edinger, 2006)
No processo alquímico estamos nos referindo a realizaçã o da obra o
Opus, que é uma mistura de vá rios metais impuros na busca da Pedra Filosofal. O
alquimista é uma pessoa solitá ria que as vezes trabalha com um auxiliar, sem
interferências de muitas pessoas. Na jornada de nossa alma estamos realizando
uma Obra que vai acontecendo no silencio, na solidã o, da mesma forma que o
alquimsta.
Vamos pensar que o lixo também está presente no imaginá rio de cada
um de nó s. Em nosso imaginá rio, o lixo nã o está apenas relacionado ao lixo
concreto, por assim dizer, mas serve inclusive como imagem para aspectos
subjetivos, dessa forma poder fazer uma relaçã o entre o lixo e o conceito
junguiano de sombra. Podemos fazer uma analogia entre o encontro criativo com
o lixo, na forma de insumo aquilo que é descartado na cozinha, aquilo que é
defecado pelos animais, etc., e o encontro com os aspectos sombrios da
existência e poder realizar esse processo alquímico a nível de psique. Nesse
sentido, esse processo significa nos acolher, percebendo que sempre haverá
sombra e sair desse estado de fantasias que devemos estar inteiro sempre, sem
lixo.
O lixo se faz presente em nossas casas e em nossas fantasias. Na prá tica
clínica, percebemos que os despojos estã o presentes tanto no imaginá rio
coletivo quanto no individual. Por exemplo, nas sessõ es de aná lise, o paciente ao
falar dos seus sintomas e dificuldades que o levaram a procura de psicoterapia,
fala que gostaria de poder se livrar disso que lhe incomoda como faz com o lixo.
No momento que refletimos sobre as vias deste, o paciente percebe que livrar-se
desse lixo nã o é tã o simples assim.
O lixo é negado, rejeitado, e permanece em uma zona de sombra, gerando
receios e medos. Por um lado é o hú mus fertilizante, e pelo outro é o condiçã o da
imundícia, lugar de perigo, da doença e da morte. De uma maneira geral, o lixo é
percebido como algo que deve ser distanciado.
Segundo, Eigennheer, 2003, a sua proximidade nã o deixa de representar
perigo, nã o tanto pela saú de, contaminaçã o, mas sobretudo no sentido simbó lico.
Na prá tica clínica percebe-se que nã o dá para simplesmente jogar o lixo
fora e fazê-lo desaparecer, também nã o podemos de maneira simples se livrar
das amarguras e de sua histó ria de vida. Há necessidade sim de confrontar com o
lixo, ainda que isso seja assustador.
Conforme, Jung, 2000, esta é a primeira prova de coragem no caminho
interior, uma prova que basta para afugentar a maioria, pois o encontro consigo
mesmo pertence as coisas desagradá veis que evitamos, enquanto pudermos
projetar o negativo à nossa volta.
No cultivo da terra, percebemos esse cuidado com o lixo, com aquilo que
nã o serve mais que é descartado e que vai servir como fertilizante e partir daí
podermos colher os frutos daquilo que foi plantado, regado, desbastado. Agora
podemos sentir a vida renascendo na horta, através da energia daquilo que era
lixo e agora é hú mus o fertilizante. Esse processo foi possível porque colocamos
as mã os no lixo, e controlamos atentamente o processo alquímico do composto.
A alquimia passa a ser valiosa na psicoterapia na medida que suas
imagens concretizam as experiências de transformaçã o pelas quais o paciente
vivencia no processo terapêutico ocupando este espaço sombrio e criativo que é
o contínuo de vir a ser.
Como podemos ver no cultivo da terra realizamos uma maternagem este
movimento de gestar, cuidar e dedicar-se por amor. Movimento este que
realizamos na nossa vida e na prá tica clínica. Rubem Alves em seu texto fala
deste fluxo onde é necessá rio paciência, acolhimento e dedicaçã o. Segue abaixo o
referido texto:
"...Horta se parece com filho. Vai acontecendo aos poucos, a gente vai se
alegrando a cada momento, cada momento é hora de colheita. Tanto o filho
quanto a horta nascem de semeaduras. Semente, sêmen: a coisinha é colocada
dentro, seja da mã e/mulher, seja da mã e/terra, e a gente fica esperando, pra ver
se o milagre ocorreu, se a vida aconteceu. E quando germina - seja criança, seja
planta - é uma sensaçã o de euforia, de fertilidade, de vitalidade. Tenho vida
dentro de mim! E a gente se sente um semideus, pelo poder de gerar, pela
capacidade de despertar o cio da terra."
Rubem Alves.

2.CONCLUSÃO
Quando cultivamos a horta podemos perceber que estamos também
cultivando a nossa Alma, movimento que acontece em pleno silêncio. O cultivo da
alma é o cultivo das imagens é ficar na alma e isto também acontece de maneira
silenciosa, onde fazem parte deste ato, deuses, analista e o paciente, em um
mundo misterioso. Hillman nos fala desse sentido de Cultivo de Alma, quando
diz: "Quando os Deuses vêm ao palco, tudo silencia e as pá lpebras cerram-se.
Mergulhados em olvido por essa experiência, emergimos sem saber exatamente
o que aconteceu; sabemos apenas que fomos transformados". (Hillman,1993).
Atualmente percebemos a importâ ncia dos quintais, cada vez mais
desaparecidos e, com isso, também as nossas raízes.
Finalizo este trabalho com o texto de Rubem Alves que nos parece
expressar uma parte desse sentimento.
“E a terra. Nã o, nã o é sujeira. Terra preta com esterco: ali a vida está
acontecendo, invisivelmente. Meu destino. Um dia serei terra, de mim a vida
poderá nascer de novo. As crianças, sem que ninguém as ensine, sabem dessas
coisas. Somos nó s que dizemos que terra é sujeira, porque preferimos os
carpetes assépticos e mortos e os pisos vitrificados onde mã o nenhuma pode
penetrar. Brincar com a terra, conquistar sua dureza, misturar o esterco
esfarelado, senti-la leve e solta, esguichar a á gua. Ali, diante dos nossos olhos,
uma metamorfose vai acontecendo, e a terra, de coisa estéril, dura, virgem, é
agora mulher em cio, pedindo as sementes. Vamos abrindo os sulcos, canteiros, e
neles colocamos a vida que o nosso desejo escolheu. Coisa gostosa. Estamos
muito pró ximos de nossas origens. Nossos pensamentos ficam diferentes.
Deixam de perambular pelos desertos de ansiedade e ficam cada vez mais
pró ximos, colados à mã o, colados à terra. Os pensamentos fantasmas voltam ao
aqui e ao agora do corpo, passam a ser coisas amigas e alegres.
Segundo filó sofos de outros tempos, tudo o que existe se reduz a quatro
elementos: a terra, a á gua, o vento e o fogo. E ali estamos nó s, mã os na terra,
terra molhada, e a brisa sopra. Horta, pedaço de nó s mesmos, mã e. Se
compreendermos que ela é nã o só a nossa origem como também nosso destino, e
se a amarmos, entã o estaremos amando a nó s mesmos, como seremos. Nã o, nã o
tenho uma horta para economizar na feira. Tenho uma horta porque preciso
dela, como preciso de alguém a quem amo.”

3.REFERÊNCIAS
EIGENHEER, E. Lixo, Vanitas e morte: consideraçõ es de um observador de
resíduos. Niteró i: EDUFF, 2003.
EDINGER, E. F. Anatomia da Psique. Sã o Paulo: Cultrix, 2006.
HILLMAN, J. A experiência da morte. In: _____. Suicídio e alma. Cap. IV. Petró polis,
RJ: Vozes, 2009.
JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. O.C. Vol. IX/1. Petró polis, RJ:
Vozes, 2000.
RODRIGUES, J. C. Higiene e ilusã o. Rio de Janeiro: Nau, 1995.
ALVES, RUBEM. A Mú sica da Natureza. Sã o Paulo: Papirus, 2004.

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