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Desenvolvimento

Socioeconômico
Prof. Diego Bohlke Vargas
Prof. Guilherme Nascimento Gomes

Indaial – 2020
1a Edição
Copyright © UNIASSELVI 2020

Elaboração:
Prof. Diego Bohlke Vargas
Prof. Guilherme Nascimento Gomes

Revisão, Diagramação e Produção:


Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri


UNIASSELVI – Indaial.

V297d

Vargas, Diego Bohlke

Desenvolvimento socioeconômico. / Diego Bohlke Vargas; Guilherme


Nascimento Gomes. – Indaial: UNIASSELVI, 2020.

177 p.; il.

ISBN 978-65-5663-129-5
ISBN Digital 978-65-5663-124-0

1. Desenvolvimento econômico. - Brasil. I. Gomes, Guilherme Nascimento.


II. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.

CDD 338.9

Impresso por:
Apresentação
Olá, acadêmico! O livro da disciplina de Desenvolvimento
Socioeconômico traz, de maneira introdutória, os principais conceitos e
abordagens para o estudo da disciplina de desenvolvimento econômico.
Foi no contexto da Guerra Fria e na ânsia dos pesquisadores em dialogar
com questões associadas à recuperação das economias, principalmente
das economias capitalistas periféricas, que o desenvolvimento econômico
surgiu como disciplina e passou a incorporar a Teoria Econômica. Nesse
sentido, a primeira unidade mostra a origem, o contexto sociopolítico e as
principais abordagens da disciplina ao longo da história. Longe de fazer
parte do mainstream, os teóricos que se debruçam sobre o tema têm como
ponto de partida fazer oposição à ortodoxia econômica que contrasta com
o posicionamento dos governos neoliberais. Ainda, tratará em perspectiva
histórica sobre o pensamento econômico que originou a disciplina. Por fim,
o aluno será capaz de identificar e avaliar indicadores de desenvolvimento,
além de conhecer técnicas para mensurar a produtividade e analisá-la de
modo comparado.

A segunda unidade apresenta as contribuições de dois principais


autores, Schumpeter e Keynes, para a teoria do desenvolvimento, que também
pode ser denominada de desenvolvimentismo. Assim, buscará recuperar os
aspectos teóricos gerais de cada autor, apresentando suas principais obras e
trajetórias. A unidade ainda mostra a evolução da teoria shumpeteriana, sua
base teórica – que serve de sustentação para políticas públicas – e o papel das
tecnologias e da concorrência através das inovações para o desenvolvimento
dos países. Do mesmo modo, a teoria desenvolvimentista keynesiana teceu
contribuições fundamentais para os papeis da moeda, do investimento, dos
juros, da geração de empregos e renda.

Por fim, a terceira unidade versa acerca das teorias contemporâneas


do desenvolvimento, trazendo a dimensão ecológica para serem
incorporadas nas análises. Além disso, busca-se aprofundar nas análises
regionais, examinando a relevância do desenvolvimento para as políticas
econômicas dos Estados. A partir de uma condição espacial, são apresentadas
as desigualdades inerentes de cada região e suas possíveis soluções para o
enfrentamento do problema de modo sustentável.

Esperamos que este material forneça as informações essenciais para


que, no futuro, você possa desempenhar com excelência seu papel como
profissional.

Bons estudos!
Prof. Diego Bohlke Vargas
Prof. Guilherme Nascimento Gomes

III
NOTA

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto


para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há
novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é


o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um
formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova
diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também
contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente,


apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade
de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador.
 
Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para
apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto
em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas
institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa
continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de


Desempenho de Estudantes – ENADE.
 
Bons estudos!

IV
V
LEMBRETE

Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela


um novo conhecimento.

Com o objetivo de enriquecer seu conhecimento, construímos, além do livro


que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá
contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementares,
entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento.

Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada!

VI
Sumário
UNIDADE 1 – DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO:
UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE............................................................................1

TÓPICO 1 – AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: PRINCÍPIOS E CONCEITOS.............3


1 INTRODUÇÃO........................................................................................................................................3
2 ORIGEM E CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO DA TEORIA DO DESENVOLVIMENTO..........3
3 A QUESTÃO DO SUBDESENVOLVIMENTO.................................................................................8
3.1 CENTRALIDADE DA QUESTÃO DA POUPANÇA PARA A TEORIA DO
DESENVOLVIMENTO.......................................................................................................................9
4 O PAPEL DO COMÉRCIO EXTERIOR.............................................................................................10
5 CRESCIMENTO VERSUS DESENVOLVIMENTO.......................................................................11
6 O NASCIMENTO DA DISCIPLINA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E
DIAGNÓSTICO DO ATRASO...........................................................................................................14
6.1 A ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO.................................................................................14
6.2 PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E COM EXCESSO ESTRUTURAL DE MÃO DE OBRA...... 16
7 O CAPITALISMO ATRASADO: ANALISANDO OS FATOS EM PERSPECTIVA
HISTÓRICA............................................................................................................................................18
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................27
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................28

TÓPICO 2 – O PENSAMENTO ECONÔMICO NACIONAL E INTERNACIONAL


EM PERSPECTIVA HISTÓRICA...................................................................................29
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................29
2 DESENVOLVIMENTO E MODELOS HISTÓRICOS: AS ETAPAS PARA O
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DE WALT WHITMAN ROSTOW...............................30
3 O PAPEL DA INDUSTRIALIZAÇÃO PARA UMA AGENDA DE DESENVOLVIMENTO.......35
4 O PENSAMENTO LATINO-AMERICANO SOBRE O DESENVOLVIMENTO......................36
RESUMO DO TÓPICO 2........................................................................................................................39
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................40

TÓPICO 3 – INDICADORES DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO.............................41


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................41
2 MECANISMO DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
PELA ÓTICA DA RENDA E DA MUDANÇA ESTRUTURAL....................................................41
2.1 RENDA PER CAPITA E RENDA PER CAPITA EM PAÍSES PRODUTORES DE PETRÓLEO..... 43
2.2 A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE DAS TRANSFORMAÇÕES ESTRUTURAIS....................44
2.3 APRENDENDO A MENSURAR A PRODUTIVIDADE.............................................................51
3 DESIGUALDADES ENTRE OS PAÍSES E A PRODUÇÃO DE RIQUEZAS............................54
3.1 DESENVOLVIMENTO A PARTIR DA ÓTICA DO ÍNDICE DE DESENVOLVIMENTO
HUMANO (IDH)...............................................................................................................................54
3.2 AS DESIGUALDADES INTERNAS: IDHM DO BRASIL...........................................................57
LEITURA COMPLEMENTAR................................................................................................................59
RESUMO DO TÓPICO 3........................................................................................................................62
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................63

VII
UNIDADE 2 – HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES
NO CAPITALISMO........................................................................................................65

TÓPICO 1 – PADRÕES DE DESENVOLVIMENTO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA............67


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................67
2 DESENVOLVIMENTISMO: AS CONTRIBUIÇÕES DE SCHUMPETER E KEYNES............67
2.1 O DESENVOLVIMENTO PARA SCHUMPETER........................................................................67
2.2 DESTRUIÇÃO CRIADORA............................................................................................................70
2.3 ONDAS DE DESENVOLVIMENTO..............................................................................................72
2.4 DESENVOLVIMENTISMO A PARTIR DAS TEORIAS DE KEYNES.......................................73
2.4.1 A Teoria Geral............................................................................................................................75
2.4.2 A teoria de uma economia monetária..................................................................................75
2.4.3 Juros como prêmio para não entesourar dinheiro..............................................................76
2.4.4 Investimento como determinante do emprego...................................................................76
2.4.5 A irracionalidade psicológica como causa da instabilidade.............................................76
2.5 A DEMANDA EFETIVA..................................................................................................................77
RESUMO DO TÓPICO 1........................................................................................................................78
AUTOATIVIDADE..................................................................................................................................79

TÓPICO 2 – MODERNIZAÇÃO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA...............................................81


1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................................81
2 AS REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO ..........83
2.1 REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS.................................................................................................84
2.2 CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM PERSPECTIVA HISTÓRICA..................................................85
3 CICLOS ECONÔMICOS E MUDANÇA TECNOLÓGICA..........................................................87
3.1 PARADIGMAS TÉCNICO-ECONÔMICOS.................................................................................88
3.2 INDÚSTRIA 4.0: UM NOVO PARADIGMA?..............................................................................91
4 A TEORIA NEOSCHUMPETERIANA: A CONCORRÊNCIA VIA INOVAÇÃO....................94
5 SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO..........................................................................................98
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................100
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................101

TÓPICO 3 – ESTADO, PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS........................................103


1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................103
2 O PAPEL DO ESTADO NA AGENDA DE DESENVOLVIMENTO.........................................105
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................110
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................112
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................113

UNIDADE 3 – NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO.........................................115

TÓPICO 1 – DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL AO DESENVOLVIMENTO


GEOGRÁFICO DESIGUAL..........................................................................................117
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................117
2 PROGRESSO E DESENVOLVIMENTO.........................................................................................118
2.1 A ORIGEM DO PROGRESSO.......................................................................................................118
2.2 A RELEVÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO............................................................................121
2.3 O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL...........................................................125
3 A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO GEOGRÁFICO DESIGUAL......................................127
RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................131
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................132

VIII
TÓPICO 2 – A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL...........................133
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................133
2 ORIGENS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL............................................................134
3 A CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.........................136
4 AS CONFERÊNCIAS SOBRE SUSTENTABILIDADE................................................................143
RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................149
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................150

TÓPICO 3 – ECOSSOCIOECONOMIA.............................................................................................151
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................................151
2 A ECOSSOCIOECONOMIA DAS ORGANIZAÇÕES................................................................151
3 O CONCEITO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA..............................................................................155
4 A PERSPECTIVA DO BEM VIVER .................................................................................................160
LEITURA COMPLEMENTAR..............................................................................................................163
RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................166
AUTOATIVIDADE................................................................................................................................167

REFERÊNCIAS........................................................................................................................................169

IX
X
UNIDADE 1

DESENVOLVIMENTO E
SUBDESENVOLVIMENTO:
UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer as principais teorias sobre o desenvolvimento econômico e suas


premissas construídas no decorrer de acontecimentos ao longo do tempo;

• apresentar, em perspectiva histórica, o pensamento econômico e suas


relações com o desenvolvimento econômico, principalmente o papel dos
autores latino-americanos na contribuição para a teoria econômica;

• avaliar a importância do papel da industrialização para o desenvolvimento


dos países e os impactos de produtividade industrial;

• discutir acerca dos indicadores de desenvolvimento socioeconômico e sua


importância na tomada de decisão das economias.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: PRINCÍPIOS E


CONCEITOS
TÓPICO 2 – O PENSAMENTO ECONÔMICO NACIONAL E
INTERNACIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA
TÓPICO 3 – INDICADORES DE AVALIAÇÃO DO
DESENVOLVIMENTO

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

1
2
UNIDADE 1
TÓPICO 1

AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO:
PRINCÍPIOS E CONCEITOS

1 INTRODUÇÃO
A teoria do desenvolvimento tem sua origem após a Segunda Guerra
Mundial, sendo base de um poderoso avanço na teoria econômica. De fato, seu
surgimento é fruto das condições sociais e ideológicas, assim como é caracterizada
pela forma geral que assume ao longo do tempo.

O período do pós-guerra é caracterizado por intensas pressões sociais


e políticas, tanto nacionais quanto internacionais, em prol do desenvolvimento
de países que se situavam em estágios mais atrasados que aqueles países de
industrialização originária. Como bem lembram Bastos e Britto (2010), a crise
do entre guerras e a própria organização da vida econômica nos diversos países
enfraqueceram o dogma liberal do século XIX.

Nesse sentido, a teoria econômica mainstream passou a direcionar maior


atenção à problemática do desenvolvimento no pós-guerra, cujo tema passou a
ser enxergado como uma disciplina ou campo da economia. Os pensadores da
época procuravam responder, principalmente, às questões associadas à economia,
a políticas e aos questionamentos acerca da transformação da sociedade como
resultado do subdesenvolvimento.

2 ORIGEM E CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO DA TEORIA DO


DESENVOLVIMENTO
A origem da teoria do desenvolvimento é fundamentada por autores do
século XX e tem como base o resgate e a retomada dos pilares consolidados da
economia clássica do século XIX, como a relação entre o excedente econômico,
acumulação de capital e crescimento.

Por sua vez, a disciplina de desenvolvimento econômico surge com


maior intensidade no contexto da Guerra Fria. O mundo estava polarizado
entre os adeptos do socialismo e aqueles que o queriam combater. O padrão de

3
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

intervenção estatal observado nas repúblicas socialistas soviéticas desencadeou,


em curto espaço de tempo, um processo de industrialização, com limitado uso
de recursos estrangeiros, fazendo com que esses países alçassem um padrão de
pleno emprego enquanto o resto do mundo experimentava o crash e a grande
crise de 1930 (BASTOS; BRITTO, 2010). Dessa maneira, pode-se dizer que alguns
condicionantes sociais, econômicos e políticos estabelecem conexões diretas com
a emergência da teoria do desenvolvimento.

Vale ressaltar que os ganhos obtidos pelas políticas de planejamento da ex-


União Soviética fizeram com que os Estados Unidos modificassem radicalmente
as políticas para seus aliados, a fim de fomentar o desenvolvimento econômico,
além de acalmar o eleitorado de uma possível invasão ideológica soviética
(BASTOS; BRITTO, 2010).

Nesse sentido, era necessário que houvesse a consolidação de uma forma


econômica para a governança mundial no contexto do pós-guerra. Os Estados
Unidos se posicionaram na dianteira das discussões para atrair países aliados ao
afirmarem o capitalismo como a forma econômica hegemônica global.

Alguns elementos históricos foram condicionantes centrais para o


surgimento dessa nova disciplina da teoria econômica. Vale ressaltar que o
próprio fim da era liberal, ou o fim do laissez-faire econômico, logo após a Primeira
Guerra Mundial, foi marcante para estimular os ideais necessários para a criação
um campo de conhecimento da economia, privilegiando a maior participação
do Estado. Assim, já na década de 1930, em meio à crise e heranças da Grande
Depressão de 1929, o padrão liberal de comércio é rompido, dando lugar a uma
estrutura autárquica, frisada pela origem de blocos de países, cujo alvoroçar dos
ideais de Estado mínimo é comutado por um Estado ativo e interventor (BASTOS;
BRITTO, 2010).

Podemos dizer que o mundo assistiu e experimentou várias formas


intervencionistas de Estado, como o surgimento do nacional-socialismo na
Alemanha e a social-democracia na Escandinávia. Nos Estados Unidos, o
presidente Roosevelt instaurava o aparato estatal intervencionista por meio dos
programas e das políticas do New Deal, com o intuito de recuperar a economia
estadunidense da crise. No Brasil, a ditadura varguista também realizou
reformas de recuperação de cunho social e populista, além de realizar planos
importantes de infraestrutura. Segundo Bastos e Britto (2010, p. 10), no caso dos
países caracterizados por sua pauta de comércio primário-exportadora, como
no caso brasileiro,

[...] a paralisia dos sistemas comerciais e financeiros internacionais e,


consequentemente, a ruptura forçada da inserção econômica anterior
incentivam novos grupos sociais e políticos ligados à produção
industrial para o mercado interno, que terão grande relevância na
aplicação e difusão das ideias desenvolvimentistas.

4
TÓPICO 1 | AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: PRINCÍPIOS E CONCEITOS

Em síntese, todos esses condicionantes observados até a década de


1930, como o fim do liberalismo e intervenções estatais (tanto capitalista quanto
socialistas) em períodos de crise, foram fundamentais para as transformações
que, de fato, ocorreram na década de 1950.

DICAS

A política econômica intervencionista da década de 1930 foi consolidada a


partir de experiências vivenciadas no período, que culminaram na chamada Revolução
Keynesiana, que teve como ápice a publicação da Teoria Geral, em 1936. Deve-se
reconhecer a centralidade da obra de John Maynard Keynes para o desenvolvimento e suas
implicações normativas de políticas econômicas, mas sua influência não foi fundamental
para a teoria do desenvolvimento. Essa teoria do desenvolvimento tem sua origem, como
já foi visto, a partir da segunda metade do século XX.

Um fato elementar geopolítico que proporcionou um clima propício


ao surgimento de teorias e políticas sobre o desenvolvimento econômico foi o
movimento de descolonização e origem de novas nações nos continentes asiático
e africano. Diante desses fatos, era necessário criar políticas singulares para
esses países, decorrentes de uma postura pró-desenvolvimento que se delineava
desde 1941, com a primeira Declaração Aliada, cujo conteúdo versava que a
prosperidade econômica e social era o único caminho que levaria a paz entre as
nações (BASTOS; BRITTO, 2010).

NOTA

Sobre a Declaração Aliada

A linguagem dessa declaração mostra que deveria se afirmar uma estratégia que
seria reforçada pelo surgimento da Guerra Fria, na qual, como vimos, os Estados Unidos, para
concorrer ideológica e politicamente com a União Soviética, veem-se quase compelidos a
estimular a elevação do padrão de vida dos países a fim de afastá-los da “tentação” socialista
(BASTOS; BRITTO, 2010).

Caro acadêmico, você não deve se esquecer que todas as condicionantes


até agora versam, de um lado, sobre a recuperação dos países a partir de uma
intervenção do Estado. Mais do que isso, é um plano ou projeto econômico de
Estado capaz de estabilizar as crises impostas pelo capitalismo. Por outro lado,
enxerga-se uma das formas de expansão dos pilares capitalistas de consumo para
a periferia global. O medo socialista assolava as poderosas nações globais.

5
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

A partir da década de 1950, os pensadores passaram a se debruçar sobre


o debate do desenvolvimento econômico. Destacam-se os autores Raúl Prebisch
e Celso Furtado no cenário global, sendo representantes importantes da América
Latina. Os chamados textos seminais foram a gênese da teoria do desenvolvimento
como um campo específico da ciência econômica. Eles foram escritos entre os
anos de 1952 e 1956, com exceção do texto pioneiro de Rosenstein-Rodan (1943),
que versou sobre as economias constituídas com excedente estrutural de mão
de obra. Entretanto, a agenda de pesquisa que circundava os autores da época
era, sem sombra de dúvidas, o processo de convergência de renda. De acordo
com Bastos e Britto (2010), ao se observar o crescimento da economia de uma
perspectiva de longo prazo, o padrão do crescimento da renda per capita se altera
a partir da expansão do capitalismo industrial no século XIX.

Considerando primeiro o tema da convergência ou divergência entre


as rendas dos países, [...] os resultados [...] ilustram o processo da
“grande divergência” que começou com o moderno desenvolvimento
industrial e crescimento no Ocidente. Durante o primeiro século de
globalização, isto é, entre 1820 e 1913, o conceito de desigualdade
dobrou, quando medido pelo índice de Gini, e mais do que triplicou,
quando medido pelo de Theil (MILANOVIC, 2005, p. 140 apud
BASTOS; BRITTO, 2010, p. 12-13).

Em síntese, a promessa ricardiana de que a especialização, com a produção


industrial limitada aos países com vantagens comparativas nessa atividade, e o
livre comércio seriam benéficos para todos apresentou-se mais vantajosa para
alguns que para outros. Assim, a partir dessa constatação, foi possível auxiliar o
enfraquecimento da ideologia liberal dominante no século XIX.

O economista latino Prebisch (1949) propõe um argumento acerca


das condições históricas da ordem econômica internacional do pós-guerra,
reforçando a ideia de que o livre comércio internacional dificilmente poderia
exercer uma força propulsora na economia internacional (BASTOS; BRITTO,
2010). Esse pensamento vai na contramão dos pressupostos liberais perpetuados
até os dias atuais.

Cabe ressaltar que Lewis considerava explicitamente que a abordagem


neoclássica era inadequada para tratar da teoria do desenvolvimento. Para o autor,
a teoria clássica, com foco primordial no excedente econômico e na distribuição
desse excedente, relacionava diretamente a distribuição com o processo de
acumulação de capital.

Como a teoria neoclássica do valor e da distribuição baseia-se na


escassez, ela pressupõe a existência de escassez do fator mão de obra;
em outras palavras, assumida a hipótese de retornos constantes de
escala, o mecanismo de substituição gera retornos decrescentes. Esse
mecanismo, que determina a trajetória de steady state do modelo
neoclássico de crescimento, só existe caso a adição de uma nova
unidade de capital encontre a mão de obra plenamente empregada.
Caso isso não ocorra e exista uma oferta de mão de obra infinitamente

6
TÓPICO 1 | AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: PRINCÍPIOS E CONCEITOS

elástica, a cada adição de uma unidade de capital, considerando


retornos constantes de escala, será possível adicionar mais uma
unidade de trabalho, com um crescimento do produto na mesma
proporção. Assim, quanto mais se acumula capital, mais o produto
cresce, já que há uma fonte ilimitada de trabalho para se combinar com
tais adições de capital sem que se verifiquem retornos decrescentes
desse fator (BASTOS; BRITTO, 2010, p. 14).

DICAS

Para refletir

FONTE: <http://www.viagema.com.br/poster-mapa-mundi-vintage-com-pins-adesivos-
para-marcar-suas-viagens>. Acesso em: 23 abr. 2020.

De fato, as teorias dominantes de países centrais são válidas para países periféricos?
Os problemas econômicos, políticos e sociais seguem o mesmo padrão em países com
diferentes tipos de renda per capita? Pare e reflita sobre esses assuntos, procurando exemplos
e trabalhos empíricos que tentam validar essas questões.

Para Rostow (2010), por conseguinte, as teorias do desenvolvimento


devem vir separadas das teorias econômicas ditas ortodoxas (tanto a marginalista
quanto o consenso macroeconômico keynesiano do pós-guerra), uma vez que as
teorias ortodoxas servem para economias maduras e falham quando se trata de
economias em desenvolvimento. Celso Furtado, nesse período, dedicou seus
estudos para a análise da ruptura da teoria do desenvolvimento com a ortodoxia
marginalista como uma consequência quase natural da maior importância das
análises sobre o ciclo (BASTOS; BRITTO, 2010).

7
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

3 A QUESTÃO DO SUBDESENVOLVIMENTO
O que se pode destacar é que a teoria do desenvolvimento nasceu a
partir do seu afastamento da análise econômica tradicional, principalmente da
análise marginalista no que tange aos aspectos de externalidades, produtividade
marginal e investimento. Sobretudo, o fato que justifica a persistência de uma
teoria do desenvolvimento é o próprio subdesenvolvimento, que condiciona o
atraso socioeconômico dos países.

CONCEITO DE SUBDESENVOLVIMENTO

O subdesenvolvimento é uma situação socioeconômica que, de fato,


justifica a criação de uma teoria do desenvolvimento. De acordo com Bastos e
Britto (2010, p. 15), alguns estudos usam de forma intercambiável a expressão
“país atrasado” [backward country] e “país subdesenvolvido”. Myint distingue
subdesenvolvimento dos recursos e atraso das populações, em que haveria um
desajuste ou descontentamento de uma população com relação a sua realidade
material, quando comparada a um padrão de consumo externo.

Jacob Viner, por exemplo, opta por uma definição que privilegia o nível
de renda per capita no país diante da sua dotação de fatores, além do acesso
de uma maior parcela da população a um melhor padrão de consumo, que
segundo o autor: “Uma definição mais própria de país subdesenvolvido é a
que diz tratar-se de um país que tem boas perspectivas potenciais para usar
mais capital e mais mão de obra, ou mais recursos naturais disponíveis, ou
as três coisas ao mesmo tempo, a fim de manter sua população atual em um
nível de vida mais elevado ou, no caso de seu nível de renda per capita já
ser elevado, manter uma população maior em um nível de vida não inferior”
(VINER, 2010, p. 48).

Com base nessa definição, o autor ainda afirma: “Um país pode ser
subdesenvolvido, quer seja densa ou escassamente povoado; quer seja rico ou
pobre em capital; quer seja um país de elevada ou baixa renda per capita; quer
seja industrializado ou agrícola” (VINER, 2010, p. 48).

FONTE: Adaptado de Bastos e Britto (2010) e Viner (2010).

São centrais para a discussão do desenvolvimento e que foram


negligenciados por Viner na construção da teoria: a acumulação de capital e a
industrialização, que levariam aos ganhos de produtividade e crescimento da
renda per capita em tamanha velocidade que permitiriam a aproximação relativa
(catch up) em face dos países mais desenvolvidos. Para os autores, “a ideia do catch
up, deve seguir um elemento central da reflexão da teoria do desenvolvimento”
(BASTOS; BRITTO, 2010, p. 17).

8
TÓPICO 1 | AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: PRINCÍPIOS E CONCEITOS

Na mesma direção, Simon Kuznets (2010) relaciona o conceito de


subdesenvolvimento ao fracasso do país não proporcionar um nível de vida
aceitável a uma parcela considerável da população de um determinado país,
que pode resultar em miséria e privações materiais. O autor claramente faz uma
comparação entre os padrões de vida em países de industrialização originária
(ou desenvolvidos) e países em desenvolvimento (ou subdesenvolvidos). Para
o autor:

O sucesso econômico confere poder que pode ser usado para a


agressão, manifesta ou encoberta. Por isso, os países que se distanciam
de outros no sucesso econômico podem tornar-se incapazes de se
defender contra a agressão, real ou temida, dos países mais avançados
(KUZNETS, 2010, p. 164).

Nessa definição, Kuznets quer assumir que existem elementos centrais,


como acumulação de capital, renda per capita e industrialização. Ainda, o que se
observa é que a questão central ligada à heterogeneidade estrutural de produção
exerce um ponto importante para a construção da teoria. A questão estrutural
será tratada mais adiante.

A seguir, trataremos outros conceitos e elementos analíticos considerados


centrais para a teoria do desenvolvimento, como a importância da poupança e o
papel do comércio exterior.

3.1 CENTRALIDADE DA QUESTÃO DA POUPANÇA PARA A


TEORIA DO DESENVOLVIMENTO
A centralidade do papel da poupança para o desenvolvimento econômico
retoma ao pensamento clássico, no qual a velocidade da acumulação tende a
se relacionar diretamente com a capacidade de poupar do indivíduo ou com a
parcela do excedente que não é consumida. Na visão dos clássicos, principalmente
de Ricardo, o excedente se refere “à parcela do produto depois de descontada
aquela destinada ao salário de subsistência e à renda dos proprietários de terra”
(BASTOS; BRITTO, 2010, p. 18).

Na leitura dos autores, os estudos sobre a teoria do desenvolvimento se


referem a um conjunto de questões que versam sobre a carência de poupança das
economias subdesenvolvidas. Dado um determinado nível de poupança de um
país, em que essa poderia levar as economias atrasadas a romper a fronteira do
subdesenvolvimento:

[há] casos de países tão pobres, ou com rendas per capita tão baixas,
que, independentemente da fração da renda poupada, ainda assim o
montante absoluto de recursos dedicados à compra de bens de capital
seria insuficiente diante do valor unitário mínimo destes (BASTOS;
BRITTO, 2010, p. 18).

9
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

O importante sobre a questão da poupança para a teoria do


desenvolvimento e que está presente em muitos estudos sobre o tema é que todos
concordam que deve haver uma elevação da poupança como proporção da renda,
que seria condição necessária para o desenvolvimento. Um excerto retirado do
texto de Lewis (2010), que é compartilhado por Rostow (modelo demonstrado
mais a frente), é capaz de definir bem o papel da poupança como central para a
teoria do desenvolvimento econômico:

O problema central da teoria do desenvolvimento econômico


é a compreensão do processo pelo qual uma comunidade que
anteriormente poupava ou investia 4% ou 5% de sua renda
nacional, ou ainda menos, transforma-se em uma economia em que
a poupança voluntária se situa por volta de 12% ou 15% da renda
nacional, ou mais. Este é o problema central, pois a questão principal
do desenvolvimento econômico é a rápida acumulação de capital
(incluindo aí os conhecimentos e habilidades junto ao capital). Não se
pode explicar nenhuma revolução “industrial” (como o pretendiam
alguns historiadores econômicos) enquanto não se puder explicar por
que a poupança aumentou em relação à renda nacional (LEWIS, 2010,
p. 428-429).

Em síntese, o que se observa é a inter-relação entre o nível de poupança
do país e o consumo e, por conseguinte, consumo e crescimento. Nessa relação,
o consumo é um dos meios para se levar ao crescimento, entretanto, poupança
requer menos consumo. Assim, o desenvolvimento pode ser então prejudicado
pelo trade off existente entre consumo e poupança.

4 O PAPEL DO COMÉRCIO EXTERIOR


Segundo Bastos e Britto (2010), os intelectuais da década de 1950, que
debateram sobre a teoria do desenvolvimento, tinham como alicerce político
e prática desenvolvimentista o protecionismo com relação às importações.
Para os autores da época, o processo de industrialização acelerada somente
ocorreria mediante o processo de substituição de importações, ou seja, restringir
as importações a qualquer custo, objetivo que poderia ser atingido mediante
medidas protetivas, como barreiras quantitativas e tarifárias. Esse ponto é central
nas contribuições cepalinas de Raúl Prebisch (1949).

De modo geral, para os autores cepalinos, a análise do comércio exterior


para o desenvolvimento deve ser levada em consideração nas diferenças entre as
elasticidades-renda dos países que mantêm acordos comerciais. Nessa mesma
senda, o modelo de economia aberta, que está no texto de Lewis (2010) (veremos
mais adiante um resumo sobre o texto seminal do autor), demonstra a tendência
de deterioração dos termos de troca dos produtos desenvolvidos nos trópicos.

10
TÓPICO 1 | AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: PRINCÍPIOS E CONCEITOS

Sua explicação enfatiza o nível de produtividade do setor de


subsistência de cada economia, ou de produção de alimentos, e não
o de produtividade dos setores exportadores. Assim, qualquer ganho
real de termos de troca só se realizaria caso houvesse um ganho de
produtividade no setor de produção de alimentos, o que elevaria o
salário dos trabalhadores (BASTOS; BRITTO, 2010, p. 25).

NOTA

Para começar o assunto...


Você já compreendeu que a chamada disciplina de desenvolvimento econômico
tem sua origem na década de 1950, influenciada principalmente pelos economistas
desejosos de recuperar as finanças do pós-guerra, além de auxiliar os países atrasados (ou
subdesenvolvidos). O debate acerca desses assuntos é extenso. Além dos conceitos trazidos
nessa introdução, nesta unidade, trataremos de alguns modelos e conceitos básicos para a
compreensão do tema de forma ampla.

5 CRESCIMENTO VERSUS DESENVOLVIMENTO


Segundo o professor Luiz Carlos Bresser-Pereira (2006; 2008), o
desenvolvimento econômico de um país pode ser compreendido como um processo
de acumulação de capital concomitantemente com a incorporação de progresso
técnico ao trabalho e ao capital. Esses fatores levariam, portanto, a um crescimento
da produtividade, dos salários e do padrão de vida médio da população.

O autor mostra que a origem do desenvolvimento econômico está atrelada


ao surgimento dos Estados-nação, tal qual como se conhece atualmente. Isto é,
um fenômeno que emerge em um processo histórico e por meio dos esforços
na construção de um território e de um Estado. Os impérios egípcio, romano
e chinês, por exemplo, não conceberam o que se chama de desenvolvimento
econômico, apesar de apresentarem prosperidade por muitos séculos (BRESSER-
PEREIRA, 2006; 2008).

O conceito de desenvolvimento, para o professor Bresser-Pereira, só


faz sentido a partir da constituição do capitalismo e da formação dos Estados-
nacionais. Nesse sentido, o conceito de desenvolvimento deve ser pensado
concomitantemente com os conceitos de acumulação de capital, lucro, trabalho
assalariado, consumo, inovação (ou incorporação de progresso técnico) e
produtividade do trabalho.

Crescimento econômico e desenvolvimento econômico não devem ser


expressões tratadas como sinônimas. O desenvolvimento econômico pressupõe
que exista

11
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

[...] uma sociedade capitalista organizada na forma de um Estado-nação


onde há empresários e trabalhadores, lucros e salários, acumulação
de capital e progresso técnico, um mercado coordenando o sistema
econômico e um estado regulando esse mercando e complementando
sua ação coordenadora (BRESSER-PEREIRA, 2008, p. 1).

Bresser-Pereira (2006; 2008) lembra que, desde a revolução capitalista,


um dos primordiais objetivos políticos dos países é atingir níveis consideráveis
de desenvolvimento econômico, de maneira que o governo de um Estado só
estará realmente sendo bem-sucedido se estiver alcançando taxas razoáveis
de crescimento. O objetivo político fundamental é garantir o bem-estar das
sociedades modernas.

NOTA

FONTE: <https://editalconcursosbrasil.com.br/blog/economia_o-que-e-capitalismo-
industrial/>. Acesso em: 23 abr. 2020.

A revolução capitalista é a transformação tectônica pela qual passou a história, na


medida em que as ações deixavam de ser coordenadas principalmente pela tradição e a
religião para serem coordenadas pelo Estado e o mercado. Assim, o Estado moderno passava a
definir as instituições formais, as leis e as políticas públicas e a regular a instituição socialmente
construída de competição, que é o mercado. O desenvolvimento econômico se constitui em
realidade histórica no bojo da revolução capitalista que dará origem às ideias modernas de
nação, Estado e Estado-nação (BRESSER-PEREIRA, 2006, p. 7).

O autor ainda revela que o sucesso de crescimento de uma economia é um


indicativo de existência de um plano estratégico nacional de desenvolvimento.
Por outro lado, “quando uma economia começa a crescer muito lentamente,
senão a estagnar, é sinal de que sua solidariedade interna está em crise, que a
nação perdeu coesão e se esgarçou, e, portanto, que já não conta com os elementos
necessários para que se mantenha competitiva” (BRESSER-PEREIRA, 2006, p. 4).

12
TÓPICO 1 | AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: PRINCÍPIOS E CONCEITOS

Às nações desejosas de alcançarem níveis de desenvolvimento


consideráveis, é preciso, de fato, que ocorram transformações estruturais,
econômicas e institucionais. Schumpeter (1911) foi pioneiro ao afirmar que o
desenvolvimento econômico implica mudanças estruturais do sistema econômico
em vez de ser considerado o simples crescimento da renda per capita (BRESSER-
PEREIRA, 2008).

Um país pode observar crescimento dos níveis de renda e não gerar


desenvolvimento econômico. É necessário que haja transformações nas dimensões
econômicas, social, política e ambiental. Segundo Bresser-Pereira (2008, p. 5), “O
desenvolvimento econômico sempre se caracterizou por um aumento da renda
per capita e por melhoria dos padrões de vida”.

Nessa perspectiva, podemos destacar o trabalho de Ignacy Sachs (2004,


p. 38), que qualifica o desenvolvimento como includente e o crescimento como
excludente ou concentrador: “a maneira de definir desenvolvimento includente
é por oposição ao padrão de crescimento perverso, conhecido na bibliografia
latino-americana como ‘excludente’ do mercado de consumo e ‘concentrador’ (de
renda e de riqueza)”.

Destarte, a medida mais usual para mensurar o desenvolvimento


econômico é o aumento da renda por habitante (ou renda per capita). É por meio
dela que se mede a produtividade geral de uma nação. Segundo Bresser-Pereira
(2008), uma boa estratégia para alcançar boas análises em perspectiva comparada
de produtividade de países é a transformação da renda em termos de paridade
do poder de compra (em inglês - purchasing power parity - PPP) por habitante,
uma vez que o nível de renda ou do produto do país corrigido por essa taxa,
que normalmente tem o dólar americano como unidade de referência, possui
melhores condições de avaliar a capacidade média de consumo da população
do que a renda nominal. Todos esses temas serão tratados com maiores detalhes
adiante, no Tópico 3 desta unidade.

NOTA

Desenvolvimento econômico na centralidade da agenda política global

As nações definiram historicamente a autonomia nacional e o desenvolvimento


econômico como seus objetivos políticos centrais. Hoje, a importância do desenvolvimento
econômico entre os objetivos políticos das sociedades modernas fica clara pela simples
leitura dos jornais. No noticiário interno sobre cada país, vemos que uma grande parte dos
esforços de seus governantes está voltada para promover o desenvolvimento econômico
do país. Na competição eleitoral em que os políticos estão permanentemente envolvidos,
o critério principal de êxito ou fracasso adotado por eles e por seus eleitores é o de sua
capacidade de promover o desenvolvimento econômico ou a melhoria dos padrões de

13
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

vida. No noticiário, o que vemos sobre as relações econômicas, principalmente com relação
à Organização Mundial do Comércio (OMC), mas também em muitos outros fóruns, é um
grande processo de competição entre as nações, em que cada governo defende os interesses
de suas empresas que são também os interesses de seus países. Nas análises geopolíticas,
o que os analistas políticos e econômicos de todos os tipos fazem, com frequência, é a
observação de que este ou aquele país está ganhando sua competição, geralmente com
o vizinho, porque sua economia está crescendo mais rapidamente. Identificar o processo
histórico do desenvolvimento econômico com crescimento econômico ou com aumento
do valor adicionado per capita não implica apenas em dar um sentido econômico claro ao
conceito, mas, adicionalmente identificá-lo com a realização de um dos objetivos políticos
fundamentais das sociedades modernas. Não significa desconsiderar o valor dos demais, mas
sugere que sejam distinguidos com clareza os diversos objetivos políticos das sociedades
democráticas.

FONTE: Adaptado de Bresser-Pereira (2008, p. 8).

Assim, podemos identificar três campos teóricos distintos que separam


e organizam os diferentes modelos de crescimento econômico de longo prazo:
os modelos neoclássicos tradicionais; os novos modelos de crescimento, com
sua versão neoschumpeteriana; e os modelos de influência estruturalista latino-
americana e pós-keynesiana (PALMA, 2005 apud PAMPLONA; CACCIAMALLI,
2018, p. 132).

6 O NASCIMENTO DA DISCIPLINA DO DESENVOLVIMENTO


ECONÔMICO E DIAGNÓSTICO DO ATRASO
Agora que você já estudou sobre a origem da teoria do desenvolvimento,
conheceremos alguns autores e suas principais ideias acerca da teoria do
desenvolvimento. Nesse sentido, busca-se destacar a contribuições de Hirshman,
Lewis e Nurke para o debate do desenvolvimento econômico dos países. Vale
lembrar que não se pretende esgotar o debate sobre o tema, mas indicar um
caminho a ser traçado pelo estudante de Ciências Econômicas. Para isso, será
indicada uma bibliografia complementar.

6.1 A ECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO


O economista alemão Albert Hirshman foi o maior defensor e crítico
da “economia do desenvolvimento”, desde sua emergência na década de 1940
(NIEDERLE; CARDONA; FREITAS, 2016).

Como vimos anteriormente, a economia do desenvolvimento tem como


pilar a ruptura com a teoria ortodoxa neoclássica, e Hirshman não fica de fora
desse contexto. O autor propõe o “princípio da mão-oculta”, que é uma clara
oposição à clássica noção de “mão invisível” cunhada por Adam Smith para
caracterizar o mercado (NIEDERLE; CARDONA; FREITAS, 2016).

14
TÓPICO 1 | AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: PRINCÍPIOS E CONCEITOS

De acordo com Hirschman, a mão-oculta atua principalmente através


do descobrimento, da ignorância, das incertezas e das dificuldades,
agindo por meio das técnicas da pseudoimitação e do programa global.
A pseudoimitação é aquela que apresenta os projetos como menos
difíceis do que são, enquanto o programa global dá aos planejadores a
ilusão de serem mais perspicazes em relação às dificuldades do projeto
do que realmente são. Com efeito, Hirschman acreditava que essa
mão-oculta, embora necessária, teria cada vez menos influência, na
medida em que se aprimorasse a arte de promover o desenvolvimento.
Este passa a ser o resultado dos projetos dos atores sociais, o fruto da
ação visível dos indivíduos e organizações, incluindo o Estado como
mecanismo regulamentador e promotor (NIEDERLE; CARDONA;
FREITAS, 2016, p. 42).

Para Hirshman, o crescimento é quase inexoravelmente criador de


desigualdades. Esse fato advém de escolhas que beneficiam alguns em detrimento
de outros. Na leitura de Niederle, Cardona e Freitas (2016, p. 43), esses fatos
desqualificam a falácia conservadora de que ironicamente “é preciso fazer o bolo
crescer para depois dividi-lo”. Por outro lado, também não é possível imaginar
que uma sociedade deva antes acabar com a iniquidade social para só então se
desenvolver, ideia associada, de acordo com Hirschman (1961, p. 19), ao “ponto
de vista derrotista de que o desenvolvimento deve ser equilibrado de início, ou
então não se dará”. Na percepção de Hirshman (1961), enfrentar a iniquidade
é mais fácil com crescimento, mas esse processo exige soluções contraditórias,
além de opções que favoreçam aqueles que não são naturalmente beneficiados
pelo crescimento. É nessa perspectiva que o economista sugere uma estratégia de
crescimento desequilibrado.

DICAS

Vale ressaltar que há um debate acerca da condenação do processo de


especialização produtiva dos países, o que alguns autores denominam de “maldição”
(PREBISCH, 1949; SINGER, 1950; HIRSCHMAN, 1958; FRANK, 1966; KALDOR, 1978). Esses
autores de cunho ideológico estruturalista condenavam, principalmente, a especialização
na dotação de fatores em que o país era abundante. É o caso do Brasil e de outros países
da América Latina, os quais são ricos em recursos naturais e sofrem da chamada maldição
dos recursos naturais. Segundo Pamplona e Cacciamali (2018, p. 130): “A literatura sobre
desenvolvimento nos anos 1950 a 1970 interpretava a abundância de recursos naturais, e a
especialização dela decorrente, como um obstáculo à superação do subdesenvolvimento”.

A tese da “maldição dos recursos naturais” sustenta que a abundância de recursos
naturais leva a um pobre desempenho econômico e à estagnação, ao alto nível de corrupção
e à governança precária, como também, para alguns autores, à violência política (DI JOHN,
2011 apud PAMPLONA; CACCIAMALI, 2018, p. 130).

Pamplona e Cacciamali (2018) sistematizam o debate acerca da maldição dos
recursos naturais como um impedimento para o desenvolvimento dos países por meio de
três abordagens:

15
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

• os estruturalistas/keynesianos: defensores da centralidade da indústria de transformação


e da ideia de maldição dos recursos naturais;

• os neoinstitucionalistas: adeptos da concepção de que as instituições são decisivas na


inibição da maldição, particularmente aquelas que garantem o bom funcionamento do
mercado;

• os neoschumpeterianos: para os quais o que importa não é o que se produz, mas como
se produz, se há dinamismo tecnológico ou não, se há inovação ou não.

6.2 PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO E COM EXCESSO


ESTRUTURAL DE MÃO DE OBRA
A estrutura de um país pode ser caracterizada por indicadores, como
a participação do valor adicionado das atividades econômicas (agricultura,
manufatura e serviços), que tem por finalidade mensurar a composição e localizar
a concentração da atividade na economia, e indicadores associados à mão de obra,
como mão de obra industrial ou agrícola, e se esta mão de obra é qualificada ou
não, por exemplo. A seguir, o quadro sintetiza as informações primordiais trazidas
pelo artigo de Lewis O Desenvolvimento Econômico com Oferta Ilimitada de Mão de
Obra, no qual o autor disserta sobre a sua visão modelo de desenvolvimento.

QUADRO 1 – SÍNTESE DO MODELO DE DESENVOLVIMENTO DE LEWIS

Em várias economias, dispõe-se de uma oferta ilimitada de mão de obra no nível de


subsistência. Esse era o modelo clássico. O modelo neoclássico, incluindo o keynesiano,
fornece resultados errôneos quando aplicados a tais economias.

As principais fontes de onde procedem os trabalhadores na medida em que avança o


desenvolvimento econômico são a agricultura de subsistência, os trabalhos eventuais,
o pequeno comércio, o serviço doméstico, as mulheres e filhas que trabalham em casa e
o aumento da população. Na maioria desses setores, embora não todos, quando o país
está superpovoado em relação aos seus recursos naturais, a produtividade marginal do
trabalho é ínfima, nula ou mesmo negativa.

O salário de subsistência ao qual está sujeito esse excedente de mão de obra pode
ser determinado por uma visão convencional acerca do mínimo necessário para a
subsistência ou pode ser igual ao produto médio per capita na agricultura de subsistência
mais uma margem.

Numa economia como essa, o emprego no setor capitalista se expande à medida em


que a formação de capital ocorre.

A formação de capital e progresso técnico não resultam em salário crescentes, mas na


elevação da participação dos lucros na renda nacional.

16
TÓPICO 1 | AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: PRINCÍPIOS E CONCEITOS

Numa economia subdesenvolvida, o motivo pelo qual a poupança é baixa em relação à


renda nacional não é a pobreza da população, mas o fato de os lucros capitalistas serem
baixos em relação à renda nacional. À medida que o setor capitalista se expande, os lucros
aumentam relativamente e uma proporção crescente da renda nacional é reinvestida.
O capital não é formado somente pelos lucros, mas também pela expansão do crédito.
O custo real do capital gerado pela inflação é nulo nesse modelo e esse capital é tão útil
quanto o gerado de modo mais respeitável, ou seja, por meio dos lucros.
A inflação com o objetivo de obter os recursos necessários a uma guerra pode ser
cumulativa, mas a inflação que tem por finalidade criar capital produtivo é autodestrutiva.
Os preços aumentam à medida que se cria o capital e diminuem à medida que o produto
chega ao mercado.

Dessa maneira, o setor capitalista não tem como se expandir indefinidamente, uma
vez que a acumulação de capital pode ocorrer mais depressa do que o aumento da
população. Quando o excedente é esgotado, os salários começam a subir acima do nível
de subsistência.

No entanto, o país continua cercado por outros países que possuem excedente de
trabalho. Consequentemente, assim que seus salários começarem a aumentar, terá início
uma imigração em massa e a exportação de capital para conter o aumento.
A imigração em massa de mão de obra qualificada poderia até aumentar o produto per
capita, mas seu efeito seria manter os salários de todos os países próximos ao nível de
subsistência dos países mais pobres.
A exportação de capital reduz a formação de capital nacional mantendo, assim, os salários
baixos. Isso pode ser compensado quando a exportação de capital torna mais baratos
os artigos que os trabalhadores importam ou quando eleva os custos dos salários dos
países competidores, mas é agravado quando a exportação de capital eleva o custo das
importações ou reduz os custos de países competidores.
A importação de capital estrangeiro não eleva os salários reais dos países com excedente
de trabalho, a não ser que o capital proporcione um aumento de produtividade das
mercadorias produzidas para o consumo próprio.

A principal razão pela qual os produtos tropicais comerciais são tão baratos, em termos
do padrão de vida que proporcionam, está na ineficiência da produção tropical de
alimentos per capita. Praticamente todos os lucros da maior eficiência das indústrias
de exportação vão para as mãos do consumidor estrangeiro, ao passo que a elevação da
eficiência na produção de alimentos do setor de subsistência encareceria automaticamente
os produtos comerciais de exportação.

A Lei dos Custos Comparativos é válida tanto para os países com excedente de trabalho
quanto para os demais. No entanto, enquanto nos últimos ela é uma fundamentação
válida para os argumentos a favor do livre comércio, nos primeiros representa uma
fundamentação igualmente válida para os argumentos protecionistas.

Fonte: Lewis (2010, p. 461-462).

17
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

UNI

Vamos praticar!

A partir das informações contidas no quadro, faça uma reflexão, como um


exercício de fixação e aprendizado, buscando dados e informações sobre os indicadores
mencionados para um determinado país (no caso do Brasil, o site do IBGE é uma boa fonte
de informação) a fim de corroborar o modelo proposto por Lewis, como: expansão do
crédito, taxa de poupança, taxa de emprego industrial. Nesse exercício inicial, trabalhar com
dados auxiliará na atividade proposta neste tópico e em atividades futuras.

7 O CAPITALISMO ATRASADO: ANALISANDO OS FATOS EM


PERSPECTIVA HISTÓRICA
Para iniciarmos o assunto sobre o que é capitalismo atrasado, precisamos
entender sobre “atrasado com relação a quem?”. Nesse sentido, a seguir contém
trechos retirados do livro Processo de Industrialização: do capitalismo originário ao
atrasado, de Carlos Alonso Barbosa Oliveira (2003).

A generalização da produção organizada como grande indústria na


Inglaterra marca, pela primeira vez na história, a plena constituição
do modo de produção capitalista. Finda a Revolução Industrial,
ao deslanchar-se o ciclo da construção ferroviária, o processo de
acumulação assume uma dinâmica especificamente capitalista, e o
capital industrial, dada sua capacidade de liderar a expansão econômica,
progressivamente assume posição hegemônica ante as outras formas
do capital, ao mesmo tempo que subordina a nova classe operária.
[...] É por considerar essas profundas transformações, que podemos
afirmar que com a industrialização iniciava-se uma nova era histórica,
a etapa concorrencial do capitalismo, que cobre aproximadamente o
período de 1830 a 1890. Nessa fase, a grande indústria implantava-
se em vários países, e denominamos industrializações atrasadas
os processos de constituição do capitalismo que se completam na
vigência do capitalismo concorrencial (OLIVEIRA, 2003, p. 172-173,
grifo nosso).

A citação apresentada se refere ao modo de produção, que se deu


inicialmente na Inglaterra com a Revolução Industrial e se espalhou para o resto
do mundo. Esse processo só foi possível graças ao modo de acumulação primitiva
(ou capitalismo originário), que foi um condicionante essencial para perpetuação
do processo de reprodução do capital.

O modo como são formados os capitais em um determinado país é um


importante fator que poderá determinar o seu grau e tipo de desenvolvimento.
De acordo com Oliveira (2003 p. 173), “não fosse o caso dos Estados Unidos,

18
TÓPICO 1 | AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: PRINCÍPIOS E CONCEITOS

poderíamos afirmar que a natureza das industrializações atrasadas foi


determinada, em última instância, pela fase concorrencial do capitalismo
mundial, e, em primeira instância, pelo passado feudal dos países”. Dessa forma,
“as peculiaridades do processo de colonização norte-americano determinaram a
conformação de uma sociedade estruturalmente semelhante à sociedade europeia
da época”.

Nesse sentido, pode-se afirmar que as características econômicas e sociais


do capitalismo concorrencial foram determinantes para que formas específicas
de industrializações atrasadas surgissem. Os países atrasados podem ser
definidos como aqueles que se industrializaram tardiamente, ou seja, o processo
de industrialização sempre é tratado ao longo da história da disciplina de
desenvolvimento como um tema central e de muita importância.

O capitalismo concorrencial é a inexistência de um capitalismo


monopolista, ou seja, há uma atomização de firmas que concorrem entre si. A
pouca concentração de capital e a presença de tecnologia simples, no período
analisado, são condicionantes para a entrada de outras firmas no mercado.

Portanto, a livre concorrência é considerada um fator fundamental para


que se manifestem as características essenciais do sistema capitalista de produção.
Nesse modelo, supõe-se a existência de aparelho industrial integrado, no interior
do qual sejam diferenciados os departamentos-produtores de meios de produção
e de meios de consumo. Essa estrutura supõe também a existência de um sistema
de crédito que garanta a mobilidade do capital entre as diferentes esferas da
atividade econômica. Por fim, é, também, elemento dessa estrutura uma classe
operária composta de trabalhadores livres (OLIVEIRA, 2003).

O processo de livre concorrência torna-se efetivamente visível ao mensurar


a queda dos preços das mercadorias, as quais são reflexo dos constantes aumentos
da produtividade do trabalho nas esferas da produção e da circulação. Segundo
Landes (1975, p. 233-234), “o século XIX foi marcado por prolongada e severa
deflação, que se estendeu de 1817 a 1896, com uma única curta interrupção de
seis ou sete anos. [...] A explicação para excepcionalidade do século XIX parece
ligar-se precisamente aos ganhos de produtividade que estimularam e tornaram
possível o crescimento econômico”.

Oliveira (2003, p. 176, grifo nosso) sintetiza que:

[...] a livre concorrência é elemento fundamental do capitalismo, pois


é por meio de sua ação que são reguladas as relações entre os diversos
capitais individuais, bem como as relações entre o trabalho e o capital.
E são os mecanismos da concorrência que permitem que as condições
do processo de acumulação sejam permanentemente repostas.

19
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

DICAS

FONTE: <http://historia8d18.blogspot.com/2019/09/revolucao-industrial-ludmila-scienza.
html>. Acesso em: 23 abr. 2020.

Gênese do capital industrial

Na Inglaterra, ao findar o ciclo têxtil, iniciou-se a construção ferroviária, processo


que se desdobrou, nos anos 40 do século XIX, na gigantesca mania ferroviária. No novo
padrão de acumulação que se desenvolvia, os setores produtores de meios de produção iam
assumindo a liderança na expansão econômica. O processo de acumulação na metalurgia,
na mecânica, na mineração etc. dinamizava os ramos produtores de meios de consumo,
que iam sendo relegados a uma posição subordinada nas relações intersetoriais do aparelho
industrial.

Do ponto de vista tecnológico, as inovações do ciclo ferroviário não se diferenciavam


expressivamente daquelas do ciclo têxtil, pois apareciam como simples desdobramentos dos
avanços alcançados durante a Revolução Industrial. As inovações mais importantes, como
a própria estrada de ferro e, após 1850, o navio a vapor e os novos processos de fabricação
do aço, surgiam como adaptações ou transformações de produtos e processos que não
implicavam em ruptura radical com a tecnologia da Revolução Industrial. Dessa forma, a
nova tecnologia, tal como a do ciclo têxtil, não exigia conhecimentos científicos para a sua
geração, sendo dominada e produzida por homens práticos.

Por outro lado, aquela camada de trabalhadores especializados que existia na


Inglaterra desde o período manufatureiro havia se desenvolvido e, agora, era mais numerosa,
composta por operários mais treinados e qualificados. Eram exatamente esses trabalhadores
que não somente geravam a nova tecnologia, como ainda eram seus portadores, viabilizando,
dessa forma, a difusão das inovações. Assim, a simplicidade da tecnologia e o fato de que
podia ser difundida por trabalhadores permitiam que a utilização de inovações logo se
generalizasse pelo aparelho produtivo. Não havia, portanto, mecanismos que protegessem
as empresas inovadoras contra a concorrência, pois outras empresas do mesmo ramo, ou
novos capitais que se formavam logo, podiam incorporar as novas tecnologias (OLIVEIRA,
2003, p. 177-178).

Você pode saber mais sobre a gênese do capitalismo industrial em: Hobsbawm
(1978), Landes (1975) e Polanyi (1980).

20
TÓPICO 1 | AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: PRINCÍPIOS E CONCEITOS

Vale lembrar que estamos analisando o desenvolvimento em perspectiva


histórica (que se inicia no século XIX), o qual irá culminar no diagnóstico traçado
por historiadores econômicos sobre o atraso de algumas economias. Desse modo,
podemos analisar esses fatos a partir de outra perspectiva, como na obra de
Marx, por exemplo, em que o capitalismo possui um comportamento capaz de
modificar permanentemente o processo de trabalho na produção de mercadorias,
principalmente as transformações sociais que estão associadas à questão do
desenvolvimento.

Na obra de Marx, podem-se destacar alguns determinantes que, em


sua constituição do capitalismo, são capazes de moldar o processo de trabalho
na produção de mercadorias, a saber: o processo concorrencial, o progresso
técnico e o modo de organização do trabalho. Os determinantes intrínsecos ao
capitalismo estão, de certa forma, interligados e possuem um objetivo maior em
prol da produção da mais-valia e obtenção de retornos supranormais. Em outras
palavras, o capitalista está interessado em buscar a mais-valia extraordinária por
meio da subordinação do trabalho ao capital, além do interesse na concentração
econômica.

Aderente ao processo concorrencial, para Marx (1996), esse conceito


revela a eliminação de empresas menos dinâmicas e o estabelecimento daquelas
mais competitivas. Dentro desse processo, em que o capitalista se encontra na
constante busca pelo lucro e expansão do capital, ele é obrigado a perseguir novas
formas de extração da mais-valia sem que haja um prolongamento da jornada de
trabalho. De certa forma, o resultado do processo de concorrência estava apoiado
no nivelamento das taxas de lucro, as quais o capitalista queria sempre aumentar.

NOTA

Sobre as taxas de lucro

Na medida em que a tecnologia era difundida, os concorrentes facilmente as


copiavam e, assim, possibilitava uma distribuição das taxas de lucro entre as empresas (ou
setores). Se houvesse diferentes taxas de lucro, os capitais deslocar-se-iam das atividades
com taxa de lucro baixa para as atividades com elevada taxa de lucro. Dessa maneira, a
produção de algumas mercadorias diminuiria e os preços aumentariam, ao contrário de
outras mercadorias, até que a taxa de lucro se igualasse.

Nesse sentido, busca-se, por meio do progresso técnico, a extração da mais-


valia extraordinária, mesmo de maneira temporária (monopólio temporário).
Dessa forma, a importância do papel da concorrência representa o vetor da
difusão de inovações, de organizações e da tecnologia.

21
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

Por outro lado, o progresso técnico é um indutor do aumento de


produtividade e, por conseguinte, ampliava a mais-valia relativa. A produtividade
pode ser analisada como o resultado de mudanças organizacionais (divisão do
trabalho) e nos instrumentos de trabalho (tecnologia, mecanização). Uma vez que
o limite técnico da manufatura tinha estreita relação com o limite da exploração
do trabalhador, o progresso técnico, para Marx, é uma das formas de superar os
limites impostos pela herança de base técnica do modo de produção anterior ao
capitalismo.

No que tange aos modos de organização do trabalho, na manufatura, a


divisão do trabalho é um meio de se obter aumento de produtividade, sendo que
essa é essencial para a manutenção da extração da mais-valia relativa. Em sua
forma histórica, entre os meios pelos quais é extraída a mais-valia, destacam-se,
na obra de Marx: a cooperação, a manufatura e a maquinaria.

A cooperação fornece à produção capitalista economias de escala,


visto que, para produzir uma mesma determinada mercadoria, é utilizado
um conjunto de trabalhadores que, ao mesmo tempo e no mesmo espaço, é
comandado pelo mesmo capitalista. Marx afirma que a cooperação “constitui
histórica e conceitualmente o ponto de partida da produção capitalista” (MARX,
1996, p. 439) e que o aumento de produtividade se dá por meio da divisão do
trabalho. Portanto, a variação da produção se deve ao maior controle que o
capital exerce sobre os trabalhadores. Cumpre ainda ressaltar que, nesse ponto,
o trabalho coletivo e atomizado caracteriza-se por uma dependência contínua
de habilidades e capacidades humanas. Além disso, “a cooperação baseada na
divisão do trabalho adquire sua forma clássica na manufatura” (MARX, 1996,
p. 453).

NOTA

Sobre a cooperação

A forma de trabalho em que muitos trabalham planejadamente lado a lado e


conjuntamente, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes,
mas conexos, chama-se cooperação. De modo a exemplificar, Marx afirma que “uma dúzia
de pessoas juntas, numa jornada simultânea de 144 horas, proporciona um produto global
muito maior do que 12 trabalhadores isolados” (MARX, 1996, p. 442-443).

Dessa maneira, a gênese da manufatura não se diverge muito da indústria


artesanal das corporações a não ser pela quantidade de trabalhadores ocupados na
produção sob o mesmo capital. Sendo assim, “a oficina do mestre-artesão é apenas
ampliada” (MARX, 1996, p. 439), reunindo trabalhadores de ofícios diferentes e

22
TÓPICO 1 | AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: PRINCÍPIOS E CONCEITOS

semelhantes, a qual faz surgir o sistema de ferramentas. A produtividade passa


a depender da habilidade do trabalhador e da perfeição de suas ferramentas.
Assim, como na cooperação, a execução do trabalho na manufatura é “dependente
da força, habilidade, rapidez e segurança do trabalhador individual no manejo
de seu instrumento” (MARX, 1996, p. 455). A manufatura ainda se caracteriza
pela simplificação das atividades (divisão técnica do trabalho), a qual cria uma
demanda por trabalhadores não qualificados.

O autor disserta sobre a organização do trabalho:

a divisão manufatureira do trabalho cria, por meio da análise da


atividade artesanal, da especificação dos instrumentos de trabalho,
da formação dos trabalhadores especiais, de sua agrupação e
combinação em um mecanismo global, a graduação qualitativa e a
proporcionalidade quantitativa de processos sociais de produção,
portanto determinada organização do trabalho social, e desenvolve
com isso, ao mesmo tempo, nova força produtiva social do trabalho
(grifo nosso) (MARX, 1996, p. 471).

Por fim, a maquinaria caracteriza-se pela subordinação real do trabalho


ao capital, cujo trabalhador não é mais determinante, mas determinado. Ou seja,
o ritmo do trabalhador é dado pelo sistema de máquinas e sua vontade não é
do interesse da produção capitalista. Nesse sentido, a máquina-ferramenta cria
a necessidade de trabalho e o trabalhador torna-se apêndice da máquina. Nesse
cenário, associado à ideia de objetivação do processo de trabalho, o trabalhador se
encarrega do trabalho vivo remanescente ao transferir sua destreza e qualificações
para a máquina.

Dessa maneira, há o rompimento com a base técnica por meio da introdução


progressiva da máquina. Como resultado, o processo de mecanização gera uma
menor divisão técnica do trabalho, que era o objeto central na manufatura. Nas
palavras de Marx (1996, p. 54): “como o movimento global da fábrica não parte
do trabalhador, mas da máquina, pode ocorrer contínua mudança de pessoal
sem haver interrupção do processo de trabalho”. Essa passagem revela o alto
grau de especialização e simplificação do trabalho por meio da mecanização. O
trabalhador poderia ser facilmente substituído e estava condicionado a obedecer
ao ritmo imposto pela máquina.

Assim, pode-se dizer que houve uma sobremaneira transformação da


passagem da manufatura para a grande indústria ocorrendo uma ruptura no
processo de trabalho, na qual a maquinaria descarta o antigo sistema da divisão
do trabalho.

A partir dessas constatações supracitadas sobre a subordinação real do


trabalho sob o comando do capital, verifica-se que o trabalhador perde o controle
sobre o conteúdo e o ritmo no processo de trabalho. Ainda que houvesse exploração
na manufatura, os operários se autorrealizavam no processo de trabalho e

23
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

desenvolviam suas atividades de forma criativa a partir de instrumentos para


moldar e controlar a natureza, além de desenvolverem seu intelecto (criava-se
um vínculo de subordinação formal e, em contrapartida, recebia-se um salário).
Em contraste, na maquinaria, o conteúdo do trabalhado é modificado, uma vez
que o trabalhador perde sua autonomia sobre o processo produtivo, que passa a
servir a máquina.

Nesse sentido, como consequência da concorrência e da acumulação de


capital para Marx, está o conceito de alienação do trabalhador, além de observar
a crescente miséria da classe operária. Constata-se uma modificação no conteúdo
do trabalho por meio da análise da posição do trabalhador no modo de produção
capitalista, cuja alienação se dá por três razões: 1) os trabalhadores não possuem
os meios de produção; 2) trabalhadores não possuem o produto de sua atividade;
e 3) trabalhadores não controlam a organização do processo produtivo.

Dessa forma, a tecnologia capitalista emerge como elemento de


subordinação do trabalhador para o capitalista, revolucionando a base técnica da
produção. Cumpre ainda ressaltar que a subordinação real do trabalho emerge
em contraposição da subordinação formal do trabalho ao capital. Em seu capítulo
inédito, Marx (1978) aborda tais conceitos. Na subordinação formal, o trabalhador
tem a posse dos meios de produção, por outro lado, na subordinação real, o
trabalhador é expropriado deles e surge o conceito da alienação do trabalho.

Os elementos citados por Marx, no século XIX, requalificam a importância


da grande indústria para o desenvolvimento dos países, assim como a incorporação
do progresso técnico e o aumento de produtividade, o que será tratado de forma
exímia por Schumpeter, já no século XX.

Por outro lado, Oliveira (2003, p. 180) ressalta que,

[...] na Grã-Bretanha não foi necessária a superação das formas


tradicionais de organização das empresas, dado que não se manifestava
descontinuidade entre o volume de capitais previamente acumulados
e os requisitos financeiros para a expansão das indústrias mecânicas
e metalúrgicas, e para a mineração. A preexistência do integrado
aparelho industrial capitalista que se desenvolvia havia décadas e o
grau de avanço prévio alcançado pelo capital comercial, bancário e
agrário garantiam dinamicamente a geração de lucros que podiam
ser canalizados, via agentes financeiros, para os setores que agora
assumiam a liderança da expansão. Esses setores, por sua vez, na
medida em que já estavam implantados desde a Revolução Industrial,
podiam constantemente reinvestir seus próprios lucros.

Uma das características da grande indústria e de empresas atualmente


caracterizadas por sua verticalidade são baseadas no modelo de “reter e
reinvestir”, ou seja, reter os lucros e reinvestir na expansão da própria empresa.

Em síntese,

24
TÓPICO 1 | AS TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO: PRINCÍPIOS E CONCEITOS

[...] na Inglaterra, após a Revolução Industrial, faziam-se presentes


as condições para que os mecanismos da concorrência operassem
plenamente: o aparelho industrial já era integrado, o sistema bancário
desenvolvido, um grande número de empresas atuava nos diversos
ramos, a tecnologia era simples, o processo de proletarização era
avançado, e já se conformara uma classe operária livre (OLIVEIRA,
2003, p. 181).

Era necessário a institucionalização de uma nova ordem econômica


mundial para que o modelo instalado na Inglaterra fosse implantado em outros
países, nos moldes do Estado liberal e da livre concorrência, e que pudessem ser
também livres, em nível internacional, a mobilidade de trabalhadores e de capital.

No período, “a economia britânica aparecia como monopolista no


mercado mundial de produtos industriais e, por isso mesmo, podia dispensar
o protecionismo, já que nenhum país no mundo estava apto a concorrer no
mercado nacional inglês de produtos industriais” (OLIVEIRA, 2003, p. 183).
Manter relações comerciais com a Inglaterra era benéfico aos outros países, uma
vez que o dinamismo inglês podia ser propagado aos outros países seguidores.

De acordo com Oliveira (2003, p. 187),

[...] a adoção do livre-cambismo podia propagar o dinamismo da


economia inglesa em âmbito mundial, pois o livre acesso ao mercado
mundial (de mercadorias, de dinheiro e de força de trabalho), que
era impulsionado pela expansão do capitalismo inglês, abria aos
diferentes países novas possibilidades de expansão econômica. Nesse
ponto, os Estados Unidos e a Europa vão assumindo posição de
principais parceiros comerciais da Inglaterra, relegando a segundo
plano as áreas atrasadas.

Dessa forma, podemos concluir que os países denominados de


“capitalismo atrasado” são os países que não são de industrialização originária.
Em outras palavras, países atrasados são aqueles que se industrializaram
depois e instalaram sua própria Revolução Industrial, com indústrias de base,
de maneira tardia. Alguns países ainda nem atingiram tal objetivo e são, hoje,
denominados de países subdesenvolvidos. Para Nurske (1951), a formação de
capitais e, consequentemente, o processo de acumulação é o principal problema
do desenvolvimento de países economicamente atrasados.

Nurske (1957) criou a expressão “círculo vicioso da pobreza”. Essa


expressão quer nos dizer que forças circulares mantêm as economias em um
“estado de equilíbrio de subdesenvolvimento”. O debate aqui está atrelado à
reprodução do não desenvolvimento, pois, para Nurske, o baixo rendimento
per capita nas economias subdesenvolvidas é capaz de definir dois tipos de
bloqueio à formação de capital: i) o baixo poder de compra (nível de consumo);
e ii) a reduzida capacidade de poupança (potencial de investimento). Assim, a
indução do investimento é limitada pela dimensão do mercado. A fragilidade
do mercado é condicionada pela existência de custos altos e de baixas taxas de

25
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

lucro, o que reduz o investimento, ocasionando baixo crescimento econômico.


Desse modo, tem-se como resultado desse processo a constante reprodução
do subdesenvolvimento e da miséria (NIEDERLE; CARDONA; FREITAS,
2016, p. 43).

Nas palavras do autor (NURSKSE, 1957, p. 7),

[...] um homem pobre não tem o bastante para comer; sendo


subalimentado, sua saúde é fraca; sendo fisicamente fraco, sua
capacidade de trabalho é baixa, o que significa que ele é pobre, o que,
por sua vez, quer dizer que não tem o bastante para comer; e assim
por diante. Tal situação, transposta para o plano mais largo de um
país, pode ser resumida nesta proposição simplória: um país é pobre
porque é pobre.

Assim conclui-se este tópico, que discutiu os conceitos de desenvolvimento


atrelados a teorias que constatam a influência de indicadores, quantitativos e
qualitativos, nas políticas e ações voltados a esse fim. Os resultados comprovam
que as crises e a dinâmica de crescimento dos países retomam continuadamente
suas discussões.

DICAS

Dicas de leituras complementares para este tópico:

HIRSCHMAN, A. O. Estratégia do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Fundo de


Cultura, 1961.

LEWIS, W. A. O desenvolvimento econômico com oferta ilimitada da mão de obra. In:


AGARWAZA, A. N., SINGH, S. P. A economia do subdesenvolvimento. São Paulo: Forense,
1969.

MYRDAL, G. Teoria Econômica e Regiões Subdesenvolvidas. Rio de Janeiro: Saga, 1972.

NURKSE, R. Problemas da formação de capitais em países subdesenvolvidos. In: Memórias


do desenvolvimento. Centro Internacional Celso Furtado, Rio de Janeiro, ano 1, n. 1, jun.
2007. Disponível em: http://www.centrocelsofurtado.org.br/interna.php?ID_M=136. Acesso
em: 28 abr. 2020.

ROSENSTEIN-RODAN, P. N. Problemas de industrialização da Europa do Leste e do


Sudeste. In: AGARWAZA, A. N., SINGH, S. P. A economia do subdesenvolvimento. São
Paulo: Forense, 1969.

26
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• A disciplina de desenvolvimento econômico surge como campo da economia


no pós-guerra e tem como base o resgate e a retomada dos pilares consolidados
da economia clássica do século XIX como alternativa ao paradigma ortodoxo
neoclássico para auxiliar os países a se recuperarem das crises, como: o
excedente, a acumulação de capital, a poupança e o crescimento.

• Crescimento econômico não significa, necessariamente, que o país é


desenvolvido.

• O papel central da acumulação de capital é a industrialização (manufatura)


como propulsora do desenvolvimento econômico. Além disso, também possui
centralidade na teoria o papel da poupança e do comércio exterior.

• A ideologia liberal (liberalismo econômico e livre comércio) perdeu forças no


século XIX e seus ideais não servem unicamente para o enfrentamento das
crises.

• O nível de renda per capita é um indicador tradicional para mensurar o nível


de desenvolvimento dos países. A vantagem desse indicador é que, através
dele, é possível fazer comparações. A desvantagem é que a concentração de
renda pode dissimular a realidade.

• A produtividade tem centralidade na teoria do desenvolvimento, até mesmo


nas discussões atuais sobre o fenômeno de catch up (emparelhamento de países
seguidores aos países líderes tecnologicamente).

• Com o advento da grande indústria, o processo de concorrência foi essencial para


que o desenvolvimento se perpetuasse a partir do aumento de produtividade,
além de ser necessário para a reprodução do capital.

27
AUTOATIVIDADE

1 Partindo das características da área de estudos do desenvolvimento na


teoria econômica, constata-se a ocorrência de certos condicionantes ou
elementos históricos que contribuíram para o seu surgimento. Apresente
esses elementos.

2 A discussão em torno do desenvolvimento requer a análise de inúmeros


indicadores econômicos ao longo do tempo, sua evolução e nível de
amadurecimento. Diante disso, o que se deve considerar quando o assunto é
subdesenvolvimento?

3 Espera-se que uma grande disponibilidade de fatores ou recursos de produção


contribua, de forma geral, à especialização produtiva e, consequentemente,
ao crescimento e desenvolvimento de uma economia. Entretanto, existe uma
tese, a da “maldição dos recursos naturais”, que apresenta uma posição mais
crítica. Do que se trata essa tese?

28
UNIDADE 1
TÓPICO 2

O PENSAMENTO ECONÔMICO NACIONAL E


INTERNACIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

1 INTRODUÇÃO
A teoria do desenvolvimento somente foi reconhecida como um campo
da economia após o fim da Segunda Guerra Mundial, como visto anteriormente.
Entretanto, elementos de desenvolvimento podem ser, de fato, encontrado em
autores anteriores como os autores mercantilistas e os clássicos, por exemplo.
Schumpeter (1911), por exemplo, foi o primeiro economista a considerar as
transformações estruturais na economia para designar o desenvolvimento dos
países (BRESSER-PEREIRA, 2008).

Existe um debate que afirma que autores mercantilistas, “teriam percebido


a superioridade da produção de manufaturas sobre a produção de matérias-
primas, associando políticas de comércio exterior protecionistas com incentivos à
industrialização e à exportação de produtos manufaturados” (BASTOS; BRITTO,
2010, p. 8).

A escola clássica, que seguiu historicamente a escola mercantilista,


possuía um elemento de análise unificador. Segundo Marx, esse elemento era o
conceito de excedente, essencial para determinar a distribuição de renda, preços
relativos e acumulação de capital. Supondo que exista uma variável distributiva
exógena, a divisão do excedente é definida concomitantemente com o sistema de
preços relativos. É justamente essa repartição que é fundamental para determinar
a trajetória da acumulação de capital e do crescimento econômico (BASTOS;
BRITTO, 2010).

De acordo com Bastos e Brito (2010, p. 9):

Smith e Ricardo, por exemplo, ao assumirem como válida a Lei


de Say, relacionam diretamente o lucro com o investimento e,
consequentemente, com a acumulação de capital. Assim, no
componente analítico central da escola clássica fica explícita a
preocupação com a questão do desenvolvimento das forças produtivas
e sua ligação direta com a teoria da distribuição e dos preços.

29
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

A relação entre excedente econômico, acumulação de capital e crescimento


será retomada pelos autores da teoria do desenvolvimento no século XX como
uma alternativa à ortodoxia neoclássica (BASTOS; BRITTO, 2010).

A seguir, busca-se recuperar brevemente esses elementos em perspectiva


histórica destacados pelos pensadores econômicos de modo a desenvolver
modelos para a teoria do desenvolvimento.

2 DESENVOLVIMENTO E MODELOS HISTÓRICOS: AS


ETAPAS PARA O DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO DE
WALT WHITMAN ROSTOW
Para Rostow, o conceito de desenvolvimento econômico está ligado ao
crescimento, em que esse se daria por meio do processo de industrialização ou
modernização. O autor propõe uma teoria dinâmica da produção, baseada em
fatos observados que certas sociedades experimentaram ao longo do tempo,
portanto, não se levou em consideração os modelos teóricos preexistentes
(CONCEIÇÃO; OLIVEIRA; SOUZA, 2016).

NOTA

Quem foi Walt Rostow?

FONTE: <https://www.youtube.com/watch?v=xdJg70C0so4>. Acesso em: 23 abr. 2020.


Walt Whitman Rostow, nascido na Prússia em 1916, e radicado posteriormente nos
Estados Unidos, foi, antes de tudo, um historiador econômico. Graduou-se em Economia e
História na Universidade de Yale, onde também fez seu doutorado em Economia. Economista
e professor renomado, lecionou nas Universidades de Columbia, Oxford, Cambridge, MIT e
Texas e exerceu a função de assessor para assuntos de segurança nacional dos Estados
Unidos durante os governos de John Kennedy e Lyndon Johnson. Durante esse último
período, também trabalhou como representante estadunidense no Comitê Internacional da
Aliança para o Progresso (CONCEIÇÃO; OLIVEIRA; SOUZA, 2016, p. 14).

30
TÓPICO 2 | O PENSAMENTO ECONÔMICO NACIONAL E INTERNACIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

Rostow (1959), em seu artigo As etapas do crescimento econômico, sintetiza,


de maneira generalizada, a história econômica moderna acerca do crescimento,
no qual poderia enquadrar quaisquer sociedades em suas dimensões econômicas
dentro de cinco passos. Segundo o autor, o formato dessa generalização pode
ser concebido por um conjunto de estágios de crescimento, que podem ser
designados da seguinte maneira: i) a sociedade tradicional; ii) as pré-condições
para a decolagem; iii) a decolagem; iv) o impulso para a maturidade; v) a idade
do alto consumo de massa, conforme a Figura 1.

Além da era do alto consumo de massa, estão os problemas que começam


a surgir em poucas sociedades, e que podem surgir geralmente quando a utilidade
marginal relativa decrescente se estabelece para a própria renda real. Essas
categorias descritivas estão enraizadas em certas proposições dinâmicas sobre
oferta, demanda e padrão de produção (ROSTOW, 1959). De acordo com Oliveira
(2003), os trabalhos de Rostow tratam de clarificar e esclarecer a economia da
Revolução Industrial, que pode ser concebida de maneira sintética por meio do
tempo e com relação às transformações das funções de produção.

A primeira etapa, denominada de sociedade tradicional, pode ser


caracteriza por uma economia cuja estrutura produtiva cresce dentro de funções
de produção limitadas e baseadas em uma ciência e tecnologia pré-newtonianas,
em que podem ser destacadas as dinastias da China, a civilização do Oriente
Médio e do Mediterrâneo e a Europa medieval (ROSTOW, 1974). Essa sociedade
pode ser caracterizada por uma economia agrícola com utilização de “métodos
de produção mais ou menos fixos que poupa e investe produtivamente pouco
mais do que o necessário para cobrir a depreciação” (ROSTOW, 1969, p. 163).

Nessa concepção, o crescimento da produtividade do trabalho é também


limitado, visto que as funções de produções são simples e intensivas em trabalho
e que somente o componente tecnologia seria capaz de aumentar os níveis de
produtividade. O autor lembra:

O fato central, contudo, no que toca à sociedade tradicional, era que


existia um teto no nível alcançável do volume da produção per capita.
Esse teto se originava do fato de as potencialidades inerentes à ciência
e à tecnologia moderna não estarem ainda disponíveis ou não serem
regular e sistematicamente aplicadas (ROSTOW, 1974, p. 16).

Dadas as limitações com a disponibilidade de tecnologia, as sociedades


tradicionais se dedicavam a uma parcela elevada da produção no setor agrícola.
No plano político, originava-se do sistema agrícola uma estrutura social
hierarquizada cujos “vínculos de família e de clã exerciam importante papel na
organização social” (ROSTOW, 1974, p. 16).

31
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

FIGURA 1 – OS CINCO ESTÁGIOS DE CRESCIMENTO DE ROSTOW (1959)

FONTE: Adaptado de Rostow (1959)

Ainda, Rostow (1969, p. 167) revela que a maturidade industrial é:

[...] a história prolongada e flutuante do progresso econômico


sustentado. O capital total per capita aumenta à medida que a
economia amadurece. A estrutura da economia se transforma cada vez
mais. As indústrias-chave iniciais, que possibilitaram a decolagem, se
desaceleram. Mas a taxa média de crescimento é mantida para uma
sucessão de novos setores e por um rápido crescimento com um novo
grupo de dirigentes inovadores.

A sociedade tradicional e a maturidade industrial caracterizam a segunda


e a terceira etapa do desenvolvimento, que abrange sociedades em processo de
transição. Desse modo, o autor denomina a segunda etapa do processo como
sendo propício para se atingir precondições necessárias para estabelecer o arranco
(take off).

O contexto histórico no qual essas precondições se desenvolveram,


segundo o autor, de maneira pioneira, tem-se sua origem,

na Europa Ocidental do fim do século XVII e início do XVIII, à medida


que as concepções da ciência moderna principiaram a se converter
em novas funções de produção, tanto da agricultura quanto da
indústria, num ambiente dinamizado pela expansão paralela dos
mercados mundiais e pela concorrência internacional por estes [...]
a Grã-Bretanha, favorecida pela geografia, pelos recursos naturais,
pelas possibilidades comerciais, pela estrutura social e política, foi a
primeira a desenvolver amplamente tais condições prévias (ROSTOW,
1974, p. 18).

Oliveira (2003) lembra que essas condições prévias necessitam que


sejam cumpridos três requisitos básicos, sendo a agricultura a primeira a
sofrer mudanças de maneira a proporcionar o desempenho de três funções

32
TÓPICO 2 | O PENSAMENTO ECONÔMICO NACIONAL E INTERNACIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

fundamentais: “i) ministrar ao setor moderno grande quantidade de alimentos;


ii) amplos mercados; e iii) grande oferta de fundos financeiros” (ROSTOW, 1974
apud OLIVEIRA, 2003, p. 14).

O segundo requisito envolve a necessidade do desenvolvimento do


capital social (materializado em modernização dos transportes e comunicações,
um mecanismo de infraestrutura que serve principalmente para dar suporte ao
mercado), afirmando a centralidade do papel dos governos e das instituições.

E, por fim, as mudanças de natureza não econômica consistentes na


“conveniência de uma nova elite social, uma nova direção à qual se deve conceder
um amplo campo de ação para dar início à edificação de uma sociedade industrial
moderna” (ROSTOW, 1974, p. 41).

Cumpridos esses pré-requisitos, a sociedade está preparada para ingressar


na Revolução Industrial, ou para a terceira etapa da proposta por Rostow com as
seguintes características:

lª) Um aumento da taxa de inversão produtiva de 5% ou menos,


para 10% ou mais da renda nacional (ou produto nacional líquido);
2º) O desenvolvimento de um ou mais setores essencialmente
manufatureiros que tenha alta taxa de crescimento; 3º) A existência,
ou rápida criação, de estruturação política, social e institucional que
aproveite os estímulos da expansão no setor moderno (ROSTOW,
1974, p. 55 apud OLIVEIRA, 2003, p. 14-15).

O excerto diz respeito ao papel central da poupança para o desenvolvimento,


discutido na introdução do Tópico 1 desta unidade. Ou seja, a decolagem (ou
arranco), segundo o autor, só aconteceria caso a economia rompesse a barreira
dos 5%. Para garantir um crescimento sustentado, exige-se do país taxas de
poupança de pelo menos 10% para que a decolagem seja exitosa. Há, aqui, uma
preocupação do autor com a poupança e a decolagem.

Por sua vez, o arranco é o momento que em que “as antigas obstruções e
resistências ao desenvolvimento regular são afinal superadas” (ROSTOW, 1974,
p. 19-20). Nessa etapa, o desenvolvimento passa a ser uma situação “normal”. De
acordo com Rostow (1974, p. 20):
No caso mais geral, o arranco aguardou não só a acumulação de
capital social fixo e um surto de evolução tecnológica da indústria e
da agricultura, mas também o acesso ao poder político de um grupo
preparado para encarar a modernização da economia como assunto
sério e do mais elevado teor político.

Nessa etapa, há o surgimento de novas indústrias que se expandem


rapidamente. Os lucros dessas empresas, em sua maior parte, são reinvestidos
em novas instalações que, por sua vez, estimulam o crescimento da indústria,
uma vez que elas necessitam de operários, de serviços para apoiá-las e de outros
bens manufaturados. “Todo o processo de expansão no setor moderno produz

33
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

um aumento de renda nas mãos daqueles que não só economizam a taxas mais
elevadas, como também colocam suas economias à disposição dos que se acham
empenhados em atividades no setor moderno” (ROSTOW, 1974. p 20-21). Cumpre
ressaltar que, nessa etapa, há um processo de industrialização, pois ocorre a
transferência de mão de obra do setor agrícola para a indústria (CONCEIÇÃO;
OLIVEIRA; SOUZA, 2016).

Após essa fase, tem-se a quarta etapa: a marcha para a maturidade. Nela,
a economia entra em um processo de ascensão em que se busca a penetração
da tecnologia moderna para todas as atividades econômicas. “A economia
encontra seu lugar no panorama internacional: bens anteriormente importados
são produzidos localmente; aparecem novas necessidades de importação, assim
como novos artigos de exportação para se contraporem” (ROSTOW, 1974, p. 22).

Segundo Rostow (1979, p. 22), a maturidade pode ser definida como


“a etapa em que a economia que inicialmente lhe impeliram o arranco e para
absorver e aplicar eficazmente num campo bem amplo de seus recursos — se não
a todos eles — os frutos mais adiantados da tecnologia (então) moderna”.

A era do consumo em massa constitui-se a etapa final, em que os setores


líderes transferem suas atividades para os bens de consumo duráveis e emergem
as atividades de serviços intrínsecas a elas. Observa-se que, por consequência do
crescimento econômico, há uma procura por melhores condições distributivas
de renda. Ou seja, o desenvolvimento dos países estaria vinculado à noção de
crescimento econômico.

NOTA

FONTE: <https://pt.slideshare.net/vitor_vasconcelos/teorias-do-desenvolvimento-
econmico>. Acesso em: 23 abr. 2020.

34
TÓPICO 2 | O PENSAMENTO ECONÔMICO NACIONAL E INTERNACIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

A era do consumo em massa, nos Estados Unidos, pode ser reconhecida pelas
técnicas de produção (divisão do trabalho que gera maior produtividade é um elemento
presente na literatura clássica) desenvolvidas por Henry Ford, que foram decisivas para
baratear o preço do automóvel. Freeman e Perez (1988) também caracterizam a era de
consumo como paradigma técnico-econômico fordista.

A crítica intrínseca ao modelo de desenvolvimento de Rostow consiste na


recomendação do autor que países em desenvolvimento devessem proporcionar
o seu desenvolvimento seguindo a mesma trajetória de modernização da
estrutura produtiva (industrialização) de países centrais. Nesse caso, “o
subdesenvolvimento seria apenas uma etapa atrasada do mesmo processo
histórico de crescimento econômico e progresso industrial” (CONCEIÇÃO;
OLIVEIRA; SOUZA, 2016, p. 15).

Nesse ponto, o leitor deve estar pensando: os modelos de crescimento


e desenvolvimento debatidos em países centrais, como o modelo rostowiano,
servem de apoio para as ideologias políticas de países situados na periferia
capitalista? A seguir, será apresentado o debate latino-americano sobre o tema.

3 O PAPEL DA INDUSTRIALIZAÇÃO PARA UMA AGENDA DE


DESENVOLVIMENTO
O papel da industrialização para o desenvolvimento econômico brasileiro,
por exemplo, está presente na literatura há bastante tempo e não constitui um
debate recente. Para Curado (2013, p. 609), “trata-se de uma das mais antigas e
controversas discussões presentes na literatura econômica brasileira. Há registros
destas discussões desde o império”. Dentre os principais temas, está o fenômeno
da desindustrialização e seus efeitos nocivos para o desenvolvimento de longo
prazo do país.

O autor versa que há registros de tentativas de modernização da produção


brasileira desde o período do império brasileiro.

O Visconde de Cairu (José Maria da Silva Lisboa) e Tavares Bastos eram


ardorosos defensores do liberalismo econômico. Argumentavam que
o Brasil deveria se especializar nas atividades agrícolas e na extração
mineral, dadas as vantagens comparativas existentes, particularmente
a abundância e a qualidade das terras cultiváveis. A especialização na
produção agrícola e o comércio com países produtores de manufaturas
seria peça central para a ampliação da prosperidade econômica do
Brasil e de seus parceiros comerciais. Em síntese, em sua origem, a
discussão sobre o papel da estrutura produtiva no desenvolvimento
foi marcada pela visão – comum ao pensamento econômico da época
– de que os países deveriam especializar-se em função das condições
impostas pela natureza, o que no caso brasileiro implicava a defesa de

35
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

um padrão de especialização concentrado na produção agrícola e na


exploração mineral. [...] O surgimento das teses industrialistas ocorreu
num contexto de grande efervescência de ideias e desenvolvimento
de correntes de pensamento. Além do pensamento liberal inglês,
dominante nos temas econômicos, destacavam-se na construção do
debate (CURADO, 2013, p. 611-614).

Já na década de 1940, a centralidade da industrialização brasileira


era destaque a partir dos debates sobre a questão estrutural produtiva para o
desenvolvimento econômico, que será papel central nas discussões do pensamento
latino-americano. Esses fatos são corroborados pelo fato de que, “entre 1933
e 1939, o setor industrial cresceu a uma taxa média de 11,2% aa – observou-se
também um importante processo de diversificação das atividades produtivas”
(CURADO, 2013, p. 616).

O modelo de substituição de importações era a principal característica


de industrialização do período, o qual era representado por elevado grau de
fechamento da economia doméstica em relação à concorrência externa e marcado
pelo forte intervencionismo estatal, que financiava os setores que apresentavam
barreiras à entrada (financeira e tecnológica). Outra característica desse período,
que antecede o surgimento da teoria do desenvolvimento como disciplina
econômica, era a elevada dependência das importações, sobretudo de bens de
capital e insumos industriais (CURADO, 2013).

Simonsen, que pode ser considerado como um herdeiro do pensamento


nacionalista-industrialista, afirmava que: “o desenvolvimento das atividades
industriais constituía-se no elemento central de uma estratégia para a superação
do subdesenvolvimento” (CURADO, 2013, p. 617).

4 O PENSAMENTO LATINO-AMERICANO SOBRE O


DESENVOLVIMENTO
O texto seminal de Raúl Prebish inaugura o chamado pensamento
cepalino, em que se ganha, “cada vez mais, o benefício do tempo para avaliar o
significado e o impacto das teses elaboradas pelo grupo de economistas e outros
cientistas sociais reunidos a partir do final da década de 40, em Santiago do Chile,
no então recém-criado órgão da ONU, a CEPAL (Comissão Econômica para a
América Latina)” (COLISTETE, 2001, p. 21).

A formação do pensamento econômico brasileiro é amplamente


influenciada pelo pensamento da Cepal e, de fato, é amplamente reconhecido
pela literatura. Prebisch (1949) e o documento elaborado pela Cepal em 1951
são marcos da construção do que se convencionou chamar de “pensamento
cepalino original” ou simplesmente “velha Cepal”. Em última análise, pode-se
afirmar que esses trabalhos consolidaram o que, posteriormente, denominou-se
“desenvolvimentismo” (CURADO, 2013).

36
TÓPICO 2 | O PENSAMENTO ECONÔMICO NACIONAL E INTERNACIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

A teoria do subdesenvolvimento elaborada pela CEPAL alcançou


grande sucesso na América Latina. No Brasil, em particular, esse
sucesso ocorreu não só entre policy makers, mas também entre
empresários industriais e, ao longo do tempo, no meio acadêmico. A
influência cepalina atingiu o auge durante os anos 50 e 60, quando
as ideias e os técnicos da CEPAL estiveram no centro dos debates e,
muitas vezes, das decisões econômicas no Brasil (COLISTETE, 2001,
p. 21).

DICAS

TEORIA CEPALINA

FONTE: <https://www.cepal.org/es/comunicados/cepal-cumple-70-anos-contribuyendo-
forjar-un-desarrollo-sostenible-igualdad>. Acesso em: 23 abr. 2020.

O núcleo básico da teoria cepalina do subdesenvolvimento latino-americano


e periférico em geral foi formulado entre a chegada de Prebisch, em 1949, ao escritório
da CEPAL em Santiago, no Chile, e o final dos anos 1950. Possivelmente, em parte por ter
sido elaborada ao longo dos anos, em diversos trabalhos da CEPAL, e em parte por ter
surgido no contexto de estudos aplicados sobre as economias latino-americanas, a teoria
cepalina manteve-se essencialmente como uma teoria não formal, na qual a elaboração de
hipóteses, conceitos e implicações foi conduzida paralelamente à descrição de aspectos da
realidade econômica da América Latina. Um dos efeitos dessa última característica foi que
a especificação das hipóteses e definições básicas, e das relações causais entre variáveis e
predições da teoria cepalina do subdesenvolvimento foram feitas de maneira ambígua nos
textos clássicos dos anos 1950.

FONTE: Adaptado de COLISTETE, R. P. O desenvolvimentismo cepalino: problemas teóricos


e influências no Brasil. Estudos Avançados, v. 15, n. 41, p. 21-34, 2001.

De acordo com Colistete (2001, p. 23), o núcleo básico da teoria cepalina


do subdesenvolvimento pode ser caracterizado e sintetizadas a partir de duas
proposições básicas:

37
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

[...] as economias latino-americanas teriam desenvolvido estruturas


pouco diversificadas e pouco integradas com um setor primário-
exportador dinâmico, mas incapazes de difundir progresso técnico
para o resto da economia, de empregar produtivamente o conjunto
da mão de obra e de permitir o crescimento sustentado dos salários
reais. Ao contrário do que pregava a doutrina do livre-comércio, esses
efeitos negativos se reproduziriam ao longo do tempo na ausência
de uma indústria dinâmica, entendida por Prebisch como a principal
responsável pela absorção de mão de obra e pela geração e difusão
do progresso técnico, pelo menos desde a Revolução Industrial
britânica; o ritmo de incorporação do progresso técnico e o aumento
de produtividade seriam significativamente maiores nas economias
industriais (centro) do que nas economias especializadas em produtos
primários (periferia), o que levaria por si só a uma diferenciação
secular da renda favorável às primeiras. Além disso, os preços de
exportação dos produtos primários tenderiam a apresentar uma
evolução desfavorável frente à dos bens manufaturados produzidos
pelos países industrializados. Como resultado, haveria uma tendência
à deterioração dos termos de troca que afetaria negativamente
os países latino-americanos através da transferência dos ganhos
de produtividade no setor primário-exportador para os países
industrializados.

Segundos os pressupostos da CEPAL, a condição periférica a que estavam


subordinados os países em desenvolvimento seria superada de acordo com
o avanço da diversificação industrial. A seguir, no Tópico 3, apresentaremos
os indicadores de avaliação de desenvolvimento e os possíveis alcances de
mensuração e interpretação desses referenciais na economia.

38
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• O modelo de desenvolvimento de Rostow, descrito em cinco passos, que


contribuiu para o desencadeamento de uma era de consumo de massa.

• O papel do processo de industrialização para o desenvolvimento


econômico é considerado estratégico e de longo prazo para a superação do
subdesenvolvimento

• O pensamento cepalino e seus efeitos sobre a América Latina contribuíram para


o entendimento de sua lógica de crescimento e desenvolvimento na região.

39
AUTOATIVIDADE

1 Segundo Rostow, o conceito de desenvolvimento econômico está associado


à ocorrência de crescimento. Este, por sua vez, seria alcançado pelo processo
de industrialização ou modernização. O que significa essa constatação para
o autor?

2 De acordo com a concepção de Rostow sobre o desenvolvimento, seria


possível, através de cinco estágios de crescimento, explicar a dinâmica de
crescimento das economias no tempo. Esses estágios seriam: 1) a sociedade
tradicional; 2) as pré-condições para a decolagem; 3) a decolagem; 4) o
impulso para a maturidade; e 5) a idade do alto consumo de massa. Sobre o
estágio de decolagem, assinale a alternativa correta:

a) ( ) Nesta etapa, a sociedade pode ser caracterizada por uma economia


agrícola com a utilização de “métodos de produção mais ou menos fixos
que poupa e investe produtivamente pouco mais do que o necessário
para cobrir a depreciação” (ROSTOW, 1969, p. 163).
b) ( ) Nesta fase, os setores líderes transferem suas atividades para os bens
de consumo duráveis e emergem as atividades de serviços intrínsecas
a elas. Como consequência do crescimento econômico, há uma procura
por melhores condições distributivas de renda.
c) ( ) Este estágio seria o momento em que “as antigas obstruções e resistências
ao desenvolvimento regular são superadas” (ROSTOW, 1974, p. 19-20).
Nesta etapa, o desenvolvimento passa a ser uma situação normal.
d) ( ) Nesse momento, a economia encontra seu lugar no panorama
internacional: bens anteriormente importados são produzidos localmente;
aparecem novas necessidades de importação, assim como novos artigos
de exportação para se contraporem” (ROSTOW, 1974, p. 22).

3 Inúmeros debates em torno do desenvolvimento, remetem à relevância


de sua área de estudos. Entretanto, em comum acordo, admite-se que
as especificidades históricas de cada sociedade e região são elementos
fundamentais para o entendimento de cada processo. Diante dessa
constatação, apresente, de forma geral, o pensamento latino-americano de
desenvolvimento.

40
UNIDADE 1
TÓPICO 3

INDICADORES DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

1 INTRODUÇÃO
Nesse tópico, será tratado sobre os principais indicadores de avaliação do
desenvolvimento. Assim como também será mostrado os meios pelos quais eles
podem ser mensurados e, portanto, extrair as informações desses indicadores e
suas implicações.

A forma frequente utilizada para mensurar o desenvolvimento econômico


continua sendo o aumento da renda nacional per capita (BRESSER-PEREIRA,
2008). Entretanto, essa medida, apesar de ter suas vantagens para caracterizar os
países e compará-los em perspectiva, apresenta-se um problema relacionado a
concentração de renda. Alguns países possuem um alto nível de renda per capita
e isso não necessariamente significa riqueza ou desenvolvimento.

Para contornar esse viés, o Índice de Desenvolvimento Humano,


divulgado pelas Nações Unidas, é um bom indicador para caracterizar os países,
pois avalia por meio de três dimensões: renda, educação e longevidade.

Ainda, há que se considerarem indicadores que avaliem a estrutura


produtiva dos países, como a mão de obra qualificada, a produção desagregada
por atividades (atividades com maior conteúdo tecnológico, por exemplo, tem
maior influência sobre o desenvolvimento dos países), a produtividade e a
produtividade comparada a outros países (capaz de identificar lacunas ou gaps
tecnológicos).

2 MECANISMO DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO


ECONÔMICO PELA ÓTICA DA RENDA E DA MUDANÇA
ESTRUTURAL
Como já foi dito, um indicador importante para avaliar o nível de
desenvolvimento dos países é o nível de renda per capita. Por sua vez, esse
indicador remete diretamente ao nível de produtividade dos países, que é essencial
para a manutenção sustentada do desenvolvimento econômico. O indicador

41
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

pode ser encontrado pela razão entre a produção total de um país (PIB) e o nível
populacional, mas esse indicador ainda não representa a produtividade de um
país, que será vista mais adiante. Implícito a esse indicador de produtividade está
o progresso técnico e seus meios de penetração na produção.

A produtividade de um país pode ser mensurada de diversas maneiras. A


seguir serão mostrados alguns exemplos de como medir a produtividade e como
avaliar o melhor indicador.

De acordo com Bresser-Pereira (2008, p. 4), “para muitos economistas não


ortodoxos, a identificação do desenvolvimento econômico com crescimento seria
ideológica: ela ocultaria o fato de o desenvolvimento econômico implicar melhor
distribuição de renda enquanto que crescimento não”.

Amartya Sen (1999), cujo nome está ligado à formulação do Índice de


Desenvolvimento Humano, é talvez o mais radical nessa matéria: para ele,
desenvolvimento econômico implica expansão das capacidades humanas ou
aumento da liberdade.

NOTA

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado pela ONU, parte do


pressuposto de que para aferir o avanço de uma população não se deve considerar apenas
a dimensão econômica, mas também outras características sociais, culturais e políticas
que influenciam a qualidade da vida humana. Tem o objetivo de oferecer um contraponto
a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera
apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. Criado por Mahbub ul Haq com a
colaboração do economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia
de 1998, o IDH pretende ser uma medida geral, sintética, do desenvolvimento humano.

Por sua vez, Celso Furtado (2004, p. 484), autor estruturalista, afirma que
o “crescimento econômico vem se fundando na preservação de privilégios das
elites que satisfazem seu afã de modernização, já o desenvolvimento se caracteriza
por seu projeto social subjacente”. Nesse caso, desenvolvimento econômico
implicaria distribuição de renda.

Bresser-Pereira (2008, p. 5) afirma que Celso Furtado (1967, p. 74-76)


não separa desenvolvimento de desenvolvimento econômico, e o distingue de
crescimento, mas de forma limitada. Para Furtado (1967, p. 74-76, apud Bresser-
Pereira, 2008, p. 3), “o desenvolvimento compreende a ideia de crescimento,
superando-a”. Entretanto, observa Furtado, para que o crescimento não

42
TÓPICO 3 | INDICADORES DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

acarretasse modificações na estrutura econômica, seria preciso pensar em uma


situação pouco provável na qual ocorresse a expansão simultânea de todos os
setores produtivos sem qualquer aumento da produtividade. E conclui: “o
crescimento é o aumento da produção, ou seja, do fluxo de renda, ao nível de um
subconjunto especializado, e o desenvolvimento é o mesmo fenômeno do ponto
de vista de suas repercussões no conjunto econômico de estrutura complexa que
inclui o anterior”.

2.1 RENDA PER CAPITA E RENDA PER CAPITA EM PAÍSES


PRODUTORES DE PETRÓLEO
Nesse momento, nos questionamos se o nível de renda per capita de
países produtores de petróleo, por exemplo, é bom indicador para caracterizar o
nível de produtividade e o nível geral desenvolvimento? A responsa é óbvia: não!

Deve-se ter em mente que a maioria de países produtores de petróleos


situados no Oriente Médio possui altos níveis de concentração de renda. Nesse
caso, outros índices devem ser analisados em paralelo, a fim de se obter uma
melhor imagem da realidade. Uma alternativa é analisar de forma complementar
o índice de desenvolvimento humano (IDH), que é calculado pelas Nações
Unidas e será analisado mais adiante. Esse índice representa um importante
avanço na avaliação do desenvolvimento econômico, apesar de não substituir os
indicadores já mencionados.

O Gráfico 1 mostra o PIB per capita de países selecionados em paridade do


poder de compra dos EUA entre os anos de 2000 a 2015. Percebe-se nitidamente três
patamares de desenvolvimento plotados no gráfico. O primeiro dele é composto
pelos EUA, Japão, Alemanha e Reino Unido, que são países com característica
de alto desenvolvimento econômico e corroborados pelo indicador. O segundo
grupo de países, em ordem decrescente, é formado por Rússia, Chile, Argentina,
Venezuela, México, Brasil e África do Sul. Por fim, tem-se Bolívia e Índia como os
menores PIB per capita dentre os países selecionados.

Aqui não se pretende discutir as aplicações e controvérsias acerca


do indicador, que, como já vimos, tem bastante limitações para designar o
desenvolvimento geral dos países. Esse exercício serve como base para iniciar o
debate sobre o nível de desenvolvimento dos países e é utilizado pelas Nações
Unidas para classificar os países em níveis, como países de alta renda, média-alta
renda, média-baixa renda e baixa renda.

43
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

GRÁFICO 1 – PIB PER CAPITA EM PPP, ESCALA LOGARÍTMICA, PAÍSES SELECIONADOS,


2000-2015

FONTE: O autor

A seguir, vamos analisar a estrutura dos países e levantar reflexões sobre


como a estrutura tem relevância para os caminhos do desenvolvimento.

2.2 A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE DAS TRANSFORMAÇÕES


ESTRUTURAIS
Autores como Prebisch (1952) e Hirschman (1958) destacam que a alta
participação da indústria de transformação (ou indústria manufatureira) no PIB
de um país representa um indicador importante, já que apresenta uma condição
para elevar as taxas de crescimento. Ela pode ser considerada um importante
setor-chave na economia pela sua capacidade de gerar dinamismo e impulsionar
setores que estão direta ou indiretamente ligados a ele, ou seja, setores situados
antes e depois na cadeia produtiva. Tal fenômeno tem a capacidade de espraiar
seu crescimento pela economia como um todo a partir de encadeamentos para
trás e para frente.

De acordo com Rodrik (2007, p. 7),

[...] a principal característica do desenvolvimento é a mudança estrutural


– o processo de redirecionar recursos de atividades tradicionais de
baixa produtividade às modernas atividades de alta produtividade.
Ainda, tal fato está longe de ser um processo automático, e requer mais
do que o pleno funcionamento do livre mercado. É responsabilidade
da política industrial estimular investimentos e empreendedorismo
em novas atividades.

44
TÓPICO 3 | INDICADORES DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

Para Singer (1950, p. 398):

[...] desenvolvimento econômico significará uma modificação


estrutural. A proporção da população na agricultura terá de cair, e
o setor não agrícola deverá expandir-se. Deve-se notar que, para os
nossos propósitos, é irrelevante que essa modificação estrutural seja
considerada como “finalidade” ou “objetivo” do desenvolvimento
econômico ou como consequência dele. Quer iniciemos pela
industrialização, pelo desenvolvimento agrícola ou de qualquer outra
maneira, a elevação dos níveis de renda terá de ser acompanhada por
uma correspondente alteração estrutural, com diminuição relativa do
setor agrícola.

Portanto, o desenvolvimento econômico e, consequentemente, o


crescimento do PIB pode ser qualificado a partir de três movimentos. Diegues e
Rossi (2016) sistematizam da seguinte maneira:

1. É marcada pela grande participação do setor primário no PIB, o qual apresenta


aumento progressivo de produtividade. Com o passar do tempo, devido ao
aumento da produtividade, o setor agropecuário libera a mão de obra excedente,
que se desloca para a área urbana, passando a ocupar o setor industrial e, em
menor medida, o setor de serviços.
2. É caracterizada pelo aumento da produtividade do setor industrial que, assim
como o setor primário, na fase anterior, aumenta sua produtividade e passa
a liberar a mão de obra excedente para um setor ainda em crescimento, que
nesse momento é o setor de serviços.
3. A última fase do desenvolvimento econômico é marcada pelo aumento da
participação do setor terciário no PIB. Com o aumento da produtividade
da indústria de transformação e tendo em vista seus retornos crescentes de
escala, uma parcela da mão de obra é deslocada para o setor de serviços, que se
expande como reflexo de um amadurecimento do estágio de desenvolvimento
do país.

Na última fase do desenvolvimento econômico dos países, observa-se a


perda da participação relativa (em termos percentuais) da indústria no PIB (sem
necessariamente reduzir o valor bruto da produção e o valor adicionado em
termos absolutos), o que é chamado por Palma (2005) de pós-industrialização ou
desindustrialização positiva.

De acordo com essa corrente, como consequência de um exitoso processo


de industrialização, a indústria perde participação relativa de maneira positiva
ou de maneira já esperada, sem que a diminuição do seu ritmo de crescimento
prejudique outros setores e o desenvolvimento econômico (DIEGUES; ROSSI,
2016).

Diante disso, vale ressaltar que estudos sobre as mudanças estruturais dos
países têm despertado bastante interesse nos economistas desde a década de 1960
e com maior intensidade na década de 1980. O principal motivo desse interesse

45
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

está na verificação da perda da participação industrial no total da economia dos


países, que parece acontecer de forma generalizada no período recente. Esse
fenômeno foi denominado de desindustrialização.

De acordo com o estudo da European Commission (EC), quase todos os


países seguem uma tendência semelhante de mudança estrutural. Quando
um país inicia um processo de desenvolvimento, apresenta-se quedas da
participação no emprego e no valor adicionado nacional em relação ao total
da agricultura. Em resposta, há um rápido aumento da quota de produção
industrial e de serviços (EUROPEAN COMMISSION, 2013). Ademais, quando
os países atingem maturidade industrial e certo alto nível de renda per capita,
as economias apresentam perda da participação industrial no PIB e no emprego
em detrimento do setor de serviços. Esse fenômeno pode ser denominado de
desindustrialização normal.

Sendo assim, as informações trazidas pela Tabela 1 revelam o processo de


mudança estrutural dos países pela ótica do valor adicionado, mensurado a partir
da variação em pontos percentuais da participação relativa do valor adicionado
no PIB dos países. Os dados são provenientes do Banco Mundial para o período
de 1995 a 2014.

TABELA 1 - MUDANÇAS DO VALOR ADICIONADO NO PIB, EM PONTOS PERCENTUAIS, POR


SETORES E POR DÉCADAS, 1995-2014

46
TÓPICO 3 | INDICADORES DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

Notas: 1) Disponibilidades dos dados para China, Japão e Países do Leste Asiático e Pacífico
(1995-2013) e Estados Unidos (1997-2013); 2) Dados do Banco Mundial.
a
Considera somente países em desenvolvimento.
FONTE: Gomes (2017, p. 32)

A partir dos dados da tabela, observa-se que há um processo de mudança


estrutural em direção ao setor de serviços de maneira generalizada, com variação
negativa para quase todos os países e grupo de países selecionados. Na primeira
metade dos anos 2010, a China e os países do Leste Asiático e Pacífico parecem seguir
na direção mundial de declínio industrial, que contrasta com altos crescimentos
observados em decênios anteriores. As maiores variações percentuais de declínio
da indústria foram observadas para a China (-3,45 p.p) e Brasil (-3,41 p.p), em
contraste, a Alemanha (0,17 p.p) e os EUA (0,17 p.p) foram os que apresentaram
variações positivas na participação no mesmo período. Em síntese, a tendência
mundial segue em direção ao crescimento do setor de serviços, em detrimendo
da agricultura e do setor industrial.

Arend (2015) lembra que economias em desenvolvimento, como a


China, Índia e Coreia do Sul, passaram por um processo de industrialização no
período recente (1980-2011), ao passo que Brasil e México apresentaram uma
desindustrialização precoce e economias desenvolvidas, como EUA e Japão,
revelaram uma desindustrialização natural ou normal.

NOTA

O processo de desindustrialização dessas economias pode ser entendido


como natural, pois, no momento em que a participação percentual da manufatura no PIB
cai abaixo de 25% do PIB e de forma sustentada, em todos os casos o nível de renda per
capita situava-se ao redor de US$ 20 mil (AREND, 2015, p. 25).

47
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

Compreende-se que “a desindustrialização, em um determinado país,


não se configura pela queda ou estagnação do produto industrial ao longo do
tempo, mas pela perda de importância deste campo como fonte de geração de
emprego e valor adicionado” (AREND, 2015, p. 23).

O conceito de desindustrialização destacado aqui se refere ao trabalho


de referência de Rowthorn e Weels (1987, p. 5), em que os autores afirmam que
a desindustrialização é um: “termo que tem muitos significados diferentes, mas
através desse trabalho nós o usaremos para denotar uma queda na participação
da indústria, especialmente a manufatureira, no emprego total”. Nessa mesma
perspectiva, dada a complexidade do fenômeno, Tregenna (2008) defende que

[...] ao invés de definir desindustrialização em termos de uma


simples dimensão de queda de participação da manufatura no
emprego total, assim como na literatura corrente, nós propomos que
a desindustrialização poderia ocorrer quando existe um declínio
sustentado em ambas a participação da manufatura no emprego total
e a participação da manufatura no PIB (TREGENNA, 2008, p. 459,
itálicos no original).

Nesse sentido, parece que há um movimento de desindustrialização desses


países, já que se observaram quedas nas participações do valor adicionado da
indústria manufatureira no PIB e quedas na participação do emprego industrial
no total da economia.

Desse modo, analisada a mudança estrutural dos países pela ótica do


emprego apresentada no gráfico a seguir, podemos observar que a China se
destaca por apresentar um alto crescimento no período. O país apresentou uma
participação estável no emprego industrial, com média de 22,9% entre 1995
e 2002. A partir 2003, a participação do pessoal ocupado na indústria seguiu
tendência de crescimento até 2012, quando atingiu a marca de 30,5%. O país
tem se afirmado com as maiores taxas de ocupação na indústria entre os países
da amostra desde 2010. Entre 1995 e 2014, a participação do emprego industrial
chinês cresceu 7,2 p.p.

48
TÓPICO 3 | INDICADORES DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

GRÁFICO 2 - PARTICIPAÇÃO PERCENTUAL DO EMPREGO INDUSTRIAL NO EMPREGO TOTAL,


PAÍSES SELECIONADOS, EM (%), 1995-2014

Nota: 1) p – projeção; 2) dados de outubro de 2013


FONTE: Gomes (2017, p. 34).

Nota-se no gráfico exposto que a Alemanha foi o segundo país com as


maiores taxas de participação de empregados na indústria nos últimos anos, com
participação de 28,3% do total de empregados em 2012. Apesar das altas taxas
relativas, esse país foi o que apresentou maior queda da participação (-8,3 p.p) no
período entre 1995 e 2014.

O caso japonês apresentou também tendência de queda do emprego


industrial até 2010 quando apresentou 25,6% do total de empregos na economia.
Em contraste, no ano de 1995, a participação do pessoal ocupado na indústria foi
de 33,7%. A partir de 2011 o movimento é de reversão e, desde então, apresenta-
se altas nas taxas, sendo que, no ano de 2014, foi de 27,5%. Dessa maneira, o país
apresentou uma variação de -6,2 p.p em todo o período analisado.

O México apresentou crescimento até o ano de 2000, atingindo 26,79% do


pessoal ocupado na indústria naquele ano. A taxa de emprego mexicana oscilou
pouco durante o período analisado, apresentando entre 2001 a 2010 a média de
25,38% da ocupação e em 2013 caiu para 23,6%. No período todo, a variação
permaneceu estável, com pequeno crescimento de 0,4 p.p.

O panorama industrial brasileiro pela ótica do emprego mantém-se estável


durante todo o período, tendo média de 21,34% da participação das ocupações no
setor e com quedas sistemáticas entre 2008 e 2014. A maior taxa de participação
do emprego industrial foi 22,7%, apresentada para o ano de 2008. Observa-se que
o país se apresenta como o segundo com pior desempenho nesse indicador, atrás
somente dos EUA.

49
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

Por fim, os EUA apresentaram, nos últimos anos, as menores participações.


A partir de 2004, a indústria estadunidense passou a exibir as menores taxas entre
todos os países no período em análise, o que revelou o pior desempenho desse
indicador no ano de 2010, com uma taxa de 17,2%. Em 1995, o país apresentava a
terceira maior taxa dentre os países analisados. O processo de mudança estrutural
levou o país a obter as menores taxas de emprego industrial nos últimos anos,
com média de 19% da participação do emprego entre 2004 a 2014.

Analisando de outra forma, as informações trazidas na Tabela 2 permitem


constatar que países desenvolvidos seguem tendência de queda na participação
de empregos industriais, uma vez que Alemanha, Japão e EUA apresentaram
variações percentuais negativas no período entre 1995 e 2014.

Ao lado disso, observa-se que há um movimento de maneira generalizada


no aumento da participação do emprego em setores de serviços, tanto em países
desenvolvidos quanto em países em desenvolvimento, conforme demonstra a
tabela a seguir. Vale ressaltar que, dentre os países analisados, a China foi o país
que apresentou as maiores transformações estruturais no período, com maior
variação negativa no setor de agricutura (-20,7 p.p) e maiores variações positivas
nos setores industrial (7,2 p.p) e serviços (13,6 p.p) (GOMES, 2017).

TABELA 2 – MUDANÇA ESTRUTURAL DO EMPREGO NOS SETORES, PAÍSES SELECIONADOS,


PARTICIPAÇÃO E VARIAÇÃO EM PONTOS PERCENTUAIS, 1995-2014

Nota: Os dados são de outubro de 2013, assim os dados para 2014 são uma projeção
feita pela OIT.
FONTE: Gomes (2017, p. 35).

Os resultados da perda de participação do emprego industrial em países


desenvolvidos indicam um movimento de desindustrialização desses países,
uma vez que se observaram quedas nas participações do valor adicionado da
indústria manufatureira no PIB e na participação do emprego industrial no total
da economia. De acordo com Gomes e Diegues (2017), a perda da participação
do emprego industrial nos EUA se deve ao fato do país condicionar seu modo de
governaça financeira a partir do fenômeno da maximização do valor acionário
que tem reconfigurado as indústrias estadunidenses, atreladas ao paradigma
organizacional da empresa em rede, cujas indústrias deixam as atividades
estritamente produtivas e se concentram em serviços industriais.

50
TÓPICO 3 | INDICADORES DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

Gomes e Diegues (2017) defendem a tese de que os países estão passando


por um processo de desindustrialização, fenômeno que ocorre de maneira
generalizada, devido ao fato do “efeito China”, que se tornou a workshop of the
world, passando a receber as etapas de produção fragmentadas globalmente e
ligadas em redes de produção.

A China, entretanto, vem recebendo etapas menos sofiticadas da


cadeia e mais recentemente passa a produzir bens com maior conteúdo
tecnológico e mais sofisticados. Contudo, apesar do extraordinário
desenvolvimento econômico que vem ocorrendo na China nos últimos
anos está transformando um país que era altamente igualitário em um
país desigual (BRESSER-PEREIRA, 2008, p. 6).

Em síntese, observa-se que indicadores de valor adicionado e de pessoal


ocupado são de extrema importância para o estudo do desenvolvimento dos
países, pois indicam movimentos importantes para a compreensão da produção
em nível global e do desenvolvimento em nível local, revelando possíveis novas
relações entre o centro e a periferia, que reconfiguram as relações de produção
e trabalho internacional. Vale ressaltar que as análises que desejam ser exitosas
devem ser feitas sempre em perspectivas comparadas.

NOTA

Neste tópico, não pretendemos nos concentrar no fenômeno das cadeias


globais de valor (também conhecidas como cadeias globais de produção ou redes globais
de produção, que são palavras-chave sinônimas). Entretanto, é um debate recente e que
desperta bastante interesse dos economistas atuais, principalmente a partir de análise e dos
impactos provocados pela recente e rápida industrialização chinesa.

Por sua vez, as relações de trabalho interferem nos níveis de produtividade.


Assim, cumpre-se mostrar outro indicador importante para o desenvolvimento
dos países: a produtividade do trabalho.

2.3 APRENDENDO A MENSURAR A PRODUTIVIDADE


Com certeza você já estudou em outras disciplinas o conceito de
produtividade. Podemos dizer que a produtividade é a renda por trabalho, ou
seja, a razão entre a renda total e o total de empregados. Assim, pode-se mensurar
a produtividade de diversas maneiras, como a razão entre o valor adicionado
(VA) e o pessoal ocupado (PO), razão entre o produto (PIB) e o pessoal ocupado
(PO), a produção por horas trabalhadas etc. Ela também pode ser calculada para
diversos níveis, como a produtividade total de um país ou a produtividade para
cada setor.

51
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

A seguir, é apresentado um exemplo, em que são apresentados valores


para o valor adicionado da indústria de transformação brasileira, mensurados
em paridade do poder de compra dos EUA. A seguir, encontram-se os valores
do pessoal empregado em cada setor. Vale ressaltar que as atividades foram
agrupadas e classificadas de acordo com a classificação tecnológica tradicional
da OCDE (1987).

TABELA 3 – VALOR ADICIONADO DA INDÚSTRIA BRASILEIRA − SETORES OCDE −


EM UNIDADES

Setores OCDE 2000 2007 2014


Alta 16.477.890,21 22.567.314,59 23.678.826,06
Média-alta 67.119.817,46 96.676.256,59 101.199.867,39
Média-baixa 41.224.615,08 67.021.871,70 88.826.902,41
Baixa 100.987.292,33 129.321.049,21 146.197.478,19
Total 225.809.615,08 315.586.492,09 359.903.074,05
FONTE: O autor

TABELA 4 − EMPREGO NA INDÚSTRIA MANUFATUREIRA BRASILEIRA −


EM UNIDADES

Setores OCDE 2000 2007 2014


Alta 302.443,00 339.743,00 303.349,00
Média-alta 1.273.627,00 1.599.357,00 1.946.313,00
Média-baixa 1.602.965,00 2.076.891,00 2.245.228,00
Baixa 6.811.704,00 8.333.635,00 7.409.027,00
Total 9.990.739,00 12.349.626,00 11.903.917,00

Nota: Os dados utilizados são desagregados a 2-dígitos e foram agregados de acordo com
a classificação tradicional da OCDE em setores de Alta (21 – Produtos farmacêuticos; 26
– Computadores, produtos eletrônicos e ópticos); Média-Alta (20 – Produtos químicos; 27 –
Equipamentos elétricos; 28 – Máquinas e equipamentos; 29 – Veículos motores, reboque; 30 –
Outros equipamentos de transporte); Média-baixa (19 – Coque e produtos petrolíferos refinados;
22 – Borracha e produtos plásticos; 23 – Produtos não metálicos; 24 – Metalurgia; 25 – Produtos
de metal; 33 – Reparação e instalação de máquinas e equipamentos); e Baixa tecnologia (10-12
– Alimentos, bebidas e tabaco; 13-15 – Têxtil e vestuário; 16 – Produtos de madeira; 17 – Papel e
produtos de papel; 18 – Impressão; 31-32 – Móveis).
FONTE: O autor

A partir desses dois dados, podemos calcular a produtividade da


indústria de transformação do Brasil por setor tecnológico e produtividade total
da indústria.

52
TÓPICO 3 | INDICADORES DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

TABELA 5 - PRODUTIVIDADE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA − SETORES OCDE

Setores OCDE 2000 2007 2014


Alta 54,48 66,42 78,06
Média-alta 52,70 60,45 52,00
Média-baixa 25,72 32,27 39,56
Baixa 14,83 15,52 19,73
Total 22,60 25,55 30,23
FONTE: O autor

Observando as tabelas apresentadas, podemos comparar a produtividade


brasileira em termos da produtividade dos Estados Unidos, por exemplo. Esse
exercício serve para mostrar a distância entre a produtividade nacional em relação
ao país que é referência em produtividade mundial.

O gap de ou diferencial de produtividade é definido como a distância entre


os valores da produtividade de um setor em determinado país e a produtividade
deste mesmo setor nos EUA. O gap de produtividade em relação à fronteira (EUA
= 0%) é mensurado pela fórmula:

 VA 
GAP= 1 −  País X
 VAEUA 

Ainda, pode ser interpretado por, quanto maior o valor (ou próximo a
100%), o gap entre os países é maior. Isso significa que o país está se distanciando da
fronteira tecnológica e pode indicar um caminho de falling behind. Caso contrário, a
aproximação em relação à fronteira indica um processo de catching up.

TABELA 6 – GAP DE PRODUTIVIDADE DO TRABALHO NA INDÚSTRIA MANUFATUREIRA


EM RELAÇÃO AOS EUA, EM PPP, POR INTENSIDADE TECNOLÓGICA, EM %, VARIAÇÃO EM
PONTOS PERCENTUAIS (2000-2014)

Setores OCDE 2000 2007 2014


Alta 59,4 66,9 72,7
Média-alta 49,3 60,9 74,4
Média-baixa 66,9 74,2 72,2
Baixa 77,8 82,3 82,5
Total 74,1 80,0 81,5
FONTE: O autor

53
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

A partir dos resultados apresentados na Tabela 6, observa-se que a


produtividade da economia brasileira cresceu no período indicado. Entretanto,
quando comparado à produtividade estadunidense, tem se distanciado da
fronteira, indicando um processo de falling behind.

No entanto, você deve estar se perguntando: como esses resultados


impactam no desenvolvimento dos países? Para os autores estruturalistas, por
exemplo, o aumento do nível de produtividade vem acompanhado do aumento do
nível de salários e, consequentemente, no aumento do padrão médio de vida. Isso
é exatamente o significado de desenvolvimento econômico tal como conhecemos,
com preceitos de distribuição de renda menos desigual e distribuição mais justa
do produto social.

Nesses termos, parece que os esforços brasileiros não estão atingindo os


níveis de produtividade de padrões internacionais de modo a sustentar um nível
de desenvolvimento desejável. Além do mais, a concentração de renda é um dos
principais problemas enfrentados por países em desenvolvimento. Desse modo,
vamos analisar a seguir alguns indicadores que revelam tais fenômenos.

3 DESIGUALDADES ENTRE OS PAÍSES E A PRODUÇÃO DE


RIQUEZAS
Thomas Piketty (2014, p. 272-275), em seu mais recente livro sobre o
capital no século XXI, afirma que,

[d]esigualdades socioeconômicas – disparidades de renda e riqueza


entre grupos sociais – são sempre tanto causa quanto efeito de outros
desenvolvimentos em outras esferas. Todas essas dimensões são
indissociavelmente entrelaçadas. Ainda, [...] a história da distribuição
da riqueza é uma das maneiras de interpretar a história mais geral de
um país.

Nesse sentido, apresentamos a seguir uma nova abordagem para


caracterizar o desenvolvimento dos países, principalmente com relação àqueles
indicadores mensurados por órgãos multilaterais, como as Nações Unidas.

3.1 DESENVOLVIMENTO A PARTIR DA ÓTICA DO ÍNDICE DE


DESENVOLVIMENTO HUMANO (IDH)
O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um indicador que
mensura de forma resumida o progresso de um determinado lugar (seja país ou
município) em longo prazo a partir de três dimensões básicas do desenvolvimento
humano: renda, educação e saúde. Ou seja, o indicador tem o intuito de indicar
o desenvolvimento de um país a partir de uma perspectiva ampla, abarcando

54
TÓPICO 3 | INDICADORES DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

dimensões essenciais ao desenvolvimento humano e não se limitando a classificar


os países somente pela ótica econômica e mensurada pela renda. Nesse caso, o
capital humano e a qualidade da saúde da população são levadas em consideração
(PNUD, 2020a).

Nesse sentido, o objetivo da criação do IDH foi o de oferecer um


contraponto a outro indicador muito utilizado e já discutido nesta unidade,
o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão
econômica do desenvolvimento. Criado por Mahbub ul Haq, com a colaboração
do economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de
1998, o IDH pretende ser uma medida geral e sintética que, apesar de ampliar a
perspectiva sobre o desenvolvimento humano, não abrange nem esgota todos os
aspectos de desenvolvimento.

O quadro a seguir traz informações sobre o IDH Global para o ano de


2014. Nessa classificação, observa-se o Brasil na 75ª posição, revelando um índice
considerado alto para o desenvolvimento humano. O país com maior IDH foi a
Noruega (país europeu), com índice de 0,944, em contraste o Níger (país africano)
possuía o menor índice: 0,348.

QUADRO 2 – RANKING IDH GLOBAL 2014, PAÍSES SELECIONADOS

Ranking
IDH
IDH País
2014
Global
MUITO ALTO DESENVOLVIMENTO HUMANO
1 Noruega 0,944
2 Austrália 0,935
3 Suíça 0,930
4 Dinamarca 0,923
5 Países Baixos 0,922
6 Alemanha 0,916
6 Irlanda 0,916
8 Estados Unidos 0,915
9 Canadá 0,913
9 Nova Zelândia 0,913
ALTO DESENVOLVIMENTO HUMANO
50 Belarus 0,798
50 Federação Russa 0,798
52 Omã 0,793
52 Romênia 0,793
52 Uruguai 0,793

55
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

55 Bahamas 0,790
56 Cazaquistão 0,788
57 Barbados 0,785
58 Antígua e Barbuda 0,783
59 Bulgária 0,782
75 Brasil 0,755
MÉDIO DESENVOLVIMENTO HUMANO
106 Botswana 0,698
107 Moldávia (República da) 0,693
108 Egito 0,690
109 Turcomenistão 0,688
110 Gabão 0,684
110 Indonésia 0,684
112 Paraguai 0,679
113 Palestina, Estado da 0,677
114 Uzbequistão 0,675
115 Filipinas 0,668
BAIXO DESENVOLVIMENTO HUMANO
145 Quênia 0,548
145 Nepal 0,548
147 Paquistão 0,538
148 Mianmar 0,536
149 Angola 0,532
150 Suazilândia 0,531
151 Tanzânia (República Unida da) 0,521
152 Nigéria 0,514
153 Camarões 0,512
188 Níger 0,348
FONTE: <https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/rankings/idh-global.html>.
Acesso em: 29 abr. 2020.

Apesar do alto nível de desenvolvimento encontrado no Brasil, é


importante relatar que existem desigualdades internas severas e que precisam ser
analisadas. Em perspectiva comparada, podemos analisar o índice de GINI, que
mede a desigualdade entre os países e, no nível local, o IDH municipal (IDHM),
que será tratado a seguir.

56
TÓPICO 3 | INDICADORES DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

3.2 AS DESIGUALDADES INTERNAS: IDHM DO BRASIL


Caro acadêmico, você deve estar pensando: quais as implicações de
reconhecer os mais diversos níveis de governança no Estado brasileiro? Nesse
sentido, para que serve reconhecer o IDH dos municípios brasileiros?

Esse conjunto de indicadores nos auxilia na compreensão do território


nacional e na melhor destinação dos recursos, a fim de minimizar a precariedade
de certas regiões do Brasil.

De acordo com o PNUD (2020b), o cálculo do Índice de Desenvolvimento


Humano Municipal (IDHM), no Brasil, utiliza as três dimensões que também são
analisadas pelo Índice de Desenvolvimento Global, (IDH Global): longevidade,
educação e renda.

A longevidade tem por objetivo mensurar a expectativa de vida ao nascer


com base nas estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A educação é mensurada através dos índices de alfabetização em cada um dos
municípios e o cálculo da renda é realizado através da renda per capita municipal.

Assim, para se chegar aos resultados municipais, é necessário adequar


a metodologia utilizada na mensuração do IDH-global ao contexto brasileiro e
à disponibilidade de indicadores nacionais, que nem sempre estão disponíveis.

De acordo com o PNUD (2020b), os indicadores levados em conta na


mensuração do IDHM são mais adequados para avaliar o desenvolvimento dos
municípios brasileiros. A partir do cálculo desses indicadores, é possível construir
mapas de desigualdade social e econômica dos países e/ou municípios.

Observe a figura a seguir. Elas representam mapas de desigualdade no


país e também em nível municipal. Assim, os mapas mostram as localidades
do território brasileiro que são mais desenvolvidas e aquelas que são menos
desenvolvidas e necessitam de mais investimento e atenção por parte do governo
na aplicação de políticas públicas.

57
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

FIGURA 2 – MAPAS DA DESIGUALDADE NO BRASIL, MENSURADOS PELO IDHM BRASIL


(2010 E 1991)

FONTE: <https://www12.senado.leg.br/emdiscussao/edicoes/pacto-federativo/infograficos-da-
edicao>. Acesso em: 23 abr. 2020.

Você pode observar na Figura 2 que as cores das áreas dos mapas indicam
o IDHM dos municípios. Os municípios em vermelho têm IDHM muito baixo;
em laranja, IDHM baixo; em amarelo, IDHM médio; em verde, IDHM Alto; e, em
azul, IDHM muito alto.

Se compararmos os dados de 2010 com os dados de 1991, por exemplo,


podemos observar que grande parte do território brasileiro era marcada por
baixo nível de desenvolvimento. Já ao observar os dados apresentados no ano
2000, observa-se que o país já apresentava melhores índices de desenvolvimento
em relação a 1991.

DICAS

No site do Atlas Brasil, você terá acesso ao Atlas do Desenvolvimento Humano


relativo ao ano de 2013. Neste site, você também poderá fazer análises a partir da seleção
de indicadores para os estados e municípios brasileiros: http://www.atlasbrasil.org.br/2013/.

58
TÓPICO 3 | INDICADORES DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

LEITURA COMPLEMENTAR

REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E SOCIEDADE DE CONSUMO EM MASSA

Fernando Nogueira da Costa 

Segundo Niall Ferguson (2012, p. 237), a Revolução Industrial não


teria começado na Grã-Bretanha e se espalhado para o restante do mundo sem
o desenvolvimento simultâneo de uma sociedade de consumo dinâmica.  A
sustentabilidade da industrialização foi os trabalhadores se tornarem, ao longo do tempo,
também consumidores. Diferentemente dos escravos e dos servos, que não faziam
compras de roupas, tendo apenas uma peça de vestimenta, os assalariados
acabaram comprando um guarda-roupa!

Uma das maiores inovações recentes, nos séculos XX e XXI, foi a massificação
da sociedade de consumo a partir do Ocidente (EUA), mas globalizando-a com força maior
a partir do Oriente (China) com o barateamento dos bens de consumo duráveis e não
duráveis. Esse é, segundo Ferguson (2012, p. 37), “um dos maiores paradoxos da
história moderna: que um sistema econômico projetado para oferecer escolha
infinita ao indivíduo tenha terminado homogeneizando a humanidade”. Toda
ela, de maneira padronizada, veste jeans, camisetas e tênis baratos!

A primeira fase de industrialização esteve concentrada nos produtos


têxteis. Embora tenha durado décadas, a Revolução Industrial foi extremamente
localizada em poucas regiões da Inglaterra e setorialmente concentrada em
tecelagem de algodão. O setor têxtil foi o responsável pelo “milagre econômico
britânico”. Em meados dos anos 1780, a exportação de tecidos de algodão
correspondia a apenas 6% do total das exportações britânicas. Em meados dos
anos 1830, a proporção havia subido para 48%, em sua maior parte para a Europa
Continental. No continente, os europeus adquiriram um gosto por roupas baratas
industrializadas muito antes de aprender a produzi-las por conta própria.

Por que a Grã-Bretanha se industrializou primeiro? 

A sociedade de consumo inglesa não era significativamente mais


avançada do que outros Estados do noroeste europeu. O nível de disseminação de
conhecimento científico não era notadamente superior. Embora tivesse avanços
na agricultura, serviços bancários e comércio, não foi isso que desencadeou um
surto de investimento no aumento da produtividade têxtil, do ferro e da produção
de energia a vapor.

As vantagens institucionais no âmbito da Política –  a soberania do


Parlamento – e do Direito – a Common Law, encorajando a formação de corporações
e oferecendo garantias contratuais aos credores –, sem dúvida, ajudaram à Grã-

59
UNIDADE 1 | DESENVOLVIMENTO E SUBDESENVOLVIMENTO: UMA INTRODUÇÃO AO DEBATE

Bretanha a sair à frente de outros futuros impérios no século XVII e, sobretudo, no


século XVIII. É possível que os impostos do século XVIII, que incidiam sobre os
tecidos indianos de algodão, tenham dado alguma vantagem aos manufatureiros
britânicos, assim como as políticas protecionistas similares às que, mais tarde,
protegeriam as indústrias incipientes dos Estados Unidos, protegendo-as da
competição britânica.

A Grã-Bretanha diferia, significativamente, de outros países do Noroeste


da Europa em dois aspectos que tornam a Revolução Industrial lá compreensível.
O primeiro era que  a força de trabalho era claramente mais cara que no continente.
A segunda razão era que o carvão na Grã-Bretanha era abundante, acessível e,
portanto, muito mais barato que do outro lado do Canal da Mancha. Juntas, essas
diferenças explicam porque os empreendedores britânicos estavam muito mais
motivados para buscar a inovação tecnológica do que seus pares continentais.
Fazia mais sentido lá do que em qualquer outro lugar substituir homens caros
por máquinas alimentadas por carvão barato.

Embora, evidentemente, a Revolução Industrial tenha melhorado as


condições de vida em longo prazo, no curto prazo parecia tornar a vida dos
operários pior. Porém, as propostas do Manifesto Comunista  não atraíram os
trabalhadores industriais a quem se dirigiam. Marx e Engels reivindicavam
a abolição da propriedade privada; a extinção da herança; a centralização do
crédito; a propriedade estatal de todos os meios de produção. Os sindicalistas
de meados do século XIX queriam cidadania, isto é, conquista de direitos: um
governo constitucional; a liberdade de expressão, de imprensa e de associação;
uma representação político-partidária mais ampla por meio da reforma eleitoral;
a autodeterminação nacional ou autogoverno. A luta por representação cada
vez mais ampla levou a uma legislação que beneficiava os grupos de baixa
renda. Aumento nos salários reais, graças às pressões dos sindicatos, traduziu-
se em acesso à sociedade de consumo para os trabalhadores. Marx ignorou a
possibilidade de os trabalhadores desejarem se tornar consumidores. Os cidadãos
almejavam a democracia da propriedade da casa própria.

Nos Estados Unidos do pós-Segunda Guerra,  a sociedade de consumo se


tornou um fenômeno de massas, diminuindo significativamente as diferenças de
vestuário entre as classes sociais. Antes da guerra, a maioria das roupas era
feita sob medida por alfaiates. Mas, a necessidade de manufaturar milhões de
uniformes incentivou o desenvolvimento de tamanhos padrão. Os tamanhos
padronizados permitiram que não só os uniformes, como também roupas civis,
fossem produzidos em massa e vendidos “prontos para vestir” (prêt-à-porter).

As melhores oportunidades de educação para os soldados norte-


americanos que voltavam da guerra, associadas a uma onda de construção de
casas nos subúrbios, traduziram-se em uma significativa melhoria na qualidade de
vida. Os pais dos baby boomers foram a primeira geração a ter acesso significativo
ao crédito ao consumidor. Eles  compraram casa a prazo, seu carro a prazo, e seus
eletrodomésticos a prazo.

60
TÓPICO 3 | INDICADORES DE AVALIAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO

De maneira mais inesperada, a sociedade de consumo forneceu ao Leste


Asiático (e não à ex-URSS) não só um modelo a ser seguido, como também um
mercado mundial para seus bens de consumo baratos. Então, o paradoxal foi:
o socialismo realmente existe, ou seja, o socialismo de mercado propiciou a revolução
mundial na sociedade de consumo! A inclusão em massa nesse mercado global é uma
conquista social e não deve ser menosprezada!

FONTE: Adaptado de: Costa, F. N. Revolução Industrial e Sociedade de Consumo em Massa.


2014. Disponível em: https://fpabramo.org.br/2014/04/08/revolucao-industrial-e-sociedade-de-
consumo-em-massa/. Acesso em: 23 abr. 2020.

61
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• Os principais indicadores para avaliar o desenvolvimento econômico em


perspectiva ampla são: renda per capita e renda per capita em PPP.

• Os indicadores estruturais correspondem à mão de obra e produção, ou seja,


são capazes de caracterizar a estrutura produtiva dos países.

• A produtividade é uma medida aproximada para caracterizar o desenvolvimento


tecnológico dos países,

• O gap ou hiato de produtividade é utilizado para mensurar o grau de catching


up ou falling behind do país com relação à fronteira tecnológica.

• A decompor e identificar as partes que compõem o Índice de Desenvolvimento


Humano e Índice de Desenvolvimento Humano Municipal. Além disso, o
índice é um bom indicador para caracterizar o desenvolvimento dos países e
municípios.

CHAMADA

Ficou alguma dúvida? Construímos uma trilha de aprendizagem pensando


em facilitar sua compreensão. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja
as novidades que preparamos para seu estudo.

62
AUTOATIVIDADE

1 Observe a imagem a seguir e faça uma reflexão, de maneira crítica, a partir


dos conhecimentos obtidos durante esta unidade, sobre o desenvolvimento
humano dos municípios brasileiros. Em sua resposta, leve em consideração
os componentes que fazem parte do cômputo do índice: renda, longevidade
e educação. Quais regiões devem ser mais bem atendidas por políticas
públicas? Tente desenvolver também prescrições normativas para se alcançar
uma melhora desse índice.

63
64
UNIDADE 2

HISTÓRIA ECONÔMICA,
DESENVOLVIMENTO E AS
INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• conhecer as contribuições de Schumpeter e Keynes para a teoria do


desenvolvimento, também definido como desenvolvimentismo;

• contextualizar as principais obras e trajetórias destes autores;

• definir concorrência schumpeteriana e as contribuições de seus seguidores,


os neoschumpeterianos ou evolucionários, para o desenvolvimento das
políticas industriais e tecnológicas;

• discutir as contribuições dos seguidores de Keynes e suas contribuições


para o desenvolvimentismo contemporâneo;

• definir os principais aspectos teóricos-conceituais das teorias de


Schumpeter e Keynes para o desenvolvimento econômico dos países.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – PADRÕES DE DESENVOLVIMENTO EM PERSPECTIVA


HISTÓRICA

TÓPICO 2 – MODERNIZAÇÃO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

TÓPICO 3 – ESTADO, PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

65
66
UNIDADE 2
TÓPICO 1

PADRÕES DE DESENVOLVIMENTO EM PERSPECTIVA


HISTÓRICA

1 INTRODUÇÃO
As abordagens de Schumpeter continuam sendo necessárias para as
políticas públicas, uma vez que o autor deu maior ênfase à concorrência por
meio da inovação que contrasta com a teoria clássica, ou seja, os países dão maior
importância à ciência e à tecnologia, pois são capazes de promover e perpetuar o
desenvolvimento. Além disso, a inovação é capaz de promover saltos e diminuir
o gap produtivo e tecnológico em relação aos países que estão na fronteira.

Por outro lado, Keynes, que sem dúvidas é visto como um dos economistas
mais renomados do século XX, teceu contribuições importantes sobre política
monetária e fiscal. Além disso, em seu modelo de desenvolvimento baseado na
demanda efetiva, Keynes coloca a distribuição de renda como um dos principais
pilares. Por sua vez, consumo significa maiores lucros para as empresas e maiores
investimentos, e o investimento é determinante para a geração de emprego e
renda, sendo a demanda efetiva o princípio de tudo.

2 DESENVOLVIMENTISMO: AS CONTRIBUIÇÕES DE
SCHUMPETER E KEYNES
Para que fique clara a compreensão da abordagem de Schumpeter,
inicialmente, apresentaremos os principais elementos para a interpretação da
teoria do desenvolvimento econômico, segundo a abordagem desenvolvida por
Schumpeter no início do século XX.

2.1 O DESENVOLVIMENTO PARA SCHUMPETER


O aspecto fundamental, para Schumpeter, a respeito do desenvolvimento
econômico é o processo inovativo aplicado sistema produtiva das organizações.
Antes de continuarmos, é importante que você conheça um pouco da trajetória
de Schumpeter na economia.

67
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

NOTA

Segundo Pivoto, Caruso e Niederle (2016), Joseph Alois Schumpeter é


considerado um dos maiores pensadores da teoria econômica no século XX. Economista
austríaco, nasceu em 8 de fevereiro de 1883, em Triesch, na Morávia, província austríaca
pertencente, atualmente, à República Tcheca, filho único de um fabricante de tecidos. Seu
percurso acadêmico foi dedicado ao estudo de direito e economia na Universidade de
Viena, local em que desde cedo teve contato com a chamada Escola Austríaca, uma das
principais signatárias do pensamento econômico neoclássico.

Schumpeter trouxe diversas contribuições à teoria econômica e à discussão


sobre o desenvolvimento, distribuídas em um conjunto de artigos e livros. Três obras são
particularmente recorrentes nas tentativas de decifrar a evolução de suas formulações:
Teoria do Desenvolvimento Econômico, publicada em 1911, quando o autor ainda residia
na Áustria, e traduzido para o inglês apenas em 1934; Business Cycles, uma das obras de
maior densidade teórica, publicada em 1939, quando Schumpeter já residia nos Estados
Unidos; e, finalmente, Capitalismo, Socialismo e Democracia, lançada em 1942, ou seja,
três décadas após a primeira.

Enquanto a primeira obra apresenta conceitos fundamentais que guiarão toda


a construção de uma teoria schumpeteriana evolucionária — focando a inovação e o
progresso técnico, o papel do empresário inovador e a função do crédito —, a segunda
representa uma densa contribuição teórica ao estudo dos fenômenos cíclicos da economia,
mas foi menos difundida, em virtude, sobretudo, do lançamento simultâneo da Teoria
Geral de John Maynard Keynes, a qual, em face dos eventos do pós-guerra, passou a ser a
principal novidade teórica da época.

De acordo com essa abordagem, a inovação exerce um papel central no


dinamismo econômico, uma vez que promove, entre outros fatores, o aumento de
produtividade das empresas e, por conseguinte, de toda a economia. Em outras
palavras, fazer investimentos sistemáticos em pesquisa e desenvolvimento e na
produção de novas coisas pode ser capaz de dinamizar o crescimento econômico
e produtivo, gerando efeitos em cadeia sobre a produção, o emprego, a renda e
os salários (PIVOTO; CARUSO; NIEDERLE, 2016).

Assim como para outros autores, Schumpeter se preocupa em distinguir os


conceitos de crescimento e de desenvolvimento. Seu modelo de desenvolvimento
remete a uma economia hipotética, a qual não possui desenvolvimento. A partir
disso, o autor elabora seus preceitos. Enfatiza-se os impactos das inovações como
promotoras do desenvolvimento.
Embora o autor defina crescimento como o resultado de incrementos
cumulativos e quantitativos que ocorrem em determinado sistema
econômico, ele vê no desenvolvimento um processo de outra natureza,
a saber, uma mudança qualitativa mais ou menos radical na forma de
organização desse sistema, gerada em decorrência de uma inovação
suficientemente original para romper com o seu movimento regular e
ordenado (PIVOTO; CARUSO; NIEDERLE, 2016, p. 19).

68
TÓPICO 1 | PADRÕES DE DESENVOLVIMENTO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

O modelo schumpeteriano é organizado a partir do fluxo circular de


Leon Walras, em que se pressupõe um “estado estacionário” da economia em
um modelo fechado, que, por sua vez, se caracteriza por existir crescimento
econômico (por fatores exógenos), mas sem desenvolvimento. Neste modelo,
cabe destacar que:

[...] as relações entre as variáveis produtivas se encontram em


condições de crescimento equilibrado, determinadas pelo ritmo do
crescimento demográfico, ou por mudanças políticas. [...] as receitas
provenientes do processo de produção reingressam no sistema
fechado para financiar novas etapas de produção, de modo que aqui o
crédito não tem nenhum papel. As mudanças que ocorrem no sistema
são marginais e não alteram substancialmente o equilíbrio geral; há
apenas processos de adaptação (PIVOTO; CARUSO; NIEDERLE,
2016, p. 19).

Os excertos a seguir expressam os argumentos de Schumpeter (1997, p.


27-28) ao designar o fluxo circular:

A quantidade de carne que o açougueiro vende depende de quanto


seu freguês, o alfaiate, comprará e a que preço. Isso depende,
todavia, dos resultados financeiros dos negócios deste último, estes
novamente dependem das necessidades e do poder de compra de seu
freguês, o sapateiro, cujo poder de compra depende, por sua vez, das
necessidades e do poder de compra das pessoas para quem produz;
e assim por diante, até que finalmente chegamos a alguém cujos
rendimentos provenham da venda de seus bens ao açougueiro.

O fluxo circular da vida econômica é fechado, em outras palavras, os


vendedores de todas as mercadorias aparecem novamente como compradores
em medida suficiente para adquirir os bens que manterão seu consumo e seu
equipamento produtivo no período econômico seguinte e no nível obtido até
então, e vice-versa.

De fato, o modelo que Schumpeter estava propondo era exatamente o


contrário suposto pelo modelo de equilíbrio geral walrasiano estático. Aquele
modelo prevê um modelo dinâmico do sistema econômico. No pensamento de
Schumpeter (1997, p. 74):

Entenderemos por ‘desenvolvimento’, portanto, apenas as mudanças


da vida econômica que não lhe forem impostas de fora, mas que surjam
de dentro, por sua própria iniciativa. Se se concluir que não há tais
mudanças emergindo na própria esfera econômica, e que o fenômeno
que chamamos de desenvolvimento econômico é na prática baseado no
fato de que os dados mudam e que a economia se adapta continuamente
a eles, então diríamos que não há nenhum desenvolvimento econômico.
Pretenderíamos com isso dizer que o desenvolvimento econômico não
é um fenômeno a ser explicado economicamente, mas que a economia,
em si mesma sem desenvolvimento, é arrastada pelas mudanças
do mundo à sua volta, e que as causas e, portanto, a explicação do
desenvolvimento devem ser procuradas fora do grupo de fatos que são
descritos pela teoria econômica.

69
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

Para Schumpeter, as mudanças ocorrem no âmbito da produção, e


não do consumo. O fundamental “é o papel que tem a inovação ao introduzir
descontinuidades que produzem desequilíbrios no sistema, levando a uma
nova configuração qualitativamente distinta da anterior” (PIVOTO; CARUSO;
NIEDERLE, 2016, p. 19).

NOTA

Para que a inovação aconteça, são necessárias duas figuras essenciais:


o empresário como portador da inovação e o capitalista, o qual banca a inovação
(banqueiro). O lucro é o resultado e o prêmio pelo envolvimento do risco. Por sua vez, o
risco está inerente à atividade empresarial, uma vez que há incertezas com relação a novas
combinações.

Outro elemento a se destacar são os juros, que também são um prêmio ao risco,
designados à parte do capitalista; por outro lado, o lucro é parte do prêmio dos empresários.

2.2 DESTRUIÇÃO CRIADORA


A relação entre a inovação, a criação de novos mercados e a ação de
empreendedor está claramente descrita por Schumpeter: “É, contudo, o produtor
que, via de regra, inicia a mudança econômica, e os consumidores, se necessário,
são por ele ‘educados’; eles são, por assim dizer, ensinados a desejar novas coisas,
ou coisas que diferem de alguma forma daquelas que têm o hábito de consumir”
(SCHUMPETER, 1997, p. 10).

Para Schumpeter, as novas combinações de fatores são capazes de


destruir o que é antigo e causar perturbações no sistema econômico por meio
de novas combinações de produção, ainda, de modo irreversível e descontínuo.
São exemplos de inovações que catalisam este processo (PIVOTO; CARUSO;
NIEDERLE, 2016): a introdução de novos produtos, novos métodos de produção, a
abertura de novos mercados, inclusive externos, novas fontes de matérias-primas
e novas estruturas organizacionais na indústria, com oligopólios competitivos.

70
TÓPICO 1 | PADRÕES DE DESENVOLVIMENTO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

E
IMPORTANT

O que é tecnologia para Schumpeter?

Para Schumpeter (1997, p. 32), “produzir significa combinar as forças e coisas ao


nosso alcance”. Ou seja, para ele, tecnologia é a combinação de coisas capaz de produzir
algo novo ou melhorias em processos de produção. O resultado dessas combinações são
o aumento das receitas financeiras. A função do empresário schumpeteriano, portanto, é o
de introduzir a inovação!

Podemos observar que a geração de lucro do monopólio proporcionada


por essas inovações é o motor do desenvolvimento econômico.

[...] No modelo schumpeteriano, a concorrência não ocorre


basicamente devido à redução das margens entre preços e custos,
mas graças à competição entre as firmas para o lançamento de nova
mercadoria ou tecnologia. Esse tipo de concorrência por meio da
inovação seria, segundo o autor, muito mais eficiente que a outra, e
a única capaz de efetivamente causar transformações significativas
no processo de desenvolvimento econômico (PIVOTO; CARUSO;
NIEDERLE, 2016, p. 21).

TUROS
ESTUDOS FU

Quanto aos diferentes tipos de concorrência, estudaremos adiante, no Tópico


2 desta unidade.

Na construção de sua teoria do desenvolvimento, no que tange ao papel das


instituições, Schumpeter adverte que instituições arcaicas não apenas impedem
o desenvolvimento, como são capazes de promover o subdesenvolvimento de
países que criam obstáculos e empecilhos aos empresários que queiram introduzir
inovações (PIVOTO; CARUSO; NIEDERLE, 2016)

Para você compreender melhor, podemos citar as instituições que travam


todo o sistema produtivo no estilo de Schumpeter, que são: “a falta de um sistema
bancário, instabilidade monetária, lei de propriedade privada, lei de patentes
etc.” (PIVOTO; CARUSO; NIEDERLE, 2016, p. 24). Ademais:

71
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

condições econômicas desfavoráveis, riscos e incertezas podem


inibir a ação empresarial e reduzir a demanda de crédito e o ritmo
das inovações. Aqui cabe salientar o papel do Estado na construção
das condições institucionais para a promoção das inovações, através
da educação, da tecnologia, da regulação dos mercados (PIVOTO;
CARUSO; NIEDERLE, 2016, p. 24).

Apesar disso, Schumpeter não destacou a importância do Estado como


agente inovador, ou mesmo como um interventor por meio de financiamentos.

2.3 ONDAS DE DESENVOLVIMENTO


Ao contrário do equilíbrio geral de Walras, Schumpeter defendia que o
desenvolvimento não era capaz de ser reproduzido de maneira uniforme ao longo
do tempo. Isso se daria por meio da onda de inovações associada à introdução de
novos produtos e processos, ou à criação de novos mercados.

Nesse sentido, a economia schumpeteriana se move, de forma cíclica, em


quatro fases: ascensão, recessão, depressão e recuperação. Este modelo possui
elementos desenvolvidos por Schumpeter a partir do modelo de ondas longas de
Kondratiev. A figura a seguir ilustra isso:

FIGURA 1 – ONDAS DE KONDRATIEV

FONTE: <bit.ly/3aFQOZZ>. Acesso em: 27 abr. 2020

72
TÓPICO 1 | PADRÕES DE DESENVOLVIMENTO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

Na fase de ascensão, surgem inovações radicais que levam à formação


de verdadeiros “enxames” de empresários que as adotam visando
apropriar-se dos lucros que podem ser gerados ou simplesmente
manter-se no mercado. A adoção das inovações cria novas situações
ótimas de produção, causando prejuízos às empresas que utilizam
processos mais antigos. Os novos produtos chegam ao mercado
retirando espaço dos antigos. Ao longo do tempo, a concorrência acaba
provocando a queda dos preços dos bens de consumo e a elevação do
custo dos bens de capital e das matérias-primas, o que dá fim ao surto
de expansão e desencadeia a crise e a fase de recessão, a qual somente
será superada por uma nova onda de inovações (PIVOTO; CARUSO;
NIEDERLE, 2016, p. 24).

Sendo assim, cabe destacar que os períodos de prosperidade (recuperação)


e recessão econômica são inerentes ao processo de desenvolvimento capitalista.
Schumpeter relaciona os períodos de prosperidade ao fato de que o empreendedor
inovador, ao criar produtos, é imitado por um verdadeiro “enxame” de
empreendedores não inovadores que investem recursos para produzir e
imitar os bens criados pelo empresário inovador. Como resultado, uma onda
de investimentos de capital é injetada economia, gerando a prosperidade e o
aumento do nível de emprego (SCHUMPETER, 1997).

Já sobre o aumento do emprego na economia, o principal autor a tratar do


tema foi John Maynard Keynes, sobre o qual trataremos a seguir.

2.4 DESENVOLVIMENTISMO A PARTIR DAS TEORIAS DE


KEYNES
O livro A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, publicado por Keynes
em 1936, exerceu mais influência acerca dos pensamentos dos economistas e
autores da política do que qualquer outro na história do pensamento econômico.

DICAS

Em 1936, Keynes publicou o livro mais provocador da sua geração. Teoria Geral,
como é conhecido por todos os economistas, solucionou vários nós górdios da discussão
pré-keynesiana do ciclo comercial e propôs uma nova abordagem para a determinação do
nível de atividade econômica, os problemas do emprego e as causas da inflação.

Os debates acerca do livro se prolongaram até à morte do autor, em 1946, e


continuam nos dias de hoje. Apesar de tudo o que foi escrito nos anos posteriores, Keynes
e seu livro ainda representam a ruptura decisiva entre a velha e a nova economia. É uma
obra em que cada geração de economistas retira inspiração para novas tentativas de
desenvolver o seu trabalho.

73
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

FONTE: <bit.ly/2VDSleS>. Acesso em: 27 abr. 2020

De acordo com Dillard (1989, p. 3):

do mesmo modo que A Riqueza das Nações, de Adam Smith, no século


XVIII e O Capital, de Marx, no século XIX, a General Theory, de Keynes
tornou-se o centro da polêmica entre os escritores, quer profissionais
ou não profissionais. O livro de Smith é um vibrante repto ao
mercantilismo; o de Marx uma crítica demolidora do capitalismo; e o
livro de Keynes é um repúdio dos fundamentos do laissez faire.

Muitos economistas passaram a aceitar as ideias de Keynes, uma vez que


sua política econômica possui um viés mais prático. Podemos destacar alguns
exemplos da ampla e crescente aceitação de sua filosofia acerca da intervenção
estatal, do investimento público, e outras modalidades da política econômica
idealizadas para cobrir as brechas da economia: as medidas da política econômica
do New Deal, o projeto de lei de Murray sobre o emprego de 1945, e o Employment
Act, de 1946, dos Estados Unidos, além da criação do Fundo Monetário
Internacional (DILLARD, 1989). As ideias fundamentais da Teoria Geral podem
ser agrupadas em cinco pontos: o caráter geral da teoria, o papel do dinheiro, a
relação entre os juros e o dinheiro, o investimento e a incerteza acerca do futuro.
Estas questões serão tratadas a seguir.

74
TÓPICO 1 | PADRÕES DE DESENVOLVIMENTO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

2.4.1 A Teoria Geral


Sua teoria se ocupa de todos os níveis do emprego, em contraste com a que
denomina a teoria econômica clássica, a qual se limita ao caso especial do pleno
emprego. O objetivo da teoria geral de Keynes é explicar o que é que determina
o volume de emprego em dado momento, seja o pleno emprego, desemprego
amplo ou algum nível intermediário.

De acordo com a economia clássica, o sistema econômico baseado na


propriedade privada dos meios de produção existe uma tendência à adaptação
ao emprego total. Keynes, nesse sentido, visa a demonstrar que a situação normal
do capitalismo do laissez faire, em seu estágio de desenvolvimento, é uma situação
flutuante da atividade econômica que pode percorrer toda a gama, que vai do
pleno emprego ao desemprego.

Esta teoria também se refere às transformações no volume de emprego e


da produção no sistema econômico em seu conjunto, em contraste com a teoria
tradicional. “Os conceitos básicos da teoria geral de Keynes são os volumes
agregados de emprego, de renda nacional, produção nacional, de oferta agregada,
de demanda agregada de consumo social agregado, de investimento social
agregado e de poupança social agregada” (DILLARD, 1989, p. 6).

2.4.2 A teoria de uma economia monetária


O dinheiro desempenha três funções básicas: a de meio de troca, a de
unidade de conta e a de reserva de valor. Das três funções, a de acumular valor é
a mais importante para a economia monetária.

FIGURA 2 – CÉDULAS E MOEDAS

FONTE: <infoescola.com/economia/dinheiro-ou-moeda>. Acesso em: 27 abr. 2020

75
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

A acumulação de moeda é uma forma estéril de acumulação de riqueza.


Outras formas de manipulação da moeda são capazes de produzir rendimentos,
como os juros ou lucros, entretanto, algumas pessoas preferem acumular dinheiro
sob sua forma estéril (forma física). É nesse sentido que Keynes destina parte de
seus estudos para investigar a procura pela liquidez (DUDLEY, 1989).

2.4.3 Juros como prêmio para não entesourar dinheiro


Entesourar dinheiro nada mais é do que guardá-lo sob sua forma estéril, ou
seja, guardar “debaixo do colchão”. Devido às incertezas de emprestar o dinheiro,
isso pode ser superado desde que se pague um prêmio em forma de juros.

Portanto, os juros são a recompensa para se abandonar o controle


da riqueza em sua forma líquida. A taxa de juros depende da intensidade do
desejo de entesourar, ou do que Keynes chama preferência à liquidez, para fins
especulativos. Quanto maior for a preferência pela liquidez, mais elevada será a
taxa de juros a ser paga (DUDLEY, 1989).

2.4.4 Investimento como determinante do emprego


Em uma sociedade caracterizada por grande desigualdade da riqueza e do
rendimento, a capacidade econômica da comunidade para consumir é limitada.
Em consequência, há potencial considerável acima do que é necessário para
produzir bens de consumo. Essa produção em excesso, superior ao habitualmente
consumido, chama-se investimento.

O investimento pode ser caracterizado pela construção de fábricas novas,


novas casas, novas vias férreas e outros bens ligados à infraestrutura. Nesse
sentido, a distinção entre consumo e investimento é fundamental para toda a
análise de Keynes.

O emprego depende do volume de investimento, ou ainda que o


desemprego é o resultado do investimento insuficiente. Em outras palavras, se o
investimento entra em declínio nasce o desemprego. Dessa forma, o investimento
é a determinante do emprego. Se o emprego flutua, antes de tudo, flutua o
investimento (DUDLEY, 1989, p. 9).

2.4.5 A irracionalidade psicológica como causa da


instabilidade
O atual conhecimento obtido a respeito sobre o futuro é incerto e possui
uma base precária. Assim sendo, as decisões sobre o futuro incerto são também
precárias. Supondo que os investimentos são capazes de produzir mais bens

76
TÓPICO 1 | PADRÕES DE DESENVOLVIMENTO EM PERSPECTIVA HISTÓRICA

de consumo do que realmente é consumido, a modalidade mais importante é o


investimento em bens de consumo duráveis, como fábricas, casas, estradas.

Em síntese, no moderno capitalismo industrial, a acumulação de riquezas


(investimento) é a base do funcionamento próspero de todo o sistema econômico.

2.5 A DEMANDA EFETIVA


O modelo de Keynes para a determinação do nível de produção e de
emprego, apresentado na Teoria Geral, pode ser resumido da seguinte maneira:
[...] a riqueza em forma de moeda permite ao empresário a opção de
investir ou mantê-la para utilização posterior. Ele pode aplicar o seu
dinheiro com o objetivo de auferir juros ou investir produtivamente; e
só se decidirá, no geral, pela última opção se a Eficiência Marginal do
Capital — um cálculo para a rentabilidade futura de um investimento
de capital — for pelo menos igual à taxa de juros de mercado. A partir
de suas expectativas de lucros futuros, ao investir produtivamente
o empresário emprega, de acordo com a demanda esperada,
trabalhadores assalariados e paga em dinheiro a estes e a todos os
demais agentes uma renda. A todos os detentores de rendimentos
cabe a decisão de consumir uma certa parte destes, definida como
uma proporção suposta estável, determinada a cada momento por
tendências psicológicas da sociedade: a propensão a consumir. Desse
modo, o consumo final pode ser definido como uma proporção da
renda agregada (KLAGSBRUNN, 1996, p. 136).

Ainda segundo este autor, o modelo de Keynes se fundamenta no


princípio da demanda efetiva. Como este afirmava, a demanda efetiva é o
princípio de tudo:

A quantidade de mão de obra N que os empresários resolvem


empregar depende da soma (D) de duas quantidades, a saber: D1, o
montante que se espera seja gasto pela comunidade em consumo, e
D2, o montante que se espera seja aplicado em novos investimentos. D
é o que chamamos de demanda efetiva (KEYNES, 1987a, p. 423).

Na afirmação de Keynes, podemos observar que o consumo — o qual pode


ser entendido como um consumo de massa — é determinante do investimento.
Se a população de um país está consumindo, os empresários estarão dispostos a
investir mais, ou novos empresários estarão dispostos a arriscar no mercado. Isso
é exatamente a demanda efetiva, ou seja, depende da expectativa dos agentes
com relação ao futuro da economia.

Em síntese, se um país está consumindo, é sinal de aumento de investimento


e, por conseguinte, aumento do nível de emprego ou diminuição do desemprego.
Empregados e com rendimento, os trabalhadores poderão consumir e fechar o
ciclo. Logo, as políticas fiscal e monetária (em especial a taxa de juros) devem
gerar um movimento para garantir o aquecimento da economia.

77
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu que:

• O modelo schumpeteriano de desenvolvimento prevê a concorrência diferente


da convencional, ou seja, a concorrência por meio da inovação.

• As empresas são o locus da inovação, e o empresário schumpeteriano é o agente


que introduz a inovação.

• Inovação — ou tecnologia — é a combinação de fatores de produção capaz de


produzir objetos novos ou melhorias nos processos.

• Inovação também é a criação de novos mercados.

• A demanda efetiva, para Keynes, é determinante no nível de emprego e renda.

• Em um movimento cíclico, o aumento do investimento significa aumento


de novos postos de emprego e renda, e, por conseguinte, dos lucros dos
empresários.

• O modelo de Keynes gera crescimento e desenvolvimento econômico.

78
AUTOATIVIDADE

1 Considerando os pressupostos shumpeterianos, o fluxo circular da renda


walrasiano é capaz de traduzir, de maneira realista, sobre o funcionamento
do sistema capitalista e como este se reproduz?

79
80
UNIDADE 2 TÓPICO 2

MODERNIZAÇÃO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

1 INTRODUÇÃO
As transformações recentemente observadas na estrutura produtiva
mundial, a partir da consolidação do paradigma técnico-econômico vigente no
século XX, e a gênese do paradigma da microeletrônica motivam o debate acerca
da reorganização da indústria global e seus efeitos competitivos e de sustentação
a longo prazo.

De fato, o último quartel do século XX foi palco para transformações de


natureza técnica e econômica que auxiliaram a criar as bases para a emergência
de um novo paradigma de produção, o denominado paradigma da empresa
em rede. Tal paradigma é substituto do paradigma da produção em massa.
Destacam-se neste novo paradigma as transformações tecnológicas, como a
revolução na microeletrônica e a produção modularizada, e as mudanças de
ordem econômica, como as liberalizações financeiras e comerciais iniciadas no
Consenso de Washington.

O Consenso de Washington foi o nome dado a um encontro ocorrido


em 1989, na capital dos Estados Unidos. O encontro teve como objetivo realizar
recomendações visando ao desenvolvimento e à ampliação do neoliberalismo
nos países da América Latina.

81
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

NOTA

Dentre as recomendações, Ferraz, De Paula e Kupfer (2013) destacam as


seguintes premissas:

• Disciplina fiscal, caracterizada por um expressivo superávit primário e por déficits


operacionais de não mais de 2% do PIB.
• Priorização dos gastos públicos, por meio do redirecionamento de áreas politicamente
sensíveis, as quais recebem mais recursos do que seria economicamente justificável —
como a manutenção da máquina administrativa, a defesa ou os gastos com subsídios
indiscriminados —, para setores com maior retorno econômico e/ou com potencial para
melhorar a distribuição de renda, como saúde, educação e infraestrutura.
• Reforma fiscal, baseada na ampliação da base tributária e na redução de alíquotas
marginais consideradas excessivamente elevadas.
• Liberalização do financiamento, com vistas à determinação da taxa de juros pelo mercado,
ou como objetivo intermediário mais realista ou mais conveniente em curto e médio
prazos — para evitar taxas muito elevadas —, procurando o fim de juros privilegiados e
visando à obtenção de uma taxa de juros real positiva e moderada.
• Unificação da taxa de câmbio em níveis competitivos, com o fim de eliminar sistemas de
taxas de câmbio múltiplos e assegurar o rápido crescimento das exportações.
• Liberalização comercial, por meio da substituição de restrições quantitativas por tarifas de
importação que, por sua vez, deveriam ser reduzidas para um nível baixo.
• Abolição de barreiras ao investimento externo direto, privatização, desregulamentação.
• Garantia do direito de propriedade, por meio da melhoria do sistema judiciário.

Nesse sentido, observa-se que há uma mudança da empresa moderna


capitalista baseada na produção em massa, então denominada chandleriana, típica
do paradigma fordista, para a empresa em rede, típica do paradigma vigente,
baseado nas tecnologias de informação e comunicação. Ou seja, atualmente,
podemos dizer que as empresas globais estão abandonando os meios tradicionais
de produção, para a inserção em novos meios de produção fragmentada e
concentrada geograficamente, sobretudo na Ásia.

A emergência da microeletrônica e sua aplicação nas atividades


produtivas industriais estão ditando as novas regras para a produção em escala
global no início do século XXI. Por sua vez, as mudanças de natureza econômicas
intensificaram o processo de mobilização do capital e das empresas em escala
internacional. A partir desse cenário, a indústria manufatureira global se
modificou e se reorganizou como consequência das transformações associadas às
tecnologias da informação e comunicação — TICs.

É notório que os investimentos em TICs nos últimos anos exerceram


papel importante na contribuição para o aumento do crescimento econômico e
do crescimento da produtividade do trabalho, além de tornar as ligações mais
estreitas entre as estratégias empresariais e o desempenho produtivo. Ademais,
a penetração das TICs na base produtiva dos países permite que avancem em

82
TÓPICO 2 | MODERNIZAÇÃO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

direção à fronteira internacional e, por consequência, diminuam o gap de


produtividade com relação aos países líderes (GOMES, 2017).

Adicionalmente, o novo paradigma empresarial também se constituía


em um modelo baseado na maximização do retorno dos acionistas, interferindo
nas decisões de alocação de recursos produtivos. Nesse sentido, as grandes
corporações, pressionadas pelo novo modelo organizacional, começaram
a delegar etapas estritamente produtivas para regiões de baixo custo,
principalmente regiões asiáticas. Esse fato foi possível a partir das melhorias das
tecnologias da informação e comunicação e por meio dos efeitos da globalização
que intensificaram o processo (GOMES, 2017).

As regiões asiáticas passaram a recebem etapas produtivas da indústria


manufatureira e, mais recentemente, observou-se a emergência da China como a
workshop of the world, o que intensificou o processo de concorrência das cadeias
asiáticas. Em resposta, de um lado, as economias industrializadas perdem a
capacidade de geração de empregos e participação do VA industrial como
proporção do PIB, passando por um processo de desindustrialização; de outro
lado, a China se industrializa ao receber as etapas do processo produtivo deixado
por aqueles países.

É importante notar que estamos em um novo modelo de desenvolvimento


econômico. A empresa é colocada no centro das atenções e como o meio de
promover o crescimento dos países. A teoria schumpeteriana, portanto, possui
como viés a ampliação das competências tecnológicas aplicadas ao processo
produtivo, com a afirmação de que as empresas são as mais capacitadas para
inovar e estimular o desenvolvimento.

Neste tópico, abordaremos as transformações tecnológicas ao longo do


tempo, bem como tecnologias conjugadas com as estratégias empresariais são
capazes de moldar as relações sociais e promover o desenvolvimento e crescimento
econômico dos países.

2 AS REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS NO CONTEXTO DO


DESENVOLVIMENTO
De acordo com Albuquerque (2016), o papel da inovação tecnológica
exerce importância na dinâmica do sistema capitalista. Uma vez que o papel
central da inovação está colocado na elaboração de Schumpeter, sintetizado no
célebre segundo capítulo de sua Teoria do Desenvolvimento (1911) — a inovação, em
qualquer de seus cinco tipos básicos, está no centro da dinâmica do sistema, pois
o lucro é resultado de uma inovação bem-sucedida implementada na economia. É
a inovação que detona um conjunto de mudanças que está por trás do fenômeno
do desenvolvimento — e sua lógica articulada ao cerne da ação no sistema
capitalista: a busca do lucro. É a inovação que alimenta o processo de “destruição
criadora” que caracteriza o sistema capitalista (SCHUMPETER, 1961).

83
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

2.1 REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS


Segundo Perez (2009), assim como as inovações individuais estão
interconectadas em sistemas de tecnologia, estas são interconectadas em
revoluções tecnológicas. Dessa forma, uma primeira aproximação, uma revolução
tecnológica pode ser definida como um conjunto de descobertas radicais inter-
relacionadas, formando uma grande constelação de tecnologias interdependentes;
um cluster de clusters ou um sistema de sistemas.

A atual revolução da tecnologia da informação, por exemplo, abriu


um sistema inicial de tecnologia em torno de microprocessadores (e outros
semicondutores integrados), seus fornecedores especializados e seus primeiros
usos em calculadoras, jogos e miniaturização e digitalização de controle e outros
instrumentos para instrumentos civis e usos militares. Esse sistema foi seguido
por uma série sobreposta de outras inovações radicais, minicomputadores e
computadores pessoais, softwares, telecomunicações e internet, cada um abrindo
novas trajetórias de sistema, inter-relacionado e interdependente. Quando elas
surgiram, os sistemas se interconectaram e continuaram se expandindo junto aos
intensos ciclos de feedback nas tecnologias e nos mercados.

É possível identificar cinco sistemas desde a Revolução Industrial inicial


na Inglaterra. Cada um pode ser visto como inaugurado por uma importante
inovação tecnológica que atua como algo que abre um novo universo de
oportunidades para inovação lucrativa. Foi o caso do microprocessador Intel, ou
computador em um chip, iniciando a revolução da informação.

O quadro a seguir demonstra as cinco revoluções, suas invenções iniciais


correspondentes e o país central em que a revolução originalmente toma forma e
de se espalha pelo mundo (PEREZ, 2009, p. 190).

QUADRO 1 – AS CINCO REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS

Revolução Nome popular para


Início da revolução Ano Epicentro
tecnológica o período
Revolução Fábrica de Arkwright
Primeira 1771 Grã-Bretanha
Industrial abre em Cromford
Teste do motor a vapor Grã-Bretanha
Era do Vapor e
Segunda Rocket para a ferrovia 1829 (espalhando-se pela
Ferrovias
Liverpool - Manchester Europa e Estados Unidos)
Era do Aço, Inaugurada a fábrica de Estados Unidos e Alemanha
Terceira Eletricidade e aço Carnegie Bessemer, 1875 avançando e ultrapassando
Engenharia Pesada em Pittsburgh a Grã-Bretanha
Estados Unidos (com a
Era do Petróleo, Primeiro Modelo-T sai
Alemanha disputando a
Quarta o Automóvel e a da fábrica da Ford em 1908
liderança mundial); após,
Produção em Massa Detroit
espalhando-se pela Europa
O microprocessador Estados Unidos
Era da Informação e
Quinta Intel é anunciado em 1971 (espalhando-se pela
Telecomunicações
Santa Clara Europa e Ásia)
FONTE: Adaptado de Perez (2009, p. 190)

84
TÓPICO 2 | MODERNIZAÇÃO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

Dessa forma, Perez (2009, p. 189) destaca que “o primeiro é o mais visível
e define o que é popularmente entendido como ‘a revolução’; mas é o segundo
que realmente garante o termo”. A autora ainda coloca que a capacidade de
transformar outras indústrias e atividades resulta da influência de seu paradigma
técnico-econômico associado um modelo de melhores práticas para as maneiras
eficazes de usar as novas tecnologias dentro e fora das novas indústrias.

Assim, enquanto os novos setores se expandem para se tornarem os


motores do crescimento por longo período, o paradigma técnico-econômico
resultante de seu uso orienta uma vasta reorganização e o aumento generalizado
da produtividade nas indústrias pré-existentes (PEREZ, 2009).

2.2 CIÊNCIA E TECNOLOGIA EM PERSPECTIVA HISTÓRICA


A Primeira Revolução Industrial teve um papel importante na transformação
de natureza econômica, pois marcou o fim de transição do feudalismo para o
capitalismo, formando a passagem de uma economia agrária e artesanal para
uma economia industrial. O período se caracteriza pela introdução de máquinas e
equipamentos, novas formas de organização da produção (redefinição dos papeis
dos agentes econômicos), além de novas fontes de matérias-primas.

De fato, as ciências e a tecnologia, permaneceram separadas entre si até


o final da Primeira Revolução, fazendo emergir novos produtos e processos de
produção a partir de elementos técnicos já conhecidos. Em outras palavras, não
houve uma transformação de ordem tecnológica que revolucionasse o sistema.
Nesse sentido, essa Revolução foi marcada pela relativa independência entre o
progresso técnico e o progresso científico, cuja tecnologia não estava ancorada
à ciência, com exceção da indústria química (LANDES, 1969; SZMRECSÁNYI,
2001). Szmrecsányi (2001) lembra que a máquina a vapor, símbolo dessa revolução,
foi uma invenção essencialmente empírica, cujos princípios trouxeram perguntas
e respostas sobre a termodinâmica somente na Segunda Revolução.

Já a Segunda Revolução Industrial, iniciada na Europa e nos Estados


Unidos na segunda metade do século XIX, ocorre dentro dos marcos do
capitalismo, havendo uma continuidade nos modos de produção. Ou seja, em sua
essência, pertencia ao mesmo sistema econômico. Pela primeira vez surgiram as
técnicas de base científica — diferentemente do ocorrido na Revolução Industrial
do século anterior. Assim, o conteúdo científico exerce um papel importante, não
sendo possível realizar atividades baseadas no empirismo.

Segundo Szmrecsányi (2001, p. 184), a tecnologia das indústrias da Segunda


Revolução Industrial se caracterizava por estar fortemente baseadas nas ciências.
Nesse sentido, o desenvolvimento das empresas dependia diretamente da pesquisa,
o que levou a criarem seus próprios laboratórios. A criação de laboratórios pelas
empresas está associada à crescente interação entre a ciência e a tecnologia, bem
como a sua aplicação em produtos e processos durante o período.

85
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

Observou-se, nesse período, o surgimento de um novo sistema técnico, a


emergência de novas tecnologias e de indústrias ligadas a elas. Ainda, houve a
descoberta de novos materiais, praticamente inexistentes na Primeira Revolução,
novas fontes de energia e novas formas de produzir (inovações de processo),
como no caso do aço (LANDES, 1969; SZMRECSÁNYI, 2001).

De acordo com Landes (1969), o traço primordial da tecnologia do


último terço do século XIX é a substituição do ferro pelo aço, além de observar
o aumento no consumo deste metal. O aço não era um novo material no final
do século XIX, mas se destacou pela inovação de processo industrial, o que
possibilitou o barateamento e a sua produção em larga escala. Este processo
gerou sobremaneira impacto competitivo na indústria siderúrgica e implicações
para o desenvolvimento alemão.

No que tange às novas fontes de energia, a Segunda Revolução


Industrial é caracterizada pela rápida disseminação da energia elétrica, sendo
ela uma força propulsora no sentido de criar espaços econômicos no sentido
schumpeteriano, como o surgimento da indústria de equipamentos elétricos.
Szmrecsányi (2001) lembra que a eletricidade deu origem a novos produtos,
novos processos de produção, a novos ramos industriais e a novas práticas
econômicas e sociais.

De acordo com Landes (1969), a Grã-Bretanha foi o primeiro país a se


industrializar. De fato, a sua primazia na Primeira Revolução Industrial se deve
a fatores econômicos e sociais, e não propriamente tecnológicos ou científicos.
De certa forma, as mudanças tecnológicas ocorridas no período ajudaram a
desencadear o processo, mas não formou um alicerce. Além das condições
estruturais (financeiras e geográficas) vantajosas, destaca-se que o país possuía
uma força de trabalho suficientemente qualificada com relação às tecnologias
existentes, e os conhecimentos técnicos bem disseminados. Nesse sentido, “o
espírito inventivo e o interesse em promovê-lo eram amplamente fomentados,
graças a um sistema de patentes e de proteção de propriedade intelectual
instaurado desde o início do século XVII” (SZMRECSÁNYI, 2001, p. 167).

Contudo, os apontamentos de Rosenberg (1976) acerca de Marx como um


investigador da tecnologia desenvolveram sugestões precoces que elucidam sobre
a gênese da aplicação dos conhecimentos científicos na maquinaria e na grande
indústria. De fato, Marx não vivenciou esses aspectos, entretanto os preconizou.
Em outras palavras, pode-se afirmar que a análise de Marx sobre a passagem
de manufatura para a grande indústria sugere que as inter-relações históricas
entre ciência e tecnologia era extraordinariamente penetrante e servem como
ponto inicial para as análises mais complexas que caracterizaram o século XX. O
autor afirma que “uma das realizações mais relevantes de Marx foi ter formulado,
de modo preciso, a questão de quais são as características da tecnologia que
tornam possível a aplicação do conhecimento científico na esfera produtiva”
(ROSENBERG, 1976, p. 80).

86
TÓPICO 2 | MODERNIZAÇÃO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

O autor lembra que as mudanças tecnológicas descritas por Marx são


aquelas que vigoraram no século XVIII, quando a Grã-Bretanha encetou sua
passagem de um sistema produtivo manufatureiro para a grande indústria.
Cumpre ressaltar que, na abordagem marxista, esta passagem se deu de forma
progressiva.

Rosenberg (1976) afirma que, para Marx, as ciências não podem ser
incorporadas em tecnologias dominadas por intervenções humanas, como no
caso da manufatura que era dependente das habilidades do indivíduo, que
controla e comanda a ferramenta, sendo esta uma extensão do corpo humano para
se apropriar da natureza. Por outro lado, o sistema de máquinas não depende
fortemente das habilidades ou dos desejos humanos.

Dessa forma, a importância histórica da indústria moderna estava na


incorporação em processos mecânicos com aplicação rotineira do conhecimento
e de princípios da ciência. Vale lembrar que o limite técnico da manufatura se
relaciona com o limite da exploração do trabalhador, ou seja, a aplicação da
ciência não poderia ser aplicada em sua totalidade, uma vez que se dependia do
trabalho humano.

Marx (1996, p. 114) disserta sobre a incorporação da tecnologia na


maquinaria, afirmando que:

a grande indústria rasgou o véu que ocultava aos homens seu próprio
processo de produção social e que transformava os diversos ramos da
produção, que se haviam naturalmente particularizado, em enigmas
de uns para os outros e até mesmo para o iniciado em cada ramo. Seu
princípio — dissolver cada processo de produção, em si e para si, e
para começar sem nenhuma consideração para com a mão humana,
em seus elementos constitutivos — produziu a bem moderna ciência
da tecnologia.

Desse modo, na abordagem marxista, a questão que tangencia os limites


da produtividade na grande indústria é o próprio domínio da ciência. Este
domínio somente foi alcançado na Segunda Revolução Industrial.

3 CICLOS ECONÔMICOS E MUDANÇA TECNOLÓGICA


Quanto aos estudos sobre ciclos econômicos longos, podemos destacar
os insights de Kondratiev, que ficou conhecido por sua teoria de ondas longas
(em média 50 anos). “Entre 1919 e 1921, Kondratiev formulou a hipótese da
existência de ondas longas na dinâmica econômica capitalista e em 1922 publicou
em Moscou o livro The World Economy and Economic Fluctuations in the War and
Post-War Period” (ALBUQUERQUE, 2016, p. 6).

Segundo Rosenberg (1983), o trabalho de Kondratiev foi pioneiro a


sistematizar com aplicação de dados econômicos para confirmar seu estudo sobre
os ciclos econômicos.

87
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

Kondratiev associa cada um dos três ciclos longos com


mudanças tecnológicas: a Revolução Industrial no primeiro caso,
aperfeiçoamentos no motor a vapor (1824), invenção da turbina (1824-
7), cimento Portland (1824), entre outras inovações, associados ao
segundo ciclo, e dínamo, motor a combustão, telégrafo, transmissão
de energia elétrica, no caso do terceiro (ALBUQUERQUE, 2016, p. 7).

Qual é a importância do estudo sobre os ciclos econômicos? É importante


elucidar que cada ciclo possui seu início, o momento de ápice e, por fim, o declínio.
Em outras palavras, o declínio econômico de um país é a sua própria ruína ou
recessão. Nesse sentido, o que podemos dizer sobre a importância dos estudos
para o desenvolvimento econômico dos países é que está sendo de grande valia
para antecipar ou prever possíveis crises, com seus respectivos cenários futuros
e prescrições de como deveríamos agir no presente para que o futuro não seja
incerto. Uma das saídas para os movimentos cíclicos da economia capitalista é a
aplicação de inovações tecnológicas.

3.1 PARADIGMAS TÉCNICO-ECONÔMICOS


A ideia de paradigmas técnico-econômicos busca identificar a noção de
revoluções tecnológicas de acordo com o esforço da corrente neoschumpeteriana,
a fim de compreender a inovação e identificar as regularidades, continuidades e
descontinuidades no processo de inovação (PEREZ, 2009).

La Rovere (2006) afirma que os autores dessa corrente buscam


conceituar a noção de paradigmas técnico-econômicos associada à necessidade
de compreender as mudanças que ocorrem nos ciclos de crescimento. Nesse
sentido, os paradigmas técnico-econômicos permitem também avaliar conceitos
e transformações de natureza econômica que não são abarcados pela teoria de
Dosi.

Como já vimos, o paradigma técnico de Dosi representa o acordo


tácito entre os agentes envolvidos no processo de inovação sobre o quais se
convencionam uma direção de busca válida, que seria considerada uma melhoria
ou uma versão superior de um produto, serviço ou tecnologia (PEREZ, 2009).

Dosi (1988) reafirma que o processo de solução inovativa envolve


descoberta e criação, além da experiência prévia e conhecimento formal
acumulado. Dessa forma, destaca-se a importância do conhecimento tácito dos
atores envolvidos na inovação.

De modo geral, a cada revolução tecnológica surgem novos paradigmas


técnico-econômicos. “Uma revolução tecnológica pode ser definida como um
conjunto de descobertas radicais inter-relacionadas” (PEREZ, 2009, p. 189) que
formam uma extensa coleção de tecnologias interdependentes. As transformações
de ordem técnica impactam de maneira decisiva na economia dos países, fazendo

88
TÓPICO 2 | MODERNIZAÇÃO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

surgir novos paradigmas. Cumpre ressaltar que a cada descoberta tecnológica


abrem-se “janelas de oportunidades” para países latecomers seguirem as trajetórias
daqueles que estão na fronteira tecnológica.

Entende-se que a cada revolução tecnológica gera um leque de


oportunidades, combinando inovações de produtos, de processos, técnicas
organizacionais e administrativas que levam a associação de um paradigma
técnico-econômico definido. Assim sendo, o paradigma é o resultado do processo
de seleção de inovações técnicas, organizacionais e institucionais, as quais
provocam mudanças na economia (FREEMAN; PEREZ, 1988, LA REVERE, 2006;
PEREZ, 2009).

Os principais elementos constituintes de um paradigma técnico-econômico


possuem como característica um conjunto específico de insumos, os quais são os
fatores decisivos da economia e relevantes na constituição do capitalismo, uma
vez que o barateamento ou a descoberta dos insumos levam a novas formas de
organização de produção e tomada de decisão pelos gestores.

O início dos anos 1970 foi marcado pelo advento de um novo paradigma
técnico-econômico, transformando a indústria e a sociedade global nos decênios
subsequentes. Este paradigma, caracterizado pela revolução tecnológica da
informação, teve seu epicentro os Estados Unidos e se espalhou pela Europa e
Ásia (PEREZ, 2009). Adicionalmente, a base competitiva dos países se modificou,
na qual a competitividade insere em uma dimensão sistêmica na produção de
conhecimento (COUTINHO, 1992).

Como consequência, a indústria foi reconfigurada pela produção de


componentes microeletrônicos baratos (PEREZ, 2009) e a sociedade passou a ter
acesso a produtos com maior conteúdo tecnológico e com menor custo unitário.
Além disso, tal reconfiguração permitiu ampliar a difusão da informação
por meio das fronteiras nacionais com maior agilidade e menor custo de
processamento.

NOTA

O novo conceito industrial associado à revolução tecnológica da informação


foi redefinido pela introdução de novas tecnologias ou novos tipos de indústrias, além
de transformações em sua infraestrutura. A produção de computadores, softwares,
instrumentos de controle, biotecnologia auxiliada por computadores e novos materiais
são características da revolução microeletrônica (PEREZ, 2009). A seguir, apresentamos um
quadro que demonstra os paradigmas técnicos-científicos:

89
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

'

'

FONTE: La Rovere (2006, p. 292 apud FREEMAN; PEREZ, 1988, p. 55-57)

Perez (2009) ainda menciona que há transformações culturais e até


mesmo institucionais que estão envolvidas nas mudanças de paradigmas técnico-
econômicos. Nesse sentido, há uma complexidade nas transformações, cuja
mudança cultural influencia e é influenciada pelas mudanças técnico-econômicas.
A autora também afirma que:

Os novos sistemas de tecnologia não só modificam o espaço de negócios,


mas o contexto institucional e até mesmo a cultura em que ocorrem
[...]. É provável que sejam necessárias novas regras e regulamentos,
bem como treinamento especializado, normas e outros facilitadores
institucionais (às vezes substituindo os estabelecidos). Estes, por sua
vez, tendem a ter efeitos de feedback muito fortes sobre as tecnologias,
moldando e orientando a direção que eles tomam dentro do alcance do
possível (PEREZ, 2009, p. 188).

Em um cenário de globalização associado ao paradigma da microeletrônica,


observou-se as transformações do paradigma da empresa chandleriana para
o paradigma da empresa em rede. Essas transformações modificam o padrão
estrutural produtivo dos países, principalmente a produtividade de setores, e
facilitam as trocas de informações, importantes para o aprendizado organizacional.

90
TÓPICO 2 | MODERNIZAÇÃO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

E
IMPORTANT

A estrutura da empresa chandleriana está organizada em torno do capital


acionário, cujo papel principal é a geração de receitas por meio da transformação
de recursos produtivos disponíveis em bens e serviços. Dessa forma, a empresa visa à
acumulação dos lucros e reinvestimento na própria estrutura produtiva, sendo capaz de
gerar maiores receitas. Além disso, o principal propósito da governança coorporativa se
apoia na decisão de reter e reinvestir (LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000).

Com a consolidação dos efeitos da microeletrônica e do avanço das políticas


de desregulamentação e liberalização econômica, o processo de globalização do
capital se intensificou.

Associado ao processo de liberalização financeira, surge o modelo de


gestão baseado na lógica da maximização do valor acionário. Observou-se que
a empresa “passou a comandar o direcionamento dos recursos corporativos não
mais a partir da lógica vigente na golden age do capitalismo de ‘reter e investir’,
mas a partir de uma nova orientação caracterizada pelo movimento de ‘downsize
e distribuir’” (LAZONICK; O’SULLIVAN, 2000, p. 18).

Nesse sentido, observa-se a consolidação do paradigma da empresa em


rede, o qual proporcionou a fragmentação do processo produtivo manufatureiro,
com tendência de reduzir a força de trabalho e aumentar o lucro das firmas, além
de integrar as funções das atividades internacionalmente dispersas (LAZONICK;
O’SULLIVAN, 2000; STURGEON; GEREFFI, 2008).

Coutinho (1992) argumenta que, com o surgimento da microeletrônica e


sua aplicação em diversos produtos e serviços, foi possível o agrupamento de um
conjunto de indústrias, setores na forma de um complexo com forte aderência às
tecnologias da informação e comunicação. Nesse sentido, essa estrutura é capaz
de se espraiar por todos os setores da economia configurando “a formação de
um novo paradigma tecnológico no mais puro sentido neoschumpeteriano”
(COUTINHO, 1992, p. 70).

3.2 INDÚSTRIA 4.0: UM NOVO PARADIGMA?


Estamos diante de uma nova revolução industrial, uma nova revolução
tecnológica, um novo paradigma de produção? É cada vez mais frequente
encontramos perguntas do que respostas para esse novo fenômeno, presente em
nosso cotidiano. Ele requer maiores reflexões para a implementação de políticas
consistentes aos padrões de desenvolvimento atuais.

91
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

O que é, então, a Indústria 4.0? Este termo se refere à Quarta Revolução


Industrial. Sabemos que, no decorrer da história, a indústria apresentou grandes
revoluções, as quais modificaram profundamente o setor.

Vamos relembrar de cada uma destas fases. Na Primeira Revolução


Industrial, houve o surgimento da mecanização. O século XIX trouxe a produção
em série e a energia elétrica, fatores determinantes para a Segunda Revolução. Já
nas últimas décadas do século XX, eclodiu a Terceira Revolução, marcada pela
automatização e chegada dos computadores às fábricas. Por fim, chegamos à
Quarta Revolução Industrial, o período em que vivemos (como acredita a maioria
dos especialistas), com o advento da digitalização de ponta a ponta dos ativos
físicos, com sensores incorporados em praticamente todos os equipamentos, o
que permite uma integração total.

FIGURA 3 – REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS

Produção em escala, Automação, robótica, Sistema cibernéticos,


Mecanização, tear linha de montagem, computadores, internet internet das coisas, redes
e força a vapor eletricidade e combustão e eletrônicos e inteligência artificial

FONTE: <anadi.com.br/o-que-e-industria-4-0-saiba-mais>. Acesso em: 27 abr. 2020.

De acordo com Diegues e Roselino (2019, p. 2):

O advento de um paradigma tecno-econômico associado à emergência


e difusão de tecnologias associadas ao conceito de indústria 4.0, bem
como as novas morfologias de estruturas produtivas e inovativas
internacionalizadas, reforçam o imperativo de se refletir sobre
desenhos de políticas industriais e tecnológicas mais adequados às
transformações em curso.

92
TÓPICO 2 | MODERNIZAÇÃO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

NOTA

Para ajudar na compreensão de todos estes processos, é importante que você


saiba a origem do conceito de Indústria 4.0 e a centralidade das tecnologias de informação
e comunicação na construção de um novo paradigma.

Segundo Diegues e Roselino (2019), a construção de um novo paradigma técnico-


produtivo trouxe para o núcleo da dinâmica inovativa o desenvolvimento de atividades
relacionadas às tecnologias de informação e comunicação, em especial, o software e os
serviços de informática. No princípio da revolução baseada na microeletrônica, o software
e os serviços de informática apareciam como coadjuvantes, como atividades secundárias
vinculadas ao desenvolvimento dos equipamentos, passando progressivamente a ocupar
papel central nas transformações induzidas pelas TICs.

O processo de transformação que teve início com o advento da Terceira Revolução


Industrial impulsionou a crescente importância das atividades e processos de produção
baseados em informação e conhecimento.

Essa importância crescente dos serviços associados às tecnologias de informática


para as demais atividades produtivas e setores é denominada por Zysman et al. (2010, p. 2)
como uma revolução algorítmica: “Nós chamamos isso de Revolução Algorítmica. Modelos
de negócios tradicionais podem se tornar mais produtivos, estendidos com ferramentas
de TIC. E modelos de negócios totalmente novos podem ser criados, oferecendo serviços
antes impossíveis a qualquer preço. A Revolução Algorítmica nos serviços está mudando
profundamente a forma como as empresas agregam valor”.

A percepção dessa centralidade dos serviços voltados ao desenvolvimento e


aplicação de tecnologias da informação e comunicação exige um redesenho das políticas
públicas, que, conforme apontam Zysman et al. (2010), deve deixar de identificar fronteiras
entre atividades manufatureiras e de serviços, uma vez que a produtividade e a inovatividade
das atividades produtivas dependem progressivamente do desenvolvimento de sistemas
baseados nesses serviços tecnológicos. “Do ponto de vista da política, a questão é como
conceber, projetar, desenvolver e construir e implantar esses novos sistemas" (ZYSMAN et
al., 2010, p. 28).

É justamente a partir desse enfoque que se desenvolve originalmente o conceito


da Indústria 4.0, como uma política nacional deliberada que visa, a partir de uma ênfase no
emprego de tecnologias de informação e comunicação, promover um salto tecnológico
no setor industrial da Alemanha.

Entretanto, de acordo com Santos (2019, p. 19), há na literatura “um certo


ceticismo com relação à caracterização das transformações em curso como uma Quarta
Revolução Industrial. A contestação se baseia na proposição de que esse processo, definido
como Indústria 4.0, significa uma continuação ou desdobramento da Terceira Revolução
Industrial”.

93
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

4 A TEORIA NEOSCHUMPETERIANA: A CONCORRÊNCIA VIA


INOVAÇÃO
A concorrência schumpeteriana se destaca por possuir características que
contrastam com o enfoque analítico estático da economia capitalista tradicional.
Assim, a concorrência capitalista, nos moldes neoschumpeterianos passa a ser
considerada como um processo evolutivo, e, por conseguinte, dinâmico. Esse
dinamismo é gerado por fatores endógenos ao sistema econômico, notadamente
por meio das inovações que emergem incessantemente da busca de novas
oportunidades lucrativas por parte das empresas e empresários em sua interação
mercadológica competitiva (POSSAS, 2013, p. 245).

Possas (2013) afirma que a teoria schumpeteriana da concorrência é uma


linha não ortodoxa na economia, na qual sua principal característica é a visão
dinâmica e evolucionária do funcionamento da economia capitalista. Desse
modo, esta teoria alternativa se contrapõe à concepção clássica ricardiana, que
está associada à livre mobilidade de capital entre as diferentes indústrias, além
da ausência de barreiras à entrada.

ATENCAO

A noção clássica de concorrência, adotada por Smith, Ricardo e seus


contemporâneos, foi também adotada — e estendida — por Marshall, um dos pioneiros da
tradição neoclássica e fundador da microeconomia (POSSAS, 2013).

Atualmente, a noção de concorrência é conhecida como concorrência


perfeita e amplamente adotada pelos economistas neoclássicos. A teoria da
concorrência convencional tem como conceito a rigidez de preço como função
estabilizadora de curto prazo, entretanto, ao longo do tempo, a rigidez se invalida.
Ao estudar o processo de destruição criadora, Schumpeter (1961, p. 87) disserta
que se trata de um

Processo cujos elementos necessitam de tempo considerável para


surgirem nas suas formas verdadeiras e efeitos definitivos, de nada
adianta estudar o rendimento desse processo ex visu de determinada
época. Devemos estudá-lo através de um período longo, que se
desenrole por décadas ou séculos.

Em síntese, a dinâmica da concorrência schumpeteriana emerge para


sublinhar a concorrência via inovação, em contraste com o caráter estático da
teoria neoclássica. A visão crítica de Schumpeter (1961) ainda revela o fato de
economistas contemporâneos limitarem suas análises com base nos preços e
restrições da produção acerca da indústria oligopolista (estrutura de mercado).

94
TÓPICO 2 | MODERNIZAÇÃO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

Nesse sentido, Schumpeter (1961, p. 85), ao delinear o processo de


destruição criadora, deixa claro o seu ponto de vista sobre o caráter evolutivo do
capitalismo, constatado por Marx:

O ponto essencial que se deve ter em conta é que, ao tratar do


capitalismo, tratamos também de um processo evolutivo. Parece
estranho que alguém possa deixar de reconhecer fato tão evidente que,
além disso, há muito tempo foi salientado por Karl Marx. Apesar disso,
a análise fragmentária que produz a maior parte dos nossos conceitos
a respeito do funcionamento do capitalismo moderno a negligencia
persistentemente.

Utilizando-se das ideias de Marx, Schumpeter constrói sua teoria do


desenvolvimento com base no conceito de monopólio temporário do inovador.
Todo inovador por definição é um monopolista, ou seja, o capitalista quer o
monopólio e atuar no mercado com uma condição monopolista (mesmo que
temporário). De acordo com Possas (2013), a busca por inovações por parte
das empresas deve gerar monopólio, podendo ou não ser eliminado por meio
de novos concorrentes e/ou imitadores. Cumpre ressaltar que a condição de
monopólio não é por definição o contrário de concorrência, portanto o monopólio
é visto como parte intrínseca da concorrência.

Não obstante, com o surgimento de novos produtos ou processos, as


inovações ensejam novos espaços econômicos. Nesse ponto, Possas (2013,
p. 247) afirma que concorrência é um processo ativo de “criação de espaços e
oportunidades econômicas, e não apenas, ou principalmente, um processo
(passivo) de ajustamento em direção a um suposto equilíbrio, nem supõe
qualquer estado tendencial ‘normal’ ou de equilíbrio, como nos enfoques clássico
e neoclássico”.

Por um lado, a partir desta crítica, não se deve negar o tipo de concorrência
convencional, como a concorrência via preço. Por outro, a concorrência que possui
significado econômico relevante é a concorrência via inovação. Schumpeter (1961,
p. 88) ilustra que a concorrência via inovação é de fato muito mais eficaz do que
a concorrência via preço, ao fazer uma analogia discorrendo que: “da mesma
maneira que é mais eficiente bombardear uma porta do que arrombá-la, e, de
fato, tão mais importante que se torna indiferente, no sentido ordinário, se a
concorrência faz sentir seus efeitos mais ou menos rapidamente”.

Nesse ponto, Schumpeter (1967) critica a concorrência perfeita ao


afirmar que a realidade capitalista está distante daquela descrita pelos manuais
de economia. O autor apresenta que a concorrência ditada pelo mercado é a
concorrência de novas mercadorias, novas técnicas, novos meios de suprimento,
nova espécie de organização.

95
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

Nesse sentido, o papel do capitalismo para Schumpeter consiste na


substituição de antigos hábitos de consumo e bens por novos. Assim sendo, o
fenômeno fundamental para análise de Schumpeter está apoiado no conceito
sobre a inovação, que dá lugar ao processo de desenvolvimento, progresso ou
evolução econômica (POSSAS, 1987).

Novas combinações de empregos e recursos produtivos são capazes de


produzir descontinuidades e são introduzidas no mercado por agentes distintos.
Dessa forma, o processo de mudança tecnológica é introduzido pelo conceito
de inovação, que se refere a novas combinações, induzindo o aumento de
receita. Em outras palavras, uma das finalidades das novas combinações pode
levar ao barateamento do custo de produção de um bem. Assim, as inovações
criam instabilidade no sistema capitalista, na medida em que surgem de forma
descontínua.

Para analisar o conceito de inovação em Schumpeter, retomam-se a cincos


casos destacados na teoria do desenvolvimento econômico, a saber:

• Introdução de um novo bem, ou seja, um bem com o qual os consumidores


ainda não estiverem familiarizados — ou de uma nova qualidade de um bem.
• Introdução de um novo método de produção, ou seja, um método que
ainda não tenha sido testado pela experiência no ramo próprio da indústria
de transformação, que de modo algum deve ser baseada em uma descoberta
cientificamente nova, e pode consistir também em nova maneira de manejar
comercialmente uma mercadoria.
• Abertura de um novo mercado, ou seja, de um mercado em que o ramo
particular da indústria de transformação do país em questão não tenha ainda
entrado, quer esse mercado tenha existido antes ou não.
• Conquista de uma nova fonte de oferta de matérias-primas ou de bens
semimanufaturados, mais uma vez independentemente do fato de que a fonte
já existia ou teve que ser criada.
• Estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria, como a
criação de uma posição de monopólio (por exemplo, pela trustificação) ou a
fragmentação de uma posição de monopólio.

Destarte, a lógica do capitalismo é criar necessidades para os indivíduos


sem que haja preocupação estrita de atendê-las. Nas palavras de Schumpeter
(1997, p. 10): “[...] o produtor que, via de regra, inicia a mudança econômica,
e os consumidores, se necessário, são por ele ‘educados’; eles são, por assim
dizer, ensinados a desejar novas coisas, ou coisas que diferem de alguma forma
daquelas que têm o hábito de consumir”.

No quadro a seguir, são apresentadas, em perspectiva comparada, as


múltiplas visões sobre a concorrência na teoria econômica.

96
TÓPICO 2 | MODERNIZAÇÃO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

QUADRO 2 – DIFERENTES ABORDAGENS SOBRE A CONCORRÊNCIA NA TEORIA ECONÔMICA

Visão Características
A noção clássica de concorrência — adotada por Smith, Ricardo e seus
contemporâneos — está associada à livre mobilidade do capital entre
diferentes indústrias, implicando a livre entrada (livre iniciativa) ou
ausência de “barreiras à entrada”. No início do capitalismo, essas
barreiras estavam relacionadas com privilégios monopolistas, ou
seja, restrições institucionais ou legais à livre concorrência e à livre
iniciativa. A concorrência era vista como um processo que se desenrola
ao longo do tempo, pelo qual os investimentos são atraídos pelas
indústrias que proporcionam maior taxa de lucro, afastando-se das de
menor rentabilidade. Seria esse contínuo fluxo intersetorial de capitais,
possibilitado justamente pela concorrência entre capitais — ou seja,
Abordagem por sua mobilidade entre indústrias —, o responsável pela suposta
clássica tendência à igualação das taxas de lucro entre distintas atividades nas
economias capitalistas.
Entretanto, é característica do enfoque teórico da economia clássica,
especialmente em sua vertente ricardiana (e, hoje, neoricardiana),
sua preocupação maior com o resultado desse processo — ou seja,
com a formação de uma taxa de lucro uniforme entre indústrias, e os
respectivos preços “naturais” ou de equilíbrio intersetorial — do que
com o processo da concorrência em si, já prenunciando o viés estático
da ciência econômica tal como viria a se consolidar com a teoria do
equilíbrio geral, em fins do Século XIX. Nesse quadro, a concorrência
não é objeto de análise em si, mas só interessa pelos seus efeitos ou
de longo prazo, associados à teoria da determinação dos preços e da
taxa de lucro de equilíbrio.

Para Marx, a concorrência também era considerada mais como um


processo auxiliar — embora importante — para atingir determinados
fins previstos pela teoria, do que como um objeto em si mesmo digno
de ser teorizado. Na concepção de Marx, a concorrência não possui
o status de gerar por si efeitos relevantes na economia capitalista;
ela cumpre apenas um papel intermediário de “executar” as “leis de
movimento” (para usar sua expressão) dessa economia, determinadas
em nível mais “fundamental” (das relações de produção e das leis do
capital) que o nível “superficial” da concorrência, incapaz de criar
ou afetar essas determinações. Isso não exclui o reconhecimento da
importância da concorrência, em Marx, como um pressuposto para
Visão marxista
a teoria do valor e do capital; bem como sua aceitação, no essencial,
da visão clássica da concorrência como “mobilidade dos capitais”,
atuando como o mecanismo básico para a tendência à formação de
uma taxa de lucro uniforme.
Por outro lado, é importante notar que Marx também tinha uma
percepção aguda da concorrência como um mecanismo permanente de
introdução de progresso técnico, capaz de tornar endógena à economia
capitalista a capacidade de mudança estrutural via inovações — na
sua linguagem de tornar o “desenvolvimento das forças produtivas”
uma “lei de movimento” básica da economia capitalista. Este é um
elemento crucial para uma teoria dinâmica da concorrência, que será
retomado por Schumpeter muito mais tarde.

97
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

A concepção clássica foi também adotada — e estendida — por


Marshall, um dos pioneiros da tradição neoclássica e fundador
da microeconomia. Sua principal contribuição nesse terreno foi
dar contornos mais precisos à noção neoclássica de concorrência,
predominante ainda hoje. Na sua versão atual, trata-se da noção
de concorrência perfeita, associada ao atomismo de mercado (tanto
Concorrência
na oferta como na demanda), em que as empresas individuais são
neoclássica
tomadoras de preço (price takers), ou seja, incapazes de afetar o preço
(mainstream)
de mercado, determinado pelo equilíbrio entre oferta e demanda,
com preço de mercado igual a seu custo marginal. As implicações
normativas dessas hipóteses são fundamentais para o enfoque estático
de eficiência alocativa, predominante em praticamente todas as
aplicações de política econômica. Implicações normativas idênticas,
mas que dispensam o atomismo de mercado, são extraídas, ainda
no campo neoclássico, pela recente teoria de mercados contestáveis.

Trata-se de uma noção não ortodoxa, cuja principal característica é que


ela se insere numa visão dinâmica e evolucionária do funcionamento
da economia capitalista. Por ela, a evolução desta economia é vista ao
longo do tempo (e por isso é dinâmica e evolucionária) como baseada
A abordagem
num processo ininterrupto de introdução e difusão de inovações em
de Schumpeter
sentido amplo, isto é, de quaisquer mudanças no espaço econômico
no qual operam as empresas, sejam elas mudanças nos produtos,
nos processos produtivos, nas fontes de matérias-primas, nas formas
de organização produtiva, ou nos próprios mercados, inclusive em
termos geográficos.

FONTE: Adaptado de Possas (2012, p. 245-246)

5 SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO


O conceito de sistema nacional de inovação − SNI − está sendo elaborado
por autores evolucionários pioneiros, como Freeman (1988), e amplamente
seguido e aceito por toda comunidade acadêmica heterodoxa. De acordo com
Albuquerque (1996), eles são responsáveis por sintetizar grande número de
pesquisa e estudos acerca dos fatores determinantes do progresso tecnológico.
Mas, então, o que significa SNI?
Sistema nacional de inovação é uma construção institucional,
produto de uma ação planejada e consciente ou de um somatório
de decisões não planejadas e desarticuladas, que impulsiona o
progresso tecnológico em economias capitalistas complexas. Através
da construção desse sistema de inovação viabiliza-se a construção de
fluxos de informação necessária ao processo de inovação tecnológica
(ALBUQUERQUE, 1996, p. 57, grifo nosso).

98
TÓPICO 2 | MODERNIZAÇÃO E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA

Esses arranjos institucionais podem ser caracterizados pelo envolvimento


de firmas, redes de interação entre empresas, agências do governo, centros de
pesquisa, universidades, empresas. Ou seja, o processo de inovação de um país é
sistêmico e envolve uma multiplicidade de atores para a constituição do processo
(ALBUQUERQUE, 1996). Segundo o autor, o SNI bem arquitetado será capaz
de contribuir para a diminuição do hiato tecnológico com relação à fronteira
tecnológica. Em resposta disso, a diminuição do gap tecnológico pode sinalizar
um aumento da produtividade nacional e, em consequência, o barateamento de
insumos e produtos.

Nesse sentido, reforça-se a importância de aplicação de políticas públicas


eficientes e de um projeto de Estado que garanta a manutenção e perpetuação da
ciência e da tecnologia, uma vez que são fatores determinantes para o progresso
e sucesso das empresas nacionais.

99
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você aprendeu que:

• As revoluções tecnológicas e suas principais tecnologias revolucionaram os


períodos históricos, surgindo novos paradigmas tecnológicos.

• Os paradigmas podem ser de natureza técnica e econômica, assim, os


paradigmas técnico-econômicos exercem influência nas duas esferas.

• Os autores evolucionários para o desenvolvimento econômico possuem como


base a teoria do economista austríaco Schumpeter, o qual aborda a relevância
da concorrência por meio do processo de inovação.

• Os sistemas nacionais de inovação envolvem uma multiplicidade de atores no


processo inovativo e são capazes de promover saltos de produtividade.

100
AUTOATIVIDADE

1 Segundo os critérios estabelecidos por Perez (2009) na definição de uma


revolução tecnológica, podemos dizer que estamos em uma nova onda
de revolução tecnológica ou apenas avançando na Quinta Revolução
Tecnológica, baseada nas TICs?

101
102
UNIDADE 2 TÓPICO 3

ESTADO, PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

1 INTRODUÇÃO
O conceito atual de desenvolvimento econômico surgiu como disciplina
no pós-guerra, e desde então é tema de pesquisa por diversos economistas. Por
outro lado, o desenvolvimentismo é um termo recente no debate internacional,
e surgiu nos anos 1980, entretanto, na América Latina, ele já existe, pelo menos,
desde a década de 1960.

De fato, o desenvolvimentismo enxerga o Estado como um ator


importante na agenda de desenvolvimento dos países, sobretudo aqueles países
em desenvolvimento, como o Brasil. A ideia de Estado desenvolvimentista
(Developmental State) “fundamenta-se na construção de processos de
desenvolvimento alicerçados em políticas setoriais, programas macroeconômicos
e projetos de infraestrutura, com a participação ativa do Estado” (NIERDELE et
al., 2016, p. 75).

Chang (2010 apud NIERDELE et al., 2016, p. 75) demonstra que:

A definição de desenvolvimentismo está associada à legitimidade social


conferida ao Estado para interferir nas trajetórias de desenvolvimento
por meio de instrumentos vários de política pública. Ao longo da
história — ou, no mesmo momento, em distintos contextos sociais —,
diversas modalidades de Estado desenvolvimentista já foram testadas.
Elas emergem em diferentes condições políticas e se adequam às
instituições e aos valores que cada sociedade estima serem legítimos
no respectivo contexto histórico.

Na visão do professor Bresser-Pereira (2010), um Estado desenvolvimentista


deve compreender os seguintes parâmetros:

• Certo nível de nacionalismo econômico.


• Proteção ou sustentação da indústria doméstica.
• Fortalecimento da burocracia estatal.
• Corporativismo fundado em uma aliança entre Estado, trabalho e setor privado.

103
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

• Incentivo à inovação e à transferência de tecnologia.


• Prioridade do crescimento econômico sobre a estabilidade monetária.

Em distintos contextos, porém, cada uma dessas características se revela


mais ou menos evidente.

Embora os casos da América Latina sejam úteis para a análise das várias
configurações do desenvolvimentismo ao longo do tempo, o caso clássico que
serviu de inspiração para grande parte das formulações sobre o modelo é o
da experiência asiática no período posterior à Segunda Guerra Mundial. Isso
se deve a uma série de fatores, como, inicialmente, o “milagre japonês” e, em
segundo momento, o crescimento expressivo de países como Taiwan, Coreia do
Sul e Singapura. Em todos os casos, o cenário apresentava um ritmo acelerado de
desenvolvimento associado a políticas industriais, comerciais e tecnológicas, as
quais viabilizaram elevados níveis de crescimento, mesmo em períodos em que a
maior parte das economias se ressentia dos efeitos de diversas crises, sobretudo
em decorrência da desregulação dos mercados financeiros e do fluxo de capitais
(NIERDELE et al. 2016, p. 78).

O nacional desenvolvimentismo como estratégia de desenvolvimento


foi responsável por fazer com que vários países latino-americanos
— entre os quais o Brasil — crescessem expressivamente entre as
décadas de 1930 e de 1970. Contudo, o desenvolvimentismo é mais
que uma política econômica; além de representar uma ideologia
que alimentou o sonho do desenvolvimento, fundamenta-se em
diagnósticos realizados nos países ditos ‘atrasados’, nos quais os
resquícios de uma sociedade arcaica poderiam ser eliminados por
meio da modernização social a ser liderada por elites sociais. Neste
período, o desenvolvimentismo apelava para um tom nacionalista,
criando alianças entre classes, grupos sociais e partidos políticos a fim
de promover mudanças sociais profundas que pudessem repercutir
em toda a nação (NIERDELE et al., 2016, p. 80).

De acordo com Bresser-Pereira (2010), o novo desenvolvimentismo é


um “terceiro discurso” entre o velho discurso desenvolvimentista e a ortodoxia
convencional. O autor não considera que o desenvolvimentismo como uma
teoria, mas

uma estratégia de desenvolvimento com foco na ação dos Estados


Nacionais em contextos de globalização. As teorias que fundamentam
o novo desenvolvimentismo encontram-se em formulações da
macroeconomia keynesiana, na economia do desenvolvimento e no
neoinstitucionalismo histórico (NIERDELE et al., 2016, p. 84, grifo
nosso).

A seguir, demonstraremos o conceito e as principais abordagens acerca


do desenvolvimentismo, em especial, suas aplicações em nosso país.

104
TÓPICO 3 | ESTADO, PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

2 O PAPEL DO ESTADO NA AGENDA DE DESENVOLVIMENTO


Para Biancarelli e Filippin (2017, p. 156) o desenvolvimentismo é “uma
estratégia deliberada de desenvolvimento que conte com a intervenção do Estado,
que seja guiado por um projeto nacional e que reconheça a industrialização como
o caminho a ser trilhado”.

A partir desse conceito, observamos que a agenda de desenvolvimento


está associada a um maior controle estatal, tal qual fez Keynes, nos anos 1930,
para salvar e recuperar a economia estadunidense. Contudo, vale ressaltar que
um dos pilares do desenvolvimentismo possui o caráter industrializante como
papel central para o debate. Segundo os autores, as questões relativas à estrutura
produtiva são de grande importância para uma agenda de desenvolvimento e
devem ser mais bem debatidas e exploradas.

O debate sobre desenvolvimento e desenvolvimentismo é antigo e


cíclico. Após uma fase de declínio, o tema voltou a ser amplamente
discutido no Brasil e no mundo. Uma das contribuições mais
recentes é a publicação Rethinking Development Strategies after the
Financial Crisis, da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio
e Desenvolvimento (UNCTAD). [...] O documento defende que é
preciso discutir desenvolvimento e o papel do Estado neste processo,
pois a crise financeira global e suas consequências mostraram que
austeridade fiscal e/ou medidas que visem apenas a fortalecer a
demanda agregada não são suficientes para a superação dos dilemas
econômicos contemporâneos. Aliás, lições podem ser tiradas não só da
crise de 2008, mas também da comparação do desempenho de vários
países desde os anos 1980 (BIANCARELLI; FILIPPIN, 2017, p. 157).

Em síntese, podemos dizer que o Estado deve assumir uma agenda


desenvolvimentista com atuação ativa, por meio de políticas macroeconômicas,
visando a atender as demandas domésticas, além de uma política industrial
forte, uma vez que não há experiência de países que experimentaram o
desenvolvimento econômico sem que houvesse uma indústria bem-estruturada
envolvida.

De fato, a agenda de desenvolvimentismo adotada pelo Estado deve ter


caráter de longo prazo, pensando em um projeto de país e não ter uma visão
“curtoprazista” moldadas em pensamentos de campanha. Um país que aprova
tais medidas estará à deriva e continuará em seu estágio de subdesenvolvimento.
Assim, os objetivos para os países devem ser bem delineados por policymakers
capacitados.

Tendo em vista o debate internacional e sabendo que as economias estão


cada vez mais globalizadas e interligadas, Biancarelli e Filippin (2017, p. 159)
afirmam que

105
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

na medida em que o Estado passou a participar ativamente dos


processos de acumulação, distribuição de renda, e geração de bem-
estar social, o desempenho econômico nacional se tornou inclusive
uma fonte de legitimidade para os governos. Do mesmo modo, ao
adentrar a esfera econômica, o Estado altera a forma como vê a inserção
do país no sistema internacional, em especial na divisão internacional
do trabalho. A relação entre desempenho interno e contexto externo
se torna maior e mutuamente dependente. Não só o êxito da
transformação econômica nacional está condicionado pela forma de
inserção do país na divisão internacional do trabalho, como também
uma mudança nesta inserção depende do êxito da transformação
econômica interna.

As relações de trabalho em nível global estão se modificando e é dever do


Estado se atentar para tais transformações e fenômenos, a fim de aplicar políticas
públicas consistentes em um cenário de acirrada concorrência global.

Para se atingir o desenvolvimento, devemos ter em mente que todo


o processo é contínuo e dinâmico. Assim, “é importante perceber que o nicho
ocupado pelo país na divisão internacional do trabalho tem implicações
relevantes, uma vez que alguns setores induzem sinergias empresariais e criam
externalidades positivas para o resto da economia” (BIANCARELLI; FILIPPIN,
2017, p. 159).

Nichos na divisão internacional do trabalho são desejáveis não somente


porque podem trazer maiores lucros e permitir uma acumulação mais
rápida de capital, mas também porque facilitam o avanço dos objetivos
sociais e de bem-estar associados ao ‘desenvolvimento’ no sentido
amplo do termo (EVANS, 2004 apud BIANCARELLI; FILIPPIN, 2017,
p. 160).

E
IMPORTANT

Biancarelli e Filippin (2017, p. 160) explicam que o papel do Estado vai além
de apenas prover um ambiente adequado à acumulação privada. Tendo em vista que as
nações estão em estágios diferentes de desenvolvimento, para competir com os países
industrializados, os países em desenvolvimento enfrentam requerimentos de capital e
tecnologia muito superiores às capacidades do empresariado local.

Há, portanto, uma disjunção entre a escala da atividade econômica exigida para
o desenvolvimento e o escopo efetivo de vínculos econômicos privados, e isso deve ser
resolvido por meio de um envolvimento ativo do Estado nos mercados financeiros.

106
TÓPICO 3 | ESTADO, PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

Segundo Bielchowski (2012, p. 730), o Brasil tem o privilégio de possuir


ao mesmo tempo três poderosas frentes de expansão, ou seja, três motores do
desenvolvimento. Para o autor, nosso país apresenta um conjunto que poucos
países do mundo possuem:
• Amplo mercado interno de consumo de massa — que será tanto
mais amplo quanto melhor vier a ser a distribuição da renda —,
e uma estrutura produtiva potencialmente capaz de vir a realizar
localmente boa parte da produção em larga escala correspondente,
nos setores primários, industriais e de serviços, sem prejuízo de
ampliar as exportações.
• Forte demanda nacional e mundial por seus abundantes recursos
naturais.
• Perspectivas favoráveis quanto à demanda estatal e privada por
investimentos em infraestrutura (econômica e social).

Observa-se que no país está propositadamente ausente, na formulação, a


ideia frequente de que exportações de bens industriais possam ser um motor de
investimento em si, pois aqui atuam como complemento à demanda gerada pelo
mercado interno.

De fato, como se mostra em mais de um estudo sobre os determinantes


do investimento brasileiro, as decisões de investir nas empresas
industriais sediadas nos países acontecem essencialmente em função
do mercado interno e só de forma complementar visam ao mercado
internacional [...]. As exceções, como a dos aviões da Embraer, apenas
confirmam a regra (BIELCHOWSKI, 2012, p. 730).

UNI

O papel da inovação tecnológica reside no fato de que, se o processo de


inovação se expandir de modo adequado, poderá turbinar poderosamente as três
engrenagens do investimento. Permitirá, assim, transformar em núcleos estruturantes da
economia nacional várias atividades produtivas ainda inexistentes ou, em fase incipiente
— como o pré-sal e a utilização sustentável da biodiversidade — e inaugurar ou reforçar a
existência de encadeamentos produtivos com alta densidade tecnológica. Isso significará
adensar as três frentes de expansão, ampliar seus efeitos multiplicadores de renda e
emprego e reduzir a vulnerabilidade externa da economia brasileira.

Mesmo assim, a inovação não é aqui considerada como uma frente de expansão
em si, já que a atividade de P&D no país ainda não está suficientemente inserida nas
estratégias de expansão das empresas. Se isso vier a ocorrer, como se dá nos países mais
desenvolvidos, a inovação poderá se tornar um quarto motor do desenvolvimento a longo
prazo (BIELCHOWSKI, 2012).

Vale ressaltar que países desenvolvidos, como os Estados Unidos e na Europa,


“têm adotado políticas para apoiar o avanço de novas tecnologias e, consequentemente,
reforçar o dinamismo das suas economias e garantir a sua permanência na fronteira
tecnológica” (BIANCARELLI; FILIPPIN, 2017, p. 163).

107
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

A proposição conceitual das frentes de expansão tem a virtude


de, a princípio, permitir que se ponha o foco do planejamento do
desenvolvimento econômico sobre o volume e a composição setorial e
tecnológica dos investimentos, ou seja, são as variáveis que definem o
crescimento e o aumento de produtividade a longo prazo. Trata-se de
um enfoque ao mesmo tempo keynesiano, kaldoriano e estruturalista.
Inspira-se em Keynes (1973) porque toma o investimento como
resultado de estímulos de demanda efetiva, em Kaldor (1989), porque
considera o progresso técnico e o learning by doing, processos que
acompanham o investimento gerado por expansão de demanda e
ajudam a alimentar os rendimentos crescentes de escala que permitem
o aumento de produtividade. É estruturalista porque, ao centrar a
análise no investimento e nas transformações estruturais que suscita,
orienta a discussão diretamente ao “estilo” de desenvolvimento
desejado e historicamente viável (PINTO, 1976 apud BIELCHOWSKI,
2012, p. 731).

Ademais, o consumo de massa, como visto no Tópico 1, é essencial para


o desenvolvimentismo aos moldes, como pensou o economista britânico Keynes.
Adiante, destacamos alguns dos principais motores para o desenvolvimento
econômico brasileiro.

Sem dúvidas, o modelo de consumo de massas, modelo destacado por


diversos autores que se debruçam sobre a temática desenvolvimentista, parece
que começou a dar sinais de sucesso no Brasil no período em que a esquerda
tomou o Poder Executivo. Bielchowski (2012, p. 738) mostras evidências desse
processo e se revelam inequívocas:

São quatro, ao que tudo indica, as principais causas: i) rápido


aumento na massa salarial, por volume de emprego e elevação dos
rendimentos do trabalho; ii) transferências de renda à população
pobre, por efeito de políticas sociais como o impacto do aumento do
salário mínimo sobre as pensões e o “Bolsa Família”; iii) estabilidade
ou queda nos preços dos bens industriais de consumo popular por
valorização cambial e por importação de bens da China e da Ásia;
iv) forte ampliação do crédito ao consumo e acesso da população de
baixa renda.

Assim, podemos dizer que o modelo de produção e consumo de massa


representa uma grande oportunidade para o Brasil, pois observa-se que há
possibilidades de rendimentos de escala proporcionados pelas dimensões de
seu mercado interno e ao mesmo tempo fato de que os bens de consumo de
massa são produzidos por estruturas produtivas e empresariais modernas,
afeitas ao progresso técnico e ao aumento de produtividade (BIELCHOWSKI,
2012). Analisando teoricamente esse ponto de vista, Bielchowski (2012, p. 738)
aponta que:

108
TÓPICO 3 | ESTADO, PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

É possível afirmar que o modelo de produção e consumo de massa


opera de acordo com o estabelecimento do seguinte círculo virtuoso:
i) o aumento do consumo provoca a expansão dos investimentos,
que se traduzem em aumento de produtividade e competitividade
pelas vias de mais equipamentos por trabalhador, conhecimento,
aprendizado e inovação e economias de escala (da produção em
massa); ii) a elevação da produtividade transmite-se equilibradamente
a lucros e rendimentos das famílias trabalhadoras pelo aumento de
salários, redução dos preços dos bens e serviços e aumento dos gastos
sociais; iii) esses rendimentos transformam-se em consumo popular
continuamente ampliado; iv) essa ampliação provoca a expansão dos
investimentos.

Assim, analisando a situação atual, pode-se verificar que o modelo de


produção e consumo de massa representa a grande oportunidade que o Brasil
dispõe de confirmar seu considerável parque industrial e fazê-lo avançar por
meio dos encadeamentos produtivos da produção de bens finais de consumo
popular, inclusive daqueles de maior intensidade tecnológica, portadores do
futuro, como os casos da indústria eletrônica, parte da indústria química e dos
setores de bens de capital (BIELCHOWSKI, 2012). O autor ainda destaca em
suas análises que:

O modelo possui também a extraordinária virtude de ser estimulado


por uma integração virtuosa entre crescimento e melhoria distributiva
da renda, como se verificou no pós-guerra em vários países
desenvolvidos. Trata-se de uma estratégia de desenvolvimento ao
mesmo tempo social e nacional (BIELCHOWSKI, 2012, p. 739).

Podemos observar nas análises realizadas por Bielchowski, portanto,


que estas evidenciam todos os pressupostos e argumentos descritos por
Keynes na década de 1930. Esses fatos revelam o quão relevante é a teoria de
Keynes atualmente, em razão de sua praticidade e aplicabilidade em países em
desenvolvimento.

109
UNIDADE 2 | HISTÓRIA ECONÔMICA, DESENVOLVIMENTO E AS INSTITUIÇÕES NO CAPITALISMO

LEITURA COMPLEMENTAR

REFLEXÕES SOBRE A ABORDAGEM DE SISTEMA DE INOVAÇÃO

Adriana Sbicca Fernandes

1 INTRODUÇÃO

A dificuldade da teoria tradicional em explicar as diferentes taxas


de crescimento das economias levou estudiosos a incorporarem elementos
da dinâmica econômica. Na tentativa de entender como os países adquirem
competitividade e percorrem períodos de desenvolvimento econômico, a partir
da década de 1980, autores como Lundvall, Freeman e Nelson passaram a tratar
dos sistemas de inovação — SI. De acordo com esta abordagem, a inovação é
um fenômeno fundamental e inerente à economia e a competitividade das firmas
ou economias nacionais reflete sua capacidade em engajar-se em atividades
vinculadas à inovação. Esta é compreendida como um processo que envolve
diversos atores e instituições, cujas interações geram importantes informações
sobre os caminhos específicos de desenvolvimento tomados. A estrutura analítica
do SI se difundiu a partir de então, passando inclusive a ser utilizada como base
para formulação de políticas públicas.

O presente texto tem início com um breve histórico sobre o surgimento


da abordagem dos sistemas de inovação e a apresentação desta estrutura
analítica juntamente a uma discussão sobre os principais conceitos relacionados
ao tema. Em seguida, trata da utilização do sistema de inovação para análise
empírica através de suas dimensões nacional, regional e setorial. Nesta parte
são apresentados os sistemas nacionais de inovação (SNI) dos Estados Unidos,
Japão e Brasil, em que se busca apreender as diferenças em suas taxas de
crescimento em diversos períodos da história e indicar fatores que parecem
estimular a economia.

2 ORIGENS TEÓRICAS

A expressão “Sistema de Inovação” surgiu nos anos 1980 e se difundiu


com trabalhos como de Chris Freeman (1987) e Richard Nelson (1987;1988). Esta
abordagem ganhou maior espaço no início dos anos 1990, com a obra de Nelson
(1993) que faz uma análise comparativa de sistemas nacionais de inovação e com
trabalhos mais teóricos que investigavam o conceito e o desenvolvimento da
estrutura de análise do sistema de inovação como de Lundvall (1992). Desde então,
tais autores passaram a ser referência nos trabalhos sobre SI e são amplamente
citados pelos estudos posteriores neste campo.

110
TÓPICO 3 | ESTADO, PLANEJAMENTO E POLÍTICAS PÚBLICAS

Ideias semelhantes a esta abordagem podem ser encontradas mais de um


século antes, no trabalho de Friedrich List. Ele criticou economistas clássicos,
como Adam Smith, por darem atenção insuficiente à ciência, tecnologia e
habilidades ao estudarem o crescimento das nações. Seu livro The National
System of Political Economy (1841) poderia ser intitulado The National System of
Innovation. List focava principalmente o problema de como a Alemanha poderia
alcançar economicamente a Inglaterra. Ele advogava proteção à indústria
nascente e foi esta parte de seu pensamento que mais permaneceu como legado
de sua obra à economia moderna. Porém, List também propôs um amplo leque
de políticas com objetivo de acelerar ou tornar possível a industrialização e o
crescimento econômico. Dentre elas salientou a necessidade da responsabilidade
governamental pela educação e treinamento e pela criação da infraestrutura
de suporte ao desenvolvimento industrial. Muitas destas políticas se referiam
à aprendizagem de nova tecnologia e sua aplicação econômica. Ele claramente
antecipou muitos elementos da abordagem contemporânea sobre sistema
nacional de inovação (FREEMAN; SOETE, 1997, p. 295). Para Freeman e Soete,
foi graças a List que a Alemanha desenvolveu uma educação técnica de alta
qualidade e um dos melhores sistemas de treinamento do mundo, elementos
lembrados por diversos historiadores como um importante diferencial alemão
que beneficiou a situação econômica do país ao longo de sua história. No entanto,
a versão moderna de sistema de inovação não teve List como inspirador direto.
Apenas depois do conceito ter surgido é que autores como Lundvall buscaram
em List um precursor intelectual (LUNDVALL et al., 2001, p. 5).

O uso cada vez mais amplo do sistema de inovação pode ser


percebido na incorporação deste por instituições contemporâneas que focam
o desenvolvimento econômico como o Banco Mundial e a Organização de
Cooperação e Desenvolvimento Econômico — OCDE. Esta última, por exemplo,
tradicionalmente considerava alterações técnicas e inovação como fortemente
influenciadas pelo tipo de dado coletado nas atividades de P&D. Focava o
sistema de P&D num sentido restrito sem levar em conta a complexidade do
processo de aprendizado e incorporando apenas a tecnologia desenvolvida sem
considerar as alterações da própria tecnologia decorrentes de sua produção,
difusão e uso. Em 1988, a OCDE procurou compreender a importância da
tecnologia na dinâmica econômica e lançou programas como o Programa
Tecnologia/Economia cujos resultados foram apresentados em Montreal, em
1991, e davam um enfoque importante ao conceito de sistema nacional de
inovação (LUNDVALL, 1995, p. 5).

FONTE: Adaptado de <geocities.ws/adsbicca/textos/siinter.pdf>. Acesso em: 27 abr. 2020.

111
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• O desenvolvimentismo é um termo recente no debate internacional, e surgiu


nos anos 1980, entretanto, na América Latina, já existe, pelo menos, desde a
década de 1960.

• O Estado deve assumir uma agenda desenvolvimentista com atuação ativa,


por meio de políticas macroeconômicas, visando a atender as demandas
domésticas, além de uma política industrial forte.

• O consumo em massa é um projeto de Estado propulsor do desenvolvimento.

• As relações de trabalho em nível global estão se modificando e é dever do


Estado se atentar para este fenômeno, no ensejo de aplicar políticas públicas
consistentes em um cenário de concorrência global.

• O Brasil possui o privilégio de possuir ao mesmo tempo três poderosas frentes


de expansão, ou seja, três motores do desenvolvimento.

CHAMADA

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AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo.

112
AUTOATIVIDADE

1 Quanto ao questionamento realizado Bielchowski (2012, p. 739) sobre


os determinantes do desenvolvimento a partir do aumento acirrado da
concorrência chinesa, no caso de bens industriais expostos à concorrência
mundial e fundamentais para o êxito a longo prazo da produtividade e das
contas externas, disserte sobre o seguinte: “Será que a produção em massa
estimulada pelo consumo de massa será feita no país ou teremos consumo
de massa no Brasil e produção em massa na China?”

113
114
UNIDADE 3

NOVAS CONCEPÇÕES DO
DESENVOLVIMENTO

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:

• compreender a importância da ideia do progresso para a formação de


novas concepções sobre o desenvolvimento;

• examinar a relevância do desenvolvimento para as políticas econômicas


dos Estados;

• conhecer a regionalização do desenvolvimento a partir do conceito de


desenvolvimento regional;

• analisar a origem e a atualidade da Teoria do Desenvolvimento Geográfico


e Desigual.

PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade
você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo
apresentado.

TÓPICO 1 – DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL AO


DESENVOLVIMENTO GEOGRÁFICO DESIGUAL

TÓPICO 2 – A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

TÓPICO 3 – ECOSSOCIOECONOMIA

CHAMADA

Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos


em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá
melhor as informações.

115
116
UNIDADE 3
TÓPICO 1

DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL AO
DESENVOLVIMENTO GEOGRÁFICO DESIGUAL

1 INTRODUÇÃO
Caro estudante, chegamos à última unidade deste livro didático. O
estudo do desenvolvimento social e econômico dos territórios possui um amplo
campo de debate ao longo da história econômica. Contudo, conforme o conceito
de desenvolvimento recebeu olhares de diferentes áreas da ciência, novas
concepções sobre o termo foram pesquisadas e utilizadas, tanto pelo Estado
quanto pelas organizações da sociedade civil.

Para que possamos ter uma leitura mais ampla a respeito das novas
concepções do desenvolvimento, os objetivos gerais do primeiro tópico da
Unidade 3 serão:

• compreender a importância da ideia do progresso para a formação de novas


concepções sobre o desenvolvimento;
• examinar a relevância do desenvolvimento para as políticas econômicas do
Estado;
• conhecer a regionalização do desenvolvimento a partir do conceito de
desenvolvimento regional;
• analisar a origem e a atualidade da teoria do desenvolvimento geográfico e
desigual.

Muitas são as teorias e perspectivas que analisam o desenvolvimento.


Do ponto de vista especificamente econômico, o conceito surge como forma de
delinear políticas a partir dos Estados. Sua disseminação pelos países obedece
a uma lógica bastante irregular e, conforme a noção original, passa a receber
olhares de áreas do conhecimento distintas.

Todavia, é importante que, enquanto estudante, você saiba distinguir


diferentes visões nos estudos sobre o desenvolvimento. Aliás, este ponto talvez
seja um dos mais importantes: não há somente um tipo de desenvolvimento,
mas um desenvolvimento que atenda às necessidades de diferentes populações.
É a partir desses marcos que abordaremos a temática das novas concepções de
desenvolvimento no Tópico 1.

117
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

Procuraremos responder, ao longo das próximas páginas, algumas


questões. Qual é a origem da ideia do progresso? Qual é a importância do
progresso para a formação de novos pensares sobre o desenvolvimento? Como
podemos entender o desenvolvimento a partir das políticas dos Estados? De que
forma a regionalização do desenvolvimento nos ajuda a compreendê-lo? Quais
os avanços com a aplicação da teoria do desenvolvimento geográfico desigual?

Ficou curioso? Desejamos que tenha ótimos resultados com seus estudos!

2 PROGRESSO E DESENVOLVIMENTO
O desenvolvimento não é um conceito que surgiu da mente de uma só
pessoa; pelo contrário, foi construído paulatinamente ao longo da história social
e econômica dos países. Muitas foram as experiências e os resultados, os quais
tinham distintos modos de operacionalizar políticas de desenvolvimento.

Mas, de fato, qual é a origem dele? Qual é a importância dessas origens


para a sua revalorização constante ao longo da história? A partir dos próximos
itens, descobriremos que o desenvolvimento pode se apresentar de muitas
formas. Fique atento!

2.1 A ORIGEM DO PROGRESSO


A ideia contida na palavra desenvolvimento advém do termo progresso.
Nos dias de hoje, pensarmos em progresso/progressão ou na possibilidade
de progredirmos em algum aspecto é algo natural, pois conhecemos nossas
habilidades e acreditamos em nosso potencial.

No entanto, até o século XV, que se refere à passagem da Idade Média


à Idade Moderna, o progresso não explicava as relações sociais que eram
produzidas. Era um período em que havia constantes processos de povoamento
e despovoamento de territórios, isto é, um período em que os próprios territórios
estavam em formação, a partir de frequentes invasões de outros impérios. Além
disso, convivia-se com grandes surtos de doenças, como a peste negra, que matou
quase metade da população naquele período, e crises relacionadas à fome.

De fato, o período de transição para a Idade Moderna, que se estende até o


século XVIII, é repleto de alterações profundas nas relações sociais e econômicas
das sociedades. É quando o poder do Estado se torna mais relevante frente ao
poder da Igreja, pois é o momento em que os Estados, os quais vinham sendo
constituídos ao longo dos anos, passam a ter forma parecida com a dos países do
mundo atual. Assim, a noção de Estado como ator relevante para o enfrentamento
das problemáticas das nascentes cidades foi fundamental para o surgimento
deste “novo mundo”.

118
TÓPICO 1 | DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL AO DESENVOLVIMENTO GEOGRÁFICO DESIGUAL

NOTA

Você sabia que a palavra progresso tem origem no latim? Progressus significa
avanço, que diz respeito ao mundo se tornar cada vez melhor devido aos avanços da
ciência, da tecnologia e da democracia. Por isso, sua utilização se disseminou com a
chegada da Idade Moderna.

Muitos autores atribuem a origem do progresso a uma analogia elaborada


por Francis Bacon, em 1620. É razoável imaginar que uma pessoa idosa possui
mais conhecimentos do que uma pessoa jovem; da mesma forma, a nascente Idade
Moderna — mais idosa — seria mais bem servida de conhecimento intelectual,
científico ou humano do que a Idade Média ou Antiga (HEIDEMANN, 2009).

Além da ascensão do Estado e da criação do Estado Moderno, outro


elemento determinante nesse período foi o avanço da ciência. As descobertas
científicas alteraram a percepção do homem sobre o espaço em que vive,
relaciona-se e produz bens úteis. Logo, reforça o crescente poder do Estado, ou
seja, as explicações religiosas nos domínios da Igreja se contradizem com aquelas
explicações produzidas a partir do método científico. A rápida expansão das
conquistas por meio das grandes navegações, por exemplo, apenas foi possível
devido às invenções obtidas por meio do avanço da ciência. Esse fato, por sua
vez, amplia mundialmente o comércio entre os diferentes territórios, cuja mão de
obra abundante se tornou cada vez mais necessária.

Porém, além de todas essas transformações, entre o século XVI e XVIII,


observou-se a formação de uma sociedade tipicamente capitalista. Ocorreu a
passagem de uma sociedade na qual as relações sociais eram senhoriais/feudais
para uma em que o capital e o dinheiro tornavam-se o centro de tudo. Essa
característica das sociedades modernas é importantíssima para o entendimento
da formação das sociedades contemporâneas, mas, também, para o entendimento
dos problemas sociais, urbanos e ambientais da atualidade. Com o capitalismo
ocorre a separação do homem e seus meios de subsistência. Ou seja, quando o
feudalismo era a principal forma de organização da sociedade, as pessoas tinham
acesso direto ao que fosse necessário para produzir alimentos, roupas e outros
bens ou serviços úteis as suas necessidades. Um agricultor poderia utilizar sua
própria terra e enxada para produzir cenouras ou milho, por exemplo. Aquilo
que não fosse possível produzir diretamente, como um sapato, era trocado
por quem o fizesse. A simples separação do Homem da Terra (que ocorre por
diferentes formas) dá origem à formação das grandes aglomerações — as cidades
—, uma vez que as pessoas necessitavam vender sua força de trabalho no interior
das fábricas das grandes cidades em troca de um salário para, então, adquirir
produtos necessários para sua sobrevivência.

119
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

Com a separação do homem e de seus meios de subsistência, temos a


criação de uma nova classe social: o capitalista, pois, refere-se ao dono do meio
de produção ou o capital. É uma sociedade em que existe um novo tipo de classe
social. Trata-se do dono das máquinas que produzem sapatos, o dono das terras
utilizadas para a produção de alimentos ou o dono das fábricas erguidas no
espaço urbano. As imagens a seguir revelam as bases de produção nas diferentes
sociedades.

FIGURA 1 – BASE FEUDAL

FONTE: <mundoeducacao.bol.uol.com.br/sociologia/modos-producao-precapitalistas.htm>.
Acesso em: 28 abr. 2020.

FIGURA 2 – BASE CAPITALISTA

FONTE: <estudopratico.com.br/modos-de-producao-capitalista-escravista-feudal-e-mais>.
Acesso em: 28 abr. 2020.

120
TÓPICO 1 | DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL AO DESENVOLVIMENTO GEOGRÁFICO DESIGUAL

Assim, por meio dessas e outras transformações, a sociedade se modificou


por completo. É justamente nessa nova sociedade, da Idade Moderna, que o termo
progresso ganha toda sua relevância. A ideia de progresso procura mostrar que
os acontecimentos históricos, sociais e políticos ocorrem sempre no sentido mais
desejável, com constante aperfeiçoamento.

Logo, os progressos técnicos oriundos da Revolução Industrial (outro


aspecto dessa nova sociedade) estendem a noção de civilização para todo o
mundo. “O mito do progresso dominou todas as manifestações da cultura
ocidental durante aquele século. E não foi por mero acaso que o lema ‘Ordem e
Progresso’ acabou então estampado na bandeira do Brasil” (HEIDEMANN, 2009,
p. 24). Sobre todo esse contexto, é preciso captarmos que a forma capitalista de
organização das sociedades (que era nova) é disseminada mundo afora por meio
das “descobertas” da navegação, propiciadas pelo avanço da ciência e garantidas
pelo fortalecimento do Estado. Essas transformações tornam-se o gatilho
responsável pela “criação” das sociedades modernas, nas quais o progresso deve
estar como bandeira.

2.2 A RELEVÂNCIA DO DESENVOLVIMENTO


Agora que já trabalhamos sobre a ascensão da ideia de progresso, podemos
ver como o termo foi substituído pela ideia de desenvolvimento.

Conforme visto, ao longo dos séculos XVIII e XIX, a dinâmica das


sociedades evoluiu a partir, sobretudo, das esperanças do progresso. No entanto,
nas primeiras décadas do século XX, o termo vai perdendo sua força para explicar
as relações sociais e econômicas dos países. A experiência das grandes Guerras
Mundiais e da crise econômica de 1929 afetou o entendimento sobre as sociedades
modernas. Dessa forma, a vontade de progredir foi substituída pela ideia de
desenvolver.

A dinâmica de transição do progresso para o desenvolvimento possui


relação com a forma pela qual o caminho do desenvolvimento considerado mais
adequado para os países foi trilhado. Ou seja, há relação com a atuação do Estado
nas relações sociais e econômicas.

DICAS

Que tal saber mais sobre a Crise de 1929? Descubra fatos do contexto
econômico mundial do período assistindo ao vídeo Nerdologia de história: A Crise de 1929
e o crash da bolsa de valores. Você também conhecerá a visão de grandes economistas
sobre a crise que abalou o mundo. O material está disponível em: <youtube.com/
watch?v=PuXyboguY5c>.

121
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

FONTE: <youtube.com/watch?v=PuXyboguY5c>. Acesso em: 28 abr. 2020.

A crença no progresso como condição necessária a todas as nações entrega


suas esperanças e promessas à ideia de desenvolvimento (HEIDEMANN, 2009;
HERSHBERG, 2001). “Com efeito, o aumento do fluxo de renda, por unidade
de força de trabalho utilizada, tem sido aceito, desde a época dos [economistas]
clássicos, como o melhor indicador do processo de desenvolvimento de uma
economia” (FURTADO, 1983a, p. 77). Assim, o desenvolvimento surge como um
elemento próprio da economia, pois, quanto mais economicamente avançado
fosse um país, mais desenvolvido seria. Por isso, o autor destaca que o “aumento
do fluxo de renda” (isto é, a renda das pessoas) foi constantemente visto como
uma indicação de que o país era desenvolvido ou não.

Muitas vezes, o conceito de desenvolvimento foi — e ainda é — confundido


com o de crescimento. O fato de o nível de vida da população estar relacionado
com o de renda contribuiu para os conceitos terem certa proximidade. A
diferença está no crescimento alterar somente estruturas simples, enquanto, o
desenvolvimento realizar mudanças estruturais em conjuntos complexos. “Se
o conjunto econômico apresenta estrutura simples, [...] como no caso de uma
empresa ou de um setor produtivo especializado, convém evitar o conceito de
desenvolvimento e utilizar simplesmente o de crescimento” (FURTADO, 1983a,
p. 78). Crescimento é a expansão da produção real em um subconjunto econômico,
cujas modificações não implicam alterações nas funções de produção, isto é, na
forma em que se combinam os fatores em um determinado setor produtivo.

Para elucidar: é mais adequado falarmos em crescimento econômico


quando nos referimos a uma pequena parte da sociedade, seja uma pequena
empresa ou o setor de construção naval, por exemplo, pois se trata de estruturas

122
TÓPICO 1 | DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL AO DESENVOLVIMENTO GEOGRÁFICO DESIGUAL

simples. Crescimento diz respeito ao aumento da quantidade de bens, produtos


e serviços que são produzidos. Quando há um aumento da produção de uma
pequena empresa ou da produção de navios, há crescimento da economia, mas
não há, necessariamente, um desenvolvimento da sociedade. Com o crescimento
podem surgir efeitos negativos, como o desemprego, o qual pode não diminuir
na rapidez necessária; a apropriação da renda gerada pode ocorrer de forma
desigual; baixos salários dificultam a expansão do setor interno; a transferência
de renda para o exterior pode inibir o investimento no país (SOUZA, 2012).

Por meio dessa perspectiva, podemos entender o desenvolvimento como


um conceito que compreende a ideia de crescimento, superando-a. Ou seja,
desenvolvimento vai além do simples crescimento. Com efeito: desenvolvimento
se refere ao crescimento de um conjunto de estrutura complexa. Essa estrutura
complexa é a nossa sociedade, com todos os elementos que a compõem. Então,
essa complexidade estrutural não é uma questão de maior ou menor nível
tecnológico. Na verdade, essa complexidade traduz a diversidade das formas
sociais e econômicas engendradas pela divisão do trabalho social.

O fato de uma sociedade ser responsável por satisfazer às múltiplas


necessidades de uma coletividade — as necessidades de todas as pessoas que
habitam certo território — é o motivo de um conjunto nacional, como um país,
apresentar uma grande complexidade em sua estrutura. Essa sociedade sofre a
ação permanente de uma multiplicidade de fatores sociais e institucionais que
escapam à análise econômica comum (FURTADO, 1983a).

DICAS

Em outras palavras, isolada, a ideia de crescimento ou de crescimento


econômico não consegue explicar por completo a complexa dinâmica do desenvolvimento
de um país. Se crescimento diz respeito apenas ao aumento da produção, de que forma
isso produzirá automaticamente um desenvolvimento mais democrático? O aumento da
produção, sozinho, pode equilibrar o acesso à saúde ou à educação?

Por sua vez, “a teoria do desenvolvimento trata de explicar, numa


perspectiva macroeconômica, as causas e o mecanismo do aumento da produção
e na forma como se distribui e utiliza o produto social” (FURTADO, 1983a, p.
15). No entanto, não interessa aqui o aumento da produtividade de uma empresa
individual, porque a teoria do desenvolvimento não pode ser deduzida do estudo
isolado de uma ou duas empresas. O aumento de produtividade individual não se
trata de desenvolvimento, cujo processo não poderia se concretizar sem realizar
modificações na forma de distribuição e utilização da renda.

123
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

Podemos, portanto, admitir que o crescimento é o aumento da


produção, ou seja, do fluxo de renda, ao nível de um subconjunto
econômico especializado, e que o desenvolvimento é o mesmo
fenômeno quando observado do ponto de vista de suas repercussões
no conjunto econômico de estrutura complexa que inclui o referido
setor especializado (FURTADO, 1983a, p. 79, grifo do autor).

As políticas de desenvolvimento sempre existiram? A expressão/termo/


palavra desenvolvimento ganha maior relevância a partir da década de 1930,
substituindo a perspectiva do progresso e o regime liberal-econômico. Nesse
momento, países do mundo inteiro iniciam um processo de criação de políticas
para o desenvolvimento. Entretanto, um fato histórico-político se tornou
fundamental para que o desenvolvimento realmente fosse utilizado por todos e
em todos os lugares: a invenção do subdesenvolvimento.

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos se tornaram


uma fantástica, e sem precedentes, máquina de produção de bens e serviços.
Sua hegemonia era inegável e precisava ser consolidada em outros territórios
do mundo. Com esse objetivo, em 20 de janeiro de 1949, durante a posse do
presidente Harry Truman, uma campanha global foi criada para promover
a chamada Era do Desenvolvimento. Em seu pronunciamento inaugural, ele
mencionava que a política internacional norte-americana se dedicaria em levar
os avanços científicos e o progresso industrial alcançado para a melhoria das
áreas subdesenvolvidas. Era a primeira vez que a palavra subdesenvolvimento
era mencionada nesse contexto e, desta forma, o intuito em utilizá-la foi o de
agrupar países considerados atrasados e submetê-los à hegemonia conquistada
pelos Estados Unidos (ESTEVA, 2000).

E
IMPORTANT

Na década de 1950, a política norte-americana tinha conhecimento prévio


sobre a realidade sul-africana, por exemplo? E sobre o contexto latino-americano de
desenvolvimento, é possível orientar os rumos de desenvolvimento de certo lugar sem
ouvir as populações que ali vivem? O mesmo tipo de desenvolvimento pode ser utilizado
em distintos lugares? São questões que devemos refletir.

De toda forma, naquele momento, dois bilhões de pessoas passaram a ser


designadas como subdesenvolvidas. “Deixaram de ser o que eram antes, em toda
sua diversidade, e foram transformadas magicamente em uma imagem inversa
da realidade alheia: uma imagem que os diminui e os envia para o fim da fila”
(ESTEVA, 2000, p. 60, grifo nosso). Os dois bilhões de pessoas se referem a todas
as populações que eram vistas com insuficiência de crescimento; enquadradas
como subdesenvolvidas. É desse processo que se origina a corrida infinita em
busca do desenvolvimento: um padrão para escapar da condição indigna que lhe

124
TÓPICO 1 | DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL AO DESENVOLVIMENTO GEOGRÁFICO DESIGUAL

foi atribuída. Atualmente, o termo subdesenvolvimento deixou de ser utilizado


no âmbito das políticas, mas, seu extremo oposto, a possibilidade de uma “via
rápida” para o desenvolvimento, é cada vez mais perseguida.

2.3 O CONCEITO DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL


Quanto à regionalização do desenvolvimento, cabe lembrar que as origens
da ciência regional são traçadas a partir da década de 1920, com forte natureza
interdisciplinar. O estudo da questão espacial na economia ganha maior fôlego a
partir da década de 1950, sobretudo por meio da difusão da teoria dos polos de
crescimento (ou de desenvolvimento) de François Perroux. O problema tratado
por Perroux estava relacionado à reorganização econômica do espaço francês,
cujos estudos vinham se debruçando sobre o crescimento urbano e regional.

Em 1954, o tema institui-se cientificamente com a criação da Regional


Science Association por Walter Isard e um grupo de mais de 60 economistas,
geógrafos, cientistas políticos, sociólogos e urbanistas. O objetivo principal da
Regional Science Association, que mais tarde viria a se tornar a reconhecida Regional
Science Association International, era promover o estudo sobre as regiões utilizando
os métodos e referenciais teóricos das ciências sociais e desenvolvendo outros
específicos à análise regional (BENKO, 1999; ISSERMAN, 2001).

A teoria dos polos de crescimento de Perroux serviu de apoio a múltiplos


estudos e inspirou aplicações práticas e políticas econômicas regionais em
diversos países nas décadas de 1950 e 1960. Com efeito, tais preocupações
levaram à formação de um quadro teórico para a formulação do conceito de
desenvolvimento regional. Percebeu-se, que “o crescimento econômico não se
verificava em toda parte e simultaneamente, é pontual e dinâmico e difunde-se
em função da estrutura espacial e industrial da região e da armadura urbana”
(BENKO, 1999, p. 78). A questão era compreender as diferenças regionais do
crescimento e desenvolvimento. Ao mesmo tempo em que é uma teoria sobre o
crescimento das regiões, é uma teoria da formação da desigualdade no espaço.

A região se refere ao reflexo das modificações vividas pelos indivíduos que


habitam determinado espaço. Ela expressa a área formada pela articulação, tanto
entre verticalidade e horizontalidade, quanto fluxos e estruturas socioespaciais.
Além disso, representa o corpo de relações entre sociedade e natureza, incluindo
organização social, cultura e decisão política (RIBEIRO, 2004). “Região é um espaço
socioeconômico, configurado e reconfigurado permanentemente por relações de
poder entre indivíduos, grupos e classes sociais — que, assim, produzem-no e o
consomem” (SOUZA; THEIS, 2009, p. 12).

Por uma perspectiva crítica, o debate sobre o termo região e o


desenvolvimento regional parece ter valorizado, recentemente, a atuação dos
atores/agentes/sujeitos e compreendido como uma problemática especificamente
capitalista:

125
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

Uma região, produto das desigualdades produzidas pelo capitalismo,


é um espaço concreto ao nível do qual se regulam as contradições
secundárias entre as classes dominantes, baseado no estágio
alcançado pela articulação dos modos de produção e pelo grau de
desenvolvimento das forças produtivas. Uma região é, assim, a base
infra estrutural que delimita o espaço econômico regional e sua
correspondente superestrutura (THEIS; GALVÃO, 2012, p. 65).

Sobretudo pela crise do modelo político-normativo, pelo qual o Estado


deveria conduzir o desenvolvimento, cada vez mais se tornar difícil a coordenação
de políticas de desenvolvimento regional. Contudo, o tema do desenvolvimento
regional, que ficou esquecido por um tempo, parece ter voltado ao debate
acadêmico e à agenda política (SOUZA; THEIS, 2009).

O conceito de desenvolvimento se refere a um processo de mudança


social, buscado de forma deliberada [...], viabilizado pela mobilização
de recursos (econômicos e não econômicos), visando alcançar fins
previamente definidos por uma coletividade ou por grupos sociais
que a representem (SOUZA; THEIS, 2009, p. 12).

Portanto, por desenvolvimento regional podemos entender mais do que


um processo localizado de crescimento econômico e mudança social que tem por
objetivo a melhoria da qualidade de vida material e espiritual de uma comunidade.
Aqui, adere-se a uma compreensão de desenvolvimento na escala regional como
um processo de desenvolvimento socialmente equitativo e ecologicamente
prudente, apoiado na democratização em todas as escalas, na participação ativa
da cidadania na definição de seu paradigma societário e na completa soberania
dos sujeitos na escolha de seu futuro (SOUZA; THEIS, 2009, p. 12).

No Dicionário do Desenvolvimento Regional também se chama a atenção à


necessidade de o desenvolvimento regional ser entendido em suas diferentes
escalas e complexas relações (SIEDENBERG, 2006, p. 72):

A utilização do termo desenvolvimento regional normalmente


está associada às mudanças sociais e econômicas que ocorrem num
determinado espaço, porém é necessário considerar que a abrangência
dessas mudanças vai além desses aspectos, estabelecendo uma série
de inter-relações com outros elementos e estruturas presentes na
região considerada, configurando um complexo sistema de interações
e abordagens.

De forma mais ampla, para Sachs (1997), no conceito de desenvolvimento


devemos considerar, simultaneamente, cinco dimensões, visto que é um processo
que deve permitir melhora nas condições de vida das comunidades humanas e,
ao mesmo tempo, respeitar os limites da capacidade de carga dos ecossistemas
em uma perspectiva social, econômica, ecológica, espacial e cultural.

126
TÓPICO 1 | DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL AO DESENVOLVIMENTO GEOGRÁFICO DESIGUAL

TUROS
ESTUDOS FU

No Tópico 2 desta unidade, examinaremos com maior cuidado os


conceitos relativos ao desenvolvimento sustentável, bem como as cinco dimensões do
desenvolvimento pesquisadas por Ignacy Sachs.

Cabe perguntar: qual o substrato do desenvolvimento? Para Furtado


(1983b), as experiências demonstravam que o verdadeiro desenvolvimento se
fundamenta nos processos de ativação e canalização de forças sociais. “Trata-
se de um processo social e cultural, e só ancilarmente econômico. Produz-se o
desenvolvimento quando na sociedade manifesta-se uma energia capaz de
canalizar, de forma convergente, forças que estavam latentes ou dispersas”
(FURTADO, 1983b, p. 149). Desse modo:

uma verdadeira política de desenvolvimento terá que ser a expressão


das preocupações e aspirações de grupos sociais que tomam
consciência de seus problemas e se empenham em resolvê-los. Ora,
somente a atividade política pode canalizar essas energias de forma a
produzir os fenômenos de sinergia (FURTADO, 1983b, p. 149).

O ideal desenvolvimentista e a histórica “corrida” das nações menos


desenvolvidas para alcançar aquelas mais desenvolvidas se tornou uma lógica
que subjaz a própria política de Estado. Nesse contexto, o mercado se torna
politicamente regulado: de um lado, interesses de Estado, os quais representam (ou
deveriam representar) a sociedade em sua totalidade e, de outro, a racionalidade
econômica, manifestada pelo mercado, cujos membros tomam decisões e agem
por interesses privados. Ambos os agentes são políticos e pouco neutros, e sua
participação no desenvolvimento das sociedades varia de nível dependendo das
especificidades em que se inserem.

3 A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO GEOGRÁFICO DESIGUAL


A importância de diferentes espaços econômicos para o entendimento
do desenvolvimento da economia, também pode ser entendida pela teoria
desenvolvimento geográfico desigual, já apresentada na disciplina de História
Econômica Geral, quando foi abordado o processo de Revolução Industrial até
a consolidação do modo de produção capitalista. Vamos revê-la aqui sob alguns
aspectos.

127
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento geográfico desigual é uma construção teórica cuja


origem está nos escritos de Vladimir Lênin sobre o processo de desenvolvimento
capitalista na Rússia. O entendimento desse desenvolvimento, a partir de León
Trotsky e após a Revolução Russa de 1905, compreendia aspectos econômicos do
desenvolvimento da Rússia e continha traços desiguais, mas combinados, vindos
de elementos estrangeiros e modernos predominantes no capital industrial russo
no início do século XX. Sua análise fazia referência à fraqueza dos capitalistas
russos preexistentes, que se contrapunham ao elevado peso social e político do
proletariado russo, concentrado em grandes unidades industriais modernas.

Com relação às condições socioculturais, Trotsky via sobre o território


russo diferentes “estágios da civilização”, que unia e combinava, por exemplo,
a indústria mais concentrada da Europa sobre a base da agricultura mais
primitiva (LÖWY, 1998). Isso mostrava que a necessidade dessas relações estarem
combinadas era própria ao processo de desenvolvimento capitalista. Para que
essa lógica fosse reproduzida, era preciso que novos espaços fossem ocupados,
continuamente e infinitamente.

O processo de desenvolvimento na Rússia deu-se aos “saltos”,


ultrapassando formas como o pequeno ofício e a manufatura, indo manifestar-se
diretamente na grande indústria: símbolo mais avançado e moderno do capital na
segunda metade do século XIX. O desenvolvimento russo revelou um paradoxo:
o país era formado por aspectos mais avançados de desenvolvimento do que
nas metrópoles capitalistas tradicionais, seja na porcentagem de operários
trabalhando na grande indústria, seja na concentração de grandes fábricas
(aquelas que empregavam mais de mil operários) (LÖWY, 1998).

Trotsky apresentou de forma mais completa a lei do desenvolvimento


desigual e combinado em 1930, com a publicação de História da Revolução Russa.
A base para a lei é que as economias periféricas sempre são formadas por
uma combinação única de traços atrasados e avançados de desenvolvimento
(LÖWY, 1998). Assim, o autor entendeu que a originalidade do processo de
desenvolvimento econômico viria do fato da combinação das diversidades
contidas nas etapas de desenvolvimento capitalista obedecerem invariavelmente
a uma lógica complexa e irregular (TROTSKY, 1980).

Desde o caso da Rússia, poucos tinham sido os avanços sobre o


desenvolvimento desigual e combinado, mas, na década de 1980, houve um
movimento efetivo para se criar a teoria do desenvolvimento geográfico
desigual. Isso se deu a partir da leitura econômica de geógrafos como Neil Smith
(1988) e David Harvey (1982, 2004, 2006). Assim, a dimensão espacial foi colocada
no centro do debate sobre o desenvolvimento do modo de produção capitalista
(THEIS, 2009; THEIS; BUTZKE, 2012).

128
TÓPICO 1 | DO DESENVOLVIMENTO REGIONAL AO DESENVOLVIMENTO GEOGRÁFICO DESIGUAL

DICAS

Ambos os geógrafos, Neil Smith (1954-2002) e David Harvey (1935-), são


responsáveis por pesquisas profundas sobre a desigualdade presente nas economias de
mercado. No Brasil, Milton Santos (1986), um importante geógrafo brasileiro, definiria a
geografia desse período como a “viúva do espaço”. Mas, com o surgimento da geografia
crítica da década de 1970, houve uma preocupação explícita em identificar as categorias de
análise do espaço. É no âmbito da mudança de paradigma dos estudos na geografia que se
poderia classificar Neil Smith e David Harvey (CORRÊA, 1995).

FONTE: <mundonegro.inf.br/academia-brasileira-de-ciencias-produz-video-contando-a-
historia-do-geografo-milton-santos/>. Acesso em: 28 abr. 2020.

Tanto nos países periféricos quanto nos do centro do capitalismo, as


diversas contradições sociais existentes são manifestadas no espaço. Ou seja, é o
local geográfico em que as desigualdades aparecem. Por isso, o espaço aparece
como um conceito chave para a compreensão do sistema capitalista: a acumulação
de capital, um processo econômico e político, sempre foi uma questão geográfica
(SMITH, 1988).

Qual é a diferença fundamental entre a lei do desenvolvimento desigual e


combinado e a teoria do desenvolvimento geográfico desigual?

A lei do desenvolvimento desigual e combinado procura explicar por


qual razão diferentes e irregulares padrões de desenvolvimento em economias
periféricas e/ou atrasadas podem, quando combinados, vivenciar uma revolução
política. Já a teoria do desenvolvimento geográfico desigual constitui uma tentativa
teórico e metodológica de conceber a natureza geográfica da desigualdade
socioeconômica entre regiões e países produzida pelo capitalismo.

“A coexistência, simultânea e dinâmica, de espaços economicamente


mais e menos pujantes é o resultado do desenvolvimento geográfico desigual”,
embora, seja, também, condição para o processo de continuada valorização do
capital (THEIS; BUTZKE, 2012, p. 104).

129
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

Na teoria do desenvolvimento geográfico desigual, dois elementos são


centrais: a produção das escalas espaciais e a produção da diferença geográfica.
A produção das escalas espaciais diz respeito à produção de uma hierarquia de
escalas espaciais que organiza as atividades humanas.
[...] não se pode entender o que acontece numa dada escala fora das
relações de acomodamento que atravessam a hierarquia de escalas
— comportamentos pessoais (por exemplo, dirigir automóveis)
produzem (quando agregados) efeitos locais e regionais que culminam
em problemas continentais, de, por exemplo, depósitos de gases
tóxicos ou aquecimento global (HARVEY, 2004, p. 108).

A produção da diferença geográfica é resultante, por um lado, da


conformação de um mosaico geográfico ambiental ao redor do mundo e, por
outro, pela forma como essas diferenças geográficas são modificadas pelos
processos político-econômicos e socioecológicos que ocorrem atualmente.

O desenvolvimento geográfico gera a acumulação do capital, sendo que


a taxa de lucro dá direção ao desenvolvimento. Assim, as áreas com altas taxas
de lucro vão se desenvolver e as áreas que apresentam baixas taxas de lucro vão
apresentar baixos índices de desenvolvimento (SMITH, 1988).

É importante compreender o modo pelo qual as diferenças geográficas


estão sendo produzidas para compreendermos o desenvolvimento por meio de
um novo olhar, admitindo que a dinâmica da globalização também interfere no
processo político e que as diferenças se manifestariam, por exemplo, nas políticas
elaboradas pelos Estados.

Percebeu como o desenvolvimento é um conceito amplo? Ao longo do


tempo e ainda na atualidade, muitas são as formas e perspectivas de se perceber
o desenvolvimento dos países, estados e municípios. No próximo tópico,
continuaremos a descobrir novas concepções de desenvolvimento. Até lá!

130
RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• O termo progresso passa a explicar as relações sociais e econômicas a partir do


século XVIII, com a ascensão do Estado e a criação do Estado moderno.

• A ideia de progresso mostra que os acontecimentos históricos, sociais e políticos


ocorrem sempre no sentido mais desejável, com constante aperfeiçoamento.

• Após as grandes Guerras Mundiais e a Crise de 1929, a vontade de progredir


foi substituída pela ideia de desenvolver.

• O desenvolvimento surge como um elemento próprio da economia, ou seja,


quanto mais economicamente avançado fosse um país, mais desenvolvido ele
seria.

• O crescimento altera estruturas simples, enquanto o desenvolvimento realiza


mudanças complexas.

• As origens da regionalização do desenvolvimento estão na ciência regional da


década de 1920.

• O desenvolvimento regional é um processo localizado de crescimento


econômico e mudança social, que busca a melhoria da qualidade de vida
material e espiritual de uma comunidade.

• A teoria do desenvolvimento geográfico desigual tem origem na economia


russa do início do século XX, mas ganha sua espacialização na década de 1980.

• A teoria do desenvolvimento geográfico desigual procura entender a natureza


geográfica da desigualdade socioeconômica entre regiões e países.

131
AUTOATIVIDADE

1 Em que momento ocorre e quais os motivos para a utilização disseminada


do termo desenvolvimento?

2 Qual é a importância do conceito de região para compreendermos o


desenvolvimento econômico?

3 Como podemos compreender a discussão trazida no âmbito da teoria do


desenvolvimento geográfico desigual?

132
UNIDADE 3
TÓPICO 2

A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

1 INTRODUÇÃO
Olá, acadêmico! O tópico que se inicia a partir deste momento é de
fundamental importância para os estudos sobre desenvolvimento socioeconômico
atualmente. Assim, neste tópico, veremos como a sustentabilidade se relaciona
com o atual modelo de desenvolvimento em nível mundial.

A questão de conservação e preservação ambiental é presente nas


discussões sobre a sobrevivência do planeta desde a década de 1970 pelos
movimentos ambientalistas. Porém, somente por meio das conferências que
ocorreram durante as décadas seguintes o tema foi intensificado e, hoje, já integra
a pauta das políticas públicas.

O tema da conservação e preservação dos recursos naturais ganha espaço


com os movimentos ambientalistas, mas assume um corpo político pujante a
partir da década de 1990. De forma mais objetiva, os itens que compõem este
tópico têm por objetivo:

• compreender as origens da temática ambiental e sua relevância para o


desenvolvimento;
• analisar a formação teórica do desenvolvimento sustentável, tanto do ponto de
vista de seus conceitos quanto das instituições envolvidas;
• conhecer os marcos conceituais e regulatórios em torno do tema desenvolvimento
sustentável.

Embora o desenvolvimento sustentável tenha um marco conceitual


muito claro, evidenciado pelas instituições internacionais que o discutiram ao
longo do tempo, os debates ainda podem ser considerados como em construção.
Entretanto, veremos que a utilização do termo desenvolvimento sustentável é
disseminada amplamente pelos Estados, cujos debates se alongam por décadas.

Portanto, se hoje há uma delimitação teórica e prática da sustentabilidade


para o desenvolvimento, em parte se refere ao modo como as pesquisas e debates
se dão no contexto do Estado, universidades e sociedade civil organizada

133
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

Você, com certeza, já percebeu como o debate sobre a sustentabilidade do


desenvolvimento é importante. Diariamente, convivemos com impactos causados
pela relação homem-natureza.

2 ORIGENS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL


As discussões sobre o desenvolvimento sustentável estavam — e
permanecem — pautadas na questão de os recursos naturais serem finitos e que
o crescimento sem limites começava a se revelar insustentável. Pois, até esse
momento, acreditava-se que o crescimento econômico não tinha limites e que
o desenvolvimento significava dominar a natureza e os homens (BERNARDES;
FERREIRA, 2012).

A literatura sobre a utilização dos recursos naturais e as questões ambientais


revelam que a expressão “desenvolvimento sustentável” teve origem em 1968,
na realização das conferências sobre a biosfera, em Paris, quando se iniciou as
discussões sobre a utilização e conservação dos recursos naturais da biosfera. Em
paralelo, já ocorriam debates sobre o desenvolvimento sustentável anos antes de
ocorrer a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio ambiente, que ocorreu em
Estocolmo, em 1972. Todavia, o marco da disseminação do conceito foi a partir da
publicação do documento Our Common Future (Nosso Futuro Comum), conhecido
mundialmente como Relatório Brundtland, em 1987, elaborado no âmbito da
Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (COSTA, 2008;
CMMAD, 1991).

De acordo com o Relatório Brundtland, desenvolvimento sustentável é “o


desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias
necessidades” (CMMAD, 1991, p. 46).

Pelo menos três aspectos são relevantes no debate que se iniciava. O


primeiro diz respeito à separação entre meio ambiente e sociedade. Ora, somos
todos constantemente dependentes do meio natural. Nossos alimentos provêm
da natureza, assim como nossas roupas, nossas casas e automóveis. Portanto, o
desafio estava em assumir um compromisso simultâneo com o meio ambiente,
mas, também, com a sociedade: o desenvolvimento dos países industrializados
só foi possível devido à utilização exaustiva de recursos naturais globais. De
que forma os demais países — em busca do desenvolvimento — superarão
suas dificuldades de atraso abrindo mão da utilização massiva de tais recursos?
(COSTA, 2008). Esse aspecto que diferencia os países mais desenvolvidos dos
menos desenvolvidos marcou profundamente o debate sobre os limites e
possibilidades da sustentabilidade.

Um segundo aspecto se refere às múltiplas formas de analisar a relação


entre desenvolvimento e meio ambiente. As conferências realizadas ao longo
do tempo trouxeram como resultado um caminho intermediário entre visões

134
TÓPICO 2 | A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

extremas. De um lado, tinha-se uma confiança excessiva de soluções a partir


da tecnologia. Aliás, essa confiança também estava na economia capitalista
em superar suas próprias crises e superar as limitações dos recursos naturais.
Outra visão previa a catástrofe do planeta devido ao aumento da população e da
utilização completa do meio natural.

Por fim, um último aspecto do debate iniciado na década de 1960 sobre


a sustentabilidade do desenvolvimento foi a considerável responsabilidade
atribuída à questão do aumento populacional e sua pressão sobre os recursos
naturais necessários à sua sobrevivência na Terra. No entanto, as mudanças
culturais ocorridas nos anos 1980 e 90 reverteram a taxa de crescimento, sendo
que a população continua crescendo, mas com variações muito inferiores. Desta
forma, a questão do crescimento demográfico deixa de ser relevante com o passar
do tempo, embora a adequada organização das populações urbanas e rurais
tenham permanecido até a atualidade como o grande desafio às políticas públicas
de todo o mundo, levando a discussão dos limites ecológicos para outro cenário
(COSTA, 2008).

Como vimos, um espaço de debate sobre as questões ambientais e sociais


formou, sobretudo, por meio de diversos eventos e conferências ao redor do
mundo.

E
IMPORTANT

A primeira das conferências ocorreu em Estocolmo, capital da Suécia, em 1972,


e é considerada como um marco na discussão ambiental em nível internacional, uma vez
que foi responsável por popularizar o termo desenvolvimento sustentável na denominada
Conferência de Estocolmo.

A Conferência em Estocolmo foi responsável, também, por inaugurar uma


agenda ambiental internacional. Ou seja, é quando a discussão sobre a utilização
dos recursos não renováveis ganha dimensão internacional uma vez que
diversos países, tanto os pobres quanto os ricos, procuram modos comuns para
resolver problemas que afetavam diversas populações. Essa e as subsequentes
conferências reuniram os chefes de Estado de mais de 100 países, além de mais de
400 instituições governamentais e não governamentais.

O Brasil liderou, nessa conferência, a aliança dos países periféricos


contrários às limitações impostas ao desenvolvimento pelas nações
mais ricas. Entretanto, também foi o país que mais aceitou nos anos
seguintes, a transferência das indústrias de poluentes do Hemisfério
Norte, justamente afastadas de suas regiões de origem, em função do
aumento da consciência ambiental (BERNARDES; FERREIRA, 2012,
p. 36).

135
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

O que se pode perceber é que o tema vai ganhando cada vez mais espaço
na discussão internacional sobre o desenvolvimento. O relatório de 1987 “[...] não
representa uma inovação quanto às formulações feitas em Estocolmo quinze anos
antes, mas reafirma sua necessidade e urgência, constituindo um fortalecimento
político do termo” (COSTA, 2008, p. 82).

A definição oficial sobre o que é desenvolvimento sustentável representa


um consenso possível a respeito do desenvolvimento, pois não procura discutir
os tipos de desenvolvimento existentes e possíveis ou os modelos e as alternativas
para a resolução dos problemas econômicos, sociais e ambientais. A ênfase está
no chamado compromisso intergeracional, que procura garantir adequadas
condições de vida para as populações presentes, e possibilitar que as gerações
futuras também possam atingir graus de vida adequados sem serem prejudicadas
por nosso estilo de vida atual.

Não há dúvida de que a generalização do conceito de desenvolvimento


sustentável ampliou sobremaneira a discussão sobre os modelos de sociedade
que podemos ter. No entanto, o conteúdo da proposta para a sustentabilidade do
desenvolvimento está alcançando diversas interpretações. Ou seja, embora haja
consenso sobre os fins e objetivos do desenvolvimento sustentável, existe uma
constante disputa teórica e política quanto aos meios, procedimentos e à forma
para, de fato, alcançarmos um desenvolvimento mais sustentável.

Portanto, para pensarmos em meios de se alcançar uma sociedade mais


sustentável, devemos obter respostas para perguntas do tipo: quem são os
atores sociais e econômicos que constroem determinada sociedade? Pensando
em termos mais práticos, quais são os atores que produzem uma cidade? Será
que todos seus moradores, governantes e empresários são consultados? De outra
parte, em quais locais (ou instâncias) são tomadas as decisões que atingirão todos
os habitantes de um território? Quais serão as estratégias/medidas privilegiadas
para a discussão do desenvolvimento (agora sustentável)?

3 A CONSTRUÇÃO TEÓRICA DO DESENVOLVIMENTO


SUSTENTÁVEL
Antes e depois da publicação do Relatório Bruntland, muitos
pesquisadores vêm se dedicando aos estudos em torno do desenvolvimento. Por
isso, é importante que conheçamos sobre as diferentes conceituações que a ideia
de desenvolvimento sustentável recebe.

O próprio Relatório Bruntland apresenta ênfase dada à questão do


avanço da tecnologia para a resolução dos problemas oriundos da organização
predadora das sociedades. Da mesma forma, observa-se que o conceito destaca
a problemática da pobreza. Nesse período, viu-se que a pobreza não era
apenas um problema dos países subdesenvolvidos, mas daqueles considerados
desenvolvidos, pois a distribuição de renda não era (e ainda não é) adequada em
praticamente a totalidade dos países do mundo.

136
TÓPICO 2 | A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

A pobreza não é apenas um mal em si, mas, para haver um desenvolvimento


sustentável, é preciso atender às necessidades básicas de todos e dar a todos a
oportunidade de realizar suas aspirações de uma vida melhor (CMMAD, 1991,
p. 9-10).

Além disso, podemos observar a importância de ressaltar o interesse em


recriar as instâncias de tomadas de decisão, ou seja, os próprios sistemas políticos
quando o relatório apresenta a seguinte afirmação: “Tal equidade [entre pobres
e ricos] seria facilitada por sistemas políticos que assegurassem a participação
efetiva dos cidadãos na tomada de decisões e por processos mais democráticos na
tomada de decisão em âmbito internacional” (CMMAD, 1991, p. 10).

Essa é uma abordagem que acompanha todas as conceituações sobre


sustentabilidade, pois diz respeito à participação. O tema participação ganha
destaque justamente com o debate sobre o desenvolvimento sustentável,
procurando discutir quem deve tomar as decisões e quem deve decidir quais
estratégias serão melhores. É o momento em que a sociedade civil se percebe
como corresponsável e sujeito construtor da própria realidade social em que está
inserida.

“Para que haja um desenvolvimento global sustentável, é necessário que


os mais ricos adotem estilos de vida compatíveis com os recursos ecológicos do
planeta — quanto ao consumo de energia, por exemplo” (CMMAD, 1991, p. 10).

O relatório ainda coloca que,

No tocante a recursos não renováveis, como minerais e combustíveis


fósseis, o uso reduz a quantidade de que disporão as futuras
gerações. Isto não quer dizer que esses recursos não deverão ser
usados. Mas, os níveis de uso devem levar em conta a disponibilidade
do recurso, de tecnologias que minimizem seu esgotamento, e a
probabilidade de se obterem substitutos para ele. Portanto, a terra
não deve ser deteriorada além de um limite razoável de recuperação
(CMMAD,1991, p. 49, grifo nosso).

Observa-se nessa abordagem a relação aos diferentes estilos de vida das


populações. Enquanto algumas não têm acesso a serviços básicos, outras utilizam
em excesso recursos que são escassos. Podemos pensar na utilização da energia,
da água, dos alimentos e em todos os produtos que demandamos diariamente.

O Relatório apresentava também uma preocupação sobre o aumento


populacional e a utilização dos recursos naturais:

O rápido aumento populacional pode intensificar a pressão sobre os


recursos e retardar qualquer elevação dos padrões de vida; portanto,
só se pode buscar o desenvolvimento sustentável se o tamanho e o
aumento da população estiverem em harmonia com o potencial
cambiante do ecossistema (CMMAD, 1991, p. 10).

137
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

Em relação à conceituação de desenvolvimento sustentável, o Relatório


Brundtland ainda coloca que:

O desenvolvimento sustentável não é um estado permanente de


harmonia, mas um processo de mudança na qual a exploração dos
recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento
tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as
necessidades atuais e futuras (CMMAD, 1991, p. 10).

Por fim, é interessante observar nas afirmações a seguir que um dos


fundamentos da ideia do desenvolvimento sustentável está na satisfação das
necessidades do coletivo da sociedade. Além disso, implicitamente, procura
questionar quais são as reais necessidades da população, as reais necessidades
de consumo, de utilização dos recursos e de produção, para que haja uma
distribuição mais adequada daquilo que é fundamental, como alimentação e
emprego para todos.

NOTA

Há diversas maneiras de uma sociedade se tornar menos capaz de atender, no


futuro, às necessidades básicas de seus integrantes — a exploração excessiva dos recursos
é um exemplo. Dependendo da orientação do progresso tecnológico, problemas imediatos
podem ser sanados, mas podem aparecer outros maiores. Uma tecnologia mal empregada
pode marginalizar amplos segmentos de uma população.

O que fica evidente em todo o debate sobre a sustentabilidade é que se


trata de “[...] de um debate sobre a preservação de uma ordem social específica
e não um debate acerca da preservação da natureza em si” (HARVEY, 1996
apud COSTA, 2008, p. 83). Pois, “[...] para haver desenvolvimento real, as metas
relativas ao meio ambiente e ao desenvolvimento deveriam coincidir, e as
estratégias deveriam ser ambientalmente sustentáveis no curto e no longo prazo”
(COSTA, 2008, p. 83, grifo nosso).

Entre as definições dessa questão uma é de Barbier (1987), que contraria a


ideia de crescimento econômico, pela qual o desenvolvimento se faz por meio do
aumento da renda per capita de uma população, mostrando que a preocupação
básica deve ser a garantia de que a população pobre tenha acesso a uma existência
sustentável e segura. “Seu objetivo principal é, então, reduzir a pobreza absoluta
através da provisão de condições de vida seguras e duradouras que minimizem
a degradação dos recursos e do meio ambiente, a desestruturação cultural e a
instabilidade social” (COSTA, 2008, p. 84).

138
TÓPICO 2 | A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Em outras palavras, Barbier (1987) mostra que o crescimento da economia


não pode ser separado do desenvolvimento global da sociedade, pois depende
de mudanças econômicas, sociais, culturais e ecológicas. Assim como, visto desta
maneira, o desenvolvimento não é facilmente medido — não pode ser mensurado
apenas pelo crescimento da renda —, mas depende de dimensões quantitativas
e qualitativas. A dimensão quantitativa estaria ligada à melhoria da condição de
vida dos indivíduos pobres, já a dimensão qualitativa possui várias ramificações,
associadas ao potencial ecológico, social e cultural como suporte às atividades
econômicas e às mudanças estruturais.

Portanto, duas ideias são fundamentais nos conceitos desenvolvidos por


Barbier no final da década de 1980: “a primeira é que não há sustentabilidade
possível com pobreza e a segunda reforça as múltiplas dimensões (além da
puramente econômica) da possibilidade do desenvolvimento sustentável”
(COSTA, 2008, p. 84). Até então, não havia distinção entre os níveis de produção
das diferentes populações, nem em relação ao consumo e ao bem-estar. Ao levar
o tema para os países mais pobres, sua contribuição revela que o problema
da sustentabilidade do desenvolvimento não ocorre devido ao tamanho da
população, mas a forma pela qual a produção mundial vinha se organizando ao
longo do tempo.

De forma mais ampla, para Sachs (1993), a reflexão sobre nossas sociedades
não deve partir de uma escolha entre desenvolvimento ou meio ambiente,
mas da escolha entre formas de desenvolvimento sensíveis ou insensíveis ao
meio ambiente. A partir dessa percepção, Sachs procura aprimorar a ideia do
“planejamento para o desenvolvimento sustentável” por meio da consideração
de, pelo menos, cinco dimensões: social, econômica, ecológica, espacial e cultural.

DICAS

Você sabia que Ignacy Sachs foi o pesquisador responsável por formular o
conceito de ecodesenvolvimento, na década de 1970? Com o passar dos anos e dos
estudos, o termo deu origem à ideia do desenvolvimento sustentável.

No quadro a seguir, podemos compreender as dimensões abordadas por


Sachs (1993).

139
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

QUADRO 1 – DIMENSÕES DO ECODESENVOLVIMENTO

Dimensões do ecodesenvolvimento
Equidade na distribuição de bens e renda, reduzindo a diferença entre
Social
pobres e ricos
Eficiência na alocação e gerenciamento dos recursos e dos investimentos
Econômica
públicos e privados
Redução no consumo de recursos não renováveis e no volume de
Ecológica
resíduos e poluição
Configuração rural-urbana equilibrada e melhor distribuição dos
Espacial
assentamentos humanos
Cultural Continuidade e valorização cultural (população e local)

FONTE: O autor

Dessa forma, os delineamentos para o ecodesenvolvimento ficam mais


claros, uma vez que foram exploradas suas especificidades. Cada uma dessas
dimensões precisa ser levada em conta, mas não de forma separada. O aspecto
econômico não pode estar desvinculado das questões sociais e ecológicas, e, esses,
devem respeitar as características espaciais e culturais. Com o desenvolvimento
de seus estudos, essas dimensões são, inclusive, ampliadas (SACHS, 1993).

Agora, veremos as características de cada uma das dimensões da


sustentabilidade do ecodesenvolvimento, com base em Sachs (1993).

A dimensão social procura trazer à tona o equilíbrio dos modos de vida


das diferentes populações, ou seja, procura reduzir o abismo que existe entre
a maioria mais pobre e a minoria mais rica. Mas não podemos confundir essa
perspectiva com o socialismo, por exemplo. Não é preciso que todos os indivíduos
do planeta tenham acesso a todos os bens materiais que existem e/ou podem ser
fabricados. Para diminuirmos a desigualdade social e de renda, é necessário que
todos os indivíduos tenham acesso aos bens básicos, como moradia, alimentação,
roupas e emprego. Dessa forma, é preciso criar um processo de desenvolvimento
que seja sustentado por outro tipo de crescimento da economia, um tipo que não
prejudique nenhum indivíduo, seja ele pobre ou rico.

Do ponto de visto econômico, o ecodesenvolvimento tem por objetivo


alocar ou distribuir de forma adequada os investimentos realizados em
qualquer lugar do mundo, tanto os investimentos públicos quanto os privados.
O fato é que o direcionamento da aplicação dos recursos define sobremaneira a
organização de nossas sociedades. Portanto, é crucial que haja um ajuste mais
equilibrado do destino dos recursos. Por exemplo, quais obras de infraestrutura
serão privilegiadas? O Estado deve construir escolas ou parques públicos, prover
serviços de saúde ou transporte público? As empresas privadas devem receber
auxílio para o seu funcionamento ou os impostos devem ser mais altos? O local

140
TÓPICO 2 | A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

em que uma empresa constrói um conjunto de apartamentos deve ser definido de


que forma? Desse modo, os investimentos produzem certo tipo de sociedade e,
por isso, há o controle sobre a alocação dos recursos e dos investimentos.

Na dimensão ecológica, mira-se o consumo dos recursos não renováveis


que tem relação direta com a dimensão social, por exemplo. Como consequência,
ela tem por meta diminuir o volume de resíduos produzidos devido ao modo
de consumo. Um aspecto interessante é a preservação dos recursos naturais e
energéticos a partir de sua adequada utilização. Assim, quanto às culturas para
a alimentação, não se deveria produzir (e injetar produtos químicos) além da
capacidade de carga da Terra. Cada espaço de terra possui um tempo para
assimilar nosso impacto, seja construindo uma casa ou plantando milho. Implica,
então, em encontrar novos modos de equilibrar a produção, obedecendo ao ciclo
natural de recuperação do espaço natural.

A quarta dimensão se refere à espacialidade do ecodesenvolvimento.


A questão espacial ou geográfica diz respeito a um equilíbrio entre os espaços
urbanos e rurais a partir de uma melhor distribuição dos indivíduos pelo espaço.
Cabe lembrar que espaço, nesse contexto, envolve todos os lugares habitados e
possivelmente habitados do planeta e, ainda, é o espaço social, diferente do espaço
natural. Um bom exemplo está na organização das cidades. Em quais lugares
as pessoas devem viver? Em quais deve trabalhar? Os serviços básicos devem
concentrar-se nos grandes centros urbanos? Assim, a concentração excessiva deve
ser evitada como modo de reduzir o impacto (dimensão ecológica) e equilibrar
os modos de vida.

Na dimensão cultural, é preciso se atentar para o fato de que existe uma


diversidade muito grande de indivíduos e povos. Portanto, se ainda não está claro,
cabe dizer que não é possível existir um modelo pronto e predeterminado de
ecodesenvolvimento, mas que a ideia original de sustentabilidade contribui para
um universo de soluções particulares, que respeitam as especificidades de cada
ecossistema e cada tipo de sociedade, com sua cultural e local. Daí a importância
de uma conscientização em cada uma das culturas existentes, mas não isoladas
e desconexas, dos problemas e soluções atuais. Portanto, se o modo de vida de
um grupo social prejudica a existência de outros modos de vida, por exemplo,
os indígenas ou os negros, é preciso que cada um dos grupos tenha consciência
dessas questões e busque alternativas a um estilo predatório de sociedade.

Sachs (1993) ressalta a necessidade de ações de caráter global e não de


forma separada por cada um dos países. Logo, a tarefa para o desenvolvimento
sustentável torna-se ainda mais árdua, pois, recomenda-se uma gestão
ambiental/sustentável que ultrapasse os limites dos Estados. Daí a importância
dessa discussão ser mediada pela Organização das Nações Unidas —ONU
para que todas as negociações, tratados internacionais e conferências sobre a
sustentabilidade possam ocorrer de forma mais neutra possível, sem que a força
político-econômica de um país fosse determinante no momento de uma decisão
que repercutisse nas nações.

141
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

As estratégias de transição para o desenvolvimento sustentável, segundo


Sachs (1993), baseiam-se nas seguintes premissas:

• Devem cobrir um período de várias décadas.


• Cabe aos países industrializados assumir a maior fatia dos custos de transição
e do ajuste tecnológico.
• Dependem da ousadia das mudanças institucionais, da habilidade de se projetar
pacotes de políticas multidimensionais e da capacidade de se redirecionar o
progresso tecnológico.
• Devem modular a demanda através de mudanças nos estilos de vida, padrões
de consumo e funções de produção, por meio da incorporação de técnicas
ambientalmente adequadas e fazendo escolhas locacionais corretas.

Dessa forma, a conceituação sobre o desenvolvimento sustentável vai


sendo reconhecida teoricamente e politicamente no mundo inteiro. A década de
1990 foi importantíssima para esse processo devido à nova dinâmica trazida pela
globalização, cuja discussão preocupou-se com o crescente papel das instituições
no ecodesenvolvimento e sua relação com a sociedade civil. Pois, como vimos,
no neoliberalismo o Estado passa a ter novas atribuições. De que forma elas
impactarão no desenvolvimento sustentável? Assim, o discurso contemporâneo
sobre o tema procura construir as relações possíveis entre o Estado, o mercado, e
as instituições da sociedade civil.

A disputa política em torno do desenvolvimento sustentável ocupa uma


arena composta por diferentes variáveis e infinitas combinações, sendo elas: os
atores envolvidos nos processos de decisão, as prioridades a serem estabelecidas,
os principais elementos nos quais se articulam as estratégias a serem tomadas.

Com base nesse aspecto, podemos identificar, pelo menos, três versões do
desenvolvimento sustentável (VIOLA; LEIS, 1992 apud COSTA, 2008, p. 88).

• Estatista: considera a qualidade ambiental um bem público, que só pode ser


resguardado pelo Estado. Foca na eficiência alocativa de recursos e na equidade
social. Associa-se ao surgimento de políticas e agências ambientais na Europa
e nos Estados Unidos.
• Comunitária: considera que as organizações de base da sociedade (grupos
comunitários e ONGs) devem desempenhar papel central na transição para o
desenvolvimento sustentável — desconfiam do Estado e do mercado enquanto
principais atores do processo. Reconhece o grande valor dos avanços locais e
regionais, privilegiando a equidade social.
• Mercado: o avanço rumo ao desenvolvimento sustentável ocorre por meio
da lógica do mercado, com apropriação privada dos recursos naturais e da
qualidade ambiental. Prevê a expansão do chamado consumidor verde e prioriza
a eficiência alocativa dos recursos. Considera necessária tanto a existência
de mecanismos estatais reguladores (pois, considera a regulação existente
ineficiente) quanto a atuação educativa das ONGs, ambas subordinadas aos
mecanismos de mercado. Encontra-se em expansão no mundo empresarial e
entre certos economistas ambientais.
142
TÓPICO 2 | A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

Estas três versões da sustentabilidade dão uma ideia dos diferentes


cenários em que se estabelece a discussão em torno de um desenvolvimento mais
sustentável e justo. Nesse contexto, a participação do Estado é fundamental para
regulamentar as atividades dos mercados e da economia, mas sem prejudicar o
desenvolvimento livre das diversidades sociais.

4 AS CONFERÊNCIAS SOBRE SUSTENTABILIDADE


Após nos dedicarmos a entender sobre o desenvolvimento sustentável,
conheceremos, de forma aprofundada, as principais conferências mundiais
sobre sustentabilidade, as quais garantiram um reconhecimento à perspectiva
ambiental.

Com os estudos em torno da sustentabilidade do desenvolvimento a


partir da década 1970, percebeu-se que as crises ambientais afetavam todos os
países, tanto os pobres quanto os mais ricos. No entanto, os problemas tinham
suas particularidades. Por exemplo, nos países mais pobres, os problemas mais
comuns eram relacionados à educação, aos serviços de saúde e à igualdade entre
os sexos (diferença de salários entre homens e mulheres). Nos países mais ricos,
um dos grandes problemas era relacionado ao superconsumo.

A seguir, trataremos de algumas das conferências e acordos mais


relevantes para a evolução do desenvolvimento sustentável:

Sobre a Conferência de Estocolmo, de 1972, vimos sobre sua importância


no início desta unidade. Foi assim que ficou conhecida a Conferência das Nações
Unidas sobre o Ambiente Humano, que reuniu 113 países e mais de 400 instituições
não governamentais e governamentais. É considerada o divisor de águas sobre
o debate da sustentabilidade, pois influenciou todas as demais Conferências
da Organização das Nações Unidas. Uma das suas inovações foi a criação de
um espaço dentro da própria ONU para o debate constante sobre os problemas
oriundos dos tipos de desenvolvimento existente nos diferentes lugares, como o
Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente — PNUMA (CURI, 2011;
MALHEIROS; COUTINHO; PHILIPP JUNIOR, 2012).

Com a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a


ONU, em conjunto com os países e instituições nacionais e internacionais, passa
a coordenar as ações da Declaração sobre o Ambiente Humano. Este documento
reuniu 26 princípios para um desenvolvimento mais adequado e um Plano de
Ação Mundial. Foi um passo importante, pois tratou-se de um direcionamento
discutido entre governantes de diversos países, pesquisadores de universidades
e instituições da sociedade civil organizada.

Um dos principais resultados das Conferências organizadas pela ONU


foi a criação da Comissão de Brundtland, em Genebra, na Suíça, em 1984, tendo
como presidente a então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland.

143
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

É nesse contexto que vem à tona o relatório Nosso Futuro Comum, publicado
em 1987 e considerado um dos mais importantes documentos sobre o assunto.
Ele passa a ser utilizado como fundamento para a criação e implementação de
diversas políticas públicas ao redor do mundo. Por isso, é comum atribuirmos à
década de 1990 o título de Década da Sustentabilidade.

Com relação aos acordos internacionais, vale citar o Protocolo de


Montreal, publicado em 1987. Criado na Convenção de Viena, em 1985, procurou
trocar informações a nível internacional, além de estudar e proteger a camada
de ozônio. Oficialmente, foi o Protocolo de Montreal para Substâncias que
Destroem a Camada de Ozônio. Nele, previa-se a eliminação gradual, até 1999,
dos clorofluorcarbonos, capazes de destruir a camada de ozônio. Até agosto de
2007, 191 países haviam assinado o acordo — o Brasil assinou em 1990 (CURY,
2011; MALHEIROS; COUTINHO; PHILIPP JUNIOR, 2012).

De volta às conferências, a mais importante delas ocorreu no Brasil, em


1992, a Cúpula da Terra do Rio, também conhecida por Rio-92 ou Eco-92. Nesta
Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento,
participaram 179 governos. O objetivo era debater os problemas ambientais
globais.

Debateu-se as energias alternativas, a produção de toxinas, os povos


originários, as questões climáticas, o tema da água, entre tantos outros que
permeiam o desenvolvimento sustentável, além de influenciar as questões
relacionadas aos direitos humanos, o desenvolvimento social, as mulheres e os
assentamentos humanos. Isto é, percebeu-se que os problemas ambientais estavam
ligados às condições econômicas e à justiça social (CURY, 2011; MALHEIROS;
COUTINHO; PHILIPP JUNIOR, 2012).

Passados 20 anos desde a Conferência de Estocolmo, um dos resultados


da Rio-92 se refere à criação de três grandes acordos internacionais: a
Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, composta por
27 princípios para o desenvolvimento sustentável; a Agenda 21, que foi uma
proposta de planejamento para o desenvolvimento sustentável, com objetivos,
planos e estratégias; e a Declaração de Princípios das Florestas, o primeiro em
escala internacional que possui orientações e recomendações sobre o manejo e
conservação das florestas de todo o mundo. Além desses três acordos, foram
lançadas as Convenções sobre as Mudanças Climáticas sobre a Diversidade
Biológica (MALHEIROS; COUTINHO; PHILIPP JUNIOR, 2012).

144
TÓPICO 2 | A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

QUADRO 2 – AGENDAS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

AGENDA DESCRIÇÃO
Relacionada à gestão de áreas protegidas, à conservação de florestas
Agenda Verde
e da biodiversidade, além do tema dos recursos energéticos.
Relativa aos problemas da pobreza, subnutrição, o grande tema da
urbanização (gestão do ambiente urbano), os aspectos negativos
Agenda Marrom da rápida industrialização, a poluição do ar, da água e do solo, a
gestão dos resíduos (coleta e reciclagem), o saneamento básico e o
desenvolvimento social.
Agenda Azul Específica para repensar a gestão dos recursos hídricos, mares e
oceanos, incluindo as águas subterrâneas.

FONTE: O autor

Dessa forma, as temáticas puderam ser esclarecidas e as agendas foram


discutidas entre as diversas conferências mundiais sobre a sustentabilidade.
As conferências tiveram por objetivo unificar globalmente o debate por
meio da ratificação de acordos internacionais, planos de ação e metas para o
desenvolvimento sustentável, além da criação de agências de proteção ambiental.

DICAS

Para você ter acesso à Agenda 21 Global, acesse: <mma.gov.br/responsabilidade-


socioambiental/agenda-21/agenda-21-global>.

Outro acordo internacional importante, com o objetivo de atender às


recomendações da Rio-92, foi o Protocolo de Quioto, criado e discutido a partir de
1997, e ratificado em 2004. Ele foi assinado por 55 países que se comprometeram
a reduzir a emissão dos gases que provocam o efeito estufa, entre 2008 e 2012, ou
que comercializassem suas emissões. O tema das mudanças climáticas e a redução
dos gases de efeito estufa é discutido até hoje, com a entrada de novos países
e saída de outros, e por isso a importância do primeiro acordo (MALHEIROS;
COUTINHO; PHILIPP JUNIOR, 2012).

Após dez anos da realização da Rio-92, ocorreu na África do Sul a Cúpula


da Terra de Joanesburgo ou Rio+10, em 2002. Novamente, milhares de pessoas do
mundo inteiro reuniram-se para tratar especificamente do tema da sustentabilidade,
gerando o Plano de Implantação de Joanesburgo, que possui questões sociais,
da pobreza e da saúde mundial. Como grande objetivo, a conferência procurou
reforçar os compromissos políticos assumidos com a sustentabilidade desde 1992
(MALHEIROS; COUTINHO; PHILIPP JUNIOR, 2012).

145
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

Por fim, o evento mais relevante que deve ser lembrado é o Rio+20,
conferência realizada no Rio de Janeiro, em 2012. Marcando os 20 anos da
Rio-92, contribuiu para (re)construir a agenda sobre sustentabilidade para o
desenvolvimento nas próximas décadas. Em paralelo, ocorreu a Cúpula dos
Povos, reunindo entidades da sociedade civil e movimentos sociais.

A Conferência teve dois temas principais: a economia verde no contexto


do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza; e a estrutura
institucional para o desenvolvimento sustentável. Tão importante quanto a
realização desses eventos, é mensurarmos quais os resultados que surgiram a
partir dos debates, e isso veremos a seguir.

Acadêmico, nesse contexto, é relevante destacar como exemplo positivo


o fato de que, durante o período entre Rio-92 e a Rio+10, em 2000, com base nos
resultados das grandes conferências, a Organização das Nações Unidas e grandes
líderes mundiais se reuniram para adotar a Declaração do Milênio. A partir dessa
assinatura, vários compromissos foram assumidos até 2015, entre eles o de acabar
com a pobreza extrema. Tais compromissos se transformaram nos 8 Objetivos
do Milênio: acabar com a forma e a miséria; educação básica de qualidade para
todos; igualdade entre os sexos e valorização da mulher; reduzir a mortalidade
infantil; melhorar a saúde das gestantes; combater a AIDS, malária e outras
doenças; qualidade de vida e respeito ao meio ambiente; todos trabalhando pelo
desenvolvimento.

FIGURA 3 – OS 8 OBJETIVOS DO MILÊNIO

FONTE: <http://www.odmbrasil.gov.br/os-objetivos-de-desenvolvimento-do-milenio>.
Acesso em: 24 abr. 2020.

Para cada um dos objetivos apresentados, definiu-se metas que,


inicialmente, deveriam ser alcançadas até 2015.

146
TÓPICO 2 | A PERSPECTIVA DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

NOTA

Em relação à agenda de compromissos dos Objetivos do Milênio, o Brasil


superou sete das oito metas, faltando apenas atingir os objetivos envolvendo a oferta de
água e saneamento básico inserida no eixo ambiental.

FONTE:<portalfederativo.gov.br/noticias/internacionais/brasil-cumpriu-sete-dos-oito-
objetivos-de-desenvolvimento-do-milenio>. Acesso em: 28 abr. 2020.

Com o objetivo de que o compromisso com os 8ODS ficassem apenas em


nível federal, em 2012, esses compromissos foram lançados como um desafio para
os prefeitos municipais de todo país e, assim, surgia a Agenda dos Objetivos do
Milênio – Local.

Após a Rio+20, na Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento


Sustentável, ocorrida em 2015, 193 países, representados por seus chefes de
governo e Estado, tiveram a oportunidade de aprovar uma nova agenda de
desenvolvimento sustentável e de firmar um acordo sobre as mudanças climáticas.
Essa discussão e as ações tomadas em 2015 resultaram nos novos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável — ODS, que constam na Agenda 30, com base nos
oito objetivos de desenvolvimento do milênio e nos resultados das discussões da
Rio+20 (MACHADO FILHO, 2016).

De acordo com Machado Filho (2016, p. 7), “os ODS são integrados
e indivisíveis, e mesclam, de forma equilibrada, as três dimensões do
desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental”. O autor
destaca ainda, que os ODS, por serem universais, são aplicados a qualquer país.

Assim, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável compreendem um


conjunto de 17 novos, os quais foram desmembrados em 169 metas definidas e
desenvolvidas “por meio de um amplo diálogo sem precedentes entre os Estados
da ONU, autoridades locais, sociedade civil, setor privado e outras partes
interessadas” (MACHADO FILHO, 2016, p. 10).

Para que você conheça cada um dos objetivos, observe a figura a seguir:

147
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

FIGURA 4 – OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

FONTE: <nacoesunidas.org/pos2015/agenda2030/>. Acesso em: 28 abr. 2020.

Em síntese, no Tópico 2, procuramos estudar o surgimento da ideia


de desenvolvimento sustentável e muitos dos conceitos que se originam deste
debate. Os eventos e as conferências que ocorreram em torno da Organização
das Nações Unidades são fundamentais para entendermos o aprimoramento
da própria noção de desenvolvimento. Desse modo, podemos perceber que
a abordagem do desenvolvimento sustentável está muito ligada aos aspectos
ambientais, trabalhando com conceitos bastante amplos e envolvendo fortemente
a dimensão econômica.
148
RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• A discussão sobre sustentabilidade teve início com a defesa do meio natural na


década de 1950, mas se intensificou com a perspectiva do desenvolvimento na
década de 1980 em diante.

• A primeira conferência da ONU sobre sustentabilidade ocorreu em Estocolmo,


em 1972, e é considerada como um marco na discussão ambiental em nível
internacional, responsável por popularizar o desenvolvimento sustentável.

• Em 1987, foi publicado pela ONU o Relatório Bruntland, representando o início


da generalização do discurso sobre o desenvolvimento sustentável.

• A definição oficial mostra que o desenvolvimento sustentável procura atender


às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações
futuras atenderem as suas próprias necessidades.

• A participação dos indivíduos e atores sociais ganha destaque com o debate


sobre o desenvolvimento sustentável, procurando discutir quem deve tomar
as decisões e quem deve decidir quais as estratégias serão melhores.

• O ecodesenvolvimento é composto pelas dimensões social, econômica,


ecológica, espacial e cultural.

• A mais importante das conferências internacionais sobre o desenvolvimento


sustentável ocorreu em 1992, no Rio de Janeiro, ficando conhecida como Rio-92
ou Eco-92.

• Na Rio-92, o debate sobre a sustentabilidade estava consolidado, tendo a


participação de 179 países.

149
AUTOATIVIDADE

1 Qual a importância da Conferência de Estocolmo para o campo do


desenvolvimento sustentável?

2 Explique sucintamente duas das cinco dimensões do ecodesenvolvimento.

3 Como ocorreu e quais foram os avanços trazidos pela Rio+20?

150
UNIDADE 3
TÓPICO 3

ECOSSOCIOECONOMIA

1 INTRODUÇÃO
Estamos na etapa final deste livro didático. Para darmos continuidade ao
aprendizado sobre as novas concepções do desenvolvimento, estudaremos outras
perspectivas do desenvolvimento, de forma a complementar nosso conhecimento.

Neste tópico buscaremos conhecer a abordagem da ecossocioeconomia,


bem como a sua utilização pelas organizações, entender a contribuição da economia
solidária para o desenvolvimento da sociedade e compreender a perspectiva
trazida pelo bem viver enquanto concepção de vida para humanidade.

Os temas e posicionamentos apresentados pelo estudo serão pouco


difundidos na academia e políticas a partir do Estado, contudo, são experiências
relevantes de análise, pois se conectam às bases comunitárias. Conforme vimos ao
longo desta unidade, o desenvolvimento é uma noção demasiada ampla e tomada
por constantes mudanças. O campo de estudo relativo às novas concepções do
desenvolvimento não possui um fim estritamente delimitado, avançando para as
mais diversas áreas do conhecimento e práticas sociais.

Portanto, estas são algumas das direções que o desenvolvimento tende


a perseguir. Cabe às relações sociais e econômicas a serem travadas descortinar
possíveis futuros do nosso desenvolvimento. Tenha uma ótima leitura!

2 A ECOSSOCIOECONOMIA DAS ORGANIZAÇÕES


A ecossocioeconomia perpassa pela discussão e pelas preocupações
próprias da noção de ecodesenvolvimento. O ecodesenvolvimento, por sua vez, é
entendido como antecessor do desenvolvimento sustentável. Portanto, são temas
correlatos ao realizarem uma leitura crítica do desenvolvimento tradicional e
puramente econômico que domina o planejamento do Estado e de instituições
pelo mundo todo.

151
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

As teorias em torno dessa discussão, sobretudo aquela trazida pela


perspectiva do desenvolvimento sustentável, são apontadas como uma ruptura
do paradigma sistêmico, pois compreendem os princípios da ecologia profunda,
ao repensar os atuais estilos de vida; da economia social, uma vez que leva em
conta e pondera as consequências sociais das relações econômicas; da economia
ecológica, ao ponderar os custos ambientais relativos às atividades econômicas;
da ecologia humana, que tem como premissa que os sistemas sociais e os
sistemas ecológicos não podem ser vistos de forma autônoma; do planejamento
participativo, ao privilegiar formas e tomadas de decisão que envolvam maioria
dos atores sociais (HEINZMANN; SAMPAIO, 2010).

FIGURA 5 – PRINCÍPIOS DA ECOSSOCIOECONOMIA

Ecologia
profunda

Planejamento Economia
participativo social
ECOSSOCIOECONOMIA

Ecologia Economia
humana ecológica

FONTE: O autor

O elemento-chave que diferencia os conceitos é que, enquanto o


ecodesenvolvimento está centrado no enfoque epistemológico teórico,
a ecossocioeconomia dá ênfase ao enfoque epistemológico-prático. A
ecossocioeconomia ocorre no mundo da vida, nas comunidades, nos povoados
e nas organizações, onde os problemas e as soluções acontecem e raramente são
devidamente qualificados” (HEINZMANN; SAMPAIO, 2010, p. 101-102).

152
TÓPICO 3 | ECOSSOCIOECONOMIA

E
IMPORTANT

A ecossocioeconomia, assim como outras abordagens críticas ao


desenvolvimento tradicional (baseado no crescimento econômico), procura enfocar
na análise das práticas ecossocioconômicas que atingem distintas comunidades e
organizações. Por isso, a importância desta e de outras perspectivas para repensarmos no
modelo de desenvolvimento vigente.

É comum a ecossocioeconomia ser tratada como uma referência que surge


no mundo prático e fatual, relacionando-se diretamente com as experimentações e
complexidade das relações sociais. Nesse caso, o laboratório da ecossocioeconomia
é a própria sociedade, seus próprios conflitos, suas desigualdades e suas vivências
na direção de um desenvolvimento para todos e todas.

Por meio dessa perspectiva e como forma de se pensar em novas estruturas


organizacionais da sociedade, cria-se o conceito de ecossocioeconomia
organizacional. Deste modo, procura-se problematizar e refletir sobre a
viabilidade interorganizacional da ecossocioeconomia, bem como a efetividade
extraorganizacional para o espaço econômico em que a organização se encontra
inserida.

Ademais, o objetivo da ecossocioeconomia organizacional está em revelar


“a chamada extrarracionalidade nos processos de tomada de decisão aos grupos
organizados ou quase organizados que promovem o ecodesenvolvimento”
(HEINZMANN; SAMPAIO, 2010, p. 101). Ou seja, a ecossocioeconomia pensada
para as organizações procura dinamizar uma racionalidade diferente daquela
puramente individualista e economicista mais tradicional, em que novas
dimensões possam ser revalorizadas.

DICAS

Enquanto a noção de viabilidade interorganizacional se preocupa com


o arranjo organizacional formado entre os indivíduos e suas associações coletivas, a
efetividade extraorganizacional procura revelar os impactos ocasionados ao respectivo
território econômico ou os riscos socioambientais das atividades implementadas pelas
organizações públicas ou privadas.

153
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

As organizações, por meio da ecossocioeconomia, são os chamados


empreendimentos compartilhados. Estes empreendimentos são formados
por grupos mais ou menos articulados e organizados entre si e viabilizados
tanto macro quanto microeconomicamente. Isto é, a visão macroeconômica
se refere à viabilização interorganizacional dos empreendimentos, e a
visão microeconômica se refere à viabilização do próprio empreendimento
(HEINZMANN; SAMPAIO, 2010).

Quanto à ação extraorganizacional, a preocupação da ecossocioeconomia


das organizações está em trazer à vista dos atores que compreendem as
organizações os impactos de sua ação sobre o entorno territorial. Dessa forma,
procura-se reduzir o pensamento de que ações individuais das organizações não
possuem impacto no ambiente coletivo, permitindo que acordos institucionais
possam ser firmados com o objetivo de gerar capital social.

Os acordos institucionais são pensados como acordos sociopolíticos


e socioprodutivos de base comunitária, que reúnem os representantes das
organizações de modo a pensarem no fortalecimento das bases interorganizacionais,
extraorganizacionais e extrarracionais (HEINZMANN; SAMPAIO, 2010).

Considerando que estamos estudando uma proposta de desenvolvimento


mais distante da economia mais tradicional, cabe estudarmos também os conceitos
correlacionados que fundamentam esse ponto de vista, como é o caso do “capital
social”, um conceito bastante discutido atualmente.

E
IMPORTANT

O capital social se refere, em sentido amplo, às características da organização


social que facilitam a cooperação e a coordenação em prol do benefício mútuo, como
o compartilhamento de redes, a confiança e as pautas de reciprocidade. Esse conceito
é um exemplo emblemático da maneira como se constroem e popularizam formas de
interpretação do âmbito social.

Periodicamente, utilizam-se, nas ciências sociais, alguns conceitos que se referem


a modos específicos de organização das relações sociais, respondendo a diferentes
objetivos, perspectivas ou enfoques sobre elas. A partir das críticas pós-modernas às grandes
teorias e, especialmente, ao marxismo — por suas limitações para incorporar, a sua teoria,
dimensões como a subjetividade, a cultura e o comportamento cotidiano dos sujeitos
àquele movimento cíclico —, acrescenta-se ainda a preocupação em se encontrarem
conceitos capazes de relacionar os níveis micro e macro da reprodução social. Entre eles,
encontra-se o conceito de capital social.

O volume do capital social, dessa forma, depende da extensão da rede e dos


recursos que seus componentes possuam. A rede de vínculos é o resultado de estratégias
de investimento social destinadas, consciente ou inconscientemente, à instituição ou à
reprodução de relações sociais utilizáveis.

154
TÓPICO 3 | ECOSSOCIOECONOMIA

Conseguiu compreender as principais características do capital social? Ele


não é tão simples assim, pois não estamos acostumados com uma economia que
sobrevalorize qualificações mais abrangentes em seus postulados. A economia,
então, diz respeito às relações econômicas? Sim, mas a ecossocioeconomia
considera outras dimensões igualmente importantes para um desenvolvimento
pleno das sociedades.

DICAS

O capital social procura gerar com a ecossocioeconomia o estabelecimento


de redes de confiança entre os indivíduos, dinâmicas de cooperação e solidariedade e
parcerias com benefícios mútuos e recíprocos.

São condições de difícil mensuração monetária, já que não se


pode simplesmente comprá-las. Dependem exclusivamente das relações
sociais construídas e, nesse contexto de complexidade, comprova-se a
interdisciplinaridade do seu campo de abrangência. Assim, a economia também
se inclui nessa interdisciplinaridade. A área de desenvolvimento socioeconômico
poderia, então, também ser compreendida sob esse ponto de vista.

3 O CONCEITO DE ECONOMIA SOLIDÁRIA


A economia solidária pode ser concebida por meio de três grandes eixos:
sua utilização pelo mundo, seu processo de formação e a atualidade do conceito.
Vamos entender melhor do que ela se trata?

Uma primeira aproximação do tema mostra que o conceito de economia


solidária é amplamente utilizado em vários continentes e com acepções
variadas que giram em torno da ideia de solidariedade. De forma semelhante
à ecossocioeconomia, a solidariedade presente neste conceito procurava
questionar e contrastar o individualismo que dominava — e ainda domina —
a racionalidade puramente econômica presente nas sociedades de mercado
(LAVILLE; GAIGER, 2009).

O termo foi definido na década de 1990, quando, por iniciativa de cidadãos,


produtores e consumidores organizaram diversas atividades econômicas segundo
princípios de cooperação, autonomia e gestão democrática.

Rapidamente, as manifestações da economia solidária se multiplicaram


de diversas formas. A solidariedade, a reciprocidade e o engajamento
conduzem à criação de espaços públicos de proximidade entre os atores sociais

155
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

e econômicos. A autonomia desses espaços socialmente formados em relação


aos espaços de poder já instituídos contribui para fortalecer as bases de um
modelo democrático e dialógico, “no qual o sistema representativo expõe-se à
pressão legítima de mecanismos constituídos de participação direta” (LAVILLE;
GAIGER, 2009, p. 162).

FIGURA 6 – FEIRA DE ECONOMIA SOLIDÁRIA, EM VITÓRIA DA CONQUISTA/BA

FONTE: <bit.ly/2VJtExG>. Acesso em: 28 abr. 2020.

O último mapeamento realizado no Brasil, em 2013, identificou 19.708


empreendimentos econômicos solidários — EES. Acompanhe, no gráfico a
seguir, a distribuição espacial dos EES pelas grandes regiões do Brasil, por área
de atuação.

GRÁFICO 1 – DISTRIBUIÇÃO DOS EES POR REGIÃO E POR ÁREA DE ATUAÇÃO, 2013

FONTE: IPEA (2016, p. 20)

156
TÓPICO 3 | ECOSSOCIOECONOMIA

Observa-se que a prática da economia solidária tende a ser mais concentrada


em áreas da região Nordeste e em atividades rurais, as quais tradicionalmente
são atividades que agregam menos inversão de capital.

No próximo gráfico, é possível visualizar o crescimento dessas atividades,


sobretudo em anos relativamente recentes, comprovando o maior número de EES
criados após os anos 2000.

GRÁFICO 2 – DISTRIBUIÇÃO DOS EES POR DATA DE FUNDAÇÃO, 2013

FONTE: IPEA (2016, p. 20)

Do ponto de vista da importância econômica dos EES, cabe destacar que a


maior parte se refere a empreendimentos pequenos: formados por até 20 sócios,
eram 8.217 EES em 2013 (41,7% do total de 19.708); entre 21 e 50 sócios, 6.419 EES
(32,6% do total). Agora, veja as faixas de faturamento.

GRÁFICO 3 – DISTRIBUIÇÃO DOS EES POR FAIXA DE FATURAMENTO, 2013

FONTE: IPEA (2016, p. 25)

157
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

DICAS

Você pode acompanhar estas e outras informações estatísticas diretamente


no estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada, em 2013. O material
está disponível em: <bit.ly/2VPH37z>.

Um segundo eixo de entendimento sobre a economia solidária mostra o


processo de formação do termo. Historicamente, a economia solidária diz respeito
à longa trajetória associativa dos trabalhadores, iniciada no começo do século
XIX. Desde então, tem possibilitado um alargamento da experiência humana
ao manter vigentes outros princípios de produção de bens, de organização dos
trabalhadores e de circulação da riqueza, distintos da racionalidade estrita ao
capital econômico.

A lógica da cooperativa contrariaria a lógica lucrativista das empresas


convencionais, dominante na atualidade. Seria, assim, uma proposta ou lógica
secundária, submissa às sociedades capitalistas (NAMORADO, 2009).

Outro antecedente foram as cooperativas de consumo e de crédito,


iniciadas no fim do século XIX. Todavia, as ações pioneiras perdiam força frente
ao avanço das economias de mercado e, reconciliados pelo pleno emprego na
segunda metade do século XX, a maioria dos trabalhadores assalariados perderam
o entusiasmo e o interesse pela autogestão.

No século XX, com poucas exceções, o cooperativismo de produção


e consumo integrou-se paulatinamente à economia de mercado e
converteu-se um uma modalidade de empresa participativa, sem a
antiga unidade entre capital e trabalho (LAVILLE; GAIGER, 2009,
p. 164).

Assim, houve um longo intervalo entre os primeiros sinais de cooperação


e solidariedade na história e a revalorização da economia solidária ao final do
século XX.

Outro fato que impulsionou a criação de novas dinâmicas econômicas


diz respeito ao desenvolvimento tecnológico após o período fordista. As novas
relações de trabalho não se mostraram interessantes aos trabalhadores. De um
lado, devido ao regime de acumulação flexível, produzindo maior exploração
aos trabalhadores e, de outro, pela eliminação física do trabalho — incentivando
novas formas de organização dos trabalhadores desde os anos 1960.

158
TÓPICO 3 | ECOSSOCIOECONOMIA

Um terceiro eixo relacionado à economia solidária diz respeito ao seu


desenvolvimento no período mais recente. A economia solidária participa de
uma economia plural por ter seu avanço mediante a conjugação de três tipos de
recursos:

[...] aqueles provenientes da reciprocidade entre os membros, exercida


via prestações ao coletivo livres de contrapartidas; os recursos públicos,
angariados do Estado com fundamento no princípio da redistribuição;
e os recursos do mercado, obtidos nas relações de troca (LAVILLE;
GAIGER, 2009, p. 166).

O modo de agir da economia solidária, a partir da autogestão, institui


novos protagonistas no mundo do trabalho e nos embates da cidadania, em
resposta a anseios de bem-estar, reconhecimento e vida significativa.

DICAS

Um movimento no sentido da autogestão dos trabalhadores ocorreu na


Argentina, após a crise de 2002, por meio da recuperação de empresas que precisaram ser
fechadas.

Você pode entender melhor assistindo ao documentário Ocupar, resistir, produzir,


produzido pelo Canal Futura, disponível em: <youtube.com/watch?v=U6qh_PT_kuk>.

Persistem, no entanto, sérios desafios às iniciativas de economia solidária.


Um dos grandes riscos se refere à perda do seu espírito associativo, levando a uma
consequente degeneração. Por outro lado, as ondas associativas parecem surgir
justamente em momentos de crise. Os momentos de expansão das experiências
de economia solidária se relacionam a momentos históricos de desamparo e
insegurança econômica, os quais, por sua vez, levam à inviabilidade de certos
modos de vida (LAVILLE; GAIGER, 2009).

As chances dessas iniciativas não terem sucesso e acabarem descontinuadas


são menores enquanto a economia solidária mantiver seu poder de atração, bem
como enquanto suas iniciativas assumirem uma racionalidade própria. Ou seja,
uma racionalidade da mútua cooperação e com objetivo de novos ganhos de
qualidade de vida.

A economia solidária, assim como outras perspectivas críticas a


um desenvolvimento mais tradicional, procura uma economia em que o
desenvolvimento social não seja mero adjetivo. Isto é, o desenvolvimento social
e humano precisa estar no centro das decisões, estimulando a cooperação e a
reciprocidade entre os atores sociais e promovendo equidade e justiça social
(LAVILLE; GAIGER, 2009).

159
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

4 A PERSPECTIVA DO BEM VIVER


Pela perspectiva do bem viver, o desenvolvimento é pensado em termos
totalmente diferentes daqueles apregoados pelo Consenso de Washington,
em 1989. Não se trata de receitas prontas para promover o desenvolvimento
dos países considerados subdesenvolvidos, mas a busca por harmonia entre
desenvolvimento material e espiritual: um princípio ético.

O que se passa é a percepção de uma certa adesão universal a um padrão


de desenvolvimento, ocorrendo de forma homogênea em todas as partes do
mundo, em todos os países, sejam ricos ou pobres, com características políticas
mais à direita ou mais à esquerda. “O desenvolvimento se fixou nas mentes
e se converteu à grande religião universal da segunda metade do século XX”
(GARCIA, 2012, p. 202).

Embora inicialmente o bem viver tendesse a ser percebido como uma


postura romântica frente aos problemas sociais e ecológicos das sociedades
modernas, na verdade, o conceito traz a expressão de uma nova relação dos seres
humanos entre si e entre os seres humanos e a natureza.
Na realidade, trata-se de um conceito cujas raízes são radicalmente
diferentes dos marcos teóricos que a intelectualidade europeia, norte-
americana e latino-americana tem utilizado para compreender os
fenômenos sociais (BLIN; MARÍN, 2013, p. 26).

Uma das características da perspectiva do bem viver está na


desconsideração da relação entre sujeitos e objetos. É a própria separação do meio
ambiente (a natureza) dos seres humanos é estranha no âmbito do bem viver.
Tudo que integra a natureza e a vida é reconhecido como sujeito e faz parte de
um mesmo conjunto vivo, incluindo os solos, as águas, as pedras, as neblinas, a
chuva, os antepassados, os seres espirituais e, por sua vez, os seres humanos, os
animais e as plantas (BLIN; MARÍN, 2013).

FIGURA 7 – RELAÇÕES ENTRE O HOMEM E A NATUREZA

FONTE: <bit.ly/3bKM8DC>. Acesso em: 28 abr. 2020.

160
TÓPICO 3 | ECOSSOCIOECONOMIA

O bem viver, portanto, não está relacionado à ideia comumente tratada


de desenvolvimento material, que prioriza o aumento da renda individual,
equilíbrio macroeconômico ou melhores formas de fazer uso dos recursos
ambientais.

“Bem viver não é apenas um conceito, não é uma utopia; é um estilo, uma
forma, é jeito de viver; essa forma diferenciada de viver está fundamentada em
três pilares: viver bem com o outro, com a natureza e com o Criador” (FLORES,
2013, p. 13).

Dessa compreensão, que parte principalmente de experiências pessoais,


culturais e locais, ressalta-se a necessidade de avançar e crescer no debate público
e acadêmico como outra possibilidade de se alcançar resultados qualitativos no
âmbito de melhoria de vida das sociedades, respeitando as experiências de cada
uma delas e seu entendimento sobre suas necessidades e prioridades.

A Bolívia, por exemplo, já incorporou em sua Constituição o bem viver


como um princípio ético-moral, e isso pode ser observado nos objetivos do Estado.
Nos artigos constitucionais referentes à educação e à organização econômica,
também há passagens relacionadas a esse princípio. A incorporação do bem viver
não aconteceu ao acaso, o contexto de crise do modelo ocidental levou à aceitação
de que um novo paradigma era necessário para repensar na condição caótica em
que vivemos (ARKONADA, 2010).

A ideia também seria criar uma ética do bem viver, trabalhando essa
questão principalmente na educação. Reconstruir uma forma de vida comunitária,
revendo a relação entre a sociedade e a economia, promovendo um equilíbrio
maior entre cultura e Terra. Assim, no nível macroeconômico, o Estado precisa
assumir a redistribuição de terra e de riqueza (ARKONADA, 2010).

Até os mecanismos utilizados atualmente com o objetivo de obter


produção a partir de tecnologias limpas, a fim de manter o crescimento econômico
e reduzir os impactos no planeta, chamados de “economia verde”, não seriam
amplos o suficiente. Essas novas abordagens seriam apenas instrumentos para
um desenvolvimento que promoveria a ampliação das desigualdades sociais,
seja por meio do consumismo, individualismo ou competição. Esses elementos
deveriam ser substituídos pela dinâmica da solidariedade. “Nossas instituições
são formadoras de competidores, o discurso é ser vencedor, portanto, gerar
vencedores!” (FLORES, 2013, p. 13).

Observe que o bem viver nos direciona para uma perspectiva totalmente
diferente da conhecida evolução histórica do desenvolvimento. Significa
abandonar teorias, conceitos, indicadores e noções que não levam a uma relação
direta com a Terra. Apresenta uma nova perspectiva sobre como lidar com esses
desafios, mas que parte inicialmente de mudanças individuais de atitudes e
postura diante disso.

161
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

Na prática, significa reorientar o atual modelo de produção para uma


direção oposta ao acúmulo e produção de riquezas; uma direção que valorize a
produção de “jeitos de viver”.

Percebe-se, também, que ideias subjacentes ao bem viver são milenares


e residem nos povos indígenas e originários latino-americanos, logo, não foram
totalmente eliminadas do campo do pensamento e da ação. Assim, podem

[...] alimentar em um diálogo intercontinental em busca de novos


fundamentos éticos e filosóficos que permitam à humanidade
encontrar outros pilares sobre os quais se sustenta a aventura humana
nesses primeiros anos do século XXI (BLIN; MARÍN, 2013, p. 28).

A proposta apresenta a busca por um desenvolvimento diferente de


uma visão puramente econômica. O paradigma do bem viver não ensina a viver
melhor, mas a viver com menos. Por isso, é ousada, mas não utópica. E é muito
racional, se considerarmos o cenário de crises sociais, políticas e econômicas no
qual vivemos (VARGAS; VARGAS; GONÇALVES, 2014).

Estariam dispostas as sociedades historicamente capitalistas a praticarem


o bem viver, ainda que tais sociedades sempre tivessem como recomendação
para alcançar o desenvolvimento uma visão eurocentrista, baseada unicamente
na melhoria dos indicadores econômicos?

Perguntas como esta que podem nos levar a muitas reflexões, incentivando
um debate cujas práticas devem ser espontâneas, livres e não impostas como uma
nova ordem, mas também não entendidas como um modismo ou subestimadas
quanto aos seus alcances e possibilidades.

No panorama que se apresenta nas primeiras décadas do século XXI,


o caminho parece resultar mais da ética individual do que do planejamento
dos Estados, restando poucas brechas a modelos não tradicionais para o
desenvolvimento da civilização pós-moderna.

162
TÓPICO 3 | ECOSSOCIOECONOMIA

LEITURA COMPLEMENTAR

BEM VIVER COMO PARADIGMA DE DESENVOLVIMENTO:


UTOPIA OU ALTERNATIVA POSSÍVEL?

Liliane Cristine Schlemer Alcantara


Carlos Alberto Cioce Sampaio

[...] Embora haja um esforço de compreensão de como sinalizar


experiências de ecossocioeconomia a partir de indicadores (SAMPAIO, 2010), a
tarefa se apresenta complexa, buscando incorporar dados subjetivos, o que pode
sugerir maior dificuldade de mensuração.

Significa, demais, reconhecer a incompletude e insuficiência das teorias


econômicas e sociais que serviram de sustentação e orientação aos processos de
desenvolvimento até o presente. Significa tomar consciência, concretamente, de
que em um mundo cada vez mais heterogêneo por sua crescente e ine­vitável
interdependência, a aplicação de modelos de desenvolvimento sustentado
em teorias mecanicistas acompanhados de indicadores agregados e homoge­
neizantes, representa uma rota segura até frustações novas e mais inquietantes
(MAX-NEEF et al., 1986, p. 15).

Nesse sentido, a ecossocioeconomia é uma forma possível de descortinar


espaços alternativos de regeneração cultural, em sintonia com os princí­pios
(interdependentes) de endogeneidade, equidade social e prudência ecológica.
[...] A ecos­socioeconomia apresenta-se como uma alternativa ao desenvolvimento
territorial sustentável, bem como privilegia modos de vidas tradicionais e suas
experiências em curso.

No que concerne à produção de indicadores de aferição, destacam-se os


esforços de Amartya Sen (2000) para viabilizar o Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH), editado pelas Nações Unidas, e os indicadores de Desenvolvimento
à Escala Humana dos chilenos Max-Neef et al. (1986), índice que resulta do
cruzamento de nove necessidades hu­manas básicas axiológicas: subsistência,
proteção, afeto, compreensão, participação, criação, diversão, identidade e
liberdade, e de quatro necessidades existenciais: ser, ter, fazer e estar. A partir
dessa matriz, propõe-se a construção de indicadores sub­jetivos que sejam capazes
de permitir o diagnóstico, planificação e avaliação.

Outro exemplo é o Índice do Planeta Feliz, criado pela organização


britânica The New Econo­ mics Foundation, que se baseia em três indicadores:
esperança de vida ao nascer, satisfação com a vida (bem-estar subjetivo) e pegada
ecológica. A partir desse índice, infere-se que é possível ter alto nível de bem-
estar subjetivo sem excessivo consumo.

163
UNIDADE 3 | NOVAS CONCEPÇÕES DO DESENVOLVIMENTO

Mas, o que mais se assemelha ao conceito do Buen Vivir, é o índice de


“Felicidade Interna Bruta”, elaborado por um país budista localizado no
Himalaia, Butão, que assume uma concepção de vida inspirada em conceitos
muito próximos aos do bem viver. As quatro dimensões avaliadas são a autossu­
ficiência econômica, preservação do meio ambiente, promoção cultural e boa
governança (THINLEY, 1998).

Na Europa, existem algumas iniciativas para superar o consumismo,


derivado do capitalismo des­regulado, como o decrescimento, cuja origem é
comum aos problemas que estão sofrendo as sociedades e o planeta, como o atual
estado de de­senvolvimento que tem levado o planeta a uma soma de múltiplas
crises (energética, econômica, humani­tária, ecológica e social). Teoricamente, o
decresci­mento tem seus fundamentos na bioeconomia (ou economia ecológica) de
Georgescu-Roegen (1971) e na filosofia de Ivan Illich (2004), incorporando outros
elementos, como a crítica socioeconômica e antropológica do desenvolvimento,
doutrinas do pós-desenvolvimento e outras (GARCIA, 2012).

A ideia do decrescimento “[...] se intensificou durante a primeira metade


do século XXI, quando se percebeu que os limites naturais do crescimento haviam
sido excedidos [...]” (GARCIA, 2012, p. 204). Serge Latouche (2009, p. 137) é um
dos principais teóricos dessa proposta. Para ele: “[...] não é verdadeiramente
uma alternativa, concreta; seria, mais bem, a matriz que daria lugar a eclosão de
múltiplas alternativas”.

Para Latouche (2009), o decrescimento supõe um caminho de (des)


aprendizagem, da necessidade de se desprender de um modo de vida equivocado
e incompatível com a capacidade do planeta. Para que isso aconteça, o autor
enuncia oito pilares de ações necessárias: reavaliar — nossos valores; reconceitua­
lizar — construção social; reestruturar — os aparelhos econômicos e produtivos;
redistribuir — acesso aos recursos naturais e de riqueza; recolocar — consumir
localmente; reduzir — o consumo e o gasto energé­tico; reutilizar — todos os
objetos; e reciclar — em qualquer atividade.

Ressaltem-se outras ecossocioeconomias, como o Slow, que é uma


revolução cultural que questiona a velocidade do ritmo de vida. O termo slow,
etimologicamente, significa lento, o que su­gere visão de mundo associada ao uso
do tempo substantivo, não que se abstraia a lógica instrumen­tal tão necessária
à economia, mas que não seja ela hegemônica ou mesmo determinante nos
processos de produção humana (MAYER, 2006; SAMPAIO et al., 2014; HONORÉ,
2005; 2012; 2013).

Outro exemplo é a economia solidária, que surge como um modo de


produção e distribuição amparado por valores éticos, “criado e recriado pe­los que
se encontram (ou temem ficar) marginaliza­dos do mercado de trabalho”. Reúne
“o princípio da ‘unidade entre posse e uso’ dos meios de produção e distribuição
[...] com o ‘princípio da socialização destes meios” (SINGER, 2000, p. 12-14).

164
TÓPICO 3 | ECOSSOCIOECONOMIA

Outro modelo é o turismo alternativo, mais especificamente o


comunitário, cujas contribuições remetem à inclusão social e autonomia
comunitária (MARTINS et al., 2014).

O turismo comunitário, solidário e sustentável apresenta-se como


estratégia de sobrevivência e comunicação social de conservação de modos de
vida e preservação de biodiversidade, organizado associativamente em territórios,
como arranjos socioprodutivos e políticos de base comunitária, que se valem do
consumo solidário de bens e serviços (SAMPAIO et al., 2011, p. 27).

Para Coriolano (2003, p. 41), o turismo comu­nitário pode ser definido como
aquele “[...] desen­volvido pelos próprios moradores de um lugar que passaram
a ser articuladores e os construtores da cadeia produtiva, onde a renda e o lucro
ficam na comunidade e contribuem para melhorar a qualidade de vida”. Nesse
sentido, representa uma abordagem de desenvolvimento, uma vez que promove
novas oportunidades de desenvolvimento local.

As propostas e iniciativas surgidas foram criadas como alternativas ao


desenvolvimento ou, ainda, como vias alternativas de desenvolvimento, dentro
do princípio da sustentabilidade. Para Garcia (2012, p. 209), essas alternativas
dão: [...] ênfase á escala local-regional como sendo a mais adequada, tanto para
expressar as resistências contra o desenvolvimento, quanto para concretizar as
alterna­tivas[...]”; [...] reivindicam autonomia, tanto perante o mercado quanto
perante o Estado; quer fundamentada na associação, quer na comunidade”.

Nesse sentido, segundo Gudynas e Acosta (2008), somam-se iniciativas


para avançar nas concepções de desenvolvimento, desenhando indi­cadores de
bem viver e discutindo as relações com outras aproximações, como as da economia
social e solidária, Slow, turismo alternativo e aquelas enfocadas no bem-estar e
na felicidade ou justiça. São alternativas que não devem ser entendidas como
contrapropostas, ao contrário, percebe-se, em vários momentos, que possuem
pontos em comum. Ainda que partindo sempre de diferentes realidades, são
complementares, porque somam esforços e enrique­cem a visão de um modelo
que queremos alcançar.

FONTE: Adaptado de <revistas.ufpr.br/made/article/view/48566>. Acesso em: 28 abr. 2020.

CHAMADA

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165
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você aprendeu que:

• A ecossocioeconomia procura retornar a discussão e as preocupações próprias


da noção de ecodesenvolvimento, buscando romper com paradigmas do
desenvolvimento tradicional.

• Os princípios da ecossocioeconomia podem ser agrupados em ecologia


profunda, economia social, economia ecológica, ecologia humana e
planejamento participativo.

• A relevância da ecossocioeconomia está no repensar dos modelos vigentes de


desenvolvimento, pautados unicamente no crescimento econômico.

• A viabilidade interorganizacional se preocupa com o arranjo organizacional


formado entre os indivíduos e suas associações coletivas.

• A efetividade extraorganizacional procura revelar os impactos ocasionados


ao respectivo território econômico ou os riscos socioambientais das atividades
implementadas pelas organizações públicas ou privadas.

• A economia solidária procura questionar e contrastar o individualismo que


dominava, e ainda domina, a racionalidade puramente econômica presente
nas sociedades.

• A solidariedade, a reciprocidade e o engajamento conduzem à criação de


espaços públicos de proximidade entre os atores sociais e econômicos.

• Pela perspectiva do bem viver, há uma busca pela harmonia entre


desenvolvimento material e espiritual.

• O conceito de bem viver traz a expressão de uma nova relação dos seres
humanos entre si e entre os seres humanos e a natureza.

• A separação do meio ambiente (a natureza) dos seres humanos é estranha no


âmbito do bem viver.

166
AUTOATIVIDADE

1 Quais são os princípios discutidos pela ecossocioeconomia?

2 Como podemos entender o funcionamento da economia solidária?

3 Como podemos descrever a perspectiva do bem viver?

167
168
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