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ATIVIDADES DOCENTES

Wellington Soares de Lima

É verdade que todo trabalho pode refletir em nosso pessoal e


consequentemente ser “levado para casa”, todavia, a profissão docente vem a
ser uma das que mais parece sofrer com este estigma que impõe a necessidade
em se levar os problemas escolares para casa, refletir sobre eles e propor uma
resolução para ser um bom professor. Assim o tempo de trabalho docente
ultrapassa aquele tido no ambiente escolar ou os tão ditos 200 dias letivos.
Podemos perceber um certo disciplinamento dos corpos docentes para
o tempo de trabalho. O professor que esquece dos problemas, que não leva
trabalhos para corrigir por vezes não é considerado um bom professor, afinal de
contas, o tempo de hora-atividade, em grande parte das vezes não é suficiente
para o planejamento de aulas, estudos e correção de atividades.
Além disto, têm-se um estigma de que a hora-atividade não é vista como
tempo de trabalho, assim, entre os próprios professores podemos ver
comentários de que “fulano está sem fazer nada agora” e denotando
tranquilidade àquele momento. Todavia, esta tranquilidade está longe de ser
alcançada quando pressões e imposições são colocadas para realização de
tarefas também burocráticas, o que faz com o que tempo ainda seja mais
reduzido para os outros afazeres docentes.
O que podemos dizer então das instituições privadas que não oferecem
esse horário de planejamento/estudo? De fato, o poder que tais empresas
exercem sobre seus meros funcionários é exorbitante, pois o docente precisa
preparar suas atividades, refletir sobre a prática e corrigir atividades apenas fora
do ambiente escolar, por vezes, sem receber por estas cargas horárias de
trabalho. Todavia, a precarização da profissão força licenciados a se
submeterem a tais condições em troca de um salário que ofereça mínimas
condições de sobrevivência.
Ao entrarmos nesse tema do trabalho docente, não podemos deixar de
comentar sobre as questões de gênero que circundam esta profissão. As
mulheres são a grande maioria em atividade, assim, como já se sabe,
estruturalmente as tarefas domésticas e o cuidado com filhos recaem sobre elas
o que torna o trabalho docente em casa exaustivo e não muito atencioso, em
especial, se esta mulher for mãe solo e/ou não tiver uma família que contribua
com espaços e tempos. Estas mulheres precisam renunciar suas pessoalidades
e famílias, para que possam desempenhar um trabalho por vezes não
remunerado.
A sujeição a tais condições é muitas vezes simplesmente aceitada,
afinal, o mundo capitalista que vivemos, exige que “conquistemos” nossas
próprias rendas para sermos dignos perante a sociedade. Assim, este
profissional que tudo faz, e nada de tempo possui para si, é muito bem-visto
como aquele que se esforça.
Retornando aos aspectos de organização escolar, geram-se ainda
conflitos entre profissionais que exercem funções diferentes, como
coordenadores pedagógicos e diretores, os quais, também são professores, mas
que recebem instruções e ordens que promovem a sujeição para a cobrança dos
professores em prática, principalmente em aspectos burocráticos. Dizemos
principalmente em aspectos burocráticos, pois apesar de ser função dos
coordenadores acompanharem os planejamentos e atividades docentes de
qualidade pedagógica, eles não possuem o tempo hábil para realizá-lo diante de
tantas imposições burocráticas.
Tal aspecto constitui também uma autocobrança pelos professores, pois
este sabe que será cobrado pelos órgãos administrativos que também sofrem
pressões de instâncias superiores e consequentemente se sentem repreendidos
e com medo de represálias e perseguição. Gera-se assim, aflições e angústias
sobre o cumprimento de prazos que impactam diretamente na saúde deste
profissional.
Neste ano, não podemos deixar de comentar também sobre as
implicações do momento pandêmico. No estado do Paraná, mínimas formações
foram realizadas e os professores, independente de suas “intimidades” com
aparelhos tecnológicos, tiveram que aprender (por vezes sozinhos) a como
realizar as aulas da maneira que queriam aqueles responsáveis pela secretaria
governamental. Foram tempos de muita frustração e insatisfação, pois além dos
professores confusos, toda a comunidade escolar estava desorientada e não
recebia instruções diretas da secretaria competente.
De fato, esta situação aos poucos se resolveu, mas ainda, com muitas
peças faltantes, principalmente nos aspectos avaliativos. O processo de
aprendizagem foi deixado de lado, pois a preocupação era que os professores
exercessem sua função, e os estudantes fingissem (claramente não todos) uma
participação. O foco era que os docentes trabalhassem, afinal de contas, seus
corpos domesticados precisavam realizar ações.
Outro momento de muita controvérsia, foi a entrega de atividades
presenciais e o momento de retorno ao ensino presencial. Os docentes e outros
funcionários precisavam agora se expor aos riscos para entregar materiais aos
estudantes e posteriormente para retornar as atividades práticas. Embora ainda
não houvesse vacina disponível para os estudantes estarem também
imunizados para o retorno presencial, o foco era que os professores estivessem
vacinados para que pudessem retornar ao trabalho o mais rápido possível, em
um discurso de que este seria com segurança.
Grupos de risco também foram expostos, inclusive quando pela primeira
vez, o processo seletivo foi realizado mediante prova presencial. No Paraná,
todos os anos, milhares de professores são contratados de forma temporária,
sob a alegação de não existência de vagas efetivas. Tais contratados exercem
as mesmas funções dos concursados com a diferença de salário e direitos. Fato
é que exatamente em uma no pandêmico, o governo do estado resolve realizar
este processo por meio de provas presenciais.
O valor da vida docente, não parece ser de grande valia para o sistema,
seja ele público ou privado, e mais ainda, quanto mais estes profissionais sejam
disciplinados a exercerem suas funções conforme preconiza as instituições, mais
se culpabiliza e responsabiliza tais sujeitos sobre os sucessos e fracassos dos
processos de ensino e aprendizagem. Culpabilização que também é percebida
pelos próprios docentes, e tidas para eles como suas e não de um conjunto de
poderes e sistemas que os fazem pensar e agir de tal forma.

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