culo XV; as forças conceituais corno ecos de vivências espirituais QUARTA CONFERÊNCIA
pré-natais. O entender-se corno espírito corno tarefa do pensar dos 15 de agosto de 1919 ........................................................... 67
tempos atuais. O tornar-se sem sentido da vontade humana na atu-
ação industrial; a necessidade da confrontação de um querer com A impregnação da visão pedagógico-didática com visões materia-
sentido a partir do espírito e o desenvolvimento de um sentimento listas através da atual formação dos professores. Seca anímica como
de veracidade interior em relação às tarefas atuais. A mudança de consequência do ensino visual corrente de hoje. O estar imbuído da
concepção do ser humano através do sentimento em relação às pin- relação do ser humano com os mundos suprassensíveis como pré-
turas de Rafael e Michelangelo naquela época e hoje; a relação com a condição para ser professor. A criança como pergunta do mundo
limitação da consciência religiosa para urna só vida terrena na suprassensível ao sensível. Antropologia antroposófica como base
quarta época cultural e sua necessária ampliação às reencarna- da pedagogia do futuro: a compreensão interna da trimembração
do ser humano; ser humano cabeça ou neurossensorial, ser huma-
ções hoje . A desagregação das almas humanas atuais corno
no-tórax ou rítmico, ser humano-membros ou metabólico. A im-
consequência das insuficiências do sistema educacional. Desen-
volvimento da concentração através da economia na educação no portância da pergunta pela imortalidade para o desenvolvimento
exemplo da grade horária . As tarefas da planejada escola da da cultura espiritual: o direcionamento da atenção para a revelação
Waldorf-Astoria em Stuttgart. do pré-natal em vez do olhar egoísta para o pós-mortal. Observa-
ção das formas dos três membros da natureza humana. A cabeça
como imagem do corpo físico, o tórax como imagem do corpo etérico,
TERCEIRA CONFERÊNCIA o metabolismo como imagem do corpo astral. A percepção do Eu na
11 de agosto de 1919 ............................................................ 53 observação das mudanças do ser humano no decorrer do tempo.
Pedagogia fisionômica: exemplo Fichte. A tendência atual para o
Mercadoria, trabalho, capital - três conceitos para a compreensão nivelamento, exemplo de Hermann Bahr, em contraposição à aspira-
da vida social externa. A moderna economia nacional: prática sem ção pela individualização como real meta interior do ser humano.
teoria; a social-democracia: teoria sem prática. A necessidade de uma
compreensão imaginativa do mundo para a vida social futura. Con-
ceitos imaginativos corno condição para uma socialização correta. A QUINTA CONFERÊNCIA
necessidade de permear a sociedade: 1. com conceitos imaginativos 16 de agosto de 1919 ........................................................... 87
para urna compreensão, com sentimento, da mercadoria - 2. com
A metamorfose da inteligência humana no decorrer das épocas de
conceitos inspirativos para urna nova compreensão do trabalho - 3.
desenvolvimento: a inteligência dos homens egipto-caldáicos como
com conceitos intuitivos para a correta posição do capital no orga-
percepção do parentesco do ser humano com o cosmo; a inteligência
nismo social. As relações entre mercadoria, trabalho e capital. Con-
dos homens greco-latinos como conhecimento das leis das coisas
dições para a compreensão do sentido: a) da imaginação para a merca-
mortas . A crescente tendência da inteligência ao mal, à ilusão e ao
doria através da fraternidade na vida econômica. b) da inspiração
erro. O significado do Mistério do Gólgota neste contexto. Conceito
para o trabalho através da igualdade na vida jurídica. c) da intui-
do Cristo e conceito geral de Deus; ateísmo como doença; não reco-
ç.ã o para o capital através da liberdade na vida espiritual. O signi-
nhecimento do Cristo como infelicidade. A necessidade de permear
fIcado da renovação da conexão entre palavra e espiritualidade.
a inteligência, dirigida ao arimânico, com o princípio crístico. O
medo das almas que irão se incorporar perante a descida ao mundo
9
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A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL
permeado pelo materialismo; o traço melancólico nos rostos das PRIMEIRA CONFERÊNCIA
crianças de hoje em dia. A tarefa do professor: preparação da crian- Oornach, 9 de agosto de 1919
ça para ela se ligar ao impulso crÍstico. Deformações da civilização
atual corno no exemplo das "mulheres armadas" no Leste europeu.
A consciência da seriedade dos tempos e as tarefas resultantes dela.
Após um trabalho que permitiu urna profunda visão da-
SEXTA CONFERÊNCIA quilo que atualmente se passa na índole dos seres humanos, no
1 7 de agosto de 191 9 .......................................................... 101 que atualmente consiste o elemento interior trágico da evolu-
ção da humanidade, encontro-me novamente aqui neste lugar
Sobre a importância de um conhecimento exato do ser humano; a por alguns dias, um lugar intimamente ligado aquela atividade,
mudança do corpo físico da época egipto-caldáica (semelhança com
que acreditamos possa nos propiciar a força para transformar
os vegetais) até hoje (semelhança com os minerais). Formação de
paulatinamente o elemento trágico da humanidade atual e dar-
tumores corno consequência de o corpo humano tornar-se parcial-
mente atávico. A constituição do corpo físico em relação ao tipo de -lhe um curso mais otimista.
conhecimento. A ligação dos seres humanos com os reinos da natu- Provavelmente em nenhuma outra época houve tão pou-
reza no decorrer das épocas pós-atlânticas: a descida do humano ca disposição para elevar a alma aos mundos espirituais, mas é
através do animal, do vegetal ao mineral; retornada de um conheci- de essencial importância nesses tempos elevar a alma a estes
mento da vida, do vegetal corno tarefa da atual quinta época cultu- mundos. Pois só a partir deles poderá advir aquilo que é capaz
ral. Goethe corno representante desta época. O egoísmo nas atuais de dar força à humanidade para trilhar o caminho de vida corno
confissões religiosas; a limitação do conceito de Deus para o próprio Humanidade. Hoje, nos mais amplos círculo's, acredita-se que
Anjo. O tornar-se insensível aos destinos alheios da humanidade os problemas e as tarefas que nos surgem no presente poderiam
corno expressão do "egoísmo inteligente". O conhecimento dos des- ser resolvidos a partir dos pensamentos e dos impulsos que pro-
tinos da humanidade: no oeste sob forma mediúnica, no leste sob vêm do legado do conhecimento exterior da humanidade. E ex-
forma mística (exemplo: Rabindranath Tagore). O interesse pelos tremamente difícil se prever quanto tempo ainda vai levar para
acontecimentos terrestres além do âmbito pessoal corno ponto de
que uma parcela significativa da humanidade se conscientize de
partida para a compreensão dos seres dos Arcanjos; o interesse so-
que só através de um caminho espiritual pode ser encon trada
bre a atuação de impulsos passados e futuros no presente corno pré-
uma verdadeira cura, justamente pelo fato de que ponderar so-
requisito para a formação de conceitos sobre a esfera dos espíritos do
tempo. Observação dos impulsos atuantes na atual vida espiritual, bre esta questão, no fundo, não é muito estimulante. Mas o
legislativa e econômica com especial referência ao movimento femi- contrário acontece, só se poderá prosseguir quando a convic-
nista. O conhecimento antroposófico corno guia para as metas e a ção de que somente dos mundos espirituais advém a salvação,
atuação do presente. A construção do Goetheanum em Dornach. tenha verdadeiramente permeado um número suficientemente
grande de pessoas.
RUDOLF STEINER - VIDA E OBRA ............................. 121 Os problemas sociais ocupam os seres humanos nos mais
amplos círculos. Mas percebe-se que falta-lhes a força intelectual
que, no momento presente, se encontra praticamente paralisada
10
A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL Primeira conferência, 9 de agosto de 1919
numa grande parte da humanidade. Impera a crença de que se logia. - Ternos várias razões para ponderar sobre a importân-
podem superar os problemas sociais com o conhecimento e a cia dessa palavra na cultura mundial. E ela significa muito. Tem
ciência. Os problemas sociais só poderão ser superados se forem muita importância. A palavra mais próxima a ela é a palavra
analisados do ponto de vista da ciência espiritual. "maia" da sabedoria oriental. "Maia", corretamente traduzida
Acabamos de passar por urna longa luta armada. A esta para o Ocidente, significa ideologia. O que o oriental pensa com
longa guerra se agregará um período provavelmente longo de a palavra "maia"? Para o oriental o mundo exterior sensorial é
lutas perenes na humanidade [N.T.: conferência proferida logo maia, tudo aquilo que acomete nossoS sentidos e com o qual se
após a I Guerra Mundial]. Muitas pessoas disseram: esta luta liga o nosso conhecimento sensorial é maia, a grande ilusão. E
armada tal corno foi vivenciada pelo mundo civilizado repre- a única realidade é aquilo que emerge da alma. O anímico-espi-
sentou o acontecimento mais terrível desta espécie dentro da ritual ao qual o ser humano ascende é a realidade, aquilo que
históüa da humanidade. Não se pode afirmar que este julga- emerge e desabrocha no interior do ser humano. Tudo o que se
mento esteja incorreto ..A luta que se travará com estes ou aque- apresenta exteriormente aos sentidos é,maia,. é ideologia.
les meios, e que se seguirá a esta luta armada, acontecerá entre Para urna grande parte da humanidade ocidental a única
Oriente e Ocidente, entre Ásia, Europa e América. Esta, será a realidade é aquela que se apresenta aos sentidos exteriores. Aquilo
maior batalha espiritual que a humanidade terá de travar. Tudo que o oriental chama maia é o mesmo que urna grande parte da
aquilo que fluiu através do Cristianismo sob forma de impulsos humanidade ocidental chama realidade. E aquilo que o oriental
e força para a humanidade sobrevirá em ortentosas e elemen- chama realidade, a Europa e a América chamam maia: o mesmo
tares ondas bélias que recairão sobre as civilizações. A' ~rande ----
que u.deolQ -ia.
oposição entre Oriente e Ociden/ pode ser traduzida por urna Isto é algo que está devorando a alma humana em suas
fórmula simples. Mas esta fórmula simples não deve ser inter- profundezas, e torna a humanidade dividida em duas nature-
pretada corno tal, pois engloba enormes amplitudes ~dUlllpul zas distintas. Se considerarem o que aconteceu no mundo civi-
sos humanos. No meu livro "Os pontos cerne da questão social lizado, então provavelmente terão de dizer hoje: t~ _aquilo
nas necessidades existenciais do presente e do futuro" alertei que se fala das causas e efeitos desta catástrofe mundial flutua
para o fato de que, para amplos círculos da humanidade atual, a na superficialidade, é urna visão supe~ficial:. Aquilo que se evi-
vida espiritual se tornou urna ideologia, e que aquilo que são denciou nesta luta ter~ível é algo que surge de forma elementar
bens espirituais da humanidade, o gireito a étic~ciap a das profundezas do inconsciente. As pessoas tornaram parte nessa
arte, a r.eligiãQ etc. .. são considerados apenas fumaça daquilo luta, mas hoje percebe-se claramente que elas, no fundo, não
que passou a ser a única realidade verdadeira proveniente dos sabiam porque; trata-se daquilo que essa contraposição, ainda
meios de produção e da base econômica. Já falei sobre estas coi- longe de ser resolvida, trouxe para a superfície em forças ~
sas por ocasião de minha última estadia aqui, há alguns meses ..... mentare? . O elemento anti-social no presente é tão forte que a
Ideologia - isto é o que nos respondem hoje grandes cí::' humanidade se decompõe nestas duas naturezas essencial-
culos de pessoas quando falamos de vida espiritual; tudo aquilo mente diversas.
que se espelha na alma humana a partir da única verdade, da Se o que acabo de dizer for relacionado a um outro contexto,
verdade econômica, da realidade do mundo econômico, é só ideo- os Senhores verão, ao se voltarem para o Ocidente, que o anseio
12 13
A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL Primeira conferência, 9 de agosto de 1919
do ocidental é a procura da liberdade - seja ela compreendida precisam ser consideradas acuradamente se os Senhores quise-
ou não, isso não importa. O fato é que a busca vai em direção à rem entender o curso da evolução da humanidade. Precisamos
liberdade; a necessidade de liberdade irrompe do interior, das ter clareza sobre o fato de que aquilo que comumente denomi-
escuras profundezas da alma humana. namos questão social é algo muito mais complicado do que
Quando nos voltamos para o Oriente: vemos que aquilo comumente se pensa. Esta questão social é um fenômeno
que no Ocidente é chamado liberdade, para o Oriente não ad- concomitante àquela cultura que surgiu nos meados do séc. Xv.
quire um significado definido; trata-se de algo ao qual não se Falei repetidas vezes sobre esta incisão significativa na história
atrela um conceito e com o qual não se liga nenhuma disposi- da humanidade civilizada. Nessa época surgiu gradativamente
ção interior. Lá não se pensa, não se reflete sobre aquilo que é a mais nova nuance da ciência natural. Surgiu também a mais
vi,v enciado com maior intensidade, Considerem por um momento recente nuance do industrialismo. Ciência natural e indus-
coino as pessoas pensam sobre os fenômenos da natureza que trialis~o juntos significam aquilo que hoje se derramou so-
as rãdeiam no seu dia a dia! Elas não refletem sobre aquilo que bre a humanidade moderna, e que lhe deu a peculiar direção
vivenciam com maior proximidade. O oriental; à medida que do seu espírito.
persegue a realidade que lhe condiz, a realidade interior, vive na Também aqui na Suíça eu lhes falei d,a característica parti-
liberdade que lhe é dada pelas características anímicas de sua cular da ciência natural expondo-lhes como dizem pessoas inte-
raça, seu povo e tribo. Ele não pensa sobre isto. Quando volta- ligentes que hoje ponderam sobre o que a ciência natural pode
mos nossa visão para o Ocidente constatamos que, ao longo do oferecer: aquilo que os mais novos conhecimentos da natureza
transcurso da evolução histórica da humanidade, perdeu-se a transmitem não é o mundo, mas sim um fantasma do mundo.
liberdade: por não a possuirmos, precisamos buscá-la, _ Tudo aquilo que os pesquisadores da natureza concebem, e
Assim se poderiam mencionar muitos, muitos fatos, e em que hoje se tornou cultura popular, é muito mais cultura popu-
todos se encontrará essa contraposição fundamental entre o lar do que eles acreditam; é crença num mundo tsw
tasm agé-F-i€0"
Ocidente e o Oriente. Hoje já se anuncia aquilo que provavel- E ao lado deste mundo fantasmagórico coloca-se aquilo que
mente os próximos anos nos trarão. Momentaneamente trata-se ad v~s-pessQas .como_eieito.5_espirituais- pwvenientes do
apenas de sintomas exteriores, que ocorrem na Ásia e sobre os industrialismo .1JLQ.demo- O industrialismo precisa ser conside-
quais a Europa continua calando por razões bem compreensí- rado em seu aspecto espiritual. Tomemos aquilo que d~mina o
veis. O fato de, por exemplo, na Índia, mais de metade da popu- industrialismo, a máquina. A máquina distingue-se de tudo
lação estar sub-nutrida, engendrará algo que, a partir da aquilo a que o ser humano se relaciona na vida exterior. Consi-
espiritualidade do povo indiano, ainda se apresentará de forma deremos o animal. Se nos valermos de nossoS conhecimentos
bem diferente daquilo que ocorreu na Europa, Isto são sinto- científicos ou quaisquer outros em relação ao animal - não
mas exteriores. Também quanto a esses sintomas exteriores as quero, absolutamente, abordar o ser humano no contexto
pessoas estão separadas em dois âmbitos essencialmente dife- atual -, por mais que queiramos pesquisá-lo, sempre restará
rentes, Para o indiano, a fome tem um significado totalmente algo, que eu chamaria de "profundamente divino" nos animais.
diferente de para o europeu, pois aquele tem atrás de si uma Não se consegue esgotá-lo, não se consegue conhecê-lo total-
evolução anímica milenar diferente da do europeu. Estas coisas . mente. Por trás daquilo que se pensa sobre o animal, sempre
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A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL Primeira conferência, 9 de agosto de 1919
permanece algo desconhecido. Com a planta não é diferente. cientistas naturais já expressaram ao dizerem: " ós nos e QL-
Até mesmo sobre o cristal, se considerarem as formas maravi- çamos por conhecer a natureza de tal maneira gue este conheci-:
lhosas do mundo cristalino, terão de dizer a si mesmos: certa- mento seja astronômico, ooque seja configurado a partir d q
mente podemos conhecer o mais exterior do mundo dos cris- astron0l!!:ia' Se pond'e rarem sobre o que se encontra na molé-
tais, suas formas etc., se tivermos o conhecimento necessário cula, tal corno o químico o faz, verão que ele concebe os átomos
para fazê-lo. No entanto ainda resta em seu ser muito daquilo na molécula corno se estivessem numa relação de forças (dese-
que o ser humano pode reverenciar, corno, por exemplo, aqui- nha na lousa). Aí ele se orienta segundo um modelo de um pe-
lo que não é capaz de perscrutar com a inteligência direta, não queno sistema planetário-solar. A ideia é explicar o ser humano
cl ividente. a partir de um modelo astronômico. E qual é o ideal da astrono-
r
~•. , J ~ Considerem a máquina: ela é totalmente transparente. Nós mia? Considerar o edifício cósmico corno urna máquina - acres-
, I:J sabemos: a força se apresenta assim, a vela posiciona-se de tal cente-se a isso o trabalho e o manuseio da máquina!
•v modo na abertura, o coeficiente de atrito é tal e tem tal intensi- Estas são as influências que atuaram mais fortemente des-
dade; pode-se calcular a eficiência quando se conhecem os ele- de meados do séc. XV, influências que, no presente, sugam o
mentos - não existe nada na máquina que nos obrigue a dizer: elemento humano do ser humano. Se os seres humanos conti-
eis aí algo que não pode ser permeado pelo pensamento humano nuassem a pensar somente desta maneira quando pensam so-
normal não clarividente. Isso significa muito para o relaciona- bre a astronomia mecanicista e sobre o industrialismo no qual
mento do ser humano com a máquina. E quando novamente trabalham, teriam os seus espíritos mecanizados, suas almas se
estivermos diante de milhares e milhares de pessoas que lidam tornariam adormecidas e se vegetalizariam, e seus corpos se
com a máquina, então conheceremos aquilo que goteja para animalizariam.
dentro da alma do ser humano a partir desta máquina espiritu- Vejam a América do Norte: o ponto alto da mecanização
almente transparente. Esta máquina não reconhece aquilo que dos espíritos! Olhem para a Europa Oriental, para a Rússia: para
pode ser somente pressentido e não perscrutado pela consciên- aqueles impulsos e instintos selvagens que lá se apresentam e
cia, não clarividente. O fato de a máquina ser tão transparente que são terríveis: a anirnalização do corpo. No meio, na Europa,
anímico-espiritualmente, de que tudo o que concerne às forças e a sonolência da alma. Mecanização do espírito, vegetalização da
às relações de força presentes na máquina serem tão claras quanto alma e animalização dos corpos - isto é o que devemos encarar
a água cristalina diante dos sentidos e da compreensão huma- sem ilusão.
na, torna o relacionamento com ela tão devastador para o ser É característico corno a humanidade perdeu - corno já
humano. Isto é o que suga o coração e a alma das pessoas, o que mencionei - ao longo de seu caminho desde os meados do séc.
os torna secos e iuumauos XV, paralelamente aos dois elementos vitais, também o terceiro.
Ciência natural e máquina juntos ameaçam a humanidade Hoje existe um poderoso partido que se denomina "Social De-
civilizada com urna terrível destruição tríplice. Mas o que ameaça mocrata", ou seja: ele fundiu socialismo e democracia, apesar de
essa humanidade moderna, se ela não se esforçar por voltar-se um ser o oposto do outro. Contudo, ele uniu ambos, e deixou
para o suprassensorial? Em relação à questão do conhecimento, de lado o espiritual, pois o socialismo só se pode vincular ao
a amea~a cada vez maior é a que prepondera no ideal, que os âmbito econômico, enquanto a democracia só se pode vincular
16 ) 17
\
,..------------/
A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL
ao jurídico-estatal; ao espiritual estaria vinculado o individualis- l!beral]) uma das mais importantes questões sociais é a questão
mo. A liberdade é aquilo que foi deixado fora da palavra Social- da pedagogia. No contexto da Ciência Espiritual, indicou-se a
Democracia, caso contrário seria necessário dizer Social-Demo- maneira como as pessoas devem compreender a pedagogia se
cracia Individual ou Individualista. Então, os três âmbitos da quiserem progredir. Caso contrário as necessidades sociais tor-
necessidade humana estariam presentes nessa sigla. Mas é ca- nar-se-ão cada vez mais caóticas, se não se considerar n..2~
racterístico nos dias de hoje que esse terceiro elemento fique de âmago a questão mais contundente do presente: a~-~
fora, que de certo modo o espírito tenha se tornado maia, a ~Se quiserem conhecer as grandes linhas mestras para ~
grande ilusão para a humanidade civilizada do Ocidente, para a aquilo que se apresenta na questão pedagógica, precisam ape-
Europa e seu rebento colonial, a América. Estas são as premis- nas ter à mão e tomar como base o que se encontra em meu
s~s das quais é necessário partir quando consideramos a ciência livro: "A educação da criança sob o ponto de vista da Ciência
espiritual como uma grande questão cultural. Nem se pode dis- Espiritual". Uma das questões sociais mais importantes do pre-
cutir sobre aquilo que vive nas necessidades do presente. Tra- sente é posta em evidência neste livro, no que concerne à obser-
tam-se de necessidades históricas. E o socialismo é uma necessi- vação do ser humano: a questão da educação social. Nos mais
dade histórica que precisa ser compreendida no sentido correto. amplos círculos da humanidade moderna é necessário aprender
A democracia é uma. ~n>ecessidade histórica, e o liberalismo, a aquilo que se pode obter a partir da Ciência Espiritual em relação
liberdade, o individualismo também o são, mesmo que essa últi- aos três períodos dQ àeserrvõIvlmento-u'tf.a.nfi-I-do ser humano.
I
ma necessidade esteja sendo pouco percebida pela humanidade Como já foi indicado, entre o nascimento e o 7° ano de vida,
'----.----
atual. A humanidade não terá mais o que dizer, se não estruturar ano em que, na média, ocorre a troca dos dentes, o ser humano
o seu organismo social no sentido da trimembração: do socia- é um ser que imita, que repete aquilo que acontece à sua volta.
lismo para a vida econômica, da democracia para a vida do di- Considerem a criança: a criança é um ser que imi~; ela repete
reito - ou do Estado -, da liberdade, ou do individualismo, aquilo que os adultos fazem. É da máxima importância para a
para a vida do espírito. vida da criança que as pessoas que se encontram à sua volta
Isto precisará ser considerado como a única cura, a única somente façam, pensem e vivenciem interiormente, _quando es-
salvação verdadeira da humanidade. Mas não devemos nos dei- tão perto delas, aquilo que a criança possa imitar. Ao entrar na
xar iludir pelo fato de, justamente por se tratarem de intensas e existência física com o nascimento, a criança só dá continuida-
inexoráveis necessidades históricas para o presente, se apresen- de àquilo que vivenciou nos mundos espirituais anteriores à
tarem outras necessidades para aquele que capta as coisas mais concepção. No mundo espiritual vive-se dentro dos seres das
profundamente. Os adultos terão de viver num organismo so- hierarquias superiores; se faz tudo aquilo que provém, sob for-
cial que deverá ser edificado nos âmbitos econômico, estatal e ma de impulsos, dos seres das hierarquias superiores. Lá somos
espiritual, respectivamente de modo social, democrático e liberal. imitadores, num grau ainda mais forte, pois vivemos numa
,-- A grande questão para o futuro será:~e unidade com aqueles seres que imitamos. Depois somos postos
os comj2ortar diante das crianças se quis~rmos :.ducá-l ·e para fora, no mundo físico, como seres humanos e damos
mé!Ileira a-que,-1luande--iGr-em_ª.~.~Itas, possam crescer, no mais sequência ao hábito de "sermos unos" com o nosso ambiente.
amplo sentido, para dentro dos âITi.lJiros SoCIal, democrático e. Este hábito se estende a outros seres, ou imitarmos aqueles
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A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL Primeira conferência, 9 de agosto de 1919
seres que, corno seres humanos, se encontram à nossa volta, e tido de despertar na criança o sentimento pela autoridade, pois
que, corno educadores, devem cuidar para só fazer, vivenciar~
_"A~
I. aquilo que deve ser plantado nas crianças dessa idade deve cons-
pensar aquilo que a criança possa imitar. Será mais ~te tituir a base para o que os adultos vivenciarão corno a igualda-
-----
para a criança, 'S~la-p_uder viver, não na.sua_pt:2pria alma, mas
---
na alma do meio em que se encontra, nas almas que a rodeiam.
de dos direitos do ser humano no organismo social. A igualda-
de de direitos do ser humano não se transformará se na infância
No passado as pessoas podiam confiar instintivamente o sentimento pela autoridade não tiver sido plantado e cultiva-
nessa imitação, pois sua vida era mais instintiva. No futuro do. No passado bastava um grau de sentimento pela autoridade
não será assim; teremos de cuidar para que a criança se torne muito menor; no futuro ele não será suficiente. Esse sentimento
um imitador. No futuro, a questão: qual a melhor maneira de se pela autoridade terá de ser fortemente implantado na criança,
e.struturar a vida da criança a fim de que ela possa imitar o que para que as pessoas se tornem maduras para aquilo que surge
ocorre em seu ambiente? terá de ser respondida. De agora em corno urna necessidade histórica.
diailte tudo aquilo que no passado ocorreu em relação a esse Toda educação básica, todo ensino básico devem ser
imitar terá de ser buscado cada vez mais intensivamente e cada estruturados de tal maneira que as pessoas possam atingir a mag-
vez mais conscientemente. Será necessário considerar o seguinte: nitude das considerações sobre as quais acabamos de falar. Agora
------
para que as pessoas se tornem adultas dentro do organismo eu pergunto: quão distante se encontra a humanidade hoje e quão
social, terão de ser livres - só se pode ser livre quando se foi distante está a formação de professores desta compreensão? De
um intenso imitador corno criança. Aquela força, que constitui que modo se deve trabalhar para que esta compreensão se gene-
a força natural da criança, precisa ser educada intensivamente, ralize? Só com esta compreensão pode-se buscar a cura.
justamente na época em que o socialismo irromperá. As pessoas Quando observamos países que já passaram pela primeira
não se tornarão seres livres apesar de todos os discursos e de revolução social, o que percebemos em relação a esses assuntos
todas as agitações políticas sobre liberdade, se a força de imita- nos programas das chamadas escolas unificadas? O que consta
ção na infância não tiver sido plantada. Pois somente aquilo desses programas! Para todo aquele que tem urna percepção dos
que foi plantado desta maneira na infância poderá constituir a contextos da natureza humana, os programas de educação so-
base para a liberdade sociaL- cialistas são aterradores. A coisa mais terrível que pode ser colo-
Do 7° ano de vida até a puberdade (14, 15 anos), vive na cada diante da humanidade são os programas educacionais, os
criança a força que podemos denominar "agir sob urna autori- currículos, os cursos e a concepção de escola, que se vinculam
dade". Não pode haver coisa melhor para a criança do que ela se ao nome "Lunatscharski", ministro de educação na Rússia; e
propor a fazer algo porque pessoas veneradas de sua convivên- aquilo que acontece na Rússia corno programa educacional é a
cia lhe dizem: - isto está certo, isto deve ser feito. Não existe morte para o verdadeiro socialismo. Mas também em outras regi-
nada pior para a criança do que a acostumarmos ao chamado ões da Europa os programas de ensino socialista constituem-se
julgamento próprio, precocemente, antes da puberdade. O sen- em carcinomas porque partem do fundamento de que a escola
timento pela autoridade entre os 7 e os 14 anos precisa ser edu- deve ser constituída do mesmo modo que os adultos deveriam
cado de forma mais elevada e intensiva no futuro. A educação viver no organismo social. Li programas escolares nos quais
precisa ser conduzida de modo cada vez mais consciente no sen- um dos primeiros preceitos era o seguinte: a reitoria deve ser
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A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL Primeira conferência, 9 de agosto de 1919
abolida; os professores devem estar em absoluta igualdade de di- Sobre este alicerce educacional trimembrado deve ser
reitos em r~lação aos alunos; toda a escola deve estar edificada no edificado aquilo que deverá florescer no futuro da humanidade.
princípio do "companheirismo". Aquele que hoje em dia fala con- Sem nos conscientizarmos que o corpo físico, que é um imita-
tra tal preceito, a não ser no sul da Alemanha onde tais questões dor, tem de se tornar um imitador de uma maneira correta, só
estão menos difundidas do que em outras regiões da Europa, é serão introduzidos no corpo físico impulsos animalescos. Sem
taxado como alguém que não tem a menor noção da vida social. nos conscientizarmos que dos 7 aos 14 anos é o corpo etérico
Mesmo assim, aqueles que acreditam honestamente na as- que se desenvolve de modo especial, e que se precisa fazê-lo com
censão a um verdadeiro organismo social, deveriam ser esclare- base na autoridade, surgirá no ser humano somente a sonolên-
cidos de que o verdadeiro organismo social jamais poderá sur- cia cultural. E assim~ aquela força que será necessária para o
gir dos programas educacionais socialistas. Se o socialismo for organismo da vida dos direitos não se fará presente.
intr~duzido na escola, jamais poderá estar presente na vida. As E sem que, a partir dos 14~ 15 anos de vida, a força do
pessoas só se tornarão maduras para um convívio social justo amor, que está ligada ao corpo astral, seja colocada de maneira
se, na escola, a sua educação for estruturada com base numa sensata em tudo o que for ensinado, nas aulas e nos ensina-
verdadeira autoridade. Convém esclarecer o quão distante se mentos, as pessoas jamais conseguirão desenvolver o seu corpo
encontra aquilo que atualmente as pessoas fazem, o que elas astral, pois nunca conseguirão configurá-lo como um membro
pensam, daquilo que deve provir de um sentido de realidade. livre no ser humano.
Após a puberdade, dos 14, 15 anos até os 21, desenvolve-se Tudo está entrelaçado. Por isso tive de dizer:
não somente a vida amorosa sexual como um caso específico do
Imitação, em sua forma correta, desenvolve a liberdade;
amor humano universal; ela é somente um caso específico do
Autoridade - a vida dos direitos;
amor humano universal. Esta força proveniente do amor hu-
Fraternidade, amor - a vida econômica.
mano universal deveria ser especialmente cultivada no momento
em que as crianças concluem o ciclo básico e se encaminham Mas vale também o contrário. Se o amor não for desenvol-
para outras instituições, para cursos profissionalizantes, ou vido de forma correta, faltará também a liberdade. Se a imitação
algo semelhante. Pois a configuração de vida econômica que não for desenvolvida de maneira correta, manifestam-se os im-
se constitui numa necessidade histórica jamais poderá ser ace- pulsos animalescos.
sa pelo sentimento de fraternidade, isto é, pelo amor humano Quando se aborda este problema, a Ciência Espiritual é a
universal, se nestes anos escolares este tipo de amor não tiver base para aquilo que, er;n virtude das grandes necessidades his-
sido desenvolvido. tóricas que se abatem hoje sobre a humanidade, precisa se tor-
A fraternidade na vida econômica só viverá nas almas hu- nar conteúdo cultural. Sem esse conteúdo cultural não podere-
manas quando a educação após os 15 anos de idade for mos progredir verdadeiramente.
estruturada de forma a que se trabalhe com a máxima consciên- As questões que se colocam diante de nós têm de ser trata-
cia sobre as bases do amor humano universal; quando questões das numa atmosfera espiritual; é isto que terá de penetrar nas
relativas à cosmovisão, após o ciclo básico for edificada no amor almas humanas como convicção. Novamente quero reforçar o
humano e no amor pelo mundo exterior. seguinte: pode-se argumentar sobre quanto tempo ainda levará
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A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL Primeira conferência, 9 de agosto de 1919
até que urna tal convicção venha a permear as almas humanas; vés de Karl Marx e Engels. Esta concepção da ideologia é a mo-
em todo caso, o que inconscientemente é almejado pelas pessoas derna doutrina socialista. - Esta visão onde tudo o que é
- só será alcançado se essa convicção permear as almas huma- anímico-espiritual resulta de urna única realidade, provém do
nas. Creio, que os Senhores possam perceber que existe real- processo econômico, e assim é urna maia, urna ideologia.
mente ligação entre aquilo que foi trabalhado nos diversos âm~ Corno ela apareceu? Ela entrou fatalisticamente no mun-
bitos concretos em nossa Ciência Espiritual e aquilo que resulta do. Qual era, então, até a catástrofe da Guerra Mundial, a ex-
da necessidade de nossa época, corno as grandes exigências his- pressão exterior do ensinamento socialista? Os capitais juntam-
tóricas e necessidades da humanidade para o presente e para o se, concentram-se, e capitalistas, ou grupos capitalistas, tornam-
futuro próximo. Isto também estava presente naquilo que eu re- se cada vez maiores formando trusts, pools e assim por diante; o
petidamente disse: a Ciência Espiritual deverá ser considerada em processo econômico desenrola-se a partir de si mesmo; cada vez
sua interrelação com as grandes tarefas históricas do presente. mais ocorre a concentração de grupos de capital até que, a par-
Contudo, hoje as pessoas estão muito, muito distantes de julga- tir de si mesmo, o domínio do capital passa para o proletariado.
rem as coisas da forma corno aqui foram descritas. Deve surgir, Não é necessário fazer nada para que isso ocorra; este é um
em certa medida, na humanidade urna tensão causada pela insa- processo objetivo, puramente econômico: fatalismo.
tisfação, para que a partir da pura aspiração material, o oposto, O Oriente chegou ao fatalismo. O Ocidente parte do fata-
advenha a aspiração pelo espírito. Corno as pessoas conseguirão lismo. Deixar advir sobre si aquilo que o processo do mundo
encontrar urna saída para esta grande questão que as levou a deve trazer, se tornou o princípio do Oriente. Aquilo que se
entender corno maia e corno ideologia exatamente o oposto? quer que resulte fatalisticamente, para o Oriente é um processo
Mas o que surgiu? Vejam, o impulso que gera o pensamento espiritual, para o Ocidente é o processo econômico material.
nas almas humanas do Oriente e nas almas humanas do Ocidente Olha-se unilateralmente para dentro do desenvolvimento mundi-
é diferente se o considerarmos a partir das ideias. Mas este impulso al do ser humano. Se considerarmos o desenvolvimento mun-
também possui em si, em certa medida, a propriedade de gerar uma dial atual do ser humano, tal corno ele resultou de estados ante-
mesma qualidade anímica no Oriente e no Ocidente. Esta qualida- riores, encontraremos nesse desenvolvimento mundial um ele-
de também deve ser considerada. O fato de os orientais terem ca- mento espiritual que tornou-se ideologia para as pessoas. Este
racterizado o mundo exterior corno maia - isto é algo antigo. A elemento se edifica no mundo grego. Aquilo que é o mais pro-
concepção mística do mundo teve o seu verdadeiro significado fundo impulso do nosso estado de alma, ainda tem em si algo de
em tempos antigos; ela não mais a possui no presente. Sobre o grego. Por esse motivo ternos em nossa educação o ginásio, que
Oriente adveio, pelo fato de a cosmovisão de maia, em certa me- é urna imitação da estrutura anímica grega. Na Grécia, aquilo
dida, ser ultrapassada, um certo doar-se passivo a esta cosmovisão que esse estado de alma representava para o ser humano, era
- um fatalismo que penetra a Europa em sua forma mais crassa algo natural da criança até as proximidades da puberdade. O
no mundo turco: a passividade da vontade humana. helenismo desenvolveu-se de tal forma que a maior parte das
A concepção ocidental de maia foi incorporada de tal modo pessoas eram pobres, escravos, hilotas. Os conquistadores eram
que viveu na atmosfera desse fatalismo. de outra estirpe. Eram os legítimos portadores da vida espiritual.
Podemos dizer que esta concepção da ideologia surgiu atra- Isso pode ser visto mui particularmente expresso nas esculturas
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gregas. Tornemos, por exemplo, um busto de Mercúrio, ele apre- É interessante ver corno até no preço dos grãos manifesta-
senta os ouvidos, o nariz e os olhos de urna forma totalmente se esta grande incisão na história da humanidade. E qual foi a
diferente. Os gregos referiam-se, à medida em que trabalhavam consequência de, naquela época, o preço dos grãos ser correto
o busto de Mercúrio, aos povos que os haviam conquistado e numa boa parte da Europa? A velha servidão, o velho feudalismo
aos quais eles deixavam a economia do comércio exterior. O ari- começou, em parte, a cessar nos meados do séc. xv. Foi quando
ano, caracterizado pela cabeça de Zeus, de Hera e de Atena, era irrompeu o direito romano para aniquilar a liberdade que se
aquele a quem o espírito era atribuído pelos poderes do mundo. iniciava. Nós somos permeados no âmbito político, do estado,
Não acreditem que aquilo que se difundiu corno estrutura pelo direito romano, assim corno em relação ao espiritual somos
da alma grega seja algo que só se manifesta na condição geral de imbuídos da estrutura anímico-espiritual grega. Até o momento
alma! Manifesta-se também na formação e no uso das palavras e não conseguimos conceber, no âmbito do direito, nada além de
na )íngua grega~ que se baseia numa estrutura da alma social um renascimento, o renascimento do direito romano. Ternos
aristocrática. E isto nós ainda ternos em nossa vida espiritual. em nosso organismo social a estrutura espiritual grega e a es-
Por isso não vivenciamos nenhuma renovação da vida espiri- trutura do estado romano.
tual em meados do século Xv, mas somente um renascimento, A vida econômica não se deixa configurar corno urna re-
ou urna reforma do antigo. Isto ainda trazemos dentro de nós nascença. Pode-se viver de acordo com o direito romano e pode-se
em nossa vida espiritual. educar as crianças e os jovens segundo a estrutura espiritual
Educamos nossos jovens no ginásio, distantes da vida. Para grega, mas não se pode comer a comida que os gregos comiam,
os gregos era natural educarem os jovens de tal modo, corno o pois não se saciaria a fome. A vida econômica tem de ser presen-
nosso ginásio ensina, pois essa era a sua vida. Os gregos educa- te. Ela representa o terceiro elemento. Ternos de trazer ordem
vam suas crianças e jovens de acordo com a sua vida; nós edu- para dentro destes três âmbitos pelo fato de eles estarem entre-
camos nossos jovens no ginásio tal corno era a vida grega. As- meados de modo caótico. E isso somente pode se dar através do
sim, a nossa vida espiritual tornou-se estranha à vida, por isso organismo social trimembrado.
ela é sentida corno ideologia; por isso os pensamentos são muito Pessoas corno Marx e Engels compreenderam isto à medida
estreitos para conseguirem abarcar a vida, principalmente para em que reconheceram o seguinte: não se pode continuar a go-
conseguirem intervir na vida de modo atuante e dinâmico. vernar com a vida espiritual herdada do mundo grego; não cil.
Paralelamente a este elemento da formação espiritual ternos Na Alemanha, eu disse às pessoas que consideram tais coisas de
urna estranha formação do direito entre nós. Por toda a parte, difícil compreensão, que, certamente, distingo estas coisas da-
em todos os âmbitos, pode-se comprovar corno houve nos mea- quelas a que elas se acostumaram a compreender nos últimos
dos do séc. XV urna poderosa incisão no moderno desenvolvi- quatro ou cinco anos. Eu lhes disse, que se achava fácil, neste
mento da humanidade. Os grãos hoje são caros, assim corno tudo período, compreender coisas que eu não compreendia, somente
o que com eles é fabricado. Se pesquisarmos quando os grãos era necessário dar a ordem para que as coisas fossem compreen-
eram extremamente baratos nos países europeus chegaremos aos didas. O grande quartel general, ou alguma outra instância ti-
séculos IX e X. Naquela época eles eram tão baratos quanto hoje nha que determinar que as coisas fossem compreendidas. Elas
são caros. Em meados do séc. XV tinham um preço justo. eram compreendidas porque se determinava que fossem com-
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preendidas; hoje, isso significa compreender as coisas a partir somente uma vida pelo poder; uma vida espiritual que se redu-
da alma humana livre. Para isso é necessário que as almas des- ziu a frases prontas: esta é a divisão tripartida que de fato tive-
pertem; e elas estão dormentes. Mas é exatamente esta a ques- mos. Temos de sair desta divisão tripartida. E só sairemos dela
tão. Não se trata da falta de compreensão, mas da vontade e da quando compreendermos que temos de levar a sério a trimem-
coragem que ainda faltam para õu:ar para dentro desta realidade. bração do organismo social.
É natural que aquilo que deve falar à humanidade a partir de Isto só pode ser compreendido quando nos baseamos na
um tom totalmente novo, precise ser elaborado com palavras e Ciência Espiritual orientada pela Antroposofia. Melindrou a
frases diferentes daquelas com as quais as pessoas estão acostu- phüeia quando eu, algumas semanas atrás, numa conferência
madas. Pois estamos tomados por três coisas diferentes daque- pública proferi a frase: os círculos de dirigentes e governantes
las que foram mencionadas na trimembração. do presente não devem mais fiar-se no seu cérebro, o qual é
: Nesta trimembração é exigida uma renovação da vida es- decadente. Eles devem se esforçar por compreender aquilo para
piritual para permitir que as pessoas realmente vivenciem um o qual não se necessita do cérebro mas do corpo etérico. Pois os
inter-relacionamento de sua vida anímica com a vida espiritual pensamentos que devem ser captados na Ciência Espiritual ori-
objetiva. Quando os seres humanos falam hoje, eles o fazem, em entada pela Antroposofia não precisam do cérebro. Os círculos
grande parte, com frases prontas. E por que as pessoas repetem de dirigentes e governantes, a burguesia atual, devem, já por
frases prontas? Por não possuírem uma relação com aquilo que causa do seu desenvolvimento fisiológico, dedicar-se ao conhe-
as frases devem significar. Pelo fato de faltar aos seres humanos cimento espiritual para cultivar algo que também pode ser cul-
a inter-relação com a vida espiritual, as suas palavras tornam- tivado por cérebros decadentes.
se frases prontas. O proletariado luta para ascender. Ele tem um cérebro ainda
Falou-se muito sobre a instituição do direito no seio da não desgastado. Comparado a um fruto, vemos que ele ainda
humanidade civilizada nos últimos anos. Os acontecimentos do não foi totalmente espremido, pois ainda apresenta algo atávico.
presente demonstram bem o quão distantes as pessoas se en- Por isso o proletariado ainda compreende aquilo que se diz no
contram da realidade no que tange ao direito. Até agora não se sentido de uma nova ordem social. E hoje as coisas se encon-
. lutou pela questão do direito, somente pela questão do poder; tram num estado em que, no fundo, todo o proletariado teria
mas falou-se sobre o direito. acesso a elas; somente os governantes nao o tem, mas eI es'1se
- A
Quanto à vida econômica não surgiram pensamentos para aburguesaram; eles são mais burgueses do que os próprios bur-
abrangê-la, e assim os fatos sucederam-se por conta própria. gueses. Eles assumiram o bitolamento e o transformaram numa
Este foi o elemento característico na vida econômica: as pessoas certa cultura superior. Mas por outro lado existe uma terrível
só produziram, exatamente corno uma vez, no início de 1914 obediência. Esta obediência terá de ser quebrada. Antes disso
mencionei em Viena, ocasião em que chamei esse produzir de não haverá neste âmbito nenhuma cura.
tumor canceroso social: produziu-se muito e as mercadorias Vejam como as coisas são mais complicadas no presente do
foram lançadas no mercado. O ciclo econômico deveria mover- que costumavam ser, elas encontram-se nesse estado porque
se por si próprio, sem pensamentos que o governassem. Uma somente a Ciência Espiritual que conduz à iniciação pode con-
vida econômica caótica, sem planos; uma vida jurídica que é duzir à verdadeira compreensão dos problemas sociais do pre-
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sente. Os Senhores encontrarão três conceitos, que também são é brilhante a ciência econômica atual! É digna de riso. Mas não
apresentados na minha obra "Os pontos cerne da questão soci- podemos nos animar muito com esse riso, pois as universidades
al nas necessidades da vida presente e futura", que escrevi não ainda detêm a posição de dirigentes na vida espiritual. Elas, con-
somente para antropósofos mas também para o grande público. tudo, produzem tais conceitos no âmbito da ciência econômica.
Nela irão encontrar esses três conceitos importantes para a vida Não se quer admitir que produz-se matéria ridícula neste âmbito.
social presente. Lá se encontra o conceito de mercadoria ou de Entretanto, tais coisas precisam ser encaradas, deve-se então
produção de bens de consumo, no âmbito da vida econômica. perguntar: como é possível que a ciência não consiga explicar os
Outro conceito importante é o conceito de trabalho. Um tercei- conceitos sociais que hoje estão se tornando questões cotidianas
ro conceito importante é o conceito de capital. A ciência social prementes? Seria uma satisfação se eu pudesse dizer algo mais preci-
.do presente baseia-se nestes três conceitos. so em relação a esta questão durante a minha estadia neste país.
Vejam o quanto já se falou no âmbito da ciência social para Hoje, no entanto, desejo somente fazer referência ao assunto.
caracterizar esses três conceitos! Quem conhece o que surgiu mais Apesar de o conceito de mercadoria ser puramente econô-
precisamente na segunda metade do séc. XIX no âmbito da ciên- mico, ele não pode ser caracterizado pela ciência comum. Os
cia, através dos economistas, para se conseguir abarcar esses três Senhores somente conseguirão captar o conceito de mercadoria
conceitos de mercadoria, de trabalho e de capital, sabe quanto se o basearem em conhecimentos imaginativos. E não conse-
esforço se gastou numa ciência impossível, pois toda essa ciência guirão compreender o trabalho no âmbito social e econômico se
é insuficiente. Recentemente contei um caso engraçado. O famo- não tiverem como base o conhecimento inspirativo. Também
so professor Lujo Brentano, à luz da ciência econômica da Euro- não conseguirão definir o capital se não ativerem como base o
pa Central no presente, publicou recentemente um artigo conhecimento intuitivo.
intitulado "O Empresário". Aí ele desenvolve as três característi-
cas do empresário. Somente lhes relatarei a terceira característica Lousa 1
do empresário na concepção de Brentano. Esta característica refe-
re-se ao fato de que o empresário utiliza o meio de produção por O conceito de mercadoria exige imaginação; - . ~
sua própria conta e risco. Isto é um fato, pois o empresário é o conceito de trabalho exige inspiração; -QVVvvv~
' .
proprietário dos meios de produção e empreende a produção para o conceito de capital exige intuição. - .. .
I I
o mercado por sua própria conta e risco. O conceito de Brentano,
luz da atual ciência econômica na universidade, é tão limitado E se esses conceitos não forem formulados dessa forma sem-
que, no mesmo artigo, este senhor teve a felicidade de chegar à pre surgirão resultados confusos.
conclusão sobre quem ainda é empresário além do fabricante e do Exemplo: por que Lujo Brentano define o conceito de capi-
negociante: o próprio operário moderno. O operário moderno é tal, que coincide com o conceito de empresário de tal forma, que
um empresário, pois ele possui o meio de produção, isto é, a sua o operário também é um capitalista, um empresário? Ele pode
própria força de trabalho e a oferece no mercado por sua própria ser uma pessoa muito brilhante da atualidade, mas não possui
conta e risco. O conceito do sr. Lujo Brentano é tão claro que o nenhuma noção de que para se obter um conceito real sobre
operário também se apresenta entre os empresários. Vejam como capital é necessário ter conhecimento intuitivo!
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determinavam a espiritualidade da Grécia Antiga. Não existe nhadas em todos os cargos governamentais e de diretoria, aque-
uma justificativa para a configuração de alma da Grécia Antiga las pessoas que receberam a sua formação conceitual na escola
se não se considerar que lá era considerado correto, pensar so- secundária e superior. Atualmente é necessário que nos familiari-
bre as relações humanas sociais a partir das características zemos com o fato de que a hora do grande ajuste de contas che-
consanguíneas dos povos conquistadores arianos. Naturalmente gou, e que temos de pensar sobre tais coisas com objetividade,
a humanidade da época moderna superou aquilo que na anti- não podemos mais fixar-nos em antigos hábitos de pensamento.
guidade reinava entre os gregos. Para os gregos, era Simples- Aquilo que se formou a partir do sangue, na Grécia Anti-
mente óbvio que existissem duas espécies de pessoas; as que ga, tomou-se abstrato no Império Romano. O corpo social gre-
tinham de cultuar Mercúrio e as que tinham de cultuar Zeus. go formou-se a partir da consanguinidade, tal já não se trans-
Estas duas classes de pessoas estavam radicalmente separadas. portou para o âmbito romano. Em Roma estabeleciam-se as re-
Concebia-se o mundo e os seus deuses do mesmo modo que o lações em termos da necessidade de se ser membro de uma certa
povo conquistador o fazia, através de sua descendência pelo classe, da mesma forma como ocorrera na Grécia; mas não se
sangue. Tudo era determinado pelo resultado do combate entre sentia mais a origem, a causa de ser membro desta classe na
um povo conquistado e um povo conquistador. Quem se focar herança do sangue. Nenhum grego da antiguidade duvidaria
no que vive entre as pessoas em nossa atualidade social reco- que existem pessoas de uma espécie inferior, aquelas pertencen-
nhecerá que, de fato, segundo os nossos sentimentos, segundo tes aos povos conquistados, e pessoas de uma espécie superior,
aquilo que vive inconscientemente em nossa alma, não mais os arianos, tal não ocorria com os romanos. Dentro do Império
aceitamos esse aristocratismo inerente a esta cosmovisão; mas Romano havia uma forte consciência de que a divisão do corpo
ele ainda vive em nossas ideias, em nossos conceitos, especial- social se dava através do poder e da força. Basta que lembrem
mente quando estudamos em escolas superiores. O ensino se- como os romanos buscam a sua origem quando encontram um
cundário e principalmente a escola superior ensinam tudo o que agrupamento de assaltantes nas proximidades de Roma que se
pertence ao âmbito da educação simplesmente como um juntaram para fundar Roma. Os Senhores sabem que os funda-
renascimento, como se fosse um eco do mundo grego. E princi- dores de Roma não foram nutridos com o doce leite materno,
palmente as escolas superiores, com exceção das escolas superio- mas sim na floresta amamentados por uma loba.
res técnicas e das escolas superiores de agricultura, que tiveram Todos esses são fatos que estavam presentes no corpo soci-
de ser estruturadas a partir da nova vida, mas infelizmente, em al romano e que fizeram com que, em Roma, todas as divisões
sua estrutura exterior ainda são constituídas por elementos re- sociais fossem estabelecidas a partir de conceitos abstratos. Por
tirados do que teria sido a estrutura da escola superior na Grécia. isso resultou da configuração romana da alma aquilo que per-
Quando se valoriza altamente o mundo grego pelo que repre- manece relacionado aos nossos conceitos de estado e de direito.
sentou em sua época, deve-se ter clareza de que para a nossa Diante destes fatos históricos eu sempre me lembro de um
época atual uma renovação espiritual se faz necessária, e que velho amigo. Conheci-o quando ele já era bastante idoso. Na
para ela será cada vez mais insuportável que a direção da huma- sua juventude, aos 18 anos, ele havia se apaixonado por uma
nidade siga tais almas, que conservaram a configuração de seus jovem e ficaram noivos secretamente. Mas eles nada tinham e
conceitos nas escolas superiores. Naturalmente estão enfro- por isso não podiam se casar, e assim esperaram e permanece-
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ram fiéis um ao outro. Ele tinha 18 anos quando se apaixonou, repartição, ou por terem este ou aquele cargo num certo depar-
e quando conseguiu pensar em se casar tinha 64 anos, pois só tamento. Prefere-se ser algo impessoal, ideia proveniente dos
nessa ocasião havia conseguido ganhar tanto que acreditava conceitos do direito romano, do que ser uma personalidade. Esses
poder arriscar dar um tal passo. Então, voltou ao seu lugar de fatos nos mostram que em relação à nossa vida espiritual e à
nascimento que ficava nas proximidades de Salzburgo e lá, quis nossa vida jurídica os tempos tornaram-se antiquados e que em
se casar com a sua amada eleita há tantos anos. Mas, vejam só, relação a ambos necessitamos de uma verdadeira renovação. Essa
a igreja com os registros de nascimento havia sido queimada e renovação pela qual deve passar a alma humana está relacio-
ele não conseguiu a certidão de batismo. Não existia outro re- nada a impulsos muito mais profundos do desenvolvimento
gistro onde o homem havia sido batizado, e desta forma não da humanidade.
acreditaram que ele houvesse nascido. Ainda me lembro viva- Considerem mais uma vez que desde os meados do séc. XV
:mente quando a sua carta chegou. Naquela época eu morava o recente desenvolvimento da humanidade, sob o ponto de vista
nas proximidades de Wiener-Neustadt, próximo a Viena e na do conhecimento, realizou-se pelo modo de pensar das ciências
carta ele dizia - naquela época ele tinha negócios em Wiener- naturais, e principalmente por aquele modo que se edificou sobre
Neustadt mas agora se encontrava em seu local de nascimento, leis naturais abstratas, sobre a percepção dos sentidos e so-
nas proximidades de Salzburgo - e continuava: "Sim, eu acre- bre os pensamentos que se fazem dessas percepções. Nada mais
dito que seja totalmente evidente que eu tenha nascido, pois querem valorizar além daquilo que provém das percepções dos
afinal estou aqui; mas as pessoas não acreditam que eu tenha sentidos e dos pensamentos sobre tais percepções. Ontem eu
nascido porque não existe uma certidão de batismo!" chamei a atenção dos Senhores para o fato de que hoje em dia já
Certa vez eu também havia conversado com um advogado existe um número suficiente de pessoas, que têm a ideia correta
que me disse: sim, num processo como este não é tão importante de que com uma tal visão da natureza, tal como a descrevemos,
para nós se a pessoa existe ou não; precisamos somente da cer- só chegamos a uma imagem que é um fantasma da natureza.
tidão de nascimento. Aquilo que o pesquisador da natureza forma para si como ima-
Vejam só como precisamos sempre nos lembrar de uma his- gem da natureza é um fantasma do mundo; não é o mundo real.
tória como essa. A atmosfera desta história mostra, finalmente, Temos então que dizer: desde meados do séc. XV uma metade
que a nossa vida pública ainda está edificada sobre uma estru- da humanidade está na situação de produzir para si uma ima-
tura romana, mais em certos âmbitos do que em outros. É ver- gem-fantasma do mundo. Por trás disso, contudo, esconde-se,
dade, somos cidadãos do mundo, não pelo fato de termos nasci- para a ciência da iniciação, algo muito profundo e isto teremos
do como seres humanos e aqui estarmos como seres humanos, de colocar diante de nossas almas.
mas sim pelo fato de em algum lugar sermos reconhecidos e No âmbito da percepção dos sentidos, não se pode ficar
registrados como cidadãos. Essas coisas remetem ao mundo ro- corrigindo; mesmo se o considerarmos como maia ou algo se-
mano. A origem pelo sangue transformou-se em registro. melhante, no fundo, isso representa o mesmo para uma
Isto leva atualmente, em meio ao declínio e à decadência, a cosmovisão mais profunda. Na percepção dos sentidos em si
que muitas pessoas não acreditem que têm valor por serem se- não se pode fazer uma correção; ela é o que é. Uma flor vermelha
res humanos, mas por estarem inscritos na hierarquia de alguma é uma flor vermelha; é totalmente indiferente se nós a conside-
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rarmos como maia ou como uma realidade, pois ela é o que é. E reza, no ser do grão de cereal, do trigo, do centeio nutrir-nos,
assim toda percepção sensorial é o que é. A discussão só começa mas sim, a partir desse grão, nascer uma nova planta de trigo
no momento em que produzimos pensamentos sobre essa per- ou centeio. Do mesmo modo, não faz parte de nossa natureza
cepção dos sentidos, quando definimos esta percepção sensorial conceber o mundo exterior através dos conceitos que temos
e a interpretamos. Só então começa a dificuldade. E por que mo- adotado desde o séc. Xv, outra coisa deverá surgir para nós, a
tivo a dificuldade começa aí? Ela principia pela razão de que são partir de tais conceitos, se nos voltarmos corretamente para o
outros os conceitos que temos de formar como seres humanos seu ser. Os conceitos que as pessoas desenvolvem atualmente
desde o séc. XV, diferentes dos conceitos que a humanidade desde o séc. XV são as imagens das sombras projetadas daquilo
tinha anteriormente. Tal não é considerado corretamente na His- que vivenciamos no mundo espiritual antes do momento da
tória atual, que se apresenta como uma "fábula conveniente", concepção. De modo que se pode imaginar o seguinte -
como frequentemente tenho dito. Quem tiver a possibilidade de
penetrar nos conceitos da humanidade antes do séc. XV saberá Lousa 2
que eles eram permeados de imagens interiores, que eram ima-
ginações. A abstração, o elemento abstrato dos conceitos só se Concepção ou Nascimento
fez presente do modo que existe a partir dos meados do séc. xv.
Por que desde a metade do séc. XV temos estes conceitos
abstratos, dos quais temos hoje tanto orgulho, e dentro dos
quais nos movimentamos? Por que desenvolvemos estes con-
ceitos abstratos como humanidade inteira? Esses conceitos abs-
tratos, que nós desenvolvemos enquanto humanidade, têm a
característica de serem empregados por nós no mundo dos sen- eu frequentemente já chamei a atenção sobre isso (o conferen-
tidos, mas realmente não servem para este mundo. Eles de nada cista desenha): aqui está o momento da concepção, ou do nasci-
servem para o mundo sensível. Em meu livro "Enigmas da filo- mento e a vida humana prossegue assim: se os Senhores conse-
sofia" referi-me a este fato da seguinte maneira: o modo como o guirem imaginar isto verão que os nossos conceitos, as forças
ser humano forma conceitos cognitivos sobre o mundo exte- de formação de conceitos, presentes em nós, são realmente eco
rior é uma corrente paralela ao seu desenvolvimento anímico. daquilo que vivenciamos antes do nascimento ou de nossa con-
Por exemplo, exatamente como a presença de um grão de trigo cepção (ver desenho). Realmente usamos incorretamente o nos-
na terra, sabe-se que ele está realmente determinado pela natu- so sistema de formação de conceitos à medida que o emprega-
reza a se tornar novamente uma planta; muitos grãos, no en- mos no mundo exterior dos sentidos.
tanto, nós moemos e os comemos como pão. Mas isto não se Esta noção se encontra nos fundamentos da visão da na-
encontra previamente determinado no grão do trigo! Veremos tureza segundo Goethe. Ele não tem a intenção de formular leis
que este é um desenvolvimento paralelo se perguntarmos: o grão da natureza através de conceitos; mas sim encontrar fenômenos
de trigo contém aqueles componentes químicos de que necessi- primordiais, isto é, percepções exteriores inter-relacionadas, pois
tamos para a construção do nosso corpo? Não reside na natu- ele tem um sentimento, uma ideia, de que a nossa capacidade de
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formár conceitos não pode ser empregada diretamente na natu- quência que a vontade humana, que se volta para a máquina,
reza exterior. Ternos de educar a nossa capacidade conceitual na verdade não se debruça sobre algo real. A máquina é, no
para ser um pensar puro. Quando a educarmos corno pensar fundo, urna quimera para a realidade do mundo. O industria-
puro, estaremos nos remetendo à nossa existência espiritual lismo introduz em nossa vida algo que torna a vontade do ser
anterior ao nascimento. Possuímos a nossa capacidade de pensar humano sem sentido sob urna visão mais elevada. Um impulso
característica da atualidade para atingirmos a nossa essência muito profundo surgirá quando for implantada, em algum
espiritual no âmbito do pensar puro, antes de sermos envolvi- momento, na nova humanidade, a convicção de que a máquina
dos por um corpo físico. Enquanto a humanidade não entender e tudo aquilo que resulta do industrialismo torna a vontade
que possui a faculdade de pensar para que compreenda a si mes- humana algo sem sentido. Já chegamos ao ponto culminante
ma corno espírito, a tarefa do quinto período pós-atlântico não do efeito das máquinas em que um quarto daquilo que é produ-
estará verdadeiramente presente no interior das almas humanas. zido na terra não é produzido pela vontade humana, mas pelas
A nossa ciência natural foi, de certo modo, inserida no nosso máquinas. Isto significa algo extraordinário. A vontade humana
destino de humanidade para permanecermos junto à natureza não tem mais um sentido para viver na terra.
pura, sem especularmos sobre ela, utilizando os nossos concei- Se os Senhores lerem, por exemplo, os discursos de
tos para enxergarmos corno éramos corno espíritos, antes de Rabindranath Tagore devem perceber algo que permanece
termos sido envolvidos por um corpo físico através de nossa ininteligível para um europeu, se este usar seu intelecto euro-
concepção e de nosso nascimento. As pessoas ainda hoje acredi- peu normal, de seu entendimento europeu comum. Reina um
tam que devem, com a sua capacidade de formar conceitos, classi- outro tom, outra qualidade fundamental naquilo que o asiático
ficar a percepção exterior dos sentidos; elas só agirão corretamen- culto diz hoje em dia, pois para os asiáticos cultos esta passivi-
te quando empregarem os pensamentos, que possuem desde o dade e conivência do espírito europeu em relação à máquina é
séc. xv, no mundo espiritual, no qual se encontravam antes de simplesmente algo incompreensível. Para o oriental a atuação
serem envolvidas com um corpo físico. através da máquina, através do industrialismo é algo sem sentido.
Assim, encontra-se o próprio ser humano do quinto perío- Isso se torna evidente quando o oriental culto fala que, para ele,
do pós-atlântico, forçado a voltar-se para o espiritual, para o esse um quarto de toda a produção - no Oriente as velhas
mundo anterior ao nascimento, e também se encontra, através pessoas cultas não tornam parte nesta produção -, de todo o
de um outro elemento, numa situação peculiar que terá de de- trabalho das pessoas do presente, é visto corno um trabalho
senvolver e de levar adiante. Paralelamente à visão fantasma- sem sentido. Isto porque o oriental, que ainda tem urna capaci-
górica das ciências naturais prossegue o industrialismo. Ontem dade de percepção atávica, sabe que tudo aquilo que o ser hu-
eu já mencionei tal fato. O principal no industrialismo é o fato mano investe na máquina corno trabalho, tem urna qualidade
de que a máquina, o elemento propulsor do industrialismo, é muito peculiar. Quando o ser humano conduz o seu cavalo atre-
espiritualmente transparente. Nada resta nela que seja incom- lado ao arado através do campo lavrado e trabalha junto com o
preensível. Chamei a atenção ontem, sobre corno no próprio cavalo, este trabalho junto com o animal, onde urna força da
mineral permanece algo que não pode ser visto; a máquina, no natureza ainda está atuando conjuntamente, tem um sentido
entanto, ela é totalmente transparente. Isto gera corno conse- cósmico. Quando a vespa constroi a sua casa, essa construção
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menta maquinal, mecânico - até na política, que gradativa- também caminha no sentido oposto com relação a isso; pois se
mente transformou os estados em máquinas. Temos de nos es- tem a impressão de que em toda parte o sentimento de verdade
forçar para recuperar um querer que seja animado e permeado está furado, não funciona, e que hoje tem-se medo de assumir
pelo espírito. Para tal temos, contudo, de assumir as ideias da como certo o que é certo, e como errado o que é errado e ainda,
Ciência Espiritual, temos que, por exemplo, começar com a pe- de se mostrar a mentira como mentira. Mas tal ocorre pelo fato
dagogia de modo que fundemos seus alicerces com o que hauri- de, por exemplo, perceber-se como verdadeiro que a pintura do
mos dos conhecimentos da Ciência Espiritual; que passemos estilo de Rafael não faz mais parte do presente e deve ser vista e
a educar do modo como a Ciência Espiritual antroposófica .a dmirada como algo do passado. É especialmente necessário em
nos orienta. Através desse fortalecimento mais intenso e mais nossa época que atentemos para situações onde o impulso para
consciente do querer, exercido a partir do espírito, nós cria- sermos verdadeiros nos sobrevirá das profundezas da alma. Com
~os uma imagem que se opõe ao querer destituído de sentido frequência lembro-me de uma bela passagem da biografia de
do industrialismo. Michelangelo escrita por Herman Grimm que fala sobre o "Juízo
Assim nos é dado o industrialismo, com toda a sua final" de Michelangelo. Nela~ ele fala sobre quantas imagens
desertificação de pessoas e de almas, a fim de nos animarmos, semelhantes ao "Juízo final" foram pintadas naquele tempo, e
nesse deserto, a exercer o nosso querer a partir do espírito. O como as pessoas vivenciavam como plena realidade a verdade
melhor modo para iniciar é educando o querer a partir do espí- daquilo que estava pintado na parede. As pessoas viviam nestas
rito, isto é, formarmos uma pedagogia que eduque a partir do imagens do "Juízo final" como numa verdade. Atualmente não
espírito e do seu conhecimento. Muito tem de ser mudado atual- se deveria contemplar uma imagem tal como o "Juízo final" de
mente neste âmbito. Para isso necessita-se ainda de um senti- Michelangelo, sem estarmos conscientes de que nós não a pode-
mento de verdade interior formado íntima e cuidadosamente. mos vivenciar como aquelas pessoas para as quais Michelangelo
Devemos ter clareza para o fato de que o sentimento de verdade a pintou, porque nós perdemos essa percepção, no máximo po-
interior precisa ser gradativamente empregado também naquilo demos dizer a nós mesmos: esta é uma imagem de alguma coisa
em que ainda não estamos acostumados a empregá-lo. Acredito que nós não acreditamos como uma realidade que possa ser per-
que alguém poderia hoje se espantar se lhe disséssemos: você cebida diretamente.
tem razão em admirar especialmente "Rafael" por causa de suas Reflitam somente sobre o fato de que o ser humano com a
pinturas; mas se você exigir que as pessoas hoje pintem como consciência atual não crê que realmente o anjo desça dos céus,
ele, então você perde a razão. Só tem razão para se maravilhar ou que o diabo atue como na pintura de Michelangelo; o ser
com Rafael aquele que sabe que é um mau pintor aquele que humano hoje se coloca diante dessa imagem de um modo dife-
hoje pinta do modo como Rafael pintava. Isso porque ele não rente daquele para o qual Michelangelo a pintou em sua época;
está pintando do modo como se deve pintar a partir dos impul- aquele ser humano enxergava estas imagens como realidades. E
sos da nossa época. Não se pode estar em consonância com uma quando se tem uma clara consciência de que aquilo que o ser
época se não se percebem as tarefas de uma determinada época a humano atual vivencia diante do "Juízo final" de Michelangelo
cada novo instante. É necessário que se adquira um sentimento é algo cinzento, abstrato, é nesse exato momento que se é cha-
de verdade íntimo nessa direção. Contudo, a humanidade atual mado interiormente a procurar sentir e perceber todo o vivo
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entretecer, o movimento de vida que está nas imagens deste movimento geral da vida humana fluísse dessa forma. Primei-
afresco do "Juízo final". Um chamado interior nos leva a per- ramente o Cristianismo tem de fazer surgir no ser humano algo
guntar: como as pessoas de uma época poderiam chegar a ter diferente do que se via nessa antiga sabedoria. Que meios, en-
tanta força em imaginações e em imagens naquilo que viam? tão, o Cristianismo emprega? Ele conduziu a vida humana para
Michelangelo pintou após o término da quarta época pós-atlân- dentro da consciência das pessoas somente até esse momento:
tica, mas o fez a partir das forças do espírito daquela mesma (ver desenho: cruz) a vida terrena presente. - A imagem da
época, pois situa-se na passagem entre os dois períodos. Essa vida anterior até o momento da última morte, o ser humano
questão surge, com todo o seu peso, exatamente quando se está .antes do nascimento, antes da concepção, é trazida pelo Cristia-
consciente de como é nebuloso, desprovido de vida, aquilo que nismo somente como um pensamento da divindade, e não como
um ser humano atual vivencia diante de uma tal pintura de uma individualidade humana. Antes do ser humano, como in-
Michelangelo. Devemos então perguntar pela origem de tal fato: dividualidade, está o mundo espiritual do qual ele provém como
qual foi a razão que levou as almas humanas a contemplar de um pensamento da divindade; a sua existência c?mo ser huma-
tal modo a imagem do Final dos Tempos? De onde provém a no só inicia com o nascimento. A ela juntava-se, em seguida, a
estrutura dessas imagens? vida após a morte. Em certa medida perdeu-se no primeiro período
A razão reside no seguinte. No primeiro período do Cristia- . do desenvolvimento do Cristianismo a capacidade dessa visão
nismo, desde que o Mistério do Gólgota penetrou no desenvol- panorâmica das existências: a vida entre a morte e um novo
vimento da Terra e conferiu a este desenvolvimento o seu senti- nascimento, a vida terrena, e então novamente a vida entre a
do verdadeiro, foi necessário eliminar alguns elementos que es- morte e um novo nascimento, nova vida terrena e assim por
tavam presentes na vida dos antigos e que mais tarde voltariam diante; a percepção reduziu-se a olhar apenas para a origem do
a ser conquistados pela humanidade. Dentre esses elementos ser humano e depois para a vida após a morte. Por outro lado,
está a visão, a percepção das reencarnações das vidas na Terra. deu-se um equilíbrio expresso nas imagens geradas pelo "Juízo
Se representarmos graficamente esta vida (desenha-se), o movi- final". Essas imagens surgiram pelo fato de o Cristianismo, ini-
mento geral da vida humana passa-se assim: cialmente, tirar da percepção humana a doutrina da preexis-
tência, da existência espiritual anterior à concepção e ao nasci-
Lousa 2 mento. Atualmente emerge novamente a necessidade, provinda
das profundezas da alma humana, de se reconhecer as vidas
terrenas que se repetem. Por essa razão perdem força e colora-
ção as imagens que retratam só uma dentre as vidas terrenas e o
mundo espiritual antes e depois dela. Ocorre agora uma intensa
necessidade de ampliar a cosmovisão cristã tal como ela era em
seus tempos iniciais. O Mistério do Gólgota não teve uma atua-
vida terrena, vida no mundo espiritual; vida terrena, vida no ção somente para aqueles que creem numa única vida terrena,
mundo espiritual, e assim por diante. O conteúdo da cosmovisão também vale para aqueles que conhecem as vidas terrenas que
instintiva atávica dos tempos antigos era justamente qu~ o se repetem. Essa ampliação se faz necessária no presente. Deve-
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mos assim ter clareza de que nos encontramos, nesse exato mo- Por essa razão, ontem tive de dizer o seguinte: se desejar-
mento, no ponto em que devemos utilizar os fantasmas do co- mos realmente urna nova forma social pertinente ao futuro te-
nhecimento conceitual comum e a falta de sentido do querer que mos de prepará-la exatamente através da educação do ser hu-
se perdeu através do industrialismo, para urna impulsão, um mano. Para isso é necessário que se conte não com pequenos,
arranque em direção ao conhecimento espiritual e a um querer mas com grandes encargos nas questões da pedagogia. Grada-
movido pelo espírito. Por outro lado, também, para ampliar a tivamente o nosso sistema educacional tornou-se algo em que
consciência religiosa sobre as vidas terrenas que se repetem. as coisas acontecem corno se quiséssemos caminhar em direção
O ser humano atual deveria inscrever profundamente na àquilo que ontem eu caracterizei como urna mecanização do espí-
alma a mais absoluta importância dessa ampliação da consciên- rito, urna vegetalização da alma e urna animalização do corpo.
cia humana no momento presente. Ele depende disso se real- Não devemos caminhar para isso. Ternos de desenvolver
. mente quiser entender corno deve viver na atualidade e corno intensamente as forças que podem ser desenvolvidas na alma
. deve preparar o futuro num sentido correto. Na verdade cada humana infantil para que o ser humano adulto posteriormente
um pode começar a empreender tais coisas, não importando o possa hauri-las, no que foi desenvolvido em suà infância. Hoje
ponto em que estiver na sua vida. Finalmente, um conhecimento o ser humano olha para a sua infância, volta a sentir-se dentro
exterior levará as pessoas a exigirem algo que hoje vive intensa- dela, mas não consegue haurir nada dela, pois nada foi de fato
mente nas profundezas inconscientes da vida anímica e que desenvolvido nela. As bases de nossa pedagogia devem, portan-
emerge ressoando e retinindo fortemente na consciência plena. to, mudar fundamentalmente se quisermos encontrar aquilo que
O que mais dá na vista atualmente é o fato de tantas almas hu- é correto neste assunto! Ternos de, antes de mais nada, auscul-
manas desequilibradas, arrasadas, andarem por aí, almas real- tar com muita atenção o que na atualidade é posto em evidência
mente problemáticas, que não sabem o que fazer da vida, e que como algo muito especial, principalmente curativo.
sempre perguntam: o que justamente eu devo fazer? o que a Ternos, assim, necessidade de atuar através de uma econo-
vida quer de mim? - elas iniciam isso ou aquilo, mas nunca mia no âmbito da educação sem uma tensão excessiva, para al-
estão satisfeitas. Cada vez surgem mais pessoas com natureza cançar a concentração das crianças. Só podemos alcançá-la, na
assim problemática. De onde provém tal fato? Provém de urna medida necessária ao ser humano, se nos desfizermos de algo
deficiência do nosso sistema educacional. Hoje, quando educa- que é muito valorizado hoje em dia: se descartarmos as abomi-
mos nossas crianças não despertamos nelas aquelas forças que náveis grades horárias nas escolas, essas armas mortais para o
as tornam fortes para a vida. O que fortalece o ser humano é verdadeiro desenvolvimento das forças humanas. Reflita-se ape-
que ele seja um ser que imita até o sétimo ano de vida, que siga nas uma vez sobre o que isso significa: das 7 às 8 horas, cálculo,
urna autoridade digna até os 14 anos e que consiga desenvolver das 8 às 9, ensino de língua, das 9 às 10, geografia, das 10 às 11,
o amor da forma correta até os 21 anos, pois mais tarde não se história! Tudo que a alma ponderou das 7 às 8 horas é apagado
consegue mais desenvolvê-lo. O que falta ao ser humano pelo depois, das 8 às 9 horas, e assim por diante. Neste assunto é
fato de essas forças, que têm de ser desenvolvidas em certas épocas necessário que se vá a fundo. Não devemos mais acreditar que
da vida infantil e juvenil, não serem despertadas, torna-o um as matérias estão presentes nas escolas para que a "matéria"
ser de natureza problemática. E deve-se ter consciência disso! seja ensinada; devemos, sim, ter clareza sobre o fato de que, nos
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auto-conhecimento dentro das almas. É verdade sim que tam- TERCEIRA CONFERÊNCIA
bém em muitos lugares os burgueses acomodados acreditam na Dornach, 11 de agosto de 1919
revolução, mas em seguida eles dizem: sim, sim, mas não se pode
penetrar em assuntos tão grandiosos, em pensamentos dessa
ordem. O Senhor é que tem de nos dizer como a fabricação de
calçados deve ser socializada, como as farmácias devem ser soci- Hoje trarei uma espécie de episódio aos Senhores. Desejo,
alizadas, como isto e aquilo pode ser socializado; o Senhor deve como já lhes participei, falar rapidamente sobre três conceitos
nos dizer como, no estado revolucionário, por exemplo, as nos- que, se forem compreendidos plenamente, proporcionam a com-
sas verduras devem ser vendidas. preensão da vida social exterior. Afirmo expressamente: da vida
Percebe-se gradativamente, então, o que as pessoas real- social exterior, pois estes três conceitos são tomados integral-
mente querem dizer com tais coisas. Elas pensam, na verdade, mente da atuação exterior conjunta e do trabalho conjunto do
que as coisas têm de ser revolucionadas - estão inteiramente de ser humano. São os três conceitos de Produção [Mercadoria], II
acordo - mas de uma forma tal que tudo permaneça do modo Trabalho e Capital. Acabei de dizer aos Senhores que a nova
antigo, de forma que propriamente nada se modifique. "Como economia nacional se esforça em vão por lançar toda a espécie II
podemos virar o mundo de cima para baixo?" diziam alguns, de matizes de noções para chegar a uma plena clareza de tais
"mas sem que nada se modifique?" E aqueles que em relação a conceitos. Isso não tem sido possível desde que as pessoas co-
isto se portam da maneira mais estranha são exatamente os cha- meçaram a pensar conscientemente sobre a economia básica
mados intelectuais. Sim, com eles podem-se ter experiências muito popular. Antes do início da quinta era pós-atlântica, precisa-
esquisitas. Uma experiência que sempre se repetia era ouvir o mente antes do momento que ocorre nos meados do séc. XV,
seguinte: sim, três âmbitos - universidades autônomas, a vida não se pode afirmar que as pessoas compreendiam as suas rela-
espiritual deve determinar-se por si mesma -, mas do que, en- ções sociais, de um para com o outro, d~ um modo consciente. A
tão, viveremos? Quem pagará os nossos salários, se o estado vida transcorria de maneira mais ou menos inconsciente, ins-
não mais pagar? tintivamente, em relação ao que se passava socialmente entre
Tais situações precisam ser encaradas hoje em dia. É, con- um ser humano e outro. Desde esse momento, contudo, as pes-
tudo, necessário que não se fuja de novo destas questões. Uma li! soas tiveram de, cada vez mais, refletir conscientemente sobre
Ili as suas relações sociais, pois durante essa época a alma da cons-
mudança tem de acontecer no âmbito da vida espiritual.
ciência está-se formando. Assim constituiu-se então toda a espécie
possível de orientações e de visões sobre o convívio humano
social. Inicia com a Escola dos Mercantilistas, depois com a Es-
cola dos Fisiocratas, com Adam Smith, segue com as diferentes
I
correntes utopistas, Proudon, Fourier, e outros, até chegarmos
I!
à nova social-democracia por um lado, e por outro lado à nova
economia nacional clássica. É interessante comparar a nova teo-
ria social-democrática, que se firma com Marx e Engels e ou- II
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II
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tros, com a nova economia nacional clássica. Essa última é to- vimento histórico. Como a vida social terá de estar fundada na
talmente improdutiva. Ela não cria absolutamente nada em relação de ser humano para com ser humano, os Senhores com-
termos de conceitos que pudessem exercer uma influência sobre preenderão facilmente, que nas bases da vida social deve estar
o querer social. Veremos que não obteremos nada a partir dos aquilo por que as pessoas lutam para conseguirem uma certa
conceitos caóticos e confusos da moderna economia nacional harmonia, se querem estabelecer verdadeiramente uma vida so-
clássica se levantarmos a seguinte questão: o que deve aconte- cial justa. Vejam que se trata exatamente disso na trimembração
cer no âmbito das relações sociais? Não obteremos nada pois do organismo social, que uma certa harmonia seja criada, uma
essa escola da economia nacional está totalmente tomada pelas h armonia nos âmbitos interrelacionados do elemento social. Sem
concepções que reinam sobretudo na visão da ciência moderna. essa harmonia, essa afinação entre os seres humanos, a vida
qs Senhores bem sabem que, apesar do grande e maravilhoso social não poderá realmente florescer. Essa harmonia deve ser
aVaRço das ciências naturais, o qual não pode mesmo ser nega- levada em conta através da trimembração social. Hoje, eu desejo
do pela Ciência Espiritual, a moderna ciência acadêmica real- apenas mencionar alguns fatos nesse sentido.
mente se pauta pela rejeição de tudo aquilo que provém do espí- Se os Senhores conceberem a vida social como um orga-
rito. Dessa forma, a economia nacional só quer observar aquilo nismo, então terão de imaginar que algo flui através dele, algo
que acontece no âmbito da vida econômica. Entretanto, a ob- que eleva-se ao âmbito anímico-espiritual. Assim como, por
servação daquilo que ocorre na vida econômica constitui algo exemplo, nos organismos humano e animal o sangue é o porta-
quase impossível nos novos tempos pelo fato de que as pessoas, d or do ar inspirado e transformado, do mesmo modo, algo tam-
à medida que se desenvolveram mais nesse novo período, não bém deve portar, permear e circular através do organismo social.
mais tiveram pensamentos que tenham acompanhado o desen- Chegamos agora àquele capítulo que é de compreensão tão
rolar dos fatos econômicos. Os fatos econômicos caminharam difícil para o ser humano atual, pelo fato de ele estar tão pouco
mecanicamente; as pessoas não os acompanharam com os seus preparado para isso em sua alma, mas q).le também precisa ser
pensamentos. Por isso a observação de tais fatos do mercado compreendido se quisermos tratar seriamente e de fato, de uma
mundial, desprovidos de pensamentos, não pode conduzir a leis, nova formação social, de uma construção do social. Ter-se-á de
assim como também não conduziu a nenhuma no passado, pois compreender que na vida social do futuro algo dependerá de
a nossa economia popular é uma prática sem teoria, sem con- que as pessoas conversem entre si com seriedade sobre aquilo
cepção, sem conceitos e sem ideias. E a nossa iniciativa social- que assumem, para que troquem, permutem entre si suas ideias,
democrática é uma teoria sem prática. Considerada tal como é, a suas percepções e seus sentimentos. Não é indiferente o que vive
teoria socialista jamais poderá ser transformada em prática; ela entre as pessoas como uma visão do âmbito social, se elas quise-
é uma teoria sem a visão da prática. E exatamente nos tempos rem se tornar seres sociais. É necessário, no futuro, que não
modernos nós sofremos pelo fato de que, por um lado, temos a imperem simplesmente conceitos retirados da ciência natural ou
vida econômica com uma prática sem teoria, e, por outro lado, do industrialismo para a formação educacional geral, mas que
temos a pura teoria dos social-democratas sem a possibilidade prevaleçam conceitos cujos fundamentos possam ter algo de
de poder ser introduzida na vida econômica real. Com relação a imaginativo. Por mais improvável que possa parecer ao ser hu-
isso chegamos realmente a um ponto de inversão no desenvol- · mano atual, não haverá socialização se, simultaneamente, não
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proporcionarmos às pessoas conceitos imaginativos, isto é, con- ser humano brilhante da atualidade, manifestou-se sobre a mi-
ceitos que formem a índole humana de modo totalmente dife- nha conferência e outros assuntos a ela relacionados. Ele achou
rente do que fazem os conceitos puramente abstratos de causa e que as ideias que eu havia apresentado naquela conferência, e
efeito, força, substância e matéria, e assim por diante, que pro- não somente nela, mas também as que estão em todos os meus
vêm da vida das ciências naturais. Com esses conceitos proveni- livros, são infantis, isto é, que tais ideias e concepções encon-
entes da vida das ciências naturais e pelos quais hoje em dia tram-se num nível infantil da humanidade. Vejam só, eu com-
tudo é governado, inclusive a arte, nada de novo poderá come- preendo muito bem que um tal julgamento venha de um ser
çar na vida social do futuro. Precisamos voltar a compreender o humano tão inteligente da atualidade, e especialmente por se
mundo através de imagens na vida social do futuro. tratar de um professor uníversitário. Compreendo, pelo fato de
O que quero dizer com isto já mencionei repetidas vezes, que toda a vida imaginativa é expulsa da ciência que eles profes-
também em relação à questão pedagógica. Quanto a essa ques- sam, e portanto tudo o que é compreendido, ou, melhor dizendo,
tão disse o seguinte: pode-se trazer às crianças, quando nos ocu- que não é compreendido - é considerado infantil. Essa é exata-
pamos intimamente com elas, a ideia da imortalidade da alma, mente a característica daquilo que as pessoas do círculo de perso-
se simplesmente mostrarmos à criança um casulo de borboleta e nalidades brilhantes da atualidade dizem: Se alguma vez quiser-
a deixarmos ver corno ele se abre e a borboleta sai voando de mos empregar urna imagem tal corno esta - a alma imortal pode
dentro dele. Em seguida tomamos claro para ela o seguinte: ser comparada com a borboleta que sai voando do casulo - en-
veja só, assim corno é o casulo é o seu corpo, e dentro dele vive tão nós, pessoas inteligentes, obviamente sabemos que o que ela-
algo corno urna borboleta, só que é invisível. Quando um dia boramos foi uma imagem; nós nos situamos muito acima daqui-
você morrer, a borboleta que está em você também voará para o lo que urna tal ·imagem contém. A criança, entretanto, é infantil,
mundo espiritual. Através de tais comparações atua-se com ima- para ela trazemos urna comparação como essa imagem daquilo
gens. Contudo não é necessário que simplesmente se desenvolva que conhecemos em forma de conceitos; nós próprios, contudo,
urna comparação corno essa, pois ainda assim estaríamos tra- não acreditamos nisso. - O mistério, então, consiste somente no
tando de algo no sentido da cosmovisão das ciências naturais. fato de que a criança também passa a não acreditar nessa imagem
Mas, então, que espécie de sentimento as pessoas têm atualmen- que lhe é trazida. Esse mistério reside no fato de que a criança só
te, quando fazem urna tal comparação? As pessoas da época atual é realmente atingida pela imagem quando o próprio adulto acre-
mal se tomam adultos, e já são muito inteligentes. Elas não dita nela. A atmosfera da verdadeira ciência espiritual é que, de
pensam que, talvez, se possa ser inteligente de urna maneira fato, deve nos trazer de volta para novamente enxergarmos o
diferente daquela corno eles próprios imaginam que são inteli- elemento imaginativo, as imagens na natureza, ao invés de en-
gentes com seus conceitos abstratos. É, por assim dizer, muito xergarmos aquelas coisas fantasmagóricas das quais nos fala a
estranho corno as pessoas se portam com relação a essa sua ciência natural. Aquilo que rompe o casulo e aparece na borbole-
inteligência atual! ta é realmente uma imagem para a imortalidade da alma inserida
Logo após urna conferência que proferi há algumas sema- pela ordem cósmica divina na ordem da natureza. Se não hou-
nas aconteceu urna reunião numa associação científica pública vesse urna alma imortal, não haveria a borboleta que sai do casu-
daquela mesma cidade, em que um professor universitário, um lo. Pois não pode haver urna imagem - e isso é urna imagem
I! !
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-, se a verdade não for o seu fundamento e a sua origem. O Trata-se exatamente de: aquilo que a mercadoria é será com-
mesmo acontece com a natureza. Aquilo que a ciência natural preendido através do sentir, com uma ciência em que a compre-
nos dá é um fantasma. Somente conseguimos nos acercar da na- ensão se dá por imagens. Tal não será possível com nenhuma
tureza em si, se soubermos que ela é imagem de uma outra coisa. outra ciência.
Assim, as pessoas também deverão com tranquilidade ob- Na sociedade tal como ela deverá ser no futuro, o trabalho
servar a cabeça humana, por exemplo, como uma imagem de também terá de se estabelecer de uma forma correta. A maneira
um corpo celeste. A cabeça humana não é redonda, tal como se como hoje as pessoas falam sobre o trabalho é um disparate,
apresenta, simplesmente para que pareça ser semelhante a um pois no futuro, ele, como tal, não terá absolutamente nada a
repolho, mas tem essa configuração por ser uma reprodução, ver com a produção de bens de consumo. Karl Marx chama a
uma 'réplica de um corpo celeste. A natureza toda é formada por mercadoria de força de trabalho cristalizada. Isso é um total
imagens. Precisamos nos situar dentro desse mundo de ima- absurdo. Quando o ser humano trabalha, ele de certa forma
gens; então, rebrilhará para dentro dos corações, das almas, das usa, desgasta, a si mesmo. Ora, os Senhores podem efetuar esse
índoles e também das cabeças, embora nestas seja mais difícil, uso de si próprios de um modo ou de outro. Se tiverem dinheiro
aquilo que pode fluir através das pessoas quando elas captam suficiente no banco, ou em seus bolsos, poderão praticar esporte
imagens. Teremos de conversar uns com os outros no organis- e empregar nele o seu esforço e a sua força de trabalho. Mas
mo social sobre coisas que são expressas em imagens. Terão de também podem rachar lenha, ou fazer qualquer outra coisa. O
acreditar nelas. Só então surgirão do círculo científico aquelas trabalho pode ser o mesmo, quer rachem lenha, quer pratiquem
pessoas que podem falar sobre a real inserção da mercadoria no esporte. Não depende de quanta força de trabalho se empregue,
organismo social; pois a mercadoria que é produzida corres- mas sim para que se emprega a força de trabalho na vida social.
ponde à necessidade humana. Nenhum conceito abstrato pode A força de trabalho em si não tem nada a ver com a vida social
abarcar essa necessidade humana em sua valoração social, so- pelo fato de esta ter de produzir bens ou mercadorias. Por isso,
mente a alma humana que estiver imbuída da qualidade anímica será necessário que haja no organismo social trimembrado um
proveniente de um pensar imaginativo pode saber algo sobre impulso para o trabalho totalmente diferente daquele de se pro-
isso. De outro modo não haverá nenhuma socialização. Os Se- duzir bens de consumo. Em certa medida os bens têm de ser
nhores poderão posicionar dentro do organismo social as pes- produzidos através do trabalho. Porém, aquilo que deve ser o
soas certas que estabelecerão as necessidades: mas, se ao mesmo motivo pelo qual o ser humano trabalha deve ser o prazer e o
tempo não introduzirem através da educação uma capacidade amor pelo trabalho. Não chegaremos a uma estruturação social
de representação imaginativa dentro do organismo social, não do próprio organismo social sem encontrarmos os métodos para
será possível conseguir uma estruturação social desse próprio que o ser humano queira trabalhar, e que isso lhe seja algo
organismo. Isto significa que é importante falar de imagens. Soa óbvio, natural.
muito estranho aos pensadores socialistas de hoje que, para uma Isto só pode acontecer numa sociedade em que se fala de
socialização, será necessário que as pessoas, dentro do organis- conceitos inspirados. Jamais, tanto no futuro como no passado,
mo social, conversem usando imagens que suscitam imagina- quando as coisas eram atávicas e instintivas, o prazer e o amor
ções. Isso terá de acontecer. pelo trabalho viverão dentro das pessoas se elas não forem
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permeadas com tais ideias e com tais sentimentos que chegam Lousa 3
ao mundo através da inspiração dos iniciados. Esses conceitos
têm de suportar as pessoas de modo que elas saibam: temos o
organismo social diante de nós e devemos nos dedicar a ele; em
outras palavras, que o próprio trabalho acorra a suas almas
pois elas têm compreensão para o organismo social. Nenhum
outro ser humano terá uma tal compreensão senão aquele a
quem se colocarem conceitos inspirados, isto é, a Ciência Espi-
ritual. Isso significa que, para que o trabalho venha a ressusci-
tar entr~ as pessoas, não necessitamos daqueles conceitos vazios Se os Senhores tomarem esse esquema e não escreverem os
que são hoje declamados, mas sim da Ciência Espiritual com a três conceitos na sequência, um após o outro, mas se os escre-
qual imbuiremos nossos corações e almas. Essa Ciência Espiri- verem tal como os posicionei, poderão aprender muito com eles
tual permeará os corações e as almas de tal forma que as pessoas se também os permearem com todos os conceitos que se encon-
virão a ter amor e prazer pelo trabalho e ele se posicionará ao tram em meu livro sobre a trimembração. Vemos, pois, que se
lado das mercadorias em uma sociedade onde não se ouve falar estabelecem relações de um com o outro, entre trabalho e mer-
somente de imagens através das quais manifestam-se os cadoria, entre mercadoria e capital, à medida que o capital com-
pedagogos da sociedade, mas onde também se escuta falar de pra mercadorias; estabelecem-se relações entre trabalho e capi-
inspirações e de conceitos que são necessários para que não só tal, e assim por diante; só é necessário ordenar os três conceitos
os meios de produção estejam presentes na nossa complicada dessa forma . [ver Lousa 3]
sociedade, mas também para que os fundamentos sociais atuem Isso é o que temos de compreender antes de mais nada, que já
constituindo uma base para as pessoas. é correto afirmar que no futuro a humanidade terá de penetrar
Para isso é necessário que conceitos intuitivos disseminem-se totalmente na ordem social; e que também é necessário que essa
nessa sociedade. Esses conceitos sobre o capital, que são encon- ordem social seja realizada pelas próprias pessoas à medida que
trados em meu livro "Os pontos centrais da questão social", essas, com tranquilidade, imbuam-se das imaginações, inspirações
somente florescerão em uma sociedade receptiva aos conceitos e intuições provindas da ciência dos iniciados. Não se trata de algo
intuitivos. Isto é, o capital se instalará corretamente no orga- sem importância, insignificante, mas de algo muito sério quando
nismo social quando estiver novamente presente nas pessoas a lhes digo que não haverá qualquer transformação social para o
intuição. As mercadorias ocuparão um lugar correto quando se futuro sem a Ciência Espiritual; essa é a verdade. Não haverá a
fizer com que a imaginação esteja presente; e o trabalho se colo- possibilidade de levar as pessoas à compreensão de coisas como
cará da maneira correta quando se permitir que a inspiração intuição, imaginação e inspiração, do modo como se faz neces-
possa surgir. sário com relação a elas, se, por exemplo, entregarem a escola
ao estado. Pois, afinal, o que fazem os governos com as escolas?
Os Senhores verão, certamente, algo que é eminentemente
pedagógico por um lado e político-governamental por outro.
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A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL Terceira conferência, 11 de agosto de 1919
Preciso confessar-lhes que considero isso algo terrível! Porém, não! O mundo é que está de cabeça para baixo; a trimembração
as pessoas da atualidade não percebem esse terror; isso que tem apenas deseja colocá-lo sobre os pés. Isso é o necessário.
a ver com o código de direito civil. O código de direito civil Vejam que atualmente é preciso que se aceitem tais concei-
deveria surgir do sentido dos costumes da vida cotidiana, algo tos com essa compreensão, do contrário rumaremos em direção
que as pessoas atualmente ainda assumem como o que é correto à mecanização do espírito, ao adormecimento, isto é, à
em suas almas. Contudo, é através da existência dos parlamen- vegetalização da alma e à animalização, à formação instintiva
tos que, segundo minha visão - não quero debruçar-me sobre dos corpos.
o processo democrático e nem sobre o monárquico -, são deci- É extremamente importante que haja uma compenetração
didas as questões do direito civil: lá se faz o direito civil, lá o faz dessa convicção, de um modo bastante radical, se desejar-se que
cada·.cidadão maior de idade através do seu representante. No alguma espécie de cura, de salvação, possa florescer para o futu-
parlamento as coisas são decididas e passam então a fazer parte ro. Também é necessário, acima de tudo, que as pessoas enxer-
dos códigos de leis. Então, vem o professor universitário que guem que terão de basear o organismo social sobre os seus três
estuda tais códigos, e ensina aquilo que se encontra neles, obvi- membros sadios. O que a imaginação significa em relação à mer-
amente como sendo o código de direito civil, em suas aulas. Isso cadoria só será aprendido quando a vida econômica estiver
quer dizer que o estado traz a reboque a ciência exatamente estruturada para que as pessoas dependam da fraternidade para
nesse ponto, no sentido mais eminente. O professor de direito administrá-la. O que a inspiração significa em relação ao traba-
civil não tem permissão para ministrar em suas aulas nada além lho - que ela faz surgir vontade e amor para o trabalho -
daquilo que se encontra no código de direito do estado. No fun- somente virá a existir no mundo quando, de fato, as pessoas
do, não precisaríamos mais do professor universitário se esti- imbuídas de inspiração permeiem, pelo menos aquilo que no
véssemos na condição de gravar as leis do código de direito civil parlamento, depois, se considera de igual para igual, quando
em um disco e o pudéssemos tocar em um toca-discos, num reinar a verdadeira igualdade, isto é, quando cada pessoa atu-
fonógrafo; assim também se poderia colocar o toca-discos na ante puder fazer efetivamente o que se encontra dentro dela.
cátedra e ele só precisaria reproduzir aquilo que o parlamento Mas isso ocorrerá de forma muito diferente de uma pessoa para
decidiu. Isso, então, é a ciência. outra. Então essa igualdade poderá reinar na vida jurídica, e
Tal ocorre somente em um âmbito extremo. Vejam que isso ela deverá ser inspirada - e não decidida a partir de uma insen-
não é algo que ocorra por inspiração; na prática os Senhores sibilidade grosseira, o que a democracia comum tem feito cada
não estarão em condições de afirmar que aquilo que hoje resul- vez mais.
ta como decisão da maioria nos parlamentos sejam fatos verda- Somente se poderá atribuir um valor correto ao capital no
deiramente inspirados. No entanto tal deve ser invertido. No organismo social quando a intuição se elevar à liberdade e esta
interior da vida espiritual, o direito civil terá de surgir primeiro puder florescer da vida espiritual que se desenvolve por si mes-
como ciência, a partir da compreensão humana espiritual. So- ma. Então fluirá para o trabalho aquilo que tem de fluir dessa
mente então o estado poderá adquirir a configuração correta, vida espiritual.
quando as pessoas a fizerem. Algumas pessoas acreditam que a
trimembração quer colocar o mundo de cabeça para baixo. Oh,
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A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL Terceira conferência, 11 de agosto de 1919
Lousa 3 (acrescido das novas noções) -cavalo não perde a sua unidade pelo fato de se apoiar sobre
quatro pernas, também o organismo social não perde a sua pelo
Vida espiritual fato de o colocarmos sobre os seus três membros sadios. Ele
Liberdade adquire a sua unidade justamente pelo fato de se apoiar sobre
os seus três membros sadios. As pessoas não conseguem se li-
Vida econômica bertar dos seus conceitos costumeiros. No entanto, hoje em dia
Fraternidade a questão mais importante é que não acreditemos simplesmente
Imaginação que devam ser transformadas unicamente as organizações exte-
riores, mas que temos de transformar nossas ideias, nossos con-
ceitos e nossos sentimentos. Poderíamos também dizer: necessi-
taremos de outras cabeças sobre nossos ombros se desejarmos
ir ao encontro do futuro da humanidade de um modo sanador.
Para isso é necessário que tenhamos outras cabeças sobre nos-
Vida jurídica sos ombros. Será muito difícil fazer com que as pessoas se habi-
Igualdade tuem a essa ideia, pois as suas velhas cabeças lhes são muito
Inspiração queridas, essas cabeças que estão acostumadas a pensar somen-
te aquilo que desde há muito tempo se habituaram a pensar.
Atualmente precisamos transformar de um modo consciente
Acontecerão, assim, os seguintes fluxos (vide as setas). aquilo que vive em nossas almas. Não pensem os Senhores que
Esses três âmbitos se interpermearão da maneira correta se eles essa seja uma tarefa fácil: muitos acreditam que já conseguiram
forem organizados de tal modo. mudar os seus conceitos, e não percebem absolutamente como
Uma das primeiras críticas que me foi feita na Alemanha os antigos conceitos ainda permanecem, especialmente no âm-
foi a seguinte: "agora ele também quer trimembrar a vida soci- bito da pedagogia. Aí podem se ter experiências curiosas. Fala-se
al! A vida social deve ser uma unidade!" - Contudo as pessoas às pessoas sobre aquilo que a Ciência Espiritual gera como concei-
apenas se encontram hipnotizadas por essa unidade, pois elas tos no âmbito da pedagogia. Hoje os Senhores podem conver-
sempre encararam exatamente o estado como algo unitário. Es- sar com docentes, professores, inspetores escolares e diretores
tão acostumadas com esse conceito de estado unitário. Quem muito avançados, que os ouvem com atenção e lhes dirão o
fala a respeito dessa unidade surge diante de mim como alguém seguinte: sim, há muito tempo que venho pensando sobre isso;
que diz o seguinte: "agora ele deseja ter um cavalo que se sus- sim, partilho totalmente dessa opinião. Na verdade, porém, es-
tenta sobre quatro pernas; o cavalo, no entanto, tem de ser uma sas pessoas têm a opinião contrária àquilo que se lhes diz. Têm,
unidade; ele não pode ser desmembrado em quatro pernas." - na verdade, opinião contrária à minha, mas expressam a sua
Isso ninguém está querendo exigir. E eu também não quero opinião contrária com as mesmas palavras. Utilizam as mesmas
colocar o cavalo-"estado", ou o organismo social apoiado sobre palavras - e têm a opinião contrária! Assim se relacionam as
uma perna, mas sim sobre três pernas sadias. Assim como o ser- pessoas hoje em dia umas com as outras. Há muito tempo as
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A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL
palavras perderam a sua ligação com a espiritualidade, e tal li- QUARTA CONFERÊNCIA
gação precisa ser novamente encontrada para progredirmos. Dornach, 15 de agosto de 1919
De fato as tarefas sociais encontram-se muito mais no
âmbito anímico do que comumente acreditamos. A partir das últimas considerações que aqui trouxemos, os
Senhores poderão constatar que dentre as inúmeras questões
que ocupam a atualidade, a questão pedagógica é a mais impor-
tante. Já enfatizamos que toda a formulação de questões refe-
rentes ao âmbito social encerra em si como ponto principal, a
questão pedagógica. Já enfatizamos que a questão pedagógica
anuncia-se como o ponto mais importante dentro de toda a gama
de questões que se colocam acerca do âmbito social. Depois que
eu, há aproximadamente oito dias, fiz menção à transformação
e à nova configuração da pedagogia, os Senhores acharão
compreensível, que no interior da questão pedagógica a ques-
tão da formação dos professores é a mais significativa dentre as
sub-questões que se colocam. Se permitirmos que atue sobre
nós o caráter do período histórico que decorreu a partir dos
meados do séc. xv, teremos a impressão: que através da evolução
da humanidade, ao longo desta época, fluiu a onda das prova-
ções materialistas. No presente vivemos a necessidade de termos
que trabalhar para sair desta onda materialista e reencontrar o
caminho para o espírito, que em antigas épocas culturais era
conhecido das pessoas, mas que, em tempos passados foi trilha-
do pela humanidade de um modo mais ou menos instintivo,
inconsciente, perdeu-se para que a humanidade pudesse buscá-lo
a partir do seu próprio impulso, de sua própria liberdade e que
agora tem de ser procurado conscientemente.
A transição, pela qual a humanidade teve de passar desde
os meados do séc. XV, é exatamente aquilo que se poderia nome-
ar como a provação materialista da humanidade. Se permitir-
mos que o caráter dessa época materialista atue sobre nós, e se
considerarmos os efeitos do desenvolvimento cultural dos últi-
mos três ou quatro séculos até os nossos dias, poderemos perce-
ber que aquilo que foi mais atingido e tomado por essa onda
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A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL Quarta conferência, 15 de agosto de 1919
materialista foi exatamente a formação dos professores. E todo aquilo que lhes poderia oferecer esperanças e consolo nos mo-
o restante não poderia causar um efeito tão duradouro como a mentos difíceis para poderem crescer nas diferentes situações que
impregnação da concepção pedagógico-didática pela orientação a vida lhes apresenta? Vemos no presente muitas naturezas
materialista. Precisa-se apenas olhar de um modo objetivo para despedaçadas, assim como para nós próprios surgem momen-
certas particularidades daquilo que acontece em nossas escolas tos particulares em que não conseguimos nos orientar.
no presente e poder-se-á ter diante dos olhos toda a dificuldade Tudo isso está relacionado com as deficiências do nosso
que se coloca para um progresso realmente frutífero. Sempre é sistema de ensino e mais precisamente com as deficiências na
repetido, exatamente por aquelas pessoas que acreditam pode- formação dos professores. Qual seria, então, o esforço necessá-
rem se expressar particularmente bem sobre as questões peda- rio para um futuro promissor em relação à formação dos pro-
gógicas, que toda aula, desde os primeiros anos escolares, tem fessores? O professor, ao final das contas, conhece aquilo sobre
de se~ visual - aquilo que se quer dizer com um método visual. o que lhe é perguntado nas provas de seleção, o que de fato é
Inúmeras vezes chamei a atenção sobre como, por exemplo, se uma coisa subordinada a programas estabelecidos, pois nestas
deseja tornar uma aula de aritmética numa aula visual: já se provas caem principalmente questões sobre assuntos que ele,
introduzem máquinas calculadoras na escola! Deposita-se um antes das aulas, poderia encontrar em algum manual, e do qual
grande valor sobre aquilo que a criança consegue primeiramente ele poderia dispor quando precisasse preparar suas aulas. No
visualizar e que, só depois, forme representações a partir do entanto, aquilo que não é visto nas provas é a disposição anímica
próprio interior de sua alma. É certo que esse impulso em dire- geral do professor, este é o elemento que espiritualmente tem de
ção à capacidade de visualização no ensino seja plenamente jus- fluir continuamente do professor para seus alunos. Existe uma
tificável em muitos âmbitos da pedagogia. Contudo, somos for- grande diferença entre cada professor que adentra a sala de aula.
çados a colocar a seguinte pergunta: o que acontecerá ao ser Quando um certo professor entra na sala de aula, as crianças
humano se ele somente for educado através de aulas de um mé- ou os alunos sentem uma certa afinidade com o seu próprio
todo visual? Se o ser humano somente for educado através de estado de alma; quando um outro professor entra na sala, as
aulas visuais ele se tornará animicamente endurecido e morre- crianças ou os alunos não sentem uma tal afinidade; pelo con-
rão continuamente as forças motrizes interiores da alma; for- trário, eles sentem um abismo entre si e o professor e todas as
ma-se assim uma ligação da essência humana inteira com o meio nuances possíveis de uma indiferença até chegar ao ponto de se
ambiente visual. Aquilo que deveria brotar do interior da alma expressar que o professor é cômico, ridículo, e de caçoar do pro-
é gradativamente morto na alma. Muito daquilo que é morto fessor. Todas as nuances deste processo são a causa frequente
no âmbito anímico do ser humano deve-se às aulas com este da ruína da verdadeira aula e da verdadeira pedagogia.
método visual do presente. Naturalmente, não se sabe que se Por tal razão surge a questão urgentíssima: como a forma-
está matando a alma, mas isto é um fato real. A consequência ção dos professores poderá ser transformada para o futuro? Ela
deste fato é aquilo que vivenciamos nos seres humanos da atua- não poderá ser transformada a não ser pelo fato de os professo-
lidade; que muitas pessoas da atualidade têm realmente uma res assimilarem aquilo que pode provir da Ciência Espiritual
natureza problemática. Quantas pessoas, atualmente, em sua como conhecimentos sobre a natureza humana. O professor tem
idade madura não sabem como buscar em seu próprio interior de estar permeado pela ligação do ser humano com os mundos
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suprassensíveis. Ele deve estar em condições de poder enxergar sabem, inter-relacionado a todo o sistema metabólico, o ser
na criança em crescimento o testemunho de que esta criança humano-membros, o ser humano-metabólico, no qual o pró-
desceu do mundo suprassensível através da concepção e do nas- prio metabolismo como tal acontece. Aquilo que o ser humano
cimento e que aquele ser que desceu, vestiu-se com o corpo e é enquanto ser ativo esgota-se exteriormente na imagem, na
quer adquirir algo no qual ele, o professor, tem de ajudar aqui forma física do ser humano nestes três membros da natureza
no mundo físico, pois isto a criança não pode adquirir na vida geral humana.
entre a morte e um novo nascimento. Registremos então estes três membros da natureza geral
Cada criança deveria realmente surgir diante da alma do humana: ser humano-cabeça, ou ser humano neurossensorial;
professor ou do educador como uma pergunta do mundo ser humano-tórax, ou ser humano rítmico; e ser humano-mem-
suprassensível direcionada ao mundo sensível. Não se poderá, bros, no mais amplo sentido, é claro, ou ser humano-metabóli-
num~ sentido concreto e abrangente, colocar esta questão em co. [Lousa 4]
relação a cada criança individualmente, a não ser que se empre- Agora é necessário que se compreendam estes três mem-
guem os conhecimentos que provêm da Ciência Espiritual so- bros da natureza humana em suas diferenças entre si. Isto não
bre a natureza do ser humano. A humanidade acostumou-se é confortável para o ser humano atual pois ele gosta de divisões
gradativamente, no decurso dos últimos três ou quatro sécu- esquemáticas. O ser humano atual desejaria o seguinte: o ser
los, a considerar o ser humano cada vez mais de modo simples- humano consiste de ser humano-cabeça, ser humano-tórax e
mente fisiológico, focado em sua constituição corporal exterior. ser humano-membros, colocando-se um traço de divisão no
Esta visão do ser humano é extremamente prejudicial para o pescoço e dizendo-se: aqui em cima está o ser humano-cabeça.
educador e para o professor. Por isso, será necessário, antes de Depois passaria uma linha em outro lugar qualquer para limi-
mais nada, que uma antropologia resultante da Antroposofia tar o ser humano-tórax, para assim ter as partes constituintes
se tome a base da pedagogia do futuro. Isso só pode acontecer uma ao lado da outra. Aquilo que não se pode apresentar de
se o ser humano for realmente considerado sob os pontos de modo tão esquemático não agrada ao ser humano atual.
vista, frequentemente aqui mencionados, que o caracterizam em Entretanto tal não ocorre na realidade; a realidade não faz
diversas relações como um ser trimembrado. Deve-se, no entan- tais linhas de separação. Acima dos ombros o ser humano é,
to, tomar a decisão de se compreender esta trimembração real- pois, principalmente ser humano-cabeça, ser humano neuros-
mente no seu aspecto interior. Repeti sob os mais variados pon- sensorial. Contudo, acima dos ombros ele não é somente ser
tos de vista e chamei sua atenção para o fato de como o ser humano neurossensorial; por exemplo, o sentido dos sentimen-
humano, assim como ele se apresenta, dividir-se primeiramente tos, o sentido calórico estendem-se por todo o corpo, de modo
em ser humano neurossensorial, o que poderia ser expressado que a cabeça atua sobre todo ele. Se desejarmos poderemos dizer
vulgarmente do seguinte modo: em primeiro lugar o ser huma- o seguinte: a cabeça humana é principalmente cabeça. O tórax é
no é um ser humano-cabeça. Como um segundo membro da de fato, menos cabeça, mas ainda é cabeça. Os membros, ou tudo
entidade humana, considerada exteriormente, temos o ser hu- aquilo que é sistema metabólico é menos cabeça ainda, contudo,
mano no qual se manifestam principalmente os fenômenos rít- também é cabeça. De modo que temos de dizer que todo o ser
micos, o ser humano-tórax. Finalmente, como os Senhores já humano é cabeça, e que só a cabeça é principalmente cabeça. Se
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quisermos desenhar de um modo esquemático, deveríamos de- Novamente vemos que o ser humano-membros e -meta-
senhar o ser humano-cabeça desta forma (ver parte tracejada bolismo é principalmente este aqui (ver o desenho; tracejado
clara - branco). [Lousa 4] escuro - azul). Estes membros estendem-se de modo que apre-
Por outro lado temos o ser humano-tórax que não se en- sentam-se menos no tórax e minimamente na cabeça.
contra simplesmente no tórax. Ele se apresenta principalmente Ora, é igualmente verdade que se pode dizer que a cabeça é
nos órgãos do tórax, nos órgãos em que se manifestam mais cabeça e que o ser humano inteiro é cabeça. Do mesmo modo
precisamente o coração e o ritmo da respiração. A respiração, como é verdade que o tórax é tórax e que o ser humano inteiro
porém, também ocorre na cabeça; a circulação sanguínea em é tórax, e assim por diante. A nossa capacidade de compreensão
seu ritmo também ocorre na cabeça e nos membros. Podemos, está de tal forma sedimentada que nós preferivelmente coloca-
então, d izer: o ser humano é tórax nesta região, mas ele tam- mos as partes lado a lado, como partes separadas do todo. Isto
bérit é - embora num grau menor - tórax aqui (ver desenho nos mostra o quão pouco estamos ligados à realidade exterior
tracejado médio - vermelho), e também aqui - é tórax num com respeito a nossas representações mentais. Na realidade ex-
grau menor ainda. De novo temos que o ser humano todo é terior as coisas se interpenetram. E se por um lado nós separa-
tórax, mas uma parte é principalmente tórax e outra é cabeça. mos o ser humano-cabeça, o ser humano=tórax e o ser huma-
no-metabolismo, devemos estar conscientes de que teremos,
Lousa 4 então, de pensar as partes separadas, novamente em conjunto.
Na verdade, nunca devemos só concebê-las separadamente, mas
sempre novamente juntas. Uma pessoa que pensa, que somente
desejasse pensar as coisas separadamente, seria igual a uma pes-
soa que desejasse apenas inspirar e nunca expirar.
Com isso os Senhores têm igualmente algo que deverá fazer
parte do pensar dos professores do futuro; estes terão de assimi-
lar de um modo muito especial este pensar dinâmico interior, não
esquemático. Pois somente através da assimilação deste modo de
pensar não esquemático, com sua alma, se aproximarão da reali-
dade. Não se aproximarão, entretanto, da realidade se não estive-
rem na condição de compreender esta aproximação a partir de um
certo ponto de vista ampliado como um fenômeno temporal. Te-
1;/1Í1'// branco (claro)
mos de superar toda a predileção de nos atermos a certos detalhes
11/1(/0 [
11 vermelho da vida, fato que vem se desenvolvendo cada vez mais no presen-
--- te, ao termos uma visão científica; temos de superar esta predile-
~ azul
ção e chegar a ligar esses detalhes às grandes questões da vida.
Uma questão tornar-se-á significativa para todo o desen-
volvimento da cultura do espírito no futuro: a questão da imor-
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talidade. Teremos de adquirir clareza sobre corno urna grande consigo mesmos e não teriam inclinações a ter ilusões tão fortes
parte da humanidade compreende esta imortalidade, a saber, quanto as causadas por esse interesse. Então as pessoas com-
desde a época em que muitas pessoas chegaram exatamente ao preenderiam corno o egoísmo atua tão fortemente junto a esse
ponto de negar a imortalidade. O que vive propriamente na alma interesse de se querer saber sobre o destino da alma após a morte.
da maioria das pessoas que ainda querem hoje instruir-se sobre Essa espécie de estado anímico tornou-se, por sua vez, par-
a imortalidade a partir dos fundamentos das religiões professa- ticularmente forte na época das provações materialistas nos úl-
das? Nestas pessoas vive o impulso de querer saber algo sobre o timos três ou quatro séculos. Isto se apoderou de tal forma da
que acontecerá à alma quando o ser humano passar através do alma humana, corno um hábito interior de pensar ou de sentir,
portal da morte. que não se pode vencê-los através de teorias ou de preceitos, se
. Quando perguntamos sobre o interesse que as pessoas têm estas teorias ou preceitos tiverem somente urna forma abstrata.
pelà questão da imortalidade, ou melhor dizendo, pela questão Contudo, deve-se perguntar: as coisas podem ficar assim? Na
da eternidade do cerne do ser humano, não obtemos outra res- questão acerca do cerne eterno do ser humano deve se expressar
posta senão: a de que o interesse principal pela eternidade do somente o elemento egoísta da natureza humana?
cerne do ser humano relaciona-se exatamente a esta questão: o Quando se tem diante dos olhos tudo aquilo que está inter-
que acontece com o ser humano quando ele atravessa o portal relacionado a este complexo de questões deve-se dizer o seguin-
da morte? O ser humano é consciente de si: ele é um eu. Neste te: que isso tenha acontecido com o estado anímico das pessoas
eu vive o seu pensar, sentir e querer. O pensamento de que esse exatamente corno acabei de caracterizá-lo, provém essencialmente
eu possa ser aniquilado lhe é insuportável. Interessa ao ser hu- do fato de as religiões terem desprezado o outro ponto de vista:
mano, sobretudo, saber que ele pode conduzir o eu através da enxergar no ser humano que nasce, que cresce no mundo desde
morte e saber o que acontecerá ao eu após a morte. Que esse o primeiro grito do bebê, o modo maravilhoso corno a alma
interesse seja tal deve-se essencialmente ao fato de que, pelo gradativamente vai penetrando a corporalidade; enxergar corno
menos nos sistemas religiosos por nós aqui considerados, quan- no ser humano emerge para a vida aquilo que viveu no mundo
do tais sistemas falam da imortalidade e da eternidade do cerne espiritual antes do nascimento. Com que frequência se formula
do ser humano eles têm em vista principalmente a seguinte ques- hoje a seguinte questão: o que continua do âmbito espiritual
tão: o que acontece com a alma humana quando o ser humano no ser humano físico quando ele nasce? Pergunta-se sempre
atravessa o portal da morte? cada vez mais: o que tem continuidade quando o ser humano
Agora os Senhores precisam perceber que quando se colo- morre? Contudo, pergunta-se pouco: o que tem continuidade
ca a questão da imortalidade desta forma confere-se a ela um quando o ser humano nasce?
sabor adicional de um egoísmo extraordinariamente forte . No No futuro teremos de direcionar a nossa máxima atenção
fundo trata-se de um impulso egoísta que insufla este interesse para isso. Ternos de aprender, de certa forma, a auscultar a reve-
no ser humano levando-o a querer saber o que acontece com o lação anímico-espiritual do ser humano em crescimento tal corno
cerne de seu ser quando atravessa o portal da morte. Se as pes- era antes do nascimento ou da concepção. Ternos de aprender a
soas do presente fizessem mais do que simplesmente isso, se elas ver na criança em crescimento a continuidade da sua estadia no
exercitassem o correto auto-conhecimento; aconselhar-se-iam mundo espiritual: assim a nossa relação com o cerne eterno do
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ser humano se tornará cada vez menos egoísta. Quando alguém E assim, a partir do mundo espiritual deve ter resultado o ímpeto
não se interessa por aquilo que, provindo do mundo espiritual, de descer ao mundo físico, de se vestir com um corpo físico para
tem continuidade na vida física, mas somente se interessa por procurar, no mundo físico, aquilo que não mais podia ser bus-
aquilo que continua depois da morte, esse alguém é interior- cado no mundo espiritual quando o momento do nascimento
mente egoísta. Uma postura anímica não egoísta funda-se, de se aproximou.
certo modo, no direcionar o olhar para aquilo que, provindo Ocorre um incrível aprofundamento na vida - agora com
do espiritual, tem continuidade para dentro da existência física. o sentimento e com a percepção - quando se sabe assumir um
O egoísmo não pergunta pela razão desta continuidade, tal ponto de vista. Enquanto o ponto de vista egoísta impele
pois ele já tem conhecimento de que o ser humano está aqui no continuamente o ser humano a se tornar cada vez mais abstra-
mundo, e está satisfeito por estar aqui. Ele só não tem conheci- to, a penetrar no mundo teórico inclinando-se ao pensar da
men~o da sua existência após a morte e por isso deseja que isto cabeça, aquilo que parte do outro ponto de vista, o não-egoísta,
lhe seja comprovado. Para isso o egoísmo o impulsiona. O co- impele o ser humano sempre, cada vez mais, a conhecer o mun-
nhecimento verdadeiro, porém, não advirá ao ser humano a do com amor e a compreendê-lo através do amor. Este é um dos
partir do egoísmo e também não a partir de um egoísmo subli- elementos que terá de ser incorporado na formação de professo-
mado, o qual acabamos de caracterizar como o gerador do in- res: voltar-se para a vida do ser humano antes do seu nasci-
teresse pela continuidade da existência anímica após a morte. mento, não somente para perceber o enigma da morte, mas tam-
Pode-se, então, negar que as religiões especulam muitíssimo com bém para sentir o enigma do nascimento diante da vida.
base neste egoísmo assim caracterizado? Esse especular baseado Terá de se aprender, então, a elevar a antropologia à
neste egoísmo característico tem de ser superado. Aquele que antroposofia ao adquirir agora realmente um sentimento para
olha para dentro do mundo espiritual sabe que esta superação as formas que se expressam no ser humano trimembrado. E
não trará consigo um simples conhecimento - tal superação como já disse recentemente: Será que esta cabeça humana, esta
trará consigo um posicionamento totalmente diferente do ser parte que é principalmente cabeça, redonda ainda de forma to-
humano em relação ao seu ambiente humano. As pessoas per- talmente diversa, não está somente colocada acima do organis-
ceberão e sentirão de um modo totalmente diferente em relação mo restante? (ver desenho - Lousa 4). Se tomarmos, por outro
ao que não mais podia permanecer no mundo espiritual e que lado, o ser humano-tórax, como ele aparece? Ele aparece real-
tem continuidade no ser humano infantil em crescimento, sem- mente como se pudéssemos tomar um pedaço da cabeça, aumentá-
pre que atentarem para isso. lo e assim ter aqui a espinha dorsal (ver desenho). Enquanto a
Reflitam os Senhores ainda como _uma questão pode se cabeça tem em si o seu ponto central, o ser humano-tórax tem o
transformar muito a partir deste ponto de vista. Poderíamos ponto central bem longe de si. Se imaginassem a si próprios
dizer: o ser humano encontrava-se no mundo espiritual antes como se fossem uma enorme cabeça, teriam a impressão de que
de descer para o mundo físico através do nascimento ou da con- esta enorme cabeça pertenceria a um ser humano deitado de
cepção. Lá em cima deve então ter ocorrido que ele não mais costas. Desta forma, se considerarmos a coluna vertebral como
encontrou a sua meta momentânea. O mundo espiritual não uma cabeça imperfeita, então teremos um ser humano deitado
deve lhe ter propiciado mais aquilo por que sua alma procurava. horizontalmente e um ser humano em pé na posição vertical.
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corpo etérico e o metabolismo torna-se imagem para o corpo restante, e a colocarem diante de si, realmente separada, sem
astral. Teremos de aprender a não considerar o ser humano do qualquer influência dos outros membros da natureza humana,
modo como se pesquisa o cadáver nas clínicas, tomando uma verão que ela é morta, que não vive mais. É impossível que os
parte como sendo tecido ou algo parecido, sem levar em conta Senhores possam, através da clarividência, separar a cabeça dos
se é da cabeça ou do tórax. Ter-se-á de aprender a considerar outros membros do restante do organismo humano sem deixa-
que o ser humano-cabeça, o ser humano-tórax e o ser humano- rem de percebê-la como um cadáver. Já com o ser humano-tórax
metabolismo têm uma relação diferente com o cosmo. Cada um é possível que se faça isso, e ele permanecerá vivo. E se separa-
expressa em imagens diferentes aquilo que está por detrás delas. rem o corpo astral através da separação do ser humano-meta-
Esta visão ampliará a forma de abordagem simplesmente antro- bolismo, verão que o corpo astral sai correndo, pois segue o
pológica para a forma antroposófica. Considerados sob o ponto movimento cósmico, tem o elemento astral em si.
de y ista físico, os órgãos do tórax e da cabeça têm o mesmo Imaginem agora que estão diante de uma criança e a veem
valor. Se nós finalmente dissecarmos o pulmão ou o cérebro, do de maneira sensata e imparcial, dispondo daqueles conhecimen-
ponto de vista físico tanto um quanto o outro são matéria. En- tos que acabei de expor. Olhem a cabeça desta criança: ela traz a
tretanto, sob o ponto de vista espiritual, este não é o caso. Do morte em si; os Senhores olham para aquilo que tem uma influ-
ponto de vista espiritual quando dissecamos o cérebro ocorre ência sobre a cabeça provindo do tórax e veem que é algo que
que temos diante de nós realmente muito claramente aquilo que vivifica tudo. Ao observarem a criança começando a andar no-
foi dissecado. Quando, porém, dissecamos o tórax, como por tarão que, na verdade, é o corpo astral que se encontra ali pre-
exemplo o pulmão, teremos diante de nós algo não muito claro, sente ativo no andar. Então, a essência do ser humano torna -se
pelo fato de o corpo etérico ter aí um papel eminentemente im- algo interiormente transparente para os Senhores. A cabeça-ca-
portante, enquanto o ser humano dorme. dáver; a vida que se espalha no ser humano em repouso, se ele
As coisas que acabo de expor têm a sua contra-imagem permanecesse quieto. No momento em que ele começa a andar
espiritual. A pessoa que já avançou um tanto através da medita- nota-se imediatamente: é o corpo astral que está realmente an-
ção, através daqueles exercícios descritos em nossa literatura, dando; e ele consegue andar porque este corpo astral gasta ma-
chegará gradativamente ao ponto de enxergar o ser humano téria ao andar, ao se mover, de uma certa maneira o metabolis-
realmente em sua constituição trimembrada. Eu trato desta mo se ativa. Como se pode observar o eu? Diante desta questão,
trimembração, sob um determinado ponto de vista, no capítulo agora, todas as possibilidades se esgotam. Quando observam a
de meu livro "O Conhecimento dos Mundos Superiores", no cabeça-cadáver, o ser humano-tórax vivificante, o caminhar, o
qual menciono o guardião do limiar. Pode-se também chegar à que ainda restaria para perceber exteriormente o eu? O eu prati-
trimembração através da forte concentração em si mesmo, sepa- camente não tem um correlato físico. Somente podem ver o eu
rando-se agora realmente o ser humano-cabeça (ver desenho, se observarem o ser humano em seu gradativo crescimento cor-
tracejado claro), o ser humano-tórax (tracejado médio) e o ser poral. Com um ano de idade ainda é muito pequeno; com dois,
humano-metabolismo (tracejado escuro). Então percebe-se por- um pouco maior e assim por diante. Se o observarem crescer
que a cabeça é esta nossa cabeça. Se através da concentração, assim e se tiverem a visão conjunta daquilo que ele é, em cada
retirarem a cabeça com o seu apêndice do organismo humano período subsequente, verão o eu fisicamente . Nunca verão o eu
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A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL Quarta conferência, 15 de agosto de 1919
no ser humano se somente se colocarem diante dele, porém os eu também mostrei corno J. G. Fichte pode ser considerado um
Senhores veem o eu somente se observarem o ser humano crescer. verdadeiro bolchevista. Imaginemos que estamos na rua, que
Se as pessoas não se iludissem e olhassem a realidade, seria claro Fichte passa por nós e que nós o observamos: um ser humano
para elas que realmente só podem perceber o eu se observarem o não muito grande, troncudo. O que nos revela a forma corno
ser humano em diferentes etapas da vida. Se entretanto revirem ele cresceu? Um crescimento contido. Calcando os pés fortemente
alguém depois de vinte anos perceberão muito fortemente o seu no chão, e especialmente os calcanhares, nós o vemos afastar-se.
eu presente na transformação que se passou com ele, especial- O eu inteiro de Fichte está ali dentro. Nenhuma nuance daquilo
mente se o tiverem visto há vinte anos ainda corno criança. que essa pessoa era, pode nos escapar se o olhamos com o seu
Agora peço aos Senhores que não considerem o que acabei crescimento contido, robusto, adquirido através de um pouco
de dizer de um modo simplesmente teórico, peço-lhes que vivifi- de fome na juventude, com o corpo atarracado e fincando os
quem' seus pensamentos e reflitam sobre o seguinte quando calcanhares no chão. Ouvia-se o seu jeito de falar quando se o
observarem o ser humano desta maneira: cabeça-cadáver; tórax observava assim de costas!
_ vivificação; o andar do corpo astral; o crescer através do eu Vejam corno em coisas exteriores da vida pode penetrar um
_ corno o ser humano, que antes se apresentava corno um bo- elemento espiritual. Este elemento espiritual, entretanto, não
neco de cera, agora se vivifica inteiro. pode penetrar nas coisas exteriores da vida se o ser humano
Consequentemente o que é, então, isto que costumeira- não assumir urna mentalidade diferente daquela que está pre-
mente vemos com nossos olhos físicos e também com nosso sente na postura anímica de hoje em dia. Para o ser humano
entendimento acerca do ser humano? Um boneco de cera! Este atual. olhar as pessoas sob este ponto de vista seria urna indis-
se vivifica se procedermos corno eu acabei de explanar! crição terrível. Não se deseja muito que isso se espalhe pois as
Para isso é necessário, contudo, transformar a sua visão pessoas atuais, em sua maioria, orientadas pelo materialismo,
através daquilo que a Ciência Espiritual pode introduzir nas da forma corno ele tem se alastrado cada vez mais, somente não
sensações, nos sentimentos e em todas as relações do ser huma- abrem cartas que não lhe são endereçadas por ser proibido, caso
no com o mundo. Urna criança caminhando revela o corpo as- contrário certamente o fariam. Porém, com urna tal mentalidade
tral. E aquilo que se encontra no gesto de andar - pois cada humana não é provável que tudo mude. Apesar disso, com a
criança anda de modo diferente - , provém da configuração dos chegada dos meados do séc. Xv, na Terra realizou-se o que, de
diferentes corpos astrais. Aquilo que surge no crescimento ma- outro modo, as pessoas não conseguiriam adquirir em sua exis-
nifesta algo do eu. tência terrena, isto é, o fato de um ser humano encontrar espiri-
Neste caso, o carma atua muito fortemente para dentro do tualmente o outro ser humano através do elemento físico. E
ser humano. Tornemos um exemplo que está mais afastado .do quanto mais avançarmos em direção ao futuro, mais teremos de
presente: Johann Gottlieb Fichte. Já caracterizei Johann Gottlieb compreender espiritualmente tudo aquilo que está a nossa volta
Fichte aos Senhores; sob os mais diversos aspectos. O caracteri- no mundo sensível. Isto tem de ser iniciado com a atividade
zei corno um grande filósofo, urna outra vez corno um pedagógica do professor diante da criança em crescimento. Pe-
bolchevista, e assim por diante. Vamos, no entanto, retratá-lo dagogia fisionômica: ter a vontade de resolver o maior enigma,
sob um outro ponto de vista. Os Senhores devem lembrar que o ser humano, em cada indivíduo humano!
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A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL Quarta conferência, 15 de agosto de 1919
Agora podem sentir como é realmente forte em nossos tem- Na formação dos professores deve-se assumir a orientação se-
pos aquilo que eu expus como a provação da humanidade. Na guinte: encontrar-se as individualidades nas pessoas. Só conse-
verdade o que apresentei leva forçosamente ao seguinte: a indi- guiremos isto se vivificarmos a nossa imagem do ser humano da
vidualizar-se cada vez mais, a considerar-se cada vez mais forma como eu a apresentei; devemos realmente nos tomar cons-
cada ser humano como um ser em si. Realmente, tal deve tor- cientes de que não se trata de um mecanismo que se movimenta
nar-se um ideal: nenhum ser humano é igual a outro; cada um para a frente, mas do corpo astral que se movimenta para a fren-
é um ser em si. Se a Terra chegasse à sua meta sem que nós te, e que leva consigo o corpo físico. Comparem isso que pode
aprendêssemos, como seres humanos~ a reconhecer cada ser surgir em suas almas, como imagem interiormente vivificada e
humano como um ser em si, a humanidade não atingiria sua em movimento do ser humano inteiro, comparem com aquilo
meta sobre a Terra. Mas quão distante nos encontramos hoje que hoje a ciência usual professa como visão do ser humano: um
desta inentalidade que almeja chegar a essa meta! Hoje em dia homúnculo, um verdadeiro homúnculo. O ser humano verda-
nivelamos as pessoas. Vemo-las de um tal modo que não leva- deiro é aquele que, antes de mais nada, tem de ser introduzido na
mos fortemente em conta as suas qualidades individuais. pedagogia. Ele se encontra, porém, totalmente fora da pedagogia.
Hermann Bahr, sobre quem lhes falei frequentemente, certa vez Assim vemos que a questão pedagógica é uma questão que
revelou em Berlim como a educação dos tempos atuais parte diz respeito à formação dos professores. Enquanto ela não for
para absolutamente não mais considerar o indivíduo. Quando tratada como tal não poderá ocorrer algo de salutar, benéfico no
Hermann Bahr na década de 1890 viveu por um período em âmbito da educação. Considerado sob um ponto de vista mais
Berlim e participou da vida social berlinense, ele tinha, durante elevado, tudo se encontra interligado, como realmente uma coisa
as reuniões sociais, uma dama sentada ao seu lado direito, e à leva a outra. Atualmente seria interessante desenvolver também
sua esquerda uma outra, naturalmente. Entretanto, quando na as atividades humanas, as atividades interiores como matérias
noite seguinte ele novamente se sentava entre duas convidadas paralelas. Assim, uma pessoa tem aula de antropologia, e depois
ele conseguia, na melhor das hipóteses, saber que se tratavam de religião - as coisas não têm muito a ver uma com a outra. Na
de outras damas pelos nomes escritos nos convites: de fato ele verdade, como os Senhores podem ver, o que se considera no ser
não as olhava com muito cuidado, pois no fundo as damas da humano está ligado à questão da imortalidade, da existência eterna
noite anterior e as da noite seguinte eram exatamente iguais. O da natureza humana. Deveríamos relacionar a questão da exis-
que ele via nelas era precisamente o mesmo. A cultura social, tência eterna da natureza humana com a percepção imediata do
especialmente a cultura industrial torna as pessoas exteriormente ser humano. Esta mobilidade do vivenciar anímico tem de pene-
iguais e não permite que as individualidades se manifestem. trar na pedagogia de um modo especial. Assim serão desenvolvi-
Assim, aspira-se atualmente ao nivelamento enquanto a meta das capacidades interiores totalmente diferentes daquelas que são
mais íntima do ser humano deve ser a aspiração pela indivi- desenvolvidas hoje em dia pelo currículo dos cursos de formação
dualização. No presente encobrimos ao máximo a individuali- de professores. E isto é de uma importância muito especial.
dade e temos, por isso, maior necessidade de procurar por ela. Através dessas considerações quis mostrar como a Ciência
A visão interior da alma, totalmente voltada para a indivi- Espiritual precisa permear tudo, e como, sem ela, não se pode-
dualidade, tem de começar a existir no ensino do ser humano. rão solucionar os grandes problemas sociais do presente.
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QUINTA CONFERÊNCIA
Dornach, 16 de agosto de 1919
a respeito das quais o ser humano do presente está tão orgulho- co, ou não pensavam, pois eles não possuíam essa espécie de
so. Quando atualmente se fala sobre inteligência, tem-se mesmo inteligência. Quando pensavam, quando colocavam em movi-
em vista urna força anímica que é representada de um determi- mento o fluxo de sua inteligência, nela vivia a relação deles com
nado modo, e sobre a qual se pensa que poderia e deveria so- o cosmo. O antigo egípcio e o antigo caldeu sabiam qual era a
mente ser assim corno se está acostumado a vê-la e representá-la. sua relação com esta ou aquela constelação zodiacal e sabiam
Ora, as pessoas de épocas mais antigas do desenvolvimen- qual era a influência que os outros planetas, a Lua e o Sol têm
to humano também tinham inteligência, mesmo que de urna sobre as suas características anímicas e corpóreas. Ele sabia corno
outra forma. Se quisermos conhecer inteiramente o significado a sequência das estações do ano atua sobre a entidade humana.
da assim chamada inteligência para o ser humano contemporâ- Tudo isso ele captava através de sua inteligência. Ele adquiria
neo deveremos formular a seguinte questão: corno era a inteli- urna imagem totalmente interior de seu parentesco com o cos-
gênCia da humanidade das épocas de desenvolvimento anterio- mo através de sua inteligência.
res ~ corno ela foi mudando, se transformando gradativamente Quando o período egipto-caldáico da humanidade termi-
daqueles tempos até nossa época atual? nou no século VIII antes do advento do Cristianismo, a inteli-
N a conferência de hoje não desejamos voltar além daquela gência transformou-se. Então, gradativamente, a inteligência
época a que nos acostumamos a nomear c~mo ~ terceir.a época se tomou algo totalmente diferente do que era na época egipto-
pós-atlântica, a época egipto-caldáica que e, entao, seguld~ pela caldáica. A compreensão da interrelação com o cosmo não mais
época greco-latina a que, por sua vez, se segue a n?ssa. e~oc~. penetrou plenamente na inteligência corno ocorria antes do séc.
Queremos considerar a especial particularidade de mtehgenCIa VIII a.c. Ainda se sabia a respeito dessa inter-relação com o cos-
nos antigos egípcios e caldeus, nos gregos e nos romanos, e mo, mas agora corno numa espécie de eco, de lembrança daquilo
depois passar à consideração da forma particular de inteligência que outrora se conhecia em relação a essa inter-relação; em vez
que é característica nossa, de pessoas da quinta época cultural disso, penetrou mais na inteligência grega urna reflexão do ser
pós-atlântica. Os Senhores podem ver que eu press~po~~ q~e humano sobre si mesmo, sobre corno ele tem urna relação me-
não seja correto que quando o ser humano pensa, a mtehgenCIa nor com o cosmo, corno ele, corno um habitante da Terra, se
seja sempre a mesma, e que só é possível que ela exista de urna encontra mais separado do cosmo. O grego possuía, no entan-
única forma; quem possui a nossa inteligência é, portanto, inte- to, um sentimento muito claro, urna percepção clara daquilo em
ligente, quem não a possui não é inteligente. Isso não é co~reto. que empregava a sua inteligência, ele compreendia com a sua
A inteligência passa por metamorfoses. Ela era outra na epoca inteligência todas as coisas do mundo terreno que estão sujei-
egipto-caldáica, diferente do que é hoje. A espécie diferente de tas à morte.
inteligência do período egipto-caldáico pode ser melhor Esse sentimento perdeu-se novamente com o desenvolvi-
visualizada se compreendermos que o antigo egípcio, assim corno mento da inteligência desde os meados do séc. Xv, desde a quin-
o antigo caldeu, instintivamente sentia, captava e compreendia ta época pós-atlântica. Quando o grego queria compreender o
o parentesco da sua própria essência humana com o cosmo. . suprassensível ele sabia que precisava voltar-se para a visão
Sobre o que o ser humano atual reflete com a sua capaCI- imaginativa, que de forma mais ou menos atávica ainda estava
dade de inteligência os antigos egípcios e caldeus pensavam pou- à sua disposição, particularmente na época pré-cristã. Através
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da reflexão, da inteligência ele sabia que só podia conhecer aque- Enquanto o ser humano egipto-caldaico sentia e percebia
las leis e aquelas regras que subjazem a tudo aquilo que está em sua inteligência o seu parentesco com o cosmo, o ser huma-
sujeito à morte na Terra, a tudo aquilo que morre. Se eu quero no grego percebia através de sua inteligência aquilo que reina
compreender o que é vivo, preciso ter a visão - assim diziam a nos cemitérios. Nós também percebemos com a nossa inteligên-
si mesmos os discípulos de Platão; à medida que eu apenas penso cia somente aquilo que reina nos cemitérios; apenas não temos
e reflito, compreendo apenas o que é morto. consciência disso. Por isso, vamos - aqueles que precisam es-
Nas escolas iniciáticas gregas era exposto algo muito de- tudar tais assuntos - às salas de dissecação pesquisar o cadá-
terminado sobre essa inter-relação. Mais ou menos o seguinte ver e aprender as leis do cadáver, que nós, com nossa inteligên-
era apresentado nessas escolas sobre esse estado de coisas. Era cia, compreendemos como o conjunto de leis do ser humano.
dito o seguinte aos discípulos da iniciação: tudo é espiritual, Estas são, no entanto, apenas as leis do túmulo; aquilo que a
tambem o que é aparentemente material tem uma realidade espiri- inteligência compreende é o conjunto de leis do túmulo.
tual, tem leis espirituais subjacentes. Aquilo que aparece diante Novamente, com a passagem dos meados do séc. XV, a in-
de vocês como o material-terreno também é, no fundo, domina- teligência transforma-se em algo novo. Encontramo-nos no
do por leis espirituais. No entanto, existem leis espirituais que princípio dessa mudança, dessa transformação da inteligência.
fazem parte de vocês enquanto vocês possuírem um corpo. Ao Nossa inteligência percorre um certo caminho; hoje ainda nos
passarem pelo portal da morte, o seu corpo será entregue aos encontramos mui fortemente inseridos em um processo de de-
poderes materiais e às substâncias da Terra. Contudo, essas for- senvolvimento da inteligência tal como os gregos o tiveram.
ças materiais e substâncias da Terra são materiais somente na Através dessa inteligência compreendemos aquilo que está su-
aparência. Também elas são espirituais, mas permeadas daquela jeito à morte. Contudo, também essa espécie de inteligência, que
espiritualidade que aparece a vocês como a morte. Quando vocês compreende aquilo que está morto, transforma-se. Nos próxi-
compreenderem quaisquer leis com a sua inteligência, tratam-se mos séculos e milênios essa inteligência se tornará algo diferen-
de leis daquilo que está morto. São as leis do que está contido nos te, muitíssimo diferente. Nossa inteligência já tem atualmente
túmulos, que abrigam os cadáveres. - Muitos discípulos gregos uma certa inclinação. Como humanidade nós entraremos num
da iniciação tinham a convicção de que a inteligência humana só processo de desenvolvimento da inteligência tal, que ela terá a
pode compreender aquilo que vai para os sepulcros, que encer- tendência de compreender somente o falso, o erro, o engano e
ram os cadáveres. Se quiserem saber - assim falava o mestre pensará somente o mal.
iniciado aos discípulos da iniciação - em qual estado espiritual Isso já sabiam os iniciados e os discípulos da iniciação des-
vocês vivem quando estão aqui na Terra, ou quando estão com de há um certo tempo - que a inteligência humana em seu
sua alma livre da corporalidade, entre a morte e um novo nasci- caminho de desenvolvimento vai ao encontro do mal e que se
mento, então vocês deverão assumir com plena convicção aquilo tornará impossível, cada vez mais, reconhecer o bem através da
que viram espiritualmente. Se vocês não assumirem como sua simples inteligência. A humanidade encontra-se hoje nessa tran-
convicção aquilo que viram espiritualmente, e se desenvolverem sição. Podemos afirmar: ainda é possível às pessoas, se elas se
conceitos e ideias através de sua inteligência, somente compreen- esforçarem com sua inteligência, e não se fecharem em si mes-
derão o que é espírito da matéria, que permeia os seus corpos. mas com instintos mui particularmente selvagens, que consi-
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gam vislumbrar algo a partir da luz do bem. Mas essa inteligên- vimento crístico-esotérico. Se o Mistério do Gólgota não tivesse
cia humana terá cada vez mais a tendência de imaginar o mal e ocorrido no decorrer do desenvolvimento da Terra, seria, então,
de introduzir o mal, o erro, no elemento moral e no conheci- inevitável que as pessoas através de sua inteligência se tornari-
mento do ser humano. am gradativamente seres maus, caídos no erro. O Mistério do
Essa era uma das razões pela qual os iniciados se chama- Gólgota não penetrou no fluxo de desenvolvimento da huma-
vam "pessoas da preocupação", pois de fato, quando se contem- nidade somente como uma doutrina, uma teoria, uma religião
pla o desenvolvimento da humanidade sob esse ponto de vista ou uma cosmovisão, mas como um fato real. No ser humano,
unilateral como o que eu acabei de apresentar, isso causa preo- Jesus de Nazaré viveu o ser extra-terreno Cristo. Pelo fato de o
cupação; preocupação exatamente com o desenvolvimento da Cristo ter vivido em Jesus de Nazaré, de Jesus de Nazaré ter
inteligência. Pode-se concluir que não é sem razão que a inteli- morrido, o Ser-Cristo ligou-se ao desenvolvimento da Terra,
gên~a possa causar ao ser humano atual tanto orgulho e pre- nesta o Ser-Cristo está presente. Temos somente que nos tornar
sunção. Eu diria que esse é o prenúncio para o tornar-se mau conscientes de que isso é um fato objetivo, um fato que não
da inteligência na quinta época pós-atlântica, em cujo princípio depende de o reconhecermos ou o percebermos subjetivamente.
nos encontramos. Se o ser humano não desenvolver nada além Temos que reconhecê-lo por causa do nosso conhecimento. Te-
de sua inteligência, ele se tornará um ser mau sobre a Terra. Se mos de assumi-lo em nossa ética, por causa dessa nossa ética. O
quisermos contar com o futuro da humanidade como um futuro Cristo penetrou no fluxo do desenvolvimento da humanidade,
que venha a ser sanador para nós, não poderemos contar com a e desde então encontra-se dentro dele - fato que se denomina
educação unilateral da inteligência. Na época egipto-caldáica essa ressurreição - e acima de tudo Ele se encontra em nossas pró-
inteligência ainda era algo bom. Ela tornou-se algo que iniciou prias forças anímicas. Compreendam somente uma vez esse fato
o seu parentesco com as forças da morte. Essa inteligência inici- em toda a sua profundidade!
ará um parentesco com as forças do erro, do engano e do mal. Observem a diferença entre o ser humano que viveu antes
Esse é um fato sobre o qual a humanidade realmente não do acontecimento do Mistério do Gólgota e o ser humano que
deveria manter nenhuma ilusão. A humanidade deveria contar vive após o Mistério do Gólgota. Certamente são sempre as
com desprendimento, com isenção, com o fato de que ela tem de mesmas pessoas, pois as almas passam pelas vidas terrenas que
se proteger contra o desenvolvimento unilateral da inteligên- se repetem nas reencarnações. Porém, ao observarmos o ser
cia. Não ocorrerá, sem razão, a compreensão do que pode advir humano como um ser terreno, aqui encarnado, temos de ver a
justamente através da Ciência Espiritual orientada pela Antro- diferença entre o ser humano que viveu antes e aquele que vive
posofia, a compreensão do que pode ser adquirido por uma vi- depois do acontecimento do Mistério do Gólgota.
são renovada provinda do mundo espiritual. Tal não poderá Quando se chega a um conceito geral sobre Deus, esse con-
ser compreendido pela inteligência, mas somente se adquirirá a ceito geral não é o conceito Cristo. Pode-se chegar ao conceito
sua compreensão quando se penetrar naquilo que a ciência da geral de Deus quando se procura seguir a natureza em suas
iniciação traz do mundo espiritual através da visão espiritual. próprias manifestações naturais, quando se procura seguir o
Para tanto, algo objetivo se faz necessário. Nesse ponto ser humano físico, à medida que ele pode ser observado exterior-
encontramo-nos diante de um profundo mistério do desenvol- mente. O ser do Cristo é tal que, somente nos podemos aproxi-
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mar dele, quando no decorrer da vida terrena se descobre algo mal. Esse é o conceito superior de salvação no sentido esotérico-
dentro de nós mesmos. Pode-se encontrar o conceito geral de -cristão. Nós temos que desenvolver a nossa inteligência, pois é
Deus dizendo-se simplesmente que se chegou à existência física claro que não podemos nos tornar não-inteligentes; mas, à me-
a partir das forças do mundo. O conceito de Cristo tem de ser dida que edificamos a nossa inteligência, estamos diante da ten-
encontrado dentro de si, dentro de cada um, à medida que se vai tação de sucumbir ao erro e ao mal. Só poderemos escapar da
além do que a natureza permite que se vá. Se não se encontra, tentação de sucumbirmos ao erro e ao mal se adquirirmos o
enquanto se vive aqui na Terra, o conceito de Deus então esse sentimento e a percepção daquilo que o Mistério do Gólgota
não-encontrar o conceito de Deus é uma espécie de doença. Um trouxe para dentro do desenvolvimento da humanidade.
ser humano sadio nunca é realmente ateu. Essa doença mani- Já é assim que o ser humano, tendo a consciência do Cris-
festa-se frequentemente não de outra forma, senão pelo fato de to, na união de seu ser com o Cristo, encontra a possibilidade
sermos ateístas. de escapar do erro e do mal. O ser humano do período egipto-
Não reconhecer o Cristo não é uma doença, mas um infor- caldáico não necessitava do renascimento em Cristo, pois ele
túnio, um desperdício de vida. Pelo fato de nos voltarmos para ainda sentia o seu parentesco com o cosmo através de sua inte-
o processo do nascimento que ocorre na natureza e para as for- ligência regulada pela natureza. O grego tinha, no fundo, a se-
ças que dela emanam podemos chegar ao conceito de Deus, se riedade da morte diante de si, quando se entregava à sua inteli-
acompanharmos esse processo de nascimento com uma alma gência. Hoje a humanidade vive no início de uma era em que a
sadia. Através do fato de que no decorrer da vida vivenciamos inteligência se tornaria má, se a alma do ser humano não for
algo como um renascimento, podemos chegar ao conceito de permeada pela força do Cristo. Reflitam sobre esse fato; ele cons-
Cristo. O nascimento conduz a Deus; o renascimento a Cristo. titui algo extremamente sério. Isso atesta como se devem enca-
O ser humano que viveu anteriormente ao Mistério do Gólgota rar certas coisas que se anunciam em nossa época, como se deve
não podia chegar a esse renascimento através do qual o Cristo, refletir sobre elas, como em nossa época as pessoas têm a predis-
como um ser, pode ser encontrado no ser humano. Essa é a posição para o mal, exatamente por irem ao encontro de um
diferença para a qual peço que os Senhores atentem: que o ser alto desenvolvimento de sua inteligência. Seria, naturalmente,
humano anterior ao Mistério do Gólgota não podia chegar a uma especulação totalmente falsa acreditarmos que devemos
esse renascimento, não podia reconhecer que o Cristo vivia nele, reprimir a inteligência. A inteligência não deve ser reprimida,
porque o Cristo ainda não havia advindo com o seu ser para porém olhando para o futuro veremos que temos de adquirir
dentro do fluxo do desenvolvimento da humanidade. Após o uma certa coragem para nos entregarmos a ela, pelo fato de a
Mistério do Gólgota o ser humano pode fazê-lo. Ele pode en- inteligência trazer a tentação do mal e do erro, e por termos de
contrar a fagulha, a centelha do Cristo em si mesmo, se ele se encontrar a possibilidade de transformá-la através de sua
esforçar para tal durante sua vida. permeação com o princípio do Cristo. A inteligência do ser hu-
Nesse renascimento, nesse encontrar a centelha do Cristo mano se tornaria total e extremamente arimânica se o princípio
dentro de si, nesse elevar-se e verdadeiro conseguir dizer-a-si- do Cristo não permeasse as almas humanas.
-mesmo: "Não eu, mas o Cristo em mim", nisso reside a possibi- Os Senhores sabem o quanto já se evidencia no desenvol-
lidade de não se permitir que o intelecto caia no engano e no vimento da humanidade, fato que já se mostra àqueles que têm
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a compreensão para tal, especialmente no presente, que os acon- educadores no futuro. Hoje as crianças são diferentes do que
tecimentos se prenunciam exatamente como eu os caracterizei. eram há décadas. A partir de uma observação superficial já se
Imaginemos somente o que o terceiro dentre os membros do pode perceber isso claramente. Deve-se educar e lecionar de
desenvolvimento humano, que através do materialismo ameaça modo diferente daquele que se ensinava há décadas atrás. De-
a humanidade, atualmente traz para o ser humano. Se refletir- vemos ensinar com a consciência de que temos que realizar em
mos sobre o quanto o desenvolvimento cultural da atualidade cada criança uma salvação, na qual cada uma, ao longo de sua
está permeado de atrocidades, que mal se comparam às atroci- vida, seja levada a encontrar em si o Impulso do Cristo, um
dades da época dos bárbaros, então não poderemos duvidar que renascimento.
a aurora do declínio da inteligência claramente se anuncia. Não Quando, como educadores ou professores, somente se co-
. deveríamos considerar superficialmente os assim chamados sin- nhece tais coisas teoricamente, não se pode realmente utilizá-las;
tqmas da cultura de nossa época; não deveríamos duvidar que elas apenas poderão ser atingidas e introduzidas na pedagogia e
as pessoas da atualidade devam ter o ânimo para adquirir uma no ensino quando a alma do educador estiver fortemente imbuída
real compreensão do Impulso de Cristo, se desejarem ir ao en- delas. Deve-se especialmente exigir do professorado que sua alma
contro de um desenvolvimento sadio. Hoje em dia, já se pode esteja fortemente envolvida com essa preocupação pela huma-
perceber fortemente duas coisas: pessoas que são muito inteli- nidade e cuidado sobre qual tentação o intelecto traz consigo!
gentes e que simultaneamente têm uma clara inclinação para o O orgulho que a humanidade atual desenvolve com respeito ao
mal; por outro lado, também se pode perceber quantas pessoas intelecto, poderá se vingar pesadamente da humanidade se não
inconscientemente suprimem, sem lutar, essa tendência para o for neutralizado, como eu acabei de expor, através de uma cons-
mal à medida que deixam sua inteligência adormecer. Ou o ciência forte e enérgica: o que há de melhor em mim como ser
adormecimento da alma, ou então uma forte tendência para o humano nessa encarnação e nas seguintes é o que encontro em
mal e para o erro nas almas acordadas é o que se pode obser- mim como o Impulso do Cristo.
var atualmente. É preciso esclarecer que esse Impulso do Cristo não pode
Lembrem-se ainda como, numa noite antes de minha últi- ser o dogmatismo professado por qualquer comunidade religiosa.
ma partida, eu apresentei quão diferente as crianças nascem Foi desde os meados do séc. XV que as comunidades religiosas
atualmente, faz cinco, seis, sete, oito anos, com um traço de mais contribuíram para afastar o Impulso do Cristo da huma-
melancolia em seus rostos, claramente perceptível para aqueles nidade do que para aproximá-lo da humanidade. As comunida-
que o podem notar. Disse ainda: a causa disso é que as almas des religiosas trazem ensinamentos às pessoas; contudo, tais
hoje não descem com prazer ao mundo repleto de materialismo. ensinamentos não aproximam as pessoas do Impulso do Cristo.
Ainda poder-se-ia dizer que as almas têm, antes do nascimen- É necessário que o ser humano sinta, que tudo aquilo que pode
to, um certo medo e temor de entrar no mundo onde a inteli- se revelar e se abrir em seu interior em relação ao Mistério do
gência tem a tendência para o mal e está com um desenvolvi- Gólgota, está relacionado com tudo o que se transformou na
mento declinante. Terra através desse Mistério. Se percebemos o significado da Terra
Isso também é algo sobre o qual terá de ser desenvolvida no Mistério do Gólgota pode-se ousar dizer: que o desenvolvi-
uma consciência naquelas pessoas que se tornarão professores e mento da Terra não teria sentido se as pessoas sucumbissem ao
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mal e ao erro através de sua inteligência. Se percebermos e com- bomba atuais). Trata-se de uma classe particular de pessoas que
preendermos desse modo o sentido do Mistério do Gólgota, se formam no leste europeu, mulheres vindas das populações
saberemos que o desenvolvimento da Terra não teria sentido da Europa Oriental que são alistadas nos movimentos revolucio-
semeIe. nários atuais, onde sempre aquele que não pertence ao partido
Se quisermos fazer algo, tanto no presente quanto no fu- dominante é levado à prisão ou ao cárcere, ou então é morto
turo, para educarmos e ensinarmos o ser humano temos de nos depois de algum tempo - onde sempre está se correndo risco de
imbuir mui fortemente com essas considerações. Essas grandes vida. Escolhidas em certas regiões do Leste, surgem estas mu-
ideias têm de ser assumidas. No entanto, os Senhores também lheres, particularmente jovens, que são armadas com fuzis que
sabem quão distantes se encontram as pessoas do presente, de sobraram da guerra e que têm a função de fuzilar os inimigos
poderem assumir tais ideias. Exatamente por essa razão nada se do governo que subiu ao poder, Essas mulheres armadas de
faz' mais necessário do que sempre, e cada vez mais, ressaltar- fuzis, vestem-se e enfeitam-se com as roupas roubadas, e sen-
m~s a importância dos ensinamentos da Ciência Espiritual, as- tem-se felizes por carregar fuzis e por matar pessoas, acreditan-
sim como ressaltarmos a seriedade que deve se apoderar de nossa do que seja compatível com a humanidade atual se vangloria-
alma através do conhecimento trazido pela Ciência Espiritual rem de como, gradativamente, vão adquirindo uma sutil per-
dos fatos correspondentes no desenvolvimento da humanidade. cepção do modo como jorra o sangue dos jovens e como aparece
Não somente o nosso saber, mas toda a nossa vida deve receber o sangue dos velhos. Já atingimos estados muito especiais em
um impulso daquilo que é a Ciência Espiritual; sem que se sinta nossa civilização atual! Essa instituição das "mulheres arma-
a seriedade desse impulso não se pode ser um verdadeiro cien- das" representa, todavia, uma conquista do presente.
tista do espírito. Temos de estar atentos para tais sintomas, Eles podem ser
Peço-lhes ainda que atentem a essa revelação particular vistos, em certa medida, como o reverso, como o outro lado da
proveniente dos fundamentos da Ciência Espiritual: que a inte- seriedade de nossa época. É certo que não precisamos conhecer
ligência humana, entregue a si própria, trilhará o caminho esses tumores abomináveis da nossa, assim chamada cultura
arimânico e só poderá se voltar fortemente para o bem se assumir avançada, para realmente percebermos essa seriedade a que de-
o verdadeiro Impulso do Cristo. Creio que aquele que assumir vemos nos voltar no tempo presente. Essa seriedade deve emer-
em si a total seriedade dessa verdade conseguirá também trans- gir para nós a partir do próprio conhecimento da evolução da
por essa seriedade para dentro da relação que ele edifica dentro humanidade. Queremos desejar que a humanidade comece a
de si para com as diferentes cosmovisões e correntes de pensa- despertar do sono que paulatinamente tomou conta dela. Esse
mento da atualidade. Por isso, há ainda muito a se fazer. valoroso despertar só pode ser o estar tomado pela seriedade da
Na verdade estamos vendo como nesse momento pessoas tarefa que cabe ao ser humano atual e a indicação dos perigos
provenientes de diferentes lugares da Europa Oriental contam- de se deixar levar unilateralmente para dentro da torrente do
nos, com especial espanto, acerca de um fato que não atesta exa- intelecto arimânico, Esse deve ser o impulso que nos permeará
tamente o progresso no caminho para um mundo mais civiliza- com essa seriedade,
do. Refiro-me aqui ao aparecimento, ou ressurgimento das as-
sim chamadas "mulheres armadas" (N.R: os nossos homens
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SEXTA CONFERÊNCIA
Dornach, 17 de agosto de 1919
abandonado por eles e revela, em certa medida, a sua verdadeira provêm de urna parte do corpo que adquire a inclinação, a ten-
essência. Não estarão pensando corretamente se acreditarem que dência de se tomar igual ao que era o corpo todo de urna pessoa
aquele corpo que carregam consigo pelo espaço seja concebido pertencente aos povos egipto-caldáicos.
corno o corpo físico. Teriam urna imagem muito mais correta de Ora, tal fato está relacionado mui intimamente com o desen-
si mesmos se concebessem a si mesmos corno um cadáver e que volvimento da humanidade. Corno seres humanos da atualida-
o seu eu, seu corpo astral e seu corpo etérico o carregam através de nós carregamos, de fato, um cadáver. O egípcio ainda não o
do espaço. fazia; ele carregava consigo um corpo com urna natureza seme-
Essa consciência da verdadeira natureza da entidade hu- lhante à planta. A consequência disso é que o seu conhecimento
mana se tomará cada vez mais importante para a nossa época. era diferente do nosso, e que a sua inteligência tinha urna atua-
PQ9-em, pois, ver que aquilo que hoje ocorre no ciclo de evolu- ção igualmente diferente. Reflitam agora com muita clareza: que
ção ~a humanidade, desde há muito tempo, não foi sempre o conhecimento tem realmente o ser humano atual, ao qual ele
mesmo. É natural que não se possa constatar as coisas que eu atribui o nome de ciência e do qual ele se orgulha tão intensa-
acabo de mencionar através da ciência física externa, mas que mente? Ele conhece somente o que é morto! Afirma-se sempre
os conhecimentos da Ciência Espiritual podem, de fato~ revelá- no âmbito da ciência que a vida não pode ser compreendida
las. Se retomássemos ao oitavo século da época pré-cristã, perío- com a inteligência comum. Certos pesquisadores acreditam, no
do em que se inicia a quarta época pós-atlântica, chegaríamos à entanto, que com mais experimentos químicos eles chegarão
época cultural egipto-caldáica do desenvolvimento da Terra. algum dia a compreender, através das complexas combinações
Naquela época os corpos humanos tinham urna constituição dos átomos, das moléculas e de suas trocas energéticas, os pro-
diferente da atual. Os corpos humanos daquela época, que ago- cessos de transformação da vida: Essa situação jamais ocorrerá.
ra nos são mostrados corno múmias nos museus, realmente não Através dos caminhos físico-químicos somente se virá a com-
eram constituídos em suas características mais sutis da mesma preender o elemento mineral morto, isto é, compreender-se-á
forma corno o corpo humano atual. Eles estavam mais per- no elemento vivo o quanto nele, hoje em dia, já se tomou morto,
meados por urna vitalidade vegetal; não eram completamente já se tomou cadáver.
cadáveres corno o são os atuais corpos humanos. Corno corpos Mas, apesar de tudo, é o corpo físico, isto é, o cadáver, que
físicos eles tinham, em certa medida, semelhança com a nature- no ser humano é inteligente e conhece. O que faz propriamente
za das plantas, ao passo que o corpo físico atual - e já desde a esse cadáver que nós carregamos? Ele amplia ao máximo o co-
época greco-latina - é semelhante ao reino mineral. Se hoje, nhecimento matemático e geométrico. Nesse âmbito tudo é trans-
através de algum milagre cósmico~ nós recebêssemos os mesmos parente, visível; assim, quanto mais nos afastamos desse âmbi-
corpos que os povos egipto-caldáicos tinham, todos nos toma- to matemático-geométrico, mais o conhecimento se toma me-
ríamos doentes. Desenvolveríamos tecidos tumorosos em nos- nos transparente. Isso é urna decorrência de que o cadáver hu-
so corpo. De fato, algumas doenças consistem simplesmente em mano para nós, atualmente, é o verdadeiro conhecedor, e que o
que o corpo humano atavisticamente, em parte, retoma a esta- que é morto somente pode conhecer o que é mortO. O corpo
dos que eram normais durante a época egipto-caldáica. Existem etérico, o corpo astrill e o eu humanos não podem atualmente
hoje processos de formação turnorosos no corpo humano que conhecer; essa parte nossa permanece, por assim dizer, na escu-
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ridão. Se o corpo etérico pudesse conhecer tal como o corpo fará necessário para que o ser humano, que perdeu a possibili-
físico conhece o que é morto, ele conheceria, primeiramente o dade de penetrar no mundo de uma forma viva, volte a entrar
elemento vivo do mundo vegetal. Esse era, no entanto, o ele- nele da mesma forma. Hoje em dia precisamos ter consciência de
mento característico dos egípcios que, com seus corpos dotados tudo aquilo que o ser humano realmente perdeu. Quando o ser
da vitalidade das plantas, conheciam o mundo vegetal de um humano saiu da época atlântica e entrou na época pós-atlântica
modo totalmente diferente das pessoas atuais. Alguns conheci- ele não conseguia muito do que hoje é capaz. Cada indivíduo
mentos instintivos sobre o mundo das plantas remontam ao ao se referir a si mesmo, a partir de um certo momento de sua
conhecimento egípcio, dos elementos que a partir de uma cons- infância, diz "eu". Dizemos esse "eu" sem muito respeito. Esse
ciência cognitiva inconsciente foram incorporados à cultura "eu" não foi proferido sempre desse modo, sem respeito, no de-
egípcia. Mesmo aquilo que se conhece hoje na botânica aplicada correr do desenvolvimento da humanidade. Houve períodos
à ~edicina ainda consiste amplamente de tradições da antiga antigos do desenvolvimento da humanidade, como na decor-
sabedoria egípcia. Por isso tão frequentemente aparece no jul- rência do período egípcio, em que era usado um nome para aquilo
gamento leigo, por diletantismo, que facilmente se faz uma as- que "eu" exprimia e que, ao ser proferido, aturdia o ser huma-
sociação a qualquer coisa egípcia, quando se quer transmitir no. Dessa forma, evitava-se expressar esse nome. Se o primeiro
um conhecimento sem muito valor. Algumas das chamadas lo- povo que viveu logo após a catástrofe da Atlântida tivesse
jas maçônicas assentadas sobre fundamentos não muito corretos vivenciado o fato de o nome dado ao "eu" ser pronunciado,
auto-denominam-se "lojas egípcias". Isso é apenas uma decor- nome esse que vigorava na sua época e que só era conhecido
rência de que nesses círculos ainda vivem tradições da sabedo- dos iniciados, todo esse grupo de pessoas ficaria aturdido e des-
ria que era adquirida através do corpo egípcio. Podemos então maiaria, tão forte era o efeito desse nome dado ao "eu". Um eco
dizer que com a gradativa entrada do ser humano na época desse fato ainda está presente na época dos antigos hebreus
greco-latina, o corpo humano vegetal vivo morreu, pois no quando se fala do impronunciável nome de Deus na alma, o
mundo grego esse corpo já estava morto ou foi morrendo aos qual só podia ser pronunciado pelos iniciados ou euritmizado
poucos. Nós temos hoje um corpo que é bem morto. Especial- perante a comunidade. O impronunciável nome de Deus teve a
mente no que se refere à cabeça humana é correto dizermos que sua origem nesse fato que acabo de descrever. Gradativamente
está morta - tal como já expus sob um outro ponto de vista -, isso foi se perdendo. Os profundos efeitos provenientes de tais
que a cabeça humana é percebida pela ciência dos iniciados so- fenômenos deixaram, então, de atuar. No primeiro período pós-
bretudo como um cadáver, como algo morto, como algo que -atlântico: uma profunda atuação do eu; no segundo período
morre continuamente. A humanidade tornar-se-á cada vez mais pós-atlântico: uma profunda atuação do corpo astral; no tercei-
consciente desse fato: que ela realmente só conhece com o cadá- ro período pós-atlântico: uma profunda atuação do corpo etérico,
ver e que, por isso, conhece o que está morto. porém já uma atuação com um efeito suportável, que apresenta
Ao mesmo tempo surgirá intensamente, no futuro, o an- o ser humano em relação com o cosmo. Atualmente podemos
seio, uma espécie de saudade de se conhecer novamente o que é pronunciar "eu" assim como tudo o que é possível ser pronun-
vivo. Contudo, não se conhecerá esse elemento vivo através da ciado em palavras, porém as coisas não atuam mais sobre nós
inteligência comum que se encontra atada ao cadáver. Muito se pelo fato de as captarmos com nosso cadáver. Isto quer dizer
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que captamos o elemento morto, mineral do mundo. Devemos, que é vivo. Com isso quero dizer, o que já fiz repetidas vezes,
contudo, novamente nos voltar para aquelas regiões nas quais que devemos deixar os conceitos abstratos mortos e passar para
captamos o que é vivo. Enquanto a época greco-romana trans- os conceitos concretos vivos. Na verdade, o que eu apresentei
correu do séc. VIII a.c. até meados do séc. XV criando cada vez aos Senhores nas duas noites anteriores é o caminho para se
mais conhecimentos mortos para o cadáver, a inteligência per- entrar nesses conceitos concretos vivos.
corre no momento atual o caminho que ontem descrevi. Por A entrada para o mundo desses conceitos e dessas repre-
isso ternos de nos opor à simples inteligência. Ternos de acres- sentações mentais não será possível se nós não nos acostumar-
centar outras coisas a ela. mos a edificar a nossa cosmovisão e o nosso modo de vida inte-
É certo e característico que tenhamos de fazer corretamente grados numa unidade. Atualmente somos obrigados, através
o .caminho de volta, que agora, na quinta época pós-atlântica, da configuração característica de nossa cultura, a permitir que
conheçamos de certa maneira o elemento vegetal; na sexta, o as diferentes correntes de nossa cosmovisão caminhem lado a
animal; e, somente na sétima, o humano. Será portanto urna lado de um certo modo inorgânico. Reflitam apenas corno fre-
tarefa da humanidade conseguir sair do simples conhecimento quentemente andam lado a lado desse modo inorgânico as
do elemento mineral e conhecer o vegetal. cosmovisões religiosas e a cosmo visão científica. Algumas pes-
Agora que os Senhores podem enxergar o que foi descrito soas possuem as duas, mas não estabelecem nenhuma ponte
sob o ponto de vista de um contexto mais profundo, reflitam entre elas, pois têm urna certa vergonha, um certo medo de esta-
sobre qual seria o ser humano característico para empreender belecer essa ligação. Devemos ter a clareza de que isso não pode
essa busca do conhecimento sobre as plantas. Esse ser humano continuar assim.
é Goethe. Ele foi o único, dos primórdios elementares do quinto Chamei a atenção nesses dias em que aqui me encontro
período pós-atlântico que realizou essa busca, apesar dos con- para o modo egoísta corno o ser humano forma a sua cosmo visão
ceitos mortos da ciência exterior que foi ao encontro do elemen- atualmente. Mostrei o fato de corno a vida da alma após a morte
to vivo das plantas, de sua metamorfose e de sua transforma- realmente interessa ao ser humano atual. Disse-lhes que teremos
ção. Se lerem o pequeno ensaio de Goethe publicado no ano de também de passar a nos interessar pela vida da alma a partir do
1790; "Tentativa de esclarecimento sobre a Metamorfose das Plan- nascimento, pelo fato de ela ser urna continuidade da própria
tas", encontrarão nele o modo corno Goethe, gradativamente, vida antes do nascimento ou da concepção. Se considerássemos
tenta compreender o ser da planta em transformação, que vai se o desenvolvimento da criança com o mesmo interesse, o mesmo
revelando folha por folha, e não algo morto e acabado. Nessa impulso e a mesma inclinação, e o modo corno ela chega e cresce
tentativa pode-se ver o surgimento do tipo de conhecimento no mundo dando continuidade à sua existência anímico-espiri-
que deve ser buscado exatamente em nossa quinta época pós- tual pré-natal, o nosso conhecimento do mundo adquiriria um
-atlântica. caráter muito menos egoístico do que possui na atualidade.
Encontra-se, portanto, no goetheanismo o fundamento Contudo, esse caráter egoístico de nossa cosmovisão está relacio-
para aquilo que deve ser procurado ao longo dessa quinta era nado também a outros fatores. Chego aqui a um ponto funda-
pós-atlântica. Em certa medida a ciência, num sentido goethea- mental a respeito do qual as pessoas da atualidade precisam ad-
nístico, terá de despertar para passar do elemento morto para o quirir urna clareza cada vez maior. No período que transcorreu
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até o momento presente desenvolveu-se preferencialmente no as pessoas. Não se faz a menor ideia de corno num período de
ser humano um elemento egoístico; o ego permeou a cosmovisão tempo relativamente curto esse destino mudou. Pode-se dizer o
e também a vontade humana. Não podemos nos iludir acerca seguinte às pessoas: a guerra mundial que se abateu sobre a
desse fato. Sobretudo tornaram-se egoísticas as confissões reli- Terra nos últimos quatro ou cinco anos será seguida pela mais
giosas. Já podemos constatar isso a partir de fatores exteriores poderosa guerra espiritual que já recaiu sobre a Terra, pois ja-
manifestos nas diferentes confissões religiosas. Vejam corno os mais ocorreu urna batalha desse porte, corno consequência de
pregadores religiosos atuais precisam lidar com a questão do que o Ocidente chama maia ou ideologia aquilo que o Oriente
egoísmo humano. Quanto mais eles contam com o egoísmo das chama realidade e que o Oriente chama realidade o que o Oci-
pessoas fazendo promessas para a vida após a morte tanto mais dente chama ideologia. Podemos no presente alertar a humani-
el~s atingem o seu objetivo. Na verdade, existe muito pouco dade acerca da gravidade dessa questão, mas mesmo assim ela
interesse por outras coisas na humanidade atual. As pessoas não terá a menor consciência de corno as almas humanas teriam
têm muito pouco interesse pelo viver e tecer da alma, que antes compreendido isso e o manteriam em sua consciência se lhes
vivia no mundo espiritual, nos entrelaçamentos espirituais que disséssemos algo semelhante há cerca de cem anos.
se anunciam tão maravilhosamente após o nascimento, isto é, Essa transformação da humanidade, esse ter-se tornado
a concepção. indiferente diante dos grandes caminhos de seu destino e de sua
Urna consequência disso é a maneira corno atualmente em existência é o fenômeno mais evidente. Hoje em dia, tudo deixa
toda parte o ser humano concebe a divindade nas diferentes a humanidade impassível. Os fatos mais importantes, de maior
confissões religiosas. O fato de termos um Deus corno imagem alcance e mais incisivos são vistos corno mera sensação. Não
suprema não significa nada de especial. Trata-se nesse caso de têm efeito suficiente para abalar as pessoas. A única causa disso
que eliminemos todas as ilusões. O que querem dizer a maioria é que o egoísmo inteligente, cada vez mais forte, vem restrin-
das pessoas que proferem o nome "Deus"? A que espécie de ser gindo o interesse das pessoas. Assim, por melhores democracias
elas se referem quando falam de Deus? Referem-se a um anjo, ao e parlamentos que as pessoas tenham - quando elas se reúnem
seu próprio anjo; a ele chamam Deus! Não se referem a um ou- nos parlamentos o destino da humanidade não se faz presente,
tro ser! As pessoas ainda pressentem que um espírito protetor pois as pessoas que foram eleitas para lá atuarem, em sua maio-
as acompanha na vida, ao qual elas se voltam e chamam seu ria, não estão imbuídas com os desígnios do destino da huma-
Deus. Quando não o chamam anjo e o chamam Deus, estão se nidade. Prevalecem os interesses egoísticos. Cada qual tem o
referindo somente ao seu anjo. A razão disso é o estreitamento seu próprio interesse egoístico. As semelhanças esquemáticas
dos interesses causado pelo egoísmo. Podemos ver hoje em dia exteriores dos interesses, corno frequentemente aparecem nas
claramente corno esse estreitamento dos interesses humanos profissões, fazem com que as pessoas se agrupem. Quando esses
surge em nossa vida pública. grupos são suficientemente grandes eles formam maiorias. As-
Qual é a questão que surge com frequência hoje em dia sim, nos parlamentos não estão representados os destinos da
entre as pessoas? Questiona-se muito acerca do destino geral da humanidade, através de seus representantes, mas somente o
humanidade? Ora, num certo sentido é bastante preocupante egoísmo multiplicado por tantas e tantas pessoas. Pelo fato de
falar-se atualmente para a humanidade sobre o destino de todos viver na alma das pessoas apenas o que é atingido pelo egoísmo,
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as próprias confissões religiosas são impelidas para a esfera egoís- há muitos anos em conferências públicas. Esse fato não foi con-
ta. As religiões sofrerão urna necessária renovação quando os siderado tal corno deveria ter sido.
interesses das pessoas se ampliarem até o ponto em que os indi- Com isso quero apenas indicar que podemos nos tornar
víduos possam novamente enxergar o destino da humanidade conscientes de algo que pode estar acima da sorte individual
acima do seu destino pessoal, e quando o ser humano nova- egoística, ligado ao destino de grupos humanos, para que sobre
mente puder ser tocado, muito fortemente, pela seguinte afir- a Terra possamos concretamente nos posicionar de um modo
mação: no Ocidente floresce uma cultura diferente da que existe diferenciado. Quando elevamos nossa visão anímica para um
no Oriente, e no meio, entre as duas, floresce urna outra cultu- tal abarcar e compreender dos destinos humanos no âmbito da
ra, diferente daquelas, nas duas polaridades do Ocidente e do Terra, interessando-nos com intensidade pelos elementos que
Oriente; e ainda quando lhe é dito: no Ocidente procuram-se as ultrapassam O destino pessoal, afinamos nossa alma para con-
grandes metas da humanidade - quando forem procuradas - seguir captar algo mais elevado e mais real do que apenas o
através de médiuns que são levados a urna espécie de transe, anjo: a saber, o arcanjo. Não podem ocorrer pensamentos sobre
ligando-os de urna certa forma conscientemente subterrânea aos o ser do arcanjo àquele que apenas permanece nas regiões que
mundos espirituais, que depois indicam, por um caminho interessam as pessoas egoístas. Quando se fazem prédicas so-
mediúnico, grandes metas históricas. Poder-se-ia contar segui- mente nas regiões egoístas das pessoas, por mais que os prega-
damente aos europeus, e eles não acreditariam, que realmente dores falem sobre o divino, só falarão do anjo. Atribuir-lhe um
existem sociedades nos países americanos e países de língua in- outro nome é somente urna inverdade que não faz com que ele
glesa onde se tenta levar pessoas que possuem medi unidade a seja o que é. Somente quando começamos a nos interessar pelo
urna espécie de transe, e através de perguntas hábeis colocadas destino do ser humano no âmbito da Terra a nossa alma começa
a elas se tenta saber quais são as grandes metas do destino da a entrar em sintonia para se elevar ao ser do arcanjo.
humanidade. Também não se acredita que os orientais tenham Passemos agora para um outro elemento . Perscrutemos
igualmente notícias sobre essas grandes metas do destino da em nós mesmos aqueles impulsos que se sucedem no decorrer
humanidade, embora não através de caminhos mediúnicos po- do desenvolvimento da humanidade, aos quais me referi nessas
rém por caminhos místicos. Atualmente isso pode ser quase conferências. Vejam que urna grande parte de nossos governantes
tocado com as mãos, pois em toda parte encontram-se os belos recebeu a educação nos cursos ginasiais durante os anos de sua
discursos de Rabindranath Tagore, nos quais se pode ler corno juventude quando sua alma ainda possuía urna certa flexibili-
um oriental pensa sobre as metas da humanidade em toda a sua dade. Os ginásios não são fruto de nossa cultura atual, mas, tal
amplitude. Tais discursos são, entretanto, lidos corno urna espé- corno ainda se estruturam, nasceram de urna cultura passada,
cie de folhetim publicado por algum colunista conhecido, pois do período greco-romano, ou greco-latino. Se os gregos ou lati-
hoje em dia pouco se diferencia um desses colunistas de um ser nos tivessem feito o mesmo que fazemos hoje em dia, eles teriam
humano imbuído de urna grande espiritualidade corno a de erigido ginásios egipto-caldáicos. Mas eles não o fizeram. Eles
Rabindranath Tagore. Não se é consciente de que lado a lado retiraram diretamente da vida o conteúdo a ser ensinado em
convivem, quero assim me expressar, diferentes substancialidades suas escolas. Nós retiramos esses conteúdos de um período cul-
raciais. O que diz respeito à Europa Central, eu venho dizendo tural passado e com eles formamos as pessoas. Esse fato tem um
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grande significado para as pessoas; mas nós não fornos capazes que o ser humano chamava de justo ou de injusto no âmbito da
de reconhecê-lo. Se o tivéssemos reconhecido, teria surgido um vida pública, o que foi desaparecendo com o tempo.
certo tom no interior do movimento feminista, o que de fato Somente no âmbito da economia nós vivemos realmente
não ocorreu, que soaria da seguinte maneira: o mundo dos no presente. É muito significativo que somente no âmbito da
homens é educado em escolas antiquadas, exatamente quando economia vivamos no presente. Por isso haverá provavelmente
eles recebem um treinamento especial da inteligência. Por isso o urna grande modificação das coisas. Gostaria aqui de abrir um
seu cérebro é endurecido. Nós mulheres ternos a boa sorte de parênteses: os conceitos da atualidade são, naturalmente, per-
não termos permissão para frequentar os ginásios. Queremos cebidos por algumas mulheres - e elas os percebem no âmbito
dispor da nossa inteligência para urna necessidade primordial da economia doméstica, e com isso tornam-se os verdadeiros
da .v ida, e mostrar o que se pode realmente desenvolver na atua- seres da nossa atualidade; o outro é algo antiquado que nós
lidad~ quando não se é bitolado na juventude através dessa edu- trazemos para dentro do presente. Não digo que essa seja urna
cação ginasial greco-latina. colocação especialmente desejável; mas a outra posição certa-
Infelizmente esse tom não surgiu. Pelo contrário, o tom mente não é o mais desejável, isto é, que retrocedemos a cultu-
que irrompeu foi o seguinte: se os homens são submetidos à ras antiquadas também através das almas das mulheres. Se olhar-
formação ginasial greco-latina, nós, mulheres, também quere- mos para o nosso ambiente cultural veremos que nele não vi-
mos nos submeter a ela. Queremos igualmente frequentar os vem somente elementos que têm atuação no espaço, mas que
ginásios. nele também vivem e atuam influências dos tempos antigos. Se
Existe muito pouca compreensão daquilo que se faz neces- apurarmos ainda mais os nossos sentidos perceberemos que não
sário. Devemos saber que no presente não somos educados nas é somente o passado que tem urna atuação, o futuro também já
escolas para o presente, porém, somos educados para a cultura atua. Que o futuro atue sobre o presente é a nossa causa. Pois
greco-latina. Por isso essa cultura está em nossa vida. Ternos de se não existisse em cada um de nós, muito pouco presente em
percebê-la. Ternos de perceber quais elementos da cultura greco- nossa consciência, urna espécie de rebelião contra a nossa for-
-latina reinam na atualidade, exatamente entre os governantes, mação educacional grega e contra os princípios romanos do
entre os intelectuais, entre as chamadas inteligências; essa é urna nosso direito, se o futuro já não estivesse atuando, nós sería-
das camadas que vive entre nós. Ela está realmente presente em mos personagens muito tristes.
toda a nossa formação espiritual. Não existe um jornal sequer Paralelamente ao âmbito do espaço ternos de considerar o
em que os elementos da formação greco-latina não estejam pre- que vive em nossa cultura também no âmbito do tempo: tudo
sentes, pois, na verdade, nós escrevemos de forma greco-latina, o que advém das épocas históricas do passado e também do
mesmo quando o fazemos em nossa própria língua materna. futuro para dentro do tempo presente. Precisamos estar cientes
Em relação à nossa visão da vida jurídica nós vivemos den- de que enquanto vivemos corno pessoas da atualidade, em nos-
tro da época romana - de novo ternos aqui algo antiquado. O sa alma interpenetram-se o passado e o futuro . Do mesmo modo
mundo romano continua vivendo dentro do nosso direito. Às corno se interpenetram, pelo fato de sermos europeus a América
vezes as antigas leis do país iniciam contendas contra o direito do Norte, a Inglaterra, a Ásia, a China e a Índia, isto é, o Oci-
romano, mas não têm sucesso. Ternos de voltar a sentir aquilo dente e o Oriente, por serem os dois pólos, assim também ternos
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em nós a Grécia, Roma e o futuro. À medida que contemplamos o fizeram: retirando os seus conteúdos educacionais de sua vida
essa última correlação e nos tornamos conscientes de como vive àquela época.
em nossa alma o passado, o que se forma e o que ainda vai N o mesmo local, e também na mesma época, onde fiz repe-
surgir no futuro, emerge em nossa alma uma outra disposição tidas colocações sobre esse assunto como sendo uma importan-
anímica sobre o destino humano que ultrapassa os limites do te questão social - não quero aqui estabelecer uma correlação
egoísmo individual, uma outra disposição anímica além da mera causal, mas trata-se de um fato que representa um sintoma sig-
contemplação do espaço presente. Quando formos capazes de nificativo - logo em seguida surgiram em todos os jornais do
desenvolver essa disposição anímica, só então desenvolveremos referido lugar anúncios em massa onde se fazia propaganda dos
a possibilidade de criar conceitos acerca da esfera dos espíritos Cursos Ginasiais atuais. Naquelas conferências caracterizei a
de época, os Arqueus. Isso quer dizer que chegamos aos tercei- educação ginasial tal como a descrevi agora para os Senhores _
ros sejes divinos na sequência das hierarquias espirituais. É bom nos jornais surgiram, em seguida, anúncios por toda a parte: a
que o ser humano, por enquanto, se acerque dessas três Hierar- Nação Alemã agradece à formação ginasial de sua juventude
quias através do meio que eu aqui introduzi, com conceitos e pelo "fortalecimento da consciência nacional", "da força nacio-
com ideias. Pois os espíritos da forma, que vêm em seguida, são nal" e assim por diante, algumas semanas antes da assinatura
infinitamente mais difíceis de serem compreendidos. No entanto, do Tratado de Versalhes! Esses anúncios tinham as assinaturas
já é suficiente para o ser humano atual, se ele fizer a tentativa de de todas as autoridades escolares e personalidades eminentes do
sair do egoísmo penetrando cada vez mais na esfera não-egoística corpo escolar local. Ocorre exatamente que sempre se recua em
ocupando-se, cada vez mais, com o que acabo de caracterizar! relação ao que se apresenta na atualidade provindo das bases
Quero novamente enfatizar que esse impulso deve surgir espe- objetivas e reais do desenvolvimento da humanidade. As pesso-
cialmente na formação dos professores. Não se deveria permitir as recuam - não se atinge as profundezas da alma.
que o professor lecionasse e educasse sem que tivesse adquirido Consiste nisso a dificuldade para se atuar na questão social.
um conceito sobre o egoísmo que se reporta à divindade que A superficialidade com que comumente a questão social é abor-
está mais próxima, isto é, ao anjo; sem que ele também tivesse dada hoje em dia, fará com que ela jamais seja realmente trata-
adquirido um conceito sobre os poderes não-egoísticos da. Essa questão tem um significado profundo, uma questão
determinantes do destino que se situam lado a lado no espaço impossível de abordar sem que penetremos com nossa visão nas
acima da Terra, os arcanjos; e sem que tenha adquirido um con- profundezas do ser humano e do mundo. Exatamente por ser
ceito sobre como em nossa cultura atual emergem o passado e o assim poder-se-ia ver quão necessárias são algumas colocações
futuro, o corpo do direito romano, a substância espiritual gre- trazidas pela trimembração do organismo social.
ga e a rebelião indeterminada do futuro que vem nos salvar. Temos, portanto, de criar um órgão de percepção para aquilo
A humanidade atual, porém, está muito pouco inclinada a que se faz necessário em nossa época. Será difícil criar esse ór-
se ocupar dessas coisas. Repetidas vezes tenho enfatizado em gão no âmbito espiritual; pois, creio que já mencionei também
minhas conferências que se trata de uma meta social cujos con- aqui, a absorção gradativa, feita pelo estado, do elemento espiri-
teúdos da formação educacional para esse tempo, passados no tual do conteúdo das aulas, que expurgou dos seres humanos o
ginásio, devem ser retirados do presente, assim como os gregos seu impulso ativo, tornou as pessoas membros totalmente pas-
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RESUMO CRONOLÓGICO DE SUA VIDA
E OBRA ESCRITA
1894 A Filosofia da Liberdade. Bases de uma Concepção do Mundo. Resulta- 1911 A direção espiri tual do homem e da humanidade (GA 16).
dos de observações anímicas segundo métodos cientificos (GA 4).
1912 Calendário da Alma. Poemas para a semana (em GA 40 e edições
1895 Friedrich Nietzsche, um lutador contra o seu tempo (GA 5). separadas). Um caminho para o auto-conhecimento humano (GA 16)
1897 A concepção de mundo de Goethe. (GA 6). Mudança para Berlim. 1913 Separação da Sociedade Teosófica e fundação da Sociedade
Edição do "Magazine para Literatura" e das "Páginas de Antroposófica. O limiar do mundo espiritual (GA 17).
Dramaturgia" junto com O . E. Hartleben (Artigos em GA 29-
-32). Atuação na "Sociedade livre de literatura", na "Socieda- 1913-1922 Construção do primeiro Goetheanum, em madeira com
'de livre de dramaturgia", na "Sociedade Giordano-Bruno" duas cúpulas que se interpenetram, em Dornach / Suíça. Ao
entre outros, mesmo tempo surgiram em Dornach várias construções com
projetos de Rudolf Steiner.
1899-1904 Professor na "Escola para Trabalhadores" fundada por
W. Liebknecht. 1914-1923 Dornach e Berlim. Em palestras e cursos em toda a Euro-
pa Rudolf Steiner dá sugestões para uma renovação em mui-
1900/01 Concepções de vida e de mundo no século XIX, ampliada em 1914 tos campos da vida: arte, pedagogia, ciências, vida social, me-
para: Os enigmas da filosofia (GA 18) Começo da atividade como dicina, teologia. Continuação da nova arte do movimento a
conferencista antroposófico a convite da Sociedade Teosófica "euritmia" inaugurada em 1912.
de Berlim. A mística nos primórdios da vida espiritual moderna (GA 7).
1914 Os enigmas da filosofia e sua história (GA 18).
1902-1912 Construção da Antroposofia. Conferências públicas re-
gulares em Berlim e extensos ciclos de conferências em toda a 1916-1918 Enigmas da humanidade (GA 20). Enigmas da alma (GA 21). A
Europa. Marie von Sivers (a partir de 1914 Marie Steiner) espiritualidade de Goethe em sua revelação no "Fausto" e pelo seu "Con-
torna-se a sua colaboradora constante. to da cobra e da bela líria" (GA 2).
1902 O Cristianismo como fato místico e os Mistérios da Antiguidade (GA 8). 1919 Rudolf Steiner defende a ideia de uma "trimembração do orga-
nismo social" em artigos e conferências, especialmente no sul
1903 Fundação e edição da revista "Luzifer" mais tarde "Luzifer -
da Alemanha. Os pontos cerne da questão social nas necessidades da
Gnosis" (artigos em GA 34). vida presente efutura (GA 23). Artigos sobre a trimembração do organis-
mo social (GA 24). No outono é fundada, em Stuttgart, a "Escola
1904 Teosofia. Introdução ao conhecimento supra-s.sensível e destino do ser
WaldorfLivre", que Rudolf Steiner dirigiu até o seu falecimento.
humano (GA 9).
1920 Começa o primeiro curso esotérico superior antroposófico
1904/05 Como adquirir conhecimentos dos mundos superiores (GA 10). Crô-
no Goetheanum, ainda não totalmente acabado, onde daí
nica do Akasha (GA 11). O conhecimento iniciático (GA 12).
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A QUESTÃO PEDAGÓGICA COMO QUESTÃO SOCIAL
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