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Saber ler e escrever é fundamental, principalmente tendo em vista a complexidade dos

diferentes letramentos necessários para interagir e viver em sociedade nos dias de hoje.

Nesse sentido o papel da escola é crucial para a diminuição das desigualdades existentes
quando se trata da capacidade dos cidadãos de ler, integrar, interagir e transformar o mundo.
Isso com certeza passa pela escola e a origem desses letramentos reside no processo de
alfabetização das crianças e que ocorre, ou deveria ocorrer, logo no início de sua escolarização.

Garantir que os alunos estejam plenamente alfabetizados logo no início do Ensino


Fundamental produz maior autonomia dos estudantes e possibilita que eles desenvolvam
outras habilidades tão essenciais para a vida em ambientes letrados, como comparar
informações, inferir o sentido de algo ou saber a finalidade de um texto.

Alguns professores relatam se sentir despreparados para alfabetizar os estudantes alegando


não terem sido formados em sua graduação para esse fazer. Essa infelizmente é uma realidade
em muitos cursos de graduação Brasil afora e esse acaba se tornando um dos principais
desafios vividos em muitas das salas de aulas de escolas públicas do nosso país. Em suas
primeiras práticas de alfabetização alguns desses professores se veem diante de inúmeras
dúvidas como:

Por onde começar?

O que fazer com os estudantes com mais dificuldades? E com os mais avançados?

Que estratégias utilizar?

Embora alfabetizar todos os alunos até o final do 3° ano seja uma meta prevista no Plano
Nacional de Educacional aprovado em 2014 e com validade de dez anos, é muito comum
termos alunos não alfabetizados nos 4°s e 5°s anos do Ensino Fundamental ou até mesmo nas
turmas de 6° ao 9°, o que é ainda mais desafiador.

A Base Nacional Comum Curricular reitera a importância de que a alfabetização seja foco nos
dois primeiros anos do Ensino Fundamental:

Pensar em estratégias que possam apoiar professores no processo de alfabetização dos


estudantes pode ser um dos possíveis caminhos a serem traçados e nesse texto
compartilhamos algumas dessas práticas que podem te inspirar a pensar em como superar os
desafios que possa estar vivendo na escola em que atua.

Utilize as etapas iniciais de construção da escrita dos estudantes

Os estudantes passam por algumas etapas durante o processo de construção da escrita.


Conhecê-las e utilizá-las é fundamental para o professor uma vez que são um recurso valioso
na construção de um plano de aula que apoie da melhor maneira possível as necessidades de
cada grupo de estudantes. Nesse processo de alfabetização eles percorrem essas etapas,
avançando mais rapidamente de uma para outra em alguns casos. Em ordem gradativa
elencamos abaixo essas hipóteses iniciais do processo de construção da escrita:

Pré-silábico: quando usam símbolos, números ou as letras usadas na escrita não têm relação
com a fala.

Silábico sem valor sonoro: quando representam cada sílaba da palavra com uma letra
aleatória.
Silábico com valor sonoro: quando usam uma das letras da sílaba para representá-la.

Silábico-alfabético: quando alternam a representação silábica com uma ou mais letras da


sílaba.

Alfabético: que escrevem convencionalmente, apesar de eventuais erros ortográficos.

(NOVA ESCOLA, s/d, s/p)[1]

Faça um diagnóstico da turma

O professor, logo no início do processo de alfabetização, precisa realizar uma sondagem sobre
em qual etapa cada estudante se encontra para com base nesse diagnóstico planejar seu plano
de alfabetização dos estudantes e ir realizando novas sondagens de escrita para acompanhar
essa evolução.

Proponha atividades desafiadoras para os alunos de cada etapa da escrita

É importante garantir que os alunos tenham desafios que os impulsionem a avançar, para isso,
uma mesma atividade pode ser oferecida para a turma, porém a depender da hipótese de
escrita dos alunos a atividade pode ter níveis de domínio do sistema alfabético de maior ou
menor exigência. Por exemplo, alunos silábico-alfabéticos podem realizar uma atividade de
completar as letras de uma palavra sem ter um banco de letras disponível, já alunos silábicos
sem valor sonoro podem ter esse tipo de apoio.

Realize trabalhos em grupos nos quais os próprios alunos apoiem uns aos outros

Um bom mapeamento dos alunos permite organizar atividade em grupo nas quais os alunos
com aprendizagens próximas possam apoiar uns aos outros. Isso amplia o conhecimento
daqueles que se encontram nas etapas mais iniciais da alfabetização e fortalece o
conhecimento daqueles mais avançados, pois ao auxiliar os colegas precisam construir e
fortalecer suas hipóteses.

Encoraje todos os estudantes a todo momento

Acreditar que pode aprender é fator crucial para que o aprendizado ocorra e é muito comum
os estudantes com processo tardio de alfabetização demonstrarem baixa autoestima. Por
ainda não estarem alfabetizados, por vezes, sentem-se envergonhados e em alguns casos
verbalizam que “não sabem escrever”, “são burros” e “não conseguem aprender”. É muito
importante o professor criar uma cultura e clima escolar que reconheça e valorize as
diferenças de aprendizados existentes na classe, encorajando esses estudantes e dando
visibilidade para outras habilidades que eles possam ter, como desenhar, pintar, contar, se
relacionar, entre tantas outras. Em muitos casos ter o reconhecimento desses pontos fortes
funciona como alavanca para a autoestima deles, os auxiliando a aumentar a crença de que
também podem aprender a ler e escrever.

Tenha uma rotina de apoios individualizados

Nesse início do processo de construção da escrita é muito importante o professor conhecer e


apoiar individualmente cada estudante. Como são muitos estudantes em uma turma,
estabelecer uma rotina de horários nos quais esse apoio acontecerá ajuda e diminui a
ansiedade dos estudantes e até do professor. Essa rotina precisa ser viável do ponto de vista
do plano de trabalho do professor e frequente. Nesse momento de apoio individual o
professor pode conversar com cada um, tirar dúvidas, orientar e fazer novas verificações de
como estão avançando. Conforme os estudantes vão superando suas dificuldades os
momentos de apoio individualizado podem ir se tornando mais espaçados, uma vez que vai
vão aumentando sua autonomia. Isso também permite ao professor maior tempo para apoiar
aqueles com mais dificuldades.

Desistir: nunca!

As estratégias propostas nesse texto não pretendem ser receitas, muito pelo contrário. A
intenção é que possam servir de apoio no fortalecimento das práticas de alfabetização que já
possam estar sendo empregadas em sala de aula. Sabemos que cada professor é um professor,
cada sala de aula é uma sala e cada escola é uma única, mas também sabemos que as
experiências de outros educadores podem nos ajudar. O importante é não desistir e saber que
não estamos sós!

Dica de leitura

Quer saber mais sobre muitas dessas estratégias citadas no texto e como elas foram colocadas
em prática por um professor em um caso real de alfabetização?

No e-book Ler e escrever, direito do aluno, dever de todos: um case de alfabetização você
consegue ler na íntegra e em detalhes o relato dessa prática e se inspirar em como planejar
boas estratégias para alfabetizar os alunos de sua sala ou de sua escola.
PROFESSORA ELEVA TAXAS DE ALFABETIZAÇÃO COM NOVO MÉTODO
A combinação de princípios teóricos da linguística e da psicolinguística, tomando como ponto
de partida as ideias e propostas de Paulo Freire, é o fundamento de um método de
alfabetização desenvolvido na Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Presidente Prudente,
pela professora e pesquisadora Onaide Schwartz Mendonça. A proposta, denominada de
Método Sociolínguistico, foi adotada em escolas municipais de Presidente Prudente, com bons
resultados: pesquisa realizada com 3,4 mil crianças do 1º e do 2º ano em 2011 e 2012 mostrou
que, ao final de um ano letivo, 72,6% dos alunos estavam alfabetizados, proporção que sobe
para 87,8% no 2º ano.

Em entrevista ao site de Educação, a pesquisadora conta como percebeu a possibilidade de


fazer a junção de princípios teóricos e sua experiência em sala de aula, além de analisar a
difusão do construtivismo no Brasil.

Saiba mais sobre o Método Sociolinguístico, na edição de fevereiro de Educação

Veja a videoaula Método sociolinguístico: práticas socioconstrutivistas

O método sociolinguístico resulta da combinação de sua experiência em sala de aula com seus
estudos no mestrado e no doutorado. Como a senhora percebeu a possibilidade de fazer essa
junção?

Estar à frente de uma sala de alfabetização e não saber por onde começar é desastroso. Dá
insegurança e pavor em função da responsabilidade que é ter um número significativo de
crianças para ensinar a ler e escrever. Ao conhecer a filosofia de educação de Paulo Freire,
bem como seu método de alfabetização e a importância que dá ao diálogo, vi uma
oportunidade de trazer a realidade das crianças para a sala de aula e garantir o seu interesse
pelo mundo da leitura e da escrita.

Quais foram os pontos de contato entre esses dois universos que deram origem ao método?

Paulo Freire oferece a possibilidade de desenvolver a oralidade e ainda dá conta de ensinar os


conteúdos específicos de língua organizando o trabalho do alfabetizador. Assim, verifiquei que
se por um lado o construtivismo olha para o indivíduo, por outro, Freire vê a importância da
socialização e quer todos os alunos lendo e escrevendo com autonomia, e ainda, capazes de
intervir criticamente no cotidiano e no mundo em geral.

Paralelamente, as descobertas construtivistas de Emília Ferreiro nos ajudaram a direcionar


atividades adequadas às dificuldades de cada criança para intervir pontualmente a fim de que
construam e avancem em seus níveis de aprendizagem.

O que chamou sua atenção na proposta de Paulo Freire e como foi a transposição dessa
proposta para a alfabetização de crianças?

O diálogo me chamou muito a atenção, pois envolve as crianças no processo de


ensino/aprendizagem dando segurança e liberdade para questionarem o professor, assim não
ficam com dúvidas sobre os conteúdos e aprendem a argumentar.

A ficha de descoberta é algo mágico para as crianças porque, ao apresentar três famílias
silábicas de uma só vez, amplia rapidamente o repertório de conhecimento delas, o que
possibilita que aprendam rápido e com alegria, sentindo-se capazes de descobrir, ler e
escrever sozinhas cuja conquista valorizam muito.
A transposição para a proposta de Freire para crianças é extremamente simples, pois é só
adequar à faixa etária das crianças o nível de questionamento e os textos a serem trabalhados
nas palavras geradoras.

A partir de sua experiência e pesquisas, como a senhora analisa a maneira como se deu a
difusão do construtivismo no Brasil?

As pessoas envolvidas com a alfabetização precisam compreender que construtivismo não é


método de ensino, mas teoria de aprendizagem. Entretanto, no Brasil, a psicogênese da língua
escrita foi divulgada como metodologia. As contribuições dessa teoria podem auxiliar muito a
alfabetização desde que utilizadas corretamente, mas não foi o que ocorreu.

As secretarias de educação tentaram estabelecer uma relação entre as descobertas teóricas


(os períodos e níveis de escrita) de Emilia Ferreiro e Ana Teberosky e a sala de aula, mas sob
uma ótica equivocada. O problema é a ênfase no letramento, ou seja, os usos que se faz da
leitura e da escrita, que, entretanto, as crianças ainda não dominam, em detrimento da
alfabetização propriamente dita.

Algumas práticas que se tornaram difundidas acabam tendo o efeito contrário do esperado: ao
invés dos alunos ganharem autonomia, o processo acaba ficando centralizado no professor
porque os alunos ficam sem elementos para avançar.

Por exemplo, o ensino sistemático com a leitura do alfabeto foi banido, pois sugerem que seja
recitado ou cantado. Ora, o alfabeto foi criado pela humanidade para ser “lido”. Para que a
alfabetização ocorra de modo eficiente, a primeira providencia é o professor explicitar o que e
quais são as letras do alfabeto, sua combinação na produção e leitura de sílabas, palavras e
textos. Isso é o básico da alfabetização que foi excluído das propostas oficiais.

Os professores também foram orientados a ler histórias, parlendas, poesias para as crianças e,
em seguida, elas recontam o texto que é reescrito pelo professor na lousa. Esse trabalho deve
ser feito diariamente até que os alunos decorem a história e a cópia do texto, ou seja, a
cartilha foi tão criticada por fazer a leitura mecânica das famílias silábicas e em pleno século
XXI os professores têm feito crianças decorarem textos inteiros.

Ler textos para os alunos é indispensável, porém ficar questionando sobre o título, autoria,
gênero textual sem fornecer as informações necessárias para que os alunos realmente
aprendam a ler e escrever é um tremendo equívoco que resultará na produção de futuros
analfabetos jovens e adultos.

Erro semelhante seria limitar o trabalho aos aspectos técnicos da língua e se esquecer de
mostrar a função social da leitura e da escrita e os diferentes gêneros textuais. Defendemos
que se deve trabalhar tanto a alfabetização como o letramento em sala de aula, pois um
complementa o outro para a formação de leitores e escritores autônomos.

Esse cenário só será modificado no dia em que os administradores da educação enxergarem


que alfabetização é ensino de língua materna. Para assegurar que o profissional saiba o que
está fazendo é indispensável prática, experiência de sala de aula, porque a sala de aula é o
diferencial em alfabetização. É nela que se vê o que funciona para solucionar problemas de
aprendizagem e se aprende a elaborar as melhores estratégias de ensino que garantem a
aprendizagem.
Um discurso frequente na educação é o de que a experiência dos professores deve ser
respeitada e aproveitada, porém, muitas vezes, quando alguém que veio da sala de aula se
pronuncia de forma contrária às orientações oficiais é desqualificado. Ninguém ensina o que
não sabe.

Como vem sendo a aplicação do método sociolinguístico na rede pública de Presidente


Prudente?

Nem a secretaria de educação de Presidente Prudente nem os professores estavam contentes


com os resultados da proposta que vinha sendo utilizada, por isso nos pediram ajuda.

Os professores sentiam necessidade de trabalhar a sílaba como estratégia que agiliza a


aprendizagem das crianças, mas não queriam fazer um trabalho mecânico como o das cartilhas
tradicionais. Apresentar as sílabas aos alunos acelera a alfabetização, mas como, em função
das orientações oficiais, este trabalho não podia ser realizado, alguns professores o faziam
escondido.

Assim, quando tomaram contato com nossa proposta metodológica e sugestões práticas de
atividades, enxergaram a possibilidade de realizar um trabalho mais exitoso. Inicialmente, mais
da metade dos professores da rede municipal de Presidente Prudente aderiram à proposta.

Uma das dificuldades da implantação da metodologia foi os professores entenderem e


incorporarem o diálogo em sua prática. Alguns acham que conversar com as crianças é perda
de tempo. Não percebem que o diálogo desenvolve o respeito mútuo, o aspecto cognitivo,
valores, além de motivar para a aprendizagem. A maioria já reconheceu a importância e
pratica o diálogo.

Marta Avancini

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