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Profissão

Docente

Luiz Fernando Rankel


Rosângela Maria Stahlschmidt
Luiz Fernando Rankel

Mestre em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Gradua-


do em História pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Palmas. Professor
de Ensino Superior. Tem experiência na área de História, com ênfase em Teoria
e Filosofia da História. Atuando principalmente nos seguintes temas: Exposição
Antropológica Brasileira, Museu Paranaense, Antropologia e Arqueologia, Brasil
Império.

Rosângela Maria Stahlschmidt

Mestre em Educação pelo Centro Universitário Diocesano do Sudoeste do


Paraná. Especializada em Metodologia para o Ensino da Matemática pelo Centro
Universitário Diocesano do Sudoeste do Paraná. Graduada em Pedagogia pela Fa-
culdade de Filosofia Ciências e Letras de Palmas, com habilitação em Orientação
Educacional e Administração Escolar. Graduada em Ciências com habilitação em
Matemática pelas Faculdades Reunidas de Admin. Ciências Contábeis e Econô-
micas de Palmas. Professora de Educação Básica da rede estadual de ensino do
Paraná e do Ensino Superior.
Profissão docente, ciência
interdisciplinar e representações sociais

Luiz Fernando Rankel


A prática pedagógica sofreu transformações significativas na segunda
metade do século XX e neste início de século XXI. A função da educação está
muito mais complexa hoje, pois a escola é vista como local onde além dos
conhecimentos científicos necessários à formação inicial, deve-se formar
também o cidadão capacitado para agir em uma sociedade competitiva e
que exige do indivíduo a capacidade de atender às demandas que o estado
democrático lhe impõe. É por isso que as práticas pedagógicas mudaram em
consonância com as mudanças da sociedade e também através da reflexão
filosófica e teórica sobre a profissão docente.

Temos, portanto, novas práticas pedagógicas que devem ser conhecidas


pelo profissional docente. Sabemos que muitos aspectos sobre a formação do-
cente se constroem no cotidiano, a partir do enfrentamento da sala de aula, na
forma como os problemas são resolvidos, pois estes não aparecem em nenhum
manual. A necessidade da formação teórica é indispensável justamente para
poder enfrentar os problemas do dia-a-dia com mais competência e principal-
mente para poder fazer o exercício da reflexão sobre suas experiências enquanto
parte integrante do processo maior de aprofundamento da didática docente.

No que se refere às mudanças nas práticas pedagógicas elas acompanha-


ram a mudança do paradigma científico ocorrido no século XX, principal-
mente depois da Segunda Guerra Mundial quando este novo paradigma da
ciência se espalha pelas disciplinas, causando rupturas e muitas discussões.
De forma geral, a prática docente passou por inflexões que demonstraram
processos de ruptura – mas também de continuidade – e que são geralmente
classificados como tradicional, técnico e crítico-reflexivo. Este último é apre-
sentado como sendo o representante da postura que prima pela valorização
do confronto entre as concepções teóricas e a prática cotidiana, que valoriza
a pesquisa como atributo indispensável para o melhor desenvolvimento de
um arcabouço teórico-prático e que dê conta da diversidade cultural e social
em que o profissional docente esteja inserido. A interdisciplinaridade surgiu
então, na segunda metade do século XX, como tentativa de fazer convergir
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metodologias e disciplinas, que haviam sido estreitadas e compartimentalizadas


em função do modelo positivista anterior. Segundo Olga Pombo:
O crescimento do conhecimento científico resulta, pelo contrário, de um processo de
reordenamento interno das comunidades levado a cabo por um reordenamento das disciplinas.
A interdisciplinaridade traduz-se na constante emergência de novas disciplinas que não
são mais do que a estabilização institucional e epistemológica de rotinas de cruzamento de
disciplinas. Este fenômeno, não apenas torna mais articulado o conjunto dos diversos ‘ramos’ do
saber (depois de os ramos principais se terem constituído, as novas ciências, resultantes da sua
subdivisão sucessiva, vêm ocupar espaços vazios), como o fazem dilatar, constituindo mesmo
novos espaços de investigação, surpreendentes campos de visibilidade. (POMBO, 2006, p. 3)

O que a autora chama de “estabilização institucional e epistemológica de dis-


ciplinas” para constituir “novos espaços de investigação” se dá, principalmente
e primeiramente, através da utilização de instrumentos teóricos advindos de
outras áreas das ciências. No caso da educação, uma das ciências que tem forne-
cido um aporte teórico e metodológico significativo é a Sociologia. Isto é notável
em relação à profissão docente, a sociologia das profissões tem contribuído efe-
tivamente para uma avaliação mais precisa das práticas que envolvem a comple-
xa rede de relações sociais que envolvem a atividade do professorado.

Uma vez que os professores encontram-se inseridos em um contexto social


específico e, levando em consideração a profícua relação que vem sendo desen-
volvida entre a educação como pesquisa e a sociologia, elegemos um conceito
que consideramos extremamente heurístico1 para analisarmos aqui. Trata-se do
conceito de representações sociais. Este conceito tem sido ultimamente aperfei-
çoado e adequado a ciências como a psicologia social, antropologia e história.
O que pretendemos é fazer uma espécie de recensão e atualização teórica do
conceito, seu uso clássico pela sociologia e como a psicologia social e a história
têm contribuído para a efetivação de um conceito que pode ser utilizado em
outras áreas das ciências sociais e também na educação. Faz-se necessária uma
renovação conceitual e metodológica para que a pesquisa na área da educação
consiga cumprir a demanda atual que exige o confronto entre os dados prove-
nientes da realidade das escolas e dos professores e a epistemologia da ciência.
Vejamos então qual a trajetória do conceito de representações sociais e como
ele se modificou conforme seu uso foi se generalizando.

As representações coletivas em Durkheim


Segundo Rodrigues (2001, p. 22) Durkheim desenvolveu ao longo de sua obra
conceitos (coerção, solidariedade, representações coletivas etc.) que se opunham
1
Segundo o Dicionário Houaiss, a heurística é: 1. arte de inventar, de fazer descobertas; ciência que tem por objeto a descoberta dos fatos; 2. ramo
da História voltado à pesquisa de fontes e documentos; 3. método de investigação baseado na aproximação progressiva de um dado problema; 4.
método educacional que consiste em fazer descobrir pelo aluno o que se lhe quer ensinar.
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às abordagens atomistas2 e individualistas, principalmente aquelas da economia


clássica que diziam que o crescimento do bem-estar social estava diretamente
relacionado à busca do indivíduo pela sua realização pessoal. Com isso a preo-
cupação de Durkheim estava voltada para a coesão social, sendo seus trabalhos
considerados como introdutores a uma sociologia do conhecimento.

Às afirmações kantianas de que as categorias da sensibilidade e do entendi-


mento seriam inatas, Durkheim opõe a teoria sociológica de que seriam antes
construídas socialmente. Em seu livro de 1912, As Formas Elementares da Vida
Religiosa, a partir da análise do totemismo3 como a forma primeira das religiões
primitivas, as categorias de entendimento, enquanto categorias verbais (rituais
e simbólicas) de apreensão e compreensão do mundo transmitem uma classi-
ficação do mundo natural. Esta classificação está por sua vez correlacionada à
hierarquização dos indivíduos componentes de determinado grupo. Dito de
outra forma, as classificações são sistemas de noções hierarquizadas que tem
origem nas relações sociais, e têm a função de proporcionar a coesão social. Po-
demos então “perceber como os homens encaram a realidade e constroem certa
concepção de mundo e, mais ainda, como eles próprios se organizam hierar-
quicamente, informados por tal concepção” (RODRIGUES, 2001, p. 21). São as
representações coletivas que permitem a gradativa socialização e inserção do
indivíduo na sociedade, mais ainda, a sociedade cobra (coerção) deste indivíduo
sua participação naquela “totalidade” construída e representada pelo seu grupo.
Segundo Durkheim as representações coletivas
[...] traduzem a maneira como o grupo pensa suas relações com os objetos que o afetam. Para
compreender como a sociedade se representa a si própria e ao mundo que a rodeia, precisamos
considerar a natureza da sociedade e não a dos indivíduos. Os símbolos com que ela se pensa
mudam de acordo com a sua natureza [...] Se ela aceita ou condena certos modos de conduta, é
porque entram em choque ou não com alguns de seus sentimentos fundamentais, sentimentos
estes que pertencem à sua constituição. (DURKHEIM4, apud MINAYO, 1994, p. 90-91)

A partir desta hipótese sociológica a respeito das representações coletivas,


Durkheim supera as concepções empiricistas5 que consideravam os conceitos
advindos diretamente da experiência sensível, juntamente com o apriorismo6
kantiano para qual as categorias de entendimento (tempo, espaço) seriam dados
2
Atomismo, segundo o Dicionário Houaiss, significa: 1. doutrina elaborada pelos pensadores gregos Leucipo (V a.C.) e Demócrito (460 -370 a.C.)
segundo a qual toda a matéria é formada por átomos, partículas minúsculas, eternas e indivisíveis que, unindo-se e separando-se no espaço através
de forças mecânicas, determinam o nascimento e a desagregação de todos os seres; 2. conjunto de teorias cientifícas que, a partir do século XIX,
utilizam-se do conceito originariamente filosófico de átomo na explicação dos fenômenos da natureza.
3
Totemismo: 1. crença na existência de parentesco ou de afinidade mística entre um grupo humano (ou pessoa) e um totem; 2. conjunto dos
ritos e práticas (como tabus alimentares e vocabulares) associados a uma relação totêmica; 3. sistema de organização social baseado nas afiliações
totêmicas (HOUAISS).
4
DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. São Paulo: Abril, 1978. (Coleção Os Pensadores).
5
Segundo o Dicionário Houaiss, empiricista refere-se a: empiricismo ou o que endossa essa doutrina; empirista.
6
O apriorismo significa: 1. doutrina (de tendência racionalista, criticista ou fenomenológica) que atribui um papel fundamental a conceitos e racio-
cínios a priori; 2. convicção intelectual a respeito da existência de conhecimentos, princípios, ideias etc. de natureza a priori (HOUAISS).

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inatos do espírito humano. Um exemplo seria a questão da verdade, pois qual-


quer que seja sua natureza ela será de ordem eminentemente social, tendo sua
aceitabilidade, portanto, sua existência, intimamente relacionada ao conjunto
de representações coletivas vigentes. Não haveria assim oposição entre o con-
junto das crenças e a lógica, ao contrário, poderíamos encontrar a lógica própria
de cada crença sem recorrermos desta forma a nenhuma concepção evolucio-
nista, pois os fundamentos das representações coletivas são de ordem simbólica,
existindo sobre e a partir do social, do cultural e do histórico, entendidos como
processos. Ainda sobre as representações coletivas, temos com Durkheim que
[...] são o produto de uma imensa cooperação que se estende não apenas no espaço, mas no
tempo; para fazê-las, uma multidão de espíritos diversos associaram, misturaram, combinaram
suas ideias e sentimentos; longas séries de gerações acumularam aqui sua experiência e saber”.
(DURKHEIM, 1978, p. 216)

Para Durkheim então não há oposição entre individual e coletivo, o homem


seria constituído duplamente, por estes dois aspectos. Sendo as representações
construídas socialmente este âmbito ultrapassaria a mera soma das consciências
individuais, tendo por isso certa autonomia e lógica própria, exterior ao indi-
víduo mas dependente dele para sua expressão e reprodução. Resulta que as
representações sociais possuem as características do fato social: exterioridade
em relação às consciências individuais e ação coercitiva sobre as consciências in-
dividuais (MINAYO, 1994, p. 91). Portanto, na sociologia durkheimiana, para pro-
cedermos ao estudo das representações coletivas devemos atentar para alguns
aspectos principais: uma vez a sociedade sendo uma realidade sui generis7 e as
representações que a exprimem sendo fatos sociais dizemos que, em relação
ao comportamento e ao pensamento individuais, as representações coletivas
seriam autônomas, exteriores e coercitivas.

Moscovici e as representações sociais


No intuito de tornar a psicologia social mais social e menos comportamen-
talista Serge Moscovici deu início na década de 1960, em seu estudo La Psycha-
nalyse: son image et son public, a uma tentativa, em termos tanto teóricos quanto
metodológicos, de alargamento do conceito das representações coletivas. Mos-
covici buscou em Durkheim o conceito que seria ideal para amenizar o psicolo-
gismo da psicologia social praticada principalmente pelos norte-americanos, e
aceita na maioria das comunidades científicas da psicologia mundial. O conceito
de representações coletivas apresentou-se como extremamente heurístico na
7
Conforme o Houaiss a expressão sui generis significa sem semelhança com nenhum outro, único no seu gênero; original, peculiar, singular.

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tentativa de teorizar a dialética entre o sujeito individual e a sua sociedade. No


entanto, Moscovici possui uma “visão” diferente, ou pelo menos mais abrangen-
te das representações coletivas. Segundo ele a sociologia viu as representações
sociais como artifícios explanatórios, irredutíveis a qualquer análise posterior
(MOSCOVICI, 2003, p. 45). A tarefa da psicologia social seria a de “cindir as re-
presentações” para descobrir seus mecanismos internos e sua vitalidade, nesse
sentido busca-se não somente aqueles fatores responsáveis pela coesão social,
mas também os índices da mudança, da transformação na sociedade. Uma das
principais diferenças seria, segundo Moscovici, que o que antes era considerado
como um conceito passou a ser visto como um fenômeno (MOSCOVICI, 2003).
A própria mudança na denominação – de representações coletivas para repre-
sentações sociais – mostra o que Moscovici pretendia, pois para este autor o
conceito de representações coletivas apresentava de forma implícita o perigo
de obscurecer a ação do indivíduo na sociedade, pois é em relação a ele que se
abrem as possibilidades de transformação social. Nas palavras do autor temos
então que
[...] se, no sentido clássico, as representações coletivas se constituem em um instrumento
explanatório e se referem a uma classe geral de ideias e crenças (ciência, mito, religião etc.),
para nós, são fenômenos que necessitam ser descritos e explicados. São fenômenos específicos
que estão relacionados com um modo particular de compreender e de se comunicar – um
modo que cria tanto a realidade como o senso comum. É para enfatizar essa distinção que eu
uso o termo ‘social’ em vez de ‘coletivo’. (MOSCOVICI, 2003, p. 49)

Para Moscovici coexistiriam nas sociedades contemporâneas duas classes


distintas de universos de pensamento: os universos consensuais e os universos
reificados8. Neste último, bastante circunscrito, é que se produzem e circulam
as ciências e o pensamento erudito em geral, com sua objetividade, seu rigor
lógico e metodológico, sua teorização abstrata, sua compartimentalização em
especialidades e sua estratificação hierárquica. Aos universos consensuais cor-
respondem as atividades intelectuais da interação social cotidiana pelas quais
são produzidas as representações sociais. No entanto, segundo Moscovici, a
matéria-prima para a construção dessas realidades consensuais que são as re-
presentações sociais provém dos universos reificados (MOSCOVICI, 2003, p. 54).

A psicologia social de Moscovici foi também alvo de críticas, as mais recor-


rentes apontavam para a falta de uma conceitualização mais precisa em relação
às representações sociais. Para Moscovici, não obstante, residiria justamente aí
a fecundidade da teoria e método das representações, pois à aparente inconsis-
tência se oporia uma flexibilidade teórico-metodológica que permitiria o aper-
feiçoamento ininterrupto do arcabouço epistemológico tanto do termo como

8
Do verbo reificar que significa: 1. encarar (algo abstrato) como uma coisa material ou concreta; coisificar; 2. transformar em coisa; dar o caráter de
coisa a; 3. tornar estático; paralisar (HOUAISS).
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da própria psicologia social. Alguns de seus seguidores, porém, investiram na


tentativa de circunscrever uma definição. Segundo Jodelet o conceito de repre-
sentação social designa
[...] uma forma específica de conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos
manifestam a operação de processos generativos e funcionais socialmente marcados. Mais
amplamente, designa uma forma de pensamento social. As representações sociais são
modalidades de pensamento prático orientadas para a comunicação, a compreensão e o
domínio do ambiente social, material e ideal. Enquanto tais, elas apresentam características
específicas no plano da organização dos conteúdos, das operações mentais e da lógica. A
marcação social dos conteúdos ou dos processos de representação refere-se às condições e
aos contextos nos quais emergem as representações, às comunicações pelas quais circulam,
às funções que elas servem na interação com o mundo e com os outros. (JODELET 9 apud SÁ,
1998, p. 32)

Uma vez atrelada à construção dos saberes sociais, a dimensão simbó-


lica ganha força, pois o símbolo tem a capacidade de evocar algo ausen-
te. A partir das características principais dos símbolos – o significado e o
significante – cria-se o objeto representado, onde uma nova “realidade”
se constituirá, de modo que eles “provocam uma fusão entre o sujeito
e o objeto porque eles são expressão da relação entre sujeito e objeto”
(JOVCHELOVITCH, 1994, p. 74). É nesse espaço que as representações
sociais são criadas, tanto no sentido de reforçar uma tradição como no
sentido mais amplo da mudança social. Poderíamos então apreender o
sentido das representações através da problematização daquilo que lhe
é inerente: seus símbolos constitutivos.

Imaginário social e representações


Para Baczko (apud PESAVENTO, 1995, p. 9) a interrogação atual das ciên-
cias humanas deriva da perda da certeza das normas fundamentadoras de um
discurso científico unitário sobre o homem e a sociedade. Na medida em que
deixa de ter sentido uma teoria geral de interpretação dos fenômenos sociais,
apoiada em ideias-imagens legitimadoras do presente e antecipadoras do
futuro (o progresso, o homem, a civilização), ocorre uma segmentação das ci-
ências humanas e um movimento paralelo de associação multidisciplinar em
busca de saídas (PESAVENTO, 1995, p. 9-10). Neste sentido, aquilo que figurava
no programa dos Annales da década de 1930 seguramente persiste atualmen-
te. O diálogo com as demais ciências representa vetor heurístico primordial no
aperfeiçoamento teórico-metodológico da história, e é precisamente por este

9
JODELET, Denise. Représentations Sociales: phénomènes, concept et théorie. In: MOSCOVICI, Serge (Ed.). Les Représentations Sociales. Paris,
Presses Universitaires de France, 1984.

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motivo que as representações sociais são de extrema importância para os estu-


dos históricos.

A ponte entre representações sociais e os estudos históricos tem sido fre-


quentemente realizada através da utilização do conceito de imaginário social.
Dessa forma a apropriação da teoria das representações sociais por parte da his-
tória dá-se a partir da percepção de que as representações são expressão do
imaginário social (que tem historicidade própria), ou seja, é o processo de con-
cretização dos imaginários. Representação, diz Le Goff (MOSCOVICI, 2003, p. 15),
é tradução mental de uma realidade exterior percebida e liga-se ao processo de
abstração. O imaginário faz parte de um campo de representação e, como ex-
pressão do pensamento, se manifesta por imagens e discursos que pretendem
dar uma definição da realidade. Não obstante, é importante que se tenha em
vista que intervêm no processo de formação do imaginário coletivo manifesta-
ções e interesses precisos. Não se pode esquecer que o imaginário é uma das
forças reguladoras da vida coletiva, normatizando condutas e pautando perfis
adequados ao sistema (MOSCOVICI, 2003, p. 23).

Acompanhando o pensamento de Silva (2000, p. 82) “a categoria das repre-


sentações, aplicada à história cultural, e mesmo à história em sua totalidade, vi-
saria romper falsos dualismos que opõe objetivismo a subjetivismo, operando
uma mediação entre o coletivo e o individual histórico”. Mediação esta que nos
remete novamente ao imaginário social, pois com a representação o imaginário
tem sua existência afirmada pela concretude das imagens formadoras da dimen-
são simbólica das realidades, para Baczko (1985, p. 312) organizar e controlar o
tempo coletivo no plano simbólico é a forma dos imaginários sociais intervirem
na construção da memória coletiva.

Representações sociais e educação


Em conexão com o conceito de imaginário social, a teoria das representações
sociais consegue reunir os estudos históricos sincrônicos e diacrônicos como partes
inerentes da dialética característica do método das ciências sociais. Como afirma-
mos no início, o conceito de representações sociais pode ser extremamente útil aos
estudos em educação, pois os professores, como membros da sociedade, constroem
suas representações baseados em sua experiência cotidiana, profissional e também
nas representações construídas pela sociedade em geral a respeito deles. Instrumen-
talizando este conceito o profissional docente poderá aprofundar suas pesquisas no
sentido da interdisciplinaridade, sem perder seu campo específico de atuação.

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É somente com a aproximação com as outras ciências que se pode avançar no


alargamento epistemológico dos estudos em educação, e a teoria das representa-
ções surge como possibilidade de apreensão da constituição dos saberes sociais,
ou categorias de entendimento em termos durkheimianos. Os professores preci-
sam investir na construção de um saber relativo à sua profissão que avance acom-
panhando as transformações da sociedade, ou aquilo que pretensamente aparece
como inovação. Como refere Sandra Jovchelovitch “a necessidade de defender a
vida em comum, ameaçada hoje pela miséria, pela violência e pela desigualdade,
é também a necessidade de recuperar o pensamento, a palavra e a plena possibi-
lidade de construir saberes sociais” (1994, p. 82-83).

Texto complementar

Razões para ser e não ser professor:


reflexões à luz da teoria das representações sociais
(SOUZA; CARVALHO; CARVALHO, 2008)

[...] As reflexões e análises estão ancoradas em autores que discutem o traba-


lho docente, tais como Maurice Tardif e Claude Lessard, Dalila Oliveira e na Teoria
das Representações Sociais (TRS), doravante denominada TRS, de Serge Mosco-
vici e demais colaboradores: Denise Jodelet e Jean-Claude Abric e Celso Sá.

Algumas proposições sobre ser professor


Ao fazer uma escolha, ao tomar uma decisão ou mesmo no agir, o indi-
víduo não o faz de modo isolado, mas no processo de interação com outras
pessoas. Isso nos leva a refletir sobre os fatores que envolvem a escolha da
docência como profissão, como trabalho.

Diversos fatores podem contribuir no momento de escolher uma gradu-


ação para cursar, o que pode não estar ligado necessariamente ao desejo
da pessoa e sim àquilo que é possível fazer como: oferta de cursos, situação
econômica dos alunos, falta de informação sobre as profissões e outros fato-
res que podem envolver a opção por uma licenciatura.
[...] os indivíduos estão submetidos às determinações do campo social, toda escolha é
socialmente condicionada, restando, desta forma, configurar os modos próprios a cada
classe social de assunção à atividade profissional (SILVA, 1995, p. 41).

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Em nossa sociedade, segundo Tardif e Lessard (2005) o trabalho dos profes-


sores possui um estigma de uma ocupação secundária ou periférica em rela-
ção ao trabalho material e produtivo. É como se a docência ficasse submetida
a suprir as necessidades das esferas de produção, tendo como propósito:
[...] preparar os filhos dos trabalhadores para o mercado de trabalho. O tempo de aprender
não tem valor por si mesmo; é simplesmente uma preparação para a ‘verdadeira vida’, ou
seja, o trabalho produtivo, ao passo que, comparativamente, a escolarização é dispendiosa,
improdutiva, ou, quando muito, reprodutiva. (TARDIF; LESSARD, 2005, p. 17)

Além do caráter de ocupação secundária, “ser professor hoje em dia


deixou de ser compensador, pois, além dos salários nada atrativos, perdeu
também o status social que acompanhava a função há poucas décadas pas-
sadas” (CODO, 2002, p. 99).

Segundo Oliveira (2003) existe uma tensão para reconhecer a natureza do tra-
balho do professor como uma atividade profissional, com estatuto próprio confi-
gurando-lhe status de profissão e não fruto de uma vocação, um chamamento.

Tardif e Lessard (2005, p. 31) dizem que “ensinar é trabalhar com seres huma-
nos, sobre seres humanos, para seres humanos”. No centro do trabalho do profes-
sor está o ser humano, desta forma para que o trabalho do professor seja eficaz,
uma vez que ele ocorre na interação é essencial a afetividade (CODO, 2002).

Sejam lá quais forem as razões para exercer o trabalho docente, se é fruto


de uma opção consciente e apaixonada, se é fruto das circunstâncias e opor-
tunidades ou ainda das necessidades econômicas, o fato é que este trabalho
tão antigo sempre esteve envolvido em debates, estudos e necessidade de
transformação constante, ainda que em se tratando de sua prática pouca
coisa mudou. As salas de aulas ainda são as mesmas, sua disposição física, o
quadro na frente, carteiras enfileiradas e o professor reproduzem a prática de
sala de aula de gerações antes da sua. Alguns recursos tecnológicos mudam,
mas não muda a forma. [...]

Apresentação e análise dos dados


Apresentamos os dados [...] referentes ao estudo sobre as representações
sociais das razões para ser professor e das razões para não ser professor.

Apresentamos a seguir, as categorias e os respectivos atributos eleitos por


consenso pelo grupo de juízes que trabalharam de forma independente:

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Tabela 1 – Categorias comportando os atributos mais frequentes refe-


rentes ao mote: razões para ser professor
CATEGORIAS ATRIBUTOS F %
gosto 32 16,33
afetividade 11 5,61
Bem-estar realização 7 3,57
prazer 7 3,57
satisfação 6 8,96
vocação 20 10,20
conhecimento 12 6,12
Características pessoais
opção 9 4,59
compromisso 6 9,52
Relacionamento cooperação 10 5,10
educação 15 7,65
Características do trabalho aprendizagem 11 5,61
ensino 11 5,61
mudança 8 4,08
Futuro transformação 7 3,57
futuro 6 3,06
necessidade 7 3,57
Conformismo
Total 196 100,00

Tabela 2 – Categorias comportando os atributos mais frequentes refe-


rentes ao mote: razões para não ser professor
CATEGORIAS ATRIBUTOS F %
falta estrutura 8 3,98
Condições do
condição 7 3,48
trabalho
falta incentivo 6 2,99
Características impaciência 7 3,48
pessoais não gostar 7 3,48
baixo salário 66 32,84
desvalorização 24 11,94
falta reconhecimento 11 5,47
Mal-estar
cansativo 10 4,98
desgastante 9 4,48
estresse 8 3,98
Relacionamento aluno 6 2,99

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desrespeito 15 7,46
Pessimismo desprestígio 6 2,99
Total 201 100,00

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Dica de estudo
Às vezes é necessário retornarmos aos clássicos, porque podemos ter inter-
pretações diferenciadas que podem ser muito úteis no processo de imaginação
criativa que guia as pesquisas. Nesse sentido, o livro de Émile Durkheim As Regras
do Método Sociológico, da Editora Martins Fontes, pode fornecer um aporte teó-
rico importante já que partimos do princípio de que as teorias e metodologias
da sociologia podem ser importantes para as investigações em educação.

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