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O Processo de Individuação, conforme Jung

Rubem C. P. Paz

Psicólogo Clinico Junguiano Watts 051995268858

“Tudo o que nos irrita nos outros pode nos levar a

uma melhor compreensão de nós mesmos. ” Jung

1. INTRODUÇÃO

Diariamente a nossa alma está sendo tocada e transformada, com situações difíceis de ser superadas, mas não temos consciência dessa

transformação. Quando fizemos consciência e saímos desse estado de inconsciência nos defrontamos com nossa sombra e, neste momento, abre-se a

oportunidade de praticar o bem, a transformação em favor da integração da maturidade e da consciência do Si-mesmo. Neste estágio o bem é a meta

da individuação é o Cristo que representa o Si-mesmo no processo de individuação.

Conforme Jung, (2013), toda pessoa tem a capacidade de elevar-se a uma consciência mais ampla, o que poderíamos presumir que os processos

inconscientes conspiram para serem reconhecidos pela consciência. O propósito desse processo na nossa existência é alcançar a individuação,

entendida como sendo a realização plena de nossas potencialidades, sendo que este processo vai se construindo ao longo da vida. Podemos pensar,

em relação ao mundo, com sua dinâmica entre seus aspectos polares de beleza e harmonia e sua desarmonia e pobreza, que também está passando pelo

processo de individuação.

Diz Jung

O processo de individuação constitui uma tarefa sumamente penosa, em que há sempre um conflito de obrigações, cuja solução

supõe que se esteja em condições de entender a vontade contrária como vontade de Deus. Não é com meras palavras, nem com

auto ilusões cômodas que se enfrenta o problema, porque as possibilidades destrutivas existem em demasia. O perigo quase

inevitável consiste em ficar mergulhado no conflito e, consequentemente, na dissociação neurótica. (Jung, 2013, v.11, p.108).

O processo de individuação geralmente começa por uma crise, perda de um emprego, de um grande amor, ou por doenças. Nesse momento o

individuo se vê obrigado a rever seus valores, seus laços afetivos, seus medos, suas fraquezas. Tudo isso pode despertar uma oportunidade de buscar

uma compreensão, um sentido, ressignificando e mobilizando forças pra novas possibilidades.

Esse processo de individuação só ocorrerá se houver unidade entre consciência e inconsciente. (Jung, 2013)

Jung chamou essa necessidade de diálogo entre consciência e inconsciente de função transcendente.

Jung escreve

“A contínua conscientizaçã o das fantasias (sem o que, permaneceriam inconscientes), com a participaçã o ativa nos

acontecimentos que se desenrolam no plano fantá stico, tem vá rias consequências. Em primeiro lugar, há uma ampliaçã o

da consciência, pois inú meros conteú dos inconscientes sã o trazidos à consciência. Em segundo lugar, há uma diminuiçã o

gradual da influência dominante do inconsciente; em terceiro lugar, verifica-se uma transformaçã o da personalidade. A

conscientizaçã o e vivência das fantasias determinam a assimilaçã o das funçõ es inferiores e inconscientes à consciência,
causando efeitos profundos sobre a atitude consciente. Dei o nome de funçã o transcendente a esta mudança obtida

através do confronto com o inconsciente.” (Jung, 2013, v. 7, p.110)

Conforme Jung, (2013), não é possível fazer contato com inconsciente de forma direta, pois o inconsciente se revela através da consciência que

é o ponto de partida. Por isso a necessidade da função transcendente, mecanismos psicológico que une os opostos ajudando a manifestação do Si-

mesmo.

A participação consciente do paciente nesse processo deve ser efetiva, a fim de que ele possa fazer consciência e o ego possa se apropriar e

auxiliar na integração dos conteúdos inconscientes. Percebe-se, então, que no processo de individuação a participação do ego é de fundamental

importância dentro da psicologia profunda.

Segundo Jung (2013) não pode haver elemento consciente que não tenha o ego como ponto de referência. Dessa maneira, o que não passar pelo

ego não atingirá a consciência. Assim, podemos definir a consciência como a relação dos fatos psíquicos com o ego. Esse processo gera mecanismos

psicológicos que une os opostos ajudando a manifestação do Si-mesmo. Nesse momento a consciência passa a se destacar com o caráter religioso da

experiência e se relacionar com essa dimensão transcendente, o Si-mesmo. Esta relação é norteada por imagens que adotam o emprego dos símbolos,

formando uma ponte entre consciente e inconsciente, a vivencia entre ego e self.

O que Jung diz a respeito do ego

É um dado complexo formado primeiramente por uma percepção geral de nosso corpo e existência e, a seguir, pelos registros de

nossa memória. Todos temos uma certa idéia de já termos existido, quer dizer, de nossa vida em épocas passadas; todos

acumulamos uma longa série de recordações. Esses dois fatores são os principais componentes do ego, que nos possibilitam

considera-lo como um complexo de fatos psíquicos. A força de atração desse complexo é poderosa como a de um imã; é ele que

atrai os conteúdos do inconsciente, daquela região obscura sobre a qual nada se conhece. Ele também chama a si impressões do

exterior que se tornam conscientes ao seu contato. Caso não haja esse contato, tais impressões permanecerão inconscientes. É

sempre o centro de nossas atenções e de nossos desejos, sendo o cerne indispensável da consciência. (Jung, 1996, p. 7)

Umas das imagens que representam um ego em perfeita sintonia com o Self, Segundo Edinger (1965), é a imagem de Cristo, ela nos mostra

uma representação do ego dirigido pelo Si-mesmo, este ego individuado que fez consciência.

Cristo é um símbolo desse processo. Já que para Jung (2013), o símbolo tem como função dar um sentido a vida do individuo, podendo ser

entendido como a melhor demonstração de algo relativamente desconhecido, ele vem representado por imagens, experiências e vivências que juntam

aspectos conscientes e inconscientes, possibilitando estabelecer variadas relações e analogias. É através da imagem que a consciência exerce o seu

caminho criativo, podendo se auto-observar diante da sua constituição. A imagem tem lógica e legitimidade em si mesma, ela é a linguagem a matéria

prima da psique, podendo ser trabalhada, cultivada, observada, contemplada, cuidando para não reduzi-la em explicações ou conceitos. A imagem é a

consciência em estado puro. Podemos pensar na imagem vista como mensageira do Si-mesmo.

Ainda, segundo Jung (2013), o homem necessita de uma vida simbólica, porém não temos vida simbólica. Na Índia por exemplo em algum

canto de suas casas, eles realizam rituais, mesmo nas casas mais simples, mas nós não dispomos desse lugar para meditar, e poder viver a vida

simbólica. A vida simbólica é o pré-requisito da saúde psíquica. Na ausência dela o ego fica desconectado da sua fonte suprema e fica preso em seu

estado de vítima, da sua ansiedade, não podendo libertar-se da angustiante e esmagadora dor. O homem na sua totalidade é bem maior que o ego,
sendo que o símbolo nos coloca em contato com as forças de nossa existência, bem como do significado que temos. Essa é a razão de cultivarmos a

vida simbólica.

No processo de individuação há o confrontamento e o reconhecimento dos vários aspectos sombrios, para enfim nos despirmos da persona e

da identificação com as imagens primordiais, com o objetivo de nos tornarmos um ser único. O processo de individuação não tem a ver com

individualismo.

Para Jung

Individuação significa tornar-se um ser único, na medida em que por individualidade entendermos nossa singularidade mais

íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si-mesmo. Podemos pois traduzir

“individuação” como “tornar-se si-mesmo” (Verselbstung) ou “o realizar-se do si-mesmo” (Selbstverwirklichung). (Jung, 2013,

p. 65)

Para Edinger (1995), a individuação não é um ponto a ser alçado é um processo acontecendo, em vários níveis, que vão se integrando, e devem

submeter-se a uma transformação para que a modificação aconteça.

Uma das ferramentas importante para ser usada nesse processo de transformação é a imaginação ativa, pois ela é baseada na livre introspeção,

não havendo direcionamento do psicoterapeuta. A atividade do psicoterapeuta se limita a orientar o paciente como fazer a livre introspecção,

orientando com auxilio de técnicas de relaxamento e preparação do ambiente.

A imaginação ativa foi organizada por Jung, ela foi baseada em seu experimentos pessoais e terapêuticos, sendo que ele a transformou em

ferramenta para ser usada na psicologia clinica, como forma de estimular o trabalho com as fantasias, provocando resultados transformadores, através

da mobilização da função transcendente. Esta técnica foi a mais usada por Jung no acesso aos seus conteúdos inconscientes.

Kast, explica

“Quando trabalhamos com habilidades imaginativas na terapia, damos luz à possibilidade de utilizá-las para retrabalhar as

imagens que temos de nós mesmos e do mundo; geramos a possibilidade de nos conscientizar de que as imagens que criamos do

mundo e de nós mesmos tanto podem nos servir de obstáculo como de reforço para enfrentar nossa vida” (Kast, 1997, p.28).

3. CONCLUSÃO

Como podemos perceber o processo de individuação apenas ocorre, com a aceitação por parte do ego, pois ele é o responsável pela organização

da consciência, arranjando percepções conscientes, lembranças, pensamentos e sentimentos.

Sendo que na percepção de Jung, a individuação remete o indivíduo a um processo que o torna um ser psicológico, ser este que se transforma

em uma unidade autônoma se tornando uma totalidade. Percebemos também, que o processo de individuação é o conceito básico da Psicologia

Analítica, sendo que este processo é a realização do Si-mesmo. A individuação estimula o indivíduo a despertar na prática o melhor de si e do outro,

podendo se integrar no coletivo, saindo do isolamento. Constatamos ainda, a importância do movimento religioso, conspirando a favor da jornada da

alma.
Jung (2013) reconhece a importância da religiosidade para o processo de individuação, diz que a natureza da psique é religiosa, e fonte de

símbolos vivos, conferindo vitalidade e integridade à alma humana como a imagem de Deus, a presença do sagrado, a manifestação transcendente o

Si-mesmo. Porém trata desse assunto com seu rigor cientifico, tomando cuidado de conceituar o processo por meio da Psicologia.

Na carta enviada a Hélène Kiener, de Estrasburgo, explica a importância de Deus nesse processo, a vontade do eu de submeter-se ao Si-mesmo.

Em 15 de junho de 1955, Jung escreve

“Si-mesmo” é algo que podemos verificar psicologicamente. Nós experimentamos “símbolos do si-mesmo” que não se deixam

distinguir dos “símbolos de Deus”. Não posso provar que o si-mesmo e Deus sejam idênticos, mesmo que na prática pareçam

idênticos. Naturalmente, individuação é em última análise um processo religioso que exige uma atitude religiosa correspondente

– a vontade do eu de submeter-se à vontade de Deus. Para não provocar mal-entendidos digo si-mesmo em vez de Deus.

Empiricamente também é mais exato. A psicologia analítica ajuda-nos a conhecer as potencialidades religiosas. (Jung, 2002,

p.432)

A Consciência e a Individuação andam juntas no desenvolvimento da personalidade, pois o inicio de uma mente consciente, pode marcar o

inicio do processo de individuação. A imaginação ativa é uma técnica importante para o indivíduo fazer consciência, esta técnica foi muito usada por

Jung no acesso aos seus conteúdos inconscientes.

Jung explica que

“A imaginação ativa, como o termo diz, designa imagens dotadas de vida própria e os acontecimentos simbólicos se

desenvolvem de acordo com uma lógica que lhes é peculiar, quer dizer, logicamente, se a imaginação consciente não interferir”

(Jung, 2013, v. 18, p.190).

A individuação é um tema central na obra de Jung, poderíamos pensar que a trajetória da vida Jung é um grande exemplo de individuação, ele

demonstrou na prática a realização de seu inconsciente, se entregou as suas experiências, concluiu que somos uma unidade representando várias

personas. Praticou a imaginação ativa como técnica para ter acesso aos seus conteúdos inconscientes.

No livro Memórias, Sonhos e Reflexões, Jung diz que

“Minha vida é a história de um inconsciente que se realizou. Tudo o que nele repousa aspira a tornar-se acontecimento, e a

personalidade, por seu lado, quer evoluir a partir de suas condições inconscientes e experimentar-se como totalidade. A fim de

descrever esse desenvolvimento, tal como se processou em mim, não posso servir-me da linguagem científica; não posso me

experimentar como um problema científico.” ( Jung,1986, p.5)

Diante de tudo isso, pensamos que o processo de análise tem um papel fundamental no fortalecimento, e na direção do ego, e neste momento

que analista e analisando se juntam no trabalho de pensar. Podemos concluir que o processo de análise é o processo de individuação.
4. REFERĒNCIAS

Edinger, E.F. Ego e Arquétipo. São Paulo, SP, Cultrix,1995.

Hillman, J. e Shamdasani, S. Lamento dos Mortos. Petrópolis, RJ. Editora Vozes, 2015.

Jung, C. G. Aion. Estudos sobre o simbolismo do Si-mesmo. Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 2013.

Jung, C. G. A Vida Simbólica. Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 2013.

Jung, C. G. Cartas II. Petrópolis, RJ, Editoras Vozes, 2002.

Jung, C. G. A prática da psicoterapia. Obras completas. Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 2013.

Jung, C. G. Fundamentos de Psicologia Analítica. Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 1996

Jung, C.G. O eu e o inconsciente. Obras Completas, Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 2013.

Jung, C. G. Memórias sonhos e reflexões. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1986.

Jung, C.G. O Homem e seus símbolos e, após sua morte, M. L. von Franz. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2002.

Jung, C.G. Psicologia do inconsciente. Obras Completas, Petrópolis, RJ, Editora Vozes,

Jung, C. G. Psicologia e Religião Ocidental e Oriental. Obras Completas, Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 2013.

Kast, Verena. A Imaginacão como espaço de liberdade: diálogos entre o ego e o inconsciente. São Paulo, SP, Editora Loyola, 1997.

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