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BREVES APONTAMENTOS SOBRE OS Abstract

The purpose of this article is to analyze the four


ELEMENTOS DA
fundamental elements that rule civil liability in
RESPONSABILIDADE CIVIL Brazilian law. This issue is of great
importance, given that the complexity of our
society can make damages to be caused, and
that the victim must be restored to the status
quo ante or compensated for the loss suffered.
However, in any area where the damage has
Camila Fernanda PINSINATO COLUCCI117 occurred, whether it is an automobile accident,
the professional liability of a lawyer, or an
object that has fallen from a window of a
building and on a car, we must first analyze
whether the elements that characterize civil
Resumo
liability are there or not, and only then we start
O objetivo do presente artigo é a análise dos
with the analysis of the concrete case. Thus,
quatro elementos fundamentais que regem a
action and omission, guilt, causation and
responsabilidade civil no direito brasileiro. Este
damage will be briefly verified, as they must
tema é de grande importância, haja vista que a
be the first step to be taken in the matter
complexidade da sociedade atual faz com que
concerning civil liability.
cada vez mais danos possam eventualmente ser
causados, havendo a necessidade de que a vítima
Keywords: action; omission; guilt; causation;
seja recolocada no statu quo ante ou, ainda, que
damage.
seja compensada pelo prejuízo sofrido. Porém,
em qualquer área que o dano tenha ocorrido, seja
um acidente automobilístico, seja a
responsabilidade do advogado no atuar da
Introdução
profissão, seja ainda um objeto que tenha caído
de uma janela de um prédio sobre um carro,
devemos analisar, primeiramente, se estão
As relações humanas estão a cada dia
presentes os elementos caracterizadores da
responsabilidade civil para somente então mais complexas. Tal complexidade pode vir a
partirmos para a análise do caso concreto. Assim,
gerar algum tipo de dano, tenha o ato praticado
serão verificados brevemente ação e omissão,
culpa, nexo de causalidade e dano, que não sido lícito ou ilícito. E, na eventualidade de
podem deixar de ser estudados como primeiro
dano, não seria condizente com o direito deixar
passo a ser dado na matéria concernente à
responsabilidade civil. a vítima sem qualquer tipo de indenização.
Assim, nos valendo dos ensinamentos de
Palavras-chave: ação; omissão; culpa; nexo
de causalidade; dano. Carlos Roberto Gonçalves, “toda atividade
que acarreta prejuízo traz em seu bojo, como
fato social, o problema da responsabilidade.

117
Bacharel em Direito pela Faculdade de Unianchieta desde o ano de 2014. Atua como
Direito da Universidade de São Paulo. Mestre advogada nas áreas de direito civil e direito da
em Direito Civil pela Faculdade de Direito da infância e juventude nas cidades de Jundiaí e
Universidade de São Paulo. Professora das São Paulo.
matérias de Direito civil e Processo civil do

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Destina-se ela a restaurar o equilíbrio moral e máximo possível os danos causados pela
patrimonial provocado pelo autor do dano. vítima. Segundo Rui Stoco, “(...) a
Exatamente o interesse em restabelecer a responsabilização é meio e modo de
harmonia e o equilíbrio violados pelo dano exteriorização da própria Justiça e a
constitui a fonte geradora da responsabilidade responsabilidade é a tradução para o sistema
civil”.118 jurídico do dever moral de não prejudicar a
Não poderia mesmo ser de outra outro, ou seja, o neminem laedere”.119 Para
forma. Ao praticarmos atividades na nossa Sérgio Cavalieri Filho, “O dano causado pelo
vida civil, corremos o risco de prejudicar ato ilícito rompe o equilíbrio jurídico-
alguém. Esta pessoa, violada em seus direitos, econômico anteriormente existente entre o
ainda que minimamente, se não tiver agente e a vítima. Há uma necessidade
concorrido para o dano, não pode ficar sem a fundamental de se restabelecer este equilíbrio,
respectiva indenização. Se analisarmos a o que se procura fazer recolocando o
palavra “indenização”, verificaremos que ela prejudicado no statu quo ante”.120 Afinal, “A
quer dizer “não dano” ou “retirar o dano”. ordem jurídica não quer que a vítima da lesão
Assim, primeiramente, o ideal seria fazer-se a fique sem a competente reparação, nem que o
volta ao estado anterior, isto é, fazer com que a causador do mal escape ao dever de repará-
vítima retorne ao estado em que se encontrava lo”.121
antes de haver o dano. Porém, nem sempre isso Assim, nessa esteira, prevê o art. 927
se faz possível, falando-se, então, em do Código Civil que “aquele que, por ato ilícito
compensação do dano, isto é, tentar fazer com (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
que uma indenização pecuniária venha a obrigado a repará-lo”.
amenizar as consequências do dano
provocado. Histórico
Analisando-se diferentes autores de
escol, verificamos que todos compartilham No início da vida em sociedade, o dano
dessa ideia de que a justiça somente estará provocava reação imediata e instintiva do
presente no caso concreto se minimizarmos o ofendido, sem quaisquer limitações. Era a fase

118 120
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de
brasileiro: responsabilidade civil. v. 4. 10. Ed. responsabilidade civil. 7. ed. rev. e ampl. SP:
São Paulo: Saraiva, 2015, p. 19. Atlas, 2007, p. 13.
119 121
STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua THEODORO JR., Humberto.
interpretação jurisprudencial. 4. ed. rev., atual. Responsabilidade civil: doutrina e
e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, jurisprudência. v. I. 4. ed. aument. Rio de
p. 59. Janeiro: AIDE, 1997, p. 24.

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da vingança privada que foi mais tarde Já no Brasil, os primórdios da
regulamentada, dando origem à lei de talião, responsabilidade civil surgiram com o Código
do olho por olho, dente por dente.122 Observa Criminal de 1830, que previa a reparação do
Luiz Cláudio Silva que dano, quando possível, ou sua indenização.
Com o Código Civil de 1916, adotou-se a
nas sociedades primitivas, já se teoria subjetiva, isto é, a que exige prova da
impunham relações de convivência e
a necessidade de conduta respeitosa, culpa lato sensu para que houvesse a punição
sendo reguladas através de normas, do causador do dano. Ainda assim, os arts.
as quais, quando violadas por
qualquer membro do grupo, tinham 1.527, 1.528 e 1.529, por exemplo, já traziam
como consequência a aplicação de
penalidades correspondentes ao mal a teoria da responsabilidade objetiva, qual seja,
praticado, na forma típica do talião a que dispensa a prova do elemento culpa,
(retaliatio), como forma de vingança
regulada e comensurada.123 presumindo-a.
Nosso atual Código Civil ainda filia-
Mais tarde, a vingança deu lugar à se, como regra geral, à teoria da culpa,
compensação econômica, quando se passou a exigindo sua prova para que se caracterize a
perceber que a mesma não recuperava o dano responsabilidade civil, embora o parágrafo
causado. Não havia, ainda, a presença do único do art. 927 determine que “Haverá
Estado, que surge em momento mais avançado obrigação de reparar o dano,
na história, fazendo com que a compensação independentemente de culpa, nos casos
econômica passasse a ser obrigatória. Num especificados em lei, ou quando a atividade
primeiro momento, havia o sistema da normalmente desenvolvida pelo autor do dano
tarifação, no qual havia tabelas trazendo os implicar, por sua natureza, risco para os
valores que deveriam ser pagos dependendo direitos de outrem”.
124
do dano causado. É da análise do art. 186 do Código
O direito romano, por sua vez, trouxe Civil que podemos extrair os chamados
o esboço atual da responsabilidade civil, com a elementos ou pressupostos da
Lex Aquilia, por exemplo, que determinou responsabilidade civil. Prevê mencionado
princípio geral da reparação do dano e a noção artigo que “Aquele que, por ação ou omissão
de culpa.125 voluntária, negligência ou imprudência, violar

122 124
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil
brasileiro: responsabilidade civil. v. 4. 10. ed. brasileiro: responsabilidade civil. v. 4. 10. ed.
São Paulo: Saraiva, 2015, p. 24-25. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 24-25.
123 125
SILVA, Luiz Cláudio. Responsabilidade GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil
civil: teoria e prática das ações. Rio de Janeiro: brasileiro: responsabilidade civil. v. 4. 10. ed.
Forense, 1998, p. 3. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 25-26.

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direito e causar dano a outrem, ainda que ou omissão geradora do dano. Poderiam ser
exclusivamente moral, comete ato ilícito”. mencionadas, aqui, situações de transmissão
Verificam-se, assim, os quatro elementos da de doenças, rompimento de noivado, danos
responsabilidade civil: ação ou omissão, culpa, ambientais, danos causados por intermédio da
nexo de causalidade e dano. Nielson Ribeiro internet, dano à honra praticado por calúnia,
Modro correlaciona os mencionados difamação e injúria, somente para exemplificar
elementos da seguinte forma: “(...), é algumas das condutas.
necessária uma conduta que estabeleça um Porém, muitas vezes, o causador do
nexo de causalidade entre o agente causador e dano é alguém que está sob a responsabilidade
o dano originado, podendo perpassar pela do agente que deverá indenizar, como é o caso
culpa desse agente”.126 de filhos menores, tutelados, curatelados,
São esses elementos que serão empregador, educador, entre outros. Segundo
brevemente analisados a seguir. Caio Mario da Silva Pereira,

Ação ou omissão para que a justiça se faça, é


necessário levar mais longe a
indagação, a saber se é possível
A ação ou omissão geradora do dano desbordar da pessoa causadora do
prejuízo e alcançar outra pessoa, à
pode ser causada por ato próprio, ato de qual o agente esteja ligado por uma
relação jurídica, e, em consequência,
terceiro ou ainda por fato da coisa ou de possa ela ser convocada a responder.
animais. Aí situa-se a responsabilidade por
fato de outrem ou pelo fato das
Nas palavras de Rui Stoco, “o coisas, ou responsabilidade indireta,
ou responsabilidade complexa
elemento primário de todo ilícito é uma (...).128
conduta humana e voluntária no mundo
exterior. (...). Não há responsabilidade civil Ressalte-se, ainda, que danos
sem determinado comportamento humano provocados por animais ou objetos do agente
contrário à ordem jurídica.”127 também geram para ele a obrigação de
Como regra, há o dever de indenizar indenizar. Como observa Carlos Roberto
pelo agente se é ele mesmo que pratica a ação Gonçalves, “a teoria da responsabilidade na

126
MODRO, Nielson Ribeiro. Considerações e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999,
sobre a responsabilidade civil: um estudo p. 64.
128
comparado entre o dano imaterial nos PEREIRA, Caio Mario da Silva.
ordenamentos jurídicos brasileiro e português. Responsabilidade civil. 9. ed. rev. Rio de
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 13. Janeiro: Forense, 1998, p. 85.
127
STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua
interpretação jurisprudencial. 4. ed. rev., atual.

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guarda da coisa inanimada remonta ao art. vítima só incumbe provar o dano e identificar
1.384 do Código de Napoleão, que atribui o dono ou detentor do animal’, como ensina
responsabilidade à pessoa não apenas pelo Aguiar Dias (Da Responsabilidade Civil, 6ª
dano por ela causado, mas, ainda, pelo dano ed., vol. II, n. 177-a, p. 90)”.131
causado pelas coisas sob sua guarda”.129 Também é nesse sentido sua lição
Orlando Gomes critica a expressão “dano por sobre fato da coisa:
fato da coisa” eis que
(...) o disposto no art. 1.529 do
Código Civil corresponde à velha
seria preferível designar como actio de effusis et dejuctis, que
responsabilidade por infração do conduz à responsabilização do
dever de guarda, ou de controle. morador, perante o lesado por
Visto que a responsabilidade há de objetos projetados do edifício para o
resultar de fato do homem, isto é, de exterior, responsabilidade essa que é
uma ação, ou omissão voluntária, independente da indagação de culpa,
negligência ou imprudência, a porque se apresenta como fruto de
chamada responsabilidade pelo fato violação do dever legal de não
da coisa há de ser entendida, em lançar nem deixar lançar coisas nos
última análise, como decorrente da lugares por onde transitam
conduta culposa de quem tem a pessoas”.132
guarda da coisa por meio da qual o
dano foi produzido.130
Com relação à omissão, tem-se a
abstenção na prática de algum ato que deveria
Nesse sentido é a lição de Humberto ter sido praticado. Com isso, o que se verifica
Theodoro Jr, demonstrando, ainda, que nessas é que nem toda e qualquer omissão estará apta
situações haveria modalidade de a gerar responsabilidade civil. Assim, deve-se
responsabilidade objetiva, eis a buscar a omissão que seja relevante para o
desnecessidade de se provar a culpa, próximo direito para que seja gerada a
elemento da responsabilidade civil a ser responsabilização.
estudado: “É o suficiente para a procedência A omissão “é um non facere relevante
do pedido indenizatório, posto que, na para o Direito, desde que atinja a um bem
sistemática do art. 1.527 do Código Civil, em juridicamente tutelado. (...). A omissão é uma
matéria de prejuízos acarretados por animal, ‘à conduta negativa. Surge porque alguém não

129
GONÇALVES, Carlos R.. Responsabilidade jurisprudência. v. I. 4. ed. aument. Rio de
civil. 7. ed. atual. e ampl. SP: Saraiva, 2002, p. Janeiro: AIDE, 1997, p. 145.
132
231. THEODORO JR., Humberto.
130
GOMES, Orlando. Responsabilidade civil. Responsabilidade civil: doutrina e
texto rev., atual. e ampl. por Edvaldo Brito. Rio jurisprudência. v. I. 4. ed. aument. Rio de
de Janeiro: Forense, 2011, p. 107. Janeiro: AIDE, 1997, p. 160-161.
131
THEODORO JR., Humberto.
Responsabilidade civil: doutrina e

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realizou determinada ação. A sua essência está omissão, neste caso, será geradora de
propriamente em não se ter agido de responsabilidade civil.
determinada forma”.133 Segundo Sergio
Cavalieri Filho, “(...) a omissão adquire Culpa
relevância jurídica, e torna o omitente
responsável, quando este tem dever jurídico de Passamos agora para o estudo do
agir, de praticar um ato para impedir o segundo elemento, qual seja, a culpa, que, nas
resultado, dever, esse, que pode advir da lei, do palavras de Anderson Schreiber, “(...) é,
negócio jurídico ou de uma conduta anterior inegavelmente, a categoria nuclear da
do próprio omitente, criando o risco da responsabilidade civil concebida pelos juristas
ocorrência do resultado, devendo, por isso, da Modernidade”.135 Sílvio de Salvo Venosa
agir para impedi-lo”.134 nos traz a definição de culpa: “em sentido
Assim, alguém que, dirigindo seu amplo, culpa é a inobservância de um dever
veículo, provoque acidente, terá o dever que o agente devia conhecer e observar”.136
jurídico de socorro da vítima, visto que foi sua Ademais, “a culpa, sob os princípios
própria conduta anterior de provocar o consagrados da negligência, imprudência e
acidente que gerou o dano. Já se se tratar de imperícia, contém uma conduta voluntária,
motorista que passa por um determinado local mas com resultado involuntário, a previsão ou
e vê uma pessoa caída no chão e não a socorre, a previsibilidade e a falta de cuidado devido,
não restará caracterizada a omissão geradora cautela ou atenção”.137 Ainda, para Rui Stoco,
de responsabilidade civil perante o direito “A culpa, genericamente entendida, é, pois,
(deixando-se de lado, aqui, eventuais análises fundo animador do ato ilícito, da injúria,
sobre a responsabilidade moral deste ofensa ou má conduta imputável. Nesta figura
motorista). Caso este segundo motorista seja encontram-se dois elementos: o objetivo,
médico, haverá o dever de socorrer, já que expressado na iliceidade, e o subjetivo, do mau
estará caracterizado um dever legal. Sua procedimento imputável”.138

133 136
STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil:
interpretação jurisprudencial. 4. ed. rev., atual. responsabilidade civil. v. 4. 13. ed. SP: Atlas,
e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, 2013, p. 25.
137
p. 65. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil:
134
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. v. 4. 13. ed. São Paulo:
responsabilidade civil. 7. ed. rev. e ampl. São Atlas, 2013, p. 30.
138
Paulo: Atlas, 2007, p. 24. STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua
135
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas interpretação jurisprudencial. 4. ed. rev., atual.
da responsabilidade civil: da erosão dos filtros e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999,
da reparação à diluição dos danos. São Paulo: p. 66.
Atlas, 2007, p. 12.

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Analisando-se este elemento, pode-se elemento a ser verificado. A culpa pode ser
observar que os sistemas de responsabilidade verificada na negligência, na imprudência ou,
civil estão divididos em sistemas de ainda, na imperícia. Venosa nos esclarece
responsabilidade com culpa e sistemas de esses conceitos: “Na negligência o agente não
responsabilidade sem culpa. Ensina-nos Rui age com a atenção devida em determinada
Stoco que “No sistema da responsabilidade conduta (...). Na imprudência o agente é
com culpa – abraçado por nosso Código Civil intrépido, açodado, precipitado e age sem
–, sem ela, real ou artificialmente criada, não prever consequências nefastas ou prejudiciais
há responsabilidade; no sistema objetivo, (...). É imperito aquele que demonstra
responde-se sem culpa, ou melhor, esta inabilidade para seu ofício, profissão ou
indagação não tem lugar”.139 Verifica-se, atividade”.140
assim, que nos sistemas de responsabilidade Excepcionalmente, porém, o direito
subjetiva, ou seja, com culpa, ela se torna brasileiro acaba por utilizar, em situações
elemento fundamental caracterizador da específicas, a chamada responsabilidade
responsabilização. Para que se tenha a devida objetiva, que é aquela caracterizada sem o
reparação do dano, então, a culpa deverá ser elemento culpa. Passa-se da necessidade de se
provada. Caso contrário, não estarão presentes provarem quatro elementos, no caso da
todos os elementos e, por conseguinte, não se responsabilidade subjetiva, para a necessidade
terá responsabilização. Porém, se o sistema de de estarem presentes apenas três deles,
responsabilidade civil filia-se ao sistema eliminando-se a culpa da equação, em casos de
objetivo, sem culpa, este elemento deixa de ser responsabilidade objetiva.
perquirido, não importando se houve culpa ou O art. 927, parágrafo único, do Código
não. O que importam são os demais elementos Civil determina que: “Haverá obrigação de
– ação ou omissão, nexo de causalidade e reparar o dano, independentemente de culpa,
dano. Aqui, não há necessidade de que haja nos casos especificados em lei, ou quando a
culpa. A presença ou ausência de culpa é atividade normalmente desenvolvida pelo
simplesmente desconsiderada. autor do dano implicar, por sua natureza, risco
O direito brasileiro, conforme dito para os direitos de outrem”. Vê-se, assim, a
acima, filia-se, como regra geral, à teoria da natureza excepcional da responsabilidade
culpa, isto é, para nós, a culpa deve ser objetiva no ordenamento brasileiro, já que não

139 140
STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil:
interpretação jurisprudencial. 4. ed. rev., atual. responsabilidade civil. v. 4. 13. ed. São Paulo:
e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, Atlas, 2013, p. 30.
p. 81.

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haverá necessidade de se provar a culpa nos responsabilização pelos atos de seus filhos ou
casos especificados em lei ou quando houver empregados.
risco para os direitos de outrem por conta da
atividade desenvolvida pelo autor do dano, Nexo de causalidade
ainda que lícita.
Ensina Claudio Luiz Bueno de Godoy Entre a conduta praticada pelo agente
sobre a segunda parte do parágrafo único do e o resultado danoso deve haver um liame,
art. 927 que “A novidade está numa previsão uma ligação que demonstre que aquele dano
genérica ou numa cláusula geral de foi causado exatamente por causa da conduta
responsabilidade sem culpa, baseada na ideia praticada. Assim, “Não basta que o agente haja
do risco criado, e mitigado, ou não integral, procedido contra jus, isto é, não se define a
dada a exigência de circunstância específica, responsabilidade pelo fato de cometer um
além da causalidade entre a conduta e o dano, “erro de conduta”. (...) É necessário que se
que está na particular potencialidade lesiva da estabeleça uma relação de causalidade entre a
atividade desenvolvida (...)”.141 E como injuridicidade da ação e o mal causado”.142
exemplo de responsabilidade objetiva advinda Na definição de Carlos Roberto
da lei temos o art. 933 do Código Civil que, ao Gonçalves, nexo de causalidade “é a relação de
se referir à responsabilidade por ato de terceiro, causa e efeito entre a ação ou omissão do
traz que “As pessoas indicadas nos incisos I a agente e o dano verificado. (...) Se houve dano
V do artigo antecedente, ainda que não haja mas sua causa não está relacionada com o
culpa de sua parte, responderão pelos atos comportamento do agente, inexiste a relação
praticados pelos terceiros ali referidos”. Com de causalidade e também a obrigação de
isso, não há necessidade de se provar, por indenizar”.143 Segundo Maria Helena Diniz, o
exemplo, que o pai não vigiou adequadamente nexo de causalidade “representa, portanto,
o filho ou que o empregador escolheu mal seu uma relação necessária entre o evento danoso
empregado. Somente pelo fato de serem pais e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é
ou empregadores já recai sobre eles a considerada como sua causa”.144

141 143
GODOY, Claudio Luiz Bueno de. GONÇALVES, Carlos Roberto.
Comentários aos arts. 927 a 954 do Código Responsabilidade civil. 7. ed. SP: Saraiva,
Civil. In: PELUSO, Cezar (coord.). Código 2002, p. 33.
144
civil comentado: doutrina e jurisprudência. 6. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil
ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2012, p. 924. brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. 26. ed.
142
PEREIRA, Caio Mario da Silva. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 129.
Responsabilidade civil. 9. ed. rev. RJ: Forense,
1998, p. 75.

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Carlos Roberto Gonçalves apresenta A crítica feita pela doutrina a essa
três principais teorias sobre o tema: teoria é o chamado regresso ao infinito, isto é,
equivalência das condições, causalidade é a possibilidade de se buscarem variáveis
adequada e a que exige que o dano seja anteriores, não se podendo chegar a uma
consequência imediata do fato que o conclusão de quem seria de fato o responsável
produziu.145 pelo dano. No caso de um indivíduo que tenha
Ensina o autor acima que “Pela teoria utilizado arma para atingir a vítima, poder-se-
da equivalência das condições, toda e qualquer ia argumentar que o responsável seria o
circunstância que haja concorrido para vendedor da arma, ou ainda seu fabricante.
produzir o dano é considerada uma causa. A A segunda teoria, chamada de
sua equivalência resulta de que, suprimida causalidade adequada, “(...) somente considera
uma delas, o dano não se verificaria”.146 como causadora do dano a condição por si só
Demonstra Caio Mario da Silva Pereira que apta a produzi-lo. Ocorrendo certo dano, temos
essa teoria foi originalmente elaborada no de concluir que o fato que o originou era capaz
âmbito do direito penal pelo jurista alemão de lhe dar causa”.148 Segundo Caio Mario da
Von Buri, sendo posteriormente desenvolvida Silva Pereira, “Em linhas gerais, e sucintas, a
pelos civilistas. Segundo ele, teoria pode ser assim resumida: o problema da
relação de causalidade é uma questão
(...) em havendo culpa, todas as científica de probabilidade. Dentre os
‘condições’ de um dano são
‘equivalentes’, isto é, todos os antecedentes do dano, há que se destacar
elementos que, ‘de uma certa aquele que está em condições de
maneira concorreram para a sua
realização, consideram-se como necessariamente tê-lo produzido”.149 A crítica
causas, sem a necessidade de
determinar, no encadeamento dos aqui feita seria que várias situações ficariam
fatos que antecederam o evento sem indenização, porque a conduta poderia
danosos, qual deles pode ser
apontado como sendo o que de modo não ser apta a causar o resultado danoso.
imediato provocou a efetivação do
prejuízo.147
Carlos Roberto Gonçalves exemplifica com
uma pancada leve no crânio, que não causaria

145 148
GONÇALVES, Carlos Roberto. GONÇALVES, Carlos Roberto.
Responsabilidade civil. 7. ed. SP: Saraiva, Responsabilidade civil. 7. ed. SP: Saraiva,
2002, p. 521. 2002, p. 522.
146 149
GONÇALVES, Carlos Roberto. PEREIRA, Caio Mario da Silva.
Responsabilidade civil. 7. ed. SP: Saraiva, Responsabilidade civil. 9. ed. rev. RJ: Forense,
2002, p. 521. 1998, p. 79.
147
PEREIRA, Caio Mario da Silva.
Responsabilidade civil. 9. ed. rev. RJ: Forense,
1998, p. 78.

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mal a ninguém, mas que levaria à morte quem causa próxima do novo dano mas, ainda,
tivesse uma fraqueza nos ossos do crânio. Por quando a causa próxima é fato natural.
essa teoria, mesmo morrendo a pessoa, o Exemplifica mostrando que se um locatário é
agente não tem a obrigação de indenizar, já que injustamente forçado a mudar-se e, durante a
pancada leve no crânio não é apta a matar.150 mudança, sobrevém chuva que lhe destrói os
Já a terceira teoria, dos danos diretos e móveis, não teria ele de quem haver o dano
imediatos, “nada mais é do que um amálgama resultante deste fato. Ainda, se a perda dos
das anteriores (...). O agente primeiro móveis decorreu de acidente ocorrido por
responderia tão-só pelos danos que se imprudência do motorista do caminhão
prendessem a seu ato por um vínculo de durante a mudança, a eventual
necessidade. Pelos danos consequentes das responsabilidade seria do motorista do
causas estranhas responderiam os respectivos caminhão. “Assim, o condutor de um
agentes.”151 Embora seja apresentada pelo automóvel que feriu uma pessoa não é
autor como uma terceira teoria, muitos outros responsável pela morte dela, se essa morte
há que já consideram a ideia dos danos diretos resulta da falta do médico que lhe assiste”.153
e imediatos dentro da doutrina da causalidade Nesse último caso, seria o médico o
adequada, como Sílvio de Salvo Venosa, e responsável, embora tenha sido pela conduta
muitos doutrinadores entendem que a do motorista que o acidente tenha vindo a
expressão “efeito direto e imediato”, prevista ocorrer.
no art. 403 do Código Civil, demonstra que a Exemplo clássico do acidente de
teoria adotada pelo direito brasileiro é a da ambulância é analisado por Wilson Melo da
causalidade adequada, sendo causa apenas o Silva. Descreve ele acidente provocado por
antecedente necessário que ocasionou o alguém no qual a vítima sofre alguns
dano.152 ferimentos. Sendo conduzida ao hospital por
Segundo Sergio Cavalieri Filho, ambulância, há novo acidente, agora com a
citando Agostinho Alvim, o Código Civil ambulância, e a vítima vem a falecer. Pela
adotou, em seu art. 403, a teoria do dano direto teoria dos danos diretos e imediatos, o
e imediato, pela qual rompe-se o nexo causal condutor do automóvel não seria responsável
não só quando o credor ou terceiro é autor da pelo resultado morte, mas apenas pelos

150 152
GONÇALVES, Carlos Roberto. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil:
Responsabilidade civil. 7. ed. SP: Saraiva, responsabilidade civil. v. 4. 13. ed. SP: Atlas,
2002, p. 522-523. 2013, p. 55
151 153
GONÇALVES, Carlos Roberto. CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de
Responsabilidade civil. 7. ed. SP: Saraiva, responsabilidade civil. 7. ed. SP: Atlas, 2007,
2002, p. 523. p. 50-51.

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ferimentos que tiver causado. Já o motorista da efetivamente perdeu, mas também o que
ambulância ou seu empregador é que deverão deixou de ganhar devido à conduta do agente.
indenizar pela morte da vítima.154 E este último elemento encerra os
pressupostos da responsabilidade civil. O dano
Dano deve sempre ser amplamente indenizado,
objetivando-se à volta da vítima ao estado em
Sérgio Cavalieri Filho apresenta que se achava antes da conduta do agente.
conceito de dano: Porém, nem sempre esse retorno se faz
possível. Se assim o for, necessária se fará uma
Conceitua-se, então, o dano como compensação em dinheiro, conforme explicita
sendo a subtração ou diminuição de
um bem jurídico, qualquer que seja a Carlos Roberto Gonçalves: “Indenizar
sua natureza, quer se trate de um significa reparar o dano causado à vítima,
bem patrimonial, quer se trate de um
bem integrante da própria integralmente. Se possível, restaurando o statu
personalidade da vítima, como a sua
honra, a imagem, a liberdade etc. Em quo ante, isto é, devolvendo-a ao estado em
suma, dano é lesão de um bem que se encontrava antes da ocorrência do ato
jurídico, tanto patrimonial como
moral, vindo daí a conhecida divisão ilícito. Todavia, como na maioria dos casos se
do dano em patrimonial e moral.155
torna impossível tal desiderato, busca-se uma
compensação em forma de pagamento de uma
Muitas vezes praticamos condutas que
indenização monetária”.156
poderiam vir a gerar responsabilidade civil,
mas não o geram exatamente por falta deste
CONCLUSÃO
último elemento. Podemos dirigir por vezes
em velocidade acima da permitida para o local,
mas, se não causarmos dano a ninguém, ao Para que possamos adequadamente

menos no âmbito cível não seremos estudar toda essa área abrangida pelo direito

penalizados. civil, qual seja, a seara da responsabilidade

Os danos envolvem tanto bem civil, devemos, em primeiro lugar, nos

patrimoniais como bens morais, devendo se focarmos em seus elementos estruturais.

incluir nos patrimoniais não só o que a vítima Sem um estudo adequado ao redor
desses elementos não teremos dado o primeiro

154 156
SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade GONÇALVES, Carlos Roberto.
sem culpa e socialização do risco. Belo Responsabilidade civil. 7. ed. atual. e ampl. São
Horizonte: Bernardo Álvares, 1962, p. 237. Paulo: Saraiva, 2002, p. 529.
155
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de
responsabilidade civil. 7. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Atlas, 2007, p. 71.

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passo para dentro deste universo. Diversas
________. Responsabilidade civil. 7. ed. atual.
vezes pesquisas são feitas e textos são
e ampl. São Paulo: Saraiva, 2002.
produzidos sobre responsabilidade civil do
MODRO, Nielson Ribeiro. Considerações
médico, responsabilidade do advogado ou
sobre a responsabilidade civil: um estudo
responsabilidade por dano nuclear, por comparado entre o dano imaterial nos
ordenamentos jurídicos brasileiro e português.
exemplo, mas, ao serem indagados,
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
singelamente, sobre os elementos da
PEREIRA, Caio Mario da Silva.
responsabilidade civil, muitas vezes seus
Responsabilidade civil. 9. ed. rev. Rio de
autores se calam, demonstrando que para que Janeiro: Forense, 1998.
um estudo seja sólido ele necessariamente
SCHREIBER, Anderson. Novos paradigmas
deve ser construído sobre pilares daquela área, da responsabilidade civil: da erosão dos filtros
da reparação à diluição dos danos. São Paulo:
e esses pilares seriam os elementos da
Atlas, 2007.
responsabilidade civil.
SILVA, Luiz Cláudio. Responsabilidade civil:
Quiçá possa o presente artigo despertar
teoria e prática das ações. Rio de Janeiro:
a vontade da pesquisa, o aprofundamento dos Forense, 1998.
conceitos e a busca por conhecimento dentro
SILVA, Wilson Melo da. Responsabilidade
de um ramo que não deixará de existir. sem culpa e socialização do risco. Belo
Horizonte: Bernardo Álvares, 1962.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua


interpretação jurisprudencial. 4. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Tribunais, 1999.
responsabilidade civil. 7. ed. rev. e ampl. São
Paulo: Atlas, 2007. THEODORO JR., Humberto.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil Responsabilidade civil: doutrina e
brasileiro: responsabilidade civil. v. 7. 26. ed. jurisprudência. v. I. 4. ed. aument. Rio de
São Paulo: Saraiva, 2012. Janeiro: AIDE, 1997.

GODOY, Claudio Luiz Bueno de. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil:
Comentários aos arts. 927 a 954 do Código responsabilidade civil. v. 4. 13. ed. São Paulo:
Civil. In: PELUSO, Cezar (coord.). Código Atlas, 2013.
civil comentado: doutrina e jurisprudência. 6.
ed. rev. e atual. Barueri: Manole, 2012.

GOMES, Orlando. Responsabilidade civil.


texto rev., atual. e ampl. por Edvaldo Brito. Rio
de Janeiro: Forense, 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil


brasileiro: responsabilidade civil. v. 4. 10. ed.
São Paulo: Saraiva, 2015.

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