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HISTÓRIA DA RELIGIÃO

Autoria: Robson Stigar

UNIASSELVI-PÓS
Programa de Pós-Graduação EAD
CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI
Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito
Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC
Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090

Reitor: Prof. Hermínio Kloch

Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol

Coordenador da Pós-Graduação EAD: Prof. Ivan Tesck

Equipe Multidisciplinar da
Pós-Graduação EAD: Prof.ª Bárbara Pricila Franz
Prof.ª Tathyane Lucas Simão
Prof. Ivan Tesck

Revisão de Conteúdo: Welder Lancieri Marchini


Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais
Revisão Pedagógica: Bárbara Pricila Franz

Diagramação e Capa:
Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Copyright © UNIASSELVI 2017


Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri
UNIASSELVI – Indaial.

221.9
R854h Stigar, Robson
História da religião / Robson Stigar. Indaial : UNIASSELVI,
2017.
164 p. : il.

ISBN 978-85-69910-62-6

1. História - Teologia.
I. Centro Universitário Leonardo Da Vinci.
Robson Stigar

É doutorando em Ciência da Religião na


PUCSP. Possui mestrado em Ciência da Religião
pela PUCSP; MBA em Gestão Educacional;
Especialização em Filosofia da Arte; Especialização em
Catequética; Especialização em Educação, Tecnologia
e Sociedade; Especialização em Ensino Religioso;
Especialização em Psicopedagogia; Especialização
em História do Brasil; Aperfeiçoamento em Ensino de
Filosofia; Aperfeiçoamento em Sociologia Politica
pela UFPR. É bacharel em Teologia; licenciado em
Filosofia pela PUCPR; Licenciado em Pedagogia pela
UNINTER. Atua como professor na Educação Básica
e no Ensino Superior. Autor do Livro “O Ensino
Religioso e sua Historicidade”, possui vários
artigos científicos publicados em periódicos e
artigos livres em jornais de circulação.
Sumário

APRESENTAÇÃO...................................................................... 7

CAPÍTULO 1
Introdução à História da Religião........................................ 9

CAPÍTULO 2
As Religiões Orientais.......................................................... 57

CAPÍTULO 3
As Religiões Ocidentais...................................................... 109

CAPÍTULO 4
As Religiões Afro-Brasileiras e Indígenas...................... 139
APRESENTAÇÃO
Entendemos a presente obra como relevante, uma vez que precisamos cada
vez mais de subsídios e conhecimentos sobre as Culturas e Tradições Religiosas,
tanto a Ocidental como a Oriental, permitindo assim um Diálogo Inter-religioso e a Paz
Mundial que segundo Hans Kung só será possível se o mesmo partir das Religiões.

No primeiro capitulo a obra procuramos refletir sobre a relação do Ser Humano


com a Religião, se existe ou não uma religião natural ou se ela é apenas uma estrutura
do produto de uma determinada cultura. Temos também os diversos conceitos
etimológicos estabelecidos sobre o termo religião que foram elaborados ao longo da
História.

No segundo capitulo temos as Religiões Orientais, onde apresentamos as suas


principais características, a fim de compreender as suas origens e ramificações.
Procura ainda analisar as influências histórico-cultural de cada uma dessas grandes
religiões presentes no Oriente, bem como conhecer um pouco da história do Budismo,
do Hinduísmo, do Taoísmo, do Xintoísmo e do Confucionismo.

No terceiro capitulo são apresentadas as grandes Religiões do Ocidente e


suas principais características, a fim de conhecer suas origens e ramificações que
ocorreram ao longo da história, objetivando entender um pouco mais da História das
Religiões ocidentais e de sua influência na História Geral.

No quarto e último capitulo temos as Culturas e Tradições Religiosas Afro-


brasileiras e Indígenas. Procuramos apresentar as suas principais características, as
suas origens e ramificações. Buscamos ainda diferenciar a Umbanda do Candomblé,
conhecer o Sincretismo Religioso e por fim conhecer um pouco do Sentido Religioso,
do Sagrado e do Transcendente para a Cultura Indígena.

A atual sociedade vive sob efeitos de novos Paradigmas, sendo o Pluralismo


Religioso um deles. Neste sentido a presente obra proporciona um espaço de
formação e reflexão para aqueles interessados possam aprimorar seus conhecimentos
nesta área da Teologia e Ciência da Religião.

O autor.
C APÍTULO 1
Introdução à História da
Religião

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Compreender a relação do ser humano com a religiosidade ao longo da


História.

� Estudar os conceitos de religiões elaborados ao longo da História.

� Conhecer as constituintes das religiões.

� Entender as classificações de religião.

� Diferenciar o sagrado do profano.

� Fazer a análise da Ciência da Religião e sua relação com a História.


História da Religião

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Capítulo 1 Introdução à História da Religião

Contextualização
Neste capítulo vamos estudar sobre a relação do ser humano com a
religiosidade e como ela se desenvolveu ao longo da História da humanidade.

Também vamos conhecer os diversos conceitos etimológicos estabelecidos


sobre o termo religião que foram elaborados ao longo da História, também
pretendemos passar pelas constituintes das religiões e suas classificações,
procurando entender suas origens e gênesis.

Por fim, pretendemos diferenciar o sagrado do profano e fazer uma análise


da Ciência da Religião e sua relação com a História.

O Ser Humano e a Religião


A busca por uma religião nos leva diretamente ao núcleo do problema da
existência ou não de uma religião natural ou se ela é apenas uma estrutura do
produto de uma determinada cultura.

Se a religião é natural, somos conduzidos necessariamente à questão: de


que maneira se considera a religião como constitutiva da natureza humana?
Uma resposta a esta pergunta pode ser alcançada se considerarmos as ideias
de Eliade (1993) e de Otto (1996), que entendem que a religião possui um caráter
Numinoso.

Numinoso é uma expressão de origem latina utilizada por Rudolf


Otto. Numine  significa divindade, Oso corresponde a cheio, assim,
podemos afirmar que Numinoso significa cheio de divindade. Assim,
ao estudar o Numinoso, podemos dizer que Otto quer apreender o
racional e o irracional na ideia de Deus.

Essa característica coloca no sujeito que experimenta a experiência religiosa


toda a capacidade de se direcionar para o divino mediante um sentimento
irresistível de dependência do Criador. Neste sentido, Eliade (1993) entende que
o homem possui dentro de si uma inclinação natural ao comportamento religioso.

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História da Religião

Esse ser religioso produz ritos, articula comportamentos e formula distintas


religiões sempre com o mesmo objetivo: reverenciar o Criador. E deste modo,
somos chamados a entender e viver esta dimensão sagrada da existência humana
que rompe com a normalidade e a repetição da vida humana.

Por outro lado, se somos religiosos por um simples ato da cultura humana,
conforme aponta Hock (2010), temos de entender o comportamento religioso
simplesmente como mais um entre os tantos outros que temos.

Nesta hipótese, não há nada de especial em ter ou não ter uma conduta
religiosa, visto que ter ou não ter tal conduta é um hábito humano totalmente
desprovido de qualquer relação divina.

Neste sentido, ter uma conduta religiosa seria – conforme apontam alguns
sociólogos – um hábito. Segundo Berger (1985), temos hábitos religiosos assim
como orações individuais e em comunidade. Logo, não somos seres ligados a
uma divindade que queremos reverenciar, apenas cumprimos atividades do
cotidiano de modo repetitivo que produz um certo costume religioso em nós.

Ambas as hipóteses descritas neste texto possuem problemas e


A hipótese de qualidades. Inicialmente apontaremos algumas para que tenhamos a
que temos uma
religião por sermos percepção da importância de se entender a religião em nosso mundo
seres religiosus é contemporâneo.
importante para
entendermos
como o homem se A hipótese de que temos uma religião por sermos seres religiosus
relaciona com o ser é importante para entendermos como o homem se relaciona com o ser
divino, ou com os
seres divinos, desde divino, ou com os seres divinos, desde os primórdios de sua existência
os primórdios de sua na Terra. Neste aspecto, estudar as civilizações do passado e entender
existência na Terra. seu modo de reverenciar a Deus ou aos deuses é um modo de entender
porque somos seres que veneram a divindade em nosso tempo.

Esta hipótese nos coloca no centro do problema e do drama humano: como


podemos saber o que a divindade que nos criou quer de nós? Eis aí o conflito
interior do homem, muito bem relatado pelos textos das grandes tradições
religiosas do Ocidente.

O homem precisa se voltar para seu Criador através dos textos, ritos e religião
para se religar ao ser que o colocou nesta existência. Esse drama humano pode
nos levar às mais belas experiências místicas que já experimentamos e elevar
nosso ser ao divino, mas ao mesmo tempo pode produzir uma angústia terrível
naqueles sujeitos que não conseguem ter nenhum sentimento ou vivência da
dimensão religiosa do humano.

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Capítulo 1 Introdução à História da Religião

O limite desta forma de entender a religião consiste justamente em colocar


em lados opostos os que possuem este tipo de sentimento de dependência e
reverência com relação ao divino e aqueles que nada possuem em seu interior de
tal percepção do divino ou da religião.

Neste aspecto, a religião estaria limitada ao grupo de homens e mulheres


que possui este íntimo de religioso em si, enquanto que aos demais ficaria difícil
se encaixar em uma conduta religiosa, pois não se sentem como parte.

Já a hipótese de que a religião é um hábito humano e como tal se reduz a


isso e nada mais amplia o espectro de indivíduos que alcança, em detrimento da
divindade e da sacralidade da experiência religiosa.

Nesta hipótese, não há nenhuma relação com o divino em termos de


sentimento interior de dependência ou de vivência de uma experiência mística
original. Esta perspectiva resume a vivência religiosa ao aspecto formal de um
hábito que, conforme aponta Berger (1985), é semelhante a qualquer outro hábito.

Em outros termos, a religião como hábito humano tira toda a possibilidade


de transcendência com relação com o divino, mas permite uma perspectiva social
e cultural para com a existência humana. Neste aspecto, há um ganho social em
detrimento do espiritual.

O ser humano parece naturalmente tender ao caminho de uma


religião. Somos seres que queremos encontrar o significado das coisas, O ser humano
parece naturalmente
por isso começamos a questionar. As interrogações são verdadeiramente tender ao caminho
profundas, pois queremos ir além de nossas capacidades. Um dos de uma religião.
questionamentos é a questão Religião e Religiosidade. O que é religião?

E nós, que desejamos saber o que é a religião, que já sabemos


que ela se apresenta como uma rede de símbolos, temos de
parar por um momento para nos perguntar sobre o que ocorreu
com aqueles que herdamos. Que fizeram conosco? Que
fizemos com eles? E para compreender o processo pelo qual
nossos símbolos viraram coisas e construíram um mundo, para
depois envelhecer e desmoronar em meio a lutas, temos
de reconstruir uma história. Porque foi em meio a uma história
cheia de eventos dramáticos, alguns grandiosos, outros
mesquinhos, que se forjaram as primeiras e mais apaixonadas
respostas à pergunta “o que é a religião?” (ALVES, 1999, p. 18).

Estes eventos dramáticos que forjaram a maior parte das religiões. Segundo
Alves (1999), a religião procura responder a dilemas humanos sem solução aparente.
Neste aspecto, o Homo religiosus definido por Otto (1996) nos aparece como sendo
uma imposição da natureza humana. Tendemos ao sagrado de modo que, homens
que somos, queremos entender o divino mesmo estando distantes dele.

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História da Religião

Desta maneira, o processo histórico de constituição das religiões, em


especial a monoteísta, esteve ligado diretamente ao modo como o homem se
relacionou com o sagrado. Tudo o que não pode ser explicado de modo racional
acabou por ser constituído como sagrado, e por natural consequência, o rito
religioso.

No processo histórico através do qual nossa civilização se


formou, recebemos uma herança simbólico-religiosa, a partir de duas
vertentes. De um lado, os hebreus e os cristãos. Do outro, as tradições
culturais dos gregos e dos romanos. Com estes símbolos vieram
visões de mundo totalmente distintas, mas eles se amalgamaram,
transformando-se mutuamente, e vieram a florescer em meio às
condições materiais de vida dos povos que os receberam. E foi daí
que surgiu aquele período de nossa história batizado como Idade
Média (ALVES, 1999, p. 18).

O processo de desenvolvimento da religião no Ocidente aliou dois aspectos.


A herança dos hebreus e seu monoteísmo; e a filosofia grega e seus aspectos
racionais e diversificados.

A religião Ao estudarmos a religião no Ocidente encontramos três


no Ocidente
encontramos três grandes religiões monoteístas, a saber: Judaísmo, Cristianismo e
grandes religiões Islamismo. Estes grupos religiosos, segundo Eliade (1993), misturam-
monoteístas, a se com outros grupos menores para formar uma complexa teia de
saber: Judaísmo,
Cristianismo e manifestações religiosas.
Islamismo.
Em seu Tratado da História das Religiões, Eliade (1993) faz uma
descrição minuciosa das religiões no Ocidente, tendo em mente a
Hierofania, ou seja,
a manifestação de hierofania, ou seja, a manifestação de Deus. Desta forma, elabora uma
Deus. complexa descrição das religiões europeias, africanas, americanas,
indianas, budistas, entre outras.

Em sua obra, Eliade (1993) recorre a elementos da natureza, símbolos


solares, aspectos da cultura de diferentes povos para expor seus significados
religiosos. Desta maneira, tenta englobar fenômenos agrícolas, cosmopolitas
e manifestações tribais para articular uma explicação sobre o imenso campo
religioso. Tendo como ponto de partida a manifestação do Sagrado no espaço dos
templos de cada religião mencionada, Eliade (1993) quer explicar como o mito
se articula dentro do sistema religioso. Seu método comparativo procura expor a

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Capítulo 1 Introdução à História da Religião

morfologia e a estrutura das religiões e dos mitos para nos trazer o simbolismo e o
significado de cada comportamento religioso.

Ao contrapor Sagrado e Profano, Eliade (2008) quer estabelecer uma


estrutura de explicação para podermos entender como funcionam os grandes
movimentos religiosos e suas consequências.

Todos estes movimentos aparentemente contraditórios, de


unificação e fragmentação, de identificação e de separação,
de atração e de resistência ou de repulsão, poderão ser mais
claramente apreendidos quando examinadas as diferentes
técnicas de aproximação e manipulação do Sagrado (ELIADE,
2008, p. 377).

Para Eliade (2008), a dialética entre as hierofanias abre a possibilidade


da redescoberta de valores religiosos que se encontram no meio social. Desta
maneira, a história das religiões se encontra em um drama, ou seja, a necessidade
constante da redescoberta destes valores que nunca são definitivos. Cabe ao
historiador das religiões o constante reavivamento destes valores.

Neste sentido, uma pesquisa histórica precisa de constante revisão e não


existe uma única maneira para entender o modo rígido de funcionamento de
uma religião. À medida que se encontram novos elementos, a pesquisa assume
novas proporções, sem perder de vista o que já foi pesquisado e o que há a ser
pesquisado.

Poderemos, então, produzir um constante reavivamento na pesquisa da


história da religião se tivermos estas prerrogativas em mente.

Logo, a história da religião não é algo fixo, imutável, mas, ao A história da religião
mesmo tempo, não pode ser qualquer coisa, por isso é importante uma não é algo fixo,
imutável,
boa historiografia para que a pesquisa produza bons frutos.

Eis a tarefa do historiador da religião: procurar no passado, e


no presente, elementos que lhe permitam, mediante sua escolha de
referências epistemológicas e historiográficas, uma pesquisa acurada
e clara sobre a relação entre o homem e a religião, desvendando
práticas religiosas e permitindo releituras das práticas atuais.

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História da Religião

Contudo, não podemos esquecer que o eixo do conhecimento mudou


na modernidade e valorizou muito o homem, em detrimento da divindade.
Esse aspecto foi muito bem lembrado por Alves (1999). Segundo o autor, a
modernidade se libertou das amarras dos conceitos medievais de religião, colocou
o conhecimento humano como prioridade na busca pela verdade natural, neste
sentido o homem deixou de estar preso aos conceitos medievais e limitados para
postular e buscar o infinito.

Tudo girava em torno de um núcleo central, temática que


unificava todas as coisas: o drama da salvação, o perigo do
inferno, a caridade de Deus levando aos céus as almas puras.
E é perfeitamente compreensível que tal drama tenha exigido e
estabelecido uma geografia que localizava com precisão o lugar
das moradas do demônio e as coordenadas das mansões dos
bem-aventurados. Se o universo havia saído, por um ato de
criação pessoal, das mãos de Deus — e era inclusive possível
determinar com precisão a data de evento tão grandioso e se
Ele continuava, pela sua graça, a sustentar todas as coisas,
concluía-se que tudo, absolutamente tudo, tinha um propósito
definido. E era esta visão teleológica da realidade (de tetos,
que, em grego, significa fim, propósito) que determinava a
pergunta fundamental que a ciência medieval se propunha:
“para quê”. Conhecer alguma coisa era saber a que fim ela
se destinava. E os filósofos se entregavam à investigação dos
sinais que, de alguma forma, pudessem indicar o sentido de
cada uma e de todas as coisas. E é assim que um homem
como Kepler dedica toda sua vida ao estudo da astronomia na
firme convicção de que Deus não havia colocado os planetas
no céu por acaso. Deus era um grande músico-geômetra, e
as regularidades matemáticas dos movimentos dos astros
podiam ser decifradas de sorte a revelar a melodia que Ele
fazia os planetas cantarem em coro, no firmamento, para o
êxtase dos homens. No final de suas investigações ele chegou
a representar cada um dos planetas por meio de uma nota
musical. O que Kepler fazia em relação aos planetas os outros
faziam com as plantas, as pedras, os animais, os fenômenos
físicos e químicos, perguntando-se acerca de suas finalidades
estéticas, éticas, humanas. De fato, era isto mesmo: o universo
inteiro era compreendido como algo dotado de um sentido
humano. É justamente aqui que se encontra o seu caráter
essencialmente religioso (ALVES, 1999, p. 18-19).

Deste modo, passamos de um universo religioso para um universo que


pode, pela razão humana, ser desvendado e explicado. Embora o processo de
secularização daí decorrente tenha produzido uma definição de religião fraca, o
religioso não desapareceu do meio cultural, como chegaram a profetizar alguns
teóricos da era moderna.

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Capítulo 1 Introdução à História da Religião

Atividade de Estudos:

1) Tendo em vista a mudança conceitual existente acerca da


religião na Modernidade, o processo de secularização se torna
um fato. Assim, o que é secularização e como ela se desenvolve?

Para responder estas duas perguntas, leia a resenha do livro


A Era Secular: https://revistas.pucsp.br/index.php/rever/article/
view/26199
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O Conceito de Religião
Conceituar o termo religião nos permite aprofundar a perspectiva do
entendimento e o funcionamento de um determinado grupo religioso. Se sabemos o
que os dirigentes, os fiéis e os adeptos de um grupo religioso entendem por religião,
sabemos também como pensam e organizam suas atividades em torno dela.

O conceito de religião nos dá uma ferramenta a mais no entendimento da


dinâmica da conduta diária do sujeito religioso. Ao historiador da religião cabe escolher
e dinamizar sua pesquisa para o melhor entendimento do material a ser estudado.

Embora saibamos que definir religião é uma tarefa difícil, devemos enfrentá-
la para diferenciar nossa atividade daquela simples profissão de fé desencadeada
durante os ritos religiosos pelos dirigentes e experimentada pelos fiéis, ou seja,
precisamos racionalizar a religião e a religiosidade e não apenas vivenciá-la.

A definição de “religião” é produto histórico e cultural que no


A definição de
Ocidente adquiriu um sentido ligado à tradição cristã. O termo “religião”, “religião” é produto
gerado como fruto histórico de nossa cultura ocidental e sujeito a histórico e cultural que
no Ocidente adquiriu
alterações com o passar do tempo, não possui um significado único, um sentido ligado à
depende da escolha de cada um. Ao contrário, somos nós, com tradição cristã.
finalidades científicas, que conferimos sentido ao conceito.

17
História da Religião

A definição não é aleatória: deve poder ser aplicada a conjuntos reais de


fenômenos históricos suscetíveis de corresponder ao vocábulo “religião”, extraído
da linguagem corrente e introduzido como termo técnico.

Entendemos que uma conceituação acadêmica não deve atender a


compromissos religiosos específicos, nem ser vaga ou ambígua, por exemplo,
definir “religião” como “visão de mundo”, o que pressuporia que todas as “visões
de mundo” fossem religiosas.

Se “religião” é definida como “sagrado”, a questão então é


saber o que é “sagrado” e o seu oposto, o “profano”. Ainda há os
conceitos muito excludentes: a afirmação “acreditar em Deus” deixa
de fora todos os politeísmos e o Budismo, enquanto a crença numa
realidade sobrenatural ou transcendental também não contempla
adequadamente os fenômenos religiosos, por não ser comum a
todas as culturas religiosas.

Em suma, o estudo É importante mencionar que há uma interligação entre religião e


da religião implica
uma análise crítica da filosofia, pois a reflexão filosófica se ocupa do conteúdo da religião,
estrutura da religião conferindo substancialidade às suas análises e ideias.
em questão. Se uma
religião tradicional ou
revelada? Se possui Em suma, o estudo da religião implica uma análise crítica da
rito ou não? Como os estrutura da religião em questão. Se uma religião tradicional ou
fiéis se relacionam
com ela? Que são os revelada? Se possui rito ou não? Como os fiéis se relacionam com ela?
fiéis? Que são os fiéis?

Podemos entender religião como: religião é um sistema comum


de crenças e práticas relativas a seres sobre-humanos dentro de
universos históricos e culturais específicos.

De acordo com Hock (2010, p. 17), “o termo religião não é usado de modo
uniforme, e até sua derivação terminológica é disputada”. Ao dizer isto, o especialista
nos lembra que a definição de religião remonta a Cícero (106-43 a.C.), que em
seu tratado De Natura Deorum (Sobre a natureza dos deuses) define religião como

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Capítulo 1 Introdução à História da Religião

cultus deorum, ou seja, culto aos deuses, como cultivo ou adoração dos deuses,
estando em evidência o comportamento ritual correto (HOCK, 2010, p. 18).

O debate acerca dos termos e definições de religião adquiriu grande


desenvolvimento na antiguidade romana. Isso significa que não há um consenso
geral, apenas como dissemos anteriormente, que se usa mais uma ou outra
definição dependendo do contexto.

A definição de religião é uma das questões mais controversas no âmbito


do estudo e da pesquisa em História da Religião. Vejamos abaixo as definições
utilizadas. O termo religião vem do latim “religare”, termo que significa religação:

• Re-Legere (re-ler): ler de novo ou reunir; 


• Re-Ligare (re-ligar): ligar o homem ao Transcendente; 
• Re-Elegire (re-eleger): tornar a escolher.

A definição de religião como religação pode ser manifestada de vários modos:


temor, fascínio. Podemos ainda incluir valores morais, como a santidade e uma
relação pessoal direta com a divindade.

Dentre esses sentimentos de religação que mencionamos o de dependência é


o que mais aparece no cotidiano, que por vezes se desdobra em um sentimento de
interdependência. Em outras palavras, além de Deus, dependemos uns dos outros.

Podemos considerar importante também mencionar a forma como o


homem está religiosamente vinculado a uma realidade. Em um primeiro aspecto,
a realidade em debate se encontra de alguma maneira no próprio homem,
chamamos essa experiência de religião imanente. Em um segundo modo, a
realidade divina está infinitamente além do homem. A este modo nominamos de
religião transcendente.

Imanente significa a realidade da religião do homem e que o


significado da religação é concreto no mundo em que o homem está
inserido. É interior ao ser humano. Transcendente, por sua vez,
significa aquilo além do ente, isto é, aquilo que está além do homem,
fora da realidade concreta.

19
História da Religião

Isso significa que ao adotar uma definição de religião temos que ser cientes
dos limites. No caso de seguirmos a definição de religião imanente, o limite se
encontra no objeto em que se experimenta ou sente ou ainda se pensa, pois a
dificuldade em sair do concreto impõe uma barreira intransponível. Por outro lado,
se seguirmos a religião transcendente, o objeto de adoração ou de crença está tão
distante, inatingível, que temos dificuldade em estabelecer um vínculo. No mundo
contemporâneo existem inúmeras denominações religiosas, ou se quisermos,
tipos de religião, a religião revelada e a religião natural.

a) Religião revelada: é um tipo de manifestação de Deus ao homem que


ocorre em um determinado momento da história. Neste caso, Deus pode se
revelar a um homem ou a um povo que ele elegeu. Ou ainda, a revelação
pode ser completamente individual, de foro íntimo, e pode ocorrer em um
determinado momento da vida do homem. Neste aspecto, a religião revelada
a um povo tende a ser institucional e a religião revelada a um homem tende a
ser pessoal.

b) Religião natural: é uma série de normas, verdades ou princípios que não se


opõem à religião revelada.

Agora que sabemos detalhadamente o que é religião, passamos a relacioná-


la com os diferentes aspectos do saber humano, começamos por relacioná-la com
a filosofia, para entendermos como a religião articula seu raciocínio e modo de
expressão com a filosofia.

Filosofia e religião encontram-se no que tange à reflexão do conceito de


religião, que é eminentemente filosófico. Além disso, é possível dizer que a
filosofia é fundamentalmente religiosa. Logo, entendemos que Filosofia e Religião
se complementam e se enriquecem.

A Filosofia estuda e se ocupa da linguagem da religião. A religião pode ser


qualquer uma, pois o importante é analisar os aspectos estruturais, valores,
formas e relações entre os conceitos.

Na história da religião tivemos muitos elementos que remontam a


experiências religiosas. Segundo Eliade (1996), os diferentes símbolos religiosos
expressam uma unidade fundamental entre as religiões. Esta hipótese retomada
por Eliade (1996) é completamente imposta ao mundo multicultural e facetado
em que vivemos. Embora Sêneca (65 a.C.) tenha exposto brilhantemente que a
multiplicidade dos símbolos e cultos são aspectos de um Deus único, percebemos
que o mundo contemporâneo recupera inúmeras características do paganismo da
época romana.

20
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

A disputa entre as diferentes correntes religiosas aponta a diversidade de


ideias no mundo ocidental antigo. Esse processo de contraposição de ideias
religiosas continuou na chamada Idade Média. Queremos destacar aqui a riqueza
das diferentes expressões religiosas no Ocidente e no Oriente, que, de acordo
com vários historiadores, filólogos e arqueólogos, representam a vontade do
homem em falar do Sagrado.

Podemos resumir a disputa atual entre os historiadores da religião, de acordo


com Eliade (1993), em dois grupos: os que centram atenção nas estruturas
específicas dos fenômenos religiosos; e os que preferem o contexto histórico
desses fenômenos religiosos. Isso significa que o primeiro grupo quer entender
a essência da religião, enquanto que o segundo preocupa-se em decifrar e
apresentar a história da religião.
De acordo com
De acordo com Eliade (1992), o importante para o estudo da Eliade (1992), o
importante para o
religião é tentar mostrar como a experiência religiosa se manifesta. estudo da religião é
Neste sentido, para o homem religioso o espaço não é homogêneo, tentar mostrar como a
existem quebras, existem partes do espaço, diferentes das outras. experiência religiosa
se manifesta.

Para exemplificar isso, Eliade (1992) apresenta uma passagem bíblica


conhecida: “não te aproximes daqui, disse o senhor a Moisés; tira as sandálias
de teus pés, porque o lugar onde te encontras é uma terra santa” (ÊXODO, 3:5).
Neste caso, verificamos que existe um espaço Sagrado que é forte e significativo
e outros que são menos importantes, sem consciência. Deste modo,
para o homem religioso, o fato do espaço não ser homogêneo pode ser Quando ocorre
a manifestação
traduzido pela experiência de uma oposição entre espaço Sagrado e o do Sagrado por
restante que o cerca. Neste sentido, o espaço Sagrado é o único que uma hierofania,
além da ruptura da
existe e é real. homogeneidade
do espaço, ocorre
Desta forma, o homem que experimenta esta experiência religiosa algo muito mais
importante, ou
do Sagrado faz uma experiência primordial que corresponde à fundação seja, a revelação
do mundo. Quando ocorre a manifestação do Sagrado por uma de uma realidade
absoluta. Assim, a
hierofania, além da ruptura da homogeneidade do espaço, ocorre algo manifestação do
muito mais importante, ou seja, a revelação de uma realidade absoluta. Sagrado é uma
Assim, a manifestação do Sagrado é uma fundação ontológica do fundação ontológica
do mundo, é um
mundo, é um ponto fixo. ponto fixo.

Por outro lado, a experiência profana ocorre no espaço


homogêneo e neutro. Neste ambiente podemos dividir o espaço de O homem que
optar por uma
modo homogêneo. Nesta existência profana não há nenhum estado vida profana não
puro. O homem que optar por uma vida profana não consegue abolir consegue abolir
completamente o
completamente o religioso, mesmo que tente. religioso, mesmo
que tente.

21
História da Religião

Outra perspectiva de entendimento da religião parte do pensador alemão


Hans-Jürgen Greschat (2006), que entende a religião como uma totalidade que
deve ser estudada sistematicamente, contudo, o especialista em religião deve ter
em mente que o objeto Religião não existe apenas na cabeça dos pesquisadores.
Neste sentido, o objeto Religião é algo concreto, real.

De acordo com Greschat (2006), a maioria das religiões é clara, com


fronteiras bem delimitadas e, por conseguinte, é fácil distinguir quem está dentro
e quem está fora. Aqueles que nascem em uma tradição religiosa já fazem parte
dela, os que nascem fora dela precisam ser adotados; neste sentido, a maioria
das religiões insiste em adotar o estrangeiro, enquanto há outras religiões que
querem a conversão. Podemos entender desta reflexão que as religiões integram
os seres humanos.

Quando os indivíduos desaparecem ou migram, a sua religião deixa de existir,


isso significa que o indivíduo precisa reorganizar a sua religião ou se converter a
outra, de modo que em alguns casos surgem novas religiões.

O objeto Religião não pode ser considerado como um todo compacto


e uniforme, pois varia de acordo com a experiência individual de cada sujeito.
Para Greschat (2006), as religiões encontram-se em constante transformação,
mesmo que sua doutrina esteja solidificada, pois é a dinâmica entre o passado
e o presente que as mantém vivas. Essa força vital das religiões coloca em
movimento e dá sentido à existência dos crentes.

Assim, os textos sagrados constituem um elemento fundamental para


solidificação e expansão de uma religião. Este aspecto, aliado à tradição oral,
permite à religião difundir suas tradições. Conforme aponta Max Müller (1873),
o desenvolvimento da astronomia, da gramática, da filologia e da sociologia
contribuiu para o entendimento do que é religião.

Em suma, para Greschat (2006), uma religião é semelhante a uma


casa, algumas são grandes, outras pequenas, mas cada uma delas tem suas
particularidades, sótãos, porões, dentre outros, e para conhecê-las bem é preciso
muito tempo de pesquisa.

Isso implica entender o modo de funcionamento de um sistema religioso


como uma estrutura. Desta maneira, para entendê-la precisamos desmontar as
partes, desta forma facilitaremos nossa pesquisa.

Uma estrutura é composta de um alicerce, de uma base, de uma aparência


externa, de divisões e cobertura. Isso vale, portanto, para o entendimento de uma
religião.

22
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

SOARES, Afonso Maria Ligorio. A teologia em diálogo com


a Ciência da Religião. In: Revista Ciberteologia. v. 2. n. 5, 2009.
Disponível em: <http://ciberteologia.paulinas.org.br/ciberteologia/wp-
content/uploads/2009/06/01ateologiaemdialogo.pdf>. Acesso em: 4
maio 2017.

Atividade de Estudo:

1) Ao estudarmos a religião e sua conceituação, percebemos que


duas áreas do conhecimento nos ajudam a compreendê-la: a
teologia e a ciência da religião. Entretanto, ambas possuem uma
estrutura epistemológica e metodológica própria. Neste sentido,
leia o artigo: RUTHES, Vanessa Roberta Massambani; STIGAR,
Robson; TORRES, Valéria Rocha. Ciência da Religião e Teologia:
há diferença de propósitos explicativos? In: Revista Kerygma.
v. 10. n. 1. 2014. Disponível em: <https://revistas.unasp.edu.br/
kerygma/article/download/599/637>. Acesso em: 4 maio 2017.

A partir da leitura, crie um esquema comparativo que demonstre qual


é a estrutura epistemológica da teologia e da ciência da religião.

23
História da Religião

As Constituintes Das Religiões



O que compõe uma religião? Os elementos que organizam e compõem uma
religião podem nos ajudar no seu entendimento. Sem estes elementos ou partes
ficamos com um todo, unido, muitas vezes difícil de ser entendido, dado o peso e
o caráter sólido de uma religião.

Somos lembrados de modo constante de que a religião é, antes de qualquer


coisa, um produto humano, é fruto do nosso desejo de divindade ou de nosso
hábito. Por vezes, esquecemos que o que compõe a religião, além de suas
doutrinas, regras morais e hábitos, é o homem. O ser humano que, com suas
dificuldades e preocupações cotidianas, procura sair dessa platitude da existência,
linear, fria e sem sentido.

Uma religião é composta pelo texto sagrado, pelo carisma pela instituição
e pelo rito. Evidentemente que isto varia de acordo com as diferentes religiões,
e isso também é característica da riqueza das religiões. É importante mencionar
também as formas e as expressões dos fiéis.

[...] ela nos obriga a levar a sério também os fiéis de outras


religiões e não somente usá-los como instrumentos ou estudá-los
de um ponto de vista distante, como o de biólogos que observam
um grupo de chimpanzés. Nossas conclusões sobre determinada
religiosidade alheia estão corretas? (GRESCHT, 2005, p. 160).

A interrogação apresentada pelo catedrático de Marburg (Alemanha) é


importante, porque remete à questão biológica de que, se somos naturalmente
religiosos ou adquirimos essa condição. No cristianismo, o Cristo constitui a
religião com a comunidade dos fiéis. É na comunidade dos primeiros cristãos que
se organizou o seio da religião que posteriormente se difundiu.

O Cristo, na história humana, representa a perfeita união do homem com


Deus. É pela cruz que Cristo nos colocou novamente no caminho da salvação e,
ao morrer e ressuscitar no terceiro dia, nos fez homens novos.

A santa Igreja, ao instituir os ministérios e a doutrina, estabelece os passos


para o homem caminhar rumo à salvação. É na tradição da Igreja que se coloca
o homem como imagem e semelhança de Deus. Este homem que, ao receber a
verdade da vida de Cristo, transforma o mundo, e com ciência faz da humanidade
uma obra que glorifica Deus.

Eis que o magistério da Igreja revela toda a dimensão antropológica e divina


da mensagem de Deus. Pelo seu rito e pela doutrina é que podemos entender
como o homem deve se guiar rumo à salvação na busca pela eternidade. O ser
humano que se coloca no caminho da verdade revelada por Cristo se aproxima
dos caminhos de Deus e eleva seu ser na direção da eternidade.
24
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

Esta dupla dimensão - humana e divina - de nossa existência nos leva aos
bons atos, mediante nosso discernimento, pois somos seres livres. A liberdade de
escolher nos conduz para onde quisermos ir. Esta condição radical da liberdade
humana pode nos salvar ou pode nos condenar, depende de nossas decisões,
pois Deus e a Igreja já nos apontaram o caminho a seguir.

Eis que precisamos questionar: o que é a Igreja? Para que serve? Para
responder, devemos lembrar as palavras de Cristo: “tu és Pedro e sobre ti
assentarei a minha Igreja”. Ora, Ele mesmo nos disse que a Igreja é a instituição
que pelo seu magistério deve nos alimentar na busca da fé deste homem
multifacetado em nossos dias por se esquecer do papel da Igreja.

Na perspectiva teológica, a resposta de Cristo é forte, pois nos coloca na


comunidade dos fiéis e nos retira de todo tipo de individualismos em que o mundo
contemporâneo nos coloca. É a lembrança viva de que no magistério da Igreja se
realiza a nossa fé.

As experiências religiosas organizadas pela Igreja em seu cânon são


apresentadas ou expressas de maneira humana e revelam a experiência divina.
As experiências humanas partem da revelação do Cristo na história humana.

Segundo os teólogos, nossas experiências religiosas ocorrem de modo
dialético, pois temos o conteúdo da fé de um lado e, de outro, o conteúdo da fé em
si. Este movimento produz experiências nas quais a revelação se afirma.

A importância da liturgia para se manifestar o conteúdo da fé. A liturgia


aponta o caminho para se criar experiências religiosas humanas. É dentro deste
ambiente que a experiência criatural fundamental renova e estabiliza sua fé sob
os apontamentos da doutrina da Igreja. No entanto, a experimentação de Deus na
liturgia eclesial só é possível por causa do contato diário com o homem do mundo
que se coloca de carne e osso diante de nós.

Se Greschat (2005) relembra a importância dos fiéis na constituição da


religião, Urbano Zilles (2002) nos lembra da dimensão religiosa do humano.

Para Zilles (2002), a dimensão religiosa engloba diversas Para Zilles (2002), a
dimensão religiosa
dimensões do ser humano, e embora diversas, não se excluem, elas se engloba diversas
completam. Desta maneira, se quisermos conhecer detalhadamente o dimensões do ser
ser humano, devemos entrar em cada uma destas características sem humano, e embora
diversas, não se
excluir anteriormente as diversidades de entendimento. excluem, elas se
completam.

25
História da Religião

O que se significa com a palavra religião e religioso. Talvez tal


pressuposição esteja certa enquanto se refere às manifestações mais
ostensivas, mas quando se trata de precisar a essência da religião,
logo surgem dificuldades sem fim. Quem poderá fixar os limites entre
o verdadeiramente religioso e o puramente cultural, folclórico ou
social? [...]. Se compararmos o fenômeno religioso com o fenômeno
social ou similar, podemos dizer que designamos a estrutura especial
do homem definida por sistema de relações com os outros homens
[...]. No fundo de toda a situação verdadeiramente religiosa encontra-
se a referência aos fundamentos últimos do homem: quanto à origem,
quanto ao fim e quanto à profundidade. O problema religioso toca o
homem em sua raiz ontológica. Não se trata de fenômeno superficial,
mas implica a pessoa como um todo. Pode caracterizar-se o religioso
como zona do sentido da pessoa. Em outras palavras, a religião tem
a ver com o sentido último da pessoa, da história e do mundo.

Fonte: Zilles (2002, p. 5-6).

No mundo moderno, as diferentes constituições da religião se confrontam


e fragmentam a realidade dos fiéis. A transformação da sociedade ocidental em
sociedade secular teve seu ponto culminante na formulação da filosofia iluminista,
que exaltou a razão de maneira exagerada.

Os desdobramentos da moderna forma de ver o mundo causaram a retirada


da religião do âmbito público, relegando-a ao privado. Por isso a salvação se
transferiu do nível público para o particular, enfatizando o subjetivismo e o
relativismo moral.

A salvação no mundo moderno mudou de foco, saiu da esfera religiosa


e se inclinou para o lugar secular. É no meio secular que o homem procura a
salvação, porque o âmbito religioso é restrito a alguns, enquanto que o meio
secular é universalmente acessível. É na política que o homem pode resolver
seus problemas particulares e existenciais, porque Deus está muito longe de suas
possibilidades. Um exemplo disto é o crescente aumento de organizações civis,
sem nenhuma ideologia religiosa, que buscam, por meio de suas ações, defender
uma causa específica para o benefício de um grupo de pessoas. Este fenômeno é
uma das consequências do esclarecimento moderno.

O desenvolvimento moral não esteve em sincronia com o avanço científico.
Portanto, o conhecimento do bem e do mal não significa necessariamente uma
atitude ética equilibrada e coerente.

26
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

Esta confusão gera problemas de ordem fundamental para a teologia e o


fundamento desta, porque as ciências naturais possuem um largo campo de
atuação e muito mais credibilidade acadêmica do que a Filosofia e a Teologia. A
tomada de decisão política sobre os fatos sociais leva em si uma transformação
da secularização em uma entidade dominante.

Por isso, tanto a expansão da democracia e do progresso econômico e


tecnológico no mundo como as guerras e as revoluções com suas centenas de
milhões de mortos foram fruto de decisões. Esta linha de argumentação conduz
inevitavelmente a uma pergunta: qual é o fundamento das decisões enquanto tais?

Diante desta perspectiva, a herança perversa da modernidade está


intimamente associada ao fato de a política se basear numa teologia política não
assumida. O mal emerge com seu pior rosto quando a política oculta habilmente
seu vínculo com a religião.

Como explica Voegelin (1965), em “A nova ciência do político”, a política


moderna pretende abandonar a transcendência em nome da imanência, mas
dando a esta o mesmo significado. Em palavras mais simples, a política moderna
pretende ingenuamente construir o Paraíso na Terra! Em “A transparência do
mal”, Baudrillard (1991) afirma que o bem consiste em uma dialética entre o bem
e o mal. Em contraste, o mal se derivaria da negação dessa dialética, na desunião
radical entre bem e mal.

Concordando metaforicamente, poderia ser afirmado que o bem consiste


numa dialética entre a “Cidade de Deus” e a “Cidade dos Homens” (na terminologia
de Santo Agostinho (1983)).

A redenção e a forma de se livrar do mal na modernidade mudaram do meio


estrito da Igreja para se fundar na técnica, ou seja, o homem pode se salvar
mediante o uso de máquinas que o transformem em algo mais que o humano.
Este ser pós-humano constrói uma religião implícita, que aparece sob outras
categorias, sendo importante a teologia mudar o modo de abordar tais questões.

Com efeito, o mal deixou de estar associado unicamente à questão da fé ou


da crença, passou a fazer parte de discursos retóricos dos acadêmicos, reflete-se
com frequência sobre o modo de se redimir dos pecados na esfera civil e pública.
Contudo, a religião passou a ser subjetiva, de tal forma que as categorias desse
homem pós-humano não são suficientes para explicar a realidade do homem
robotizado, tecnologicamente evoluído, mas moralmente fracassado.

Na perspectiva da Sociologia da religião, há uma preocupação com os


elementos constitutivos da religião que estão ligados à prática social da religião. A

27
História da Religião

religião possui várias dimensões e uma delas é justamente o aspecto social que
envolve ritos e hábitos, culturas que se mostram na experiência humana como
modos ou hábitos.

Para Berger (1985), a religião é um campo simbólico específico que opera


de diferentes modos e permite a intercambialidade de artigos religiosos e ideias
religiosas. Esta forma de expressão da dinâmica da religião aparece de diferentes
modos nas igrejas, nos ritos e nos modos de vida dos sujeitos, variando de classe
para classe, por isso o mesmo conceito de religião não pode ser aplicado para as
diferentes camadas sociais, cada classe consome sua própria forma de religião.

Embora a definição de religião possa ser questionada de diferentes modos,


temos que entender a necessidade de uma definição provisória ou de trabalho
plausível. Nas palavras de Durkheim (1977), gostaria de colocar em evidência a
razão fundamental que permite preparar melhor os espíritos, a fim de aceitar a
explicação que propus da religião.

Essa razão diz respeito a uma característica fundamental da religião, mas


que não é imediatamente perceptível, precisamente porque é essencial, aparece
progressivamente, na medida em que o estudo avança.

Esse caráter é o que poderíamos chamar de virtude dinamogênica de toda


espécie de religião. Em uma primeira abordagem, a religião se apresenta como
um sistema de representações.

Por isso foi geralmente concebida como uma especulação


sobre o sonho ou sobre a morte, sobre a natureza infinita ou
sobre o ideal. Parece que todo o problema consiste em procurar
como, para além do real, o espírito humano chegou a conceber
alguma coisa que ele não pode conhecer pelos mesmos
processos que a realidade empírica. Para resolver a questão
colocada nestes termos, a palavra ideal é particularmente
cômoda, porque tem um duplo sentido. O ideal é, num certo
sentido, uma coisa humana; ele se elabora nas nossas
consciências. Mas, ao mesmo tempo, ele parece voltar-se
para um não sei quê, que supera o dado. Parece, pois, que se
conseguirmos explicar como os homens chegaram a pensar
outra coisa além daquilo que é, teríamos, ao mesmo tempo,
explicado aquilo que há de mais fundamental na mentalidade
religiosa. Aí não está, entretanto, o essencial da religião. Esta
é, antes de tudo, da ordem da ação (DURKHEIM, 1977, p. 38).

Neste sentido, a religião é muito mais do que um sistema de sentido que


se entrelaça na solidariedade mecânica das sociedades arcaicas, mas na
modernidade assume a definição de solidariedade orgânica, os indivíduos
particulares é que conferem legitimidade ou sentido para a religião.

28
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

Assim, as forças religiosas só podem ser forças naturais. Por outro lado,
como elas têm, manifestamente, a função de agir sobre os espíritos, é preciso que
sejam forças morais. É preciso que elas emanem de consciências, pois somente
as consciências podem agir sobre as consciências.

Ora, na natureza, no mundo observável, as únicas forças que são superiores


àquelas de que dispõe o indivíduo enquanto indivíduo, são aquelas que são
produzidas pela covalência e a fusão de uma pluralidade de forças individuais
numa mesma resultante: são as forças coletivas. As únicas consciências que
estão acima da consciência do indivíduo são as consciências dos grupos.

Todavia, a superioridade de que falo não é puramente física: ela é moral. Com
efeito, a sociedade é, ao mesmo tempo, autora e depositária de todos esses bens
intelectuais cujo conjunto constitui a civilização onde se nutrem as consciências
humanas. A sociedade é, pois, a fonte eminente da vida moral na qual se alimenta
a vida moral dos indivíduos.

A religião, como construtora de um sentido moral único e amplo, A religião, como


produz em seu bojo um sentido universal que lhe garante legitimidade construtora de um
sentido moral único
histórica e teológica. Além disso, seu aspecto prático, como bem e amplo, produz em
ressalta a sociologia da religião de Durkheim, permite entender que seu bojo um sentido
universal que lhe
nós passamos de uma sociedade puramente coletiva e com uma garante legitimidade
solidariedade mecânica para uma sociedade fragmentada e dividida em histórica e teológica.
inúmeros campos de atuação, em que opera a solidariedade orgânica.

Com efeito, o que outrora produzira um modelo de religião fundado na


moral coletiva, na chamada modernidade estabelece elementos de uma moral
fragmentada pela lógica do mercado e operando com uma moral individual e não
coletiva.

Através da sociologia percebemos que a religião é, sobretudo, um produto


do homem, uma construção: é através da exteriorização que a sociedade é
um produto humano. É através da objetivação que a sociedade se torna uma
realidade sui generis. É através da interiorização que o ser humano é um produto
da sociedade (BERGER, 2004, p. 16).

O termo sui generis indica algo que não tem semelhança alguma
com outra realidade, ou seja, é algo original e singular.

29
História da Religião

Para entendermos como o homem produz religião e sentido, precisamos


descobrir como funcionam os mecanismos sociais e o modo de construção
destes. “A existência humana é um contínuo ‘pôr-se em equilíbrio’ do homem com
seu corpo, do homem com seu mundo. É nesse processo que o homem produz o
mundo” (BERGER, 2004, p. 18).

A produção do mundo, por sua vez, implica a produção de religião. Neste


sentido, a religião “é a cosmificação feita de maneira sagrada” (BERGER, 2004, p.
38). E mais ainda:

A parte historicamente decisiva da religião no processo de


legitimação é explicável em termos da capacidade única da
religião de “situar” os fenômenos humanos em um quadro cósmico
de referência. [...] A legitimidade religiosa pretende relacionar a
realidade humanamente definida com a realidade última, universal
e sagrada. [...] os nomoi humanamente construídos ganham um
status cósmico (BERGER 1985, p. 48-49).

A palavra “mundo” em “O dossel sagrado” deve ser entendida


fenomenologicamente, ou seja, “omitindo-se a questão do seu estatuto ontológico
último” (BERGER, 1985, p. 15). Por “mundo dos homens” entende-se uma
realidade que, por não vir pronta da natureza como a do mundo biológico dos
animais, precisa ser construída pelos homens.

Segundo Abbagnano (1999), a fenomenologia deve ser


entendida como a área do conhecimento que estuda os diversos
fenômenos e sua manifestação na realidade.

Uma realidade peculiar, explicada por Berger (1985, p. 18) nos seguintes
termos: “Como os outros mamíferos, o homem está em um mundo que precede
o seu aparecimento. Em oposição aos outros mamíferos, este mundo não é
simplesmente dado, pré-fabricado para ele. O ser humano precisa fazer um
mundo para si”.

Mais adiante ele afirma que o homem, “biologicamente privado de um mundo


do homem, constrói um mundo humano. Esse mundo, naturalmente, é a cultura”
(BERGER, 1985, p. 19). O autor entende a cultura como o produto da atividade e
da consciência humanas, ou seja, o conjunto de tudo aquilo que constitui o mundo
socialmente construído dos homens.

E a religião entra em cena como o meio necessário para a manutenção


desse mundo. Não é à toa que Berger (1985, p. 15) inicia seu texto dizendo: “Toda

30
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

sociedade humana é um empreendimento de construção do mundo. A religião


ocupa um lugar destacado nesse empreendimento”. Embora, como pesquisador,
tenha que ressaltar a dificuldade deste conceito amplo de cultura derivado da
sociologia de Berger (1985).

No entanto, a construção artificial exige uma manutenção artificial, visto


que o mundo humano não se mantém de modo natural. O mundo socialmente
construído pelos homens se apresenta estruturalmente muito menos sólido do que
o mundo biológico dos animais: “Todos os mundos socialmente construídos são
intrinsecamente precários” (BERGER, 1985, p. 42). Isso implica a necessidade
dos esforços para se manter o mundo humano em pé.

Essa manutenção se realiza por meio de discursos


legitimadores, sendo o discurso da religião o mais eficaz para
tal tarefa. Isso se deve ao fato de que a legitimação religiosa
fundamenta a ordem social em origens que transcendem a
história e o homem (KAWAUCHE, 2003, s.p.).

Nas palavras do autor: “a religião foi historicamente o


instrumento mais amplo e efetivo de legitimação. Toda legitimação
mantém a realidade socialmente definida. A religião legitima de modo
tão eficaz porque relaciona com a realidade suprema as precárias
construções da realidade erguidas pelas sociedades empíricas”
(BERGER, 1985, p. 45).

Temos então o princípio das ideologias: os discursos legitimadores ajudam


a sustentar os mundos humanos. Todavia, a legitimação por si só não garante a
manutenção do mundo – antes de tudo, é preciso que haja condições na estrutura
da sociedade para que a legitimação tenha efeito.

Berger (1985) acredita que a realidade (objetiva e subjetiva) perdurável


do mundo construído depende de processos sociais específicos “que
permanentemente reconstroem e mantêm os mundos particulares em apreço”
(BERGER, 1985, p. 58).

O mecanismo de rememoração das “respostas legitimadoras” através do


ritual religioso é inútil se não houver uma “base” estrutural que garanta a validade
das legitimações. Esse pré-requisito de qualquer sociedade é o que Berger
denomina “estrutura de plausibilidade” (BERGER, 1985, p. 58).

31
História da Religião

Não basta que as respostas legitimadoras sejam repetidas indefinidamente.


É preciso que a sociedade esteja estruturada de tal forma que essas respostas
façam sentido. Afinal, a construção social do mundo se movimenta em direção
oposta ao caos, visando um sentido para o universo, ou seja, uma teodiceia.

Quanto melhor a estrutura de plausibilidade da sociedade, mais autoexplicável


é o mundo e, consequentemente, menos discursos legitimadores são necessários
para a sua manutenção. No limite, o que se deseja é uma estrutura de
plausibilidade que seja capaz de resistir não apenas aos “fenômenos anímicos [...]
do sofrimento, do mal e, sobretudo, da morte” (BERGER, 1985, p. 65), mas a todo
e qualquer tipo de ameaça à integridade da estrutura, por exemplo, um sentido de
mundo alternativo oferecido por uma outra sociedade.

Pluralidade de E ainda, no caso de uma situação de pluralidade de sistemas


sistemas religiosos, religiosos, Berger faz uma analogia geográfica, comentando que a
“envolve a proteção manutenção desses sistemas “envolve a proteção dos limites territoriais
dos limites territoriais
de cada estrutura de cada estrutura de plausibilidade, estendê-los se possível e a
de plausibilidade, manter controles eficazes sobre os desviados dentro dos respectivos
estendê-los se
possível e a territórios” (BERGER, 1985, p. 2).
manter controles
eficazes sobre os A manutenção de uma estrutura de plausibilidade é de tal
desviados dentro dos
respectivos territórios” importância na realidade socialmente construída, que os esforços da
(BERGER, 1985, sociedade são não apenas defensivos, mas também ofensivos. Berger
p. 2).
(1985, p. 60) ilustra isso com o seguinte exemplo:

[...] a ameaça mútua do Cristianismo e do Islã na Idade Média


exigiu que os teólogos de ambos os mundos sociorreligiosos
produzissem legitimações que defendiam o próprio mundo de
cada um contra o mundo contrário (e que, por sinal, incluíam uma
‘explicação’ do outro mundo nos termos do seu próprio mundo).

Para falarmos deste problema, destacamos que manter íntegra a estrutura


de plausibilidade de um mundo socialmente construído (seja ele religioso ou não)
é uma questão tão crucial para a sociedade (ou melhor, para os ‘promotores’
institucionais dos mundos) a ponto de justificar, sem nenhuma crise de
consciência, as guerras mais violentas contra todas as estruturas adversárias
(KAWAUCHE, 2003).

A sociologia da religião não pretende dar uma explicação definitiva sobre a


realidade humana em sua pesquisa sobre a religião, seu interesse é muito mais
modesto, ou seja, quer na verdade estabelecer um olhar diferenciado a partir de
dento da religião e da vivência desta. Berger (1995) procura no hábito religioso o
conceito que lhe dê uma percepção que até o momento estava esquecida.

32
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

Quer seja com conflitos ou posturas liberais, a secularização é um processo


irreversível dentro da sociedade ocidental, visto que cada indivíduo procura sua
própria narrativa de sentido, ou seja, sua própria religião, não existe mais o dossel
sagrado e universal que outrora mantinha a sociedade coesa e em bloco.

Parece que estamos destinados a experimentar a experiência da


fragmentação e particularização da religião, e este processo resulta a retomada
da velha regra de Protágoras: “o homem é a medida de todas as coisas”.

Sob esta realidade surgem inúmeras denominações religiosas que tornam


o campo de pesquisa do historiador da religião muito fecundo. Desta maneira,
pesquisar os desdobramentos e as implicações das religiões no mundo
contemporâneo nos apresenta vários desafios para o entendimento deste homem.

E isso é fruto dessa dissolução da religião tradicional em diferentes modos e


expressões de espiritualidade do mundo em que vivemos. Pouca gente aceita os
dilemas e o fardo moral de uma grande religião.

A unidade social outrora presente na sociedade se pulverizou e somos


bombardeados constantemente por mensagens que chegam a ser conflitantes
sobre a estrutura das religiões.

As manifestações dos crentes de diferentes grupos religiosos mostram que


eles desconhecem a sua própria religião e procuram em outras aquilo que está na
sua própria.

Há de certo modo uma confusão dos fiéis e das próprias organizações


religiosas naquilo que passam aos seus seguidores. Não só uma vez
vemos e ouvimos mensagens ambíguas que são desmentidas pelo próprio
contratestemunho de muitos religiosos.

Para não ficarmos na superficialidade de comentários ou opiniões vazias,


precisamos entender cada elemento da religião que nós pesquisamos. Ao
historiador da religião cabe a tarefa de clarificar essas dinâmicas difusas do
mundo contemporâneo.

Para aprofundar os fatores constituintes da religião,


consulte o site: Espaço acadêmico. Disponível em: <https://www.
espacoacademico.com.br/024/24ckawauche.htm>. Acesso em: 4
maio 2017.

33
História da Religião

Artigo: STIGAR, Robson. A concepção de religião para Max


Weber: um olhar a partir da ciência da religião. In: Revista Kerygma,
v. 11, n. 2, 2º semestre/2015. Disponível em: <https://revistas.unasp.
edu.br/kerygma/article/view/770/713>. Acesso: em: 4 maio 2017.

As Classificações Das Religiões


A classificação de uma religião sempre implica escolher critérios, por isso ela
não é definitiva. Deste modo, a classificação que propomos é puramente para fins
acadêmicos de pesquisa e em nenhum momento possui a pretensão de ser uma
definição rígida e última sobre os grupos religiosos.

Cabe a questão: por que, então, na disciplina de História da


Religião devemos classificar as religiões? Esta questão é pertinente:
precisamos de uma classificação dos modelos de religião por dois
motivos principais: 1- organizar a pesquisa e o material para o estudo
de uma religião; 2- formular críticas e explicações pontuais, evitando
generalidades e perspectivas sobre uma religião.


Isso nos garante certa tranquilidade e agiliza o processo de identificação
de certas características de uma religião pesquisada pelo historiador da religião.
Assim ganhamos tempo e qualidade na pesquisa que desenvolvemos.

Para podermos pesquisar e entender a estrutura das religiões, precisamos


classificar e esclarecer qual é o significado de cada uma das denominações
religiosas estudadas.

Para estabelecermos uma classificação provisória dos grupos


Classificação religiosos considerando suas estruturas, de acordo com Hock (2010),
provisória dos grupos
religiosos. definimos algumas características, que têm como objetivo organizar o
estudo da história da religião (HOCK, 2005, p. 97-99):

34
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

• O tipo orientado pelo ambiente e pela língua: neste caso há uma relação
mútua entre sagrado e profano. Seriam as religiões pré-históricas e do norte
da Eurásia.

• O tipo culturalmente desintegrado: essa manifestação coloca Sagrado


e Profano em polos distintos. Citamos como exemplo antigas religiões sul-
americanas e religiões tradicionais do Mediterrâneo.

• O tipo orientado por ritos: esse grupo enfatiza os ritos e corresponde a uma
ética independente. Os exemplos mais conhecidos são as religiões índicas
antigas (védicas), antiga religião Bön do Tibete ou as religiões cananeias.

• O tipo relacionado com o tempo: essa religião compreende a religião linear


do tempo com conceitos de início e fim do mundo. Mencionamos aqui o
Cristianismo Primitivo e o Islamismo Primitivo.

• O tipo orientado por normas: esta religião se manifesta por ritos, mas
a prática ocorre a partir de uma vivência ética. As mais conhecidas são o
Confucionismo e o Judaísmo Rabínico.

• O tipo sincretista complexo: este grupo religioso une temporariamente


elementos diversificados em diferentes culturas, causando uma diversidade
de características religiosas. Exemplos destas manifestações são: Umbanda,
Candomblé e, ainda, religiões helênico-sincretistas.

• O tipo sintético complexo: este grupo religioso une elementos de diferentes


origens de modo definitivo. As religiões mais conhecidas deste grupo
são Judaísmo Moderno, grupos de Cristianismo, grupos de Islamismo e o
Budismo Maaiana.

Estes diferentes grupos evidenciam que vivemos em uma época de crise.


“Crise moral do mundo ocidental [...]: a destruição de toda e qualquer tradição,
de um sentido de vida mais abrangente, de padrões éticos imprescindíveis [...]”
produziu seres que “não sabem mais que preferências seguir, que prioridades
colocar e que imagens orientadoras escolher” (KÜNG, 2004, p. 28-29).

As mudanças substanciais em nossa sociedade colocam os extremismos


em evidência, e os conflitos devem ser evitados, este é o motivo do estudo das
religiões. Se conhecermos bem as dificuldades das nossas expressões radicais
de religião, poderemos evitar os conflitos.

35
História da Religião

Existem sete dimensões de mudanças que devem ser


consideradas: a política mundial deixou de ser eurocêntrica para
tornar-se policêntrica; não é mais colonialista e imperialista, mas, sim,
de cooperação internacional; no campo da economia, o capitalismo
e o socialismo são substituídos por um tipo ecossocial de mercado; a
sociedade industrial é substituída pela de serviços e de comunicação;
nas relações sociais, evidencia-se o surgimento de um sistema pós-
patriarcal nas relações de gênero; a cultura passa a ser entendida
não mais como ideologia, mas como pluralista e integral; e, por fim,
no campo da religiosidade começa-se a buscar uma comunidade
mundial multiconfessional ou ecumênica.

Fonte: Küng (2004, p. 45-46).

Segundo o teólogo Küng (2004, p. 46), “uma decadência de valores, mas


uma fundamental transformação de valores”, que possibilitaria o desenvolvimento
do ser humano todo e de todos os humanos.

Mas, para tanto, seriam necessárias quatro passagens: a


passagem de uma ciência desvinculada da ética para uma eticamente
responsável; de uma tecnocracia subjugadora para uma tecnologia
que serve à promoção da humanidade; de uma indústria que degrada
o meio ambiente para uma que promova os verdadeiros interesses
e necessidades da humanidade em harmonia com a natureza; e de
uma democracia formal e de direito para uma vivencial, na qual haja
a reconciliação da liberdade e da justiça.

Fonte: Küng (2004, p. 46-47).

A busca pela paz A busca pela paz pode ser conquistada com diálogo e abertura
pode ser conquistada ao debate, evitando a perda de vidas. Sabemos dos limites da
com diálogo e
abertura ao debate, racionalidade humana, mas podemos construir um diálogo frutífero se
evitando a perda de nos colocarmos em posição de compreensão para com o outro.
vidas.

36
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

A concordância de que se pode resolver conflitos sociais de


uma forma não violenta. O que pressupõem uma ordem econômica
e uma ordem jurídica? A concordância no desejo de orientar por
determinadas ordenanças e leis. O que pressupõem as instituições
que sustentam essas ordens, mas que constantemente estão em
transformação? Resposta: o desejo de pelo menos silenciosamente
concordar sempre de novo com elas.

Fonte: Küng (2004, p. 59-60).

Isto significa que existe o temor do obscurantismo fundado


no extremismo religioso, o que se finda na retomada de
sentimentos arcaicos. Num outro sentido, a contrariedade à
fé cientificista no progresso, oriunda de um naturalismo cru
que dissolve a moral. [...] Mas isto não é espantoso, visto
que a contemporaneidade possui como característica própria
este fundamentalismo islâmico, e em outros momentos um
fundamentalismo cristão, porém, apesar de o fundamentalismo
ser um fenômeno moderno, “o que impressiona de imediato é a
não contemporaneidade dos motivos e dos meios. Ela (atitude)
é o reflexo da diferença temporal entre cultura e sociedade”
(HABERMAS, 2004, p. 136). [...] Por isso podemos dizer que
os argumentos dos terroristas são anteriores à separação
entre Igreja e Estado. Com efeito, “o que é decisivo é que a
mudança de mentalidade, que se exprime politicamente por
meio da separação entre Religião e o Estado vê-se claramente
bloqueada por sentimentos de humilhação” (HABERMAS,
2004a, p. 137). Isso ocorre em diferentes partes do mundo,
mesmo na Europa, onde existem sentimentos ambivalentes
frente à secularização (SCHUCK, 2010, p. 27-28).

A busca pela paz em meio ao mundo europeu secularizado esbarra na


ineficácia dos mecanismos de controle do Estado, não queremos um Estado
medieval, mas ao mesmo tempo precisamos de um Estado moderador.

Existe, assim, uma radicalização entre as diferentes expressões


secularizadas da modernidade. [...] Isto significa que a guerra
contra o terrorismo não é uma guerra, na verdade é um
choque funesto entre dois mundos, civilizações diferentes, e
concepções de mundo divergentes. Assim, o que se espera
não é um Estado com fundamento em Hobbes, garantidor da
paz universal pelo uso da força e da imposição do medo, mas
um poder modelador que permita um mínimo de civilidade em
escala mundial. “No estágio em que estamos não podemos
esperar por nada além de um artifício da Razão e por um pouco
de autoconsciência” (HABERMAS, 2004, p. 137). Contudo,

37
História da Religião

para esperarmos por isso, precisamos entender bem o que


significa a distinção entre secularização na sociedade pós-
secular e razão moderna. É por isso que Habermas retoma
a clássica distinção entre fé e saber (SCHUCK, 2010, p. 28).

O estudo da religião requer uma gama de características diversas que


englobe os diferentes campos de conhecimento presentes na academia para
evitar a intolerância e o proselitismo. Desta maneira, o conhecimento que se funda
na diversidade adquire abrangência, contudo pode carecer de profundidade.
A ciência da religião, inserida na dinâmica da sociedade do século XXI, sofre
duplamente a influência dos fenômenos radicais por um lado e, por outro, a total
liberalização.

A contingência e singularidade assumem papéis importantes


na estruturação do conhecimento durante os séculos XVIII
e XIX. Os estudos realizados nas diferentes áreas de
conhecimento, especialmente historiografia, filologia, sociologia
e a antropologia, contribuíram substancialmente no alargamento
do conceito de religião. O Eurocentrismo começa a sofrer os
primeiros abalos mediante o conhecimento de novas culturas.
Mediante a consideração de que “imediatamente relevante
é o objeto “religião”, ou seja, qualquer crença ou sensação
religiosa subjetiva, bem como expressão religiosa manifesta
empiricamente e acessíveis por pesquisadores da religião”
(GRESCHAT, 2006, p. 32). Desta sorte, o conhecimento expresso
de maneira integrada garante uma abrangência maior sem deixar
de mostrar a singularidade e profundidade de diversas áreas de
conhecimento. Isto permite perceber a importância do contato
direto com o objeto “religião”. Substancialmente, o ensinamento
parece ser a necessidade de produzir conhecimento e não
apenas reproduzir (SCHUCK, 2010, p. 28-29).

O avanço das ciências nos séculos referidos e de modo especial no século


XX permitiu aprofundar substancialmente os conhecimentos acerca da religião. No
entanto, o conhecimento por vezes ainda se autoexclui, porque os denominados
ateus defendem a impossibilidade de sustentar o Deus tradicional, enquanto que
a corrente dos que entendem a importância da divindade se apoia na experiência
prática da religião.

O modo de compreender a realidade e entender a formação do


conhecimento acaba por excluir completamente todas as formas
de incluir Deus no discurso da ciência. O conhecimento envolve
somente o saber acerca do que se pode demonstrar e mensurar.
A crise decorrente desse problema provém principalmente do
modelo epistêmico adotado fundado no ceticismo dogmático. Por
outro lado, os que defendem uma postura que inclui a divindade
no discurso argumentam em prol de uma sociedade mais justa
invocando a presença de uma divindade. Os pensadores de
vertente social argumentaram por um caminho totalmente ateu
por muito tempo, especialmente nos anos de 1960 a 1970, mas

38
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

lentamente a permanência da religiosidade de fato transformou


o modo de pensar de alguns sociólogos. Entre os pensadores
da Escola de Frankfurt, o exemplo dessa tendência é Habermas,
enquanto professor universitário tendeu mais para a primeira
corrente; contudo, após a aposentadoria em 1994, assumiu uma
preocupação maior com a religião e sua presença na sociedade
contemporânea. A modernidade é um processo que ataca a
religião tradicional e que permanece dentro desse âmbito. O
objeto de estudo não muda de lugar, mas assume uma nova
forma de se expressar, de se impor. Para Habermas, “a moral do
igual respeito por cada um vale independentemente de qualquer
tipo de contexto religioso” (HABERMAS, 2007a, p. 239). Deste
modo, a religião não pode ser usada como justificativa ética,
visto que a ética se configura como condição de sobrevivência
em sociedade (SCHUCK, 2010, 29-30).

No contexto contemporâneo da Ciência da Religião emerge


uma nova forma de abordagem, “afastando-se tanto das escolas
fenomenológicas como científico-sociais da religião. Trata-se da
aplicação de princípios e métodos darwinianos aos objetos de estudo
clássicos, uma aplicação tão promissora quanto controversa” (CRUZ,
2007, p. 261).

Com efeito, as diferentes áreas de conhecimento procuraram uma solução


para o fenômeno religioso e as práticas religiosas das diferentes culturas. Estudar a
real experiência religiosa das diferentes culturas presentes na contemporaneidade
parece ser o principal desafio da Ciência da Religião.

O homem contemporâneo se depara com uma contradição fundamental:


de um lado floresce um ateísmo radical, enquanto que, por outro, o radicalismo
religioso serve para justificar atentados armados e intervenções militares. A
definição de religião é muito controversa e difícil. A pergunta que suscita é uma
aporia da razão teórica, como formulara Kant, e responder ao que é a religião seria
demasiado para a limitação do humano. Assim, buscar os fundamentos últimos de
uma ciência da religião é uma tarefa humanamente impossível (SCHUCK, 2010).

Por isso, alguns teóricos preocupar-se-ão em estudar a religião partindo


do fenômeno, de como ela é manifesta na dimensão da existência humana.
Preocupar-se-ão, não em definir o que é, mas como as pessoas vivem suas
religiões. Os chamados fenomenólogos da religião preocupar-se-ão com o modo
de funcionamento do sistema religioso. Porque seu fundamento é o relativismo de
Protágoras e a teoria da ação de Wittgenstein, ou seja, não importa a verdade,

39
História da Religião

mas como se usam os termos religiosos na prática, pelo uso é que se justificam
as atitudes e os ritos dentro de uma determinada religião. É claro que esta postura
possui problemas em seu bojo, contudo ela se aproxima mais de como funciona o
sistema de crenças na sociedade do século XXI.

Aparentemente, alguns pensadores caminham para lados diferentes, mas


se olharmos mais de perto perceberemos que: apesar de usarem métodos de
abordagem diferentes, ambos concordam sobre um tema, a religião serve como
reserva de conteúdo para os juízos morais. Mesmo na sociedade chamada por
muitos de pós-metafísica ainda existe um ponto de reserva semântica para as
atitudes do ser humano (SCHUCK, 2010).

A pluralidade que constatamos no mundo contemporâneo é fruto da


fragmentação da sociedade em que vivemos. A religião não desapareceu, ela está
pulverizada, espalhada em diferentes campos de vivência espiritual.

Assim, o mundo permeado por diferentes cosmovisões se


mostra com dificuldades de dialogar. Sob a pretensa afirmação de
que cada cultura é diferente se esconde um dogmatismo, da mesma
maneira se verifica essa tendência nos que afirmam a universalidade
de uma visão de mundo. A dificuldade parece justamente estar nos
exageros da razão ou da crença, contudo é muito vulnerável falar
de equilíbrio quando se define religião, fé, conhecimento, verdade e
outras definições que parecem soar ingênuas frente à promiscuidade
semântica da contemporaneidade. Talvez a persistência da presença
da religião no âmbito público seja uma resposta à falta de sentido que
a filosofia contemporânea projetou sobre o ser humano. Porque não
crer em nada e nem mesmo no próprio homem parece desesperador,
uma vez que construímos nossa vida sobre crenças muitas vezes
frágeis (SCHUCK, 2010).

O meio em que vivemos, ao contrário do que muita gente pensou e pensa, está
permeado pelo âmbito religioso, e isso é uma percepção do mundo em que vivemos.

Como mencionamos anteriormente, o fiel encontra-se em outra


esfera, sua demanda não pode mais ser respondida pela religião
tradicional, mas ao mesmo tempo ele procura nela o sustentáculo
semântico para continuar a existir.
Esta angústia individual se reflete na esfera pública, se o filósofo
perdeu seu papel de intelectual e o sacerdote não é mais a única

40
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

autoridade a ser ouvida quando assunto é fé, os estados nacionais


se encontram em uma aporia; refutam a religião e, com ela, muitos
fiéis aceitam as diversidades e negam se a preceito axiomático de
laicidade. Novamente uma narrativa cosmológica, [...] não serve
para explicar a dinâmica entre fé saber no mundo contemporâneo.
O próprio Habermas se posiciona frente à filosofia da história de
Hegel com algumas ressalvas importantes e, além do mais, a
dinâmica do século XX e início do XXI apresentou certa negação
ao postulado hegeliano de que a filosofia do espírito substituiria a
religião (SCHUCK, 2010, p. 45).

Poderíamos, no entanto, devolver o problema ao apresentar os limites da


sociologia e da filosofia, pois a autofundação da razão em nível ontológico não
prova nada. Partindo de uma visão teológica sistemática se poderia, por exemplo,
evocar a união ontológica de Deus com o homem e seus graus de hierarquia,
usando a filosofia como instrumento. Assim, a religião seria a forma do ser humano
agradecer a Deus por existir, uma vez que Deus é o único ser que é.

Portanto, no problema da dinâmica da sociedade pós-secular podemos


perceber que existe uma variedade muito grande de posicionamentos possíveis
frente à fé em relação ao conhecimento. A dinâmica presente no processo de
secularização não pode ser considerada apenas por um dos lados, ou seja,
o Iluminismo não suprimiu definitivamente as noções de religião do âmbito
acadêmico e tampouco da vida dos cidadãos secularizados.

O resultado deste processo de secularização é um conjunto de religiões


jovens que podem ser chamadas até de tipos de espiritualidades que não se
permitem a um significado global da moral. Suas perspectivas são sempre
relativas e pontuais, nunca há uma definição universal de sentido religioso em
questão. Sempre se resumem a experiências religiosas particulares e limitadas.

Deste modo, classificá-las torna-se uma tarefa difícil, pois elas possuem
características muito voláteis e que variam muito de um período para outro, ou
mesmo de indivíduos. Desta maneira, o historiador da religião deve estar atento
ao modo como estas religiões jovens se organizam e se caracterizam.

O Sagrado E O Profano
Ao nos defrontarmos com o mundo em que vivemos, temos diferentes
percepções, mas duas aparecem de imediato em nossa existência: o sagrado
e o profano. Quer por causa das proibições e dos interditos ou pela percepção
do sublime e do belo, somos levados a entender que no mundo existem duas
dimensões básicas.

41
História da Religião

Esta divisão entre coisas e atos sagrados e profanos reforça o comportamento


religioso nos sujeitos e lhe confere certa maneira natural de agir. Devemos evitar
as coisas profanas e buscar as sagradas, devemos evitar as atitudes profanas e
procurar as sagradas.

Neste sentido, somos guiados novamente no caminho do qual nos desviamos


por razões de desobediência do Criador. Por isso, a dimensão do sagrado que
irrompe e deixa o profano submetido a ele. Ao se manifestar no tempo o sagrado
se sobrepõe ao profano como evento hierofânico. Essa hierofania se impõe e
garante uma experiência do divino ao sujeito.

Embora o mundo contemporâneo tente negar essa dinâmica, ela se faz


presente e não depende da vontade dos indivíduos. A manifestação do Sagrado
é independente, é vontade do Criador. Deus decide em qual local e tempo a
experiência se manifestará.

No mundo contemporâneo, o homem vive imerso em uma dimensão


totalmente profana e sem sentido de sacralidade, isto ficou pelo caminho. O
desenvolvimento científico e tecnológico nos colocou em outra dimensão, somos
seres que vivemos cheios de aparatos para nos colocar a par de tudo o tempo
todo. O caráter sagrado dos deuses se perdeu. Parece até que nós somos os
novos seres divinos.

Não cabe em nosso tema descrever a história da lenta


dessacralização da morada humana. Este processo faz
parte integrante da gigantesca transformação do mundo
assumida pelas sociedades industriais - transformação que
se tornou possível pela dessacralização do Cosmo, a partir
do pensamento científico e, sobretudo, das descobertas
sensacionais da física e química. Mais tarde, teremos ocasião
de indagar se esta secularização da Natureza é realmente
definitiva, se não há nenhuma possibilidade, para o homem
não religioso, de reencontrar a dimensão sagrada da existência
no mundo (ELIADE, 2001, p. 49).

Mesmo imersos neste caráter profano da existência queremos reencontrar a


sacralidade e deixar um pouco este mundo dessacralizado. A existência adquiriu
total subjetividade e relatividade e eis que produz um conflito interior entre esse
homem que quer retornar a dimensão sagrada.

O desejo do homem de viver no sagrado equivale, de fato, ao


seu desejo de se situar na realidade objetiva, de não se deixar
paralisar pela relatividade sem fim das experiências puramente
subjetivas, de viver em um mundo real e eficiente - e não numa
ilusão (ELIADE, 2001, p. 32).

42
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

A perspectiva de sagrado descrita por Eliade é descrita em um período de


constante desenvolvimento da tecnologia do século XX. As constates mudanças
colocam o homem em um universo relativista e multifacetada. A religião é
profundamente impactada por essa realidade (ELIADE, 1996, p. 5).

O conceito de sagrado possui uma ligação direta com o ético, o moral e a


bondade (OTTO, 1996, p. 11). Deste modo, ser sagrado é o mesmo que ser santo,
ou ainda, ser revestido de uma pureza moral e ética inigualável e inacessível, o
que confere ao ser que é santo e sagrado uma bondade extraordinária.

O sagrado contém em si elementos morais e éticos, mas não pode ser pura
e simplesmente reduzido a estes, o que Otto se propõe a estudar é uma outra
dimensão do sagrado, onde o mesmo não pode ser tão facilmente medido e
compreendido, elucidado em conceitos ou mais ainda entendido e definido, pois
existe apenas no universo do inefável (OTTO, 1996, p. 11).

Otto (1996) defende em sua obra o sagrado, o aspecto não racional sem
esquecer os elementos do racional, já que sua intenção é fazer uma interação
entre o não racional e o racional. Para identificar o sagrado no seu elemento não
racional, ele inaugura a palavra numinoso, que também não deixa de possuir
elementos racionais.

O numinoso não pode ser entendido, porque não pode ser


explicado, isso parece ser óbvio, já que seu caráter é de algo
inefável – se não se pode dizer, não se pode entender. Todavia, a
simplicidade, como Otto trabalha a questão, transforma-a em algo de
reduzida compreensão, já que para ele somente os que viveram uma
experiência religiosa é que podem entender, mas não expressar, o
que sentiram e viveram em relação ao sagrado, ao numinoso (OTTO,
1996, p. 13).

“O diálogo entre o religioso e o não religioso se torna, dessa perspectiva,


estritamente difícil, já que o homem natural não compreende nada do sagrado,
nada do numinoso e nada da religião: “é impossível conversar sobre religião com
tal homem”” (OTTO, 1996, p. 13 apud SILVA; SILVA, 2005, p. 2).

Um caminho para o diálogo poderia ser a experiência estética, entretanto,


a mesma é apenas algo muito próximo, mas não é o sentimento religioso.
“Esse ou esses sentimentos, na experiência religiosa (cristianismo), sempre são

43
História da Religião

experimentados em maior intensidade que nos outros domínios da vida” (SILVA;


SILVA, 2005, p. 2).

“A gratidão, a confiança, o amor, a segurança, a submissão, a resignação e


a dependência, são na religião, ou melhor, na experiência religiosa, sempre mais
intensos” (OTTO, 1996, p. 13 apud SILVA; SILVA, 2005, p. 2).

Destacando o sentimento da dependência, enfatiza que o mesmo é diferente


de qualquer outro sentimento de dependência encontrado fora da religião. O
porquê é assim? Não podemos explicar? “Isto acontece exatamente porque se
trata de um dado cuja origem e fundamento encontram-se na alma” (OTTO, 1996,
p.13-14 apud SILVA; SILVA, 2005, p. 2).

De acordo com Otto esse sentimento se explica no “sentimento de ser


criatura”, de que algo está fora de mim e longe do meu alcance, algo que se
encontra na divindade, mas que ao mesmo tempo está em mim. Relaciona-se ao
medo, já que o que está fora de si é maior do que eu, mas também se relaciona
ao “amor”, já que me sinto (OTTO, 1996, p.14-15 apud SILVA; SILVA, 2005, p. 5).

Pelo conceito de numinoso, Otto entende a característica essencial e


exclusiva da religião “e sem ele, a religião perderia as suas características [...] Se
lumen pode servir para formar luminoso, numen pode formar o numinoso” (OTTO,
1996, p. 12). “Todo som, todo canto, toda palavra são sem nenhum efeito” (OTTO,
1996, p. 66). “Para nós, ocidentais, a arte numinosa é a gótica” (OTTO, 1996, p.
71).

Otto utiliza-se da música como o grande exemplo. “Ter um Deus não significa
nada mais que confiar nele de todo o coração”. Atraído para esse que está fora
de si. Certamente o racional e o científico não podem explicar isso (OTTO, 1996,
p. 15).

Isso significa que existem coisas que não podem ser compreendidas pelo ser
humano, mas que expressam e manifestam a divindade. Deste modo, a música é
o elemento que explica bem esta dinâmica.

A explicação oferecida por Otto permite apresentar uma explicação


do inexplicável, a manifestação do numinoso, ou seja, mesmo que não a
compreendamos podemos falar dela. E é na manifestação deste numinoso que se
manifesta a essência da religião para Otto, ou seja, o divino entra na história e se
mostra ao sujeito que vivencia esta experiência.

O homem que experimenta o numinoso não pela sua vontade, mas pela
vontade do Criador que irrompe no tempo para transformá-lo em instante de

44
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

vivência do sagrado. Quando o sujeito humano vivencia o sagrado na existência,


ela passa a adquirir um novo significado.

Quando o sagrado se manifesta [...], não só há rotura na


homogeneidade do espaço, como também revelação de uma
realidade absoluta, que se opõe à não realidade da imensa extensão
envolvente. A manifestação do sagrado funda ontologicamente o
mundo. Na extensão homogênea e infinita onde não é possível
nenhum ponto de referência, e onde, portanto, nenhuma orientação
pode efetuar-se, é revelado um “ponto fixo” absoluto, um “Centro”.

Fonte: Eliade (1992, p. 17).

Se o mundo de nosso tempo sofre tanto com a falta de sentido imposta pelo
processo de secularização moderna, cabe ao historiador da religião entender a
dinâmica da manifestação deste sagrado.

Se considerarmos a hipótese de Otto em sua totalidade, perceberemos


que há uma radical oposição entre sagrado e profano. Esta oposição gera um
movimento na vivência religiosa e na escolha moral dos indivíduos.

Ao influenciar a escolha concreta dos indivíduos, a forma como o sagrado


se impõe é definitiva e inegável, o que é passível de aceitação ou não aos seres
humanos, pois o homem pode optar em continuar na vida profana, mesmo que o
sagrado se faça presente. Ao rejeitar a presença do sagrado, o homem em nada
arranha a imposição e a totalidade do sagrado.

Para a Teologia, a realidade de Deus é independente da consciência humana,


bem como a nossa linguagem sobre ele. Aquilo que falamos de Deus, o fazemos
dentro de um contexto histórico e de uma linguagem. Deste modo, o processo
teológico de formação do discurso sobre Deus é produto dado da revelação do
contexto histórico e da linguagem que usamos. Deus é a realidade que, em todo
o caso, apontam os crentes, isso significa que, quando oramos ou rezamos, nos
dirigimos ao Deus vivo e real.

A cada sujeito cabe a interpretação, bem como a escolha livre sobre sua
existência, o modo de interpretar a experiência humana é na contingência que
se manifesta o limite absoluto tanto para crentes, agnósticos ou ateus. Mesmo os
céticos reconhecem na contingência algo que não pode ser colocado em dúvida,

45
História da Religião

pois é uma experiência partilhada por todos e resolvida cada um a seu modo, o
que não existe é uma experiência da contingência sem interpretação, visto que
tudo que é experimentado é interpretado de certo modo.

Os cristãos expressam a divindade na revelação de Cristo que entrou na


contingência da história e lhe conferiu um sentido: a salvação. Os agnósticos
nada refletem ou expressam sobre aquilo que está fora da matéria e retém no
indivíduo a experiência da contingência. Já os céticos duvidam da revelação,
mas estão circunscritos pela contingência e, como tal, dela não pode fugir, logo, a
contingência é uma experiência compartilhada.

Na perspectiva da revelação pela fé cristã apontada pela


Na perspectiva da Teologia, uma possibilidade de saída deste limite absoluto imposto
revelação pela fé
cristã apontada pela contingência é a experiência imediata de Deus. Eis que isto, na
pela Teologia, uma tradição cristã, chamamos de mística. Logo, homem não é apenas
possibilidade de
saída deste limite seu passado, pois ele impõe à história seus desejos e anseios criando
absoluto imposto novas tradições.
pela contingência
é a experiência
imediata de Deus. O sagrado continua a nos chamar para esta experiência do
Numinoso, Deus continua a nos convidar para participar de sua Criação.
Neste sentido, a bondade infinita do ser supremo se mostra como graça infinita.

Atividade de Estudos:

1) Como pudemos perceber a temática do Sagrado e do Profano
é fundamental para compreendermos a estrutura fundante
da religiosidade. Mircea Eliade, um autor que utilizamos para
fundamentar nossas análises, escreveu um livro cujo tema é: O
Sagrado e o Profano.

Assim, leia a Resenha escrita por Lucas Deschain no site:


<http://www.posfacio.com.br/2012/10/10/o-sagrado-e-o-profano-
mircea-eliade> e procure definir com suas palavras qual é o
objetivo central da compreensão da relação entre o Sagrado e o
Profano para o estudo das religiões.
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Capítulo 1 Introdução à História da Religião

O Surgimento Das Religiões


Na tentativa de entender como ocorre o surgimento da cultura de uma religião,
aventamos algumas hipóteses prováveis sobre a questão. Comecemos por
considerar a religião como componente fundamental da existência humana, dando-
lhe um caráter de essência. Essa hipótese nominamos de essência da religião.

A cultura parece sofrer da mesma fraqueza que sofrem os


rituais mágicos: reconhecemos a sua intenção, constatamos o seu
fracasso – e sobra apenas a esperança de que, de alguma forma,
algum dia, a realidade se harmoniza com o desejo. E enquanto o
desejo não se realiza, resta cantá-lo, dizê-lo, celebrá-lo, escrever-lhe
poemas, compro-lhe sinfonias, anunciar-lhe celebrações e festivais.
E a realização da intenção da cultura se transfere então para a
esfera dos símbolos [...]. As esperanças do ato pelo qual os homens
criaram a cultura, presentes no seu próprio fracasso, são horizontes
que nos indicam direções. E esta é a razão porque não podemos
entender uma cultura quando nos detemos na contemplação dos
seus triunfos técnicos/práticos. Por que é justamente no ponto onde
ele fracassou que brota o símbolo, testemunha das coisas ainda
ausentes, saudade de coisas que não nasceram [...] Aqui surge a
religião, teia de símbolos, rede de desejos, confissão da espera,
horizonte dos horizontes, a mais fantástica e pretensiosa tentativa de
transubstanciar a natureza.

Fonte: Alves (1999, p. 23-24).

Nesta perspectiva, a religião surge dentro dos indivíduos e possui


Nesta perspectiva, a
uma natureza própria, ou seja, a essência da religião é uma substância religião surge dentro
que se confunde com a natureza humana e com o sentimento de divino dos indivíduos e
presente no sujeito. possui uma natureza
própria, ou seja, a
essência da religião
Nela o sujeito que emerge com a religião possui uma perspectiva é uma substância
que se confunde
de originalidade, ou seja, ele se sente como parte integrante da com a natureza
verdadeira religião. Nada que ele pratica pode estar fora da perspectiva humana e com o
da religião autêntica. Por exemplo, para um judeu é inconcebível fazer sentimento de divino
presente no sujeito.
uso de certos alimentos, como carne suína. Para um cristão, a vivência
da caridade é pressuposto em sua prática moral cotidiana.

47
História da Religião

Outra hipótese, a religião é uma imposição de um grupo social dominante


e surge como elemento de identificação de um Estado. Sob esta perspectiva, o
sujeito não possui nenhuma autonomia de escolha. A religião é imposta por uma
vontade política superior e se usa da força para se manter a mesma. Temos como
exemplo desta situação vários países cuja religião oficial é o Islamismo, que
obrigam seus cidadãos a aderirem-na mesma, bem como seus costumes.

Nela o sujeito frequenta e pratica a religião por puro interesse de preservar a


sua vida e manter sua família em segurança, visto que suas convicções pessoais
não podem ser manifestadas publicamente.

Merece destaque também a hipótese de um interesse racional em constituir


uma religião que tenha os elementos de um determinado grupo de sujeitos e se
constitui como uma forma de interação social sem as amarras de uma instituição
e seus ritos.

Assim, essa origem se dá por uma convenção ou por um acordo coletivo de


indivíduos livres que se toleram e aceitam constituir rituais em comum sem um
código moral rígido que os imponha um fardo muito pesado.

Sob esta perspectiva, temos o surgimento de inúmeras religiões na


modernidade e no mundo contemporâneo, algumas são efêmeras e desaparecem
logo, outras caminham para uma institucionalização lenta e progressiva para
posteriormente se tornar uma religião sólida.

Estudar a origem da religião implica pesquisar a história de cada religião.


Para Hock (2010), a história da religião deve abarcar a diversidade das religiões.
Segundo ele (HOCK, 2010, p. 31), “a doutrina e prática de fé, costumes e
forma de organização, formação de tradições dentro da religião” são elementos
constituintes da história da origem de uma religião. Desta forma, se quisermos
estudar a origem de uma religião, precisamos estudar a sua história.

Sobre o estudo da origem das religiões, leia o texto a seguir


para aprofundar seus conhecimentos: Podemos localizar sua
primeira manifestação na Grécia clássica, sobretudo a partir do
século V. Esse interesse manifesta-se, por um lado, nas descrições
dos cultos estrangeiros e nas comparações com os fatos religiosos
nacionais – intercaladas nos relatos de viagens – e, por outro
lado, na crítica filosófica da religião tradicional. Heródoto (c. 484
c. 425 a.C.,) já apresentava descrições admiravelmente exatas de
algumas religiões exóticas e bárbaras (Egito, Pérsia. Trácia, Cítia

48
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

etc.), e chegou até mesmo a propor hipóteses acerca de suas


origens e relações com os cultos e as mitologias da Grécia. Os
pensadores pré-socráticos, interrogando-se sobre a natureza de
deus e o valor dos mitos, fundaram a crítica racionalista da religião.
Assim, por exemplo, para Parmênides (nascido por volta de 520)
e Empédocles (c. 495-435), os deuses eram a personificação das
forças da Natureza. Demócrito (c. 460-70), por sua vez, parece ter
se interessado singularmente pelas religiões estrangeiras, que, aliás,
conhecia de fonte direta em virtude de suas numerosas viagens:
atribui-se a ele, também, um livro sobre as inscrições sagradas da
Babilônia, as Narrativas caldeias e Narrativas frigias. Platão (429-
347) utilizava frequentemente comparações com as religiões dos
bárbaros. Aristóteles (384-322) foi o primeiro a formular, de maneira
sistemática, a teoria da degenerescência religiosa da humanidade
(Metafisica, XIL, capítulo 7), ideia que foi retomada várias vezes
posteriormente. Teofrasto (372-287), que sucedeu Aristóteles na
direção do Liceu, pode ser considerado o primeiro historiador grego
das religiões: segundo Diógenes Laércio (V. 48), Teofrasto compôs
uma história das religiões em seis livros.

Fonte: Eliade (1992, p. 6).

Segundo o especialista alemão, “a História da Religião se serve dos habituais


métodos históricos-críticos e procura apoio de ciências como a psicologia,
sociologia, etnologia, dentre outras” (HOCK, 2010, p. 31), isso implica considerar
a religião em uma realidade social que adquire forma real na medida que se
constitui como sentido individual.

Para Hock (2010), podemos dividir a história da religião em:


“História da Religião Geral, Particular e Específica” (HOCK, 2010, p.
32), o qual afirma que religião geral indica a descrição dos fatos de
uma religião na totalidade da sua dimensão histórica.

A religião particular estuda a formação e o crescimento histórico


de uma religião, por exemplo, o cristianismo, o hinduísmo ou qualquer
outra. Já história da religião específica pesquisa os elementos
distintos em cada tradição religiosa.

49
História da Religião

No decorrer da pesquisa acerca de uma religião, encontramos algumas


dificuldades que podem ser resumidas em três grupos: a validade dos resultados
de uma pesquisa; as definições e as consequências destas; e a terminologia
cientifico-religiosa.

Segundo Hock (2010), precisamos estabelecer o mínimo de critério para


podermos fazer um estudo da história da religião que possa ser confiável.
Podemos partir da história da religião como uma descrição ou comparação.
Contudo, uma pesquisa aprofundada não se restringe ao relato de fato ou a
comparações de religiões, pois “a ciência da história da religião não pode se
limitar ao passado, mas encontra sua tarefa em medida crescente na pesquisa da
religião relacionada com o tema presente” (HOCK, 2010, p. 33).

De acordo com Hock (2010), a história da religião no ocidente surge no início


do século XVIII, o pesquisador Charles De Brosses (1709-1777) publica sua obra
‘Sobre o culto deuses fetiches ou paralelo entre a antiga religião do Egito e atual
religião da Nigrícia’. Neste livro, De Brosses compara o fetichismo com o culto de
antigos objetos da religião. Ele classifica esses objetos como feitiço. Sua pesquisa
colocou a questão fundamental para pesquisa da origem de uma religião: qual é a
forma primordial da religião? Graças ao seu estudo, De Brosses conseguiu formar
um campo de pesquisa que posteriormente resultou em uma disciplina cientifica.

À medida que as universidades europeias do século XVIII e início do século


XIX configuram o estudo da ciência histórica da religião, ela ganha corpo e solidez
epistemológica. O objetivo deste campo de conhecimento através do método
histórico é reconstruir a “verdadeira” história da religião, neste momento surge a
ciência da religião.

Os estudos de filologia e de filologia comparativa, com os estudos de filosofia


da história da religião adquiriram o auge em fins do século XIX, quando se publica
49 volumes de textos históricos religiosos coordenados por Max Müller sob o título
Sacred Books of the East.

O florescimento da escola histórico-religiosa ocorreu graças a Hermann


Gunkel (1862-1932) devido ao exaustivo processo histórico bíblico de exegese.
Neste período, os próprios textos bíblicos passam a ser vistos como “história”.
Este período de auge do método histórico crítico ou da escola histórico-religiosa
sofreu uma dura crítica teológica, pois a teologia rejeita o conceito histórico.

Devemos lembrar ainda as descobertas arqueológicas que nos colocaram a


par da arte pré-histórica sobre Troia, Creta, Turquia e Egito Antigo, pois, conforme
aponta Marshall (1876-1958), as descobertas arqueológicas sobre as civilizações

50
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

antigas no Vale do Indo contribuíram substancialmente para a revisão das teorias


histórico-religiosas acerca do desenvolvimento da religião védica.

É importante mencionar três aspectos no estudo da história das religiões: a


quantidade de fontes histórico-religiosas disponíveis; as descobertas dos textos
do antigo oriente, por exemplo, fontes maniqueias e os achados de Qumran; a
história da religião esgota a discussão acerca da origem da religião? Neste
aspecto visões tradicionais de conceitos histórico-religiosos são criticados. A
interpretação da religião mediante o Sagrado como categoria desenvolvida por
Otto (1869-1936).

Em Das Heilige, de 1917, Otto organiza a religião a partir do conceito de


numinoso, aquilo que é inexplicável, mas se manifesta nos indivíduos. Com o
desenvolvimento das pesquisas histórico-religiosas, Otto sofreu duas críticas pois,
segundo alguns pesquisadores, existem mais características a serem estudadas
do que o Sagrado.

Segundo estes, o pesquisador da religião deve interrogar suas fontes


disponíveis e entrar em contato com o mais original possível das fontes. Logo,
deve haver uma grande discussão e problematização dos dados históricos de
modo a permitir um processo de interação com as fontes.

A história da religião é fundamental para as pesquisas científico-religiosas,


pois através dela é que temos um contato filológico com as fontes dos textos
sagrados. De acordo com Hock (2010), os textos mais importantes provêm do
coração de cada religião.

A fonte geralmente chamada de “Escritura Sagrada” é fundante. As


Escritos de primeira
características destes textos podem variar entre revelados e leis rígidas. classe.
Em geral, são frutos de uma longa tradição oral que foi organizada e
copilada, são denominados de escritos de primeira classe.

Os textos que se constituem comentários aos originais, Escritos de segunda


classe.
denominamos de escritos de segunda classe. Um exemplo destes
escritos são o Midrash e o Talmud, que são escritos feitos por sacerdotes do
judaísmo a partir de uma interpretação da Torá. No Islamismo, temos o Hadith,
que é uma coletânea de ensinamentos sobre hábitos morais baseadas no Corão.

Seguindo nossa classificação, denominamos escritos sagrados Escritos sagrados


de terceira classe.
de terceira classe os comentários e as explicações dos documentos
religiosos centrais, orações, escritos teológicos, credos, biografia de fundadores
de religiões e personagens religiosos importantes.

51
História da Religião

Queremos dizer que estes textos são todos religiosos, e os classificamos para
fins de estudos didáticos. No caso do estudo da história da religião, classificamos
para não confundir fontes primárias, secundárias e terciarias. Lembramos que
muitas religiões orais e ágrafas não possuem textos escritos, sendo necessária a
pesquisa mais profunda e local do historiador das religiões.

As religiões ágrafas, de acordo com Hock (2010, p. 44), são


religiões baseadas em pinturas ou desenhos e que não possuem um
registro escrito. Vale ressaltar ainda a existência de religiões orais
com conteúdo sagrado transmitido de geração para geração.

Para o historiador da religião, as fontes são importantes e o quanto mais


próximo da “realidade” histórica o sujeito que pesquisa estiver inserido, mais
dados ele terá para se amparar.

Se o historiador da religião estiver amparado por uma boa teoria historiográfica


e ao mesmo tempo tiver acesso a uma boa fonte de pesquisa, seus frutos podem
ser muito mais fecundos.

Ao pesquisador da história da religião, cabe considerar também como a


angústia da existência e a percepção da morte podem produzir um comportamento
religioso, pois, quando o homem se encontra em sua finitude, ele entra em
profunda angústia por saber que nada pode fazer frente este fato.

Uma das soluções mais comuns entre os seres humanos é recorrer a


explicações de cunho religioso para as questões que a razão não consegue dar
conta. Aquilo que o intelecto não explica é encaminhado para explicações de
cunho religioso.

Quando o historiador da religião percebe esta dinâmica, manifesta-se a


importância do estudo aprofundado da religião. Cabe a ele investigar as razões
deste comportamento, qual é o ganho que o homem adquire ao reverenciar um
Deus ou se é um sentimento de gratidão pela vida que o Criador oferece de modo
gratuito ao ser humano.

Se a razão de reverenciar um Deus é uma escolha racional e calculada,


temos de considerar que o homem estabelece uma relação de ganhos e perdas
com a religião. Ao perceber que se afastar do comportamento religioso lhe trouxer
problemas de ordem prática e cotidiana, melhor escolher pela permanência na

52
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

religião e, se for o caso, a mudança para tentar minimizar este impacto.

Se a conduta religiosa for uma forma de gratidão genuína com o Criador, o


historiador das religiões deve entender que existe algo no ser humano que não
pode ser explicado pela linguagem humana.

Essa linguagem humana limitada não permite que o historiador da religião


chegue a uma explicação racional detalhada sobre este sentimento religioso.
Novamente estamos em um limite da existência que reforça a própria angústia de
existir.

Caberia outra questão fundamental, e às vezes perturbadora: não seria


melhor não existirmos? Essa pergunta gnóstica é violenta e coloca toda Criação
sob suspeita, mas precisa ser feita, pois faz parte do cotidiano da existência dos
fieis de todas as denominações religiosas.

Ao historiador da religião que pesquisa a origem da religião cabe se


questionar se não estivéssemos nesta condição humana haveria religião? Ora,
é difícil saber se a religião existiria, mas sabemos que a angústia imposta por
esta condição humana não seria como é para nós. Eis mais uma das funções do
historiador das religiões: apontar os problemas e as dificuldades da vivência da
religião.

Enquanto nossa existência na antiguidade exigia muitas viagens e sempre


estávamos em movimento, nossas divindades sempre variaram muito. E a história
da religião percebe isso e explica quando relata a passagem para a agricultura e
a fixação na terra.

Na busca pela sobrevivência, o homem foi aos poucos criando uma cultura.
Ao se fixar em um único lugar, esse processo ganhou rapidamente elementos
sofisticados e, por conseguinte, desenvolveu-se a religião. Se é por uma relação
íntima com o divino ou se é um modo de lidar com problemas concretos, como
a morte, podemos discutir, mas é comum entendermos que ao nos fecharmos
em um lugar queremos explicar nossas questões fundamentais. De onde viemos?
Quem nos criou? Porque existimos?

Em diversos continentes, percebemos o surgimento do comportamento


religioso em rituais fúnebres, celebrações festivas etc. Deste modo, motivado por
uma inspiração interior ou por elementos externos, notamos que o homem produz
religião.

Essa produção é uma forma de entendimento da realidade em que ele vive.


Se no passado fugíamos de animais e feras, hoje parece que a nossa principal

53
História da Religião

preocupação é fugir de nossa angústia interior. Temos medo de nossas fraquezas


como seres humanos, mas, ao que parece, somos seres que não conseguem lidar
bem com a morte, esse medo pode ser considerado pelo historiador da religião
como motivo pelo qual fazemos ou temos religião.

Eis que o medo parece nos impor uma sensação terrível que nos impele
a tentar lidar com esta dificuldade. Neste sentido, teremos de considerar que o
medo nos move e que o homem é incapaz de suportar a ideia de que um dia ele
deixará de existir. Ora, o que parece natural, nascemos e um dia morreremos, é
assustador na medida em que a explicação racional não basta.

O fato de sermos seres afetados pelos nossos sentimentos parece nos impor
uma angústia interior que não pode ser resolvida por uma simples teoria racional.
Tendemos naturalmente a uma explicação objetiva e emocional. Nossa solução é
criar a religião e dela derivar a existência de uma vida após a morte, um paraíso,
uma recompensa pela boa conduta moral. Temos de fato dificuldade de lidar com
a angústia da existência e o fim da nossa existência.

Em nossa época, o que aparece com frequência é a experiência religiosa


dissociada de uma tradição histórica, devido justamente à dificuldade em aceitar
um conjunto de regras morais rígidas que as religiões tradicionais impõem, mas
falar em experiência religiosa é quase sempre falar do modo particular como o
sujeito lida com o problema da morte e do fim da existência.

Algumas Considerações
Chegamos ao fim desta unidade de estudo, com um pouco mais de
informações e conhecimentos sobre a História da Religião, porém temos muito
mais a explorar e a analisar, tanto em nível de conceitos (etimologia) como sobre
seus conhecimentos (epistemologias).

Esperamos assim ter contribuído de alguma forma neste processo de


formação acadêmica, que é continua, ou seja, não podemos parar com os
nossos estudos aqui, pois a realidade social e religiosa é dinâmica. Assim, vamos
aprofundar nossos estudos nas próximas unidades, objetivando fundamentar
nossos conhecimentos.

54
Capítulo 1 Introdução à História da Religião

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História da Religião

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56
C APÍTULO 2
As Religiões Orientais
A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes
objetivos de aprendizagem:

� Identificar as características das grandes religiões do Oriente.

� Compreender a origem e as ramificações das principais religiões orientais.

� Conhecer as grandes religiões do Oriente: o Budismo, o Hinduísmo, o Taoísmo,


o Xintoísmo e o Confucionismo.

� Analisar a influência histórico-cultural de cada uma das grandes religiões do


Oriente.
História da Religião

58
Capítulo 2 As Religiões Orientais

Contextualização
Neste capítulo estudaremos as religiões orientais, procurando conhecer as
suas características, bem como suas origens e ramificações. Vamos analisar as
influências histórico-culturais de cada uma dessas grandes religiões presentes no
Oriente. Vamos conhecer um pouco da história do Budismo, do Hinduísmo, do
Taoísmo, do Xintoísmo e do Confucionismo.

Atualmente, em nossa sociedade, percebemos a presença de um enorme


pluralismo religioso, dando espaço à chamada diversidade cultural e religiosa,
que, sem dúvida, é uma identidade do mundo atual. Entretanto, o fato de não
conhecermos essas culturas e tradições religiosas o suficiente permite que
o preconceito e o fundamentalismo religioso cresçam e promovam mais
desigualdades sociais, políticas, culturais e religiosas, ocasionando ainda mais
violência, seja ela física ou não.

Diante deste cenário, precisamos urgentemente conhecer o universo


religioso, principalmente o universo religioso oriental. Nosso texto aqui tem o
objetivo de ser apenas introdutório.

Origens e Ramificações
Podemos afirmar que há uma variedade de crenças no Oriente. Em especial,
destacamos nestes estudos: o Budismo, o Hinduísmo, o Confucionismo, o
Taoísmo e o Xintoísmo.

Na China e no Japão, as religiões são geralmente compostas por vários


deuses e espíritos. Na China, em especial, as tradições se mesclam, isto é,
religiões diversas juntaram-se e se redefiniram.

Durante centenas de anos, estudiosos da religião chinesa


falaram sobre San-chiao (os três caminhos), para se referir
ao confucionismo, taoísmo e budismo. Essas três religiões
moldaram o modo como os chineses pensam a vida, a morte
e o cosmo há mais de 2.000 mil anos. O confucionismo e o
taoísmo surgiram na própria China, enquanto o budismo foi da
Índia para lá há 2.000 anos (WILKINSON, 2011, p. 236).

Por volta dos séculos VI a.C. e V a.C., o Budismo, o Taoísmo e o


Confucionismo coexistiram pacificamente. Durante este período (atualmente
também), muitos chineses não escolheram apenas uma fé e rejeitaram outras,

59
História da Religião

passaram a conviver mutuamente com mais de uma cultura religiosa em seu


cotidiano, ou seja, professavam fé em mais de uma religião.

Figura 1 - Buda, Confúcio E Lao-Tsé

Fonte: Disponível em: <https://s-media-cache-ak0.pinimg.com/564x/c1/67/0b/


c1670b0e23cdb14df432b3d8bc6f6e92.jpg>. Acesso em: 11 maio 2017.

Da filosofia de Confúcio, aprenderam um código ético e moral, baseado no


respeito aos outros, foi durante muito tempo um instrumento para a manutenção
do poder da família real chinesa nos tempos imperiais. Os imperadores cultuavam
o céu e acreditavam que isso lhes dava o direito de governar; mas empregavam
os sábios para dirigir o serviço público (WILKINSON, 2011, p. 237).

No taoísmo, os chineses encontraram uma filosofia que busca seguir


um caminho, o Tao, que está diretamente relacionado com o equilíbrio interior
através das energias circulantes pelo corpo. E o Budismo buscou compreender
o sofrimento no mundo e superá-lo. Os chineses adotaram o Budismo Maaiana
(uma das diversas modalidades de Budismo) com seus muitos Bodisatvas
(deuses), e algumas escolas de budismo chinês baseiam-se na devoção a esses
seres santos.

A combinação destas três religiões acabou por gerar a religião popular


chinesa, “que pode ser composta” por Bodisatvas, imortais (pensadores) taoístas
ou figuras deificadas como Confúcio, principalmente em momentos de sofrimento
e contingências humanas.

60
Capítulo 2 As Religiões Orientais

A religião no Japão é resultado de 2000 anos de história. Durante muito


tempo, as tradições religiosas da China chegaram ao Japão e ganharam uma
interpretação muito típica: as linhagens chamadas Zen Budismo e Budismo
Nichiren.

O Xintoísmo, no entanto, é genuinamente japonês. Essa religião tem uma


característica mais híbrida, adotando a crença de que a vida é controlada pelos
Kami – seres divinos -, que podem ser: espíritos de animais, aves, árvores,
montanhas e outros fenômenos naturais. Também podem ser considerados como
os deuses e deusas imortais que vivem no céu e controlam nossas vidas.

O Hinduísmo, por sua vez, é considerado uma das religiões mais ricas,
tendo em vista a complexidade e diversidade de deuses e deusas. É também
considerado uma das religiões mais antigas, pois remente-se até o ano de 2500
a.C. Hoje essa religião tem muitos adeptos na Índia e pelo mundo.

No processo de formação do Hinduísmo, tem-se a influência dos arianos que


chegaram ao nordeste da Índia por volta do ano 1000 a.C. e com isso surgiu
a religião védica, tendo em seus textos sagrados (chamados de Vedas) hinos
de louvor aos deuses e deusas. Ao longo dos séculos até a era cristã, outras
divindades mais foram acrescentadas para formar um Hinduísmo que conhecemos
hoje, que possui uma grande diversidade de deuses e deusas.

As origens dos deuses na religião hindu

Os deuses védicos, que incluem figuras como Indra, Agni


e Varuna, eram cultuados porque propiciavam benefícios como
saúde, prosperidade e vitória. Algumas divindades que ganharam
proeminência, como Visnu, começaram como deuses védicos
menores que posteriormente se tornaram mais complexos,
assumindo responsabilidade por todo o cosmos. Outras divindades
hindus, como o deus macaco Hanuman, não aparecem nos Vedas,
mas vêm à luz em textos sagrados posteriores. O deus-macaco:
Hanuman, que não figura nos textos védicos, surge mais tarde como
um aliado de Rama, uma encarnação de Visnu.

Fonte: Wilkinson (2011, p. 164).

61
História da Religião

Muitas ideias básicas da vida dos indianos surgiram com o Hinduísmo.


O sistema de estratos sociais ou castas, a noção da vida como uma série de
renascimentos dependentes da lei moral do carma, o conceito de um caminho
vital ou Darma, todos são centrais no Hinduísmo e exercem forte influência sobre
outras religiões indianas. A ideia de Mocsa (libertação) do ciclo de renascimento,
para alguns, consiste em alcançar uma espécie de união com a realidade suprema
ou deus, Brâman, que age como um absoluto supremo, unificando os diversos
deuses do Hinduísmo.

A partir dos séculos VI e V a.C. ocorreram grandes mudanças na religião


indiana, um tipo de renovação espiritual que resultou no surgimento de duas
religiões. Uma delas foi o Budismo, baseada nos ensinamentos de Siddhartha
Gautama, mais conhecido como o Buda (O Iluminado).

O Buda observou que a vida é feita de sofrimentos e procurou, através da


sua forma de vida, como os homens podem escapar do sofrimento e também do
ciclo de nascimento, morte e renascimento. A influência de Buda na Índia
permaneceu mesmo muitos séculos após a sua morte e foi no reinado de Asoka
ou Açoka (o imperador da Dinastina Maurya, no século III a.C.) que se promoveu
a fé em todo o subcontinente indiano (WILKINSON, 2011, p. 160).

Quando a Índia foi dominada por muçulmanos, a influência do Budismo


diminuiu, migrando para a China, para o Japão e para o sudeste da Ásia. Hoje ela
está presente em todos os lugares do mundo.

As Grandes Religiões do Oriente


As religiões do Oriente são classificadas como religiões sapienciais, em que há
uma diversidade de expressões religiosas. A título de conhecimento, podemos citar:

• O Hinduísmo (século XV a.C.);


• O Budismo (século VI a.C.);
• O Jainismo (século VI a.C.);
• O Taoísmo (século VI a.C.);
• O Confucionismo (século VI a.C.);
• O Xintoísmo (pré-história);
• Igreja Messiânica Mundial (século XX);
• Perfect Liberty (século XX);
• A arte Mihikari (século XX);

62
Capítulo 2 As Religiões Orientais

• Hare Krishna (século XX); Todas estas


• O Moonismo (século XX); religiões orientais
estão balizadas na
• Meditação Transcendental (século XX); sabedoria humana
• Ananda Marga (século XX). e na experiência de
vida. Elas geralmente
têm por objetivo
Todas estas religiões orientais estão balizadas na sabedoria mostrar um caminho
humana e na experiência de vida. Elas geralmente têm por objetivo a ser seguido pelo
ser humano, com
mostrar um caminho a ser seguido pelo ser humano, com predomínio predomínio da
da meditação pela busca do equilíbrio e da sabedoria. meditação pela busca
do equilíbrio e da
sabedoria.

Um outro ponto que costuma ser polêmico (além da classificação


religiões sapienciais) é se são filosofia ou religião. Para muitos
pesquisadores, este limiar, isto é, se são filosofia ou religião, não
existe, pois estas duas condições estão juntas para estas religiões.

Deste grupo, em nosso curso trataremos apenas daquelas O Budismo, o


consideradas, por Gaarder, Hellern e Notaker (2005), como as principais Hinduísmo, o
Taoísmo, o Xintoísmo
religiões orientais: a saber: o Budismo, o Hinduísmo, o Taoísmo, o e o Confucionismo.
Xintoísmo e o Confucionismo.

O Budismo, o Confucionismo, o Taoísmo e o Hinduísmo situam-se no grupo


das religiões classificadas como salvíficas, que são aquelas portadoras dos
meios de que os seres humanos precisam para se salvar do sofrimento, a fim de
posteriormente conseguir a felicidade.

Por vivermos no Ocidente, nossa herança religiosa e cultural


nos leva a atribuir particular importância aos fundadores das
três religiões do Livro. Mas a Ásia foi berço de três antigas
religiões, duas grandes figuras, em especial, nasceram lá:
Buda e Confúcio (DELUMEAU, 2000, p. 41).

Antes de entrarmos nas especificidades de cada religião, falaremos neste


item um pouco sobre as semelhanças e as diferenças entre estas religiões e o
Cristianismo.

O Budismo acredita que o homem é a única causa eficiente de sua


própria evolução superior. Ao contrário do Cristianismo, o Budismo acredita na
autorredenção, ou seja, o homem é Buda (Buda é considerado o fundador do
Budismo) e se salva por si mesmo (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p.

63
História da Religião

56). O Hinduísmo se difere do Cristianismo por não possuir um fundador, nem


credo fixo, nem organização de espécie alguma.

O Taoísmo está diretamente ligado à não ação, à passividade e à não


agressão. Caracteriza-se por ser uma religião que se coloca apartada do governo
terreno e administrações públicas. Neste sentido, é muito diferente de outras
religiões que já estiveram ao longo da história da humanidade junto às instituições
governamentais - como o Catolicismo.

No Japão, o Xintoísmo enfrentou dura competição com o Budismo e as duas


religiões acabaram por influenciar uma a outra. O uso alternado de Xintoísmo e
Budismo é comum, assim como o uso alternado de outras religiões.

O Confucionismo, durante muito tempo na China, fez parte da religião


predominantemente estatal, mas é uma religião marcada por um profundo senso
de moral e ordem social.

O lugar do indivíduo na sociedade é regulado. Para Confúcio, os deuses


deviam ser cultuados através de rituais e sacrifícios, mas o mundo metafísico
definitivamente não era sua preocupação; o importante era mostrar respeito pelos
deuses, sem se preocupar como eles agem sobre a Terra.

O Budismo
O Budismo surgiu na Índia, por volta dos séculos VI-V a.C., com a pregação
de Buda (O Desperto), considerado uma divisão do Hinduísmo, e que por volta do
século XI quase desapareceu.

Em seu processo de crescimento e expansão, o Budismo foi sofrendo cisões e


diversas formas de prática desta religião foram se consolidando. Geograficamente,
o Budismo se manteve no sudeste da Ásia, mais especificamente no Tibete, na
China, na Mongólia, no Japão e na Coreia. Na Índia, seu país de origem, há 1% de
budistas (DELUMEAU, 2000, p. 313). Entretanto, não podemos deixar de salientar
que há pessoas que professam o Budismo espalhadas por todo o mundo. Afinal,
o que vem ser Budismo?

Budismo é a prática dos ensinamentos de Buda, também


denominados “Dharma”, palavra que significa “proteção”. Praticando
os ensinamentos de Buda, os seres vivos ficam permanentemente

64
Capítulo 2 As Religiões Orientais

protegidos do sofrimento. O fundador do Budismo é Buda


Shakyamuni, que, em 589 a.C., em Bodh Gaya, na Índia, mostrou
como alcançar a meta suprema dos seres vivos, a conquista da
iluminação. Por solicitação dos deuses Brahma e Indra, Buda
começou, então, a expor seus profundos ensinamentos, ou seja,
“girou a Roda do Dharma”. Buda deu 84 mil ensinamentos, e, a
partir desses preciosos ensinamentos, o Budismo se desenvolveu
neste mundo. Podemos ver, atualmente, muitos tipos diferentes de
Budismo, como o Budismo Zen e o Theravada. Esses diferentes
aspectos são, todos eles, práticas dos ensinamentos de Buda, e
todos são igualmente preciosos: eles são apenas apresentações
diferentes. Neste livro, explicarei o Budismo de acordo com a Tradição
Kadampa, que eu tenho estudado e praticado. Esta explicação não
é dada com o objetivo de um entendimento intelectual, mas para que
se obtenham profundas realizações através das quais possamos
solucionar os nossos problemas diários das desilusões e realizar o
verdadeiro sentido de nossa vida humana.

Fonte: Gyatso (2016, p. 3).


Considera-se o fundador do Budismo Siddahãrta Gautama Buddha (Buda, o
Desperto), que foi um jovem que nasceu e morreu no norte da Índia por volta de
560-480 a.C., filho de um rajá. As histórias sobre a vida de Buda estão baseadas
em lendas, em um mito fundador:

PRÍNCIPE SIDARTA

O príncipe Sidarta cresceu no seio da fortuna e do luxo. O rajá


ouvira uma profecia de que seu filho ou se tornaria um poderoso
governante ou tomaria o caminho oposto e abandonaria o mundo
por completo. Esta última opção aconteceria se lhe fosse permitido
testemunhar as carências e o sofrimento do mundo. Para evitar que
isso ocorresse, o rajá tentou proteger o filho contra o mundo que
ficava além das muralhas do palácio, ao mesmo tempo em que o
cercava de delícias e diversões. Ainda jovem, Sidarta se casou com
sua prima e mantinha também um harém de lindas dançarinas. Aos
29 anos, Sidarta experimentou algo que haveria de ser o ponto crucial
de sua vida. Apesar da proibição do pai, ele se arriscou a sair do
palácio e viu, pela primeira vez, um velho, um homem doente e um

65
História da Religião

cadáver em decomposição. Entretanto, depois dessas impressões


desanimadoras, avistou um asceta com a expressão radiante de
alegria. Percebeu então que uma vida de riqueza e prazer é uma
existência vazia e sem sentido. E se perguntou: haverá alguma coisa
que transcenda a velhice, a doença e a morte? Sidarta também se
sentiu tomado por uma grande compaixão pela humanidade e um
chamado para livrá-la do sofrimento. Imerso em pensamentos, voltou
ao palácio e na mesma noite renunciou à sua agradável vida de
príncipe. Sem se despedir, abandonou esposa e filho, e partiu para
uma vida de andarilho.

Fonte: Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 54).

Sidarta, depois de uma vida de muita riqueza, passou para o


Sidarta se
transformara num oposto: começou a comer cada vez menos - segundo a lenda -, teria
buda, ou seja, um chegado ao extremo de conseguir sobreviver com um grão de arroz
“iluminado”.
por dia, pretendia, com isso, dominar o sofrimento. Sidarta adota o que
veio a chamar o “caminho do meio”, que era feito através da meditação. Por volta
dos seus 35 anos, Sidarta, sentado em meditação sob uma figueira, durante sete
dias e sete noites, teria alcançado a iluminação, a figueira passa a ser chamada
de sua árvore da iluminação. Sidarta se transformara num buda, ou seja, um
"iluminado".

Todo o sofrimento Sidarta chega à conclusão de que todo o sofrimento do mundo é


do mundo é
causado pelo causado pelo desejo. O desejo deve ser evitado a todo custo para que
desejo. não sejam necessárias outras encarnações.

Os ensinamentos de Buda são métodos para solucionar


permanentemente os problemas de todos os seres vivos.
Colocando os seus ensinamentos em prática, seremos
capazes de controlar o nosso desejo e, como consequência
disso, ficaremos permanentemente livres de todos os nossos
sofrimentos e problemas. Podemos então entender, apenas
com esta explicação, como os ensinamentos de Buda – o
Dharma – são preciosos e importantes para todos. Como foi
mencionado acima, uma vez que todos os nossos problemas
vêm do desejo descontrolado, e visto que não existe outro
método que não os ensinamentos de Buda – o Dharma – para
controlar nosso desejo, fica claro que somente o Dharma é o
verdadeiro método para solucionar os nossos problemas do
dia a dia. Por praticar os ensinamentos de Buda sobre a visão
profunda da vacuidade, podemos solucionar permanentemente
nossos problemas diários que surgem do apego, da raiva e da
ignorância do agarramento ao em-si (GYSTASO, 2016, p. 5).

66
Capítulo 2 As Religiões Orientais

Este processo, chamado de iluminação de Sidarta, levou à compreensão de


que a realidade mundana é transitória e que há uma realidade absoluta acima do
tempo e do espaço, isso no Budismo passou a se chamar Nirvãna.

Deve-se observar, antes de tudo, que o Nirvãna não representa


para o budismo, ao contrário do que se afirma tantas vezes, o nada,
mas o verdadeiro ser, que só aparece quando se consegue afastar
e destruir a ilusão da individualidade. O significado mais aproximado
de Nirvãna é “extinção” (como quando se fala que uma chama se
extinguiu). De fato, o que parece real não é, segundo os budistas,
real, mas simplesmente “inflado”

Fonte: Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 54).

Ao dominar os desejos, Buda parou de produzir carma, não estando,


portanto, sujeito ao renascimento.

Toda esta explicação da vida de Sidarta está contida em maiores


detalhes no livro: GAARDER, J. O livro das religiões, São Paulo:
Companhia das Letras, 2005.

Refletindo sobre Budismo e filosofia: Embora não seja


propriamente falando uma filosofia, e sim uma religião, o budismo
suscitou, com frequência, grande interesse entre os filósofos. [...]
o budismo contém ensinamentos que podem ser vertidos a uma
linguagem filosófica ou discutidos filosoficamente. Embora não se
deva exagerar a esse respeito, considerando-o como um sistema
de filosofia stricto sensu, não convém tampouco esvaziá-lo de toda
doutrina e de toda conceptualização, definindo-o como um mero
conjunto de recomendações sobre a melhor forma de vida humana

Fonte: Mora (2001, p. 369).

67
História da Religião

O princípio do Budismo é a salvação, ou seja, procura explicar


Procura explicar
como a pessoa como a pessoa deve evitar o contínuo sofrimento provocado pela
deve evitar o simples razão de viver. Todas as outras questões que orbitam em torno
contínuo sofrimento
provocado pela do Budismo, como se existe ou não vida após a morte ou se o mundo
simples razão de é finito ou não, são questões que ficam em segundo plano quando a
viver. questão primordial é a salvação.

A partir do princípio da salvação, surgem as quatro verdades


sagradas de Buda, que fundamentam a doutrina budista:

1. A vida é sofrimento: doença, morte, carência, dor.


2. A causa do sofrimento é a sede de existir, o perpétuo
renascer e a eterna roda do ser.
3. Somente a cessação do sofrimento, ou a extinção completa
dessa sede, pode produzir a salvação.
4. Há um caminho para salvar-se (um caminho que tem oito
estágios: o conhecimento reto, intenção reta, lata reta,
comportamento reto, vida reta, esforço reto, pensamento
reto e concentração reta)

Fonte: Mora (2001, p. 370).

O conceito de libertação para o Budismo está associado ao conceito de


Nirvãna, ao fim do sofrimento, da miséria e da contínua cadeia da reencarnação.
Neste ponto, é importante questionar como fica a questão da individualidade no
Budismo.

Não se trata de um desaparecimento da individualidade,


mas do reconhecimento de que esta é um engano; o que
chamamos de um indivíduo ou uma alma não é uma realidade
permanente, é uma crença (falsa), pois a individualidade carece
de existência autêntica. O que há é um conjunto de cinco
elementos (shandhas): corpo (ou formas corporais), sensações,
percepções, impulsos e consciência. Esta transitoriedade e este
engano do indivíduo são, além disso, paralelos à transitoriedade
de toda existência; tudo é efêmero, e segundo alguns budistas
(os da escola Sautrãntika), até momentâneo. A única coisa que
permanece é a lei universal da mudança, da qual nada pode
subtrair-se (MORA, 2001, p. 370).

68
Capítulo 2 As Religiões Orientais

A vida cotidiana de um budista é norteada por cinco regras


básicas de conduta:

1. Não fazer mal a nenhuma criatura viva.


2. Não tomar aquilo que não lhe foi dado (não roubar).
3. Não se comportar de modo irresponsável nos prazeres
sensuais.
4. Não falar falsidades.
5. Não se entorpecer com álcool ou drogas.

Fonte: Gaarder, Hellern eNotaker (2005, p. 62).

Os ensinamentos de Buda são diferentes do Hinduísmo, do qual se originou.


O Hinduísmo acredita que o homem tem uma alma individual e eterna (atmã),
ou seja, sobrevive de uma existência para outra. Este princípio se assemelha
ao da religião Kardecista: a alma pode ser revestida de outros corpos, isto é, a
reencarnação.

Já o Budismo nega que o ser humano tenha alma e rejeita a existência de


um espírito universal. Para o Budismo, a alma é tão transitória neste mundo como
qualquer outra coisa que exista nele. O fato de um homem achar que é um “eu”, ou
uma alma, baseia-se na ignorância, e essa ignorância tem consequências graves,
uma vez que promove o desejo, e é o desejo que cria o carma do indivíduo.

O propósito de compreender e acreditar no carma é impedir o


sofrimento futuro e estabelecer o fundamento básico para o caminho
à libertação e à iluminação. De modo geral, carma significa “ação”.
Das ações não virtuosas advém sofrimento e das ações virtuosas
surge felicidade: se acreditamos nisso, acreditamos no carma. Buda
deu extensos ensinamentos que provam a verdade dessa afirmação
e muitos exemplos diferentes que mostram a conexão especial entre
as ações das nossas vidas anteriores e as nossas experiências
nesta vida, algumas delas explicadas no livro Caminho Alegre da
Boa Fortuna.

Em nossas vidas anteriores, executamos muitos tipos de ações


não virtuosas que causaram sofrimento aos outros. Como resultado

69
História da Religião

dessas ações não virtuosas, vários tipos de condições e situações de


infortúnio surgem e vivenciamos sofrimentos e problemas humanos
sem-fim. O mesmo acontece a todos os demais seres vivos. Devemos
avaliar se acreditamos, ou não, que a principal causa do sofrimento
são as nossas ações não virtuosas e que a principal causa de
felicidade são as nossas ações virtuosas. Se não acreditarmos nisso,
nunca aplicaremos esforço em acumular ações virtuosas, ou mérito,
e nunca purificaremos nossas ações não virtuosas; e, por causa
disso, experienciaremos sofrimentos e dificuldades continuamente,
vida após vida, sem fim.

Toda ação que executamos deixa uma marca em nossa mente


muito sutil, e cada marca finalmente dará origem ao seu próprio efeito.
Nossa mente é como um campo, e executar ações é como semear
nesse campo. Ações virtuosas plantam sementes de felicidade
futura, e ações não virtuosas plantam sementes de sofrimento futuro.
Essas sementes permanecem adormecidas em nossa mente até
que as condições para o seu amadurecimento ocorram e, nesse
momento, elas produzem seu efeito. Em alguns casos, isso pode
acontecer muitas vidas depois que a ação original foi realizada.
As sementes que amadurecem quando morremos são muito
importantes, porque elas determinam qual o tipo de renascimento
que teremos em nossa próxima vida. A semente que, em particular,
amadurece na morte depende do estado da mente com o qual
morremos. Se morrermos com uma mente pacífica, isso estimulará
uma semente virtuosa e experienciaremos um renascimento
afortunado. Entretanto, se morrermos com uma mente perturbada,
como acontece num estado de raiva, isso estimulará uma semente
não virtuosa e experienciaremos um renascimento desafortunado.
Isso é semelhante ao modo como os pesadelos são provocados por
estarmos com um estado mental agitado logo antes de adormecer.
Todas as ações inadequadas, incluindo matar, roubar, má conduta
sexual, mentir, discurso divisor, discurso ofensivo, tagarelice, cobiça,
maldade e sustentar visões errôneas, são ações não virtuosas.

Quando abandonamos as ações não virtuosas e aplicamos


esforço para purificar nossas ações não virtuosas anteriores, estamos
praticando disciplina moral. Isso nos impedirá de experienciar
sofrimento futuro e de ter um renascimento inferior. Exemplos de
ações virtuosas são treinar todas as meditações e demais práticas
espirituais apresentadas neste livro. Meditação é uma ação mental
virtuosa que é a causa principal para experienciar paz mental no
futuro. Sempre que praticamos meditação, seja a nossa meditação

70
Capítulo 2 As Religiões Orientais

clara ou não, estamos executando uma ação mental virtuosa que é


a causa da nossa felicidade futura e de paz mental. Normalmente,
estamos preocupados principalmente com as nossas ações físicas e
verbais, mas, na realidade, as ações mentais são mais importantes.
Nossas ações físicas e verbais dependem da nossa ação mental,
que, por sua vez, depende de tomarmos uma decisão mental.

Fonte: Gyatso (2016, p. 59).

O budismo vê a vida humana como uma série ininterrupta de


processos mentais e físicos que alteram o homem de momento
a momento. O bebê não é a mesma pessoa que o adulto, e
o adulto não é a mesma pessoa que era ontem. É como as
imagens numa tela de cinema: movem-se muito depressa e
não conseguimos perceber que o filme é “artificial”, que não
é algo “vivo”. Na realidade, o filme é a soma das imagens
individuais — ou de uma série de instantes (GAARDER;
HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 56).

Tudo é formado de fatores existenciais impessoais que se combinam e que


estão destinados a um fim, em outras palavras, tudo é transitório.

Para os budistas, ter fé em Buda Shakyamuni é sua vida


espiritual: é a raiz de todas as realizações de Dharma. Se tivermos
profunda fé em Buda, naturalmente desenvolveremos o forte desejo
de praticar seus ensinamentos. [...] se quisermos verdadeiramente
experienciar grande benefício da nossa prática do Budismo,
precisamos desenvolver e manter profunda fé em Buda. Como
desenvolvemos e mantemos essa fé? Em primeiro lugar, devemos
saber por que precisamos obter libertação permanente do sofrimento.
Não é suficiente experienciar apenas libertação temporária de um
sofrimento específico: todos os seres vivos, incluindo os animais,
experienciam libertação temporária de sofrimentos específicos. Os
animais experienciam libertação temporária do sofrimento humano;
e os humanos experienciam libertação temporária do sofrimento
animal.

Podemos estar, neste momento, livres de sofrimento físico e de


dor mental, mas isso é apenas temporário. Mais tarde, nesta vida
e em nossas incontáveis vidas futuras, teremos de experienciar
insuportável sofrimento físico e dor mental muitas vezes, sem-fim.

71
História da Religião

No ciclo de vida impura, o samsara, ninguém tem libertação


permanente; todos têm de experienciar continuamente os sofrimentos
da doença, envelhecimento, morte e renascimento descontrolado,
vida após vida, sem fim. Nesse ciclo de vida impura há vários reinos,
ou mundos, impuros nos quais podemos renascer: os três reinos
inferiores (o reino animal, o reino dos fantasmas famintos e o reino
do inferno) e os três reinos superiores (o reino dos deuses, o reino
dos semideuses e o reino humano). De todos os mundos impuros, o
inferno é o pior: é o mundo que aparece para o pior de todos os tipos
de mente. O mundo de um animal é menos impuro, e o mundo que
aparece para os seres humanos é menos impuro do que o mundo
que aparece aos animais.

No entanto, existe sofrimento em todos os reinos. Quando


renascemos como um ser humano, temos de experienciar
sofrimento humano; quando renascemos como um animal, temos
de experienciar sofrimento animal; e quando renascemos como um
ser-do-inferno, temos de experienciar o sofrimento de um ser-do-
inferno. Contemplando isso, realizaremos que apenas experienciar
libertação temporária de sofrimentos específicos não é bom o
bastante: precisamos, definitivamente, obter libertação permanente
dos sofrimentos desta vida e de todas as nossas incontáveis vidas
futuras.

Como podemos realizar isso? Somente colocando os


ensinamentos de Buda em prática. O motivo é que somente os
ensinamentos de Buda são os métodos verdadeiros para abandonar
a nossa ignorância do agarramento ao em-si, a fonte de todo o
nosso sofrimento. Em seu ensinamento intitulado Sutra Rei da
Concentração, Buda diz: Um mágico cria várias coisas, como
cavalos, elefantes e assim por diante. Suas criações não existem
verdadeiramente. Deves conhecer todas as coisas do mesmo modo.

Esse ensinamento, por si só, tem o poder de libertar todos os


seres vivos permanentemente de seus sofrimentos. Por meio de
praticar e realizar esse ensinamento, que é explicado em detalhe
no capítulo Treinar a Bodhichitta Última, podemos erradicar
permanentemente a raiz de todo o nosso sofrimento, a nossa
ignorância do agarramento ao em-si. Quando isso acontecer,
experienciaremos a suprema paz mental permanente, conhecida
como “nirvana”, a libertação permanente do sofrimento, que é o

72
Capítulo 2 As Religiões Orientais

nosso desejo mais profundo e o verdadeiro sentido da vida humana.


Esse é o principal objetivo dos ensinamentos de Buda.

Entendendo isso, apreciaremos profundamente a grande


bondade de Buda para com todos os seres vivos, ao dar métodos
profundos para conquistar a liberdade permanente do ciclo de
sofrimento da doença, envelhecimento, morte e renascimento. Nem
mesmo nossa própria mãe possui a compaixão que deseja nos
libertar desses sofrimentos; somente Buda tem essa compaixão por
todos os seres vivos, sem exceção. Na verdade, Buda já está nos
libertando quando revela o caminho da sabedoria que nos conduz à
meta suprema da vida humana. Precisamos contemplar esse ponto
muitas vezes, até desenvolvermos profunda fé em Buda. Essa fé é o
objeto da nossa meditação; devemos transformar nossa mente em
uma mente de fé em Buda e mantê-la estritamente focada pelo maior
tempo possível.

Praticando continuamente essa contemplação e meditação,


manteremos profunda fé em Buda dia e noite, por toda a nossa vida.
Uma das principais maneiras como Buda atua é concedendo paz
mental para todos e cada um dos seres vivos, dando-lhes bênçãos
– essa é a função de um Buda. Os seres vivos, por si sós, são
incapazes de cultivar uma mente pacífica; é somente por receber
as bênçãos de Buda em seu continuum mental que os seres vivos,
incluindo até mesmo os animais, podem experienciar paz mental.
Quando suas mentes estão pacíficas e calmas, eles se sentem
verdadeiramente felizes; mas, se suas mentes não estão em paz,
eles não se sentem felizes, mesmo que suas condições exteriores
sejam perfeitas. Isso prova que a felicidade depende de paz mental,
e já que paz mental depende das bênçãos de Buda, Buda é, por esta
razão, a fonte de toda a felicidade. Entendendo e contemplando isso,
desenvolveremos e manteremos profunda fé em Buda e iremos gerar
o forte desejo de praticar seus ensinamentos, em geral, e o Lamrim
Kadam, em particular

Fonte: Gyatso (2016, p. 7-9).

Ao longo dos primeiros séculos da nossa era cristã, o Budismo dividiu-se em


várias escolas, reinventando o Budismo primitivo. As divisões mais conhecidas são
o “Grande Veículo”, em sânscrito Mahâyâna, e o “Pequeno Veículo”, Hînayâna,
que com o passar do tempo passou a se chamar Theravâda, “a via dos antigos”.

73
História da Religião

A Escola do “Grande Veículo” difundiu novos textos de referência, as sûtra,


que tiraram todas as consequências do princípio inicial de não violência (ahimsâ).

Essas consequências são três virtudes:

A primeira é a benevolência (maitrî), que se estende mesmo


aos inimigos. A segunda é o desejo de dar, porque a benevolência
gera naturalmente o dom (dâna), que ajuda os outros não apenas
materialmente, mas também lhes facilitando o caminho da
“libertação”. A terceira virtude, a compaixão (karuna), decorre da
intuição fundamental do budismo: a dor universal. Se tudo é dor, tudo
deve ser piedade. Então, uma coisa é preferível à própria entrada no
Nirvãna: encaminhar os outros para que entrem.

Fonte: Delumeau (2000, p. 316).


O Grande Veículo diz que, chegando à fase do Nirvãna, escolhe-se uma nova
reencarnação, para conduzir os outros à libertação. Essa doutrina não existia no
Budismo primitivo. O “Grande Veículo” abandonou o ateísmo inicial e procedeu a
uma espécie de transformação de Buda em um Deus, atribuindo-lhe três corpos
– humano, divino e cósmico. Esse Budismo, também transformado em religião
popular, tem seus templos ricamente ornados, peregrinações, festas e venera o
mais célebre Bodhisattva.

Várias escolas surgiram a partir do Grande Veículo. Na China, a interação do


Budismo e do Taoísmo deu origem ao Chan, e no Japão, a partir do século XII o
Budismo se transformou-se no Zen Budismo.

Ao Zen Budismo Ao Zen Budismo é mais atribuída a qualidade de sabedoria do


é mais atribuída que de religião, porque busca uma espécie de libertação do corpo, do
a qualidade de
sabedoria do que espírito, do tempo e do espaço. Trata-se de alcançar plena liberdade
de religião, porque interior, por um caminho de recusa aos prazeres deste mundo, pela
busca uma espécie
de libertação do leitura repetida dos textos sagrados e pela meditação em posição
corpo, do espírito, sentada (zazen). O Chan e o Zen influenciaram a arte floral, o teatro, o
do tempo e do judô, a pintura e a poesia.
espaço.
Outra escola saída do “Grande Veículo”, na China, e depois
no Japão, é a da “Terra pura”, que deu a primazia a um Buda
qualificado de “Luz infinita”- Amitàbhâ, em sânscrito -, senhor
de uma terra bem-aventurada, longínqua, no Ocidente. Aí ele

74
Capítulo 2 As Religiões Orientais

acolhe todos os que nele confiam. Uma vez recebido nessa


espécie de paraíso, o fiel escapa às reencarnações e, no fim de
um período de felicidade, alcança o Nirvãna. Nessa variedade
de budismo, o primeiro objetivo é o renascimento aos pés do
Buda Amtàbhâ (DELUMEAU, 2000, p. 316).

Finalmente, o Grande Veículo deu origem ao Budismo Tântrico, o “Veículo


de Diamante” (Vjrayâna), no norte da Índia, no Tibete e na Mongólia. Os tantras,
escritos sagrados comuns ao Hinduísmo e ao Budismo de “Diamante”, ensinam
como conseguir a distinção entre o mundo das aparências e o absoluto, por meio
de práticas e rituais.

O “Pequeno Veículo”, referente às “Três Tripitaka”, insiste no papel das


comunidades de monges e leigos para levar ao Nirvãna, mas é na vida monástica
que há estrita moral que ela implica e os métodos de meditação e concentração,
inspirados pela yoga hindu para chegar a um estado em que já não há percepção
nem ausência de percepção.

Nos países que tomam por referência o “Pequeno Veículo”, a religiosidade


é centralizada nos mosteiros, mas o Nirvãna não é reservado aos monges, pois
monges e leigos se misturam pela comunidade. Este estilo de Budismo sempre
teve um bom convívio com os cultos anteriores, com as crenças populares e cultos
de outras religiões, porque ele é de natureza tolerante, não tem diretrizes precisas
para a vida cotidiana e também não tem uma precisão em que se deve crer ou não:
daí a abertura às tradições locais e às cerimônias folclóricas (GYATSO, 2016).

E foi assim que deuses hindus foram transformados em deuses budistas,


devotos do Buda. O Sri Lanka, por exemplo, presta homenagem à árvore da
bodhi, uma muda da figueira sagrada sob a qual o Buda teria atingido o despertar.

No Tibete, na China, na Mongólia, no Laos e no Camboja, os


regimes comunistas perseguiram o Budismo, mas atualmente nesses
locais o Budismo existe pacificamente com outras religiões e também
é bem acolhido no Ocidente.


Segundo os budistas, fica claro que nós somos constituídos de vidas futuras
e por isso precisamos clarear nossa mente para encontrá-las. Para muitas
pessoas, o Budismo tende a ser universal, no sentido de que convive bem com
outras religiões. Inclusive, costuma-se admitir entre seus seguidores qualquer
pessoa que pertença a qualquer outra religião.

75
História da Religião

As mandalas são uma iconografia típica do Budismo tibetano.


Sobre tecidos que se podem enrolar, círculos ou quadros concêntricos,
elas simbolizam os ciclos das reencarnações, sendo o núcleo central
reservado à “pura sabedoria absoluta”. O Dalai-lama, por sua vez,
é considerado a reencarnação de um bodhisattva da compaixão,
manifestação do Buda supremo (DELUMEAU, 2000, p. 316).

Figura 2 - Mandala

Fonte: Disponível em: <http://www.juliotafforelli.com.br/wp-content/


uploads/2017/02/mandalas-1.jpg>. Acesso em: 5 jun. 2017.

Por fim, precisamos esclarecer qual o significado da morte para o Budismo.


Segundo esta religião, a morte possui um significado todo especial: é a separação
do nosso corpo da nossa mente.

A nossa morte é a separação permanente entre o nosso corpo


e a nossa mente. Podemos experienciar muitas separações
temporárias do nosso corpo e mente, mas elas não são a nossa
morte. Por exemplo, quando aqueles que concluíram seu treino
na prática conhecida como “transferência de consciência”
entram em meditação, a mente deles se separa do corpo. O
corpo desses meditadores permanece onde estão meditando,
mas a mente vai para uma Terra Pura e, então, retorna para o
corpo deles. À noite, durante os sonhos, nosso corpo permanece
na cama, mas a nossa mente vai para diversos lugares do
mundo do sonho e, então, retorna para o nosso corpo. Essas

76
Capítulo 2 As Religiões Orientais

separações de nosso corpo e mente não são a nossa morte,


porque essas separações são apenas temporárias. Na morte,
nossa mente separa-se permanentemente do nosso corpo. O
nosso corpo permanece no local de sua vida, mas a nossa
mente vai para os diversos lugares das nossas vidas futuras,
como um pássaro deixando um ninho e voando para outro. Isso
mostra claramente a existência das nossas incontáveis vidas
futuras e que a natureza e a função do nosso corpo e da nossa
mente são muito diferentes. Nosso corpo é uma forma visual
que possui cor e formato, mas nossa mente é um continuum
sem forma que sempre carece de cor e formato. A natureza
da nossa mente é um vazio semelhante ao espaço, e ela atua
percebendo ou entendendo objetos – essa é a sua função. Por
meio disso, podemos compreender que o nosso cérebro não é
a nossa mente. O cérebro é simplesmente uma parte do nosso
corpo que, por exemplo, pode ser fotografado, ao passo que
não podemos fazer o mesmo com a nossa mente (GYATSO,
2016, p. 49).

Desse modo, quando morremos nós nos separamos de modo definitivo da
nossa mente. Quando deixamos de existir e paramos de sofrer, nossos desejos
desaparecem e toda a dor cessa.

Atividade de Estudos:

1) Como vimos em nossos estudos, a morte é aquela que nos


propicia a libertação do sofrimento. Contudo, esta visão negativa
não é a única forma de ver e perceber a dimensão da morte. Há
um aspecto positivo. Assim, para ampliarmos nosso conhecimento,
vamos ler o fragmento de texto a seguir e depois refletir acerca da
dimensão positiva da morte apresentada pelo Budismo.

A PRECIOSIDADE DA NOSSA VIDA HUMANA

O propósito de compreender a preciosidade da nossa vida


humana é encorajarmo-nos a extrair o sentido da nossa vida
humana e não desperdiçá-la em atividades sem significado.
Nossa vida humana é muito preciosa e significativa, mas somente
se a usarmos para obter libertação permanente e a felicidade
suprema da iluminação. Devemos nos encorajar a realizar
o verdadeiro significado da nossa vida humana por meio de
compreender e contemplar a seguinte explicação.

Muitas pessoas acreditam que o desenvolvimento material


é o verdadeiro sentido da vida humana, mas podemos ver que
não importa quanto desenvolvimento material exista no mundo,
ele nunca reduz os sofrimentos e os problemas humanos. Em
vez disso, ele frequentemente faz com que os sofrimentos e os

77
História da Religião

problemas aumentem; portanto, ele não é o verdadeiro sentido


da vida humana. Devemos saber que, vindos das nossas vidas
anteriores, alcançamos agora o mundo humano por apenas um
breve instante e que temos a oportunidade de obter a felicidade
suprema da iluminação praticando o Dharma. Essa é a nossa
extraordinária boa fortuna. Quando alcançarmos a iluminação,
teremos satisfeito todos os nossos desejos e poderemos satisfazer
os desejos de todos os demais seres vivos; teremos libertado a
nós próprios permanentemente dos sofrimentos desta vida e de
incontáveis vidas futuras, e poderemos beneficiar diretamente
todos e cada um dos seres vivos, todos os dias. A conquista da
iluminação é, portanto, o verdadeiro sentido da vida humana.

A iluminação é a luz interior de sabedoria que é


permanentemente livre de toda aparência equivocada e que atua
concedendo paz mental para todos e cada um dos seres vivos,
todos os dias – essa é a função da iluminação. Agora mesmo
obtivemos um renascimento humano e temos a oportunidade
de alcançar a iluminação pela prática do Dharma; assim, se
desperdiçarmos esta preciosa oportunidade em atividades sem
significado, não haverá maior perda nem maior insensatez
do que essa. O motivo é que tal oportunidade preciosa será
extremamente difícil de ser encontrada no futuro. Em um Sutra,
Buda torna isso claro por meio da seguinte analogia. Ele pergunta
aos seus discípulos: “Imaginem que exista um vasto e profundo
oceano do tamanho deste mundo; que, em sua superfície, haja
uma canga dourada flutuando; e que, no fundo do oceano, viva
uma tartaruga cega que vem à superfície apenas uma vez a cada
cem mil anos. Quantas vezes a tartaruga colocaria sua cabeça
no meio da canga?”. Ananda, seu discípulo, respondeu que,
certamente, isso seria extremamente raro.

Nesse contexto, o vasto e profundo oceano refere-se ao


samsara – o ciclo de vida impura que temos experienciado desde
tempos sem início, continuamente, vida após vida, sem-fim; a
canga dourada refere-se ao Budadharma, e a tartaruga cega
refere-se a nós. Embora não sejamos fisicamente como uma
tartaruga, mentalmente não somos muito diferentes; e embora
os nossos olhos físicos possam não ser cegos, os nossos olhos
de sabedoria o são. Na maioria das nossas incontáveis vidas
anteriores, permanecemos no fundo do oceano do samsara, nos
três reinos inferiores – no reino animal, no reino dos fantasmas
famintos e no reino do inferno – emergindo como ser humano
apenas a cada cem mil anos, mais ou menos. Mesmo quando
alcançamos brevemente o reino superior do oceano do samsara
como um ser humano, é extremamente raro encontrar a canga
dourada do Budadharma: o oceano do samsara é extremamente
vasto, a canga dourada do Budadharma não permanece num

78
Capítulo 2 As Religiões Orientais

único lugar, mas move-se de um lugar a outro, e os nossos olhos


de sabedoria estão sempre cegos. Por essas razões, Buda diz
que, no futuro, mesmo se obtivermos um renascimento humano,
será extremamente raro encontrar o Budadharma novamente;
encontrar o Dharma Kadam é ainda mais raro que isso. Podemos
ver que a grande maioria dos seres humanos no mundo, embora
tenham brevemente alcançado o reino superior do samsara como
seres humanos, não encontraram o Budadharma. O motivo é que
os seus olhos de sabedoria não se abriram.

O que significa “encontrar o Budadharma”? Significa


ingressar no Budismo buscando sinceramente refúgio em Buda,
Dharma e Sangha e, assim, ter a oportunidade de ingressar e
fazer progressos no caminho à iluminação. Se não encontrarmos
o Budadharma, não teremos oportunidade para fazer isso e assim
não teremos oportunidade de obter a felicidade pura e duradoura
da iluminação, o verdadeiro sentido da vida humana. Concluindo,
devemos pensar: agora eu alcancei, por um breve momento, o
mundo humano, e tenho a oportunidade de obter a libertação
permanente do sofrimento e a felicidade suprema da iluminação
por meio de colocar o Dharma em prática. Se eu desperdiçar esta
preciosa oportunidade em atividades sem significado, não haverá
maior perda nem maior insensatez.

Com esse pensamento, tomamos a firme determinação de


praticar agora o Dharma dos ensinamentos de Buda sobre renúncia,
compaixão universal e visão profunda da vacuidade, enquanto
temos esta oportunidade. Então, meditamos repetidamente nessa
determinação. Devemos praticar essa contemplação e meditação
todos os dias em muitas sessões e, desse modo, nos encorajarmos
a extrair o verdadeiro sentido da nossa vida humana.

Devemos nos perguntar o que consideramos mais


importante – o que desejamos, pelo que nos dedicamos ou com o
que sonhamos? Para algumas pessoas são as posses materiais,
como uma casa grande com os últimos requintes de conforto,
um carro veloz ou um emprego bem remunerado. Para outros é
reputação, boa aparência, poder, excitação ou aventura. Muitos
tentam encontrar o sentido de suas vidas em relacionamentos
familiares e círculo de amigos. Todas essas coisas podem nos
fazer superficialmente felizes por pouco tempo, mas elas também
causam muita preocupação e sofrimento. Elas nunca irão nos
dar a verdadeira felicidade que todos nós, em nossos corações,
buscamos. Já que não podemos levá-las conosco quando
morrermos, com certeza irão nos decepcionar se tivermos feito
delas o principal sentido da nossa vida. As aquisições mundanas,
tomadas como um fim em si mesmas, são ocas: elas não são o
verdadeiro sentido da vida humana.

79
História da Religião

Com a nossa vida humana podemos, ao colocar o Dharma


em prática, obter a suprema paz mental permanente, conhecida
como “Nirvana”, e a iluminação. Uma vez que essas aquisições
são não enganosas e são estados últimos de felicidade, elas são
o verdadeiro sentido da vida humana. No entanto, porque o nosso
desejo por prazer mundano é tão forte, temos pouco ou nenhum
interesse pela prática de Dharma. Do ponto de vista espiritual,
essa ausência de interesse pela prática de Dharma é um tipo de
preguiça denominado “preguiça do apego”. A porta da libertação
permanecerá fechada para nós enquanto tivermos essa preguiça
e, consequentemente, continuaremos a vivenciar infortúnio e
sofrimento nesta vida e em incontáveis vidas futuras. A maneira de
superar essa preguiça, o principal obstáculo para a nossa prática
de Dharma, é meditar sobre a morte (GYATSO, 2016, p. 27-30).
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Hinduísmo
O Hinduísmo é O Hinduísmo é considerado a religião mais antiga da Ásia, e o
considerado a interessante é saber que o termo hinduísmo foi criado pelos ingleses por
religião mais antiga volta dos meados do século XIX. A palavra hinduísmo quer dizer então um
da Ásia.
conjunto de concepções e práticas religiosas que têm a Índia como berço,
é bom ressaltar que nem todos os indianos são hindus, a Índia tem uma diversidade
de religiões com características próprias.

O Hinduísmo surgiu na Índia, por volta do ano de 1500 a.C. No ano 2000 a.C.
os arianos começaram a povoar o Vale do Rio Indo, atualmente Paquistão. As
crenças que surgiram neste período nesta região tiveram influência das religiões
indo-europeias, como a grega, a romana e a germânica (GAARDER; HELLERN;
NOTAKER, 2005, p. 44).

O Hinduísmo não tem um Deus fundador, credo, clero e nem uma instituição.
É ensinado por mestres espirituais (gurus) e cada um à sua maneira. Só se pode
ser hindu por nascimento ou por um amplo e profundo processo de conversão.

[...] embora o hinduísmo seja constituído por uma abundância


de crenças e não seja fundado sobre a revelação contida num
livro único tal como a Bíblia ou o Alcorão, seus princípios foram
expostos em textos considerados de origem sobre-humana
(DELUMEAU, 200, p. 305).

80
Capítulo 2 As Religiões Orientais

Os textos sagrados para os hinduístas são os hinos conhecidos


Textos sagrados
como Vedas. Esses hinos teriam sido transmitidos por Deus a antigos para os hinduístas
habitantes dessa região e neles encontraremos diversos deuses e são os hinos
deusas - chamadas de divindades védicas. Essas são de uma enorme conhecidos como
Vedas.
diversidade, sendo que cada Deus ou Deusa tem características
peculiares, os mais conhecidos são: o Deus Xiva (o destruidor) e Visnù (o protetor)
e Ganexa (boa fortuna). Os hindus têm por costume fazer oferendas aos deuses
que variam de acordo com o deus que se seja agradar.

Figura 3 - Xiva

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/aEtZvd>. Acesso em: 11 maio 2017.

81
História da Religião

Figura 4 - Ganexa

Fonte: Disponível em: <https://goo.gl/p83qRM>. Acesso em: 11 maio 2017.

Figura 5 - Visnu

Fonte: Disponível em: <http://www.saibaba.it/immagini/


Visnu.jpg>. Acesso em: 11 maio 2017.

82
Capítulo 2 As Religiões Orientais

É importante lembrar aqui que apesar do Hinduísmo ter influência direta da


civilização indo-europeia, suas raízes encontram-se antes de 1000 a.C. até 500
a.C. Destacam-se nesta fase os Upanishads, que até hoje são os textos hinduístas
mais lidos. Esses textos foram escritos em forma de diálogos entre o mestre e o
discípulo, ressaltando o Brahman, que é para eles a força espiritual essencial em
que se baseia o universo (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 44).

Para o Hinduísmo, o próprio sujeito é agente de sua salvação, buscando


assim uma evolução pessoal constante. Aqueles que seguem o Hinduísmo devem:

• respeitar a tradição;
• acreditar nos livros sagrados;
• acreditar nos deuses;
• persistir no sistema das castas (determina o status de cada pessoa na
sociedade);
• ter conhecimento da importância dos ritos;
• confiar nos guias espirituais; e
• acreditar na existência de encarnações anteriores. 

O nascimento de uma pessoa dentro de uma casta é resultado do karma


produzido em vidas passadas. Somente os brâmanes, pertencentes às castas
"superiores", podem realizar os rituais religiosos hindus e assumir posições de
autoridade dentro dos templos.

Os hindus, como politeístas, possuem um sistema próprio de culto. Nestes


estão presentes os sacrifícios, em que eram feitas oferendas para conseguir
favores e manter a vida sob equilíbrio. No entanto, os sacrifícios são apenas
uma das partes que constituem essa religião. O hinduísmo, assim como outras
religiões, se preocupa com as ações dos seres humanos e, neste sentido, a moral
faz parte do cotidiano religioso. Entretanto, os hinduístas acreditam no ciclo vida-
morte-reencarnação, concomitante a isso a lei do carma também está inclusa, isto
significa que para eles a pessoa será castigada ou recompensada na outra vida,
dependendo do que fez nessa. A ideia de uma alma imortal está contida nos livros
Upanishads: “Ela (a alma) não envelhece quando você envelhece, ela não morre
quando você morre” (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 46).

A vaca é um animal sagrado na Índia e é adorada durante certas


festas religiosas. Isso provavelmente se relaciona com um antigo
culto de fertilidade; nos Vedas há hinos à vaca, pois ela supre tudo o
que é necessário para sustentar a vida. A vaca se tornou um símbolo
da vida, e não é permitido matá-la. Muitos ocidentais têm uma visão

83
História da Religião

bastante negativa desse fato. Segundo eles, as vacas deveriam


ser mortas para fornecer alimento à legião de famintos da Índia.
Entretanto, considerando o lugar que a vaca ocupa na agricultura
indiana, vemos também aspectos positivos: 70% da população vive
do cultivo da terra, e há uma grande falta de animais de tração num
país em que o trator é pouco difundido. Além disso, o excremento das
vacas é útil não só como fertilizante, mas também como combustível.
Em termos de culto, a vaca é mais “pura” do que o brâmane. Assim,
a pessoa que toca uma vaca está ritualmente limpa. Todos os
produtos derivados da vaca — o leite e a manteiga — são utilizados
em diversas cerimônias de purificação. Até mesmo o excremento
e a urina da vaca são tão sagrados que podem ser usados como
agentes de purificação. Os hinduístas têm outros animais sagrados
além da vaca, em especial o macaco, o crocodilo e a cobra. De
modo geral, eles não gostam de tirar a vida. Isso transformou muitos
hinduístas em vegetarianos e também abriu caminho para o ideal da
não violência, que ficou mais conhecido no Ocidente com a luta de
Gandhi para tornar a Índia independente do colonialismo britânico

Fonte: Gaarder, Hellern e Notaker (2005, p. 46).

Hinduísmo
atualmente é O Hinduísmo atualmente é resultado de diversas correntes
resultado de religiosas, entre as quais destacamos: o Vedismo, o Bramanismo,
diversas correntes o Xamanismo, o Hinduísmo purânico, Hinduísmo medieval,
religiosas.
Hinduísmo reformado, período moderno ou neo-hinduísmo. Não
nos aprofundaremos nessas correntes neste curso, mas fique à vontade para
pesquisar mais sobre elas.

Na atualidade, o Hinduísmo é uma religião que se concentra nos locais mais


afastados dos grandes centros. Na Índia, por exemplo, os jovens têm pouco
interesse por esta conduta religiosa, mas nos locais mais afastados da capital e em
pequenos vilarejos rurais o Hinduísmo mantém a sua força e o seu papel social.

Podemos destacar Podemos destacar uma dificuldade do Hinduísmo em considerar


uma dificuldade o avanço material um ganho para o ser humano. Na filosofia hindu, o
do Hinduísmo em
considerar o avanço importante é o desapego das coisas materiais e não o ganho financeiro,
material um ganho por isso que essa religião se adapta tão bem ao modo de vida simples
para o ser humano. de cada ser humano.

A justificativa para o comportamento desapegado dos seguidores do


Hinduísmo encontra-se na doutrina da transmigração das almas, que afirma

84
Capítulo 2 As Religiões Orientais

uma existência passageira que implicará um renascimento após a morte. De


acordo com a religião hindu, os atos da vida devem espirar um carma para depois
podermos renascer em outra realidade. Existe uma certa predestinação que faz
o indivíduo voltar a esta existência como um animal até atingir a identificação
como um todo. Por acreditar na doutrina da transmigração das almas, os hindus
entendem que não podemos matar e comer a carne de animais de sangue quente,
pois alguns antepassados podem estar vivendo como animais.

Percebemos que a religião hindu é muito diversificada e contém Percebemos que a


religião hindu é muito
inúmeras experiências que nos aproximam da divindade. No Ocidente, diversificada e contém
temos um pouco de dificuldade para entender esses preceitos e, inúmeras experiências
que nos aproximam
sobretudo, a constante luta para o desapego do mundo. da divindade.

Como um sistema diversificado, com crenças que abrangem o monoteísmo,


politeísmo, panenteísmo, panteísmo, monismo e ateísmo, o Hinduísmo possui um
conceito de Deus complexo, que está vinculado a cada uma das suas tradições e
filosofias. Por vezes, é tido como uma religião henoteísta (que envolve a devoção
a um único deus, embora aceite a existência de outros), porém o termo é visto da
mesma maneira que os outros, como uma generalização excessiva.

A maior parte dos hindus acredita que o espírito ou a alma - o “eu” verdadeiro
de cada pessoa, chamado de ātman - é eterno. De acordo com as teologias
monistas/panteístas do Hinduísmo (tais como a escola Advaita Vedanta), este
ātma não pode ser distinguido, em última instância, do Brâman, o espírito
supremo; estas escolas são, portanto, chamadas de não dualistas. A meta da
vida, de acordo com a escola Advaita, é chegar à conclusão de que o seu ātman
é idêntico ao Brâman, a alma suprema. Os Upanixades afirmam que alguém
que toma consciência do ātman como o âmago de si próprio estabelece uma
identidade com Brâman, atingindo assim o moksha (“liberação” ou “liberdade”).

O Carma (Karma) pode ser traduzido literalmente como “ação”, “obra” ou


“feito” e pode ser descrito como a “lei moral de causa e efeito”. De acordo com
os Upanixades, um indivíduo, conhecido como o jiva-atma, desenvolve sanskaras
(impressões) a partir das ações, sejam elas físicas ou mentais. O linga sharira,
um corpo mais sutil que o físico, porém menos sutil que a alma, armazena as
impressões e carrega para a vida seguinte, estabelecendo uma trajetória única
para o indivíduo.

Assim, o conceito de um carma infalível, neutro e universal relaciona-se


intrinsecamente à reencarnação, assim como à personalidade, característica e
família de cada um. O carma une os conceitos de livre-arbítrio e destino. Carma
também se refere à ação e à lei de causa e efeito. Dharma é o dever moral da
pessoa.

85
História da Religião

Os principais passos da vida são marcados por ritos de passagem. Quando


um bebê nasce, ele é levado ritualmente à palavra sagrada. Todo hindu nasce
pertencendo a uma casta ou jati.

Dentro do Hinduísmo há milhares de deusas, ao contrário de religiões


tradicionais brasileiras. Há também na religião aqueles deuses considerados
reencarnações de outros deuses maiores. É característico destes possuir
feições de animais. Deusas de vilarejos são grandes e reconhecidas em toda a
Índia, algumas inclusive possuem origem tribal. É comum os principais deuses
possuírem um aspecto masculino e outro feminino.

A crença do Hinduísmo é que atma está antes de moksha e atrelada a uma


sucessão incessante de nascimentos e mortes, em que é arrastada sem opção
por seus desejos sensoriais através de seus sentidos físicos. Esses mesmos
desejos são a causa do sofrimento e da morte e do próximo renascimento. É uma
percepção negativa da realidade que deve ser transformada em positiva, pelo
efeito de moksha.

Moksha parece acontecer em um instante quando tudo é transformado. Atma


é feito da mesma maneira que Brahman, a Essência Universal, e em um momento
ela se dissolve nele, porém sem perder a sua própria individualidade. A dissolução
que ocorre é dos sofrimentos, pela eterna presença da bem-aventurança
autossuficiente.

Pela diversidade do Hinduísmo, as diferentes escolas apresentam distintos


caminhos a moksha, basicamente podem ser apontados três grandes ramos: o
caminho da sabedoria, em que o estudo e as minúcias ritualistas são as principais
características; o caminho devocional, em que Brahman é amado e adorado pelo
devoto como prática; e o caminho do asceta, que busca se dissolver em Brahman
através de práticas austeras.

Brahman é a realidade última para os hindus. Já os Deuses Védicos são as


mais antigas divindades conhecidas, dentre eles se destacam o Surya – o deus
sol védico, que é associado com Agni e Vayu. Agni - o deus do fogo Agni - era uma
das mais populares divindades védicas. Esses e outros fazem parte da “digamos”
casta de Deuses dos Véticos.

A percepção Hindu é que moksha é a percepção consciente de sabedoria


de bem-aventurança. O praticante torna-se lúcido e vivencia essa presença de
beatitude existente no universo. Essa percepção libera o devoto de sua crença
de renascimentos que acreditava estar atrelada aos sofrimentos dos sentidos. A
referência é da felicidade direta, autoexistente.

86
Capítulo 2 As Religiões Orientais

Quando o mundo está sob ameaça do mal, Vishnu aparece para protegê-lo,
em um de seus avatares, ou reencarnações. Vishnu também é conhecido como
protetor e preservador, Vishnu representa a força.

Advaita Vedanta é uma das três escolas de Vedanta do pensamento monista


hindu. A palavra Vedanta vem de Vedas, livros sagrados da antiga Índia, e anta,
final, ou seja, é a culminação dos Vedas, a parte final e mais avançada dos Vedas.

Advaita - (hind) princípio fundamental do Vedanta - assevera que a única


realidade é Brahman e que o dualismo que se interpõe entre o eu e o mundo, entre
o espírito e a matéria, é uma ilusão (maya) e resulta da ignorância (avidhma).
Termo negativo pelo qual se afirma o monismo, a unidade total. O mundo físico é
aparente. No sistema advaita, o Brahman (Absoluto) e o Atman (em si) não são
duas realidades distintas. Para esta doutrina, o não dualismo constitui a base das
experiências espirituais de união com o Absoluto (SCHLESINGER, 1995, p. 73).

Bhakti significa devoção e amor espiritual a Deus. Esta prática de devoção é


encontrada dentro do contexto dualista da religião Hindu, como Bhakti Yoga. Na
terceira etapa do desenvolvimento da produção de textos do Hinduísmo, tem-se
as Epopeias: o Mahabharata e o Ramayana, em que o caminho para a liberação
apresentado aos devotos é por meio do amor incondicional a Deus (Brahman)
como uma personalidade divina. Assim, definimos Bhakti como um amor que ocupa
um lugar central no discípulo que crê que por sua adoração atingirá a glória divina.

Atividade de Estudos:

1) O hino abaixo é considerado como um cântico de súplica aos


deuses hindus. Proceda a sua leitura e verifique quais são os
principais pedidos.

MAṆḌALA I, HINO 2.
AṢṬAKA I, ADHYĀYA 1, VARGA 3-4.

1. Vem para cá, ó Vāyu, tu belo! Esses Somas estão prontos,


bebe deles! Ouve o nosso chamado!
2. Ó Vāyu, os adoradores te celebram com hinos, eles que
conhecem os dias de festa, e prepararam o Soma.
3. Ó Vāyu, tua corrente satisfatória vai até o adorador, de amplo
alcance, para beber o Soma.
4. Ó Indra e Vāyu, essas (libações de Soma) são derramadas;
venham para cá por causa das nossas oferendas, pois as gotas
(de Soma) anseiam por vocês.

87
História da Religião

5. Ó Indra e Vāyu, vocês percebem as libações, vocês que são


ricos em saque; venham então rapidamente para cá!
6. Ó Vāyu e Indra, aproximem-se da obra do sacrificador, rápido,
essa é minha oração, ó homens!
7. Eu chamo Mitra, dotado de força sagrada, e Varuṇa, que
destrói todos os inimigos; que ambos realizam uma oração
acompanhada por oferendas de óleo. Do modo correto, ó Mitra e
Varuṇa, vocês obtiveram grande sabedoria, vocês que aumentam
a justiça e aderem à justiça;
9. Esses dois sábios, Mitra e Varuṇa, os poderosos, de domínio
amplo, nos deem força eficiente

Fonte: Wilson (2013, p. 54).


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O Taoísmo
Talvez você já tenha ouvido falar no Ying e Yang. Bem, algumas pessoas
conhecem esses dois termos como representantes do símbolo abaixo e por
representar o bem e o mal, o claro e o escuro, o feminino e masculino. O que
muitas pessoas não sabem é que o símbolo pertence à religião do Taoísmo e
comumente visto e associado a equilíbrio, exercício e concentração – tudo isso
tem significado se nós entendermos a religião do Taoísmo.

Figura 6 - Ying e Yang

Fonte: Disponível em: <http://www.sfrpg.com.br/img/2010/2/


yin-Yang-taoismo.gif>. Acesso em: 11 maio 2017.

88
Capítulo 2 As Religiões Orientais

No pensamento chinês tradicional, todas as coisas possuem


dois aspectos essenciais, conhecidos como yin e yang. Yin descreve
as coisas escuras, úmidas, moles, frias e femininas; yang refere-se às
que são claras, secas, duras, quentes e masculinas. Todas as coisas
no universo, desde o funcionamento do Estado aos relacionamentos
humanos e à saúde de uma pessoa, têm qualidades yin e yang
em variadas proporções. A meta é manter esses dois aspectos da
existência em equilíbrio, de modo que a harmonia prevaleça.

Fonte: Wilkinson (2011, p. 242).

A partir do século I d.C., o Budismo chega à China e se depara com outras


duas religiões que já estavam por lá, o Confucionismo e o Taoísmo. Ao contrário
do Confucionismo, que na China era uma religião conhecida como da “elite”, pois
seus adeptos pertenciam em geral às altas camadas sociais, o Taoísmo permeou
pelas camadas mais populares da China.

Entretanto, é preciso chamar a atenção para uma questão com relação ao


culto às religiões na China, no caso aqui estamos falando do Confucionismo e
do Taoísmo. A relação religião-classe social na China não pode ser considerada
totalmente rígida, existiam casos, por exemplo, em que um burocrata (pessoa
ligada ao governo) era confucionista durante seu trabalho e, terminado o seu
trabalho, poderia se dedicar às práticas espirituais taoístas. “Ser confucionista de
dia e taoísta à noite” (DELUMEAU, 2000, p. 321).

Como vimos em algumas páginas anteriores, o Budismo é uma religião que


procura a salvação do indivíduo. O Taoísmo procura a saída do ciclo das existências
pessoais. Contudo, havia semelhanças entre certas práticas: “[...] meditação, jejum,
técnicas respiratórias” (DELUMEAU, 2000, p. 321). O Taoísmo, assim como o
Confucionismo, foi considerado, antes de ser religião, como escola filosófica.

O termo taoísta é formado por dois ideogramas chineses: Tao


significa caminho, exprimindo a ideia de origem de todas as coisas; e
Diao significa ensinamento. Portanto, taoísmo corresponde à tradição
que vem do passado, que revela a origem. Por isso, o Caminho da
Imortalidade, objetivo dos taoístas, é denominado Via do Retorno,
indicando a volta ao princípio. Nesse caminho, a virtude se efetiva

89
História da Religião

através da mediação de consciência e da compreensão dinâmica do


universo para resgatar a ordem natural da vida.

A escola taoísta tem como base o estudo de três obras,


simbolizadas na imagem de uma árvore. A raiz é o I Ching – O Livro
das Mutações, o tronco é o Tao Te Ching – Livro do Caminho e da
Virtude e a flor é o Nan Hua Ching – O Livro da Flor do Sul. O Tao Te
Ching é a estrutura central do taoísmo.

Lao Tse revela um ensinamento que abrange o tempo infinito.


Lao Tse corresponde à transmissão e conservação da tradição
taoísta na imagem do mestre, manifestação do absoluto.

Segundo o cânon taoísta, Lao Tse nasceu na província de Na


Hue, na cidade de Guo Yang, no 25º dia da segunda lua do ano
Ken-Tzen da era Wu-Tin (no período entre 1324-1408 a.C.). As
circunstâncias do seu nascimento foram extraordinárias. De acordo
com a tradição, sua gestação demorou oitenta e um anos. Lao Tse foi
concebido quando sua mãe engoliu uma pérola de luz, transformação
da Transparência Sublime 2 em sopro, através da essência do Sol.
Seu pai era um famoso alquimista da dinastia San que ascencionou
com mais de cem anos, envolvido pelos dragões celestiais. Sua mãe
era considerada a encarnação do Sopro Yin do Céu-Anterior, sendo
ao mesmo tempo sua mestra. Lao Tse nasceu do lado esquerdo das
costelas da sagrada mãe, no jardim da família sob uma árvore de
nome Li (ameixeira), com cabelos brancos e orelhas grandes. Por
isso, recebeu o nome de Lao Tse (filho velho) e Li Er (orelha grande
da ameixeira). Lao Tse tem também sentido de Senhor do Fim e do
Princípio, já que velho representa o fim enquanto filho representa o
início.

Sua juventude foi vivida no condado de K´u localizado entre


Long San (Monte Dragão) e Guo Sue (Rio Guo). Quando o imperador
tirano Zhou assumiu o poder, Lao Tse mudou-se para a região sul
do Chi San, no território do Rei Wen, fundador da dinastia Chou.
Foi convidado pelo rei Wen para ser responsável pela biblioteca
real. Mais tarde, foi nomeado para o cargo de historiador real,
permanecendo como tal até o 19º dia da quinta lua do 25º ano da era
do rei Zhao, quando solicitou dispensa e retornou à sua terra natal,
acompanhado do escudeiro Shü Jia. No mesmo ano, Lao Tse iniciou
sua grande viagem para o Ocidente, com intuito de chegar aos reinos
da atual Índia, Afeganistão e Itália. Durante a viagem, permaneceu

90
Capítulo 2 As Religiões Orientais

algum tempo na fronteira de Yü Men e aceitou o oficial-chefe da


fronteira como discípulo. Ditou-lhe vários escritos, entre eles o Tao Te
Ching. Muitos anos depois, teve sua ascensão no deserto de Gobi.

Fonte: Lao Tse (2017, p. 2).

O Taoísmo é uma religião que se preocupa muito com o equilíbrio entre o


corpo e a mente, dietas, exercícios de respiração e também a postura moral em
relação à vida e que nos propicia viver em harmonia com o Tao.

Mas, o que vem a ser o Tao? O Taoísmo se baseia em um livro chamado


Tao Te Ching, O livro do Tao e do Te. Tao (ordem do mundo) e Te (força vital) são
antigos conceitos chineses aos quais Confúcio deu uma interpretação um pouco
diferente.

A boa caminhada não deixa rastros ou pegadas A boa palavra


não deixa imperfeição para críticas O bom cálculo não utiliza medida
nem número A boa porta não necessita de ferrolho para ser fechada
E não pode ser aberta O bom nó não necessita de corda para
ser atado E não pode ser desatado Assim, o Homem Sagrado É
constante e bondoso Salva os homens e não abandona os homens
É constante e bondoso Salva coisas e não abandona coisas Isso se
chama herdar a luz O homem bom é mestre daquele que não é bom
O homem que não é bom é o recurso daquele que é bom Quem não
valoriza seu mestre e quem não ama seu recurso Mesmo inteligente,
permanece enormemente desorientado A tudo isso denomina-se
Maravilha Essencial.

Fonte: Lao Tse (2017, p. 30).

O Tao Te Ching é um livro de 25 páginas, dividido em 81 capítulos, não há


um consenso de quem o escreveu, mas usualmente é atribuído a Lao Tse. Esse
filósofo, que viveu no século VI a.C., teria sido mais ou menos contemporâneo de
Confúcio (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 78).

91
História da Religião

A palavra (Dao) significa ao mesmo tempo a ordem e a totalidade


do universo e a “via”, o “caminho” que possibilita a entrada no ritmo
do mundo, fazendo em si o vazio. Para essa “via” remonta-se para
aquém da criação, até o caos primordial – uma vasta matriz que
contém energias em estado difuso, “fôlegos” que, ao se separarem,
deram origem às “dez mil coisas”. “Nessa concepção, o universo não
é considerado a obra de um criador. Ele é um devir espontâneo em
perpétua mudança”

Fonte: Delumeau (2000, p. 321-323).

Agora, voltemos a falar mais um pouco sobre as histórias relacionadas à vida


de Lao Tse. Apesar de serem muitas e variadas, os historiadores não têm certeza
sequer se ele de fato existiu. Feita essa advertência, abaixo vamos nos referir a
Lao Tse como autor do Tao.

Para Confúcio, o Tao era a suprema ordem do universo, que o


homem tinha de seguir. Lao Tse também concebia o Tao como a
harmonia do mundo, especialmente do mundo natural, mas para
ele o Tao terá também outros significados: o Tao é a verdadeira
base da qual todas as coisas são criadas, ou da qual elas jorram.
Várias vezes o Tao é descrito como o “céu”, isto é, como algo
divino (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 76).

Para Lao Tse seria impossível descrever o tao de maneira direta e racional.
“O Tao que pode ser descrito não é o Tao real”, disse ele (GAARDER; HELLERN;
NOTAKER, 2005, p. 76). Isso quer dizer que o homem não pode investigar a
verdadeira natureza do Tao.

Para um taoísta, O Taoísmo implica uma vida movida pela passividade e não pela
a ação mais atividade. Para um taoísta, a ação mais importante é a “não ação”,
importante é a “não
ação”. essa forma de pensar supõe uma visão e vivência em comunidade
muito diferente do homem ocidental. Enquanto que, para Confúcio, a
educação se faria por meio do conhecimento, para Lao Tse, a permanência do
homem na ingenuidade como das crianças e uma vida simples levaria o homem
à felicidade.

Enquanto Confúcio visava por regras e sistemas políticos fixos, Lao Tse dizia
que o homem deveria interferir o mínimo possível na natureza dos fatos. “Quanto
mais leis e mandamentos existirem, mais bandidos e ladrões haverá”, diz o Tao Te
Ching (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 77).

92
Capítulo 2 As Religiões Orientais

O Estado ideal de Lao Tse eram as aldeias ou as cidades pequenas, e nesse


tipo de hábitat as pessoas viveriam em paz, sem interesse em guerrear contra
seus vizinhos. O líder deveria ser um filósofo. A caridade não faz sentido para um
taoísta, mas deve-se ter boa vontade para com todas as pessoas (GAARDER;
HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 78).

Lao Tse acreditava que, quando um indivíduo permanece passivo,


preserva sua força vital por longo tempo, mantendo-a saudável
e pura. Mais tarde, algumas pessoas começaram a interpretar
essa ideia como a possibilidade de alcançar uma longevidade
cada vez maior, e passaram a se interessar em se tornar imortais.
Filósofos taoístas, além de meditar, exercitavam práticas mágicas
e tentavam descobrir o elixir da vida eterna. Lado a lado com o
taoísmo filosófico, foi se desenvolvendo uma religião popular
baseada em Lao Tse mas que também tinha seus próprios deuses,
templos, sacerdotes e monges. Havia rituais complexos, em parte
inspirados pela prática budista, com procissões, oferendas de
alimentos aos deuses e cerimônias em honra dos vivos e dos
mortos (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 78).

De acordo como o Taoísmo, devemos estar em harmonia como De acordo como o


o cosmos para podermos expressar a nossa gratidão por existir. Taoísmo, devemos
O significado da palavra Taoísmo remete ao livro que nos indica o estar em harmonia
como o cosmos.
caminho e que constitui todo fundamento da existência. Assim como
outras filosofias, a religião taoísta aponta para a solução de um dilema que
parece remontar à filosofia grega anterior a Sócrates. Desta maneira, os opostos
produzem todo o movimento que existe no universo.

No século V a.C., o filósofo grego Heráclito de Éfeso afirmou que o


movimento é fruto dos opostos, isso se aproxima da filosofia taoísta, pois,
ao opor os sentimentos, os seres e as coisas produzem toda transformação.
Evidentemente não queremos comparar o Taoísmo com a filosofia grega, apenas
citamos Heráclito como exemplo no Ocidente.

O significado do taoísmo se apoia na metafísica desenvolvida por


Lao-Tsé, ou seja, a sua ética que aponta para “o sumo bem do mundo”.
Neste sentido “Tao é o fundamento do mundo, uma potência espiritual,
em repouso eterno, já existente antes do mundo. Movimenta-se para
todas as direções e cria o mundo, o preenche, dá-lhe forma, forma
e matéria, ama e nutre o mundo como uma mãe, mas ela mesma
permanece imutável e livre de desejos. Como ser ético, o Tao não
pode ser apenas uma força natural, mas deve ser espiritual”.

Fonte: Zilles (2012, p. 38).

93
História da Religião

A ética taoísta remete à junção das forças naturais e espirituais,


A ética taoísta
remete à junção das propondo uma bondade universal para combater todas as hostilidades.
forças naturais e
espirituais, propondo A cosmologia taoísta pode ser dividida em três partes: a primeira
uma bondade
universal para só é acessível ao homem livre das paixões e diz respeito àquilo que
combater todas as está no seu próprio ser antes da criação do mundo (ZILLES, 2012,
hostilidades.
p. 38). A segunda parte, da criação, pertence ao céu e à terra, bem
como às coisas do mundo. A terceira parte, da cosmologia taoísta, é o céu ou a
divindade que emana do fundamento.

De acordo com o Taoísmo, o agir virtuoso que é chamando tê deve ser uma
atitude de busca presente em todas as criaturas. Neste sentido, o tao deve procurar
a bondade absoluta que está contida em sua ação. O homem deve seguir o agir
virtuoso em sua vida, pois o tao, uma vez atingido, proporciona a eternidade.

De acordo com o Taoísmo, podemos citar alguns princípios morais que devem
ser seguidos, a saber: não matar, não tomar bebidas alcoólicas, não mentir, não
roubar e não cometer adultério. Esses modos morais indicam a conduta ética para
os indivíduos no mundo.

Além disso, o Taoísmo aponta para dez virtudes: a paciência com os


pecadores, o amor fiel, a ternura com os seres, a lealdade aos governantes, ajudar
os pobres, autossacrifício, promover o bem, libertar escravos, fazer estradas e
poços, estudar as escrituras, ensinar os ignorantes e fazer as devidas oferendas
aos deuses (ZILLES, 2012).

Em outras palavras, podemos resumir o Taoísmo como uma filosofia,


ideologia política, social e religiosa elaborada pelo pensador chinês Confúcio
(551-479 a.C.), e por isso o Taoísmo também é conhecido por Confucionismo. O
Taoísmo é um dos três principais sistemas religiosos da China.

O princípio básico do Confucionismo é conhecido pelos chineses como


junchaio (ensinamentos dos sábios) e define a busca de um caminho superior
(Tao) como forma de viver bem e em equilíbrio entre as vontades da terra e as do
céu. Confúcio é mais um filósofo do que um pregador religioso.

No Taoísmo não existe um Deus criador do mundo, nem uma igreja


organizada, nem sacerdotes. O alicerce místico de sua doutrina é a busca do Tao.
O Tao é a fonte de toda a vida, a harmonia do mundo. No Confucionismo, a base
da felicidade dos seres humanos é a família e uma sociedade harmônica.

Um dos principais ensinamentos do Taoísmo é o do velho dualismo, a


competição dos opostos Yin e Yang, que seriam duas energias encontradas em

94
Capítulo 2 As Religiões Orientais

todas as coisas e que devem ser mantidas em equilíbrio. O excesso de qualquer


uma destas duas energias é por eles considerado danoso. O Taoísmo ensina
que, quando estas duas forças (Yin e Yang) estão em equilíbrio na personalidade
humana, então o perfeito humano ideal existirá.

O Xintoísmo O Xintoísmo é
uma antiga religião
japonesa cujo
surgimento se deu a
O Xintoísmo é uma antiga religião japonesa cujo surgimento se partir do ano 500 do
deu a partir do ano 500 do calendário cristão. calendário cristão.

No Japão, a transição entre religiões é muito comum, um casamento, por


exemplo, pode ser feito em uma igreja cristã e um filho do mesmo casamento
pode ser abençoado pelos deuses em um ritual xintoísta e, mesmo após a morte,
pode ser enterrado em um ritual budista.

Essas “misturas” de religiões são muito comuns no mundo


contemporâneo e encontram ressonância com diversas novas seitas,
cultos e comunidades religiosas, o que levou o Japão moderno a ser
chamado de laboratório religioso (GAARDER; HELLERN; NOTAKER,
2005, p. 78).

O Xintoísmo não tem um fundador, ao contrário, por exemplo, de religiões


como Cristianismo, Islã, Budismo. O Xintoísmo é uma típica religião nacional, isto
quer dizer que se restringe basicamente ao Japão, mas que ao longo dos séculos
adotou ritos de outras religiões. Essa religião não conta com nenhum credo ou
código de ética. A essência do Xintoísmo são as cerimônias e os rituais que
mantêm o contato com o divino.

Essa religião também possui diversos deuses, ou kamis (espíritos), que se


manifestam sob a forma de árvores, montanhas, rios, animais e seres humanos
que influenciam a vida humana e tudo o que acontece na Terra (WILKINSON,
2011, p. 266). O respeito aos espíritos da natureza e o respeito aos espíritos de
seus ancestrais é fundamental para o Xintoísmo. O culto aos antepassados se
difundiu particularmente sob a influência do Confucionismo (religião que vamos
explicar no próximo item) chinês.

95
História da Religião

Um templo xintoísta não é um local para pregações, caracteriza-se o local


da morada de um kami - local onde se cultua segundo certos rituais. No interior
do santuário ou templo, há um objeto que simboliza a proximidade do kami. Esse
símbolo que torna o templo um lugar sagrado. Os símbolos mais importantes
são: um espelho, uma joia ornamental e uma espada e estão ligados à Deusa
do Sol: Amaterasu, e ao primeiro imperador do Japão (GAARDER; HELLERN;
NOTAKER, 2005, p. 80).

O Xintoísmo sofreu mudanças e, aos poucos, em vez de adorar os kamis do


falecido imperador, passou-se a adorar o próprio imperador, o qual passou a ser
um kami vivo.

OS IMPERADORES E A DEUSA DO SOL

A estreita identificação do Japão com o Sol, desde o símbolo em


sua bandeira nacional até seu nome popular “Terra do Sol Nascente”,
ajudou a reforçar afirmações de que a família real descendia da deusa
do Sol Amaterasu, o mais importante de todos os Kami. Os imperadores
cultuavam Amaterasu no santuário de Ise, a sede do xintoísmo estatal.
Em 1946, o imperador renunciou publicamente a essa linhagem divina,
para se tornar meramente um chefe de Estado constitucional. Essa
bandeira marítima ao lado exibe o sol nascente com seus raios. A
bandeira nacional ostenta apenas o disco do sol nascente.

A origem do culto ao imperador se explica, em parte, pelas condições


políticas do século passado (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005. p. 79). No
final do século XIX, o Japão estava ameaçado pelo expansionismo ocidental e
sentiu necessidade de reforçar no povo o caráter nacional. Em 1867, um golpe
de Estado deu ao imperador Meiji o controle do país; ele iniciou uma renovação
política e religiosa. O Xintoísmo tornou-se a religião estatal.

Ao mesmo tempo em que templos budistas foram derrubados e vários


elementos budistas foram expurgados da cultura xintoísta, retratos do imperador
foram pendurados em todos os edifícios oficiais, nas escolas e nas fábricas, e as
pessoas tinham de se curvar respeitosamente diante deles.

O culto ao imperador veio com um forte sentimento nacionalista. Surgiu


assim nesta época um crescente expansionismo japonês, que culminou na
Segunda Guerra Mundial, período em que o Japão se alinhou à Alemanha. Assim,

96
Capítulo 2 As Religiões Orientais

a religião ficou vinculada ao nacionalismo. Interessante lembrar que o Xintoísmo


era a religião dos pilotos suicidas japoneses (kamikaze quer dizer “vento divino”).

Cada soldado que morria na guerra era imediatamente transformado em um


kami, e em sua honra se realizavam cerimônias nos templos xintoístas. Após a
derrota do Japão na guerra, em agosto de 1945, o imperador fez uma declaração
renunciando à sua condição divina (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p.
79).

O Xintoísmo deixou de ser religião estatal; porém o Xintoísmo popular, que


sempre havia coexistido com o culto imperial, sobreviveu e passou a experimentar
um certo reavivamento. O culto é observado tanto nos lares como nos templos
- no Japão existem cerca de 20 mil templos espalhados por todo o país. Antes
administrados pelo governo imperial, os templos são hoje organizados em
associações, com líderes eleitos pelo voto (GAARDER; HELLERN; NOTAKER.
2005, p. 79).

As cerimônias eram realizadas pelo chefe da família ou do clã; em um nível


mais alto ou pelo próprio imperador, e eram passadas de geração em geração em
determinadas famílias. Esse sacerdócio hereditário foi abolido quando o imperador
elevou o Xintoísmo à condição de religião estatal e transformou os sacerdotes em
funcionários públicos (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 79).

São os principais textos do Xintoísmo:


a) o Kojiki – escrito em 712, traz um relato das tradições
conservadas oralmente até o ano 628;
b) o Nihongi – escrito em 720, é cerca de duas vezes mais longo
do que o Kojiki; é a continuação dos seus relatos até o ano 700;
c) o Kogoshui, escrito em 807, fornece alguns detalhes ausentes
nos dois escritos anteriores;
d) o Sendai Kuji Hongi – escrito em dez volumes no final do IX
século, relata a história do Japão da era dos deuses até o VII
século;
e) o Engi-shiki – promulgado em 967, embora um texto de
administração governamental, contém os três textos do Norito,
liturgia que se oferece aos Kami (HERBERT, 1977, p.13-14).

Atualmente, os sacerdotes são nomeados pela organização dos templos. O


casamento não é um empecilho para ser sacerdote xintoísta, e os sacerdotes têm
trabalhos comuns na sociedade, as mulheres também podem ser sacerdotisas.

Os sacerdotes deve saber conduzir as cerimônias e as festividades religiosas.


Os quatro principais aspectos do culto são:

1. as cerimônias religiosas ajudam a evitar acidentes;


2. promovem a cooperação;

97
História da Religião

3. promovem contato com os kamis;


4. geram o contentamento e a paz para o indivíduo e a sociedade.

O Xintoísmo conta também com cerimoniais de purificação, que têm por


objetivo banir tudo o que seja mau ou injusto e banir tudo o que possa pôr em
perigo a relação do indivíduo com os kamis. Doenças estão associadas à
impureza, e o processo de purificação pode consistir, por exemplo, apenas em
lavar o rosto ou despejar um pouco de água na ponta dos dedos; o sacerdote deve
agitar um cajado especial diante dos indivíduos ou objetos a serem purificados.
Na ponta desse cajado da purificação se encontram amarradas fitas de papel ou
fios de linho, que o tornam semelhante a uma vassoura (GAARDER; HELLERN;
NOTAKER, 2005, p. 80).

Se as oferendas (que podem ser: dinheiro, alimentos ou bebidas) prescritas


não são feitas, o indivíduo pode perder contato com o kami e sofrer punições.

As diversas atividades artísticas ou esportivas associadas às


festividades do templo também têm um significado religioso e
devem ser consideradas uma espécie de sacrifício. Dança, teatro,
luta e arco e flecha são atividades que se realizam em honra aos
deuses (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 80).

A oração começa com um louvor ao kami e deve ser uma expressão de


gratidão. Ao final da cerimônia, há um naorai (refeição) com o kami e o sacerdote
dá uma pequena quantidade de vinho de arroz.

No que diz respeito ao culto nos lares, há objetos sagrados essenciais,


como um amuleto para o kami, pequeno espelho, vela, vaso contendo galhos de
uma árvore chamada sakaki. Inicia-se o ritual lavando a boca e as mãos, após
a higienização pessoal, coloca-se um sacrifício diante do altar que pode ser: um
copo com água ou um prato com grãos de arroz. Passamos a alguns aspectos da
Teogonia Xintoísta.

Lê-se na primeira seção do Kojiki: “os nomes dos Kami que se


tornaram no Alto Plano dos Céus (Takama-no-hara) no início
do Céu e da Terra são Ame-nominaka-nushi-no-kami (Augusto
mestre do Centro do Céu), em seguida Takamimusubi-no-kami
(Augusto elevado Kami que produz), e depois Kami-musubi-
no-kami (Divino Kami maravilhoso que produz) ”. Na última
geração nascem Izanagi (Varão que convida) e Izanami (Varoa
que convida) (ibidem, p. 28). A estes, os deuses ordenam
consolidar e fazer nascer a Terra, entregando-lhes uma lança
celeste ornada de joias (ibidem, p. 37-38). De sobre a Ponte
Flutuante Celestial (Ame-no-uki-hashi), agitam com sua lança
flamejante as águas do oceano, e de seus pingos se forma a
ilha Onogoro, a primeira terra do Japão, que muitos autores
relacionam à Ilha de Awaji (ibidem, p. 38). Seu nome significa

98
Capítulo 2 As Religiões Orientais

autocondensado e é a única entidade que não provém da união


sexual dos deuses (ibidem, p. 40). Após construírem nesta ilha o
Augusto Mastro Celestial e uma sala (ou palácio) de oito braças,
ambos contornando o mastro, o homem pelo lado esquerdo e
a mulher pelo direito, unem-se como homem e mulher. Porém,
tendo Izanami tomado a iniciativa, a união não resultou em
boas crias e refizeram a união, cabendo desta vez a iniciativa
ao homem (HERBERT, 1965, p. 50-51). No Nihongi consta
a versão na qual a mulher toma a iniciativa e faz o contorno
pelo lado esquerdo, atendendo ao que lhe diz o homem, e este
contorna o pilar pelo lado direito (HERBERT, ibidem, p. 51).
A união fracassou pelo resultado e a refizeram, invertendo os
lados e cabendo a iniciativa da palavra desta vez ao homem
(ibidem, p. 52). O Nihongi descreve que, após o nascimento de
Awaji e de Hiruko, Izanagi e Izanami produzem o mar, os rios, as
montanhas, as árvores e as ervas. O Kojiki lista o nascimento de
outros elementos da natureza, nascendo por último o deus do
fogo Kagu Tsuchi (ibidem, p. 64-65). Do parto, Izanami tem sua
genitália queimada, adoece, morre e desce ao reino dos mortos.
Izanagi mata então o filho Kagu-tsuchi, cortando-lhe o pescoço
e, de seu cadáver, nascem os deuses da montanha (HERBERT
1977, p. 48-50). Izanagi não se conformando vai buscar Izanami
e lhe é pedido que espere enquanto ela pediria autorização para
o Kami de Yomi (divindade das Trevas). Mas Izanami se demora
e impaciente, Izanagi busca pela amada; ao encontrá-la,
Izanami já tendo se alimentado da comida dos mortos, encontra-
se com o corpo já putrefato. Da cabeça, do peito, do ventre, da
genitália, das mãos e dos pés de uma Izanami enfurecida saem
então oito divindades, as deusas do Trovão (ibidem, p. 50-51).
Izanagi brande sua espada mas em vão. Estas, com Izanami
encolerizada, perseguem Izanagi que lhes atira um ornato de
cabeça preto que, transformando-se em uva, é recolhido pelas
divindades. Na fuga, desesperado, Izanagi atira três pêssegos
às “horríveis mulheres de Yomi” e enquanto estas os comem, ele
consegue escapar e fechar o reino dos mortos atrás de si, mas
ouve a maldição de Izanami: "irei ao seu mundo todos os dias
e trarei mil almas para o meu reino", ao que responde Izanagi:
"e eu farei com que nasçam 1500 descendentes meus por
dia" (ibidem, p. 52,54). Esta maldição parece habitar ainda no
inconsciente coletivo, representada quase sempre pela mulher
como os seres terrificantes do mundo dos mortos. O homem
é sempre a vítima aterrorizada. De fato, constitui tabu corrente
para o japonês a invasão do mundo dos mortos, assim como a
profanação do mundo dos kami, que pode resultar em algum
mal, advertência que encontramos no provérbio “Sawaranu Kami
ni tatarinashi” (não provém mal de kami que não é incomodado).
(HARADA, op. cit., p. 46).

O praticante do culto desta religião neste momento senta ou fica em pé


sobre um tapetinho, com a cabeça respeitosamente curvada, após a oração
inclina a cabeça duas vezes, bate palmas duas vezes com as mãos erguidas e
inclina mais algumas vezes a cabeça para finalizar o culto. Após o culto, todos os
alimentos que foram oferecidos são depois retirados e servidos como refeição aos
moradores da casa.

99
História da Religião

Atividade de Estudos:

1) A partir do fragmento do artigo: “Xintoísmo: mitologia e


influência na formação da cultura e do caráter do povo japonês”,
descreva quais dos símbolos do Xintoísmo se relacionam com
sua personalidade.

O Espelho

A tradição de não se materializar em formas visíveis as


divindades é revelada pela ausência de imagens ou ídolos como
objetos de adoração nos santuários xintoístas (HARADA, op. cit.,
p. 45). O espelho não é propriamente objeto de adoração, mas
“tipifica o coração humano que na sua pureza reflete a imagem
da divindade” (idem). “O espelho limpo reflete as coisas tais quais
são; simboliza a límpida mente do kami e ao mesmo tempo é
considerado como a simbólica corporificação sagrada entre o fiel
e o kami” (ONO, op. cit., p. 23). No Jinno Shotoki, de 1339, explica
Kitabatake: “O espelho é a fonte da honestidade porque ele
tem a virtude de responder de acordo com a forma dos objetos.
Ele aponta os desejos divinos da justiça e da imparcialidade.”
(idem) Em alguns santuários xintoístas, os fiéis, quando querem
reverenciar mais formalmente algo além da tradicional reverência
na entrada dos santuários, são conduzidos pelo monge ao local
sagrado onde está postado um espelho: sutil mensagem que
convida o visitante à autorreflexão (HARADA, op. cit., p. 45).

Fazendo uma análise a partir do nome, Hayao Kawai,


moderno estudioso do Xintô, diz que kagami (espelho) deriva de
kage (sombra ou reflexo) e mi (ver). Amaterasu, ao aceitar sua
imagem refletida no espelho, aceitou também o “lado escuro do
seu espírito virgem”, isto é, ao se recolher, os oitocentos deuses
do Alto Plano dos Céus (Takama-no-hara) ficaram no escuro,
mas a Deusa do Sol acabou também experienciando a escuridão
do seu espírito. Assim como os humanos têm o lado obscuro
e desconhecido da mente, para ser perfeita ela precisava ter a
sombra (KAWAI, 1964, p. 183).

O torii

Os santuários xintô são precedidos pelos característicos


portais torii, que significa poleiro de aves, numa referência às
aves que contribuíram para a saída da deusa Amaterasu da

100
Capítulo 2 As Religiões Orientais

caverna, intrigada com seu canto (ROCHEDIEU, op. cit., p.


131). Constitui-se de duas traves verticais encimadas por duas
horizontais. Postadas antes dos acessos aos santuários, separa
“o mundo secular, o exterior impuro do terreno sagrado que
envolve o santuário. Traz geralmente os “gohei”. - tiras de papel
branco cortadas em ziguezague - dependuradas, indicando a
presença de deuses. Ao passar por ele, o visitante do santuário
simbolicamente se submete a um ritual de purificação das
impurezas acumuladas no mundo exterior” (LITTLETON, op. cit.,
p.70). As tiras de papel são chamadas shide. Gohei é o conjunto
que contém as shide (HERBERT, 1964, p. 136).

O Shimenawa

Hoje, comumente vista na entrada dos santuários e nos torii,


a corda trançada representa a sombra do sol (ibidem, p. 87). É
posta também em locais de particulares após ritos de purificação,
o que preserva o local de más influências e mantém afastados os
maus espíritos (HERBERT, 1967b, p. 115). Simbolicamente indica
locais onde estão as oferendas aos kami ou locais sagrados onde
habitam (ONO, op. cit., p. 26).

O número oito

O número oito aparece na escritura Kojiki nada menos que


50 vezes e o oitenta, 18 vezes. Isso, segundo Herbert, viria de
um ditado popular: "nana korobi, yaoki" (caia sete vezes, levante
oito). No entanto, o professor se permite formular hipótese na qual
"o número oito e seus múltiplos indicam na maioria dos casos, a
ideia combinada do perfeito e completo". Mitologicamente trazem
"a ideia do divino e sagrado" (HERBERT, 1964, p. 234). E uma
tentativa das forças terrestres de se opor à "influência superior"
(HERBERT, 1965, p. 126).

Os lados esquerdo e direito

Na cultura japonesa, o lado esquerdo está identificado com


o sexo masculino, e o direito com o feminino. Embora não se
encontre uma explicação clara sobre o fato, Herbert mencionando
Masao Yamane, falando do sol, diz ser o nascente o lugar honroso,
seguido pelo sol pleno e depois o poente. Hidari (esquerdo) refere-
se a hi (sol), o masculino, e a direita, migi, refere-se a mi (de mizu),
água, elemento feminino (MASAO YAMANE apud HERBERT,

101
História da Religião

1964, p. 237). Os tradicionais quimonos são sempre fechados com


o lado esquerdo sobreposto ao direito, quer sejam masculinos ou
femininos, de passeio ou mesmo os quimonos esportivos que vemos
na prática de esportes de origem japonesa como o judô, kendô,
aikidô, caratê etc. A dobradura contrária, com o direito sobreposto, o
lado feminino, é a dobradura da morte; é como se vestem os mortos,
o que vemos, por exemplo, em filmes como "Okuribito", traduzido
por "A Partida", do diretor Yojiro Takita e sugerido numa cena em
"Hiroshima, mon amour", do diretor francês Alain Resnais. Vale
lembrar que na mitologia, quem morre e desce ao reino dos mortos
é a mulher; o êxito do contorno com geração de boas crias se deu
quando ambos obedeceram suas posições. De Izanagi, nascem do
seu olho esquerdo, a principal deusa do xintoísmo, Amaterasu e de
seu olho direito, o deus Tsukiyomi, de menor importância ainda que
Susanowo, nascido do nariz.

Fonte: Disponível em: <http://www.nipocultura.com.br/wp-content/


uploads/2013/08/xinto%C3%ADsmo7.pdf>. Acesso em: 4 maio 2017.

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O Confucionismo
O Confucionismo recebe este nome por considerar-se o seu fundador
Confúcio (MORA, 2001, p. 536).

Há alguma incerteza quanto às origens de Confúcio, mas é


provável que ele tenha nascido numa família aristocrática
empobrecida. Recebeu uma boa educação e se tornou um sábio,
atraindo muitos discípulos. Algumas de suas interpretações
da filosofia antiga e das tradições, em especial quando ele
tocava em assuntos relacionados à ética e à filosofia social,
foram inovadoras. Confúcio acreditava que o céu o escolhera
para revitalizar a cultura e a moralidade estabelecidas pelos
sagrados imperadores em tempos antigos. Só que ele não
organizou suas ideias em nenhum sistema simples, nem as
registrou ele mesmo, motivo por que elas chegaram até nós
apenas por meio dos escritos de seus discípulos (GAARDER;
HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 76).

102
Capítulo 2 As Religiões Orientais

Para Confúcio, a existência e a perfeição moral do indivíduo encontra-se em


cinco relacionamentos humanos: governante e súditos; marido e mulher; pais e
filhos; irmão e irmã, e irmão/irmã e amigos.

Para o Confucionismo, existe um tipo ideal de homem e esse homem ideal


é chamado “cavalheiro” (JünTze), que deve ser uma pessoa que cultiva as
características morais de Jen (benevolência, amor pelos outros), Shiao (piedade
filial) e Li (senso de propriedade) e que guarda as cinco virtudes: cortesia,
magnanimidade, boa-fé, diligência e amabilidade.
O homem ideal sabe
como cuidar de si
O homem ideal sabe como cuidar de si próprio, como cuidar da próprio, como cuidar
sua família e como governar sua nação. da sua família e como
governar sua nação.

Outro princípio do Confucionismo é estabelecer a paz e a ordem na


sociedade por meio de uma forte base moral e com a ajuda de rituais e música. O
confucionista deve se preocupar com suas obrigações na vida presente e não se
ater ao que virá depois da morte. O agora é o que importa.

Há uma diferença muito importante entre o Confucionismo e o Cristianismo. O


Confucionismo parte do homem e da natureza (humanismo), já o Cristianismo tem
suas bases na revelação de Deus (em uma perspectiva sobrenatural, teocêntrica
e cristocêntrica da vida).

Confúcio era um agnóstico (isto é, aquele que não está preocupado em


nada com o mundo extrafísico), seus ensinamentos estavam focados na bondade
básica da natureza humana, que o homem poderia cultivar para o aperfeiçoamento
da humanidade.

Para Confúcio, o homem pode chegar a uma sociedade pacífica por meio de
sua própria bondade.

A Bíblia, porém, ensina que o homem não pode fazer nada sem Deus e
sua graça, sendo totalmente dependente de Deus em sua vida moral e espiritual
(BÍBLIA, Jó, 15, 5). Esta relação de interdependência entre o homem e Deus que é
possível verificar no Cristianismo e na Bíblia é justamente o que não encontramos
no Confucionismo.

Algumas pessoas, no Ocidente, por negarem a presença de elementos


sobrenaturais no Cristianismo, são atraídas pelo Confucionismo, enquanto outras,
no Oriente, vendo finitude e falha no humanismo do Confucionismo, sentem-se
tendentes a aceitar o Cristianismo (FERGUSON; WRIGHT, 2009, p. 236).

103
História da Religião

Agora vamos falar um pouco sobre o contexto histórico Confucionismo/China.


Até 1911, a China era um grande império, em que o imperador era o representante do
país diante do supremo do Deus Céu, ao mesmo tempo era o filho do Céu na Terra, o
imperador realizava o sacrifício ao Céu no Templo do Céu, situado na capital, Pequim.
Também fazia sacrifícios às montanhas e aos rios sagrados da China.

O Império Chinês era uma sociedade hierárquica, a administração era


composta por uma elite de funcionários chamada de mandarins. Sua ideologia
era o Confucionismo, um conjunto de pensamentos, regras e rituais sociais
desenvolvidos por Confúcio, que também formulou normas para a vida religiosa,
para os sacrifícios e os rituais.

O Confucionismo era, na verdade, uma religião estatal praticada pela


elite. A religião dos pobres era a adoração dos espíritos, particularmente dos
antepassados, religiosidade carregada de magia e traços de outras religiões.

No entanto, em 1911, com a queda do Império Chinês, a China se torna uma


república, porém as condições políticas se mantiveram instáveis por causa de
uma guerra civil e da guerra contra o Japão. A partir de 1966 até 1976, com a
Revolução Chinesa de 1949, o Confucionismo não é visto com bons olhos pelos
comunistas, foi considerada uma religião reacionária, mas nos dias atuais uma
parcela expressiva da população se declara seguidora do Confucionismo.

Isso posto, podemos dizer que Confúcio teve uma considerável influência no
desenvolvimento político e cultural da China. Após sua morte, os discípulos começaram
a difundir e ampliar suas ideias. O Confucionismo, por se tornar uma religião estatal,
acabou por vezes reprimindo outras religiões, como o Budismo e o Taoísmo.

É importante, a esta altura, salientar que essa religião abarcou uma série de
condutas morais, que abrangem uma série de ideias filosóficas e políticas que
formavam os pilares do governo e da burocracia da China imperial, muito embora a
ética do Confucionismo também permeasse amplas camadas da população chinesa.

O interesse por questões religiosas e metafísicas é menor, uma das ideias


fundamentais de Confúcio era que a natureza e o universo estão em harmonia, e
que isso deve se aplicar também ao homem.

Confúcio adotou alguns antigos conceitos chineses, como o Tao, que é a


harmonia predominante no universo; isto é, o relacionamento equilibrado entre
todas as coisas de forma harmoniosa e boa. Isso pode ser atingido se o interior
estiver em consonância com o Tao. A fim de alcançar a harmonia com o Tao, o
homem precisa de conhecimento e compreensão, o que ele pode obter estudando
o passado e a tradição.

104
Capítulo 2 As Religiões Orientais

Para o Confucionismo, é no passado e na tradição que se encontra o


comportamento correto, a celebração fiel dos rituais e das cerimônias religiosas, e
qual é seu devido lugar na sociedade.

Os conceitos mais
Os conceitos mais importantes para Confúcio são: piedade filial, importantes para
respeito e reverência. Confúcio não se opunha, de modo nenhum, à Confúcio são: piedade
filial, respeito e
religião popular, e não duvidava que os deuses e os espíritos existissem. reverência.

Confúcio não fundamentou sua ética em mandamentos morais transmitidos


por Deus. Para Confúcio, “Quando não se compreende nem sequer a vida, como
se pode compreender a morte?” (GAARDER; HELLERN; NOTAKER, 2005, p. 77).

A prática de Confúcio se espalhou pelo mundo inteiro e podemos observar


uma enorme quantidade de seguidores do Confucionismo como um modelo de
filosofia de vida. Um modo de ser.

Atividade de Estudos:

1) O que você entendeu sobre o Confucionismo? Leia o fragmento


do artigo a seguir. Veja um trecho de artigo para responder.

“Abordando o duplo antagonismo entre tradicionalismo e arbitra­


riedade, e entre tradição e racionalidade, Weber explica como,
apesar do “constitucionalmente”, o governo do imperador chinês
tem como requisito único apoiar-se no literati preparado para
o cargo. Na rea­lidade, o governante só deve e pode contratar
aqueles funcionários confucionistas apegados à tradição, e
qualquer desvio pode causar a queda do imperador junto à sua
dinastia (WEBER, 1968, p. 140). Já dizia K’ung-fu-tzu (Confúcio):
“O Mestre disse: ‘é por retomar o antigo que se aprende o novo, e
assim nos tornamos mestres’” (CONFÚCIO, 2002, p. 11). Sendo
assim, a base mais segura para se discutir o surgimento do antigo
pensamento chinês está afixada na figura deste herói burocrata,
o qual os missionários portugueses do século XVI chamaram de
Con­fúcio – um pensador chinês que se indignou com a crise de
sua épo­ca. K’ung é o seu nome de família e Confúcio é a versão
latinizada de K’ung-fu-tzu, que literalmente quer dizer “mestre
K’ung”. Ele pregava a reestruturação social de sua civilização,
tendo como modelo o passado ideal dos Zhou (início em 1028
a.C.), com uma metodologia totalmente inovadora. K’ung-fu-
tzu (551-479 a.C.) foi, provavelmente, o pensador que mais

105
História da Religião

influenciou a cultura e a sociedade chinesa desde a antiguida­de


até nossos dias. Não é exagero dizer que o atual amor nutrido
pelo antigo e pela tradição na China tem grande parte de suas
raízes fincadas no pensamento desse sábio, um entusiasta da
história e dos costumes. Preocupado com a crise que se instalava
nas insti­tuições da dinastia Zhou, sua resposta filosófica centrou-
se na discussão dos mais diversos tópicos relativos à política, aos
costumes e à construção do conhecimento, difundido por meio de
ampla pro­posta educativa (OLIVEIRA, 2007, p. 134).
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Algumas Considerações
Procuramos destacar nestes estudos: o Budismo, o Hinduísmo, o
Confucionismo, o Taoísmo e o Xintoísmo de uma forma especial. Essas culturas e
tradições religiosas apresentadas situam-se no grupo das religiões classificadas
como salvíficas, que são aquelas portadoras dos meios de que os seres humanos
precisam passar para se salvar do sofrimento, a fim de posteriormente alcançar a
felicidade.

Podemos observar que as religiões orientais estão balizadas na sabedoria


humana e na experiência de vida. Elas geralmente têm por objetivo mostrar um
caminho a ser seguido pelo ser humano, com predomínio da meditação pela
busca do equilíbrio e da sabedoria.

Como vimos neste capítulo, temos uma enorme variedade de culturas e


tradições religiosas no Oriente, um enorme pluralismo religioso, que dificilmente
alguém conseguirá apresentá-las com profundidade e de uma forma didática.
Assim, o que propusemos com este material é ser um ensaio, uma conversa
inicial.

106
Capítulo 2 As Religiões Orientais

Referências

ALVES, Rubem. O que é Religião. São Paulo: Loyola, 1999.

BÍBLIA. A. T. Jó. In: BÍBLIA. Português. Bíblia sagrada: contendo o Antigo e


o Novo Testamento. Tradução de João Ferreira de Almeida. Rio de Janeiro:
Sociedade Bíblica do Brasil, 1966.

BOWKER, John (org.). O Livro de Ouro das Religiões: a fé no Ocidente e no


Oriente, da pré-história aos nossos dias. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004.

DELUMEAU, J. De religiões e de homens. São Paulo: Loyola, 2000.

ELIADE, Mircea; COULIANO, Ioan P. Dicionário das religiões. 2. ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2009.

FERGUSON, Sinclair B; WRIGHT, David F. Novo dicionário de teologia. São


Paulo: Hagnos, 2009.

GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O livro das religiões.


São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

GYATSO, G. K. Budismo Moderno. O caminho de compaixão e sabedoria. São


Paulo: Tharpa Brasil, 2016.

HOCK, Klaus. Introdução à Ciência da Religião. São Paulo: Loyola, 2010.

KUNG, Hans. Religiões do mundo: em busca dos pontos comuns. Campinas,


SP: Verus Editora, 2004.

LAO TSE. Tao Te Ching: o livro do caminho e da virtude. Trad. Mestre Wu Jyn
Cherng. Disponível em: <http://livros01.livrosgratis.com.br/le000004.pdf>. Acesso
em: 4 maio 2017.

MORA, F. J. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Loyola, 2001.

OLIVEIRA, A. Os mentores intelectuais do confucionismo, do taoísmo e


do hinduísmo na perspectiva weberiana. Belo Horizonte, v. 5, n. 10, p. 132-
150, jun. 2007. p. 134. Disponível em: <https://dialnet.unirioja.es/descarga/
articulo/4740668.pdf>. Acesso em: 4 maio 2017.

107
História da Religião

USARSKI, Frank. O Budismo e as outras: encontros e desencontros entre as


grandes religiões mundiais. São Paulo: Ideias & Letras, 2009.

WILKINSON, Philip. Religiões: Guia Ilustrado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.

WILSON, M. A.; R. F. S. Ṛg-veda SaṀhitā: uma coleção de hinos hindus antigos,


constituindo o primeiro AṢṬAKA 1 ou livro do Ṛg-veda, 2013. Disponível em:
<archive.org e em sacred-texts.com>. Acesso em: 4 maio 2017.

ZILLES, Urbano. Religião: crenças e crendices. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012.

USARSK, Frank. O Budismo e as outras. Aparecida-SP: Editora Ideias & Letras,


2009.

VATICANO: Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-religioso. Disponível em:


<http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/interelg/index_po.htm>.
Acesso em: 14 maio 2017.

WATTS, Alan. Budismo. 2. ed. Barcelona: Editora Kairós, 2005.

WILKINSON, P. O livro ilustrado da mitologia: lendas e histórias fabulosas


sobre grandes heróis e deuses do mundo inteiro. Tradução de Beth Vieira. 2.
ed. São Paulo: Publifolha, 2002.

108
C APÍTULO 3
As Religiões Ocidentais

A partir da perspectiva do saber fazer, neste capítulo você terá os seguintes


objetivos de aprendizagem:

� Analisar genericamente as grandes religiões do Ocidente.

� Conhecer as principais características das religiões ocidentais.

� Conhecer a origem e ramificações das religiões ocidentais.

� Estudar o Judaísmo, o Islamismo e o Cristianismo.

� Identificar as religiões Protestantes, Pentecostais e Neopentecostais.


História da Religião

110
Capítulo 3 As Religiões Ocidentais

Contextualização
Olá! Nesta unidade vamos analisar as grandes religiões do Ocidente e
suas principais características, iremos conhecer as origens e ramificações que
ocorreram ao longo da história, a fim de entender um pouco mais da História das
Religiões e de sua influência na História Geral.

Constataremos a necessidade de termos uma postura aberta ao ecumenismo


e ao diálogo inter-religioso, diante do pluralismo religioso existente e emergente
em nossa sociedade contemporânea, evitando assim o proselitismo.

Proselitismo: empenho ativista no processo de conversão de


uma ou várias pessoas a uma determinada causa, ideia ou religião.

Origens e Ramificações
Podemos dizer que as religiões ocidentais são aquelas que nasceram na
cultura ocidental, embora tenhamos outras características, como o monoteísmo,
que fundamentam essa etimologia.

Como vimos na unidade anterior, as principais religiões orientais seriam


o Hinduísmo, o Budismo e o Taoísmo. Já para o Ocidente, teríamos como as
principais religiões o Judaísmo, o Islamismo e o Cristianismo. Entendemos que
essas três religiões seriam religiões proféticas.

“Religiões proféticas são aquelas em cuja origem se encontra


um profeta, que comunica a revelação recebida de Deus, e suas
derivadas ou variantes. Por ‘profeta’ entendemos um porta-voz de
Deus” (ZILLES, 2012, p. 85).

111
História da Religião

As Grandes Religiões do Ocidente


Podemos destacar o Judaísmo, o Islamismo, o Cristianismo e o Espiritismo
como as principais religiões do Ocidente. Embora cada uma delas tenha sua
doutrina específica, as mesmas possuem alguns pontos em comum, que
permitem um início de diálogo inter-religioso. Vejamos:

• A razão é a fonte de conhecimento;


• Deus é o criador; Ele é todo-poderoso e único;
• Separação do corpo e mente, realidades distintas;
• Existe a noção de vida após a morte, no céu ou no inferno;
• Deus redime o ser humano do pecado, julga e dá a punição;
• Visão linear da história, ou seja, o mundo foi criado e um dia irá terminar;
• Há uma ruptura entre Deus e o ser humano, entre o criador e a criatura, que
é o pecado;
• O fiel é um instrumento da ação de Deus e deve seguir a vontade de Deus,
abandonando o pecado e o mal.

Doutrina: conjunto de ensinamentos que se baseia num sistema


de crenças. Conjunto de princípios que servem de base a um sistema
religioso, político, filosófico, militar, pedagógico.

Essas religiões, embora distintas em suas doutrinas, possuem uma “regra


de ouro” comum: “não façais ao outro aquilo que não queres para si”. Essa regra
sobrevive de geração em geração há quase 4000 mil anos, para ser mais exato,
desde o século XVIII a.C., com o surgimento do Judaísmo.

Ao falar das religiões, sejam elas orientais ou ocidentais, temos que ter
um cuidado com a generalização, pois o processo de globalização acabou
generalizando muitas culturas e tradições religiosas, trazendo perdas na sua
conjuntura e identidade, reduzindo a compreensão das mesmas, muitas vezes, ao
senso comum. Sendo assim, se faz necessário um estudo mais criterioso dessas
religiões para melhor entendê-las.

Abaixo apresentamos um breve panorama das religiões ocidentais,


objetivando uma pequena contextualização dessas religiões com as respectivas
datas de fundação, seus fundadores, seus livros sagrados, bem como o sentido
de vida além da morte. Trata-se de uma abordagem resumida, já que as mesmas
serão abordadas de modo específico e aprofundadas posteriormente.
112
Capítulo 3 As Religiões Ocidentais

Quadro 1 – Estudo analítico


Livro Sentido
Religião Princípio Fundador Surgimento
Sagrado após morte
Crença no Deus vivo,
2000 a. C. Torá ou
Judaísmo onipotente, onipresente, Abraão Ressurreição
Israel Pentateuco
onisciente.
Obediência ao Deus
Século VII
Islamismo único e a realização de Maomé Alcorão Ressureição
Arábia
sua vontade.
Amar a Deus sobre
todas as coisas e ao Jesus Século I
Cristianismo Bíblia Ressurreição
próximo como a si Cristo Palestina
mesmo.
Evangelho
Deus é a inteligência segundo o
suprema, causa primá- Espiritismo,
ria de todas as coisas. Alan 1857 Livro dos Reencarna-
Espiritismo
Deus é eterno, imaterial, Kardec França Espíritos, ção
soberanamente bom e Gênese e
justo. Livro dos
Médiuns.
Martinho
Século XVI
Protestantes Salvação pela Fé. Lutero (1º Bíblia Ressureição
Alemanha
Reformista)
Consideram o batismo
Pastor
Pentecos- no Espírito Santo como 1906
William J. Bíblia Ressureição
tais algo essencial no cami- EUA