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secrete Re 5 ADOLPHO Pinto ACADEMIA PAULISTA Hues b Le a , ie: a Ol s: le A TRaNsronuacio Bo EMpeLLRZAMENTO DES. Pato ‘ 7 © (Artigos publicados n’%O ‘Estado de * " S. Paulo”, em Novembro ade 1912. SAO PAULO | Tye. Carpozo Fino & Comp. — Rua Direita, 35 DO MESMO AUCTOR ¢ ——_— O° novo abastecimento @agua de S. Paulo (1881), ‘ A Provincia de S. Paulo (como Relator da Commissio’ Central de Estatistica) (1888). Melhoramentos (1890). ] Viajando (1893) O Caes de Santos (1893) Questoes Economicas ( 1901) ‘ Historia da Viagiio de S. Paulo (1903). Cartas da Europa (1906). Ainda “a questo do café. A providencia final (1907). Na brecha (1911). : : ; * ‘ . * A transformacao e o embellezamento de S. Paulo A cidade de Sio Paulo contava ha trinta annos pouco mais de vinte mil habi- tantes, conta hoje perto de quatrocentos mil, contara em dez annog approximadamente um milhao. Este algarismo, por mais extraordinario que parega, nao é nenhuma phantasia, é 0 que esta mais ou menos na estimativa official e, de resto, traduz um facto tio de prever quanto é facil determinar o quarto termo de uma propor¢ao cujos. elementos conhecidos sao: primeiro, a excellencia da situagdo da cidade sob todos os pontos de vista phy- sic egundo, a natural .expansdo de seus incomparaveis factores economicos; terceiro, a dilatagao do campo de trabalho e influencia da actividade e do genio paulista, gracas As linhas ferreas federaes, em vesperas de aca- bamento, para Minas, Goyaz, Matto Grosso © Parana, as quaes, irradiando deste operoso centro de vida social, de commercio e in- a= dustria, tendem naturalmente a fazer de Sao Paulo a metropole intellectual e economica da mais extensa, da mais rica, da mais fu- turosa regito do Brasil. Mas se esta capital contara em dez annos perto de um milh&do de habitantes, a quanto no poderd subir a sua populaciio em vinte ou trinta annos? Nao levarei tio longe a audacia da minha affirmativa, entretanto, na&io serd des- proposito prever que Sao Paulo podera abrigar entdo a populagao das grandes cidades es trangeiras da actualidade. Se a espectativa é para nos encher a todos de justos desvanecimentos, tambem é para aggravar as responsabilidades de quantos se acham investidos das funccdes legislativas e de governo, tanto na esphera municipal, como na estadual com alcance sobre os negocios e interesses da capital paulista. Fundada, em verdade, como é a pre- visto exarada, nto ha sen&o reconhecer que © instante que atravessamos € 0 mais inte- ressante possivel para a vida e o desenvolvi- mento da cidade de Sao Paulo, quando pre- cisamente cumpre e urge mesmo combinar e estabelecer os lineamentos geraes em que se tem de plasmar a grande metropole de amanhan, apercebida de todas as obras e servigos de hygiene, conforto e aformosea- mento compativeis com as exigencias de seu t&o proximo como extraordinario engrande- cimento, Certamente nao quero sign tudo esta aqui por fazer. ~ Longe disso. Dentre as cidades, nacio- naes e€ estrangeiras, que nos ultimos tempos ificar que Lees mais tém progredido em todos os: sentidos, nenhuma leva a palma a Sao Paulo. Mas 0 que principalmente convem no momento accentuar 6 que os melhoramentos realizados e em via de realizagado, por mais recommendaveis que sejam, apenas sé ajus- tam aos moldes da cidade de hoje, sito me- Thoramentos que precisavam ser realizados para a satisfacgao de exigencias actuaes, e se algum porventura exorbitou dessa linha nao o fez sendio com applicacaéo a pontos muito limitados. Assim, © que ainda nao ha, o que ainda esta por organizar € um plano geral de obras de previsao, um programma de me- lhoramentos, amplo, complexo, tendo em vista satisfazer, em todas as suas modalidades, as exigencias da cidade de amanhan, exigencias que se annunciam ingente y IMper1osi por- tanto de opportunidade flagrante, inadiavel, revelado e patente como esta o maravilhoso crescendo em que marcha S. Paulo, 4 se- melhanca de formidayel torrente diluvial que tenha desbordado de seu leito, a cada passo avolumada em seu percurso pelos tributarios que avassalla, e para a qual nao ha remora possivel. A’s circumstancias expostas accresce con- sideragio de outra ordem, porém, de nado menor relevancia. E’ que S. Paulo mereceu de sua boa estrella, além’ de tantos favores excepcionaes, a distincgdo de ser o berco da independencia nacional, pois, como se sabe, foi nas portas desta cidade que alvoreceu para a Historia, a 7 de Setembro de 1822, a grande patria brasileira, pei Ora, approxima-se 0 primeiro centenario do grito do Ypiranga, e o Brasil inteiro vai sem duvida outorgar a S. Paulo o papel que naturalmente Ihe deve caber na organizacao das esplendidas festas com que se ha de glori- ficar a memoria do faustissimo acontecimento. S Pois bem, quaesquer que sejam_ essé festas, a preliminar indispensavel, o que S. Paulo, que para aquelle fim especial ja se péde considerar constituido ex-officio o «lea- der» da representacao nacional, o que 5S. Paulo nao podera deixar de fazer, para re- ceber condignamente as embaixadas dos Es- tados Unidos do Brasil e das nacdes estran- geiras, e com ellas celebrar a magna com- memoragao civica, é ir desde ja prep ndo a sua «toilette» de grande ie é ir desde g jé aprimorando o scenario em que se ter de solemnizar 0 augusto centenario. Felizmente ha um estadista a governar o grande Estado e dirigem os negocios do Municipio cavalheiros que conhecem a sin- gular situagio do mesmo e tém dado provas do zelo e da solicitude que elle merece de seus servidores. Est4, pois, em boas miaos o problema geral da transformacaio e do em- tellezamento de Sao Paulo. Assim pensando, nao vejo todavia que haja inconveniente, antes julgo sé haver van- tagem em que, complexa e vasta como é ¢ quest&o, cada um a discuta, offerecendo o contingente de suas idéas a respeito, como alids é costume entre os membros da grande familia paulista, toda a vez que est4 em causa o interesse commum, IL No quadro dos melhoramentos a_rea- lizar para que a cidade de S. Paulo ganhe em hygiene, conforto e elegancia, no de- cenio a seguir, quanto promette ganhar em desenvolvimento predial e populacao, con- tando mesmo que esta se approximara de um milhaio de habitantes ao passar o pri- meiro centenario da independencia nacional —niio ha obra mais bemfazeja, melhoramento mais util e necessario do que a criag&o de parques e jardins publicos em condicdes ca- pazes de satisfazer, ndo apenas os reclamos de cerca de vinte mil almas, isto é, da po- pulagio que tinha a cidade quando se abri- ram os logradouros publicos existentes, mas as formidaveis exigencias de um numero de habitantes cincoenta vezes maior. Se em S. Paulo os melhoramentos de varias ordens t¢m mais ou menos acompa- nhado o rapido crescimento da cidade, certo 6, entretanto, que quasi se n&io tem cuidado de abrir e formar novos logradouros pu- blicos, podendo-se dizer que existe hoje a tal respeito, com pequena differenga, aquillo mesmo que existia ha algumas dezenas de annos, quando o Jardim Publico, alids maior que o actual, e a Ilha dos Amores, de que ja nem subsistem vestigios, bastavam para fazer as delicias dos paulistanos. Ora, positivamente nao é razoavel que, ja se achando hoje a cidade muito mal aqui- nhoada em materia de tamanha_ relevancia, se deixe de cogitar agora, com a largueza de vistas indispensavel, do plano de medidas a emprehender para apparelhar a estructura ie urbana, em seu vertiginoso surto de pro- gresso, n&o sé de seu mais efficiente ele- mento decorativo, como do orgam destinado a _exercer em sua economia publica a funceaio vital por excellencia. Nem é sé 0 augmento esperado da po- pulagdo, em grau verdadeiramente pheno- menal, que engrandece e aggrava o pro- blema; razio de outra ordem est4 a recom- mendal-o 4 maxima attengao dos publicos poderes. Em vista do extraordinario’ encareci- mento da propriedade immovel em S. Paulo, e, de outra parte, considerando que a respe- ctiva Camara tem legislado, e muito acer- tadamente, para que a extensio superficial da cidade, que j4 € enorme, nao cresca_in- definidamente, onerando sem medida en- cargos do Municipio, é evidente que o systema de edificaga&o predial se ira progressivamente modificando no sentido de economizar quanto possivel o terreno, 0 que vale dizer que os edificios ter%o de ganhar em altura o que hao de perder em Area. Posto isto, e como a Area disponivel, a partir do centro, tende a escassear cada vez mais € por isso mesmo a encarecer, 0 resul- tado infallivelmente sera, quando S. Paulo contar um milhdo de habitantes, mais ou menos dentro da mesma superficie que oc- cupa a cidade actual, tornar-se a massa de sua populacdo muito mais densa, ao mesmo tempo que terao desapparecido em grande parte os jardins e quintaes particulares, avas- salados pela incoercivel expansao predial, Na previsdo fundada destes factos, facil € imaginar quao preearia se tornarA a si- r tuagao de S. Paulo, sob o ponto de vista da hygiene e das imprescindiveis necessidades de conforto e alegre passa-tempo de seus habitantes, se em tempo nao forem criados novos parques e logradouros publicos, com a latitude e as condigdes proprias nao sé para diverstio dos abastados, dos que podem excursionar a cavallo, de carro ou automovel, como para receber as grandes ondas de povo que o centro commercial, as fabricas e as usinas de trabalho de toda a especie despe- jarao aos borbotdes, 4 procura de descanso e de ar puro, 4 sombra das arvores ou sobre © tapete dos relvados! Um dos espectaculos que em minha vida mais me encantaram a vista, quando ainda se nao habitudéra a scenas de egual es- plendor, foi o que tive o ensejo de presen- ciar em Nova York, percorrendo as alame- das do Central Park em um dia de festa para a nacionalidade norte-americana, 0 «de- coration day». A primavera desabotoé de fresco naquella exuberante florescencia de verde tenro, tio caracteristica dos paizes em que as estagdes sao perfeitamente discriminadas. No bellissimo parque, entdo engalanado pela natureza com toda a sua pompa triumphal, havia, a contrastar com a tranquilla verdura das arvores e dés grammados, uma infinita variedade de tons e dé episodios que enchia © magnifico scenario da mais intensa vida e alegria: era a juventude das ‘olas, eram milhares e milhares de creangas e jovens que, espalhados em bandos pelas clareiras e pe- los interminos taboleiros de relva, corriam e brincavam jogando bolas, pulando cordas, tor cabriolando aqui e acolé, entretendo-se, em summa, em mil variados torneios de forca e destreza. « 9 interessante como o espectaculo que offerecia a populacao juvenil, era o painel que se desdobrava em outros pontos do parque, em que se viam grupos de populares, uns deitados «sub tegmine fagi», outros, como formando pequenos circulos de familia em pique-nique, a saborearem os petiscos de bem provido farnel, outros, emfim, entretidos em exercicios sportivos, ao mesmo tempo que, serpeando pelas deliciosas avenidas sem fim, de carruagem e a pé, havia um cordao de gente a passear e espaire gozando os en- cantos feéricos da paisagem e da scenogra- phia. O espectaculo que tanto me maravilhou em «Central Park», no dia 30 de Maio de 1893, foi o mesmo que tive a satisfaccaio de ver depois em Chicago e outras grandes cidades americanas, mais ou menos com o mesmo cunho pittoresco e variado, em qual- quer dia de festa ou simplesmente feriado; é 0 mesmo que se vi , em identicas circum- stancias, nos parques de todas as grandes cidades: no «Bois de Boulogne», de Paris; no «Hyde Park», de Londres, na «Villa Borghese», de Roma; no «Prater», de Vienna; no { I és == bem, original, unico, 0 monumento erguido 4 sua glorificacao. Um bléco da nossa _na- tureza selvagem, com todos os seus acci- dentes agrestes —eis o pedestal sobre que deve culminar, bandeira 4 frente, a invicta caravana errante. .. E quando o monumento se erguer al- tivo sobre'a immensa explanada, a evocar a _epopéa dos bravos filhos de Piratininga pas- -seando em triumpho a sua audacia e intre- pidez através do Brasil inteiro, podera o viandante que por alli transitar repetir com o poeta: © vaste entassement, ciselé par |’Histoire, Monceau de pierre assis sur un moncean de gloire!... Pois que honra duas vezes a si proprio 0 povo que sabe honrar feitos illustres de seus, antepassados, nao vejo complemento mais sumptuoso, mais nobre, para esta parte do plano de obras que venho esbocando, Em sua grande espiritualidade historica, © monumento aos Bandeirantes representaria 0 trago de unido da velha alma paulista, em ~ seus primeiros lances de arrojada_iniciativa e rude intrepidez com o culto espirito de energia, acco e progresso das geragdes so- brevindas. E oxala dure sempre essa bemdita com- munidade de sentimentos, pois a forga de um povo reside menos na potencia de seus armamentos que na permanencia e estabili- dade dos caracteres de sua alma ancestral: O conceito nao é meu, 6 de Gustavo Le Bon. = 18 = IV Sempre mereceram as mais augustas ho- menagens dos povos civilizados, constituindo objecto de festivas commemoracoes civicas— os seus grandes feitos nacionaes, os aconte- cimentos que nortearam a sua directriz his- torica, fazendo a gloria do seu passado e cra- vejando de ae o seu futuro. Para o Bras facto culminante de sua historia 6a inddbenacedhs nacional. Nao pre- ciso dizer mais para mostrar 0 culto que de- vemos aos heroes do Sete de Setembro e ao mesmo tempo assignalar que, se ha em nosso paiz um lugar com o mais justo ti- tulo a merecer as ympathias, 0 respeito ea veneracdo de todos nds, brasileiros, 6 sem duvida o Ypiranga. Ennobrecida pela e ter fs suas portas o scenario vivo do acon- tecimento primacial da historia patria, a ci- dade de S. Paulo ficou naturalmente consti- tuida no encargo de cuidar com amor e solicitude da collina sagradae de quanto diz respeito 4 sua tradicio, Approximando-se a data do primeiro centenario do grito do Ypiranga, quando re- presentantes de todos os Estados Federados e das nacdes amigas hao de alli desfilar, em solemne procissado civica, saudando a nagio brasileira pelo seu glorioso advento na His- toria, é mais do que nunca oOpportuno exa- minar 0 que S. Paulo tem feito e o que tem ainda a fazer, para corresponder com brilho e galhardia ao honroso mandato que lhe con- feriu um feliz concurso de circumstancias. 4 ast gles N&o ha duvida que muito j4 se tem feito em homenagem tanto ao facto historico como ao sitio que o testemunhou. Um edificio de curacter monumental foi alli erguido ha perto de trinta annos; or- namenta o seu salaéo nobre o bello quadro de Pedro Americo reproduzindo a nobre fi- gura do Principe Regente deante da sua guarda de honra, na attitude de proclamar © grito de — Independencia ou Morte. Mais tarde enfeitou-se a explanada em frente ao edificio, alli formando um _ bonito jardim. E ainda recentemente, por iniciativa do Governo do Estado, foi resolvido erigir, no sitio exacto em que se proclamou a nossa maioridade politica, um monumento aos heroes do Sete de Setembro. Erigido que s este monumento, nada faltara, como se vé, para ficar concluida a obra de justiga e de patriotismo de que o Ypiranga é credor, Mas o que faltara4, 0 complemento in- dispensavel das obras de arte que vio coroar a collina historica, 6 uma sumptuosa avenida communicando o Ypiranga com a cidade, em condigdes de largueza, conforto e elegancia condignas do seu destino. I que o caminho que conduz dquelle pittoresco suburbio é 0 mais feio, o mais des- curado, de quantos communicam o centro da cidade com os seus arredores, Nao sé o aterrado construido nas pro- ximidades do Ypiranga ficou interrompido ao approximar-se do corrego, deixando de transpol-o em recta e de assim galgar a_col- lina, como as condigdes da obra realizada plage apenas sdo comparaveis 4s de uma estrada commum. Falta-lhe largueza, falta-lhe cal- gamento regular, falta-lhe decoracao, falta-lhe tudo. Reflectindo o lamentavel estado da via publica que conduz ao Ypiranga, tai é 0 es- tado dos terrenos marginaes, tao despidos de edificagdes, de bemfeitorias, em summa, de qualquer obra ou accidente pittoresco se apre- sentam elles, que constituem 0 mais accen- tuado contraste com a febril operosidade e a elegancia das construcgdes que se notam em todos os outros pontos da cidade. Approximando-se do centro urbano muito pouco melhora o aspecto do caminho historico. As ruas do Lava-pés e da Gloria, salvo em pequenos trechos, apresentam o mesmo typo de edificagao antiga, predomi- nando quasi em absoluto a a terrea, Es- pecialmente na rua do Lava-pés este é 0 typo commum, chegando as casas alli a ter apenas uns tres metros de pé direito, 0 que quer dizer que nado passam de verdadeiros casebres, como hoje sé existem nas mais an- tigas ¢ atrazadas povoacdes do interior. Ao desolador aspecto da edificagaio pre- dial junte-se a falta de regularidade no tra- gado da via publica, que, pode-se dizer, tem todas as larguras, menos exactamente a que devia ter, e 0 leitor faré uma idéa approxi- mada da situagdo em que jaz o suburbio historico e com elle uma extensa zona da grande, rica e prospera capital de S. Paulo. Assim, 0 caminho da collina sagrada, longe de ser uma das nossas mais bellas avenidas, ampla, sumptuosa, bem caleada, ves- tida de cuidada arborizagao, ladeada de ha- = a bitagSes elegantes, alegre ponto de recreio de excursionistas, 6 de facto 0 trecho mais reles, mais atrazado e por isso mesmo o menos procurado da cidade. Ora, evidentemente é tempo de acabar com ta&o estranha anomalia, urge rehabilitar um bairro com os melhores elementos na- turaes para embellezar-se e progredir, e cum- pre fazel-o nado sé em homenagem 4s suas venerandas tradigdes, como por amor ao es- thetismo, pela necessidade de multiplicar os passeios publicos exteriores ao servigo da populagao, em continuo e extraordinario cres- cimento, e ainda pela conveniencia de rasgar amplas arterias de viagao entre o centro ur- bano e os arrabaldes que o circumdam. No caso em questao, o melhoramento a realizar consistiria primeiramente em pro- longar o aterrado, a que fiz referencia, de modo a transpor em recta o corrego e assim aleangar a explanada do jardim, e dar-lhe a largura mais ou menos de trinta metros, capaz de comportar, além do espaco nec sario aos passeios lateraes, tres vias desti- nadas a vehiculos de rodagem de toda a especie, as quaes receberiam calcamento aper- feigoado, A via central seria decorada por uma dupla linha de palmeiras imperiaes; vias adjacentes seriam arborizadas do lado do passeio por uma linha de platanos ou qualquer outra planta de sombra. O melho- ramento trazido assim do Ypiranga até ao largo do Cambucy nao custaria muito, por serem poucas e de pequeno valor as des- apropriagdes a fazer, e o resultado valeria de sobra a despesa. as Nao ba na flora brasileira typo mais esbelto, mais elegante e decorativo do que a palmeira imperial, e uma via publica, quando extensa e perfeitamente rectilinea, ornamen- tada por uma dupla fila de palmeiras im- periaes, 6 obra de offerecer perspectiva do mais formoso efteito, do que da prova a ce- lebre avenida central do Jardim Botanico, do Rio. Na grande re 1 do Ypiranga, dados os mesmos elementc ual i zltado. Nem se diga que a palmeira imperial cresce mal em S. Paulo. Ha provas positivas em contrario, Por exemplo, 4 rua Aurora n. 80 veem-se dois exemplares plantados pelo dr. Pedro Vicente de Azevedo, de saudosa memoria, que ostentam 0 mesmo garbo e completo desenvolvimento dos mais bellos typos cariocas. E’ certo que em nosso li- toral maritimo essa planta se desenvolv maior vigor e mais rapidamente, partido da circumstancia, conviria plantar em viveiro na Raiz da Serra os exemplares ne- cessarios e transportal-os para o Ypiranga quando tivessem pelo menos a altura capaz de protegel-os contra os damnos a que te- riam de ficar sujeitos na rua. As arvores de sombra, plantadas de cada lado, junto aos passeios, completariam o effeito pittoresco que offereceria a grande via publica e abrigariam os transeuntes do sol. Uma postura municipal estabeleceria que as habitagdes, em toda a avenida do Ypiranga, do Largo do Cambucy até 4 col- lina, seriam construidas a determinada dis- tancia do alinhamento da rua e dos predios — ae zinhos, bem como sujeitaria a fachada prin- cipal 4 approvacio da Prefeitura. Do Cambucy até ao largo Sete de Se- tembro, no centro da cidade, poderia a grande avenida ser prolongada com a mesma lar- gura, variando apenas as disposigdes relativas a arborizagao e A construc¢a%o predial. Nem seria preciso, para executar o me- Thoramento nesta parte, fazer desapropriagaio alguma. Como nas ruas da Gloria e do Lava- pés a construccio predial é em geral antiga e de valor insignificante, valends: a pena aos proprietarios reconstruir as sas. existentes para tirar as vantagens que offerece a valo- rizagdo dos terrenos occupados, sobretudo no caso de terem essas ruas de receber im- portantes bemfeitorias, 6 evidente que se po- deria interessal-os na execugio do empre- hendimento. A férma para attrahir o seu concurso po- deria consistir no seguinte: receberia um certo premio em dinheiro, digamos de dois contos de réis por metro corrente de frente, todo o proprietario da face norte Gas ruas em questao que, dentro do prazo de cinco annos, re- cuasse 0 seu predio para o alinhamento que se estabelecesse, e 0 reconstruisse conforme © padrao approvado. Desta maneira, com dispendio muito mo- dico em relac&%o 4 importancia do melhora- mento, teria Sao Paulo, dentro de poucos annos, transformado 0 caminho tradicional que vai do centro da cidade até 4 collina historica em um dos seus mais sumptuosos ornamentos, ao mesmo tempo que teria feito prosperar uma extensa zona urbana, até agora a quasi em completo abandono, fazendo-a en- trar no movimento de transformag¢iio e em- bellezamento que se nota nos demais bairros da capital. Eis o que’resta e urge fazer, em be- neficio do Ypiranga, quando poucos annos faltam para celebrar-se o primeiro centenario da independencia nacional, afim de que Sao Paulo, cumprindo dignamente o seu dever, se possa considerar desobrigado das respon- sabilidades que no caso Ihe pesam. Vv O crescimento de S. Paulo, estimulado pelo progressivo augmento da populacao, tor- nando cada vez 1 difficil o transito nas ruas centraes, ameaga em breve perturbar completamente a circulacaio publica, e, pois, causar graves damnos 4 vida e ao commer- cio da cide providencias decisivas n&io forem tomadas a tempo para a conve- niente resolucao do temeroso problema. Para reconhecer quanto o mal se ha de ir aggravando dia a dia, é bastante consi derar que o movimento no triangulo se in- tensifica e avulta sob a nao de uma sé, mas de uma série de circumstancias, embora todas filiadas 4 mesma causa geral — 0 vertiginoso desenvolvimento de S. Paulo em todos os sentidos. A populagao que cresce em toda a ci- dade, os milhares de edificios destinados a varios fins, que annualmente repontam no perimetro urbano, representam outras tantas relagdes novas com o centro; as casas de commercio de toda a zona periférica fazem Seip suas provisdes no centro; as fabricas, em- bora funccionando féra, tém seus escriptorios no centro ¢ ahi fazem as suas transacgdes; as proprias construcgdes novas que se levantam nas zonas suburbanas exigem n3o raro o transporte de seus materiaes através do centro, como do Braz para a Consolagao, da Luz para a Liberdade, e assim por diante. E nao sé é de considerar que todo o progresso suburbano, toda a actividade nova que surge na periferia, se reflecte immedia- tamente sobre o centro, como cumpre notar que no proprio triangulo o systema de edi- ficagao se vai transformando de maneira a concorrer por sua vez para aggravar a si- tuagdo, pois é facto corrente que, no lugar de cada predio velho que se arrasa, novo edificio se ergue comportando capacidade de habitagzo ou alojamento dez e até vinte vezes maior, do que dao testemunho os palacetes Martinico, Bricola, Bara&io do Tieté, Germaine, Lara, Bardo de Iguape e outros. Ora, quando tudo assim se transforma, quando circumstancias multiplas convergem num crescendo continuo, accelerado, para des- envolyer e activar sob todas as férmas as correntes circulatorias no triangulo, onde as ruas alias nao primam pela largueza, antes sio das mais estreitas de S. Paulo — € evi- dente, é certo que, se medidas energicas nao forem tomadas com urgencia para dilatar o estuario em que se opéra a confluencia, ha de fatalmente sobrevir a congestio. I. essas providencias, em relagado 4 zona do triangulo, se impdem tanto mais quanto é verdade que dois importantes melhora- mentos — o viaducto de S. Bento, a inaugu- ’ 3 =o rar-se proximamente, e o alargamento da rua de S. Joao, recentemente resolvido pela Ca- mara Municipal, facilitando 0 accesso da parte central da cidade — hao de concorrer como dois poderosos injectores para tornar ahi o transito publico ainda mais intenso e avo- lumado. Kelizmente ainda é tempo de acudir e providenciar, antes que o mal se accenttie e produza damnos irreparaveis. Como se sabe, nto sé pela sua estrei- teza, pois mede pouco de meia duz de metros, como por ser o trecho sujeito a maior trabalho, a parte da rua Direita que fica entre a de S. Bento e a rua Li- bero Badaré 6 a que reclama_ intervencao mais radical. Convergindo para a angustiosa aper- tura desse trecho nada menos de oito vias publicas de grande movimento (0 viaducto, a rua Libero Badaré, em dois sentidos, a la- deira do Dr. Falcao Filho, a rua de S. Bento em dois sentidos, a rua Direita e a rua da Quitanda) e por alli correndo linhas de bondes que fazem o servico de muitos e importantes rros .da cidade, é claro que dentro em pouco © transito nesse trecho sera impos- sivel, se nao fér elle transformado em _ es- pagoso largo, tendo a sua divisa norte no alinhamento da rua da Quitanda, conforme suggeri ha tempos, quando levantei nesta folha a idéa desse melhoramento. Esta magnifica obra, desde que seja assim realizada, e nado se limite a um pe- queno rectio de predios, além de desopprimir © transito geral, permittira a arborizagaio do local, abrira espaco para o estacionamento oy de carros e automoveis de praca, ao mesmo tempo que facilitaré tornar-se 0 novo largo excellente ponto de partida dos bondes que passarem pelo viaducto do Cha, os quaes po- der&io fazer a volta no proprio largo, dei- xando de atravancar as ruas do triangulo. Tao necessario, tdo urgente como a abertura do largo em frente 4 egreja «de Santo Antonio é o alargamento da rua de » Bento no trecho entre a praca Antonio Prado e o largo de S. Bento. Ahi dar-se a mesma confluencia de correntes circulatorias desde que, com a inauguracgio do viaducto de Sao Bento, to- da a massa de communicagSes entre 0 cen- tro da cidade e os populosos bairros de Santa Ephigenia, Bom Retiro e outros que serao directamente beneficiados pelo novo melhoramento, se estabeleceré principalmen- te por aquelle estreito escoadouro, que ja hoje mal comporta o pesado trafego a que estA sujeito, alimentado sobretudo pela gran- de artéria de viagio urbana que é a rua Florencio de Abreu, caminho de arrabaldes populosos, da grande estacto da Luz e dos armazens da estrada ingleza no Pary. Excessivamente fatigado como se acha, é certo que n&o podera aquelle trecho da rua de Sao Bento supportar a enorme so- brecarga circulatoria que lhe injectara o _ viaducto novo. E que s se o facto j4 hoje se antolha assim, 4 daqui a dez, a vinte annos, quan- do a populagao de Sao Paulo for o dobro, © triplo, da que é hoje, e portanto dobra- 48s das, triplicadas, houverem de ser tambem as exigencias da circulagio publica? As circumstancias locaes na&o aconse- Ihando rasgar-se alli, como no_ primeiro quarteirao da rua Direita, uma grande praga, aconselham, entretanto, o alargamento da rua, isto 6, a abertura de um pequeno a rasgar-se entre a praca An- tonio Prado e o largo de S. Bento, e 0 do lado de cima pela abertura do largo em frente ao quarteir4o occupado pelo palacete Barto de Iguape. Realizados esses dois melhoramentos, a rua de S. Bento sé continuaria a ter em condicdes precarias 0 trecho intermedio, mas ainda ahi nao seria difficil pratic saria dilatagao, que naturalmente conviria levar a effeito no ponto mais susceptivel de con- restao. a neces Esse ponto acha-se exactamente no meio do trecho de que se trata, nado sé pela razao obvia de ser o mais afastado dos ex- tremos, como porque ahi confluem outras vias publicas, 0 que quer dizer que a ope- ragaio reclamada é, nem mais nem menos, do que o augmento do minusculo largo em que a rua de S. Bento recebe a rua Alva- res Penteado e as travessas do Commercio e do Grande Hotel. Esse augmento deveré ser realizado 4 custa e na medida da drea occupada pelo predio do British Bank e vizinho. Assim, abrir-se-ia na zona central, no ponto mais angustioso da mais estreita e fa- tigada das suas ruas, uma nova praca re- gular, que viria prestar muito bons servicos, nao sé desafogando a rua de S. Bento de seu excessivo transito, como melhor prestan- — + 9. = =. gt = do-se ao estacionamento de vehiculos e ainda a outros mistéres. E’ que para tirar todo o partido pos- sivel do melhoramento, conviria comegar por estabelecer no centro do novo logra- douro o que se costuma chamar um refugio. Essa ligeira plataforma, occupando a area apenas de uns vinte metros quadrados, serviria em primeiro lugar para facilitar a travessia do largo pela gente que anda a pé, pois se sabe quanto € arriscado trans- itar por sitios muito trafegados por vehiculos. Em segundo lugar, um refugio bem localizado serviria alli para pdr em ordem a propria circulagdo vehicular, permittindo estabelecer medidas indicando os sentidos do movimento. Ainda Ninguem ignora quanto a cidade de S. Paulo é desprovida de lu- gares em que possa 0 transeunte satisfazer imprescindiveis necessidades naturaes, pois mesmo no triangulo central, onde a onda popular mais tumulttia, ha falta absoluta de mictorios e privadas. Entretanto, muito se pdde fazer para prehencher tao sensivel lacuna, sem 0 menor perigo de criar na cidade fécos de exhala- goes desagradaveis, nem tao pouco compro- metter a es urbana. Nesta ordem de melhoramentos, 0 mo- delo a seguir € 0 que offerece a cidade de Londres com suas amplas camaras abertas no sub-solo, bem illuminadas, e abundante- mente providas dos apparelhos necessarios, tudo mantido em estado de irreprehensivel asseio, sob a fiscalizagao e os cuidados de um guarda. * % — 32 — Desta férma nao sé a installagio péde ser completa, satisfazendo perfeitamente os seus fins, como nenhum inconveniente della resulta em prejuizo do aspecto e da limpeza da via publica, bem como da pureza do ambiente, sendo, de resto, insignificante o espago que o melhoramento occupa exterior- mente, porquanto se limita 4 area reclamada pela pequena abertura de accesso. Pois bem, formado que seja no meio da rua de S. Bento o novo largo a que me venho referindo, com o seu refugio central, nada mais a proposito do que apro- veitar este ponto para a installagao de uma camara sub-terranea, segundo o modelo lon- * drino. A situacaio é a mais central possivel e o melhoramento prestaria bom servigo 4 grossa corrente de transeuntes que frequenta © triangulo. Ainda para melhor aproveitar a obra, dando-lhe certa nota artistica, seria facil velar a entrada da camara sub-terranea por um pequeno pavilhto de férma_ elegante, tendo a parte terrea vasada em arcos, para facilitar 0 accesso do sub-solo, e a parte su- perior disposta em férma de poder alojar um grande relogio com mostrador duplo, e nas outras faces um thermometro e um barometro. Nao ha hoje grande cidade bem policiada em que a hora normal nao seja conhecida da populagaio por meio de relo- gios publicos, collocados nos sitios mais frequentados. Informagdes* sobre a temperatura e a pressao athmospherica seriam tambem de gran- de utilidade, e poderiam muito facilmente ser

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