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LEVANDO A IGREJA?
Reggie Kelly
No homem, mas não do homem O nascimento virginal de
Cristo significa que a “semente da mulher”[1] nasce no mundo sem a
ajuda do homem. O mesmo acontece com a criação ex nihilo[2] e
com a ressurreição dos mortos. Essas são as metáforas (criação,
nascimento virginal e ressurreição) que as Escrituras usam para
descrever a regeneração. Em todos esses exemplos, o sujeito é
passivo, ou seja, não está produzindo nada; pelo contrário, está
sofrendo a ação. A salvação de Deus, onde quer que aconteça, é
manifesta como um ato de intervenção soberana de Deus sem o
auxílio da mão humana.
A salvação precisa ser uma obra exclusiva de Deus, porque
uma divisão no trabalho implica uma divisão da glória. Embora a
salvação de Deus seja feita “no homem” e manifesta “por meio do
homem”, não existe nada nela que seja “do homem”. É
precisamente isso que diferencia a fé cristã de todos os outros
sistemas religiosos. E o que fez com que Paulo fosse considerado
inimigo, não apenas da sua nação, mas também de muitos dentro
da igreja. O conflito não se estabeleceu porque Paulo defendia uma
elevada doutrina cristológica, mas por sua soteriologia (doutrina da
salvação) monergista (obra realizada por apenas uma das partes, a
divina).
Os cristãos costumam colocar uma grande ênfase na
encarnação de Cristo como a base de sua fé, mas ficam
escandalizados quando alguém começa a falar sobre as implicações
de Deus encarnar a sua natureza em nós pelo mesmo Espírito que
gerou o Filho de Deus no ventre de Maria, ainda que, no nosso
caso, o Espírito habite de modo parcial e não em toda a sua
plenitude.
A encarnação sobrenatural da vida divina naquele que crê é
exatamente o significado da expressão “em Cristo”, encontrada tão
frequentemente na Bíblia. A ofensa à mente humana ocorre quando
as Escrituras reforçam que a única “cooperação” existente entre
Deus e o homem ocorre por meio da nova criação, pois nenhuma
outra poderia satisfazer as exigências divinas. Quando afirmamos
que nada “do homem” natural é aceitável, no sentido de ações
geradas na carne, não estamos dizendo que temos de ficar
assistindo passivamente enquanto Deus age independentemente de
nós, como se estivéssemos em uma espécie de “possessão” ou
transe divino. Estamos enfatizando a necessidade do milagre da
encarnação como a união simples e sobrenatural entre o divino e o
humano, com a condição de que seja desprovida da capacidade e
da sabedoria natural do homem.
Parafraseando Paulo: “Ai de mim se eu não cooperar com
Deus” (tirado do contexto de 1 Co 9.16, onde Paulo diz que anuncia
o evangelho espontaneamente e, ao mesmo tempo, constrangido
pela vida de Deus no seu interior). Portanto: “Quem é suficiente para
estas coisas?” (2 Co 2.16). “De fato, trabalhei muito mais que todos
eles… e posso dizer isso sem me gabar porque não fui eu”
(paráfrase de 1 Co 15.10). “Não sou mais eu quem vive” (Gl 2.20).
Essa revelação não fez com que Paulo negligenciasse a
responsabilidade do homem ou a necessidade de obediência. Em
outras palavras, entender que a salvação provém de Deus não nos
deve levar a rebaixar o padrão da exigência divina. Paulo pregava a
santidade ao mesmo tempo em que se opunha veementemente à
opção de introduzir ilegalmente qualquer elemento do homem caído
na equação, para que Deus não tivesse que dividir sua glória. Tudo
isso vai além da nossa compreensão e capacidade, pois “sem
dúvida, grande é o mistério da piedade”:[3] a obra de Deus a ser
revelada em nós será sobrenatural e jamais poderá ser associada
com aquilo que provém da força natural do homem.
Essa visão monergista que Paulo tinha da graça e da nova
criação é tão ofensiva para grande parte da liderança cristã
moderna quanto para a liderança religiosa de sua época. É uma
verdade que está sujeita a distorções e abusos? Claro. Mas se o
nosso ensino não suscita as mesmas objeções que foram feitas ao
ensino de Paulo, é provável que estejamos ensinando algo mais
palatável à sensibilidade humana, porém menos divino e poderoso.
A “ausência de associação” da obra de Deus com qualquer
elemento do homem caído é inegociável para a fé. Não podemos
contaminar a única fonte da justiça verdadeira. Por melhor que
pareça qualquer motivação ou ação, se não proceder da nova
criação será, com efeito, “destituída da glória de Deus”. Não
conheço nenhum meio-termo exequível ou agradável que não acabe
cedendo ao homem aquilo que as Escrituras se recusam a lhe dar,
ou seja, uma “porçãozinha da realização”.
Resumindo: chegamos a um impasse, pois só Deus pode agir,
tanto para o querer quanto para o realizar. Essa verdade, mais do
que qualquer outra, nos faz tremer. Embora o Senhor esteja
atuando, no tempo presente, no meio do seu povo, até mesmo
intervindo ocasionalmente com grande poder, as Escrituras afirmam
que ele ainda haverá de aperfeiçoar a sua glória na Igreja em uma
demonstração muito mais impressionante e visível. Toda a criação
geme, e nós também gememos. Em outras palavras, ele prometeu
muito mais do que estamos vendo hoje, e podemos estar certos de
que ele não se resignou a deixar as coisas como estão. NÃO é
assim que a história termina.
Jesus disse: “Quando vier o Filho do homem, achará fé na
terra?” (Lc 18.8). Se ele sabia que Daniel (além de outros profetas)
profetizou que, no fim dos tempos, os sábios e fiéis do povo
resplandeceriam “como o fulgor do firmamento” (Dn 11.33; 12.3,10),
por que fez essa pergunta? Porque sabia que a verdadeira fé em
Deus estaria escassa na terra nos dias que antecederiam a
sequência final de cumprimentos proféticos e de grandes restrições
e estímulos que levarão a Igreja a patamares elevados. Acredito que
Deus ainda esteja permitindo a construção das nossas “torres
religiosas de Babel” para nos levar ao esgotamento total da nossa
própria energia. Esse esvaziamento dos recursos humanos virá
quando a exigência da fé exceder o nível confortável das nossas
suposições otimistas a respeito do homem. Deus tem muito mais
ciúme de sua própria glória do que podemos imaginar.
Para onde Deus quer levar a Igreja?
Assim como o nascimento virginal foi um ato divino que sobrepôs o
processo natural de concepção, o mesmo princípio é válido para
todos os demais aspectos da salvação de Deus. A cruz significa que
Deus rejeitou totalmente qualquer contribuição do homem caído
para obter a sua própria ressurreição. “Ele vos deu vida, estando
vós mortos” (Ef 2.1). Nossa vida pelo Espírito só tem início quando
constatamos a total falência de toda a estrutura natural (“Não me
atrevo a confiar em outra base ou estrutura por mais atraente ou
forte que seja; me apoio inteiramente no nome de Jesus”[4]). É por
isso que a prometida salvação de Israel no fim dos tempos é sempre
descrita como uma intervenção divina que ocorrerá quando a nação
atingir o fundo do poço, sem forças naturais.[5]
Se esse princípio é verdadeiro para Israel na crise
escatológica, não é menos aplicável à Igreja nesta era atual. De
fato, esse é um traço essencial da Igreja. Por meio do poder
transformador da revelação do Evangelho, o crente recebe a
salvação da era vindoura como uma espécie de antecipação
inesperada da plenitude futura. A Igreja, por definição, são as
primícias da salvação futura de Israel. A Igreja só é Igreja na medida
em que recebe, antecipadamente, o Espírito que será derramado
futuramente sobre o remanescente penitente de Israel no final da
Grande Tribulação.
Podemos dizer que a Igreja é o produto de uma escatologia
parcialmente “realizada”[6]. Como tal, a Igreja NÃO é a negação (ou
a substituição) da plenitude prometida a Israel, mas, como o povo
do Espírito, gerado pela revelação do segredo messiânico,[7] é o
primeiro fruto do Israel milenar. Vivendo “entre os tempos” (ou eras),
[8] a Igreja é o povo da tribulação, que instrui muitos (Dn 11.33;