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Compreendendo
a compreensão
Educação. Aquilo que revela aos sábios e esconde dos tolos a sua
falta de inteligência.
Ambrose Bierce, Dicionário do diabo, 1881-1906
E
ste livro explora duas ideias diferentes, porém relacionadas: planejamento e com-
preensão. No capítulo anterior, exploramos o bom planejamento em geral e o que o
modelo requer especificamente. Entretanto, antes de nos aprofundarmos no m odelo,
precisamos dar um passo atrás e refletir sobre outra vertente do livro – a compreensão.
Bob James estava um pouco confuso sobre “compreensões”. Sua confusão, na verda-
de, é um problema bastante comum. Quando pedimos aos planejadores em oficinas que
identifiquem as compreensões desejadas e, assim, façam distinção entre “conhecimento”
desejado e “compreensão”, eles frequentemente ficam confusos. Qual é a diferença?
O que é compreensão? E então fazemos uma pausa para refletir sobre uma questão que
é essencial: quão bem compreendemos a compreensão? O que estamos buscando quando
dizemos que queremos que os alunos compreendam isso ou aquilo? Até agora, escrevemos
sobre compreensão como se compreendêssemos plenamente o que estamos buscando.
Mas, como veremos, a ironia é que, embora afirmemos como professores que nossa pre-
tensão é que os alunos compreendam o conteúdo, nós mesmos podemos não compreen
der adequadamente esse objetivo. Essa afirmação pode parecer um pouco estranha. Os
professores sabidamente buscam a compreensão todos os dias, não é? Como, então, pode-
mos não saber o que estamos pretendendo? Entretanto, inúmeros indícios sugerem que
“compreender” e “ensinar para a compreensão” são termos ambíguos e incertos.
Encontramos algumas dessas incertezas conceituais na Taxonomia dos objetivos edu-
cacionais: domínio cognitivo. O livro foi escrito em 1956 por Benjamin Bloom e colabo-
radores para classificar e clarificar toda a gama de objetivos intelectuais possíveis, dos
cognitivamente fáceis até os mais difíceis. De fato, a intenção era classificar os graus de
compreensão. Como os autores frequentemente observam, a produção do livro foi mo-
Por exemplo, alguns professores acham que seus alunos devem “realmente com-
preender”, outros desejam que seus alunos “internalizem o conhecimento”, ou-
tros ainda querem que seus alunos “entendam o fundamental ou a essência”.
Todos eles querem dizer a mesma coisa? Especificamente, o que faz um aluno
que “realmente compreende” e não faz quando não compreende? Através da con-
sulta à Taxonomia [...] os professores devem ser capazes de definir esses termos
nebulosos. (BLOOM, 1956, p. 1)
Lembre-se de que quando nosso professor de Ciências, Bob James, estava pensando
em sua unidade sobre nutrição (veja o Capítulo 1), ele parecia inseguro quanto ao que era
compreensão e como ela era diferente de conhecimento. De fato, duas gerações de escri-
tores de currículo foram alertadas a evitar o termo compreender em suas propostas como
resultado das precauções da Taxonomia. Por exemplo, em Benchmarks for Science Litera-
cy (Parâmetros para o letramento científico, em tradução livre), da Associação Americana
para o Avanço da Ciência (AAAS), os autores descrevem de forma sucinta o problema que
enfrentaram na estruturação de parâmetros para o ensino e a avaliação em Ciências:
Primeiro você organiza as coisas em grupos. É claro que uma pilha pode ser sufi-
ciente, dependendo do quanto há para ser feito; mas algumas coisas certamente
precisam ser separadas das outras. Um erro aqui pode custar caro; é melhor
fazer poucas coisas por vez do que muitas ao mesmo tempo. O procedimento não
é demorado; quando estiver terminado, você organiza as coisas em diferentes
Conhecimento Compreensão
Figura 2.1
Conhecimento versus compreensão.
grupos novamente, de modo que elas possam ser guardadas nos lugares aos quais
elas pertencem. (BRANSFORD; JOHNSON, 1972, apud CHAPMAN, 1993, p. 6)
Como observa um escritor que se refere a essa passagem em um livro sobre habilida-
des de leitura crítica,
Saber qual fato usar e quando o fazer requer mais do que outro fato. Requer compreensão
– discernimento (insight) dos aspectos essenciais, propósito, público, estratégia e táticas.
Treinamento e ensino direto podem transformar habilidades específicas e fatos em auto-
maticidade (saber “de cor”), mas não podem nos tornar verdadeiramente capazes.
Compreensão tem a ver com transferência, em outras palavras. Para sermos verda-
deiramente capazes, é necessária a habilidade de transferir o que aprendemos para con-
textos novos e algumas vezes confusos. A capacidade de transferir nossos conhecimentos
e habilidades efetivamente envolve a capacidade de lançar mão daquilo que sabemos e
usar esses saberes de forma criativa, flexível e fluente, em diferentes contextos ou pro-
blemas, por nós mesmos. Transferibilidade não é uma mera conexão com os conhecimen-
tos e habilidades previamente aprendidos. Na famosa frase de Bruner, compreensão tem
a ver com “ir além da informação dada”; podemos criar novo conhecimento e chegar a
mais compreensões se aprendemos com compreensão algumas ideias-chave e estratégias.
O que é transferência e por que ela é importante? Espera-se que lancemos mão do
que aprendemos em uma aula e sejamos capazes de aplicar a outras situações relaciona-
das, porém distintas. Desenvolver a habilidade de transferir a própria aprendizagem é
a chave para uma boa educação (veja Bransford, Brown e Cocking, 2000, p. 51 e seguin-
tes). Essa é uma habilidade essencial porque os professores só podem ajudar os alunos
a aprender um número relativamente pequeno de ideias, exemplos, fatos e habilidades
em cada campo de estudo; portanto, precisamos ajudá-los a transferir sua aprendizagem
inerentemente limitada para muitos outros contextos, situações e problemas.
Considere um exemplo simples vindo dos esportes. Quando entendemos a ideia de
que na defesa precisamos fechar o espaço disponível para o ataque, podemos usar essa
compreensão para adaptá-la a quase todos os movimentos que os membros do outro
time fazem, não ficando limitados a apenas um ou dois posicionamentos que nos foram
ensinados em um treinamento de basquete 3x3*. Podemos lidar com classes inteiras de
problemas ofensivos, não apenas situações com as quais estamos familiarizados. A falha
em entender e aplicar essa ideia no contexto custa caro:
Como a grande ideia de “restringir o espaço ofensivo” se transfere para outros espor-
tes, ela é igualmente aplicável no futebol, basquete, hóquei, polo aquático, futebol ame-
ricano e lacrosse. O mesmo é verdadeiro em Matemática ou leitura: para ir além da mera
aprendizagem e memorização automáticas, temos que ser ensinados e avaliados na capa-
cidade de ver padrões, para que possamos enxergar os muitos problemas “novos” que en-
contramos como variantes de problemas e técnicas com as quais estamos familiarizados.
Isso requer uma educação baseada em como resolver problemas usando grandes ideias
e estratégias transferíveis, não meramente em conectar fatos ou fórmulas específicos.
Grandes ideias são essenciais porque fornecem a base para a transferência. Por exem-
plo, você precisa aprender que uma única estratégia está por trás de todas as combina-
ções possíveis de movimentos e contextos específicos. A estratégia é abrir espaço para
* N.
de R.T.: Um jogo de basquete 3x3 é uma forma de treinamento que utiliza apenas metade da
quadra, em que times com apenas três membros jogam um contra o outro.
A transferência é afetada pelo grau com que as pessoas aprendem com compreen
são em vez de meramente memorizar conjuntos de fatos ou seguir um conjunto
fixo de procedimentos. [...] Tentativas de cobrir muitos tópicos rapidamente po-
dem prejudicar a aprendizagem e a subsequente transferência. (BRANSFORD et
al., 2000, p. 55, 58)
Esta é uma ideia antiga, celebremente estruturada por Whitehead (1929, p. 1-2) quase
cem anos atrás em sua queixa sobre “ideias inertes” em educação:
Em leitura, pode ser que não tenhamos lido anteriormente este livro deste autor, mas,
se compreendemos “leitura” e “poesia romântica”, transferimos nosso conhecimento pré-
vio e habilidades sem muita dificuldade. Se aprendermos a ler somente por repetição e
memorização, e pensando na leitura como mera decodificação, encontrar sentido em um
novo livro pode ser um desafio monumental. A propósito, o mesmo é verdadeiro para
leitores em nível universitário. Se aprendermos a “ler” um texto de filosofia por meio de
uma leitura literal, complementada pelo que o professor disse a respeito, e se não apren-
dermos a questionar ativamente e responder perguntas de significado enquanto lemos,
a leitura do livro seguinte não será mais fácil (para mais informações sobre esse tópico,
veja Adler, 1940).
Transferência é a essência do que Bloom e seus colegas queriam dizer por aplicação.
O desafio não é “conectar” o que foi aprendido, de memória, mas modificar, ajustar e
adaptar uma ideia (inerentemente geral) às particularidades de uma situação:
Os alunos não devem ser capazes de resolver novos problemas e situações mera-
mente lembrando da solução ou do método preciso de solução de um problema
similar que fizeram em classe. Não será um novo problema ou situação se ele
for exatamente como outros resolvidos em classe, exceto que novas quantidades
ou símbolos são usados [...] Será um novo problema ou situação se o aluno não
tiver recebido instrução ou ajuda em determinado problema e deve fazer algum
dos seguintes [...] 1. O enunciado do problema deve ser modificado de alguma
maneira antes que ele possa ser enfrentado [...] 2. O enunciado do problema deve
ser apresentado na forma de algum modelo antes que o aluno possa lançar mão
das generalizações previamente aprendidas em que se basear [...] 3. O enunciado
do problema requer que o aluno procure na memória generalizações relevantes.
(BLOOM; MADAUS; HASTINGS, 1981, p. 233)
Para ir da escola até sua casa, Jamal viaja 5 milhas para o leste e depois 4 milhas
para o norte. Quando Sheila vai para casa saindo da mesma escola, ela viaja 8
milhas para o leste e 2 milhas para o sul. Qual é a medida da distância mais cur-
ta, arredondando para o décimo de milha mais próximo, entre a casa de Jamal e
a casa de Sheila? (O uso da matriz que acompanha é opcional.)
* N. de R.T.: Esta é uma canção inventada em que as palavras em francês são usadas para criar
uma rima familiar sobre números – em inglês com sotaque. Dica: o livro é chamado Mots d’Heures:
Gousses, Rames (Mots d’Heures: Gousses Rames, de Luis d’Antin Van Rooten [Penguin Books, 1980;
primeira edição publicada por Grossman Publishers, 1967]).
** N. de R.T.: Os Regents Exams são as avaliações padronizadas utilizadas para certificar os estu-
dantes nova-iorquinos com o diploma de ensino médio. Eles são testados nas disciplinas centrais do
currículo e podem se submeter ao teste para receber o diploma básico ou avançado.
6 14 8 18 10
Todos os três problemas requerem que os alunos transfiram sua compreensão do teo
rema de Pitágoras para uma nova situação. É provável que a maioria dos alunos nos
Estados Unidos não conseguisse fazer isso, apesar do fato de que todos os conjuntos de
orientações curriculares estaduais identificam a compreensão do teorema de Pitágoras
como um resultado desejado importante.
Podemos aplicar a nossa compreensão a essa notícia sem muita dificuldade, com base
no que foi dito até agora. Presumimos que o teorema A² + B² = C² é ensinado como um
fato, uma regra para fazer determinados cálculos quando confrontados com um triângulo
retângulo conhecido e tarefas simples. No entanto, remova algumas dicas explícitas e os
alunos não conseguem transferir sua aprendizagem para desempenhar com compreen
são. É de admirar, então, que os alunos não compreendam o que supostamente sabem?
O que poucos educadores parecem perceber, portanto, é que treinar os alunos para testes
estaduais é uma estratégia frágil.
Ensinar tópicos ou habilidades específicas sem tornar claro seu contexto na es-
trutura fundamental mais ampla de um campo de conhecimento é contraprodu-
cente [...] Uma compreensão dos princípios e ideias fundamentais parece ser o
caminho principal para a transferência adequada de treinamento. Compreender
alguma coisa como um exemplo específico de um caso mais geral – que é o que
significa compreender uma estrutura mais fundamental – é ter aprendido não
só uma coisa específica, mas também um modelo para a compreensão de outras
coisas como ela que podemos vir a encontrar. (BRANSFORD et al., 2000, p. 25, 31)
Transferência deve ser a meta de todo o ensino na escola – não é uma opção – porque
quando ensinamos, podemos nos ocupar apenas de uma amostra relativamente pequena
de todo o assunto. Todos os professores já disseram a si mesmos depois de uma aula: “Ah,
se tivéssemos mais tempo! Essa é apenas uma gota no oceano”. Nunca poderemos ter
tempo suficiente. A transferência é a nossa grande e difícil missão porque precisamos co-
locar os alunos em posição de aprender, por conta própria, muito mais do que eles jamais
poderão aprender conosco.
Paradoxalmente, a transferência segue na direção oposta do conhecimento “novo”.
Uma educação para a compreensão requer que examinemos mais detalhadamente o co-
nhecimento anterior e os pressupostos pelos quais afirmamos que alguma coisa é conhe
cimento. Sócrates é o modelo aqui. Ele questionou afirmações de conhecimento para
compreender e aprender muito mais. Quando somos ajudados a fazer certas perguntas
– Por que isso é assim? Por que pensamos isso? O que justifica tal visão? Quais são as
evidências? Qual é o argumento? O que está sendo presumido? –, aprendemos um tipo di-
ferente de transferência poderosa: a habilidade de entender o que faz o conhecimento ser
conhecimento em vez de mera crença, consequentemente nos colocando em uma posição
muito melhor para aumentarmos nosso conhecimento e compreensão.
talvez seja mais efetivo, mas como é possível que seja mais eficiente? Não podemos cobrir
muito mais conteúdo por meio do ensino didático e da cobertura dos livros didáticos do
que estabelecendo um trabalho com base em investigação para ajudar os alunos a atingi-
rem uma compreensão mais profunda do material por conta própria?
Mas isso confunde o ensino com a aprendizagem. Considere as três razões de Bruner
para que uma abordagem de cobertura tradicional seja contraproducente no longo prazo:
Tal ensino torna excessivamente difícil para o aluno generalizar a partir do que
aprendeu para o que ele irá encontrar mais tarde. Em segundo lugar, [tal] apren-
dizagem [...] tem pouca gratificação em termos de entusiasmo intelectual. Ter-
ceiro, o conhecimento que é adquirido sem uma estrutura suficiente à qual se
associar é um conhecimento que provavelmente será esquecido. Um conjunto de
fatos desconectados tem um tempo de vida lamentavelmente curto na memória.
(BRUNER, 1960, p. 31)
Cobrir tudo é como avançar rapidamente em um jogo de unir os pontos no qual o professor
confunde ainda mais o pensamento dos alunos ao fazê-los pensar que compreensões são
meramente mais pontos a serem acrescentados à página, tornando a figura ainda menos
clara e mais confusa do que ela era anteriormente. A cobertura deixa os alunos sem uma
ideia do todo que parece tão óbvio para o especialista – quase todos os alunos ficarão
perdidos e talvez alienados, com exceção, talvez, dos mais hábeis.
Os professores não otimizam o desempenho, mesmo nos testes externos, ao cobrirem
tudo superficialmente. Os alunos acabam se esquecendo ou compreendendo mal muito
mais do que é necessário, de modo que é preciso o reensino ao longo de toda a experiên-
cia escolar. (Quantas vezes você disse aos seus alunos: “Meu Deus, não ensinaram isso
para vocês na série x?”) Então acabamos com o que vemos em tantas escolas (conforme
verificado pelos resultados dos testes da NAEP): os alunos em geral conseguem fazer ta-
refas de nível baixo, mas são universalmente fracos em trabalhos de ordem superior que
requeiram transferência.
As evidências da compreensão
O que diferencia os pensadores revolucionários dos não revolucionários
quase nunca é um maior conhecimento dos fatos. Darwin conhecia muito
menos sobre as várias espécies na viagem a bordo do Beagle do que os
especialistas na Inglaterra que classificaram esses organismos para ele.
No entanto, especialistas após especialistas não entendiam o significado
revolucionário do que Darwin havia coletado. Darwin, que conhecia
menos, de alguma maneira compreendeu mais.
_ Frank J. Sulloway, Born to Rebel, 1996, p. 20
das”, não imediatas – talvez até mesmo negligenciadas ou despercebidas por aqueles com
muito conhecimento, como sugere Sulloway. A ênfase em todas essas conotações está em
ir abaixo da superfície, até as gemas ocultas da descoberta. Não podemos cobrir concei-
tos e esperar que dessa forma eles sejam compreendidos; temos que descobrir seu valor
– o fato de que conceitos são o resultado de investigação e discussão.
Observe, então, a diferença nas duas perguntas que se encontram na essência do tra-
balho com os objetivos relacionados à compreensão (e todos os objetivos educacionais
de um modo mais geral) por meio do planejamento reverso – as perguntas para os dois
primeiros dos três estágios:
A primeira pergunta refere-se às ideias importantes sobre conteúdo e o que deve ser
aprendido. Ela pede que o planejador seja específico sobre o que o aluno deve levar consi-
go, dadas as ideias, os fatos e as competências encontradas. (Especificar as c ompreensões
que buscamos é surpreendentemente difícil, como discutiremos no Capítulo 6.) A segunda
pergunta é diferente. Ela não fala do que deve ser aprendido; ela se ocupa da materializa-
ção aceitável desses objetivos: o que constitui o desempenho e os produtos apropriados
– resultados – dessa aprendizagem que devem ser produzidos pelos alunos, determinados
por meio dos instrumentos de avaliação.
A segunda pergunta, na verdade, abrange perguntas distintas que compõem o segundo
estágio do planejamento reverso.
• Onde devemos procurar as evidências? Qual é o tipo de trabalho dos alunos que
precisamos ver bem feito, levando em consideração o objetivo estabelecido?
• O que devemos procurar especificamente no desempenho dos alunos, indepen-
dentemente da abordagem particular, para julgarmos o grau de compreensão
do aluno?
A questão não é nada nova. Bloom (1956) salientara o mesmo ponto sobre “aplicação”
na Taxonomia, mais de 50 anos atrás. Uma avaliação da aplicação tinha que envolver
uma tarefa nova, que exigisse transferência, e idealmente envolvia o uso prático e con-
textualizado das ideias:
Embora reconheçamos que não exista uma tarefa de avaliação única ou inerentemen-
te perfeita para uma meta de compreensão, certos tipos de desafios são mais apropria-
dos do que outros. Saber que tipos de avaliações incorporam os padrões curriculares é
precisamente o que muitos professores necessitam. Lembre-se de que é por isso que a
Taxonomia de Bloom foi escrita antes de mais nada. Sem especificidade quanto ao que
conta como evidência apropriada para satisfazer os padrões, um professor poderá muito
bem se satisfazer com um teste de conhecimento factual, ao passo que somente uma in-
vestigação complexa e a defesa dos métodos e resultados verdadeiramente farão justiça
ao padrão curricular.
Se as respostas “corretas” produzirem evidências inadequadas de compreensão, o que
devemos fazer para que nossas avaliações distingam melhor compreensão real de apa-
rente? Antes de respondermos a essa pergunta, devemos primeiro tratar de outro pro-
blema: algumas vezes uma resposta correta esconde uma incompreensão. Como isso é
possível? E quais são as implicações para a avaliação da compreensão? A ironia é que
podemos obter ganhos significativos para o planejamento, a avaliação e o ensino para a
compreensão considerando o fenômeno da incompreensão.
* N. de R.T.: Os autores se referem ao filme que em português foi traduzido como Bill e Ted – uma
aventura fantástica, de 1989.
** N. de R.T.: Adaptamos o exemplo (no original, a pronúncia de lose como loze) para o contexto do
português (pronúncia do x).
• Um dos nossos filhos perguntou: “Pai, espanhol e inglês usam as mesmas pala-
vras, mas as pronunciam de forma diferente?”.
• A mesma criança reclamou alguns anos mais tarde: “Como 4,28 + 2,72 = 7?
Sete não é um decimal!”.
• Uma aluna de História do ensino médio perguntou timidamente à sua professo-
ra no final de uma unidade: “Então, o que exatamente a Louisiana comprou*?”.
• Uma professora do ensino fundamental relatou a irritação de um dos seus alu-
nos no 4° ano por não ter visto as linhas de latitude e longitude quando atra-
vessou o país de avião com sua família.
• Um rapaz muito inteligente e estudioso, que tinha em seu histórico cursos
avançados** em Ciências, achou que “erro” em Ciências era uma função de en-
ganos evitáveis, em vez de um princípio inerente no esforço de indução.
* N.de R.T.: Os autores se referem ao episódio histórico da Compra da Louisiana, que originalmente
pertencia à França, pelos Estados Unidos. A confusão da aluna é gerada pela forma como o tópico é
apresentado em inglês: “Louisiana Purchase” significa “A compra da Louisiana”, que pode ser enten-
dido tanto como o território sendo comprado por alguém como quanto o território (enquanto sujeito
da sentença) comprando algo.
** N. de R.T.: Nos Estados Unidos, os alunos podem cursar matérias avançadas durante o ensino
médio, chamadas de advanced placement (AP) courses. Essas disciplinas podem ser utilizadas como
créditos válidos durante o ensino superior e auxiliam na entrada nas melhores universidades.
obter melhores resultados (um resumo das pesquisas sobre aprendizagem e ensino para a
compreensão é apresentado no Capítulo 13). Howard Gardner, David Perkins e suas cole-
gas de Harvard no Projeto Zero resumiram esses achados de forma eloquente e cuidadosa
na última década, embora a pesquisa sobre incompreensões remeta ao trabalho feito em
educação científica na década de 1970. Como explica Gardner (1991, p. 6) ao resumir a
pesquisa:
[O que] uma extensa literatura de pesquisa documenta agora é que um grau re-
gular de compreensão está rotineiramente faltando em muitos, talvez na maio-
ria dos alunos. É razoável esperar que um estudante universitário seja capaz de
aplicar em um novo contexto uma lei da física, ou uma prova em Geometria, ou
o conceito em História em que ele acabou de demonstrar domínio aceitável em
sua classe. Se, quando as circunstâncias dos testes forem levemente alteradas, a
competência buscada não puder mais ser documentada, então a compreensão –
em um sentido razoável do termo – simplesmente não foi atingida.
Testes até mesmo de um tipo convencional podem fornecer evidências dessas falhas
na compreensão se eles forem planejados tendo as incompreensões em mente. Na Intro-
dução, observamos o exemplo de Matemática da NAEP em que uma grande parte dos
alunos respondeu “32 ônibus e restam 12”. Reflita sobre esse resultado de modo mais
geral. A maioria dos adolescentes norte-americanos estuda Álgebra I e recebe notas de
aprovação. No entanto, os resultados da NAEP (1988) mostram que apenas 5% desses
adolescentes têm bom desempenho em tarefas que requerem uso de ordem superior do
conhecimento de Álgebra I. O Terceiro Estudo Internacional de Matemática e Ciências
(Third International Mathematics and Science Study – TIMSS*, 1998) chegou a uma
conclusão semelhante para Ciências em um dos estudos mais exaustivos até o momento
(TRENTON TIMES, 1997). E, da mesma forma, fez o teste recente da NAEP, mostrando
“uma grande lacuna entre a capacidade dos alunos em geral para aprender princípios
básicos e sua capacidade de aplicar o conhecimento e explicar o que aprenderam” (NEW
YORK TIMES, 1997) (o teste era uma mistura de perguntas de múltipla escolha, resposta
construída e tarefas de desempenho).
Por mais de uma década em Física, testes específicos foram desenvolvidos e usados
como instrumentos avaliativos voltados para as principais incompreensões. O teste mais
amplamente usado, o Force Concept Inventory (Inventário do conceito de força, em tra-
dução livre), fornece um instrumento de pré e pós-teste para medir o progresso na supe-
ração das incompreensões mais comuns (e surpreendentemente persistentes).
A AAAS, em suas publicações Parâmetros (1993) e Atlas do letramento científico (Atlas
of Science Literacy, 2001), forneceu um rico relato das compreensões desejadas nas Ciên
cias, associado às principais incompreensões conectadas a elas:
Para ver o quanto é fácil compreender mal as coisas que achamos que todos nós sabe-
mos, considere esta pergunta mais básica de Ciências: por que é mais frio no inverno e
mais quente no verão? Quase todos os estudantes nos Estados Unidos tiveram aula sobre
astronomia básica. Nós “sabemos” que a Terra viaja em torno do Sol, que a órbita é elípti
ca e que a Terra se inclina aproximadamente 20 graus para fora do seu eixo norte-sul. Po-
rém, quando essa pergunta foi feita a formandos de Harvard (conforme documentado em
um vídeo sobre o fenômeno da incompreensão produzido pelo Centro Harvard-Smithso
nian para a Astrofísica), poucos conseguiram explicar corretamente o porquê (A PRIVATE...,
1994).² Ou eles não tinham uma explicação adequada para o que afirmavam saber, ou
então apresentavam uma visão plausível, mas errônea (tal como: as alterações no clima
se devem ao fato de a Terra estar mais perto ou mais longe do Sol).
Achados similares ocorrem quando pedimos que adultos expliquem as fases da Lua:
muitas pessoas instruídas descrevem as fases como eclipses lunares. Em outra série de
vídeos sobre falsas concepções em Ciências intitulado Minds of Their Own (Mentes pró-
prias, em tradução livre) (1997), o grupo de astrofísicos de Harvard documentou como
um estudante de Física que consegue fazer os mesmos problemas de circuito elétrico que
damos aos alunos do 4° ano, e descreve o que está ocorrendo, tem uma compreensão fa-
lha quando a pergunta é feita de uma nova maneira (você pode acender a lâmpada apenas
com baterias e fios?).
O reconhecimento de incompreensões inevitáveis de um aprendiz mesmo nas me-
lhores mentes, em disciplinas aparentemente tão objetivas e lógicas como Ciências e
Matemática, é, na verdade, muito antigo. Os diálogos de Platão retratam vividamente
a interação entre a busca pela compreensão e os hábitos da mente e falsas concepções
que podem estar subconscientemente moldando ou inibindo nosso pensamento. Há 400
anos, Francis Bacon (1960), no livro Organon, forneceu uma sóbria descrição das incom-
preensões involuntariamente introduzidas por nossas tendências intelectuais agindo de
surpresa. Ele observou que projetamos categorias, pressupostos, regras, prioridades, ati-
tudes e questões de estilo na nossa “realidade” e, então, desenvolvemos incontáveis ma-
neiras de “provar” que nossas ideias instintivas são verdadeiras: “A compreensão humana
[...], depois que adotou uma opinião, lança mão de todas as outras coisas para apoiá-la e
aprová-la” (BACON, 1960, p. 45-49). Filósofos e psicólogos desde Kant e Wittgenstein até
Piaget e outros pesquisadores cognitivos modernos tentaram desvendar o quebra-cabeça
você deve nadar com a mão espalmada para maximizar a quantidade de água
que está sendo puxada e empurrada.
• Luz é luz, e escuro é escuro. Não é verdade. Dois feixes de luz com intersecção
na crista ou no canal podem anular um ao outro e causar escuridão! Fones de
ouvido canceladores de ruído usam o som para produzir silêncio. Igualmente,
ondas de luz ou som em imagem especular cancelam uma a outra.
• Números negativos e imaginários são irreais. Números negativos e imaginá-
rios não são nem menos, nem mais reais do que os números comuns. Eles exis-
tem para dar a simetria e a continuidade necessárias para as leis essenciais da
aritmética e álgebra.
• Evolução é uma ideia controversa. Não, a teoria da seleção natural como me-
canismo da evolução é que é controversa. As teorias da evolução precedem em
séculos as ideias de Darwin e não eram vistas como conflitantes com a doutri-
na religiosa.
• Nossos fundadores eram liberais. Os revolucionários norte-americanos susten-
tavam que os indivíduos, não os governos, tinham direitos naturais aplicados
pelo trabalho (com base nas ideias de John Locke sobre propriedade). Assim,
em determinado sentido, eles eram “conservadores” (isto é, o direito à proprie-
dade individual é fundamental).
• Ironia é coincidência. Ironia não é mera coincidência, embora quase todos os
locutores esportivos façam mau uso da palavra! Ironia é o que a pessoa mais
sábia vê que outra pessoa aparentemente sábia não vê. O público vê o que
Édipo não vê, e a tensão entre o orgulho deste último e o que sabemos ser a
verdade é a fonte da força do drama.