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Princípios e métodos para o

ensino de comportamentos
novos a pessoas com

O
ensino de comportamentos relevan- e histórias de aprendizagem. Parte-se do pressu-
tes para a independência e funciona- posto de que, apesar de dificuldades de aprendi-
lidade de indivíduos com Deficiência zagem ou quaisquer tipos de deficiência, a apren-
Intelectual tem sido um desafio enfren- dizagem de novos conteúdos, habilidades ou
tado por pais, professores e pesquisadores que man- comportamentos é sempre possível, desde que
têm contato direto com essa demanda. Dentre tais haja uma preocupação com as necessidades espe-
comportamentos, pode-se mencionar desde os mais cíficas de cada indivíduo, realizando-se um cuida-
elementares — tais como os relacionados a autocui- doso arranjo de condições de ensino.
dados, como trocar de roupa, alimentar-se e escovar
os dentes de maneira independente — até habilida-
des acadêmicas como, por exemplo, reconhecimento É popular a ideia de que recompensas e incen-
de letras e números, leitura de palavras e textos, racio- tivos motivam os indivíduos a se comportarem
cínio lógico-matemático etc. de uma maneira ou de outra em um determinado
Uma das mais importantes contribuições da momento. No entanto, Skinner, em 1953, apontou
Psicologia para outros campos de atuação das ciên- que há muito mais envolvido no comportamento
cias humanas está no conhecimento acumulado humano do que somente recompensas, incluindo a
sobre os princípios de aprendizagem e as aplicações relação entre os comportamentos, as consequências
destes no ensino de diferentes comportamentos para que os seguem (podendo ser recompensas ou não,
diferentes populações humanas. Atualmente, são no estrito sentido da palavra) e, ainda, o contexto no
muitas as evidências empíricas que apontam para qual determinado comportamento foi seguido por
o fato de que o arranjo adequado de condições de uma consequência. Se a consequência para um com-
ensino e de consequências diferenciais para o com- portamento aumentar a chance de ele se repetir no
portamento-alvo pode, de fato, levar à aprendizagem futuro, esta será chamada de reforçamento; se dimi-
de diversos repertórios. nuir, a consequência que decorreu dele será chamada
Este artigo procurará descrever brevemente de punitiva. A consequência modifica o comporta-
alguns princípios de aprendizagem e os méto- mento, ainda que o indivíduo não saiba explicar o
dos disponíveis para o ensino de comportamen- que mudou seu comportamento.
tos novos a indivíduos com diferentes repertórios Para completar os elementos importantes nesta
análise, é necessário considerar que todo compor-
Camila Domeniconi é professora do Departamento de tamento ocorre em um contexto, que servirá como
Psicologia da Universidade Federal de São Carlos (UFS- dica ao indivíduo de que consequências seguirão um
Car) e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e comportamento. As regras, por exemplo, funcio-
Tecnologia sobre Comportamento, Cognição e Ensino
(INCT-ECCE). Isabela Zaine e Priscila Benitez são dou- nam como boas dicas para que se possa antecipar as
torandas em Psicologia na UFSCar. consequências para determinados comportamentos.

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PrincíPios e métodos Para o ensino de comPortamentos novos a Pessoas com deficiência intelectual

Imaginando que, fora da sala de aula, houvesse


atividades mais interessantes para o aluno fazer do
As atividades devem ser que dentro dela, ser mandado para fora da sala de
aula é reforçador para o aluno. Assim, os compor-
tamentos relacionados à indisciplina em sala de aula
são mantidos ou aumentam em frequência, porque
levam a um resultado bastante específico e interes-
sante ao aluno: escapar à aula. Mesmo que a profes-
com uma pequena quantidade de sora elogiasse os comportamentos adequados, os elo-
gios podem ser menos reforçadores do que sair da sala
de aula e, nesse caso, os comportamentos adequados
“perdem” para seu “concorrente”, a indisciplina.
Para que um arranjo nas consequências que
estão sendo fornecidas aos diferentes comportamen-
Quando dizemos para o estudante: “Quando você tos (aos indisciplinados e aos adequados) produza
terminar a tarefa, poderá ir para o parque”, a regra os resultados esperados em termos de frequência de
esclarece que a resposta de terminar a tarefa será comportamentos (ou seja, a diminuição de um e o
seguida por uma consequência, muito possivelmente aumento do outro), é fundamental escolher bem as
reforçadora para o estudante. Existem condições que consequências. Uma das maneiras mais simples de
modificam a eficácia de uma regra, como a sua cla- escolher reforçadores adequados pode ser entrevistar
reza e especificidade, sendo que, quanto mais uma os responsáveis pela criança, ou seus professores, ou
regra especificar comportamentos a serem emitidos, observá-la em situações de brincadeira livre. Outras
maior será sua eficácia. Por exemplo, é mais fácil e maneiras mais elaboradas são possíveis, como prepa-
provável uma criança seguir uma regra do tipo “Faça rar uma avaliação sistemática envolvendo a escolha
o que a professora pedir ou disser” do que uma regra entre diferentes itens ou atividades, estabelecendo-se
mais ampla, como “Obedeça à professora”. uma ordem de preferência.

O uso das consequências adequadas para o Como definir o que ensinar e em que ordem
ensino e a manutenção de um comportamento são cada comportamento deve ser ensinado? Essa é uma
a base do sucesso no ensino. Imagine uma situa- importante questão a ser feita por educadores no
ção na qual a professora julga necessário tornar momento de planejar um procedimento de ensino.
menos provável o comportamento indisciplinado O primeiro passo para definir o que será ensinado
do aluno, colocando-o para fora da sala de aula, e como será ensinado é a obtenção de informações
e planeja também reforçar o comportamento ade- sobre o repertório da criança, ou seja, sobre o que ela
quado dele com elogios. Com o passar do tempo, já sabe fazer. Para isto, podem ser conduzidas entre-
ela percebe que o comportamento de indisciplina vistas com pais, professores e outros cuidadores da
do aluno está cada dia mais acentuado e o com- criança ou também podem ser feitas observações sis-
portamento adequado se mantém com a frequên- temáticas no ambiente natural da criança. Também
cia baixa. Em uma análise rápida, a professora podem ser utilizados, por profissionais habilita-
pode acreditar que os princípios do reforçamento dos, instrumentos formais de avaliação do reper-
não funcionaram com este aluno, que ele pode ser tório verbal e de outras habilidades cognitivas e de
mais duro ou mais resistente que outras crianças a desenvolvimento.
esse tipo de tratamento. Por outro lado, uma análise Tendo conhecimento sobre aquilo que a criança
mais cuidadosa da situação deixaria claro que ocor- consegue fazer, pode-se priorizar o ensino de habi-
reu um erro na escolha das consequências utiliza- lidades funcionais que a pessoa ainda não apresenta
das, não gerando os resultados esperados. ou que não realiza bem. Um critério importante é

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que as habilidades escolhidas como alvo tenham
evidente relevância para o indivíduo, tais como
linguagem, seguimento de instruções, habilidades
motoras finas, socialização e autocuidados. Dizer
que um comportamento é funcional significa que
sua aprendizagem trará consequências positivas ao
aprendiz, tanto durante uma intervenção, quanto
em seu ambiente natural.
Ao escolher um determinado comporta-
mento  a ser ensinado é importante considerar
que pode haver também a demanda para a redu-
ção de comportamentos que representam risco
para a integridade física do aprendiz ou de outros
que com ele se relacionam constantemente. Nesse
caso, a aprendizagem envolveria a redução do
comportamento-problema por meio do ensino
de um novo, com função equivalente e que seja
concorrente com o comportamento-problema.
Por exemplo, alguns comportamentos agressi-
vos emitidos por crianças ou adolescentes pouco
verbais podem ter função de obter determinados
reforçadores, como um tempo de descanso ou um
item alimentar específico. Esse tipo de comporta-
mento pode ser reduzido ensinando-se um com-
portamento verbal equivalente (fala, gesto ou até
mesmo apresentação de uma figura ou palavra
impressa) que indique ao professor ou cuidador
o que o aluno precisa: uma ajuda, um item dese-
jado ou até mesmo uns minutos de descanso. Se o havendo solução para o caso. Essa alternativa deve
aluno aprender como solicitar, o comportamento ser totalmente descartada: o caminho do ensino dos
agressivo pode perder sua função. pré-requisitos é o mesmo de qualquer outro compor-
No caso de habilidades acadêmicas, compor- tamento, ou seja, identificar a habilidade a ser ensi-
tamentos relacionados à prontidão para responder nada e programar as condições para que o ensino seja
(como olhar para o professor, sentar, seguir instruções e eficaz. Mesmo que em ritmos diferentes e com neces-
imitar) devem ser encarados como prioridade, pois elas sidades de ensino específicas, todo aluno tem possibi-
permitirão ou facilitarão a ocorrência de outros tipos lidade de aprender e de ampliar seu repertório a par-
de aprendizagem. Isso é bastante evidente no caso dos tir do que já é capaz de fazer.
esportes: na natação, por exemplo, se ensina primeiro
o equilíbrio na água; em seguida, a respiração, o des-
locamento via bater de pernas (ainda com o uso das Uma boa definição do comportamento-alvo
pranchas); depois, os movimentos dos braços; e, só é o que, na prática, possibilita o revezamento
então, passa a ser exigido o uso conjunto de todas essas de profissionais sem que o ensino sofra prejuí-
habilidades visando a que o aprendiz tenha equilíbrio, zos por conta de interpretações diferentes entre
respire adequadamente, bata as pernas e movimente eles. A definição deve contemplar três caracte-
os braços de modo a se deslocar da maneira esperada. rísticas: 1) objetividade: implica fazer referên-
Algumas vezes, a ausência desses pré-requisitos cia apenas a componentes observáveis; 2) des-
pode ser encarada como uma dificuldade inerente crição do comportamento-alvo com termos
ao aprendiz e que o impossibilitaria de aprender, não claros e de forma inequívoca (termos amplos

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sessões devem ser inicialmente bem curtas, com


diversas pausas programadas; depois, gradual-
mente, a duração da sessão pode ser aumentada e
diferentes e com necessidades as pausas, diminuídas.
Sessões de ensino geralmente envolvem instruções,
que devem ser claras e concisas. Uma vez definidos
aluno tem possibilidade o local a ser utilizado para ensino, o comportamen-
de aprender e ampliar seu to-alvo, a duração da sessão e os reforçadores que serão
utilizados, o próximo passo é a escolha do método de
ensino. Alguns métodos têm se mostrado eficazes para
o ensino de indivíduos com diferentes repertórios.
Descreveremos a seguir os métodos de tentativa dis-
creta, de ensino incidental e de análise da tarefa.
como brincar podem envolver uma série de com-
portamentos, como jogar a bola ou dar comida
à boneca); 3) clareza dos limites da situação a
ser observada. Este método consiste em uma forma de organi-
Por exemplo, dizer que a criança está cansada e zar o ambiente e pode ser utilizado para ensino de
irritada porque nenhum amigo a convida para brin- diferentes repertórios, especialmente aqueles liga-
car pode estar baseado em uma série de interpreta- dos ao ensino de relações entre diferentes estímu-
ções subjetivas de quem descreve a situação, enquanto los, como relações entre nomes e objetos (ou figu-
dizer que a criança permanece sozinha por 30 minu- ras), entre palavras ditadas e impressas, ou figuras
tos em uma sala com pares de crianças que permane- e palavras impressas, números e moedas, partes do
cem jogando bola e brincando de casinha de forma corpo e objetos, ou entre objetos. Cada tentativa
conjunta é menos passível de ambiguidades e descreve de ensino tem início com a apresentação de uma
bastante bem a situação. dica, pista ou instrução pelo professor. A ação do
aluno pode consistir em escolher entre itens dispo-
níveis ou executar uma ação de acordo com a ins-
A partir de objetivos de ensino claros e de trução (por exemplo, o professor pergunta “Qual
comportamentos-alvo bem definidos, é necessá- destes é um pato?” e o aluno escolhe, entre algu-
ria a organização do ambiente para que tenha iní- mas figuras, dentre as quais uma de pato). Um
cio o ensino. O ambiente deve ser propositada- intervalo de poucos segundos entre o forneci-
mente arranjado para maximizar as oportunidades mento da consequência e o início da próxima ten-
de ensino. O local deve ser confortável e seguro, as tativa pode ser necessário para facilitar o processo
sessões devem ser planejadas para serem divertidas discriminativo, pois marca o término de uma ten-
e, para isso, é fundamental que o professor esteja tativa e o início de outra. Cada “lição” inclui uma
motivado e seguro do seu trabalho. Além disso, série de tentativas do mesmo tipo, visando ensinar
as atividades devem ser organizadas de modo a um comportamento-alvo.
possibilitar que o aprendiz consiga realizá-las na
maioria das vezes, mas também com uma pequena
quantidade de desafio, ou seja, de tarefas que ele Em procedimentos envolvendo ensino inci-
ainda está aprendendo. dental, são criadas oportunidades para que um
Não é surpresa que, especialmente no início, comportamento ensinado ocorra no ambiente
a maioria das crianças apresente resistência a ini- natural e seja reforçado. Em uma intervenção rea-
ciar as sessões de ensino. Isso porque estão inseri- lizada por Farmer-Dougan (1994), esse método
das em contextos de ensino nos quais geralmente foi utilizado para aumentar a quantidade de pedi-
não são bem sucedidas e que, portanto, represen- dos verbais apropriados e interações verbais entre
tam situações aversivas a eles. Por essa razão, as pessoas com Deficiência Intelectual. Durante as

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refeições, alguns itens alimentares preferidos pelos se quer ensinar; 2) prover dicas ou pistas para favo-
participantes estavam disponíveis na cozinha, mas recer a ocorrência do comportamento; 3) prover
estavam fora de acesso a eles. Isso criava a opor- reforçadores imediatos quando o aluno se engaja
tunidade para que os participantes tivessem que no comportamento-alvo ou em alguma aproxima-
pedir pelo alimento e, quando isso ocorria, eles ção dele; 4) aumentar gradualmente a exigência
conseguiam o acesso ao item. Como resultado, (em termos da precisão do comportamento ou de
ocorreu um aumento claro na frequência da emis- sua duração, quantidade de ocorrências etc.) para
são de pedidos adequados. reforçamento; 5) sequenciar comportamentos, ini-
ciando por aqueles mais fáceis para o aluno.
Mesmo que alguns comportamentos precisem
Consiste na subdivisão de comportamentos ser reduzidos em frequência, ou porque represen-
motores complexos em componentes menores e tam risco físico ao aprendiz, ou porque atrapalham
mais facilmente ensináveis. Para isso, é necessário a aprendizagem de comportamentos adequados,
que o professor prepare previamente a sequência de ainda assim deve-se optar e planejar cuidadosa-
comportamentos a serem ensinados (pelo menos mente o ensino de comportamentos novos, alter-
cinco comportamentos) e defina quais os critérios nativos e incompatíveis com aqueles inadequados,
para passar do ensino de uma habilidade para a que garantam ao indivíduo a obtenção do mesmo
outra. Por exemplo, para o ensino da resposta de tipo de resultado que ele usualmente obtinha com
lavar as mãos podem ser definidos os seguintes pas- o comportamento inadequado. Por exemplo, uma
sos: 1) abrir a torneira; 2) posicionar as mãos sob a criança que obtinha a atenção da professora ao bater
água; 3) pegar o sabonete; 4) esfregar as mãos por, em seus colegas pode aprender a obter a atenção
pelo menos, 20 segundos; 5) posicionar novamente brincando de forma cooperativa ou fazendo a sua
as mãos sob a água; 6) fechar a torneira. tarefa individualmente. O aprendiz que consegue
É importante que sejam identificados com- escapar de uma tarefa difícil chorando ou gritando
portamentos que possam servir como anteceden- pode aprender a pedir um tempo de descanso ou a
tes (dica) para outros comportamentos, formando ajuda de professores e pares para finalizar a tarefa.
uma cadeia de respostas. No exemplo de lavar as Em qualquer situação em que um comporta-
mãos, perceber as mãos sujas deve ser uma dica mento inadequado ocorra, é importante enten-
para procurar uma torneira. A presença da tor- der que ele tem uma função no ambiente, que
neira deve ser dica para abri-la. A água escorrendo é a obtenção de uma determinada consequên-
deve sinalizar que as mãos precisam ser colocadas cia. A partir desse ponto, é possível planejar o
embaixo da água, e assim por diante. Percebe-se ensino de um comportamento novo e mais ade-
que esses comportamentos são encadeados, ou seja, quado que permita o acesso a essa mesma con-
precisam ocorrer em uma determinada ordem para sequência. Dessa maneira, pode-se ampliar o
que o objetivo seja atingido. Por exemplo, de nada repertório do aluno e possibilitar mais funcio-
adiantaria colocar as mãos sujas embaixo da tor- nalidade ao cotidiano de aprendizes com dife-
neira se ela ainda estivesse fechada. Quanto mais rentes histórias de aprendizagem.
completa e detalhada a cadeia, maior a probabi-
lidade de o desempenho final ser bem-sucedido.
CHANCE, P.

Os conteúdos abordados no texto pretende- Applied Behavior


Analysis.
ram apontar alguns princípios de aprendizagem
que podem ser úteis a profissionais, pais e cuidado-
res interessados no ensino de uma população com Journal of Applied Behavior Analysis,
necessidades especiais. Em resumo, os princípios SkINNEr, Comportamento Humano.

da aprendizagem apontam que é preciso: 1) defi-


______. Tecnologia do ensino.
nir com clareza sobre um dos comportamentos que

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