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A ESTÉTICA DE IMMANUEL KANT

Filipe Cerqueira de Almeida


Profa. Virgínia Figueiredo

1) Por que podemos dizer legitimamente que a Estética de

Kant é universalista? Como ela se relaciona, por exemplo,

com o famoso adágio, adequado às Estéticas empiristas:

“Sobre gosto, não se discute” e com a afirmação das

Estéticas dogmáticas de que o belo coincide com o

conceito de perfeição?

A estética de Kant, tal como figura na Crítica do juízo,

é claramente universalista. Tal asserção decorre da

análise da argumentação kantiana, mais especificamente


de sua caracterização dos juízos estéticos na ‘Analítica

do Belo’.

No parágrafo sexto dessa seção, Kant define o belo

como “aquilo que, sem conceitos, é representado como

objeto de uma satisfação universal”; ora se o juízo-de-

gosto não é um juízo-de-conhecimento (e sim estético),

então o juízo que afirma que algo é belo não se funda

em nenhum conceito. Além disso, e principalmente por

isso, tal juízo também não se funda sobre nenhuma

inclinação ou interesse do indivíduo, pois como Kant

argumenta em um primeiro momento da ‘Analítca do

Belo’, a satisfação, que determina o juízo-de-gosto, é

sem nenhum interesse. Isso fica mais claro se

pensarmos na situação em que alguém nos pergunte se

algo é belo ou não. É evidente que o essa pessoa

quer saber é se a representação desse objeto em mim,


é acompanhada de uma satisfação ou não, pouco

importando o meu interesse relativo à esse algo. A

diferença aqui é que o meu interesse diz respeito a

satisfação vinculada com a existência do objeto e não

com a mera representação desse objeto em mim.

Kant então prossegue com sua argumentação dizendo

que quando o indivíduo “tem a consciência de que a

satisfação quanto ao mesmo (o objeto) é, nele mesmo,

sem nenhum interesse, ele não pode julgar de outro

modo, a não ser que tem de conter um fundamento de

satisfação para todos.”1 Então, como o fundamento de

sua satisfação parece não possuir um substrato subjetivo

(no sentido de um fundamento que se basea somente

em si mesmo) então apenas consegue conceber-lo como

válido também para todo outro. Presume assim, uma


1
Crítica do Juízo §6
satisfação semelhante em todo outro diante do belo. É

importante lembrar que essa universalidade do juízo

estético não se constitui de conceitos que, embora

também universais, não são a mesma coisa.

“Consequentemente, tem de prender-se ao juízo-de-gosto,

com a consciência da separação nele de todo interesse,

uma pretensão à validade para todos, sem

universalidade colocada em objetos, isto é, deve estar

vinculada com ele uma pretensão à universalidade

subjetiva.”2

É interessante notar como a estética kantiana está

em pleno acordo com os dizeres populares de que

“sobre gosto, não se discute”. Porém, antes de tudo, é

necessário fazermos um esclarecimento: gosto aqui não

se refere ao juízo-de-gosto, ao julgamento do que é


2
Crítica do Juízo §6
belo, mas se refere antes àquilo que nos é agradável.

Ao contrário do juízo do que é belo, o juízo referente

aquilo que nos agrada se funda em um sentimento

privado e pessoal e, através dele o indivíduo é capaz

de diferenciar seu gosto do de terceiros. Assim, ele

afirma sem incorrer em erros “isso é agradável para

mim” e também “sobre gosto, não se discute”, uma vez

que não existe esse parâmetro puramente objetivo de

“avaliaçao” dos gostos.

Igualmente curioso é o fato de que, para Kant, aquele

que julga algo como belo presume em todos essa

mesma satisfação diante do objeto, seu julgamento

possui uma pretensão à universalidade, porém a

universalidade dessa satisfação, em juízo-de-gosto, é

representada apenas como subjetiva. Mais uma vez,


através do juízo-de-gosto atribuimos a todos indivíduos a

satisfação com um determinado objeto, porém não

fundamos essa universalidade sob um conceito, como

poderia pensar as estéticas dogmáticas como sendo o

conceito da perfeição. A pretensão à universalidade

pertence tão somente ao juízo-de-gosto, ou seja, o juízo

pelo qual afirmamos algo como belo. Deve-se notar que

essa universalidade que não repousa sobre conceitos do

objeto, não se confunde com uma universalidade lógica,

mas apenas estética, ou seja, não envolve uma

quantidade objetiva do juízo, mas tão somente uma

subjetiva, de onde podemos afirmar uma validade

universal não para o conhecimento do objeto, mas sim

em referência ao sentimento de prazer ou desprazer

para todo sujeito.


2) Descreva os dois primeiros momentos da “Analítica do

Belo” (da qualidade e da quantidade), enquanto

caracterizações do juízo estético do belo.

Em sua terceira crítica, a crítica do juízo, Kant ,

após suas profundas meditações a respeito das

faculdades do entendimento e da razão prática, parte

em busca dos fundamentos a priori dos juízos, i.e., da

faculdade do julgamento. Ainda na primeira introdução,

Kant define o juízo como a faculdade da subsunção do

particular sob o universal, uma espécie de mediador

entre o entendimento (faculdade que fornece os

conceitos universais) e a razão (aquela responsável pela

derivação a partir de princípios). A partir disso, Kant

propõe uma distinção entre juízos determinantes e

reflexionantes, sendo que os primeiros partem de


conceitos (formulados portanto pelo entendimento) que

são suficientes para a completa determinação de

qualquer instância particular que possam vir a ter. Já os

segundos devem proceder sem esses conceitos, como

que realizando o trabalho por si só. Mas aqui surge o

problema filosófico: como são possíveis tais juízos? Kant

enxerga aí a possibilidade da legitimação da existência

de príncipios apriorísticos transcendentais, i.e., na base

de tais juízos.

Tendo agora em vista essa pequena introdução,

podemos nos aproximar de sua estética propriamente

dita: Kant enxerga os juízos estéticos como uma forma

particularmente interessante de juízos reflexionantes; eles

possuem peculiaridades que são cuidadosamente

analisadas por ele através de quatro momentos, segundo

sua própria terminologia. Nos limitaremos aqui à análise


dos dois primeiros momentos, a saber, da qualidade e

da quantidade.

Primeiro momento: Os juízos estéticos são desinteressados.

Existem dois tipos de interesse: através das sensações do

agradável e através de conceitos do bom. Apenas os juízos

estéticos são livres de tais interesses. De acordo com o

próprio Kant, “Interesse é denominada a satisfação que

vinculamos com a representação da existência de um

objeto.”3 Dessa forma, fica bem claro como aquele que

considera algo belo, assim o faz pura e simplesmente em

virtude da satisfação que tal representação causa em si

mesmo, independentemente da existência ou não do objeto.

Ao contrário, se consideramos um objeto como agradável, já

é claro como a partir disso já manifesto um interesse por

3
Crítica do juízo §2
ele, pois “que ele, por sensação4, excita um desejo por tais

objetos, portanto a satisfação pressupõe, não o mero juízo

sobre ele, mas a referência de sua existência a meu estado,

na medida em que é afetado por um tal objeto”5. Da mesma

forma, a satisfação com o bom é vinculada com interesse.

Para julgar algo belo preciso da reflexão sobre esse algo, o

que conduz a algum conceito, embora indeterminado. E para

julgar algo como bom, tenho que ter sempre um conceito

específco dessa coisa, conceito que sempre envolve a noção

de um fim. É evidente que tal finalidade só pode estar

relacionada com a existência de um objeto ou de uma ação,

portanto pressupõe um interesse qualquer.

Segundo momento: Kant é bem enfático: “Belo é aquilo

que, sem conceito, apraz universalmente”6. Juízos estéticos se

4
Sensação aqui não significa a representação de uma coisa através dos sentidos, como receptividade
pertencente ao conhecimento, mas sim uma determinação do sentimento de prazer ou desprazer.
5
Crítica do juízo §3
6
Crítca da juízo §9
comportam universalmente, i.e., envolvem uma expectativa ou

mesmo uma pretensão da concordância de terceiros, como se

a beleza fosse uma verdadeira propriedade do objeto julgado.

Se julgamos que uma paisagem é bela então, embora eu

possa estar perfeitamente consciente de que uma sorte de

fatores poderiam fazer outras pessoas em particular

discordarem de mim, independemente disso, ao menos de

maneira implícita nós demandamos pela universalidade em

nome de meu juízo-de-gosto. Tendemos a pensar mais nas

discordâncias quanto aos juízos estéticos em função de um

erro de julgamento de alguma das partes do que as

concordâncias como meras coincidências. É relevante lembrar

que tal universalidade não se iguala com a pura

subjetividade de quando dizemos “eu gosto de mel”, uma vez

que tal proposição não é universal e nem esperamos que

seja, e também não se confunde com a objetividade estrito


senso tal como encontrada em “o mel contém açúcar e é

doce”, pois o juízo estético deve, de alguma maneira, ser

universal sem a posição de um conceito. Aquela subjetividade

pura diz respeito apenas ao o que nos agrada e não é ao

juízo-de-gosto do belo.

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