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LIMA, Marcos Costa. O humanismo crítico de Edward W. Said. Lua Nova, São Paulo, v.

73,
p. 71-94, 2008. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/ln/a/sSzNtnfsFDsbKRL5Rp5zZCz/?format=pdf&lang=pt.

Kleverson Luiz da Silva Cordeiro¹

O autor é professor do Departamento de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação


em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.

A influência cultural é um processo que sempre ocorre entre todas as culturas que têm
contato uma com a outra. Por exemplo: as tradições musicais africanas influenciaram a
música afro-americana, que, por sua vez, influenciou a música dos Estados Unidos, mas o
imperialismo cultural não tem nada a ver com essa transmissão. O imperialismo cultural
difere da difusão cultural na medida em que o mecanismo imperial desempenha um papel
fundamental no plano do poder, e cujo processo tem como fim a transformação cultural; ao
passo que a difusão cultural ocorre “naturalmente” quando uma coletividade cultural interage
com outra coletividade cultural distinta, sendo que deste contacto não resulta a redução ou
eliminação propositada das singularidades culturais. Graças à globalização, criaram-se novos
veículos para a propagação do imperialismo cultural, que conhecem a resistência mínima ou
o reconhecimento de que sim, um processo de homogeneização cultural está em processo. Os
partidários da livre expansão da economia de mercado argumentam que as culturas são
fluídas e, portanto, o imperialismo cultural acaba por ser um elemento “natural” do
crescimento da troca: se as práticas e ideias ocidentais são as que conhecem maior sucesso,
tal se deve à crença de que essas práticas culturais são sublimes e sofisticadas em comparação
às práticas culturais de outras nações.
O texto ajuda a entender e, além disso, também enfatiza a responsabilidade social do
intelectual, mostrando a sua percepção do que consistiria o humanismo crítico, o qual
reivindica. Por humanismo dá para entender, antes de mais nada, a tentativa de dissolver a
compreensão ocidentalizada sobre culturas não europeias. Said atribui um peso muito
importante à questão do humanismo. Para ele, é essencial, que se considere a especificidades
dos fenômenos realizados. Não por acaso uma das coisas que ele mais critica é o modelo
mecanicista e genérico que os “ocidentais” atribuem aos “orientais”, e esta seria uma das
características principais do orientalismo. Ao dar esse tipo de enfoque para a sua obra, o que
ele enfatiza é o fato de que o orientalismo não consiste apenas em uma questão territorial, ou
de interesses puramente políticos. Na verdade, é algo mais arraigado, que, inclusive, criou um
embasamento para essas atitudes políticas que foram colocadas em prática. Seu esforço
caminhará no sentido de mostrar que a cultura não deve ser vista como algo secundário, pelo
contrário, ela é extremamente importante para entender esse processo histórico que se
desenrolará no território chamado “oriental”, sobretudo ao que se refere ao mundo islâmico.
Talvez nenhuma outra obra seja tão subversiva das relações de poder atuais do que o
Orientalismo, de forma que vale sempre a pena, periodicamente, voltar às teses que a
sustentam. Há muito tempo a estratégia imperial e a cultura hegemônica no Ocidente não
difundiam de forma tão sistemática e aberta sua visão bipolar entre “civilização e barbárie”,
que fundamenta a visão neocolonial e imperial do mundo Said define o orientalismo em três
planos distintos. Em primeiro lugar, o orientalismo é uma disciplina acadêmica do Ocidente
que estuda o que define como Oriente. Esta disciplina cria, então, um corpo de
conhecimentos que - articulando conhecimento e poder -, nas mãos dos agentes imperiais,
lhes permite conquistar poder. O terceiro plano é aquele que codifica aquelas análises e esta
ação política no esquema Ocidente/ Oriente, recobrindo as outras bipolaridades que lhe dão
sentido: desenvolvido/ bárbaro, avançado/ primitivo, novo/ antigo, superior/ inferior,
racional/ irracional, pacífico/ violento, progresso/ atraso.
O Oriente é criado pelo Ocidente e instituído como ente com características do “outro” do
Ocidente, portador de traços desqualificados, degradados crueldade, decadência, ignorância,
traição e brutalidade. A literatura “vitoriana” considera o Oriente como “um grande harém”,
com as respectivas perversões e prazeres incluídos, objeto da colonização e da realização
cruel dos desejos reprimidos pela sociedade vitoriana. As minas do rei Salomão constrói um
discurso patriarcal para assumir o controle da mulher colonizada, como bem material
pertencente ao botim a ser apropriado. Como todo bom estereótipo, todos os personagens
locais aparecem sem identidade própria, achatados, homogêneos, sem individualidade. No
discurso ocidental, as princesas muçulmanas são representadas como seres pérfidos,
pervertidos e egoístas, buscando demonstrar que não há vida decente para além das fronteiras
da família ocidental e cristã. Em Shakespeare, o Oriente representava a gratificação dos
sentidos, o desejo sexual e o esquecimento dos assuntos do mundo. Em contraposição, Roma
aparecia como um lugar de confiança e de respeitabilidade. Em A casa de chá do luar de
agosto, os norte-americanos conseguem recrutar uma gueixa que trabalha para eles - sintoma
de humanidade. Mas resta sempre a desconfiança de que uma recaída a faça reassumir os
valores bárbaros dos seus ancestrais. Da mesma forma que a catequização nas Américas era
deduzida da visão “bárbara” dos povos indígenas, a “civilização” se impunha como tarefa do
Ocidente, diante da “barbárie” oriental. Estavam dadas as condições para a submissão -
incluída a escravidão - e até mesmo para o extermínio - que assume hoje a forma das “guerras
humanitárias”. Perry Anderson como os que se consideram humanistas kantianos, liberais,
como Habermas, Bobbio e Rawls, terminaram, ao assumir os valores ocidentais como
universais, apoiando as “guerras justas” em nome do humanismo. A construção do discurso e
da prática do imperialismo teria sido impossível, assim como sua perpetuação, sem o
orientalismo - essa forma de criminalização do “outro”. A Alemanha, protagonista da maior
“limpeza étnica” da história da humanidade, foi sempre poupada pelo discurso. A
reatualização da trama desse discurso e da prática que lhe corresponde é uma necessidade
permanente da luta por um mundo justo e solidário.
Diante disso, evidencia-se a relevância do texto para melhor compreender uma visão mais
crítica sobre a cultura predominantemente ocidental ao retratar o "oriental" até mesmo no
próprio conceito de oriental que os ocidentais têm sobre como algo retrógrado e errado. Outra
questão bem pertinente é o fato de muito da literatura ocidental ainda ser lida e mantida como
verdade, mesmo sobre os costumes e ocupações ocidentais. O artigo é escrito de maneira leve
e sem muita enrolação para um fácil compreensão daquilo que está sendo argumentado.
Faltou o autor abordar melhor sobre os povo tradicionais do oriente e como suas formações
ajudaram na formação de várias identidades no oriente.

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