É verdade que todo trabalho pode refletir em nosso pessoal e
consequentemente ser “levado para casa”, todavia, a profissão docente vem a ser uma das que mais parece sofrer com este estigma que impõe a necessidade em se levar os problemas escolares para casa, refletir sobre eles e propor uma resolução para ser um bom professor. Assim o tempo de trabalho docente ultrapassa aquele tido no ambiente escolar ou os tão ditos 200 dias letivos. Podemos perceber um certo disciplinamento dos corpos docentes para o tempo de trabalho. O professor que esquece dos problemas, que não leva trabalhos para corrigir por vezes não é considerado um bom professor, afinal de contas, o tempo de hora-atividade, em grande parte das vezes não é suficiente para o planejamento de aulas, estudos e correção de atividades. Além disto, têm-se um estigma de que a hora-atividade não é vista como tempo de trabalho, assim, entre os próprios professores podemos ver comentários de que “fulano está sem fazer nada agora” e denotando tranquilidade àquele momento. Todavia, esta tranquilidade está longe de ser alcançada quando pressões e imposições são colocadas para realização de tarefas também burocráticas, o que faz com o que tempo ainda seja mais reduzido para os outros afazeres docentes. O que podemos dizer então das instituições privadas que não oferecem esse horário de planejamento/estudo? De fato, o poder que tais empresas exercem sobre seus meros funcionários é exorbitante, pois o docente precisa preparar suas atividades, refletir sobre a prática e corrigir atividades apenas fora do ambiente escolar, por vezes, sem receber por estas cargas horárias de trabalho. Todavia, a precarização da profissão força licenciados a se submeterem a tais condições em troca de um salário que ofereça mínimas condições de sobrevivência. Ao entrarmos nesse tema do trabalho docente, não podemos deixar de comentar sobre as questões de gênero que circundam esta profissão. As mulheres são a grande maioria em atividade, assim, como já se sabe, estruturalmente as tarefas domésticas e o cuidado com filhos recaem sobre elas o que torna o trabalho docente em casa exaustivo e não muito atencioso, em especial, se esta mulher for mãe solo e/ou não tiver uma família que contribua com espaços e tempos. Estas mulheres precisam renunciar suas pessoalidades e famílias, para que possam desempenhar um trabalho por vezes não remunerado. A sujeição a tais condições é muitas vezes simplesmente aceitada, afinal, o mundo capitalista que vivemos, exige que “conquistemos” nossas próprias rendas para sermos dignos perante a sociedade. Assim, este profissional que tudo faz, e nada de tempo possui para si, é muito bem-visto como aquele que se esforça. Retornando aos aspectos de organização escolar, geram-se ainda conflitos entre profissionais que exercem funções diferentes, como coordenadores pedagógicos e diretores, os quais, também são professores, mas que recebem instruções e ordens que promovem a sujeição para a cobrança dos professores em prática, principalmente em aspectos burocráticos. Dizemos principalmente em aspectos burocráticos, pois apesar de ser função dos coordenadores acompanharem os planejamentos e atividades docentes de qualidade pedagógica, eles não possuem o tempo hábil para realizá-lo diante de tantas imposições burocráticas. Tal aspecto constitui também uma autocobrança pelos professores, pois este sabe que será cobrado pelos órgãos administrativos que também sofrem pressões de instâncias superiores e consequentemente se sentem repreendidos e com medo de represálias e perseguição. Gera-se assim, aflições e angústias sobre o cumprimento de prazos que impactam diretamente na saúde deste profissional. Neste ano, não podemos deixar de comentar também sobre as implicações do momento pandêmico. No estado do Paraná, mínimas formações foram realizadas e os professores, independente de suas “intimidades” com aparelhos tecnológicos, tiveram que aprender (por vezes sozinhos) a como realizar as aulas da maneira que queriam aqueles responsáveis pela secretaria governamental. Foram tempos de muita frustração e insatisfação, pois além dos professores confusos, toda a comunidade escolar estava desorientada e não recebia instruções diretas da secretaria competente. De fato, esta situação aos poucos se resolveu, mas ainda, com muitas peças faltantes, principalmente nos aspectos avaliativos. O processo de aprendizagem foi deixado de lado, pois a preocupação era que os professores exercessem sua função, e os estudantes fingissem (claramente não todos) uma participação. O foco era que os docentes trabalhassem, afinal de contas, seus corpos domesticados precisavam realizar ações. Outro momento de muita controvérsia, foi a entrega de atividades presenciais e o momento de retorno ao ensino presencial. Os docentes e outros funcionários precisavam agora se expor aos riscos para entregar materiais aos estudantes e posteriormente para retornar as atividades práticas. Embora ainda não houvesse vacina disponível para os estudantes estarem também imunizados para o retorno presencial, o foco era que os professores estivessem vacinados para que pudessem retornar ao trabalho o mais rápido possível, em um discurso de que este seria com segurança. Grupos de risco também foram expostos, inclusive quando pela primeira vez, o processo seletivo foi realizado mediante prova presencial. No Paraná, todos os anos, milhares de professores são contratados de forma temporária, sob a alegação de não existência de vagas efetivas. Tais contratados exercem as mesmas funções dos concursados com a diferença de salário e direitos. Fato é que exatamente em uma no pandêmico, o governo do estado resolve realizar este processo por meio de provas presenciais. O valor da vida docente, não parece ser de grande valia para o sistema, seja ele público ou privado, e mais ainda, quanto mais estes profissionais sejam disciplinados a exercerem suas funções conforme preconiza as instituições, mais se culpabiliza e responsabiliza tais sujeitos sobre os sucessos e fracassos dos processos de ensino e aprendizagem. Culpabilização que também é percebida pelos próprios docentes, e tidas para eles como suas e não de um conjunto de poderes e sistemas que os fazem pensar e agir de tal forma.