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Investigação e interceptação telefônica

Aula 1 - Aspectos iniciais da Lei nº 9.296/96


INTRODUÇÃO

Trataremos no presente curso sobre os principais aspectos da Lei de Interceptação Telefônica (Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996), estabelecendo como parâmetro as fontes
formais do Direito, como a legislação em vigor e a jurisprudência dominante nos tribunais superiores, envolvendo ainda sua s aplicações e aspectos controvertidos.

OBJETIVOS

Descrever a aplicação da interceptação telefônica na atualidade.

Explicar os conceitos iniciais utilizados na Lei nº 9.296/96.

Reconhecer os princípios constitucionais aplicados.


INTRODUÇÃO
Vivemos em uma sociedade chamada de Pós-Moderna, cujas aplicações e necessidades de tecnologia no dia a dia das pessoas chegam a níveis surpreendentes. O mundo passa por
rápidas transformações, com a velocidade da informação e desenvolvimento científico, que proporcionam trocas de conhecimentos e vivências interculturais antes inimagináveis.

Concomitantemente às transformações tecnológicas, percebemos a persistência do desvio ético e moral no meio social, que culmina em formas de organização entre indivíduos que
se destinam a perversas buscas de poder e a práticas criminosas, corroendo o tecido social e os ganhos civilizacionais oriundos do desenvolvimento científico.

O advento do Estado moderno corroborou, através da experiência histórica, a criação de mecanismos destinados a frear governos absolutistas e combater à criminalidade. Citemos
como exemplo de mecanismos contra o despotismo a consolidação das Constituições dos Estados, estabelecendo os seus fundamentos, e, ainda, o desenvolvimento do direito
internacional quanto às garantias de liberdade dos cidadãos contra abusos dos Estados Nacionais e a amplitude de direitos sociais.

À medida que a complexidade de contato entre as pessoas aumenta, infelizmente também aumentam os modos de se lesar o próximo e atentar contra os direitos fundamentais.
Assim, uma das vertentes da tecnologia se dá com a criação de ferramentas que auxiliam a prevenir e reprimir tais infrações.

Contudo, nesta modernidade, a envergadura tecnológica que auxilia com mecanismos de combate ao crime também permite aos governos a capacidade, nem sequer sonhada pelos
maiores imperadores do passado, de acompanhar de forma ininterrupta a vida das pessoas, controlando mecanismos de localização, subsistência, hábitos, consumo e
comunicações entre as pessoas. Daí surge uma especial preocupação com a proteção da liberdade individual.

CRÍTICA À CONCEPÇÃO DO ESTADO PAN-ÓPTICO


Michael Foucault, no ensaio “A Verdade e as Formas Jurídicas” (pág. 87), faz uma crítica à concepção do Estado Pan-óptico, cuja cultura de controle se entranha na vida dos
indivíduos:

Entramos assim na idade do que eu chamaria de ortopedia social. Trata-se de uma forma de poder, de um tipo de sociedade que classifico de
sociedade disciplinar por oposição às sociedades propriamente penais que conhecíamos anteriormente. É a idade de controle social. Entre os teóricos que há pouco citei, alguém de
certa forma previu e apresentou como que um esquema desta sociedade de vigilância, da grande ortopedia social. Trata-se de Bentham. Peço desculpas aos historiadores da filosofia
por esta afirmação, mas acredito que Bentham seja mais importante para nossa sociedade do que Kant, Hegel etc. Ele deveria ser homenageado em cada uma de nossas
sociedades. Foi ele que programou, definiu e descreveu da maneira mais precisa as formas de poder em que vivemos e que apresentou um maravilhoso e célebre pequeno modelo
desta sociedade da ortopedia generalizada: o famoso Panopticon.

[...]No Panopticon vai se produzir algo totalmente diferente; não há mais inquérito, mas vigilância, exame. Não se trata de reconstituir um acontecimento, mas de algo, ou antes, de
alguém que se deve vigiar sem interrupção e totalmente. Vigilância permanente sobre os indivíduos por alguém que exerce sobre eles um poder ― mestre-escola, chefe de oficina,
médico, psiquiatra, diretor de prisão — e que, enquanto exerce esse poder, tem a possibilidade tanto de vigiar quanto de constituir, sobre aqueles que vigia, a respeito deles, um saber.

Reflexão
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Essa crítica de Foucault nos leva a refletir, reforçando, de forma inequívoca, que as ferramentas investigativas disponíveis e invasivas na privacidade das pessoas ― como as interceptações
telefônicas inseridas na legislação brasileira pela Lei nº 9.296/96 — devem sempre estar amparadas nos estritos princípios da legalidade e legitimidade das ações estatais, pois do contrário
estaremos contribuindo à vivência em um Estado Pan-óptico e doente.

QUESTIONAMENTOS ACERCA DAS INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS


As interceptações das comunicações telefônicas, desde antes do advento da Lei nº 9.296/96, são objeto de diversos estudos no campo jurídico, considerando serem importantes
ferramentas para a obtenção de provas e elucidação de crimes dos mais variados tipos penais, e também pelas preocupações quanto à invasão da intimidade e privacidade das
pessoas.

Estão ainda no imaginário popular e em filmes policiais, de tramas secretas, e alcançam muitas especulações sobre suas potencialidades e capacidades.

Vejamos, por exemplo, o discurso de um Senador da República no Congresso Nacional, disponível no site Youtube, preocupado com possíveis desvios em investigações envolvendo
interceptações telefônicas, questionando sobre o uso do Sistema “Guardião” pelo Ministério Público:

VÍDEO
Percebemos, no vídeo, a preocupação do Membro do Senado Federal com a aquisição e uso de ferramentas de interceptação telefônica pelos órgãos encarregados da persecução
penal. No caso, com o sistema “Guardião”, com questionamentos como a falta de autorização judicial, a forma de execução das interceptações telefônicas, entre outras dúvidas
elencadas, atribuindo inclusive a possibilidade de cometimento de crimes por parte Membros de Ministério Público Federal.

Trataremos no presente curso sobre os principais


aspectos da Lei de Interceptação Telefônica (Lei nº
9.296, de 24 de julho de 1996), estabelecendo como
parâmetro as fontes formais do Direito, como a
legislação em vigor e a jurisprudência dominante nos
tribunais superiores, envolvendo ainda suas
aplicações e aspectos controvertidos.
DO SIGILO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS
Antes de abordarmos a Lei nº 9.296/96, que vem a regulamentar o inciso XII, parte final, do art. 5° da Constituição Federal, é preciso estudar seu âmbito de atuação e fundamentação.

Nossa Constituição Federal em seu Art. 5º, inciso XII, dispõe:

(...) é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na
forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Podemos, assim, extrair do texto constitucional que somente com a devida autorização judicial é possível se quebrar o sigilo das comunicações entre pessoas e, ainda, com
destinação para a investigação criminal e instrução processual penal, sendo tais fins de suma importância, pois não haverá a possibilidade de interceptação para um processo cível
ou trabalhista, por exemplo.

O sigilo constitucional das comunicações entre pessoas está ainda fundamentado nos princípios constitucionais da intimidade e privacidade, conforme o art.5º, inciso X, da
Constituição Federal de 1988:

“(...) são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

A regra, portanto, é o sigilo e somente nas especificações contidas na Constituição Federal é que se poderá quebrá-lo, ou seja, para fins de investigação criminal ou instrução
processual penal estabelecidos em lei.

A previsão pela Constituição Federal quanto a existência de lei para se permitir a quebra do sigilo das comunicações ocasionou importante debate nos tribunais superiores no período
compreendido entre o advento da Constituição e a elaboração da Lei nº 9.296/96.

As investigações criminais que envolviam interceptações telefônicas, que até então eram realizadas com base no Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/62),
começaram a ser questionadas quanto a respectiva legalidade, conforme podemos verificar na decisão abaixo transcrita pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento de Habeas
Corpus no ano de 1996:

O art. 5º, XII, da Constituição, que prevê, excepcionalmente, a violação do sigilo das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, não é
autoaplicável: exige lei que estabeleça as hipóteses e a forma que permitam a autorização judicial. Precedentes. a) Enquanto a referida lei não for editada pelo Congresso Nacional, é
considerada prova ilícita a obtida mediante quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mesmo quando haja ordem judicial (CF, art. 5º, LVI). b) O art. 57, II, a, do Código Brasileiro
de Telecomunicações não foi recepcionado pela atual Constituição (art. 5º, XII), a qual exige numerus clausus para a definição das hipóteses e formas pelas quais é legítima a
violação do sigilo das comunicações telefônicas. 2. A garantia que a Constituição dá, até que a lei o defina, não distingue o telefone público do particular, ainda que instalado em
interior de presídio, pois o bem jurídico protegido é a privacidade das pessoas, prerrogativa dogmática de todos os cidadãos. 3. As provas obtidas por meios ilícitos contaminam as
que são exclusivamente delas decorrentes; tornam-se inadmissíveis no processo e não podem ensejar a investigação criminal e, com mais razão, a denúncia, a instrução e o
julgamento (CF, art. 5º, LVI), ainda que tenha restado sobejamente comprovado, por meio delas, que o Juiz foi vítima das contumélias do paciente. 4. Inexistência, nos autos do
processo crime, de prova autônoma e não decorrente de prova ilícita, que permita o prosseguimento do processo. 5. Habeas corpus conhecido e provido para trancar a ação penal
instaurada contra o paciente, por maioria de 6 votos contra 5. (HC 72588 / PB PARAÍBA HABEAS CORPUS Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA Julgamento: 12/06/1996).

LEI Nº 9.296/96
Com o entendimento cada vez mais consolidado pelo Supremo Tribunal Federal quanto a necessidade de lei regulamentadora, foi sancionada a Lei nº 9.296 em 24 de julho de 1996.

A nova lei em seu artigo 1º reforça os objetivos estabelecidos na Constituição Federal a serem alcançados com o uso das interceptações telefônicas, quais sejam, para a
investigação criminal e instrução processual criminal:

art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e
dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

No parágrafo primeiro, percebemos a extensão de aplicabilidade também aos sistemas de comunicações de informática e telemática, atualmente em grande uso com o
desenvolvimento de novas tecnologias de comunicação via internet.

NATUREZA JURÍDICA DE UM PROCEDIMENTO DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA


Conforme foi descrito aqui, não caberá o uso da interceptação telefônica em processos diversos dos fins criminais. Contudo, é interessante questionar, por exemplo, casos em que o
conteúdo obtido em uma interceptação telefônica contém informações sobre o desvio funcional de servidor público.

Essas informações, em casos assim, poderão ser usadas pela Administração Pública em um processo administrativo disciplinar (PAD) para demissão do servidor envolvido em
práticas criminosas?

A natureza jurídica de um procedimento de interceptação telefônica é uma Medida Cautelar Inaudita Altera Pars.

Quando realizada no âmbito do Inquérito Policial, é chamada de Medida Cautelar


Preparatória.
Quando decretada já no curso do processo criminal, de Medida Cautelar Incidental.
Com relação ao Inquérito Policial, o professor Aury Lopes Junior nos ensina que o nosso modelo de investigação preliminar é levado a cabo pela polícia judiciária com autonomia e
controle. Contudo, depende da intervenção judicial para a adoção de medidas restritivas de direitos fundamentais (Direito Processual Penal, 10. ed. p. 281).

REQUISITOS PARA A INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA


O artigo 2º da Lei 9.296/96 elenca os requisitos necessários para que seja autorizada a interceptação telefônica, cuja ausência impedirá o prosseguimento desse tipo de investigação
complexa:

Art. 2° Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:

I - não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;

II - a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;

III - o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.

Parágrafo único. Em qualquer hipótese, deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo
impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

Leitura
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Clique aqui (galeria\aula1\docs\requisitos_artigo_2.pdf) para a analisar os requisitos do artigo 2º, que, se não for verificado, não será permitida a interceptação.

ATIVIDADES
Vamos fazer uma atividade? Responda as perguntas a seguir!

No caso do conteúdo obtido em interceptação telefônica ocorrida durante instrução processual penal que contiver informações sobre o desvio funcional de servidor público, estas
informações poderão ser usadas pela Administração Pública em um processo administrativo disciplinar (PAD) para demissão do servidor envolvido em práticas criminosas?

Resposta Correta

Qual a natureza jurídica do procedimento investigativo de interceptação telefônica?

Resposta Correta

Cite os 3 requisitos necessários para a autorização da interceptação telefônica, conforme artigo 2º da Lei nº 9.296/96?

Resposta Correta

É possível com base em uma denúncia anônima se iniciar uma investigação com apoio de interceptação telefônica?

Resposta Correta

Qual das alternativas abaixo é requisito para a autorização de medida de interceptação telefônica?

a) Crimes punidos com detenção.

b) Crimes envolvendo comoção pública.

c) Crimes punidos com reclusão.

d) Crimes punidos com reclusão e detenção, exceto contravenções.

e) Crimes de qualquer natureza.


Justificativa

É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas seguintes
hipóteses:

a) Investigação em geral ou análises de inteligência fiscal.

b) Investigação criminal e instrução de processos judiciais.

c) Instrução processual criminal ou improbidade administrativa.

d) Investigação criminal ou instrução processual penal.

e) Investigação criminal ou improbidade administrativa.

Justificativa

Glossário

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