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D. A.

LEMOYNE
Copyright © 2022
Sumário
Copyright © 2022
NOTA DA AUTORA:
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Epílogo 1
Epílogo 2
PAPO COM A AUTORA
Obras da Autora
SOBRE A AUTORA
D. A. LEMOYNE
dalemoynewriter@gmail.com
Copyright © 2022 por D. A. Lemoyne

Título Original: A Filha do Inimigo do Mafioso


Primeira Edição 2022
Carolina do Norte - EUA

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação pode


ser reproduzida, distribuída ou transmitida por qualquer forma ou por
qualquer meio, incluindo fotocópia, gravação ou outros métodos eletrônicos
ou mecânicos, sem a prévia autorização por escrito da autora, exceto no
caso de breves citações incluídas em revisões críticas e alguns outros usos
não-comerciais permitidos pela lei de direitos autorais.

Nome do Autor: D. A. Lemoyne


Revisão: Wonderland Serviços Editoriais
Capa: D. A. Lemoyne
ISBN: 978-65-00-49398-6

Esse é um trabalho de ficção. Nomes, personagens, lugares, negócios,


eventos e incidentes são ou produtos da imaginação da autora ou usados de
forma fictícia. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas ou
eventos reais é mera coincidência.
Atenção: pode conter gatilhos.

Aviso: A Filha do Inimigo do Mafioso, livro 4 da Série Alfas da


Máfia, é um volume único. Por ser com casais diferentes, cada livro da
saga pode ser lido separadamente, mas é provável que o posterior contenha
spoilers do anterior.

Leonid Korolev, o melhor atirador da história da máfia russa e um


dos subchefes da Organização[1] dos Estados Unidos, é o que a sociedade
convencionou chamar de psicopata. Mata sem remorso e as únicas coisas
sagradas para ele, são seus quatro amigos, todos membros da elite da
Irmandade[2] e o antigo Pakhan.
Ao menos, é o que o mundo acredita, porque, na verdade, Leonid
tem um segredo.
Um pelo qual ele morreria.
Sierra Montesino Caballero, a filha do chefão de um cartel de
drogas mexicano, passou a vida inteira com uma missão: encontrar a irmã
desaparecida. Para isso, tem que se manter oculta dos inimigos do pai.
Quando recebe uma proposta de emprego para ser assistente pessoal
de um russo bilionário, acredita que o destino está ajudando-a em seus
planos.
Entretanto, nenhum dos dois é o que parece.
Ambos estão se usando mutuamente e em meio a esse jogo de
intriga e perigo, tendo como pano de fundo uma guerra entre duas
organizações poderosas, uma atração incontrolável explode, fazendo com
que questionem suas próprias certezas.
Leonid deve lealdade àqueles que dependem dele, mas sabe que não
conseguirá virar as costas para a mulher que, de filha do inimigo, passou a
ser seu mundo.
A todos os leitores que estavam esperando ansiosamente pela história de
Leonid e Sierra.

Carolina do Norte, julho de 2022.


NOTA DA AUTORA:

A Filha do Inimigo do Mafioso, livro 4 da Série Alfas da Máfia,


contará a história de Leonid Korolev, um dos homens de confiança do
Pakhan e subchefe da Organização, o braço da perigosa máfia russa nos
Estados Unidos e Sierra Montesino Caballero. Ele, já conhecido dos livros
anteriores da série, foi campeão de xadrez em criança e é considerado o
maior atirador da história da Irmandade. Ela, já mencionada no livro 3 da
série, A Esposa Inocente do Mafioso, é filha do chefe do cartel de drogas
mexicano com o qual a máfia russa está em guerra.
Ambos os personagens têm personalidade forte. Sierra sendo muito
passional, enquanto Leonid está bem próximo ao que a sociedade chama de
psicopata.
Eu amei escrever sobre esse casal e espero que vocês apreciem
também.
Um beijo carinhoso e boa leitura.

D.A. Lemoyne
Prólogo

Boom!
A explosão faz meu corpo estremecer e minha primeira reação é me
abaixar.
É engraçado como sempre reagimos em autodefesa,
independentemente do cérebro saber que não estamos correndo um risco
real.
Acho que é isso o que acontece quando você cresce acostumada a
sentir medo.
Eu não tenho problema com o medo em si. De onde eu vim, senti-lo
significa estar sempre em alerta e isso faz toda a diferença entre viver ou
morrer.
Nesse momento, entretanto, eu meio que fico envergonhada porque
percebo que são apenas os fogos do quatro de julho[3].
Alguns rapazes bêbados, provavelmente universitários, passam por
mim e assobiam me dirigindo palavras obscenas. Se eu não fosse quem sou,
poderia me assustar, afinal, eles estão em um grupo de meia dúzia.
Eu nem pisco. São apenas garotos. Talvez tenham perto da minha
idade biológica, mas não viveram nem metade do que eu já vivi.
Eu conheço a verdadeira face do mal e ela não se parece com playboys
ricos que nunca tiveram que se esforçar um único dia na vida.
Acelero o passo, de vez em quando olhando para trás porque estar o
tempo todo em alerta é a minha natureza.
A necessidade de sobreviver não é por mim, e sim por Juana. Se eu
falhar, ela nunca será encontrada.
Eu fiz uma promessa e não posso me dar ao luxo de morrer antes de
cumpri-la.
Capítulo 1

Califórnia

Presente

Mais uma fuga. Mais uma mudança. Estou cansada de nunca


poder parar. Cansada dessa procura que não tem fim.
São anos sem vida, sem pausa. Anos em que a minha esperança
vai diminuindo.
Eu já nem sei mais de quem estou fugindo. Não confio, não
compartilho. Eu só a quero de volta.
E se nunca a encontrar? — uma voz, que vem soando cada vez
mais forte na minha mente, pergunta.
Eu a calo depressa porque se lhe der ouvidos, vou fraquejar.
Coloco a pequena mala no banco traseiro do carro e olho pela
última vez para trás, tentando imaginar se na próxima cidade
conseguirei ficar ao menos por três meses.
Já se foi o tempo em que o medo era um companheiro
esperado. Ele está começando a me sufocar. Envolver-me em seus
braços, em suas garras poderosas. Apertar minha garganta cada vez
que, de madrugada, acordo com um barulho diferente: um ranger
imaginário no piso; uma porta que acho que bateu; um grito.
Sento-me atrás do volante e ligo o carro.
Algum dia poderei criar raízes? O que farei quando finalmente
a tiver comigo outra vez?
São perguntas para as quais eu não tenho resposta.
Paro no sinal de trânsito e o motorista do carro ao lado fica me
encarando. Uma mulher normal acharia que era uma paquera. Eu não
sou uma mulher normal, então, olho automaticamente pelo espelho
retrovisor para ter certeza de que não tem alguém me seguindo.
Segundos depois o sinal abre e o homem arranca com o veículo
antes de mim. Apenas então percebo que estava prendendo o fôlego.

Através da parede do apartamento barato que aluguei, consigo


ouvir os vizinhos brigando.
São gritos e xingamentos recíprocos, mas eu não dou a mínima
para aquilo, o que me incomoda mesmo é um “fungar” no corredor.
Indo contra todos os meus protocolos de segurança, abro a
porta e me deparo com um garotinho chorando.
Deve ter por volta de cinco anos. Ele está sujo e segura um
pedaço de pano que levo alguns segundos até identificar que é uma
camisola. De ser de sua mãe, provavelmente. Eu tinha uma camiseta
gasta de Juana e a carregava comigo para cima e para baixo. Minha
irmã mais velha representava minha segurança em um mundo
permeado de perigos. Era ela aquela que me dava a sensação de estar
protegida.
Eu me abaixo para falar com ele.
— Hey, tudo bem?
Não responde. Encara-me com o rostinho sujo e uma expressão
vazia demais para alguém tão pequeno.
Eu deveria deixar para lá. Conheço muito do mundo para saber
que não tenho como resolver todos os problemas nesse inferno
chamado planeta Terra. Envolver-me com uma criança de um lar
obviamente problemático só atrairá uma atenção indesejada para mim,
mas eu não conseguiria dormir se não tomasse uma atitude.
— Ele está batendo nela de novo — diz.
— Quem?
— Meu pai. Ele está batendo na minha mãe de novo.
Sinto meu sangue ferver, não pela briga do casal, mas porque,
pelo que parece, ele testemunha aquilo o tempo todo. Antes mesmo de
me pôr de pé outra vez, sei o que farei.
Merda, dessa vez não deu tempo nem de desfazer as malas.
— Você está com fome?
Ele acena com a cabeça, fazendo que sim.
Eu entro no apartamento novamente e pego um pacote de
biscoito — que deveria ser o meu jantar — e entrego a ele.
— Pode me esperar aqui dentro um instante?
Outro aceno de cabeça, agora com olhos brilhantes e muito
concentrados em abrir a embalagem do que talvez seja sua primeira
refeição no dia.
Sigo em direção ao apartamento vizinho e bato na porta.
Ninguém abre. Os gritos por ajuda continuam, então jogo para o
inferno o bom senso e giro a maçaneta.

A cena que se segue eu já testemunhei tantas vezes que quase


não tem o poder de me comove.
Um homem por volta de trinta anos e uma garota que não
parece ser muito mais velha do que eu — vinte e três — estão em um
confronto físico desproporcional. Ele tem, sem medo de errar, duas
vezes o peso corporal dela.
Pelo sotaque, parecem latinos, como eu, que sou metade
mexicana.
— Afaste-se — digo para a mulher, que somente agora
percebeu que tem mais alguém no ambiente.
Ela tem o lábio inferior inchado e sangrando, mas ainda assim,
hesita em acatar a minha ordem. Somente toma distância do covarde
quando ele mesmo se volta para mim.
— Quem é você, cadela? Nunca ouviu que não deve se meter
em briga de marido e mulher?
Sorrio para ele, o ódio se espalhando rápido em meu sistema.
— Já, sim, mas não me parece uma briga. De onde vejo, parece
que há um maldito covarde usando sua companheira como saco de
pancada.
Ele não responde. Avança em minha direção, rindo.
Sorrio de volta. Eu adoro quando dão o primeiro passo. Faz
com que eu me sinta um pouco melhor depois que acabo com eles.
Ele arma o punho para me acertar, aparentemente sem qualquer
preocupação por eu ser mulher, uns vinte centímetros mais baixa e
pesar o mesmo que a companheira dele.
Deixo que chegue perto e no momento exato eu me abaixo,
girando e lhe dou uma rasteira. Ele cai tão rápido que não tem nem
graça.
— Vá para o apartamento ao lado e espere lá com o seu filho
até que eu lhe diga que pode voltar — falo à mulher.
Ela sai quase correndo e eu monto o bastardo espancador, já
com a faca que sempre carrego comigo contra a garganta dele.
O infeliz parece meio grogue da queda.
— Você é mexicano como eu, suponho.
— Saia de cima de mim, porra!
Pressiono a faca ao ponto de tirar um filete de sangue da pele
dele.
— Vou te dar um recado e reze para eu não precisar voltar aqui.
Já ouviu falar em Los Morales[4]?
Em poucos segundos, ele fica atento. É impossível alguém ter
nascido no México ou mesmo ter parentes no país e não saber a
respeito do cartel do qual meu pai é o chefe.
— Basta um aceno com a cabeça, cretino.
— Sim, senhorita — responde, o medo tomando lugar da
agressividade.
— Eu faço parte dele — blefo. — Sou uma protegida de
Fernando Morales e a partir de agora, você terá alguém vigiando sua
vida familiar, digamos assim. Se não consegue guardar seus punhos
para si, vá embora. Deixe sua mulher e filho em paz, porque se chegar
aos meus ouvidos que há um fio de cabelo deles fora do lugar, eu vou
voltar e não haverá mais conversa. Vou te estripar do saco ao queixo.
Capítulo 2

Boston — Massachusetts

Presente

A essa hora da manhã, quando o dia ainda está clareando, a


tranquilidade impera nas ruas de Boston e as pessoas têm a falsa
sensação de segurança.
O homem médio, pai de família ou mesmo o trabalhador
solteiro, que enfrenta uma jornada de nove às seis, não faz a menor
ideia de que é justamente nesse momento que as piores atrocidades
acontecem, como a carnificina que acabamos de promover, por
exemplo.
— Parece entediado — ironizo, observando Maxim[5] com as
mãos cruzadas no colo, postura reta e o rosto indecifrável para a
maioria dos mortais.
Não para mim.
Eu estudo todos à minha volta. Homem ou mulher, amigo ou
inimigo e tenho memorizada cada uma de suas expressões.
Eu posso identificar e mimetizar emoções. Fingir sentimentos
também, se me for conveniente, mas a verdade é que, em noventa e
nove porcento do tempo, eu não sinto nada.
O motorista, um garoto que entrou para a Organização há
poucos menos de três anos, parece excitado com a matança de há
pouco.
Ele ainda está naquela fase em que acha que torturar é
divertido, enquanto para mim, atualmente, é apenas um trabalho. Um o
qual fazemos cada vez menos porque está longe o tempo em que
precisávamos sujar as mãos.
Embora goste do clima de guerra muito mais do que dos dias
tranquilos, acho desagradável punir traidores. Toda essa coisa de ter
que usar facas, alicates, faz uma sujeira danada.
Um tiro certeiro entre os olhos e meu alvo nem saberá o que
lhe aconteceu.
Há anos nossa rotina tem sido burocrática, com Yerik[6] sempre
preocupado que nos mantenhamos protegidos por sermos seus homens
de confiança, então, mesmo não sendo minha forma de execução
favorita, eu não quis perder a chance de matar a saudade dos velhos
tempos.
Junto a isso, eu tenho um desprezo especial por traidores e na
situação particular de hoje, o Pakhan[7] pediu que déssemos um
tratamento exemplar aos filhos da puta que ousaram passar
informações para o maldito cartel mexicano com o qual estamos em
guerra.
O novato continua falando merda, como se estivesse prestes a
ter um orgasmo, mas eu filtro aquilo porque são poucos os seres
humanos que conseguem me prender a atenção além de duas frases.
— Achei que seria divertido sairmos para brincar como
antigamente — falo, mais para provocar Maxim do que por ter sentido
qualquer emoção na noite passada.
— Não brincamos — ele responde exatamente o que eu
esperava. — Torturamos aqueles homens para que servissem como
exemplo. Sangue não é divertido. Suja minhas roupas e agora vou ter
que jogar esse terno fora.
— Tem dinheiro para comprar a empresa que faz esses ternos,
irmão.
— Por que achou que seria bom sairmos juntos para matar
como no passado?
— Não sente falta do trabalho nas ruas? — pergunto.
Se eu for honesto, eu sinto. Mesmo que atualmente tenha mais
dinheiro do que tempo de vida para gastar, a sensação de perigo
eminente me atrai, sendo uma das poucas coisas que faz meu sangue
ferver.
Porém, poder traz responsabilidade. O que eu, ele, Grigori[8],
Dmitri[9] e Yerik temos juntos de conhecimento com relação ao
funcionamento da Organização poderia, caso um de nós fosse
apanhado pelos inimigos, significar o fim da Irmandade.
— Não. Nunca gostei daquilo. Prefiro o escritório — fala.
— Eu sei, gênio. Para planejar à vontade. Você é bom nisso.
Não estou querendo ser um filho da puta.
— Seria uma novidade — diz, me surpreendendo.
— Está sendo irônico?
— Não. É só o que eu penso. Não conheço sua mãe, mas sei
que é uma expressão que se usa quando alguém é um bastardo. E você
é um.
Pela primeira vez em muito tempo, eu gargalho.
— Você é esquisito para caralho, Maxim e ainda assim, uma
das minhas pessoas favoritas no mundo.
— Não tem como saber disso. Não conhece tanta gente para
uma análise comparativa.
— Jesus, eu senti saudade de você, cara!
Olho para ele e dessa vez minhas palavras não são da boca para
fora.
Desde que Yerik assumiu como Pakhan, saímos de Atlanta,
onde atuávamos como um núcleo e os territórios foram divididos.
Cada um tendo que se mudar para um estado diferente.
— Vai mesmo ter que sair da Califórnia? — pergunta.
No começo, minha subchefia era em Seattle, mas eu não
consegui ficar muito tempo por lá. O lugar era um tédio e pedi que
Yerik me designasse para a Califórnia. Ele fez e foi além: me deu mais
dois estados na costa oeste. Logo após essa mudança, entramos em
conflito com um pequeno cartel mexicano. Eles foram facilmente
neutralizados porque eram novatos e não tinham uma fodida ideia de
onde estavam se metendo. Há três meses, no entanto, uma guerra
explodiu, dessa vez, contra o mais poderoso cartel de drogas da
América do Norte, Los Morales.
Yerik me mandou voltar para a costa leste, já que era o único
dos homens de confiança que permanecia no comando na costa oeste.
Desde então, vivemos uma espécie de quarentena forçada,
principalmente com relação a esposas e filhos dos membros da elite.
Nós sabemos que a morte pode chegar a qualquer momento.
Perdemos homens todos os dias e andamos com um alvo nas costas,
mas é diferente quando essa ameaça passa a recair sobre a família.
— Vou ficar entre Atlanta e aqui com você — explico. — Não
há muito o que ser feito na outra costa oeste por ora. Já tem algum
plano?
Eu cheguei a Boston ontem pela manhã e logo em seguida,
Maxim me disse sobre o acerto de contas que teríamos com os
traidores na noite passada.
— Agora, não. Conversaremos sobre isso depois — diz.
— Certo — concordo, percebendo que não quer falar na frente
do novato —, e o que tem de bom nessa cidade?
Estou há muito tempo longe de Boston. Não é um dos meus
lugares favoritos no mundo.
— Quer uma mulher para foder?
— Você sempre um lorde. Sim, amigo. Quero uma. Ou várias.
— Sorrio. — Vamos à sua boate mais tarde. Soube que há uma
stripper nova por lá. Estou precisando me distrair depois dessa merda
toda.
— Divirta-se. Eu não posso. Tenho uma reunião com Ruslan.
Preciso tomar um banho antes, no entanto.
— Ele está no país?
— Sim — responde.
— É por isso que quer ir em casa antes? Para se trocar? Sabe
que ele não se importará com um pouco de sangue. Depois, mais tarde,
podemos ir juntos à boate. Acho que precisa transar também, cara. Seu
humor está uma merda.
— Não. Eu vou tomar banho. Eu não gosto de sujeira e estou
imundo.
— Tudo bem, irmão. Amanhã nos vemos, então.
Capítulo 3

Boston

Le Crépuscule Nightclub[10]

— Achei que havia dito que tinha um encontro com Ruslan — falo para
Maxim, que se acaba de chegar.
A dançarina nova faz uma performance em meu colo.
Desde a hora em que entrei na boate, ela tentou de tudo para chamar
minha atenção, até que finalmente fiz sinal para que se aproximasse.
É linda e tem um corpo capaz de ressuscitar um morto, mas apesar do
meu pau estar duro, não sinto qualquer vontade de levá-la comigo essa
noite.
A minha vida está muito fácil ultimamente. Estou com saudade do
desafio, de ter que fazer algo além do que olhar para uma mulher antes de
fodê-la.
— Eu tive — ele responde.
— E o que diabos está fazendo aqui?
Faz que não com a cabeça e sei que não quer conversar na frente da
garota.
Dou uma tapa na bunda empinada, para que entenda que a brincadeira
acabou. A única peça de roupa em seu corpo é um pequeno fio dental e
talvez por isso mesmo, por já ter o presente desembrulhado antes da festa,
não me despertou nada além de uma ereção.
Ela não é prostituta, no entanto. Apenas uma dançarina regular que achou
que ao sair do palco direto para o meu colo, me convenceria a escolhê-la
essa noite.
Se tivesse seguido o protocolo, ela já deveria ter vestido o uniforme de
garçonete, que é padrão em todas as boates da nossa rede. Não que fosse
esconder muito mais. A roupa é tão pequena que mais parece um biquíni.
Apesar disso, dos trajes sumários, não há mais atividade de prostituição
em nossas boates, o que desagradou a velha guarda da Irmandade.
Mesmo antes de Yerik assumir como Pakhan, ele já havia posto um fim
àquilo. Se uma das funcionárias quiser sair com clientes, é por conta dela,
desde que sejam membros da Organização — que compõem oitenta por
cento dos frequentadores. O resto são funcionários corruptos do governo e
que constam em nossa folha de pagamento.
— Tem certeza? — a garota pergunta, me surpreendendo porque eu nem
me lembrava mais que ela ainda estava aqui.
Eu a chamo para perto com o dedo e quando se aproxima, coloco uma
nota de cem dólares na lateral da calcinha.
— Amanhã — sussurro em seu ouvido, embora não tenha certeza se
quero mesmo fodê-la.
Ela finalmente nos deixa e fico olhando a bunda avantajada se afastar,
rebolando.
Sou louco por bundas, então, sim, talvez eu lhe dê uma chance.
— Vou me casar — Maxim solta de repente.
Eu começo a rir e a cara séria dele, tentando fingir que aquela merda não
é brincadeira, logo transforma meu riso em gargalhada.
— Cara, eu demorei duas décadas para finalmente encontrar algum senso
de humor por trás dessa carranca.
— Não é piada. Vou me casar com Anastacia, a afilhada de Ruslan.
— O quê?
— Lembra-se dela?
Foda-me! Ele está falando sério!
— Claro. A órfã.
Ele me explica que o ex-Pakhan quer que ele se case com a menina para
protegê-la. A história é tão bizarra que só pode ser verdadeira.
Anastácia teve a família toda dizimada em um incêndio que Ruslan
desconfia que foi criminoso.
— Ele acha que a afilhada corre risco na Rússia?
— Sim. Principalmente se, como desconfia, quem matou a família dela
fizer parte da Organização. Fora ou dentro do convento, nosso país natal
não seria seguro para a garota.
— Eu nem sei o que falar sobre como esse plano é fodido.
— Não será tão difícil assim. Menos de três anos. Nesse período, teremos
tempo de achar o verdadeiro culpado por dizimar a família dela. No fim,
Anastacia estará com vinte e um, em posse de uma fortuna e livre para
decidir se quer voltar para o convento ou se casar.
— Achei que ela já estaria casada com você.
— Hum… não. Esse arranjo vai chegar ao fim assim que se passarem
esses quase três anos.
— E se até lá não encontrarem o responsável por matar a família dela?
— Vou encontrar. Na hora em que assinarmos o contrato de casamento,
Anastacia se tornará minha responsabilidade e sabe como sou obcecado em
não deixar pontas soltas.
— Cara, essa porra é muito louca até mesmo para você. Quero dizer, a
menina é uma freira, caralho. Como imagina conviver com ela?
— Não vamos conviver. Nos casaremos por procuração tão logo a
licença saia. Dentro de alguns dias, provavelmente. Depois vamos usar
nossa influência para trazê-la, mas eu praticamente não a verei. Ficará bem
instalada e protegida. Nenhuma diferença do que era a vida no convento.
— Já esteve em um convento?
— Não, mas imagino que haja uma rotina. Desse modo, tudo o que
Anastacia terá que fazer é ser uma boa menina e continuar obediente e
fazendo suas orações, ou sei lá o que eles fazem em um convento o dia
todo.
— Quantos anos ela tem mesmo?
— Acabou de completar dezoito.
— Uma adolescente.
— Uma adulta aos olhos da lei. Há garotas dançando aqui com essa
idade.
— Adolescentes são rebeldes. Talvez você não faça ideia de onde está se
metendo.
— É uma princesa da Máfia. Foi criada para saber o lugar dela. Mesmo
que, pelo que descobri, seu pai não fosse cruel como acontece com a maior
parte dos patriarcas dentro da Organização, não tenho dúvidas de que ela
aprendeu direitinho que o dever vem antes de qualquer desejo ou
realização.
— Ainda me parece um plano muito louco. Sorte do caralho dele ter
escolhido você.
— Sorte, não. Foi caso pensado. Você não servia por causa das covinhas.
— O Papa[11] disse isso?
— Aham. E também alguma merda sobre seus sorrisos fazerem as
mulheres desmaiar.
— Mesmo não sendo eu a me casar com ela, pode ser que ainda consiga
arrancar suspiros da freirinha.
— Nem pense numa merda dessas. A partir do momento em que eu me
casar com Anastacia, ela será minha obrigação. Vou protegê-la e isso inclui
não permitir que você a use como faz com suas mulheres.
Eu rio.
— Por que com você é muito diferente, né? Vive intensos romances.
— Não, mas sou honesto com o que desejo delas. Sexo e mais nada. Não
finjo que são minhas namoradas.
— Não gosto de fechar portas. Deixo as possibilidades sempre abertas.
— O que faz com sua vida é problema seu, desde que não chegue perto
da mulher com quem vou me casar.
— Mas que só será sua esposa no papel, já pensou nisso?
— O quê?
— Vai ficar sem sexo por três anos? Porque pelo que entendi a menina
deve permanecer intocada. Seja porque vai se casar em definitivo com o
Criador, seja porque lhe será arranjado um casamento verdadeiro no fim
desses três anos.
Ele fica em silêncio e vejo que não havia considerado aquilo ainda.
— Não vai ser um casamento de verdade. Tanto Yerik quanto Ruslan
sabem disso. Basta que eu seja discreto. De qualquer modo, quando foi que
me viu desfilando com uma mulher? Sexo para mim é somente uma
necessidade orgânica.
— Casamento de mentira ou não, prepare-se para ganhar o ódio de
Talassa, Lara e Yulia[12]. Elas não toleram traições.
— Não será traição, porra. O relacionamento não irá além da folha de
papel.
— Tudo bem. Considerando que nenhum delas o mate, como isso vai
funcionar dentro da sua cabeça?
— O quê?
— Anastacia será apenas um item a ser riscado em sua lista de
obrigações diárias?
— Exatamente.
— Continuar fodendo mulheres estando casado com ela não vai
desorganizar suas regras?
Ele me encara e sei o que está pensando. De todos nós, os únicos fiéis são
Yerik, Grigori e Dmitri, porque são loucos pelas parceiras.
Relacionamentos em nosso mundo significam sexo sem compromisso ou
casamento. Não há um meio-termo.
— Estou vendo que dei um nó em seu cérebro de gênio — digo. —
Deveria pensar sobre isso porque uma coisa é certa: você pode ser diferente
de nós na maioria dos aspectos, mas quanto a trepar, é tão humano quanto
qualquer fodido do nosso gênero.
Levanta-se, anda até a balaustrada do lounge e eu me junto a ele.
— Não havia considerado esse aspecto, né? — pergunto.
— O que eu poderia fazer? Dizer não a um pedido de ajuda de Ruslan[13]?
Eu devo minha vida a ele.
— Eu também nunca me recusaria a ajudar o Papa, se fosse a mim que
ele tivesse pedido. Entretanto, não teria qualquer problema em continuar
fodendo na rua, ainda que aos olhos da lei fosse marido da freira. Mas nós
somos diferentes, porque minha regras se limitam à Organização. Já você
tem várias para cada maldito setor de sua vida. De uma maneira ou de
outra, se casar com a menina vai mudar sua rotina. Está pronto para isso?
Ele vai embora sem me dar uma resposta e conhecendo-o como conheço,
sei que seu cérebro está em curto.
Maxim não conhece nuances. Para ele tudo é preto ou branco.
Olho para a pista de dança e vejo algumas frequentadoras dançando
sozinhas. São lindas, mas parecem bêbadas, o que me desestimula. Eu gosto
das minhas mulheres lúcidas e muito dispostas.
Decido ir atrás da bunda bonita, mas quando estou descendo as escadas
para o primeiro andar, meu celular toca com uma mensagem que joga meus
planos para o inferno. Seria impossível passar a noite fodendo depois de lê-
la.

“Ele teve pesadelos novamente.”

E como diabos ela espera que eu resolva aquilo?


Respondo da única maneira que sei.

“Não saia de perto. Faça com que se sinta seguro.”


Capítulo 4

Boston

Semanas depois

Em meu mundo, um segundo pode fazer a diferença e eu tenho poucos


para tentar impedir que o homem que considero um dos meus irmãos, seja
morto.
Entro no escritório de Maxim, na boate, já com um plano de evacuação
pronto na cabeça e a arma em punho. Assim que o vejo ao telefone, grito:
— Desligue. Temos que sair?
— Anastacia, eu enviarei um endereço para que você venha me ver
amanhã ou talvez depois. Preciso desligar — diz ao interlocutor e em
seguida, sem discutir, pega uma Glock 20[14] dentro da gaveta e me segue.
— Porta dos fundos — digo.
— Não. Se há um ataque, eles resguardaram as duas saídas. Vamos pela
emergência.
Ele já havia me explicado da outra vez em que estive aqui, que como
toda boate da Organização, há uma porta secreta na sala do cofre.
No corredor, homens também armados vêm em nossa direção.
Sou muito melhor atirador que ele, mas talvez por não estar preocupado
com a minha vida e sim em protegê-lo, Maxim é mais ágil hoje e arremessa
uma faca entre os olhos de um dos filhos da puta, que cai aos nossos pés.
Eu mato o outro com um único tiro na cabeça e em segundos, nossos
homens aparecem para nos escoltar.
— Como está lá embaixo? — ele pergunta aos soldados.
— Nenhum cliente ferido. Os desgraçados dos atiradores entraram
disfarçados de entregadores. Estavam na cozinha — um deles responde.
— Mais tarde descobriremos os detalhes, Maxim. Agora, temos que ir
embora — aviso.
— Não deixe que ninguém saia — ele diz, porque a noite foi somente
para membros da Organização e todos deverão ser interrogados. — E
quando apanhar os invasores, me telefone.
Andamos até a porta de emergência na sala em anexo a dele e de lá,
passamos para o prédio ao lado.
Somente eu, ele e os outros três membros da elite sabemos que é possível
evacuar a boate sem precisar usar as principais portas.
Descemos pela escada e cinco minutos depois, já estamos no carro.
— Como conseguiram passar pela vigilância? — pergunta.
Sacudo a cabeça.
— Só pode ter sido um dos nossos quem deu a dica. Disfarçados de
entregadores ou não, os invasores teriam que se identificar antes de entrar
— falo. — Vamos pegar o traidor e também punir os filhos da puta que
entrarem em seu território.
— Não é o bastante. Temos que invadir a casa de um dos subchefes
deles. A resposta tem que ser proporcional. Sabe o que significa eles terem
acesso diretamente a mim: estão nos desafiando. Agora, é uma guerra
declarada e ninguém mais está seguro. Yerik terá que adiantar a vinda dele
para Boston, para nossa reunião. Não podemos deixar brechas para um
novo ataque.
— Acho que deveríamos nos encontrar na Fazenda[15]. Ninguém conhece
o local além de nós e os convidados que levamos para lá. Como mortos não
falam, não há lugar mais seguro.
O telefone dele toca e quando desliga, fico surpreso ao descobrir que era
a esposa dele.
— Você já a conheceu?
— Falamos ao telefone hoje mais cedo.
— E na segunda vez que fala com sua mulher, a trata assim? — pergunto,
espantado para caralho porque, mesmo que não tenha tido um
relacionamento sério, convivo há anos com meus três amigos casados e
noto que eles não agem com suas mulheres como com o resto da
humanidade. Parece que as colocaram em altares, praticamente.
— Ela não é minha esposa, porra, e não deveria ter me ligado. Isso
poderia ter posto nós dois em risco.
— A menina acabou de sair de um convento e está em um país
estranho, Maxim. É natural que quisesse falar com você. Já entendi que não
quer criar vínculo com ela. Em seu lugar, eu faria o mesmo, mas lembre-se
de que, apesar de ter sido criada dentro da Organização, passou os últimos
três anos isolada em meio a irmãs de caridade. Ela talvez tenha esquecido
certas regras da Organização na qual foi criada. O que estou tentando dizer,
e sou a merda do pior conselheiro do mundo, é que não deve agir com ela
como faz conosco.
Ele fica calado e sei que é melhor não empurrar. Eu nem imagino o que é
ter que entrar em um casamento de conveniência para atender um pedido de
Ruslan. Se fosse eu, não teria o menor problema em continuar saindo com
minhas mulheres.
Conveniência é conveniência, caralho. Não é real. Entretanto, a vida de
Maxim não funciona desse jeito. Ele tem tudo organizado em
compartimentos.
— O que vamos fazer? — pergunta e sei que mudou de assunto. Ele,
como eu, odeia falar de vida pessoal, embora com relação a Anastacia,
exista uma confusão entre privado e trabalho. — Não há mais como esperar
que ajam para apenas depois, retaliarmos.
— O Pakhan vai ter que abrir guerra contra Los Morales. Nada mais de
avisos de ambos os lados, e sim, chamá-los para a dança.
— Essa merda de cada um de nós em um estado diferente só funciona
porque Grigori conseguiu os telefones seguros com Odin[16], caso contrário,
em uma situação assim, estaríamos fodidos — diz.
Saí da casa dele já de madrugada. Depois de passarmos mais de uma hora
em reunião com Yerik, Grigori e Dmitri, eu finalmente consigo chegar no
meu apartamento.
Eu mal pisei em casa e fui informado de que os soldados inimigos que
invadiram a boate estão quase todos mortos e que pegamos o responsável
por deixar os mexicanos entrarem. Tanto ele quanto os membros Los
Morales que sobreviveram, já foram interrogados.
Foi uma ação arriscada entrarem no território de Maxim. Uma missão
suicida, na verdade.
Por que ir até a Le Crépuscule?
Porque eles não queriam matá-lo, e sim, eliminá-lo dentro de seu
território, sua boate, o lugar em que supostamente deveria estar seguro.
Saio do chuveiro e olho-me no espelho em cima da pia, pensando nos
planos para a próxima semana.
A Califórnia, assim como o Novo México e o Arizona ainda são meus
territórios, mesmo que eu não esteja fisicamente lá e acabo de ordenar que
os sobrinhos de Fernando Morales[17], o chefe do cartel com o qual estamos
em guerra, sejam mortos até amanhã.
Somos homens de negócios de ambos os lados. Nada é pessoal, mas em
nossas batalhas com as organizações rivais, família sempre foi intocável.
Entretanto, os mexicanos não parecem estar mais levando isso em conta.
Essa noite, eles invadiram nossa casa. Tentaram matar Maxim mesmo
sabendo que ele é como um irmão para o nosso Pakhan. Agora, vão ter o
troco.
Foi somente a sorte o que me fez estar chegando na boate naquele
momento.
O que eles não têm ideia, é que eu nunca pago uma ofensa
proporcionalmente.
Eu não sou conhecido pela moderação, e sim, por destruir tudo o que está
no caminho.
Capítulo 5

“Pare de fugir. Sua vida não precisa ser assim. Poderia ser tratada como
a princesa que é.”

Leio novamente a mensagem, apertando o papel com força e sentindo um


arrepio de medo atravessar minha coluna. Não importa o quanto eu me
esconda, ele sempre me encontra e de sua maneira distorcida, tenta agir
como um protetor.
Fernando Morales. O monstro que contribuiu para o meu nascimento me
dando parte de sua carga genética.
Picoto o papel em pedaços minúsculos e depois jogo na privada do
quarto do hotel em que estou agora, no Arizona, pensando que a oferta do
meu pai é quase uma piada.
Ser tratada como uma princesa vivendo em meio a um cartel de drogas?
Em sua mente distorcida, ele acredita de verdade que eu estaria segura lá?
Quando ele me encontra em um dos meus esconderijos e me manda
mensagens assim, eu preciso me mudar novamente. Eu não confio em seres
humanos e ele ocupa o topo da lista, não importa o quanto diga que se
preocupa comigo.
A única coisa boa que fez para mim foi permitir que minha me
registrasse apenas com os sobrenomes dela porque ter qualquer ligação com
Fernando Morales, aumenta a chance de que minha vida seja encurtada.
Além de toda raiva que nutro por ele, há algo que nunca vou conseguir
superar: ele jamais tentou me ajudar a encontrar Juana. Como todos,
assumiu que ela foi sequestrada e morta por um cartel rival.
Aperto os olhos com força, ao pensar na minha irmã. Ela e minha mão
são minhas duas únicas fraquezas. Eu nunca me permito chorar ao me
lembrar das duas porque sinto medo de que, uma vez que comece, toda
minha força mental se desfará.
Vou para o banheiro, fecho a porta e me recosto nela, sentada no chão.
É meu lugar favorito para pensar e que me traz paz. Talvez ainda
resquício de quando mamãe mandava que eu e minha irmã nos
escondêssemos, quando achava que estávamos correndo perigo.
Por mais que ele tenha sempre me mantido longe do cartel, bastava que
seus inimigos o investigassem mais a fundo, que chegariam em nós. Essa é
uma das razão de eu ter me tornado uma errante, além de fugir dele
também, obviamente: não só por precisar descobrir o que aconteceu com a
minha irmã, mas porque ficar parada significa que eles podem me capturar
para usar como moeda de troca contra o meu pai.
O maior problema de todos, é que nem sei de quem estou fugindo —
estou falando sobre os inimigos dele. Sei que está sempre em guerra com
outras máfias, mas quem são essas pessoas?
O cartel do meu pai cresceu muito nos últimos anos se eu for levar em
conta as notícias dos jornais, nenhum lugar é seguro para mim e eu não
posso me dar ao luxo de ficar parada. Preciso continuar procurando a minha
irmã.
Eu nem mesmo sei se ela está em território americano ou no México.
Escondo a cabeça entre os joelhos, tentando me acalmar. Eu tenho crises
de pânico há anos, quando minha mente fica me pregando peças, trazendo à
tona imagens do que pode ter acontecido com Juana se for um cartel
inimigo quem a pegou.
Respiro fundo, puxando o ar profundamente, rezando para que funcione,
mas meu coração bate tão forte que eu quase sinto dor física.
Levanto-me e decido dar uma volta.
Não costumo frequentar a vida noturna, mas estou me sentindo
claustrofóbica dentro do quarto do hotel e preciso sair.
Dirijo por vários quilômetros até parar em um bar na beira da estrada e
fico olhando a placa brilhante anunciando uma marca de cerveja.
Estou tentada a entrar. Não pela bebida.
Por influência da minha mãe, que abominava tudo o que dizia respeito a
drogas ou álcool, nunca bebi, fumei ou usei qualquer tipo de entorpecentes.
O que me faz desejar entrar é poder ouvir as vozes das pessoas. Quando me
sinto muito solitária, fico assistindo canais do Youtube. Eu nem presto
atenção no que dizem na maior parte do tempo. São as vozes dos humanos
do que sinto falta.
Depois de vasculhar com os olhos o estacionamento, que a essa hora está
quase deserto, crio coragem e desço do carro.
Ando depressa até o bar e para meu alívio, depois que entro, as pessoas
nem me notam, preocupadas com a própria vida.
Vejo duas mesas de sinuca em um canto. Uma está vazia e, sorrindo
internamente, ando até lá.
Um pouco de vida além da Netflix e exercícios físicos, Sierra.
Vamos ver se ainda me lembro como é me divertir.
Meia hora depois, vejo uma loira me observando jogar. Está na cara que
ela quer se aproximar, mas não sabe como. Normalmente, eu a ignoraria,
mas estou me sentindo ousada hoje.
Faço sinal para a mesa com a cabeça e ela sorri.
Levo dois segundos para perceber que não deveria estar aqui. Parece
jovem e ingênua demais para um lugar como esse.
— Posso jogar?
Dou de ombros.
— Já estou na última rodada — minto.
Na verdade, eu pretendia ficar mais um pouco, mas não posso me dar ao
luxo de bater papo com uma estranha, como uma pessoa normal faria.
— Eu não quero atrapalhar — diz.
— Se estivesse me atrapalhando, eu já a teria mandado embora.
Ela me dá um sorriso tímido.
— Está certo. Vou ficar, então. Obrigada.
— Não deveria vir sozinha para um bar desses, Tulia.
Estamos dividindo um refrigerante depois de duas partidas. Ela queria
uma cerveja, mas acabo de descobrir que fez dezoito há poucos dias e aqui
no Arizona, como em boa parte do país, a idade legal para beber é de vinte
e um anos.
Ela também me contou que só esperou a maioridade para sair da casa dos
pais, uma família pelo seu relato, pobre, mas “normal”. Eu tive que me
segurar para não lhe dizer que foi uma péssima decisão.
Centenas de meninas pobres fazem isso todos os anos nos Estados
Unidos — sair de casa sem rumo certo e nem dinheiro no bolso — e as
estatísticas mostram que o destino da maioria não é muito bom.
— Eu tenho uma amiga que ficou de me arrumar um trabalho — diz.
— Algo decente?
Por que diabos estou me metendo?
Apenas se levante e vá embora, Sierra.
— É, sim. Eu vou ficar bem, Ana — ela responde, me chamando pelo
nome falso com o qual me apresentei. — Mas apenas por garantia, poderia
me dar seu número? Eu não quero parecer um bebê e nem nada, mas só
para o caso de algo ruim me acontecer.
— Não troco número de telefone, mas posso ficar com o seu. Eu vou te
checar de vez em quando, só para saber como andam as coisas.
Capítulo 6

Boston

Semanas depois

— Eles estão fechando o cerco e não podemos nos descuidar — o


Pakhan diz, ao telefone.
— Já revidamos o ataque da boate, mas eles ignoraram o recado — falo,
me referindo aos parentes de Morales que matamos.
Depois que desligamos, olho para Dmitri, que veio de Nova Iorque para
uma reunião e estava acompanhando a videochamada com Yerik.
Descobrimos que o ataque naquela noite não partiu de Fernando, mas do
irmão caçula dele, o que é bem incomum, mesmo se tratando de um cartel
mexicano. Em qualquer organização, há hierarquia. O fato do irmão mais
novo tomar a frente em uma incursão suicida na boate nos diz que além da
briga conosco, eles estão com merdas internas para resolverem, também.
Depois de matar os sobrinhos do chefe do cartel, executamos três
subchefes e explodimos o principal laboratório de refinamento de cocaína
deles no Arizona, o que, não temos dúvidas, representará um grande
prejuízo nas finanças da organização mexicana.
Há problemas surgindo de todos os lados para nós, também.
A esposa de Maxim sofreu uma tentativa de assassinato. Tentaram
envenená-la e até agora não sabemos se o atentado partiu de dentro da
Irmandade ou se Los Morales têm o dedo naquilo[18].
Há algumas semanas, um problema ainda maior caiu no meu colo. O que
antes era um plano “b”, se tornou muito real: teremos que manter conosco a
filha caçula de Fernando Morales.
A ordem de Yerik é para usá-la como uma espécie de garantia contra o
pai. Nenhum dano será feito, a não ser que seja inevitável, porque se
acontecer, dará início a uma nova guerra, dessa vez, interna: Lara[19],
Talassa[20] e Yulia[21] ficariam loucas se soubessem que sequestramos e
matamos uma mulher.
Parece, pelo que descobrimos, que essa filha em particular é a única com
quem ele realmente se importa, porque a mantém longe de seus negócios,
tenta escondê-la dos inimigos e até mesmo de membros de dentro do cartel.
Ela sequer tem o sobrenome do pai.
Tanto cuidado significa que Sierra Montesino Caballero é uma moeda de
troca poderosa na negociação com o líder mexicano.
Eu ficarei diretamente responsável por ela, porque dentro da Irmandade,
mesmo sob as ordens de Yerik de que ninguém a toque, não há garantia de
que os homens consigam segurar o pau dentro das calças. As pessoas fazem
escolhas estúpidas quando o que está em jogo é dinheiro ou luxúria.
Agora basta decidirmos para onde a levaremos. A Fazenda não serve
porque a movimentação de convidados lá é intensa. Precisamos de um lugar
que somente eu e os outros homens de confiança saibam da existência.
A garota percorre por vários estados, principalmente na costa leste e
nunca fica muito tempo em um só. Em um passado recente, ficou no
Arizona por algumas semanas, depois foi para o Texas e agora está outra
vez no Arizona.
Yerik decidiu que todos os subchefes de Morales, sem exceção dessa vez,
serão mortos na próxima semana, entretanto, com relação à filha do
traficante, Dmitri sugeriu uma alternativa para o sequestro disfarçado:
sedução.
Eu a manteria comigo por um tempo como minha mulher, a levaria para
um lugar ermo, nas montanhas, de preferência. Depois que eu a tivesse lá,
enviaríamos a Morales provas de que Sierra estava em nossos poder.
O problema é que se a garota se esconde do pai como eles acreditavam,
supus que tem bons instintos. Então eu mudei meu plano e decidi que a
pegaria de uma maneira que ela não percebesse: ofereceria um emprego em
uma casa nas montanhas.
A ideia era deixar a oferta chegar até ela. Algo que não pudesse recusar.
No fim de tudo, dará no mesmo. Ela estará como refém, só que não
perceberá. Problema resolvido.
Há semanas, conseguimos alguém, uma isca, para fazer um primeiro
contato com ela, mas a mulher é desconfiada, então pretendíamos dar cada
passo devagar.
Esse era o plano até que fui emboscado durante uma negociação com
compradores de armas da América do Sul, e eu e Maxim quase morremos,
pela segunda vez, em um intervalo de menos de uma mês[22].
A partir daquele dia, o destino de Sierra foi determinado.
O plano está na reta final. É provável que estejamos com a filha de
Morales em breve. Uma vez que a tenhamos, será uma guerra aberta até
eles entenderem que não têm como nos vencer.
Sierra é somente o coringa. Uma cartada que será usada se nos for
conveniente.
— O que pretende fazer com ele? — Dmitri pergunta, sentado na beira da
minha mesa, em meu escritório em Boston.
Eu sou como a porra de um andarilho, com salas espalhadas em vários
estados.
— Eu não sei ainda.
Ele, junto aos outros a quem considero irmãos, é um dos poucos que
conhece meu segredo.
— Se fecharmos o cerco e Yerik declarar quarentena, o que é quase certo,
não poderá mantê-lo longe.
— Ele sempre estará mais seguro longe de mim.
— Uma criança precisa do pai por perto.
— Eu não sou o pai dele. Sou um monstro. Eu posso dar tudo o que for
material, mas nunca o tipo de relacionamento que você tem com seus
filhos.
— Não tem como saber disso. Nunca tentou.
— Você mais do que ninguém, sabe o que eu fiz, Dmitri. Quando ele
crescer, vai descobrir toda a verdade e me odiará de qualquer modo. Estou
apenas poupando-o de mais sofrimento.
— Não posso abrir sua cabeça e enfiar o que penso dentro dela, Leonid.
Vai ter que enxergar sozinho, mas considere seriamente a possibilidade de
mantê-lo aqui, perto de nós. Ele já é uma parte nossa, não importa se apenas
se conhecem há poucos meses.
Levanto-me e ando até a janela, dando-lhe as costas.
— Ele vai me odiar. Nunca mentirei. Quando crescer, contarei tudo e ele
vai me odiar.
— É isso mesmo o que teme? Ou é você quem se odeia pelo que fez?
Volto a encará-lo.
— Aí é que está a questão. Eu não me arrependo. Eu faria tudo de novo.
Capítulo 7

— Tulia? — pergunto ao atender.


Quebrando todas as minhas regras, depois de telefonar para
conferir se estava tudo bem com ela umas três vezes a partir do dia em
que nos conhecemos, acabei lhe dando o número de meu celular.
Não conseguia parar de pensar na garota doce e jovem, sozinha
no Arizona. Ela é a presa perfeita para canalhas aproveitadores.
Temos nos falado com regularidade desde então. Eu a checo ao
menos uma vez por semana, mas essa é a primeira vez que ela me
telefona, antes foram apenas mensagens de texto.
Eu saí do Estado logo após nos conhecermos. A mensagem que
meu pai me mandou foi o gatilho. Se ele sabia onde eu estava, seus
inimigos com certeza descobririam, também.
— Sierra, desculpe-me te ligar, mas é que estou meio
desesperada — diz, agora me chamando pelo nome verdadeiro.
Eu pensei muito e resolvi dar um voto de confiança a ela.
É a primeira vez que me permito ter uma amiga. A sensação é
assustadora e ao mesmo tempo, reconfortante. A única coisa que tem
me tirado o sono é que fico aflita por Tulia estar sozinha. Ela é só uma
menina.
Eu nunca tive que me preocupar com alguém além de mim
mesma depois que fiquei adulta e às vezes acho que estou pecando
pelo excesso, mas ela parece inocente demais para esse mundo.
Não sabe nada a meu respeito além do meu primeiro nome e
para sua própria segurança, desde que voltei ao Arizona, não a
encontro em lugares públicos.
Sinto meu sangue gelar.
— Aconteceu alguma coisa?
— Hum... uma coisa boa. Eu queria saber se pode me salvar.
Aquilo que me falou no outro dia, que estava procurando um emprego
em casa de família, uma espécie de secretária familiar… é verdade?
Eu vou precisar me esconder por um tempo. Não é a primeira
vez que acontece. Já trabalhei como babá e como empregada que
dorme no serviço. Eu revezo minhas fugas com empregos temporários
de dois, três meses e é desse jeito que consigo me manter. Não aceito
qualquer dinheiro do meu pai.
Seria mais fácil a busca por Juana se eu tivesse o apoio
financeiro dele, claro. É muito mais difícil seguir pistas sem recursos,
porém, meu lado orgulhoso, que controla boa parte de quem sou, se
recusa a aceitar dinheiro dele porque eu me sentiria como se tivesse
traindo minha irmã.
Ele nunca moveu um dedo para procurá-la. Aceitou o
desaparecimento dela como algo trivial, enquanto eu e minha mãe
gritávamos por vingança.
Eu vou encontrá-la, da forma que for, não importa quanto
tempo leve. E vou fazê-lo por meus próprios meios.
Nesse momento, no entanto, eu preciso me esconder. Terei que
ficar fora do radar por uns meses.
— É, sim — finalmente respondo. — Mas não consegui nada
que fosse ao encontro do que preciso.
— Disse-me que prefere lugares mais distantes da cidade
grande. Eu, não. Adoro multidões. Enfim, consegui uma vaga que mais
parece um emprego dos sonhos por causa do salário, mas infelizmente,
meu pai adoeceu e terei que voltar para casa por um par de meses.
— Eu não sei se estou entendendo. Você está precisando de
dinheiro?
— Sempre, né? Sou pobre, mas nessa questão em particular,
não é isso. Eu quero “segurar” essa vaga. Estou com medo de que
coloquem alguém no meu lugar porque me disseram que precisam de
um funcionário imediatamente. Vou ser sincera com você: não posso
abrir mão desse emprego porque o salário é bom e preciso do
dinheiro, então não será algo permanente para você. Assim que as
coisas com meu pai ficarem melhores, vou querê-lo de volta.
— Não procuro algo a longo prazo, de qualquer modo.
— E o melhor eu ainda não contei: o patrão, pelo que pude
entender, é um homem recluso, passa alguns meses por ano nas
montanhas Wisconsin[23] e outros tantos na residência em Boston. Até
isso parece perfeito. Você ficaria nesses primeiros meses em um lugar
isolado que tanto gosta e eu, quando voltar, vou para a cidade grande.
Processo cada palavra do que ela fala, muito tentada a aceitar,
mas a desconfiança está no meu DNA, então, por mais que goste de
Tulia, preciso de mais referências antes de embarcar nessa nova
aventura.
Eu já a pesquisei, claro. Familiares, idade, nome e sobrenome e
sei que é quem diz ser. Agora, terei que conferir esse novo
empregador.
— Passe-me os dados dele por mensagem.
— Eu nem preciso dizer que é confidencial, né? O cara é muito
rico, Sierra. Estou dando um salto de fé ao compartilhar isso com
você.
— Se ele é tão importante, como vai aceitar uma desconhecida
em seu lugar?
— Eu disse que você era minha melhor amiga, o que não deixa
de ser verdade, já que não confio em outra mulher além de você —
responde e aquilo mexe comigo porque eu conheço perfeitamente a
sensação de se estar completamente sozinha. — Agora, com certeza
eles vão querer alguns documentos seus.
— Esse é o menor dos problemas. Posso entregar, mas quero
verificá-los, também.
Não será a primeira vez em que entrarei em um emprego com
documentos falsos. Eu os tenho guardados para o caso de precisar sair
do país em uma situação de emergência. O irmão da minha mãe foi o
maior falsificador da história do México. De obras de arte a uma
carteira de motorista, não havia nada que ele fosse incapaz de falsificar
e me ensinou o “ofício”.
— Por que é tão desconfiada? — pergunta.
— Por que é tão ingênua? — respondo, ao invés de entregar o
que ela quer. — Foi uma pergunta retórica, Tulia. As pessoas são o que
são, fruto do meio em que cresceram. Passe-me o nome desse tal
empregador e eu vou verificá-lo. Ainda hoje lhe darei uma resposta.
Capítulo 8

No dia seguinte

Todo meu corpo está tomado de adrenalina enquanto monitoro, através


de pequenas câmeras que meus homens carregam em suas roupas, mais
uma invasão de território do maldito cartel.
Elas são de última geração, um novo brinquedo que Grigori nos trouxe,
cortesia do homem aclamado pela imprensa mundial como “o imperador da
tecnologia de segurança”, Odin Lykaios[24].
Eu me pergunto se ele sabe o destino que Grigori dá a todos os
equipamentos com os quais nos supre, telefones celulares irrastreáveis,
inclusive. Talvez saiba e simplesmente não se importe.
Sorte nossa. Azar do inimigo.
Assim que a missão chegar ao fim, me mudarei para o Wisconsin, onde
ficarei à espera de Sierra.
A questão se desenvolveu muito mais facilmente do que eu imaginava.
Ela mordeu a isca e não faz ideia de que uma vez que esteja em meu
território, não poderá mais ir embora. Ou melhor, ela irá, mas não viva.
Houve uma votação ontem entre a elite da Irmandade e chegou-se à
decisão de que mesmo sem estar envolvida nos negócios do pai, Sierra terá
que ser eliminada. Deixar uma testemunha, ainda mais uma ligada a um
cartel mexicano que iremos dizimar, poria toda a Organização em risco.
Eu nem consigo imaginar o inferno que se transformará a vida de Yerik
se Talassa descobrir, mas negócios são negócios e às vezes, inocentes
morrem.
O fato de saber que ela não irá a qualquer outro lugar que não minha
fazenda nas montanhas do Wisconsin depois que nossos problemas com os
mexicanos chegarem ao fim, me fez tomar uma outra decisão: levarei meu
filho, o garoto que conheci há somente alguns meses, comigo.
A guerra está se tornando maior a cada dia e resolvi de que Dmitri tem
razão. Não há lugar em que Borya estará mais protegido do que ao meu
lado, mesmo que eu não queira criar qualquer laço com ele.
Olho novamente a tela. Os nossos soldados usam coletes à prova de bala,
mas ainda assim, eu sei que haverá muitas baixas hoje. Nesse tipo de
confronto, você tem que estar pronto para matar e morrer e nós queremos o
sangue dos malditos Morales nas mãos.
Sentado em minha cadeira de trabalho, vigiando atentamente o notebook,
tamborilo os dedos em cima da mesa pensando no inferno que vai ser passar
semanas preso em uma fazenda, olhando o desenrolar da guerra de longe,
mas sou o único solteiro entre os homens de confiança de Yerik agora e não
haveria outro a quem ele designaria essa missão.
O estupro não é aceito como forma de tortura ou para extrair confissões
dentre de nossa Irmandade mesmo na época em que Ruslan ainda era o
Pakhan, porém, boa parte dos nossos homens veria em Sierra um objeto
para se divertir, por se tratar da filha do chefe de uma organização rival.
Muitos dos soldados nossos morreram nos últimos meses como resultado
do conflito com os mexicanos e os membros querem vingança.
Entretanto, não a obterão no corpo dela. Eu não vou permitir.
Enquanto espero a equipe se preparar para a invasão, me levanto e volto
a me sentar umas três vezes, a agitação controlando cada gota do meu
sangue.
Ficar nos bastidores não é do meu feitio. Fui feito para sair a campo e
principalmente, matar o inimigo.
Lembro-me da minha mãe me perguntando quando eu ainda era criança,
porque eu não poderia ser como meu irmão: calmo e subserviente.
Para ela, uma vida dita “normal” era nunca expressar suas vontade. Era
se contentar com o básico: regras, horários, refeições, ir à igreja.
Ao contrário dos outros homens de confiança de Yerik, vim de um lar
rico e cresci cercado de privilégios. Entretanto, é aí que terminava a dita
“normalidade” dentro da minha família. Meu pai era um desgraçado
espancador que desferia toda e qualquer frustração nos filhos e na esposa. E
nem eram os espancamentos a pior parte. Ele humilhava minha mãe,
levando mulheres para dentro de casa, fodendo-as na cama deles, de portas
abertas, sem se importar que nós, os filhos, escutássemos ou víssemos.
Por fora, éramos a ideal família russa, abastada e religiosa. Dentro,
vivíamos no inferno.
Quando eu tinha doze anos, meu irmão, apenas um ano mais velho do
que eu, se matou após uma surra particularmente cruel. Ele conseguiu fugir,
escapando através da morte e eu tomei uma decisão: daria à minha mãe uma
oportunidade de ir embora comigo. Mesmo sendo uma criança, eu queria
libertá-la daquele filho da puta, mas ela disse não, que seu lugar era junto a
meu pai, então, após o enterro de Iakov, eu peguei uma mochila e fui
embora sem olhar para trás.
Foi somente o acaso que me fez esbarrar em Yerik, mais velho e tão
raivoso quanto eu. Ele próprio tendo demônios para lidar.
Nunca mais nos separamos.
Já me perguntei se, caso minha infância não houvesse sido permeada de
violência, eu poderia ser diferente do que sou hoje, mas sempre chego à
conclusão de que não.
Eu pertenço ao lugar no qual estou. Mesmo que a minha casa fosse cheia
do que as pessoas chamam de amor, havia uma inadequação em mim, que
me impediria de conviver em meio ao mundo normal.
Eu não sinto pena ou remorso. Eu gosto de matar e da caça que antecede
o fim do inimigo.
E apesar disso tudo, porém, eu não quero a tarefa de pôr fim à vida de
Sierra. Eu nunca matei inocentes com as minhas próprias mãos e a única
coisa que posso fazer para apaziguar é lhe dar uma morte rápida e antes
disso, protegê-la dos membros da Organização.
Meu celular vibra com uma mensagem e sei que a batalha na fronteira
com o México vai começar.
Posso ouvir através do áudio das câmeras o zumbir de tiros e gritos.
Música. Essa é a porra da melodia da minha vida.
Em cerca de vinte minutos, está tudo acabado.
Todos os membros Los Morales que estavam cercados, foram mortos.
Fim da diversão. Chegou a hora de ir ao encontro da mulher com quem
conviverei por algumas semanas e depois, terei que matar.
Capítulo 9

Dois dias depois

O carro que aluguei derrapa perigosamente em uma curva mais fechada e


eu quase vomito quando vejo uma picape vindo na direção oposta, em toda
velocidade.
Não há acostamento e só um milagre me livra de bater de frente no outro
automóvel.
Eu dirijo com o coração muito acelerado, me perguntando se isso não é
um aviso de como serão meus dias no Wisconsin.
Olho para a paisagem ao redor enquanto conduzo o veículo, tentando me
acalmar. Eu mal acredito que estou mesmo aqui.
Na mesma noite em que Tulia me passou as informações, eu pesquisei
sobre o homem que está oferecendo o emprego, Fredek Popov. Não havia
fotos dele, mas isso não é incomum, já que ela disse se tratar de um recluso.
Entretanto, encontrei um link que direcionava para uma empresa na qual é o
CEO.
Quando ela me revelou o nome do empregador, ela mencionou também o
salário e meu queixo caiu. Segundo me disse, ficarei no Wisconsin por dois
meses. Pelos meus cálculos, quando for embora de lá, terei dinheiro para
me manter por um bom tempo. Isso significa mais horas livres para
procurar minha irmã.
Há três dias eu telefonei para ele, o homem que será meu chefe.
Não sou uma conhecedora de línguas, mas ainda assim percebi um suave
sotaque, o que me diz que ele não nasceu aqui. Não é apenas descendente, é
um russo de fato.
Ele foi seco e direto. Fez-me algumas perguntas sobre minha experiência
trabalhando em casa de família e também se eu sabia cozinhar.
Depois disso, pediu meus dados bancários — eu forneci a feita sob meu
nome falso, claro — e finalizou com um simples: espero você daqui a
alguns dias.
Por curiosidade, entrei no aplicativo do banco para saber quanto de
“sinal” de pagamento ele havia enviado e ao olhar a tela do telefone,
precisei me sentar.
O valor era quase quarenta por cento do total que ele tem que me pagar
pelo tempo que ficarei lá e pela primeira vez, senti medo de ir para as
montanhas para me hospedar, por assim dizer, na casa de um desconhecido.
Considerei seriamente ligar de volta e dizer que não iria mais, entretanto,
um incidente que aconteceu ontem à noite me fez mudar de ideia: havia
alguém me seguindo.
Na maior parte das vezes quando acho que acontece, é mais loucura da
minha cabeça mesmo, mas ontem eu tive certeza.
Dirigi e parei em três estabelecimentos diferentes e em todas, um carro
azul, sedã, com as janelas escurecidas, estava lá também.
Eu demorei a conseguir despistá-los e no fim, estava mentalmente
exausta. Ter que planejar e fugir por tantos anos está sugando toda a minha
energia.
Foi o que bateu o martelo em definitivo para que eu me decidisse a
aceitar a vaga do tal russo e agora aqui estou, conduzindo por um lugar
ermo e correndo o risco de ser morta não por um cartel rival, mas por um
motorista que não tem a porcaria da noção de como dirigir um carro com
segurança.
Ótimo!
Uma hora depois, chego em frente a uma porteira de madeira. Não uma
porteira qualquer, como as que vemos em diversas propriedades no sul do
país, mas o que parece uma verdadeira fortaleza. Além da estrutura sólida,
há uma guarita de segurança na entrada.
Meu coração volta a acelerar, uma pontada de consciência me dizendo
para dar a volta e correr para longe, porém, estou entre dar um passo rumo
ao desconhecido e voltar para minha vida de fugitiva. Preciso descansar
nem que seja por uns dias. Dormir em uma cama em que não tenho que me
manter em alerta a cada cinco segundos.
Verifico o relógio do carro e confiro que faltam cerca de quinze minutos
para o horário combinado para minha chegada.
O senhor Fredek Popov me disse que estaria me esperando e uma ponta
de medo me atinge. Será que ele quer fazer uma nova entrevista e se não
ficar satisfeito, me mandar de volta?
Não, o homem transferiu uma pequena fortuna para minha conta
bancária. Eu preciso acreditar que já estou contratada porque nesse exato
momento, me encontro sem saída.
Desço do carro com as pernas bambas e respirando várias vezes para
tentar desacelerar a pulsação.
Eu só preciso de uns dias de descanso. Mesmo que não me deixe ficar em
definitivo, que ele permita ao menos boas noites de sono e vou estar pronta
para a luta novamente.
Enquanto caminho para o que parece ser a casa da sede, dado o tamanho,
fico impressionada com o luxo. Por que construir algo assim em um lugar
tão isolado?
Sacudo a cabeça. Achei que os ricos gostassem de ostentar, mas como
posso ter certeza? Essa nunca foi a minha realidade.
Entretanto, minha mãe dizia que meu pai adorava mostrar todo seu poder
através de imóveis grandiosos e que dava festas que duravam dias, o que
acabou fazendo dele uma lenda, não somente pela riqueza, mas também
pela maneira como esbanjava dinheiro.
Nós nunca moramos com ele porque mamãe não era a esposa oficial, era
a outra, a amante. Entretanto, ela já esteve nas diversas propriedades de
Fernando Morales, e a principal delas, era uma verdadeira pequena cidade
isolada entre a fronteira do México e os Estados Unidos, um lugar
estratégico para fugas.
Ela contava que até mesmo maçanetas, molduras de espelhos e dos
quadros eram de ouro.
Acelero o passo porque o dia está particularmente quente, mas antes que
eu possa chegar aos degraus da pequena escada da entrada principal, a porta
se abre e uma mulher que deve ser aos menos dez anos mais velha do que
eu, surge na porta.
Não veste um uniforme igual ao que se vê em séries de tv, de empregados
nas casas dos muito ricos, e sim uma roupa casual: jeans, como eu e uma
camiseta de malha. A primeira coisa que me passa pela cabeça, é que ela
não combina com o lugar. Não há nada de sofisticado nela. Parece
endurecida.
— Seja bem-vinda, senhorita García — diz, usando o sobrenome falso
que assumi dessa vez.
— Bom dia. Sabe quem eu sou?
Sinto-me uma idiota ao perguntar aquilo porque é óbvio que ela sabe,
mas estou nervosa demais para conseguir pensar com clareza.
— Sim. O senhor Popov está esperando-a.
Eu congelo no lugar por uns segundos enquanto meu olhar corre para
dentro da casa, por trás dela. A construção parece sombria, o que acaba
contrastando com a claridade aqui fora.
Luz e escuridão.
É como se a vida estivesse me desafiando a dar um passo rumo ao
inesperado.
Respiro fundo e sigo a mulher.
Eu não temo a ausência de luz. Nunca vivi dias de sol até hoje. As trevas
são minha zona de conforto.
Capítulo 10

Enquanto um dos nossos soldados, disfarçada de empregada, vai até a


porta abri-la para Sierra, eu repasso mentalmente, pela centésima vez, as
informações que tenho a respeito dela: vinte e três anos, mãe falecida e uma
irmã que desapareceu quando ela tinha apenas quatorze anos.
Juana Montesino Caballero.
Não há muitas informações sobre ela além do fato de que sumiu aos
dezessete anos, ao cruzar a fronteira dos Estados Unidos com o México
para visitar os avós maternos.
Não é incomum o sequestro de garotas na cidade em que Juana estava,
entretanto. Juarez é há muito tempo conhecida por “a cidade que odeia
mulheres”[25] ou “a cidade das garotas desaparecidas”. O que é intrigante é
que a menina em questão seja a enteada de um chefe de cartel, meia irmã de
Sierra e, até onde descobri, nenhum esforço foi feito pela parte de Morales
para encontrá-la.
Não que haja muita chance de que ainda esteja entre nós. É mais
provável que tenha sido traficada como aconteceu com Talassa e Lara[26], as
esposas de Yerik e Grigori.
Dado o tempo que se passou desde seu desaparecimento, já deve estar
morta, mas para alguém com o poder de Fernando Morales, ter um parente,
ainda que por afinidade, sequestrado, é um desrespeito. Ele deveria ao
menos ter tentado encontrá-la ou se fosse impossível, descobrir os culpados
por seu sequestro e puni-los.
Volto os pensamentos para a minha futura hóspede.
Sierra é uma errante, fugindo a vida toda do pai, aparentemente e uma
pontada de uma sensação bem parecido com culpa, se eu fosse capaz de
sentir algo assim, me atinge ao pensar que de uma forma ou de outra, ela
acabará pagando pelos pecados dele.
É uma garota bonita, se eu for me basear nas imagens que me foram
enviadas. Há meses está sendo seguida por nossa Organização.
Acompanhamos todos os movimentos dela.
Ela é arisca e com um instinto de sobrevivência afiado. Percebeu que a
estávamos seguindo há um par de dias. Daquela vez, porém, fizemos de
propósito, para aumentar seu medo e fazer com que aceitasse o emprego
que lhe ofereci sem hesitar.
Quando conversamos, ela me disse que tinha experiência em casa de
família, e embora eu saiba que é verdade, porque nós a rastreamos há
meses, ainda não entendo porque uma garota, que poderia gozar de todos os
privilégios e segurança como princesa de um cartel de drogas — a filha do
chefe, ainda que bastarda —, opta por fugir e se esconder ao invés de ter
uma boa vida.
Se ela fizesse parte do cartel, a questão de encurtar sua vida seria muito
mais fácil para mim. Apesar de gostar de matar, eu o faço como parte do
trabalho. Nunca eliminei alguém que não considerasse um inimigo.
Sierra é uma ponta solta a ser aparada no meio de uma guerra entre duas
organizações. Em um universo normal, a garota não deveria precisar fugir e
sim, poder viver a plenitude de seus vinte e três anos.
Para o azar dela, no entanto, essa porra de mundo é tudo, menos normal.
O mal está espalhado por toda parte e pessoas como ela, os inocentes, são
peças manipuladas pelos jogadores mais experientes.
Ouço duas batidas na porta antes de Fanya, o soldado disfarçado, entrar e
fechar a porta atrás de si.
— A senhorita García está aqui — avisa.
Ela não faz a menor ideia de quem Sierra é, além do fato de uma futura
prisioneira. São poucos os membros que têm conhecimento de que a garota
no corredor é filha do inimigo. Eles apenas sabem que a quero aqui por uma
razão.
— Mande-a entrar e você deve ir em seguida.
Ela hesita e não precisa falar porque vejo em seu rosto o que quer. Não é
a primeira vez que percebo seus olhares na minha direção. Fanya é membro
da Organização há muitos anos.
Observo-a com o mesmo interesse com que faria com um quadro que eu
sei que está disponível para compra, mas que não me deixa tentado a
adquiri-lo.
Ela tem um corpo sexy e um rosto agradável, isso não há como negar,
mas mesmo assim, não existe qualquer chance de um envolvimento entre
nós.
Eu já fodi meio mundo por aí, e é um milagre que só tenha um filho até
agora, porque dado a quantidade de mulheres que estiveram em minha
cama, eu poderia facilmente concorrer com Ruslan em relação a
descendentes, mas existe uma regra que eu nunca quebro: minhas mulheres
são sempre de fora da Irmandade. Nunca membros ou soldados, porque não
há como romper a relação de uma maneira amigável quando tudo acabar e o
fim é certo como o nascer do próximo dia.
Uma pessoa rancorosa, magoada ou sei lá que nome possa ser dado para
alguém que é abandonado, pode complicar o ambiente de trabalho, levando-
me ao extremo de ter que eliminá-la. Prefiro ficar longe desse tipo de
problema. Ao invés disso, quando quero me divertir a curto prazo, o que
acontece na maioria das vezes, visito as boates dos meus amigos e escolho
minhas parceiras por lá. No meu território, entretanto, nunca fico com
alguém.
— Eu poderia continuar aqui, Leonid. Pelo que entendi, a senhorita
García ficará responsável pelos serviços gerais, então você pode dispensar a
babá e eu cuido do pequeno Borya.
Cruzo as mãos em cima da mesa, olhando para ela.
— Acha que preciso de conselhos sobre como cuidar dele?
— Eu…
Vejo o movimento de sua garganta enquanto engole em seco e percebo
seu desconforto, mas não dou a mínima.
— Responda, Fanya. Sim ou não?
— Não. Eu só queria ser útil.
— Você é muito útil à Organização. Um bom soldado. — Levanto-me e
ando em direção a ela, parando a uma curta distância. — Mas nunca mais
questione minhas ordens. Fui claro?
— Sim, Leonid.
— Agora faça o que eu mandei. Traga a senhorita García até mim e
depois vá embora.
Quando a porta fecha atrás de si, pego o celular e mando uma mensagem
para Yerik.

“O jogo vai começar.”

Ele responde imediatamente.

“Tome cuidado. Nunca se esqueça de quem ela é.”


Capítulo 11

A mulher que me recebeu e examinou da cabeça aos pés como se


estivesse me olhando através das lentes de um microscópio, deixou-me no
corredor escuro — a casa inteira é escura, pelo que pude notar até agora —
e entrou no que supus ser uma biblioteca ou escritório.
Provavelmente, do outro lado da porta está meu empregador, o recluso
senhor Fredek Popov.
Quantos anos será que ele tem? Pela voz, não consegui adivinhar, mas
não me pareceu que fosse abaixo de trinta.
Alguns minutos se passam antes que a porta volte a se abrir.
— A senhorita deve entrar — ela diz.
Algo em sua expressão mudou. Não há mais a arrogância com que me
recebeu inicialmente.
Eu sou muito observadora. Por pouco poder falar, já que não confio nas
pessoas o suficiente para manter conversas banais, aprendi a estudar meus
interlocutores e a mulher bonita tem decepção estampada no rosto.
— Vamos trabalhar juntas? — pergunto, sabe lá Deus porquê. Talvez em
uma tentativa tola de conseguir uma aliada nesse lugar do qual não faço a
mínima ideia do que esperar.
— Não. Estou indo embora.
Depois disso, ela me deixa sozinha e eu respiro fundo para criar coragem
de ir ao encontro do homem com quem vou conviver nos próximos meses.
Tomo um susto danado quando ao dar o primeiro passo para dentro da
sala, esbarro em um corpo sólido.
Não sólido apenas — corrijo-me. — O homem é uma montanha tanto em
altura quanto de músculos.
— Senhor Popov — digo, antes mesmo de encará-lo, meu olhar focado
em seu peitoral largo, que é onde minha cabeça alcança.
Estranho o quanto minha voz soa sem fôlego e credito isso ao
nervosismo por a empregada ter dito que estava indo embora.
Há algo além disso, entretanto. A força da presença dele faz com que,
antes mesmo de encará-lo, eu o sinta.
Seu cheiro, calor e força.
A autoconfiança, também.
Preciso de segundos apenas para entender que Fredek é do tipo que está
no alto da cadeia alimentar nesse louco esquema chamado vida.
Ele não fala nada e isso só piora meu nervosismo, o que não é comum.
Aprendi a disfarçar sentimentos e emoções.
— Sou Sierra García, como deve saber — continuo e nesse instante dou
graças a Deus por ter usado o nome de batismo como verdadeiro, porque se
ele me chamasse de “Ana”, um dos meus pseudônimos, eu seria incapaz de
me lembrar da mentira.
Com raiva de mim mesma pelo descontrole sobre meu corpo, obrigo-me
a erguer os olhos.
É outro erro.
Quando me deparo com dois pares de olhos azul-gelo, percebo que não
estava preparada para encará-lo.
Sim, gelo, não apenas pela limpidez da cor clara, e sim porque parecem
cortantes como um diamante.
Não há violência ou raiva ali, há indiferença, como se ele estivesse
encarando uma parede.
São olhos investigativos e ao mesmo tempo, impessoais. O homem
parece desconhecer emoções comuns aos seres humanos.
Ele é um predador — meus instintos avisam. — Não importa que o
corpo musculoso esteja coberto de um terno caro, ele é um animal
selvagem.
O que com qualquer outro homem me assustaria, nele a sensação de
perigo iminente me excita. Por isso mesmo, dou um passo para trás. Eu não
quero me sentir atraída por quem quer que seja.
Para me acalmar, examino suas feições.
Ele tem cabelos na altura dos ombros, de um tom castanho avermelhado
e o rosto com um maxilar tão anguloso que parece ter sido trabalhado à mão
por um artista. O nariz parece já ter sido quebrado algumas vezes porque a
ponte faz uma suave curvatura à esquerda e a pele é coberta por uma barba
de alguns dias.
A boca é cheia e sensual e embaixo dela, no queixo, há um furinho que
deve ficar incrivelmente sexy se algum dia ele for capaz de sorrir, o que
duvido.
A beleza não é a de um modelo, e sim, indomada e agressiva. Ele é
másculo dos pés a cabeça, cada pedaço emitindo sinais de força e contra
minha vontade, aciona todos os meus hormônios femininos.
Ele dá um passo para a frente, como se o fato de eu ter tomado distância
o irritasse, mas é quando estica a mão em cumprimento que meu coração
começa a bater em um ritmo quase perigoso.
— Fredek Popov.
Eu não me movo a princípio e em seu olhar surge uma leve luz de
escárnio, como se soubesse exatamente o efeito que causa em mim.
Maldito convencido!
Estico a mão sem hesitar agora, mas quando sinto o calor que antes eu
apenas intuí, preciso forçar-me a não soltá-la.
O contraste de tamanho entre nossos corpos, as mãos inclusive, chega a
ser ridículo e me pega de surpresa no quão me sinto bem ao tê-lo me
segurando em um aperto firme.
— Sierra García, senhor Popov. Eu posso beber um pouco de água?
Estou morrendo de sede.
Não, eu não sinto sede, mas preciso de uma via de escape porque estou
quase colapsando e como intuí, ele me deixa livre para atender o meu
pedido.
— Entre e sente-se ali — diz, apontando em tom de comando, uma
cadeira em frente àmesa de madeira maciça.
Eu ando sem ter certeza se as minhas pernas estão firmes o bastante e
acomodo-me onde me indicou porque sentada consigo ter mais controle
sobre mim mesma.
Observo enquanto abre um frigobar e retira uma garrafa de água de uma
marca que desconheço, mas se for levar em conta a embalagem, é cara. Ele
a coloca junto a um copo na minha frente e depois senta-se do outro lado da
escrivaninha.
— Vamos começar com suas atribuições — diz, soando indiferente, e
aquilo me faz enfim acordar para a vida.
Mesmo que eu fosse uma garota normal, alguém que pode sair e
paquerar, se divertir sem qualquer preocupação, Fredek Popov pertence a
outro mundo.
Rico e obscenamente lindo, deve ter um time inteiro de mulheres aos pés
dele.
Capítulo 12

Observo-a destampar a água com cuidado e servir-se com tanta


delicadeza quanto as mulheres do meu passado, da alta sociedade de
Moscou, o fariam. Ela deixa o líquido cair sem pressa, inclinando a água
em um ângulo suave e fazendo com que a tarefa seja mais demorada do que
deveria.
Sei que está tentando ganhar tempo para se acalmar e a primeira coisa
que vem à minha mente é que assim como eu, Sierra é treinada para fingir.
Posso sentir energia fluindo dela. A garota é inquieta, tem o sangue
quente e ao contrário do que tenta demonstrar com a falsa performance de
serenidade, parece pronta para atacar.
É quase como me olhar em um espelho e levo somente um instante para
concluir que Sierra é a mulher mais excitante que já encontrei em muito
tempo. Se o contexto fosse outro, ela passaria essa noite descendo gostoso
no meu pau, gemendo alto enquanto a faria gozar uma e outra vez, mas nem
mesmo eu, em minha falta de consciência, foderia uma mulher que terei que
matar dentro de algumas semanas.
— Eu vou te passar seus principais deveres, Sierra. Posso te chamar
assim ou prefere senhorita García?
O nome falso que você me deu. Um dos tantos que usa.
— Sierra está bom e o senhor, prefere que o chame de senhor Popov ou
Fredek?
— Fredek é suficiente.
Ela leva o copo aos lábios — aqueles lábios cheios e que consigo
facilmente imaginar abertos, tomando meu pau, mas não bebe a água.
A garota é uma atriz na mais perfeita acepção da palavra. Ela não estava
com sede. Usou a desculpa para se acalmar.
— Fale-me sobre os outros empregos que já teve.
— Achei que já havia sido contratada, senhor. Isso ainda está em
questão?
Percebo uma centelha de medo atravessar seus olhos e me pergunto de
quê: se por conta do carro que mandamos segui-la e propositadamente
deixar ser visto para lhe dar a sensação de que corria perigo — o que não
deixa de ser verdade porque se não tivesse aceitado o emprego por bem,
teríamos que sequestrá-la — ou porque teme reencontrar os inimigos do pai
caso tenha que voltar às ruas.
Há uma outra alternativa, claro: talvez ela tenha medo do próprio
Morales.
— Você está contratada, mas eu preciso saber mais a seu respeito —
minto.
Não, eu não preciso. você é minha prisioneira e se eu estivesse pensando
com algo além do meu pau, mandaria fazer qualquer merda que fosse
desde que se mantivesse a milhas de distância de mim.
Enquanto a ouço falar sobre as habilidades de cozinheira e também na
limpeza da casa, não consigo desviar meu olhos da beleza morena, de olhos
negros.
Sierra é bonita demais para andar sozinha por um país como o nosso. O
que diabos se passa na cabeça de Morales para deixar a filha à deriva
assim?
Mesmo vestida em um jeans surrado, sandália baixa e camiseta branca,
de mangas curtas e alguns números maiores do que o corpo de proporções
delicadas pediria, ela não consegue esconder as curvas matadoras: quadris
bem marcados e cintura fina.
E não é só o corpo, o rosto dela é lindo também. Nariz pequeno, lábios
tentadores e olhos que tentam ser duros, mas que não conseguem disfarçar a
inocência.
Eu nunca tive problemas em executar meus deveres, mas mesmo com
poucos minutos com ela, pressinto que Sierra será um desafio para mim.
— Senhor? — ela chama e só então noto que me perdi completamente na
conversa.
— Pode repetir a pergunta?
Um canto de seus lábios se ergue, em um ensaio de sorriso de pura
satisfação feminina e tenho certeza de que percebeu que eu a estava
cobiçando.
— Eu quero saber a que horas gosta de jantar.
Irritado com a confusão dentro de mim, levanto-me.
— Eu não tenho horários pré-determinados, Sierra. No momento em que
eu disser que quero comer, você deve estar a postos.
Ela se ergue também e por um instante nos encaramos em silêncio. Posso
ver seu temperamento emergindo e meu pau enrijece em resposta.
Gostaria de ver todo o fogo que enxergo em seus olhos enquanto eu a
estivesse fodendo duro.
— Sim, senhor.
As palavras, que deveriam ser uma resposta subserviente, saem como
adagas e é quase doloroso conter o impulso de ir até ela, enroscar os dedos
nos cabelos cheios, inclinando sua cabeça para trás enquanto sacio o desejo
de beijar aquela boca.
De repente, um grito de criança se faz ouvir, me trazendo de volta
àrealidade.
Meu filho. O garoto que eu trouxe para ficar comigo porque é onde estará
mais protegido no meio dessa maldita guerra.
Ele chegou somente uma hora antes de Sierra e eu apenas o vi
rapidamente.
Ele me olhou com apatia, sem qualquer reconhecimento no rosto
inocente de três anos de idade. Como poderia? Essa é apenas a quinta vez
que nos encontramos.
Apesar de saber de seus pesadelos, eu nunca havia presenciado, mas o
choro que ouço agora é como ter uma faca retorcida no meu coração — um
que eu nem achava que existia.
Não é o pranto normal de uma criança, é um pedido de ajuda, um grito de
sofrimento.
Saio da biblioteca completamente esquecido da mulher que até pouco
tempo era a senhora dos meus pensamentos e sigo direto para o quarto que
destinei a ele.
Quando chego lá, vejo-o tentando se soltar dos braços da babá, uma
funcionária da Organização.
— O que aconteceu?
— Ele acordou gritando — ela responde.
Ao mesmo tempo, ouço a voz de Sierra dizer atrás de mim:
— Você tem um garotinho.
Merda! Eu não planejei isso. Uma das minhas determinações seria para
que ela se mantivesse longe do meu filho.
De repente, é como se os dois lados do meu mundo estivessem colidindo.
Como se eu tivesse perdendo o controle da minha vida.
Estou pronto para expulsá-la do quarto de Borya, mas antes que eu fale
qualquer coisa, ela se aproxima dele e estende os braços.
— O que está te deixando tão chateado, hein? Você é um meninão tão
bonito.
Por uns segundos, um silêncio sepulcral invade o quarto. Eu e a babá
observamos a interação entre os dois, principalmente porque, na hora em
que a viu, meu filho parou de chorar, restando apenas uns poucos soluços.
— Quer me contar o que houve, amor? — continua, com a voz rouca,
hipnotizante.
Surpreso, vejo meu filho se soltar da babá e correr para ela, se agarrando
em suas pernas.
Sierra se abaixa, o pega no colo e imediatamente Borya enterra a cabeça
na curva entre o ombro e o pescoço dela, abraçando-a apertado.
Meu filho aparentemente acaba de se apaixonar à primeira vista pela
mulher que tenho como missão matar.
Capítulo 13

— Você vai me dizer seu nome?


Ele balança a cabeça fazendo que não, ainda agarrado ao meu pescoço.
Estou ciente de que os outros dois adultos no quarto me observam com
atenção. Principalmente o pai.
Sim, eu sei que o senhor Popov é o pai sem que qualquer um precise me
dizer, porque o garotinho é uma fotocópia dele, tanto na cor dos cabelos
quanto nos mais bonitos olhos azuis que já vi.
Por uns segundos, fecho os meus, aproveitando o calor do abraço do
corpinho minúsculo e o cheiro característico de bebê. Há meses eu não
consigo um emprego com crianças e só agora percebo o quanto senti falta.
Os pequenos são, há anos, minhas únicas fontes de abraços.
— Acho que acordou de mau humor, né? — Ele se afasta um pouquinho
para me olhar. — Eu sou Sierra. Vou trabalhar aqui.
Novamente fico feliz por ter dado meu nome de batismo. Eu não sabia
que haveria uma criança e detestaria ter que mentir para ele.
Olho disfarçadamente para a mulher no quarto. Veste roupa branca, então
presumo que seja a babá. Onde está a mãe?
Viro-me na direção dela.
— Está na hora do café da manhã do bonitão aqui? — pergunto, mesmo
sem ter certeza de que sou bem-vinda para cuidar do garotinho. No
momento, ele é a minha única preocupação.
— O nome dele é Borya. — Estremeço ao ouvir a voz do pai.
O menino olha na direção de Fredek quando ouve o próprio nome.
— Eu tenho experiência com crianças. Não estou querendo tomar seu
emprego — asseguro à mulher —, mas ele parecia chateado e agora, parou
de chorar.
— Venha comigo — novamente é o pai quem responde.
Ele fica parado na porta, nos esperando passar, mas quando o alcanço,
diz:
— Não precisa carregá-lo. Ele já tem três anos. É pesado.
— Com todo respeito, senhor, ele poderia ter dez, se estivesse triste como
parece estar agora, eu ainda assim o carregaria.

Minutos depois, observo sorrindo enquanto Borya se lambuza todo com


um prato de cereal com leite.
Meu novo chefe está encostado no balcão da cozinha e eu finjo que não
me sinto nervosa para caramba, o que, claro, é uma mentira.
Quando cheguei a essa casa, além de toda a ansiedade que tenho
atravessado nos últimos dias, eu estava assustada, afinal de contas, ia ficar
em um lugar isolado com um desconhecido. A presença de Borya muda
tudo, trazendo alívio para o meu coração aflito.
— Está gostoso? — pergunto.
— Sim. — Ele estende a colher na minha direção e eu faço que não com
a cabeça, sorrindo.
É uma das coisas que mais amo nas crianças. A inocência e simplicidade
para resolver problemas.
Sente fome? Coma. Está com sono? Durma. Alguém encheu sua
paciência? Chore ou grite até não poder mais.
— Você tomou café da manhã, Sierra? — a babá, que agora sei se chamar
Radia, pergunta.
Estou morrendo de fome, mas com vergonha por saber que o pai de
Borya acompanha, desde que me aproximei de seu filho, cada respiração
que dou.
Será que o fato de eu ser uma estranha o incomoda? Não deveria ter
segurado o menino? Agi por instinto. Eu amo crianças.
Antes que eu possa responder, ouço sua voz de trovão dizer às minhas
costas:
— Coma e depois venha me encontrar na biblioteca, Sierra. Precisamos
conversar.
Eu só percebo que estava prendendo o fôlego quando, depois que ele sai,
solto profundamente a respiração.
— O que deseja para o café da manhã? — a mulher pergunta,
presumindo acertadamente que meu silêncio significa que estou faminta.
— Se me disser onde estão os ingredientes, eu mesma posso preparar,
afinal, será uma das minhas funções, pelo que entendi.
Ela me encara em silêncio por uns segundos, a expressão totalmente
neutra e eu não faço ideia do que está pensando, até que finalmente aponta
para uma porta.
— Ali fica a despensa. Qualquer coisa que precisar, encontrará, inclusive
carnes, no refrigerador dentro dela. Frutas, legumes e verduras serão
trazidos uma vez por semana, por um entregador. Você pode fazer uma lista
do que necessita.
Vou até onde ela me indicou e fico impressionada com o tamanho.
Despensa? Meu Deus do céu! O lugar mais parece um pequeno
supermercado!
Apesar da imensidão da propriedade e do luxo dentro da casa, até agora
eu não havia entendido completamente que estou trabalhando para um
bilionário com “b” maiúsculo, mas qualquer dúvida foi sanada neste
instante.
Enquanto procuro ovos e bacon dentro do refrigerador, fico pensando na
razão para esse homem rico vir se isolar nas montanhas com um menino.
Volto à cozinha, decidida a conseguir algumas respostas da babá e depois
de colocar os ovos em uma tigela para batê-los e o bacon em uma frigideira,
em fogo baixo, falo, para tentar iniciar uma aproximação.
— Posso preparar para você também, se ainda não comeu.
— Eu não como nada pela manhã — ela responde secamente, mas eu não
me deixo intimidar com facilidade.
— E então, Radia, o senhor Popov costuma vir aqui com Borya? É um
hábito passarem semanas nas montanhas?
Estou de costas para ela, despejando os ovos batidos junto ao bacon e ao
não ouvir resposta, volto-me para encará-la. Talvez não tenha me escutado.
— Desculpe-me. As pessoas dizem que minha voz é muito rouca.
— Eu ouvi perfeitamente sua pergunta. Só estou pensando em uma
maneira de respondê-la para que você entenda de uma vez por todas e não
insista em se meter na vida do nosso patrão.
O choque me faz abrir a boca sem conseguir falar nada.
— Eu… — começo, sem jeito pra caramba porque ela está certa, eu
estava xeretando. Preciso conhecer onde estou pisando e até agora tudo o
que sei sobre Fredek Popov é que ele é lindo. Todo o resto é uma grande
interrogação.
— O fato de que trabalharemos juntas, não faz de nós duas amigas,
Sierra. Cuide de sua parte nos serviços que eu cuidarei da minha. Poupe-me
de ter que reportar suas perguntas inadequadas para nosso empregador.
Capítulo 14

Foda-me!
Depois de meses de relatórios da babá sobre meu garoto, em que em
nenhuma maldita linha houve menção a um sorriso ou tentativa de
aproximação por parte de Borya com quaisquer das pessoas que o
cercavam, ele tinha que se encantar justamente com a filha do inimigo?
Saio da cozinha como se o próprio diabo estivesse em meu encalço, a
imagem de Sierra familiarizada dentro da casa, me assombrando.
Ela está aqui há pouco mais de uma hora apenas e já chegou causando
estrago.
Irritado, culpo-me por não tê-la impedido de me seguir quando meu filho
acordou chorando, mas não sou um homem de arrependimentos e sim de
decisões. Vou resolver isso assim que ela vier me encontrar.
Meu celular toca e vejo no visor que é Dmitri.
— Soube que sua convidada já chegou — diz, sem preâmbulos.
— Sim.
— O que pretende fazer com ela nesse tempo que passarem juntos? Acho
que nem preciso dizer que fodê-la seria a pior ideia possível.
— Por que está falando isso?
— Porque conheço você, em primeiro lugar e porque vi uma fotografia
da menina. Ela é jovem e linda, mas precisa se lembrar de onde provém a
carga genética de Sierra. Ela representa o inimigo.
Eu não sei o que me deixa mais puto, o fato dele me conhecer tão bem e
saber que Sierra é o tipo de mulher que eu sairia à caça se o cenário fosse
outro ou ouvir o que eu já sabia: que eu não posso tê-la.
— Meu problema no momento está um passo além do fato dela ser linda.
— O que aconteceu?
— Hoje mais cedo, enquanto a estava entrevistando, Borya chorou.
— Ele continua a ter pesadelos?
— Sim. Eu não sei mais o que fazer. Uma criança não pode crescer
assombrada desse jeito.
— Talvez uma psicóloga seja a solução. Sabe que temos diversas na
Organização que poderiam atendê-lo.
— Eu vou considerar isso, mas a questão agora é outra. Como eu estava
dizendo, Borya chorou no meio da entrevista com Sierra. Eu nem pensei
duas vezes e segui direto para o quarto dele. Ela veio atrás.
— Merda! Ela o viu.
— Pior. Eu não tinha a ilusão de que eles se cruzariam uma hora ou
outra, porque apesar de estar instalada na ala dos empregados, uma das
atribuições de Sierra é cozinhar e limpar a casa.
— Vai fazê-la de empregada? A garota é uma princesa de cartel, o que
equivaleria às nossas princesas da máfia.
— Você está enganado. Ela não é. Filha de chefe de cartel ou não, Sierra
é uma garota forte pelo que pude constatar até agora. Destemida e sem
frescura. Além do mais, qual seria a solução? Eu preciso de uma desculpa
para mantê-la aqui.
— Não comece a admirá-la, Leonid. Eu vou repetir: ela é o inimigo.
— Não. Ela é a filha do inimigo. Até onde sabemos, Sierra nunca viveu
em meio ao cartel.
— Caralho, que situação de merda.
— E eu nem terminei ainda. Quando Sierra me seguiu para o quarto de
Borya e o viu chorando, ela foi até ele.
— E o que aconteceu, então?
— Meu filho aceitou o chamado dela. Ele a abraçou sem nunca tê-la
visto, sendo que passou os últimos meses sem querer ir para o colo de
qualquer pessoa.
— Puta que o pariu! Não pode deixar isso continuar, Leonid. Traga-o
para mim. Tenho certeza de que Yulia pode dar conta de mais um.
— Não. Ele é meu filho e sou quem deve protegê-lo quando a guerra
começar.
— É muito arriscado mantê-la perto do garoto. Sei que acha que ela é
inocente, e pode ser verdade com relação ao cartel, mas sobre todo o resto,
Sierra é uma estranha. Não sabemos qual é sua índole. Na verdade, todas
as informações que temos sobre ela dizem mais respeito a Fernando do que
da garota em si.
— Eu torceria o pescoço dela sem pensar duas vezes se acreditasse que
pode fazer mal ao meu filho, mas meus instintos dizem que não há um só
osso maldoso em seu corpo.
— E isso tornará tudo mais difícil no fim.
Eu sei do que ele está falando: de quando chegar o momento em que terei
que matá-la.
— Sim. Vou resolver a questão. Ela não se aproximará mais de Borya.
— Yerik não deveria ter designado você para essa missão.
— Sabe perfeitamente porque ele o fez. Todos vocês estão casados agora,
inclusive Maxim e ele sabia que para que Sierra fosse uma moeda de troca
válida, ela precisaria permanecer intacta. O único em que ele poderia
confiar para cumprir esse acordo, além de um de vocês, seria eu. Mesmo
que meu dever ainda fosse seduzi-la, eu nunca a violentaria. Ele não estava
seguro de que qualquer outro membro poderia prometer o mesmo.
— Acho que a decisão do Pakhan em proteger a integridade dela tem
muito menos a ver com a negociação com Fernando Morales e muito mais
com o que aconteceu com Talassa e Lara. Certamente ele não desejaria que
o mesmo que a esposa e a amiga dela passaram fosse feito a outra mulher.
— Pode ser. De qualquer modo, não a farei sofrer além do necessário.
Quando chegar o momento, ela nem entenderá o que aconteceu.
Desligo o telefone e em poucos minutos ouço alguém bater na porta.
— Entre.
Quando a estrutura é movida, Sierra, minha prisioneira, aparece em toda
sua inocência e beleza, como uma tentação balançando bem à minha frente.
— Sente-se. — Mando e espero que se acomode. Assim que está sentada,
despejo: — Em qual parte de nossa conversa de hoje cedo estava
determinado que você poderia tocar meu filho?
Capítulo 15

Eu mentiria se não confessasse que tentei ganhar tempo antes de ir ao


encontro dele. Comi mais devagar do que o normal e depois ainda brinquei
um pouquinho com Borya, que sem medo de errar, é o que eu mais vou
gostar nesse emprego.
Quando finalmente criei coragem de procurar meu patrão, meu estômago
estava em nós.
Disfarço um tremor quando dou de cara com o senhor Popov sentado
como um rei por trás de sua mesa.
Entro na biblioteca com as mãos frias de suor e tento secá-las no jeans
porque a sensação é incômoda.
— Sente-se. — Ordena e eu mal tenho poucos segundos para obedecê-lo
antes que rosne para mim. — Em qual parte de nossa conversa de hoje cedo
estava determinado que você poderia tocar meu filho?
Eu estava esperando uma repreensão. Não sobrevivi solta pelo mundo
por todos esses anos sem saber uma coisa ou outra sobre leitura postural e a
do senhor Popov ao me ver com o filho me disse que ele não estava
satisfeito — para dizer o mínimo — com a minha aproximação com o
garoto.
Entretanto, o tom raivoso me pega de surpresa. Ele parece irado e eu não
entendo a razão. Não fiz nada além de consolar o menino.
— Eu agi por instinto — respondo, odiando ter que me justificar. O que
tem de bonito, o maldito chefe tem de arrogante.
Tento controlar meu temperamento porque não sou exatamente a pessoa
mais calma do mundo. Aliado a isso, tem o fato de que Fredek Popov me
atrai demais, o que faz a confusão de emoções dentro de mim no momento
piorar muito.
— Seu trabalho não é cuidar de Borya, Sierra. Espero que entenda de
uma vez por todas ou isso não vai…
Antes que ele complete a sentença, com o que suponho que seria a
palavra “funcionar” e que eu também possa explodir e mandá-lo para os
quintos do inferno junto ao emprego de salário milionário, ouvimos uma
batida na porta e em seguida, Radia entra com o menino no colo.
— Eu sinto muito interrompê-los, senhor, mas ele está inconsolável,
chamando o nome de Sierra.
O garoto quase pula do colo da babá quando me vê, as bochechas
molhadas de lágrimas e os braços esticados na minha direção.
Não é um pranto de manha. Já cuidei de crianças de idades diversas
antes. É um choro sofrido, doloroso mesmo e eu preciso apertar os braços
da cadeira para me impedir de ir até ele.
Ouço uma espécie de rosnado e não tenho dúvida de onde parte. Com a
reação do pai, o choro de Borya aumenta, assim como a tentativa
desesperada de sair do colo de Radia e vir para o meu.
— Console-o. — Ouço o comando do meu chefe e se eu pudesse apostar,
diria que as palavras desceram como ácido por sua garganta.
Ele que se dane. Minha única preocupação é o garoto.
Eu me levanto e vou para perto do meu novo amigo.
— O que acha de nós três darmos uma volta, hein? — pergunto antes de
oferecer colo.
O menino parece tão ansioso em vir para mim que alguma coisa se
contrai em meu coração.
O que diabos está acontecendo aqui? Quem são essas pessoas?
— Você pode ir, Radia. Eu estarei com eles. — Fredek dispensa a
funcionária.
Meu coração, que estava batendo acelerado devido à discussão que se
iniciara antes da criança chegar, começa a voltar para o ritmo normal.
— Onde podemos caminhar?
— Siga-me — ele diz, parando na porta e me esperando passar com seu
filho nos braços.
Sinto um arrepio percorrer meu corpo quando meu ombro esbarra sem
querer nele, mas faço o meu melhor para disfarçar.
No corredor, ele toma a frente e eu caminho em silêncio, a mão
acariciando os fios macios dos cabelos de Borya.
Como em um reflexo, o menino agarra uma mecha dos meus, também.
As crianças são assim. Falam sem necessidade de palavras e o que o
menininho me diz no momento é que é comigo que ele quer ficar, não
importa o que o pai pense sobre nossa recente amizade.
— Você tem cavalos aqui? — pergunto.
— Sim, há uma estrebaria à direita, por quê?
— Pensei em ir até lá com Borya para mostrar os animais.
Ele me olha, parecendo confuso pela primeira vez.
— Por quê?
— De maneira geral, crianças gostam de animais.
Um aceno de cabeça é toda a resposta que eu tenho, mas em seguida,
sinto a mão enorme apoiar a parte baixa das minhas costas, guiando-me na
direção da qual falou.
Apesar de saber que não deveria permitir aquilo, a sensação é boa demais
para mandá-lo se afastar. Entretanto, em seguida eu me lembro do bebê em
meus braços e que ele deve ter uma mãe, também, então me solto,
apressando o passo.
Meia hora depois, sou presenteada com alguns sorrisos tímidos do
menino a cada vez que nos aproximamos de uma baia. Ele não fala nada,
caminhando à minha frente, mas aponta para o animal e sorri, como se eu
tivesse lhe dado o melhor presente do mundo trazendo-o aqui.
Como aconteceu dentro da casa, sinto os olhos de Fredek me
acompanhando e meu corpo está duro de tanta tensão. Ele poderia sair e nos
deixar em paz, mas sei que não há chance disso acontecer. Ele não tem
razão para confiar o filho comigo, em primeiro lugar, então trato de me
conformar em ser verificada como se fosse uma criminosa.
Eu não levo para o lado pessoal. Se pudesse dar um palpite, acho que
Fredek Popov é assim com todo mundo. Ele não parece do tipo que tem fé
nas pessoas.
Somos dois. Para mim, tirando esse bebê em meus braços e minha nova
amiga Tulia, todos são inimigos.
Capítulo 16

Duas semanas depois

Encerro um telefonema com Maxim e minha cabeça ferve com as novas


informações que ele acaba de me dar.
Fernando Morales está morto — cortesia de Beau Carmouche-LeBlanc[27],
que mandou entregar, através de Ruslan, a cabeça do chefe dos Morales na
Fazenda[28] na Virgínia, durante uma reunião da cúpula da Irmandade.
A primeira coisa que pensei, ao invés de me sentir aliviado por a maldita
guerra chegar ao fim, foi em Sierra.
A garota que, sem que eu autorizasse, roubou o coração de Borya e que
agora, com a morte do pai dela, tem seu destino determinado: morrer por
minhas mãos.
E então Maxim veio com uma bomba ainda maior. Eles descobriram que
quem orquestrou os ataques contra nós não foi Fernando e sim, o irmão
caçula dele, que sorrateiramente iniciou um cartel pelas costas do ex-líder.
No fim, nós fizemos o que ele queria: matamos seu maior rival no México
— o próprio Fernando.
Sierra, desse modo, continua sendo um coringa, mas um que não
sabemos qual valor tem, já que, junto à novidade de que a ameaça mexicana
está longe de acabar, afinal apenas mudou de mãos, obtivemos uma nova
informação com a qual não contávamos: ela talvez não seja filha de
Fernando e sim de Isidoro, o caçula e novo líder, que de acordo com a
fonte, tinha um caso com a mãe dela pelas costas do irmão.
Assim, mesmo com a morte do chefão dos Morales, nada mudou. Ela
continua sendo uma peça chave para nós.
A garota tem se esgueirado pela casa, fugindo de mim cada vez que entro
em um ambiente em que esteja, e isso me diz que também pressente a
atração física que vem crescendo gradualmente quando nossos caminhos se
cruzam.
Eu sempre achei que a minha vida era uma linha reta. Nunca deixo
margem para erro, mas a situação atual com Sierra é tão fodida que eu nem
sei por onde começar a analisar, então, prefiro focar novamente na conversa
com Maxim.
Yerik declarou guerra em definitivo contra o cartel mexicano, assim
como quarentena.
Todas as esposas e filhos foram enviados para quartos do pânico que
mantemos dentro de nossos imóveis e foi uma sorte que Borya estivesse
aqui comigo ou a essa altura estaria sozinho com uma babá, trancado em
um cubículo.
O garoto já teve uma dose de momentos de terror em sua curta vida e
ficar dias em um espaço diminuto só pioraria a sensação de insegurança.
Saio da casa porque espaços confinados me sufocam. Eu nunca fiquei
tanto tempo em um mesmo lugar. Sou inquieto por natureza e essa vida
doméstica de ter uma mulher — que não é minha — e um menino do qual
não devo me aproximar para não tonar tudo ainda pior no futuro, não se
encaixa em meu mundo.
Mal dou dois passos para fora da residência e vejo a bunda sexy da
minha prisioneira, caminhando alguns passos à frente.
Ela veste shorts, tênis e uma camisetinha sem manga. É o “uniforme” que
usa desde o dia em que começou aqui e reparo que quando ela passa, os
guardas e os trabalhadores da fazenda ficam hipnotizados por sua beleza.
— Você não precisa segui-lo para todos os lugares — rosno, porque logo
adiante, avisto meu filho com Radia.
Ela para de andar. Eu sei que fui um filho da puta ao dizer aquilo. Sierra
tem sido atenciosa com meu menino e Borya a adora. Cada sorriso que ele
lhe dá é como uma facada no meu coração, porque eu sei que em breve, eu
a roubarei dele para sempre.
Ela se volta para me olhar.
— O senhor precisa de mim para alguma coisa?
Eu não consigo impedir meus olhos de a percorrerem inteira. Não estou
acostumado a me negar o que desejo e o que desejo é Sierra nua sob mim,
as pernas trancadas em volta da minha cintura enquanto fodo
profundamente sua boceta.
Limpo a garganta e gostaria que as imagens em minha mente pudessem
ser apagadas também, mas o tesão que sinto por ela só aumenta.
Talvez seja a fantasia do proibido — digo a mim mesmo, mas sei que é
uma mentira.
Eu poderia encontrá-la em mil cenários diferentes e ainda assim, a
desejaria. Ela é linda para caralho.
Eu percebo que tem fugido de mim porque, como eu, sabe que não
devemos cruzar a linha de chefe e funcionária. O que a garota deliciosa não
faz ideia, é que está sob o mesmo teto que seu futuro algoz.
— Não, mas como eu falei, não precisa segui-lo para todo lugar —
enfim, respondo.
— Eu não vou machucá-lo — ela diz e eu fico chocado para cacete.
— O quê?
Depois de testemunhar a interação entre Sierra e Borya, isso nem passou
pela minha cabeça. Até a menos observadora das pessoas consegue notar
que há uma amizade verdadeira entre o garoto e a minha hóspede.
Uma sensação de mal-estar fodido se espalha pelo meu peito.
Ela acha que temo que machuque meu filho, quando na verdade, sou eu
quem vai machucá-la em breve.
— Sei que não me conhece, senhor, mas eu não vou fazer mal a seu filho.
Eu adoro crianças e seu menino é uma criatura muito especial.
— Especial como?
De que modo essa garota, que nem era para estar perto dele, para início
de conversa, pode ter enxergado-o melhor do que eu, que sou o pai?
— Borya é muito inteligente. Ele adora joguinhos de montar e mesmo
que seja muito calado para a idade, baseado no que reparei em crianças do
mesmo tamanho em meus empregos anteriores, ele presta atenção em tudo
e tem o raciocínio rápido. Outro dia, como um teste, escondi uma pecinha
do jogo. Achei que ele estava distraído com o brinquedo e meu queixo caiu
quando ele levantou sorrindo e abriu minha mão para pegar a peça perfeita
para o encaixe.
Eu a ouço com atenção. Essa mulher conseguiu um progresso maior com
o meu menino do que eu em meses, embora a contribuição que eu tenha
dado não tenha passado do financeiro.
Eu não o rejeito, é meu filho e eu o quero. Morreria para protegê-lo, mas
ele não me reconhece como pai e é melhor que seja assim.
Irritado por estar em desvantagem com a garota que não é nada além de
uma estranha, devolvo da única maneira que sei: atacando.
— Sei que não machucaria meu filho. Não se trata disso. Se você sequer
tentasse, se arrependeria.
Viro as costas porque não consigo lidar com a decepção no rosto dela
após minha ameaça velada, mas estou ciente de que é o melhor entre nós.
Ela precisa me odiar. Eu não quero sua simpatia ou bondade.
Eu não mereço nada além de seu desprezo.
Capítulo 17

— Você não precisa segui-lo para todos os lugares. — Ouço a voz do


meu chefe trovejar quando estou descendo as escadas da casa da sede, com
a intenção de ir atrás de Radia e Borya.
Congelo no lugar, ainda de costas para ele, para tentar me acalmar.
Meus nervos parecem pular dentro do corpo e dessa vez não é por conta
da onda de excitação que sinto sempre que estamos perto um do outro, e
sim, porque seu tom autoritário me irrita.
O que ele acha que eu vou fazer? Sair correndo com o menino em meus
braços, raptá-lo?
Jesus!
Com o desejo de Borya de ficar comigo, passei a assumir que após
minhas tarefas do dia, que nem são tantas assim, posso brincar com ele.
Acho que nós dois vivemos um caso de amor à primeira vista porque com
pouco mais do que um par de semanas convivendo com o garotinho, eu já
posso dizer que ele tem um pedaço do meu coração.
Entretanto, não é essa a razão que me faz querer segui-los hoje e sim
porque não confio em Radia sozinha com ele.
Apesar do que ela me disse no primeiro dia — para não me meter onde
não era chamada —, eu fui cavando uma informação aqui e ali e descobri
que o menino é órfão de mãe e também que ela não está cuidando dele há
muito tempo. Mais precisamente, ela só está com ele desde o dia em que
cheguei. A babá original, segundo soube, adoeceu e não pôde vir.
Percebi que Borya não tem qualquer afinidade com ela e também que a
mulher não está muito satisfeita de cuidar do filho do chefe. Por mais de
uma vez, eu a vi ao telefone, navegando na internet e distraída em relação à
segurança do garoto. Sei, por experiência em trabalhos anteriores, que
crianças nessa idade podem se machucar em um piscar de olhos e a babá
“oficial” não parece atenta o bastante para satisfazer minha paz de espírito.
Finalmente, eu me viro para encará-lo.
— O senhor precisa de mim para alguma coisa?
Tento permanecer imóvel quando sinto seus olhos me percorrerem da
cabeça aos pés. Eu nunca tive namorados, mas não sou tola. Já precisei
escapar de vários homens ao longo da vida. Sei muito bem que tipo de olhar
é este: ele me deseja.
Ainda que eu o deteste e esse sentimento só esteja aumentando cada vez
que ele fala como se achasse que eu fosse prejudicar seu filho, não tenho
como negar que a atração física é recíproca.
— Não, mas como eu falei, não precisa segui-lo para todo lugar.
Por um instante, fico tentada a lhe dizer a verdade: que não confio em
Borya sozinho com Radia, mas qual a chance dele acreditar?
Ao invés disso, de criar inimizade e correr o risco de perder o emprego,
que no fim das contas, vai me ajudar a juntar um bom dinheiro para seguir
em busca da minha irmã e de quebra ainda permitirá que eu descanse minha
mente sempre em guarda por uns meses, resolvo contornar a situação.
— Eu não vou machucá-lo.
— O quê?
— Sei que não me conhece, senhor, mas eu não vou machucar seu filho.
Eu adoro crianças e seu menino é uma criatura muito especial.
Ele me surpreende com a pergunta seguinte.
— Especial como?
Franzo a testa, pela primeira vez considerando se ele não tem ciúmes do
filho comigo porque agora vejo, ele não conhece o menino ou ao menos,
não o entende.
— Borya é muito inteligente. Ele adora joguinhos de montar e mesmo
que seja muito calado para a idade, baseado no que reparei em crianças do
mesmo tamanho em meus empregos anteriores, ele presta atenção em tudo
e tem o raciocínio rápido. Outro dia, como um teste, escondi uma pecinha
do jogo. Achei que ele estava distraído com o brinquedo e meu queixo caiu
quando ele levantou sorrindo e abriu minha mão para pegar a peça perfeita
para o encaixe.
Eu fico encantada quando vejo um brilho de puro orgulho atravessar os
olhos dele. Talvez não seja alguém tão mau assim, apenas não sabe como
lidar com a criança.
Porém, da mesma maneira que surge, o olhar um pouco mais suave do
que o azul-gelo costumeiro, desaparece.
— Sei que não machucaria meu filho. Não se trata disso. Se você sequer
tentasse, se arrependeria.
Ele vai embora sem dizer mais nada, como se não tivesse acabado de me
ameaçar.
Por minha vez, sinto como se tivesse levado um soco no estômago.
O homem é imprevisível. Quando achei que estávamos começando a
criar uma conexão, de novo voltamos à estaca zero.
Dando de ombros, volto-me na direção em que Radia foi com Borya,
pensando que mais tarde vou tentar novamente falar com Tulia. Desde que
cheguei, não consegui mais encontrá-la e estou começando a me preocupar.
Atravesso o campo, cumprimentando alguns dos seguranças e também
trabalhadores da fazenda pelo caminho, quando de repente, um grito chama
a minha atenção.
O meu coração dispara e eu saio correndo porque tenho certeza de que
partiu de Radia.
Sou boa corredora e em menos de dois minutos, a alcanço, apenas para
sentir meu corpo inteiro tremer.
Ela aponta em direção ao riacho que corta a propriedade.
— Eu me distraí. Borya caiu na água!
Eu já estou tirando meus sapatos.
— E por que não pulou?
— Não sei nadar.
— Eu também não, cretina, mas ele é sua responsabilidade!
Minha vontade é de apertar o pescoço dela, mas a vida do garotinho é
mais importante.
Rezando a Deus para que o “nado cachorrinho”[29] que aprendi quando era
criança seja o suficiente, eu pulo na água.
Ele está perto da margem, mas grita desesperado afundando e emergindo,
os instintos de criança, graças a Deus, fazendo com que bata os braços.
— Está tudo bem — falo, assim que o tenho junto a mim, abraçando-o
forte como se minha próxima respiração dependesse dele e implorando ao
céu para que minha promessa de que ficará tudo bem seja verdade.
— Sierra… água…
— Eu sei, amor. Continue me abraçando, okay? Eu vou tentar sair.
A correnteza é mais forte do que eu supunha e preciso de toda minha
concentração de anos de sobrevivência para não entrar em pânico.
Vagamente ouço vozes ao longe, mas ambos estamos engolindo água
agora.
Por favor, Deus! Salve-o ao menos — rogo em oração e como se minhas
preces fossem atendidas, ouço um baque na água e em seguida, alguém
dizer.
— Eu peguei vocês.
Braços fortes nos envolvem e somente então percebo o quanto já estava
cansada.
— Borya… — digo, para que quem quer que esteja aqui, cuide dele
primeiro.
— Eu não vou soltar vocês dois, Sierra. Nada me fará soltar vocês dois.
Capítulo 18

Desconheço o que é sentir medo.


Não está em meu DNA temer o que quer que seja e em um primeiro
momento, quando vejo a agitação dos seguranças e dos trabalhadores, não
faço caso.
E então, eu ouço o grito de Radia e aquilo me põe em alerta.
Borya.
Eu não saberia precisar quanto tempo levo para correr na direção dela,
mas quando a alcanço, suas palavras fazem meu sangue gelar:
— Borya caiu na água. Sierra pulou atrás, mas ela me disse que não sabe
nadar.
O instinto me faz desejar puxar a faca que tenho oculta em meu tornozelo
e esfaqueá-la no coração, retorcendo a lâmina em seu corpo até que a vida
inútil se esvaia.
A única função da filha da puta era cuidar do meu filho e ela falhou.
Entretanto, resgatar meu menino e a mulher que pulou atrás dele para
salvá-lo é a prioridade agora.
Tiro os sapatos e descarto a faca antes de entrar na água. Eu vejo os dois.
Estão relativamente distantes da margem, talvez por força da correnteza.
As cabeças afundam e emergem, mas ela mantém Borya junto a si.
Para alguém que sabe nadar, o riacho não seria nada demais, mas se o
que Radia disse for verdade, Sierra não tem a menor ideia do que está
fazendo.
Nado em direção a eles e levo menos de um minuto para alcançá-los.
— Eu peguei vocês — falo, passando meus braços em volta dos dois.
— Borya… — ela geme e de novo aquela pontada estranha, inominada,
atinge meu coração.
Ela se afogaria se eu a soltasse, mas mesmo assim, manda que eu cuide
do meu filho primeiro.
— Eu não vou soltar vocês dois, Sierra. Nada me fará soltar vocês dois.
Começo a nadar de volta e preciso me esforçar para ignorar o choro de
pânico do meu filho. Temos que sair da água.
Percebo que alguns dos meus homens entraram no rio também e quando
se aproximam, ela pede.
— Solte-me. Eles podem me tirar daqui. Cuide de Borya.
Meu filho geme e eu tomo uma decisão.
— Tire-a daqui e leve-a para o meu quarto — falo, quando um dos meus
soldados segura Sierra. Em seguida, saio com Borya da água e presto eu
mesmo os primeiros socorros, verificando os sinais vitais.
Ele está consciente, mas com os olhos arregalados de medo. Ver meu
filho desse jeito é como ter uma bola de ferro revirando dentro do
estômago.
Eu o viro de lado e ele vomita um pouco de água, mas fora isso, parece
bem.
— Chame um médico — peço ao chefe da minha segurança enquanto
caminho com meu filho para dentro de casa. — Depois, cuide de Radia.
— O que devo fazer?
— Você sabe o que tem que fazer — falo em russo, para que Borya não
entenda. — Ela colocou a vida do meu filho em risco. Eu não dou segundas
chances.
Sigo direto para a minha suíte e encontro Sierra lá, de pé, no meio do
quarto. Se não fossem as roupas molhadas, ninguém adivinharia que quase
se afogou há poucos minutos.
— Você precisa tomar um banho e trocar de roupa.
— Primeiro deixe-me cuidar dele. Suponho que não vá mais deixar
aquela irresponsável tomar conta de Borya.
Ela não faz a menor ideia de que nesse exato momento, a babá
provavelmente já se despediu desse mundo.
— Não. Ela vai ter que partir. — Simplifico.
— Então eu cuido de Borya.
— Tudo bem. Eu nunca… hum… nunca dei banho em uma criança. Eu
não sei como fazê-lo.
— Achei mesmo que não tinha experiência com isso. Eu já tomei conta
de diversas crianças.
— Troque de roupa, ao menos. Há um armário no banheiro. Pegue um
roupão.
Menos de dois minutos depois, ela volta, vestida em um roupão que
caberia três dela dentro.
Eu já tirei a roupa de Borya, que mesmo com o susto que tomou, ficou
muito animado quando lhe disse que iria para o banho.
— Pode me dar ele.
Eu o entrego e meu filho agarra-se ao pescoço dela como se fosse uma
tábua de salvação.
Tiro minha camisa e meia, deixando só a calça e fico na porta do
banheiro olhando Sierra dar banho de banheira nele.
Ela conversa com meu menino e reparo que tenta simplificar o quase
afogamento, dizendo que eles tomaram um susto danado. É um método
inteligente, mas não sei se surtirá efeito. Ele parecia em pânico dentro do
rio.
Fecho os olhos por um instante, apenas agora me permitindo pensar na
enormidade do que aconteceu e que se não fosse por Sierra, meu filho
estaria morto.
Maldita Radia!
Ouço um movimento atrás de mim e quando me viro, dou de cara com
Antinko, meu braço direito.
— O médico chegará em vinte minutos — avisa.
— E a infeliz?
— Tudo resolvido, já.
Aceno com a cabeça.
Ela deu sorte de ser mulher. Se fosse homem, não teria uma morte tão
rápida. Eu passaria a noite toda torturando-o.
Ele tira um celular do bolso e me mostra.
— Ela estava trocando mensagens com o namorado, ao que parece.
— Alguém de dentro?
— Ainda não sei, mas vou verificar. Como está seu filho?
— No banho, com Sierra. Ele vai ficar bem.
Posso ver em seu rosto o que ele não expressa em palavras: como posso
deixar Borya sozinho com a filha do inimigo?
O que ele não faz ideia, é que o jogo mudou. Sierra continua prisioneira,
mas não morrerá quando tudo chegar ao fim. Terei uma conversa com
Yerik, porque nesse instante, a única forma que posso pagar por ela ter se
jogado no rio para salvar Borya será poupando sua vida.
Entretanto, não é o tipo de coisa que eu precise explicar para Antinko.
Ele é meu subordinado. É pago para obedecer, não para questionar minhas
ordens.
— Verifique a pessoa com quem a maldita estava falando. Também
preciso que você telefone para Alyana e a mande voltar.
— Ela ficará responsável pelo garoto agora?
— Não, Sierra ficará. Fanya supervisionará a relação dos dois.
Capítulo 19

— Ele terá que ficar três dias sob observação, mas não houve danos. Foi
apenas o susto. Minha recomendação é apenas por garantia, mesmo — o
médico, que atende exclusivamente a Organização, diz, balançando a
cabeça —, mas de qualquer modo, é preciso ter atenção. Ele é muito
pequeno ainda.
— Não precisamos ir à clínica? — pergunto.
Nós temos clínicas montadas em cada estado americano e que fariam
inveja em muitos hospitais de médio porte.
Dadas nossas “atividades” de risco, volta e meia alguém precisa ser
operado de emergência e não podemos dar entrada em hospitais comuns. Os
inimigos estão por toda parte.
— Não. Como eu lhe disse, basta observar se ele vai vomitar, ter dores de
cabeça ou qualquer sintoma diferente. Pelo que ele estava falando durante o
exame, repetindo sem parar que bebeu água, o problema maior será o
psicológico, muito mais do que o físico.
Como se meu filho já não tivesse merda o bastante para lidar.
Não pela primeira vez, arrependo-me de não ter ido pessoalmente cuidar
da ida de Radia para o inferno. O problema é que eu não queria tirar os
olhos do meu menino.
Quando o médico chegou, depois de ter sido banhado e trocado por
Sierra, aconteceu um estranho fenômeno: Borya, que nunca trocou mais do
que meia dúzia de palavras comigo, falou sem parar.
Ele contava em sua linguagem simples de criança que se inclinou para
pegar uma pedrinha na margem do rio, escorregou e caiu na água.
Apesar da raiva de ouvir meu filho, com somente três anos, dizer dos
riscos que correu, me peguei completamente hipnotizado pelo fato de que
estava conversando comigo, quando antes, parecia mal notar minha
presença.
Será que foi o susto pelo incidente ou o resultado do efeito Sierra? Eu
reparei que ele está se tornando mais e mais dependente dela, o que só vai
complicar as coisas. Mesmo que eu resolva a questão dela junto a Yerik, a
garota não será uma constante em minha vida.
— E se acontecer um desses sintomas? — pergunto.
— Telefone-me imediatamente.
Ele é do Wisconsin porque também temos médicos em cada estado, mas
eu não vou dar chance ao azar.
— Não. Você dormirá aqui na fazenda nos próximos dias. Disse-me que
Borya precisaria ficar em observação. Enquanto não lhe der alta, você não
vai a lugar algum.
É a primeira vez que nos encontramos, mas ele sabe com quem está
lidando porque vejo uma centelha de medo se espalhar por suas feições.
— Sim, senhor. Eu só preciso avisar a minha esposa.
Depois que ele se afasta no corredor, eu volto a entrar no quarto.
Ele examinou Sierra também e agora ela está na cama, recostada na
guarda com Borya em seus braços. Ela lhe diz algo baixinho — uma
história, talvez? — e ele parece atento, segurando uma mecha de seu
cabelo.
— Oi — ela fala e só então percebo que estavam olhando para mim.
A cena doméstica me pega de surpresa. Eu já os vi juntos outras vezes,
mas testemunhando a ligação entre os dois agora… apenas nesse instante
percebo a profundidade com que meu filho se apegou a ela.
— Vem — meu filho diz, esticando a mão para mim.
— O que ele quer? — pergunto a Sierra.
— Ele entende tudo o que você diz, então pergunte a Borya. — Ela me
instrui e nesse instante fico agradecido porque me sinto perdido.
— O que você quer? — repito, dessa vez me dirigindo a ele.
— Não vai embora.
Ele me quer por perto?
— Eu não vou a lugar algum — respondo, mas meu filho continua com a
mão esticada para mim.
Quando ainda não me movo, ele se solta do colo de Sierra e vem até onde
estou, se agarrando às minhas pernas.
Eu me abaixo e o encaro. O menino sou eu em criança. Até mesmo o ar
desconfiado. Nesse instante, entretanto, ele me quer.
Eu não estou acostumado a carinho, então, hesitante e sem saber se estou
fazendo aquilo direito, abro os braços para ele.
Como fez com Sierra no primeiro dia, Borya se agarra ao meu pescoço e
pela primeira vez, eu me permito dar um abraço no meu filho.
A sensação é diferente de tudo o que já experimentei.
Traz calor ao meu peito e me faz sentir vivo. Borya é um pedaço de mim.
Um pedaço inesperado, não planejado, que precisará que eu o proteja e
cuide até que possa fazer isso sozinho.
Talvez para sempre, mesmo depois de se tornar um adulto.
Eu não faço planos para o futuro porque para qualquer pessoa com o tipo
de atividade que tenho, ele é incerto, mas me pego nesse instante desejando
ter um em que possa ver meu filho se tornar um homem.
— Você não está com sono? — pergunto.
Ele balança a cabeça, dizendo que sim. Depois, aponta para Sierra na
cama.
Ela fica de pé, como se estivesse sem jeito.
— Não — Borya diz, acho que percebendo que ela pretende ir embora.
E então meu filho surpreende-me, estendendo uma mão para ela também.
Eu me levanto com ele nos braços e me aproximo da mulher que deveria
ser minha inimiga.
— Acho que ele quer que fiquemos ambos com ele até que adormeça —
Sierra diz, baixinho. — Está com medo de ficar sozinho.
A última parte é falada em apenas um mover de lábios.
— Ele não vai ficar confortável dormindo nos meus braços.
— Por que não pergunta a ele?
— Hey, você não prefere dormir sozinho na cama, amigo?
Meu filho balança a cabeça, fazendo que não.
— Os três — responde fazendo o número com os dedinhos.
— Já sabe contar? — pergunto, tendo certeza de que estou segurando um
gênio em meus braços.
— Você não tem ideia de como crianças de três anos são inteligentes.
Eu já me troquei e estou descalço, de jeans e camiseta, então me deito na
cama, imitando a posição na qual Sierra estava anteriormente.
Borya segura o meu dedo polegar com uma das mãos e com a outra, volta
em direção à sua protetora.
— Vem — chama.
Ela se senta na beira cama e aceita a mão dele.
— Seja um menino bonzinho e descanse, está bem? Amanhã nós vamos
brincar. Agora, precisa dormir.
A voz dela é, ao mesmo tempo, doce e de comando. Até mesmo eu fico
tentado a obedecer. Não relaxo na presença de estranhos, nem mesmo com
minhas parceiras sexuais, mas me pego fechando os olhos, enquanto tranco
os braços em volta do meu filho.
— Não pode ficar a noite inteira sentada aí. Deite-se na cama — exijo.
Volto a encará-la e percebo que ainda não se moveu.
— Venha — repito o que meu filho falou há pouco e ela finalmente se
acomoda, ainda de mão dada com o meu menino.
Capítulo 20

Acordo com a mão de Borya ainda presa à minha e quando abro os olhos,
vejo que a luz do abajur está acesa e que estamos só nós dois.
O garotinho dorme de barriga para cima e se formos levar em conta o que
passou mais cedo, é um milagre que esteja bem ao ponto de conseguir
descansar.
Ponho a mão em frente ao seu nariz para sentir a respiração porque sou
excessivamente preocupada com tudo e quando confiro que está bem,
levanto-me, tentando fazer o mínimo de barulho possível.
Quando entrei aqui hoje, estava tão nervosa com os acontecimentos que
nem reparei no aposento. Agora, já um pouco mais calma, olho à minha
volta somente para conferir que o quarto se parece exatamente com o dono:
obscuro.
A madeira dos móveis tem aparência maciça, pesada, entretanto, a
mobília é limitada. Há somente a cama enorme, que deve ser super king
size, duas mesinhas de cabeceira, uma cômoda e uma poltrona, o que
combina com ele. Algo me diz que por debaixo daquela roupagem de
homem rico, Fredek seria do tipo que sobreviveria com muito pouco. Há
algo de primitivo, selvagem nele.
Ele parece poderoso, invencível. Não imagino nada capaz de abalá-lo, a
não ser o garotinho à minha frente.
Foi a única vez, desde que cheguei, que o vi demonstrar emoção.
Saio do quarto e vou até o de Borya, pegar a babá eletrônica. Depois de
posicioná-la na mesinha de cabeceira do lado em que ele está, recolho
minhas roupas molhadas no banheiro da suíte e ando até o meu próprio
quarto. Fico surpresa quando chego lá e não encontro nenhuma das minhas
coisas. Ao invés disso, há um bilhete em cima da cama:

“Senhorita García, seus aposentos agora são ao lado do pequeno


Borya.”

O jeito formal com que está escrito me faz perceber que foi um dos
guarda-costas ou um funcionário da fazenda quem fez a mudança.
Dou de ombros, sem me importar. Já dormi em todo tipo de lugar, então,
se eles acham que mereço um upgrade, não discutirei.
Quando chego no novo quarto, entretanto, acho que estou sonhando. Ele
é quase tão grande quanto o do dono da casa, porém, muito mais decorado,
com móveis de madeira clara e roupa de cama e tapetes cor-de-areia. Há até
mesmo um closet!
Preciso tirar o roupão que peguei emprestado do meu chefe. Estou nua
por baixo dele e mesmo com a situação apavorante que passamos, isso é
muito inadequado.
As roupas já estão todas nos cabides e cômoda.
Visto lingerie, um jeans e camiseta, mas ao invés de descer direto para
comer alguma coisa, pego a babá eletrônica e sigo para o banheiro.
Fecho a porta e me sento no chão, como sempre. Deixo a cabeça cair
entre os joelhos e só então permito que a emoção que venho guardando
desde a hora em que vi Borya dentro da água, venha à tona.
Lágrimas que eu não permito há anos que escapem, agora escorrem sem
controle.
Eu não sei por quanto tempo choro, mas quando olho no relógio, vejo
que já são sete da noite, então sei que preciso descer para servir o jantar
para o pai do meu amiguinho.
Lavo o rosto e aplico um pouco de maquiagem nos olhos para disfarçar o
inchaço porque não quero que Fredek pense que estou confundindo as
coisas ao me envolver emocionalmente com algo que deveria ser apenas
meu trabalho.
Não foi para isso que vim e sim para conseguir descansar da minha vida
louca, sempre correndo, sempre fugindo. Desde que cheguei a essa casa,
tenho conseguido dormir ao menos seis horas por noite, o que é um recorde
absoluto.
Embora meu sexto sentido me avise para tomar cuidado com Fredek,
contraditoriamente, eu me sinto segura aqui.
Talvez o problema seja muito menos com ele do que comigo. Sou eu
quem não consegue controlar minhas reações hormonais quando estou perto
do meu chefe.
Além disso, a maneira como ele nos resgatou hoje e todo o amor, talvez
mesmo sem notar, que demonstrou pelo filho, o fez subir no meu conceito.
Como é possível me sentir atraída por alguém com quem antipatizo?
Ou talvez não seja antipatia, mas sim porque meu instinto avisa que me
envolver com alguém como ele fará com que eu saia quebrada do
relacionamento.
Depois de prender o cabelo em um rabo de cavalo, vou novamente ao
quarto em que Borya está e confiro que dorme como quando o deixei.
Lembro-me da criatura irresponsável que deveria ter tomado conta dele
hoje e que ao invés disso, provavelmente estava mexendo no maldito
telefone.
Eu nem gosto de pensar no que poderia ter acontecido se eu tivesse
chegado apenas minutos depois.
Desço até a cozinha e fico feliz por ter deixado o jantar pronto antes de
sair para ir ao encontro do menino, hoje mais cedo.
Tiro o stroganov[30], que é um prato russo que aprendi ontem, feito com
cubos de carne cozida e misturado a um creme de leite azedo chamado
smetana. Li que é servido com purê de batatas, então preparei o
acompanhamento também.
Coloco tudo no forno para esquentar.
A cozinha da fazenda é o sonho de qualquer amante da culinária, com os
equipamentos mais modernos que se possa imaginar.
Por falta de tempo e raramente estar em um mesmo lugar por meses
seguidos, acostumei-me a uma alimentação rápida e não muito saudável,
então fico feliz de poder me sentar a uma mesa e fazer uma refeição
completa, como tem acontecido desde que cheguei aqui.
Coloco pratos, copos e talheres na sala de jantar, onde servirei a refeição
do meu chefe e também arrumo a bancada da cozinha para mim.
Depois de conferir que a temperatura do forno está baixa para não correr
o risco do creme do stroganov talhar, respiro fundo para criar coragem de ir
ao encontro do homem que me fascina e amedronta em igual medida.
Eu sei onde encontrá-lo: na biblioteca que ele usa como escritório. Ele
trabalha lá o dia inteiro. Desde que cheguei, nunca o vi relaxando,
aproveitando o sol lá fora, sozinho ou na companhia de Borya.
Por que será que pai e filho não são próximos?
Foi comovente ver o menino querendo-o por perto na hora em que estava
com medo e meu chefe também pareceu desejar ter o filho em seus braços.
Quem sabe agora que vou cuidar de Borya, eu consiga criar uma ponte
entre os dois? Crianças são sensíveis e sentem se são ou não queridas,
embora eu ache que o problema seja falta de jeito, não é que ele não deseje
o filho.
Respiro fundo e ergo a mão, me preparando para bater na porta.
Cada encontro com Fredek Popov me deixa com os nervos à flor da pele.
Capítulo 21

— Eu soube do que aconteceu — Yerik fala em uma videochamada.


Dessa vez, estamos apenas nós dois porque o que temos que conversar é
algo que nunca imaginei fazer.
— Sim, já foi tudo resolvido, embora ainda não saibamos quem era a
pessoa com a qual Radia estava trocando mensagens de texto.
— Não era o namorado?
— Não, mas Antinko já está atrás para descobrir. O que quero falar com
você não tem nada a ver com Radia, e sim, com Sierra.
— Eu já imagino o que seja e a resposta é não. Em qualquer outro
cenário, Leonid, eu atenderia seu pedido, mas ela é a filha do inimigo. —
Ele pausa, parecendo cansado. — Ela continua sendo a filha do inimigo,
mesmo que Fernando esteja morto. Presumo que Maxim falou com você
sobre a possibilidade da mãe ter dormido com o irmão dele, Isidoro. Assim,
ela ainda é o nosso coringa.
— Eu não estou fazendo um pedido, estou exigindo um pagamento em
troca de ter salvado a vida de Innessa há dois anos.
Eu jamais tive a intenção de cobrar aquilo. Innessa, a filha mais velha de
Yerik, é família e eu morreria por ela sem hesitar.
Há cerca de dois anos, ela quase foi atropelada na saída de um
restaurante. Até hoje não sabemos se foi algo encomendado, mas
assumimos que sim. O fato é que fui o único a ter o reflexo rápido o
bastante para me jogar por cima dela, rolando na calçada e impedindo que
fosse atingida.
Vejo por sua expressão que ele sabe o que estou fazendo e o quanto me
incomoda trazer aquilo à tona.
— É tão importante assim pagar essa dívida com Sierra?
— Você me diz: mataria alguém que salvou a vida do seu filho?
Ele não precisa responder. Nós dois sabemos que não. Somos forjados na
mesma forma. Ambos assassinos frios e sem coração, mas não no que diz
respeito à família.
E aqui, há um passo além. Há honra envolvida.
Eu sou aquele que não tem consciência, mas jamais poria fim à vida da
mulher responsável por meu filho continuar respirando.
— O que pretende fazer, então?
Solto o ar, respirando aliviado.
— Eu não tenho um plano ainda, mas qualquer que seja, me assegurarei
de que Sierra não conte nada sobre nós.
— Isso é impossível.
— Até onde sabemos, ela não é a maior admiradora do pai — respondo.
— Além do mais, todo mundo tem um preço.
— E você sabe qual é o dela?
— Sim.
— Do que está falando?
— Sierra é obcecada para descobrir qual destino foi dado à irmã mais
velha, que desapareceu há alguns anos.
— Sim, eu fui informado a respeito. Sabe que as chances de que esteja
viva são nulas, né?
— Provavelmente sim, mas acho que depois de tantos anos, ela quer mais
uma resposta do que qualquer outra coisa.
— Ela deve ter sido vendida para um cartel rival ou coisa pior.
— Também pensei sobre isso, mas nesse caso, por que não pegaram a
filha legítima de Fernando? Juana era apenas a enteada.
— Certo, faça o acordo com ela, mas não prometa o que não pode
cumprir. É quase certo que a irmã dela esteja morta.
— Talassa e Lara sobreviveram.
Vejo seu maxilar contrair e sei a razão. Até hoje, passados tantos anos,
ele não gosta de lembrar que a esposa foi vítima de tráfico humano.
— Elas não são regra — diz. — Agora, independentemente de qualquer
coisa, encontrando a irmã dela ou não, Sierra será sua responsabilidade
para sempre, Leonid. Se algum dia ela nos trair, a Organização vai colocar
isso na sua conta.
Sei que estou assumindo um risco fodido, mas nunca fui de recuar e não
vou começar agora.
— Ciente. Continue me dando notícias sobre o progresso com relação ao
cartel. Estou me sentindo como um animal enjaulado.
— A quarentena durará apenas até que tenhamos certeza de onde
estamos pisando. O fodido do Isidoro é ainda mais louco do que Fernando
e no momento, sabemos muito pouco do novo cartel. De qualquer modo,
não pode sair daí por conta da sua hóspede. Agora, me fala sobre Borya.
Meia hora depois, ainda estou sentado à minha mesa, olhando sem ver o
tabuleiro de xadrez montado à minha frente.
Fui campeão em criança. Até hoje, tenho por hábito jogar sozinho
quando quero pensar e quanto mais eu penso, mais chego à conclusão de
que oferecer o acordo sobre Juana não será suficiente. Precisarei usar de
outro meio para garantir o silêncio de Sierra: a sedução.
Eu nunca me empenhei em conquistar uma mulher porque nunca precisei
me esforçar para isso, mas fazer com que ela se apaixone por mim é a
maneira mais segura de tê-la sob o meu domínio.
Aliado à busca por Juana, isso a manterá ligada a mim para sempre.
Não é o que procuro — um relacionamento a curto ou longo prazo, quero
dizer —, mas eu sei que posso manejar isso. Ela não será a primeira e nem a
última mulher a se apaixonar por mim.
Trate-as como se fossem únicas e elas morrerão por você.
Como se adivinhasse que estou pensando nela, ouço duas batidas na
porta antes que se abra.
— Oi. Eu deixei a babá eletrônica monitorando Borya. Vou comer
alguma coisa. Não está com fome?
Eu não estou, mas as rodas do meu plano têm que começar a girar, então
eu me levanto e ando em sua direção.
— Estou faminto.
Observo suas pupilas dilatarem, o que me excita.
Agora que a barreira que me impedia de tê-la — o fato de que teria que
matá-la em um futuro próximo — foi retirada de pauta, posso enfim ceder
ao desejo de foder esta mulher linda. No fim das contas, assegurar o
silêncio de Sierra vai ser muito prazeroso.
Capítulo 22

Antes de ir à cozinha, fui verificar Borya. Ele continua dormindo


normalmente e depois de conferir se a bateria da babá eletrônica estava
carregada, fui ao encontro da minha… hóspede? Vítima? Eu não tenho uma
maneira apropriada de chamar Sierra ainda.
Quando chego, ela está de costas, tirando algo do forno e reparo que
tem prato e talheres postos na bancada, provavelmente para si mesma.
— Eu coloquei a mesa para o senhor… — diz, provavelmente
porque me ouviu entrar.
— Você — corrijo-a, excitado com o nervosismo que ela demonstra.
— Eu coloquei a mesa para você na sala de jantar.
— Ia comer aqui?
— Sim, como sempre.
— Não. A partir de hoje você come comigo.
Ela pousa uma tigela fumegante sobre o fogão e vira-se para mim.
— Olha, sei que está agradecido por eu ter pulado na água para
salvar Borya, mas…
— Não é apenas por isso que eu quero que jante comigo.
— Não?
— Não.
Vejo quando engole em seco.
— Por que, então?
— Você faz perguntas demais, Sierra. Se fosse uma boa menina,
deveria dizer somente “sim, senhor”.
Sua postura endurece.
— Sim, senhor.
Para provocá-la, continuo:
— Bem melhor. Agora, sirva-nos. Onde prefere comer? Eu posso
me sentar aqui, se achar melhor.
— Em qualquer lugar, “senhor” — diz, soltando a última palavra
como um rosnado, mas eu não dou a mínima, porque no fim, consegui o
que eu queria.
Eu a ajudo com uma das travessas e quase sorrio quando a vejo
colocar o próprio prato na outra ponta da mesa. Sierra acha que isso a
protegeria de mim?
Sim, porque sei que é isso o que está procurando: proteção contra a
atração que sentimos.
— Eu não vou atacá-la — falo, minutos depois de nos sentarmos.
Ela tinha acabado de dar um gole na água e engasga.
— Perdão? — pergunta, se fazendo de desentendida.
— Ouviu perfeitamente. Eu disse que não vou te atacar… hoje, ao
menos.
— Eu não sei que tipo de jogo estamos jogando, senhor Fredek.
— Leonid. Fredek é meu nome do meio.
— Por que não constou do nosso contrato?
— Temos um longo jogo de perguntas e respostas pela frente,
Sierra, mas não hoje. Agora, diga meu nome.
Eu não estou disposto a revelar demais, mas ao menos posso ouvir
meu maldito nome verdadeiro saindo da boca dela ao invés de um pelo qual
ninguém me chama.
— Leonid — ela repete —, eu não sei que tipo de jogo estamos
jogando.
— Coma, Sierra. E durante nosso jantar, gostaria que me contasse
sobre sua família.
Ela solta o garfo com um estrondo.
— Por quê?
— Estou tentando conversar. Não é natural que eu queira saber
sobre seus parentes?
Ela é desconfiada e minha resposta parece acalmá-la.
Sierra não consegue disfarçar o alívio. Será que tem ideia de como é
transparente para mim? Ela se acha o ás no disfarce, mas é apenas uma
garota.
— Sou órfã de pai e mãe — começa.
— E irmãos?
— É um interrogatório?
— Parece um?
— Você mal falou comigo nas duas primeiras semanas em que
estive aqui. Por que quer saber detalhes da minha vida privada agora?
— Eu mudei de ideia.
— E quanto a mim? Sou obrigada a mudar de ideia também? E se
eu ainda te achar insuportável?
— Sempre fala assim com os seus chefes?
— Ah, voltamos ao papel de chefe e empregada?
— Não, fique à vontade para me dizer o quanto me detesta, Sierra,
mas nós dois sabemos que o que sente, que é algo contra o que ambos
estamos lutando, tem outro nome.
Ela abre a boca para falar, mas como se pensasse melhor, coloca
uma porção de comida entre os lábios carnudos.
— É uma via de mão dupla esse jogo de perguntas? — fala, um
instante depois.
— A mãe dele está morta — respondo, me antecipando.
— Eu sei. Radia… hum… deixou escapar. Não era sobre isso.
Infeliz de boca grande!
— E o que quer saber, então?
— Por que parece que vocês dois não são muito íntimos um do
outro?
— Porque não somos. Eu só soube que tinha um filho há um par de
meses. No dia em que a mãe dele morreu, para ser mais preciso.
— Oh! Eu não quis ser enxerida.
— Mas foi.
— Jesus, você é grosseiro!
— Direto, apenas. Acabaram suas perguntas?
— Por ora, sim.
— Minha vez. Por que mentiu seu sobrenome ao se candidatar ao
emprego?
A cara de espanto que faz me deixaria com pena, se eu conhecesse
tal sentimento.
— Como sabe disso?
— Acha que eu deixaria que convivesse com meu filho se não
tivesse virado sua vida do avesso? — blefo.
Sierra não faz a menor ideia de que a conheço quase tão bem quanto
ela a si mesma.
— E sabendo que eu mentia, ainda assim me contratou?
— Não são muitas as pessoas dispostas a virem para esse fim de
mundo.
Ela acena com a cabeça, mas não tenho certeza se comprou minha
mentira. Além do mais, não há nada tão grave no passado dela. Ou há?
— Vamos ficar muito tempo aqui? Dois meses, segundo Tulia me
disse, né? — ela foge completamente do assunto e eu resolvo deixar para lá
por agora.
— Aham.
Pela primeira vez em sua presença, eu me sinto desconfortável com
aquela parte da conversa porque uma coisa é omitir fatos que ela ainda não
pode saber, como por exemplo, que é minha prisioneira, outra diferente é ter
usado uma de nossos membros para se aproximar dela, ganhando confiança.
Afeto também, segundo os relatos da soldado.
— Como as coisas vão funcionar, agora que Radia foi mandada
embora?
— Fanya, que você conheceu naquele primeiro dia em que chegou
aqui, ficará responsável por cuidar da casa. Borya será sua responsabilidade
a partir de agora.
— Tudo bem. Tem alguma regra especial em relação a ele?
— O básico. Cuide do meu filho como se fosse seu e você
continuará viva.
Ela não sorri, talvez entendendo que apesar de eu ter dito aquilo
como uma piada, sabe que no fundo estou falando sério.
Recosto-me na cadeira para observá-la.
Sierra é uma contradição.
Jovem, linda e um tanto selvagem, mas quando se olha mais
profundamente para ela, percebe-se que já sofreu.
— Fale-me sobre sua família — peço porque quanto mais eu souber
da extensão de seu amor por Juana, mais armas terei para usar.
— Eu só tenho uma irmã. Algumas pessoas diriam que ela é meia-
irmã porque não somos filhas do mesmo pai, mas na verdade ela é tudo para
mim: melhor amiga, confidente. Tudo.
O jeito quase infantil com que ela declara aquilo é tocante. Uma
pena que terá que se decepcionar quando eu finalmente descobrir o que
fizeram com a irmã, porque eu apostaria um braço que a garota está morta.
— E onde está ela?
— Desaparecida. Ela saiu um dia e nunca mais voltou. Estava
cruzando a fronteira e… — ela narra os fatos que eu já sabia, mas não são
em suas palavras que estou prestando atenção, e sim, na expressão corporal.
Há tanta dor emergindo conforme ela vai contando todos os anos em
que saiu em busca da garota que só então consigo ter uma real dimensão de
seu sofrimento.
Capítulo 23

— Você me contou além do que perguntei. Por quê?


— Eu não sei. Talvez porque estivesse precisando desabafar. Não se
preocupe. Eu não o considero um confidente e nem nada — diz com ironia
e um canto de sua boca se ergue.
Ela está me dando abertura. Tornando ainda mais fácil jogar.
— Por que não? Poderíamos ser amigos.
— Não parece um bom material para amigo. Sem ofensa, senhor.
— Eu não me ofendo fácil. E um protetor? Estaria interessada?
— Isso parece coisa de sugar daddy. Você nem é tão velho assim.
Jesus, ela é muito atrevida. Uma delícia.
— Não tão velho assim, né?
— Quantos anos tem?
— Trinta e seis.
— Pois é, vamos esquecer essa coisa de protetor. É muito novo
ainda, Leonid.
Eu dou um gole no vinho e me pergunto se não deveria afastar a taça
dela, mas pretendo dormir com Borya hoje, então vou permitir que ela
relaxe depois do dia de merda que tivemos.
Eu acabei de conferir o monitor e meu filho está dormindo
tranquilamente ainda.
— Você sabe em que tipo de jogo está entrando, Sierra?
— Eu não sei se estou entendendo — dissimula.
— Já acabou?
Ela concorda com a cabeça, mas antes que se levante vou até onde
está.
Ofereço a mão para trazê-la de pé, junto a mim e apenas esse
primeiro contato de nossas peles faz meu sangue ferver.
— Entendeu, sim, mas não acho que tenha a menor ideia do que seja
se envolver com alguém como eu.
Não que eu pretenda recuar. A sedução e em seguida, a paixão, é a
única alternativa para não ter que matá-la. Se ela não for minha em algum
nível, ainda que seja uma das tantas amantes que mantenho sem
compromisso, sua vida não valerá nada. Qualquer um da Organização
poderá eliminá-la, mesmo sem o consentimento de Yerik.
— Alguém como você? Rico, quer dizer?
— Quem está jogando com quem agora?
A despeito de ter se mantido longe do pai, Sierra é uma sobrevivente
e longe de ser ingênua. Em pouco mais de duas semanas aqui, é claro que
notou que a fazenda é uma fortaleza, cercada de seguranças armados por
todos os lados. Em que planeta um empresário regular mora em um lugar
assim?
Não, Sierra vê além. Ainda que não diretamente, ela cresceu em
contato com o mal. Poderia cheirar o mal de longe, eu apostaria. Ela sabe
que não sou o mocinho dos contos de fadas.
— Eu tenho bons instintos. Você não me machucaria.
Não, linda. Você tem o poder de prever o futuro, porque a ideia ao
te trazer para cá era nunca mais deixá-la sair. Somente o acaso conseguiu
mudar o seu destino.
O desejo de sentir o corpo pequeno e curvilíneo em minhas mãos é
quase doloroso, mas eu me mantenho parado como um predador à espreita.
Agora que sei que ela será minha, não há porque ter pressa. Algo me diz
que ter Sierra será o equivalente a experimentar uma bebida rara,
incomparável.
Percebo o pulsar em seu pescoço. Ela está tensa, ansiosa, sedenta
como eu. Nunca senti uma atração tão poderosa por uma mulher.
Dou um passo, quase colando nossos corpos agora e ela me olha de
baixo para cima porque a diferença de altura entre nós é absurda.
— Acha que tem bons instintos, Sierra?
Surpreendendo-me mais uma vez porque apesar de jovem, a mulher
seduz sem fazer força, suas duas mãos vêm para o meu peito. Minha pele
queima no local em que está tocando e eu quero tirar a camisa e segurá-la
pelo cabelo para que arraste aquela boca deliciosa em minha carne.
— Sempre tive, mas com você, estou começando a ficar com
dúvidas.
— Então mudou de ideia? Acha que eu te machucaria?
Ela ergue os olhos para mim.
— Acho que você seria capaz de machucar alguém, mas não acho
que queira me machucar.
O choque de suas palavras me deixa sem resposta.
Ela está certa. Mesmo antes do que aconteceu hoje mais cedo, eu
não queria machucá-la. Eu queria mantê-la como amante.
— Você também está sentindo — falo, porque a atração sexual entre
nós é explosiva.
Ela acena com a cabeça, concordando.
— Sim. Eu quero fugir, ir para longe, mas também quero
experimentar — diz.
— Experimentar o quê?
Enrosco dois dedos em uma mecha de seus cabelos e ela acompanha
o movimento. Eu achei que pararia por aí, por essa noite, mas não é
suficiente. Eu quero sentir a pele que parece seda, então passo as costas da
mão por sua bochecha.
Ela não se move, os olhos dilatados de desejo. O fluxo de tensão
entre nós me mantém preso como que em uma corrente de energia. A força
com que a quero é visceral.
Eu quero deixá-la nua sobre a mesa de jantar e devorá-la inteira.
Chupar e lamber cada pedaço.
— E se eu disser “tudo”? — pergunta, de forma corajosa.
Passo o braço em volta da cintura dela, puxando-a para a rigidez do
meu corpo.
— Então eu vou te dar tudo, Sierra, mas não vai ser rápido. Eu vou
passar muito tempo provando você.
A boca entreabre, esperando por mim e nesse instante, eu tenho
certeza de que meus planos foram para o caralho.
Eu quero esses lábios cheios entre meus dentes. Ensiná-la a chupar
minha língua enquanto me monta duro.
Sinto a quentura de sua carne, o encurtamento de sua respiração,
mas exatamente naquele fodido instante, meu celular toca.
Caso o interlocutor fosse qualquer outra pessoa, eu o ignoraria sem
pensar meia vez, mas é o toque de Ruslan e quando ele telefona, nunca é
uma boa notícia.
Como se conseguisse ler em meu rosto que o nosso momento
terminou, ela recua, dando um passo para trás.
— Eu vou tirar a mesa e verificar Borya.
Aceno com a cabeça, concordando.
Ela retira os pratos sem me olhar, parecendo envergonhada.
— Você quer que eu durma com ele? — pergunta.
— Não precisa. Vá descansar. Eu fico com meu filho.
Ela vira as costas e sai da sala de jantar sem olhar para trás,
enquanto eu pego meu celular para atender o homem que é como um pai
para mim.
Capítulo 24

Subo para o quarto onde Borya dorme, com as pernas bambas.


Meu Deus do céu, o que acabou de acontecer?
Eu achei mesmo que seria capaz de jogar de igual para igual com
um homem como ele? Nem posso colocar a culpa no vinho, pois mal dei
dois goles daquela bebida deliciosa.
Talvez tenha sido o fato de jantarmos pela primeira vez a sós, ou o
que aconteceu hoje mais cedo, ou até mesmo o conjunto da obra. O que sei
é que eu não me reconheço quando estou perto dele.
Leonid.
O nome combina muito mais do que Fredek.
É forte e ousado.
Não acho nada demais não ter me dito o nome verdadeiro. Quem
sou eu para questionar o fato de alguém querer esconder a própria
identidade? Ele é muito rico e deve ser um pouco paranoico com relação à
privacidade.
Abro a porta do quarto de Borya e fico parada no alpendre por um
instante, admirando o pequeno.
É incrível como em tão pouco tempo de convivência eu já me sinto
ligada ao garotinho.
E ao pai dele — uma voz avisa.
Haveria alguma chance de um relacionamento entre nós? Sempre
fugi dos homens, mas jamais me senti tão atraída por um, como me sinto
por meu chefe.
Ele mal me tocou e ainda assim, fez minha pele vibrar como se
fosse um músico cuja especialidade é enlouquecer todas as células do meu
corpo.
Eu fiquei trêmula e entregue e o homem quase nem encostou em
mim.
Pela primeira vez, desejo não ter que ir embora de um lugar. Aqui,
com Borya e o pai dele, eu me sinto fazendo parte de um todo, por mais
louco que isso seja, já que mal os conheço.
Aproximo-me da cama e sento-me na beirada, pensando no que
descobri hoje: não só eles não se conheciam, como o menino perdeu a mãe
há pouco tempo.
Como deve ser para uma criança tão pequena chegar na casa de
alguém que é praticamente um estranho e, ao mesmo tempo, ter que aceitar
que nunca mais verá a mãe?
Passo a mão pela bochecha macia e ele sorri em seu sono inocente.
Pobre garotinho. Se para um adulto já é difícil se adaptar a tantas
mudanças, imagine para uma criança.
Depois de dar um beijo na testa dele, pego a babá eletrônica extra
apenas para o caso de Leonid demorar demais no telefonema ou se distrair
ao ponto de não verificá-la.
Assim que chego ao meu quarto, tiro o celular da gaveta para
resolver uma outra questão que vem me preocupando: o paradeiro de Tulia.
Ela me disse que estava indo de volta para casa para ficar com o pai,
mas desde que nos conhecemos, nunca ficou tanto tempo sem dar notícias.
Depois que o telefone chama cinco vezes sem resposta, resolvo
jogar a sutileza para o inferno e envio uma mensagem no meu estilo “pé na
porta”.
“Eu vou te dar até amanhã de manhã para entrar em contato comigo.
Se não o fizer, vou colocar a polícia de todo o país à sua procura.”

É um blefe, claro. A última coisa que preciso é chamar a atenção das


autoridades, mas ela não sabe disso.
Ando até o banheiro da minha nova suíte e encho a enorme banheira
em formato oval.
Tiro a roupa, deixando-a no chão e depois de usar quase um terço de
um pequeno vidro de sais de banho de flor de laranjeira, testo a água, e em
seguida, entro.
Somente quando a água quente abraça todo meu corpo, relaxando os
músculos instantaneamente, é que percebo o quanto estava tensa e esgotada.
Eu não sou muito de rezar, mas hoje antes de dormir, vou fazer uma
oração em agradecimento pela vida de Borya. Eu não conseguiria lidar com
a perda dele. Eu me sentiria para sempre responsável e agradeço a Deus por
ter sido rápida o bastante.
Cerca de cinquenta minutos depois, com a água já fria e a pele um
tanto enrugada, eu me levanto da banheira e enrolo uma das enormes
toalhas brancas e felpudas em volta do corpo.
Quando ando até a cômoda para pegar um pijama, ouço o som de
chegada de mensagem do meu celular.
Vou até a cama pegar o aparelho e sento-me na cama aliviada,
quando confirmo que é de Tulia.

T: “Nada de polícia, senhora. Estou viva.”

“Eu vou te ligar agora e trate de me atender.”

Envio a mensagem sabendo que estou agindo como uma irmã mais
velha chata, mas não posso fingir que não me preocupo com ela. Não tenho
tantas pessoas assim em minha vida atualmente e as que tenho, não quero
perder.
Dessa vez, ao som do segundo toque, ouço sua voz do outro lado.
— Oi. Eu não quis te preocupar.
— Mas o fez assim mesmo — digo, dispensando a sutileza. — É
dona do seu nariz e não quero ser a amiga chata, mas custava ter enviado
uma mensagem dizendo: “okay, estou bem?”
Jesus, ela não é problema meu. Por que simplesmente não posso
deixar para lá? Por que tenho que me preocupar tanto com toda pessoa que
se torna próxima?
Mas eu sei a resposta: eu já perdi demais. Minha mãe, minha irmã.
Os poucos que eu deixo alcançarem meu coração tenho um cuidado quase
que obsessivo.
Eu me culpo por não ter acompanhado Juana no dia em que ela
desapareceu. Ela me chamou e eu disse que preferia ficar em casa lendo. Já
me perguntei diversas vezes se tudo seria diferente se eu estivesse junto.
Pelo menos tenho a certeza de que meu pai tentaria nos procurar.
Fecho os olhos, afastando o pensamento inútil. Não se pode mudar o
passado, não importa quanto o desejemos.
— Sinto muito, Sierra. As coisas ficaram um pouco enroladas por
aqui.
Sua resposta me chateia ainda mais. Eu odeio “desculpas”. Na vida,
tudo é uma questão de prioridade. Ela não atendeu ou respondeu as
mensagens porque não quis.
De repente, me dou conta de que posso ter criado, em minha
carência, uma amizade unilateral e resolvo lhe dar abertura para, do mesmo
jeito que entrou na minha vida, partir.
— Eu não vou te ligar mais, Tulia. Acho que vi mais do que
tínhamos. Fique em paz e cuide-se. Quanto ao seu emprego, pode ficar
tranquila. Assim que a temporada nas montanhas terminar, irei embora.
Sou uma idiota porque a despedida, mesmo de alguém que nem tem
tanta relevância assim na minha vida, me magoa. A verdade é que estou
cansada de ser sozinha.
— Sierra — ela chama e depois pausa. — Vai ser melhor assim.
Devemos cada uma seguir o próprio caminho.
Depois ela desliga sem se despedir e eu sacudo a cabeça, me
achando a imbecil mais carente do mundo.
Seco a droga de uma lágrima que teima em cair.
Não tem problema. Eu posso continuar sozinha na minha estrada.
Não preciso de alguém do meu lado.
Entretanto, mesmo tentando me convencer daquilo, sei que é uma
mentira danada. Eu quero uma vida normal. Quero amigos e família. Quero
minha irmã outra vez ao meu lado.
Eu quero tudo.
Capítulo 25

— Como estão as coisas por aí? — o ex-Pakhan e avô de Yerik e


Grigori pergunta quando atendo.
— Preciso mesmo dizer? Perdeu seus super poderes? Achei que
fosse onipresente.
— E onisciente, não se esqueça. Sim, eu já sei de tudo o que
aconteceu hoje. Foi uma sorte ter uma garota tão corajosa à mão.
— É além disso, Papa[31]. Ela não sabia nadar. Sierra se arriscou pelo
meu filho quando pulou naquele rio.
— Sim, foi algo raro. Ainda mais que convive há pouco tempo com
ele. Mulheres assim são difíceis de se encontrar.
Não é tanto o que ele diz, mas seu tom o que me põe em alerta.
Ruslan não fala nada aleatoriamente e eu quase posso ver as engrenagens de
seu cérebro funcionando.
— Yerik me falou que vai conceder o perdão a ela.
— Há tanto coisa errada nessa sentença que eu nem sei por onde
começar. Ela não precisava de perdão algum, para início de conversa. Sierra
sempre foi uma peça em nosso jogo.
— Às vezes acontece, Leonid. Já deveria saber disso.
Não há razão para discutir sobre aquilo. Na verdade, só estou puto
porque agora a conheço melhor, mas não sou hipócrita. Se eu não tivesse
me envolvido diretamente com Sierra através de Borya, eu cumpriria o trato
inicial com Yerik e a mataria quando chegasse a hora. Não importa o quanto
ela me atraiu desde o começo, eu fiz um juramento ao entrar para a
Organização. Ela só não está acima da família. Com relação a todo o resto,
é prioridade.
— Já foi tudo acertado, agora, mas talvez eu vá precisar de sua
ajuda.
— Eu sei. Foi justamente a razão de eu ter ligado. Você tem que
encontrar a irmã da sua menina.
— Sierra não é nada minha… por enquanto.
— Mas pretende que seja?
— Sabe que sim. A única maneira de protegê-la contra outros
membros da Organização será tornando público que temos um caso.
— Dentro da Irmandade, sim.
— O que isso significa?
— Já considerou o que acontecerá quando os membros do antigo
Los Morales ou mesmo Isidoro, que não sabemos se é tio ou pai da garota,
descobrirem que se tornaram amantes? Se não, eu vou te dizer: ela andará
com um alvo nas costas. Mesmo que a pegue para uma de suas
“namoradas”, não conviverão. Mais cedo ou mais tarde, vão atrás dela.
Ela será considerada uma traidora e a farão de exemplo.
O cenário que ele pinta é fodido, mas muito real. Se depois de se
tornar minha amante, Sierra for pega por membros de um dos cartéis, e nem
precisa ser de um cartel que tenha relação com a família dela, seu fim será
grotesco.
Apenas pensar naquilo me faz ter vontade de matar alguém.
— Eu vou protegê-la.
— Concordo que depois do ato de bravura salvando o pequeno
Borya, Sierra merece proteção. Há uma outra solução que seria melhor
para todos.
— Qual?
— Você precisa dela apaixonada e calada. É a única alternativa ao
invés de “silenciá-la” para sempre.
— Sim.
— E pelo que demonstrou hoje pela manhã, ela deve ser muito
afeiçoada a seu filho.
— Acho que foi um caso recíproco de amor à primeira vista.
— Borya precisa de uma mãe. Não das diversas amantes que você
tem, mas de uma mãe de verdade, que o ame e proteja quando você não
estiver por perto. De onde vejo, já tem a solução em suas mãos, Leonid.
— Está sugerindo que eu me case com a filha do inimigo? Com a
herdeira de um cartel mexicano?
— Estou aconselhando-o a se casar com uma mulher que salvou a
vida do seu filho e que o fez prioridade em detrimento da própria vida.
Você tem uma dívida com ela e por isso, não pode matá-la. Sejamos
realistas: nunca poderia deixar Sierra partir. Mesmo agora, que ela não
sabe de nada, ainda assim, sabe o bastante para implicar nossa
Organização em uma porrada de problemas. Fique com ela, faça da garota
sua esposa e uma mãe para seu filho. Assim, você honrará sua dívida de
gratidão e ao mesmo tempo, garantirá que nunca o traia.
O mais fodido nem é o que ele fala, mas porque cada palavra faz
sentido. Mesmo que eu a leve para a cama, se não fizer dela minha mulher
oficialmente, ela será um alvo fácil. Além do mais, não tenho como garantir
que não me delatará e se acontecer, alguém da Irmandade a eliminará.
— Eu não estava pensando em me casar… no momento.
Ele ri.
— Você não estava pensando em se casar nunca, meu filho. Não sei
como não é meu descendente, porque se há algo que temos em comum é o
gosto por belas mulheres. O fato é que chega uma hora que todos nós
temos que assentar.
— Eu preciso pensar a respeito.
— Não se sente atraído por ela?
— Não é isso. Ela é linda e eu teria que estar morto para não desejá-
la, mas não posso envolver meu filho em um esquema para beneficiar a
Organização.
— Não será para beneficiar a Organização, Leonid. A Irmandade
sobreviverá não importa quais pontas tenhamos que aparar — diz e sei que
não é uma ameaça, e sim, um fato. A única maneira de tornar Sierra
intocável é fazendo-a minha.
— Como eu disse, vou pensar a respeito. Agora, voltando ao
assunto da irmã de Sierra, eu não faço a menor ideia de onde começar a
procurar o corpo, mas presumo que esteja no México.
— E tem tanta certeza de que ela está morta?
— Estou sendo realista, me baseando em estatísticas.
— Nenhuma estatística é absoluta. De qualquer modo, já estou
verificando. Beau talvez inclusive já tenha uma pista.
— Vai envolvê-lo novamente?
— Ele sempre esteve envolvido, filho, vocês só não estavam prontos
para admitir ainda.
Capítulo 26

Eu desligo o telefone e não me movo, a mente processando sem


cessar as palavras de Ruslan.
O que ele me sugeriu que faça com relação a Sierra é casar-me por
conveniência, resolvendo, com uma só jogada, duas questões — poupar a
vida dela e ao mesmo tempo, dar uma mãe para o meu menino.
Normalmente, eu analisaria com calma cada ponto, mas há algo que
eu preciso fazer primeiro. Mesmo com todos os riscos envolvidos, eu não
poderia nem considerar tomar Sierra como esposa se não tiver certeza de
que somos compatíveis sexualmente.
Eu pretendia levar tudo com mais lentidão. Uma sedução planejada,
mesmo que esse não seja o meu estilo. Entretanto, Ruslan tem razão. Se a
deixar sem um rótulo oficial, estarei condenando-a à morte, seja pela
Irmandade, seja pelas mãos dos cartéis mexicanos.
Subo as escadas devagar, sabendo que cada passo está me levando
em direção a uma estrada sem retorno. Antes de ir até o quarto, no entanto,
vou ver meu filho.
Quando me aproximo da cama, noto que ele deitou-se de bruços, um
braço embaixo do travesseiro, e chutou o edredom para longe —
exatamente como gosto de dormir.
Borya parece em paz em seu sono inocente, mas eu me pergunto o
quanto seu curto passado o marcará para a vida.
A mãe dele, Tammy, foi uma mulher com quem saí somente um par
de vezes. Ela desapareceu e eu sequer sabia que estava grávida.
Acho que nem ela tinha certeza sobre quem era o pai, ou não teria
tratado meu filho do jeito que tratou.
Um dia, eu recebi um telefonema de Ruslan, que me jogou aquela
bomba no colo: eu provavelmente era pai.
Como descobriu aquilo, eu não faço a menor ideia, mas não duvido
nem por um segundo que ele sabe tudo da vida dos netos, esposas e
bisnetos, como também daqueles que vivem ao redor de Yerik e Grigori.
Apesar de ter descendentes espalhados pelo mundo inteiro, não é
segredo que Ruslan tem seus favoritos: o Pakhan[32], o Conselheiro[33] e o neto
irlandês, Lorcan[34].
Sim, a merda da ironia da vida é que temos uma espécie de paz não
declarada com Cillian[35], o chefe do Sindicato, por conta desse parentesco
inesperado.
O fato é que quando Ruslan me contou sobre Borya, eu mandei que
meus homens fossem até o apartamento em que Tammy morava e pegassem
o que encontrassem lá que pudesse ter sido usado por ele. Trouxeram uma
escova de cabelo infantil, mas disseram que não havia sinal do garoto.
O resultado positivo chegou em menos de quarenta e oito horas e eu
não pensei duas vezes antes de ir conhecer meu filho. O pouco que me
lembrava da mãe de Borya, não me agradava. Foi uma das poucas parceiras
com quem não saí mais do que duas vezes porque era louca demais.
Ainda não entendo como engravidou. Desde que perdi a virgindade,
aos quatorze anos, sou muito atento ao uso de preservativo, o que me deixa
com duas opções: ou foi uma falha, o que duvido porque o sexo com ela
nem foi tão intenso assim e terminou no momento em que descobri que
usava drogas ou então, ela fez de propósito, com vários parceiros e no fim,
nem sabia quem era o pai.
De qualquer modo, eu me testei como faço a cada três meses, e não
há nada de errado comigo.
No dia em que cheguei na casa dela, para ser sincero, a intenção
inicial era apenas ver meu filho. Conhecê-lo, precisamente. Eu não tinha
ideia do que faria depois, já que nunca considerei a possibilidade de ter uma
família.
Nada me preparou para a cena de terror que presenciei.
Toquei a campainha do apartamento em um edifício caindo aos
pedaços. Meus guarda-costas já haviam esvaziado os corredores repletos de
dependentes químicos caídos pelo chão.
Tammy parecia um cadáver, de pé na porta, os ossos das omoplatas
aparentes. Mal conseguia manter os olhos abertos. Eles estavam
congestionados, provavelmente pela última dose de entorpecentes que se
aplicou.
Eu fiquei louco e entrei, totalmente indiferente aos seus gritos para
que recuasse.
A conversa que se seguiu foi rápida.
— Onde está meu filho?
— Ele não é seu!
— Não brinque comigo. Eu acerto uma bala entre seus olhos sem
perder o sono por isso. Mostre-me o garoto ou prometo que vai se
arrepender.
Eu não sei se foi o nervosismo ou a quantidade de drogas, mas
segundos depois, ela desmaiou.
O apartamento era minúsculo e eu não demorei a encontrá-lo.
Aperto os olhos quando me lembro da primeira vez em que o vi.
Borya estava dormindo, imundo de fezes e urina, trancado em um
armário.
Não havia nada além de um cobertor no chão e uma garrafa com
água.
Quando o peguei para levar ao banheiro para lavá-lo, ele mal
respondia e eu temi que estivesse morrendo.
Um dos meus homens, que tem crianças, o banhou, mas eu não
encontrei qualquer roupa limpa, então o enrolei em uma toalha, disposto a
levá-lo para longe daquele inferno.
Antes, mandei que se certificassem de trazer conosco todas as
drogas e seringas que encontrassem, mas na hora em que estávamos saindo,
ela acordou.
Tammy começou a gritar e isso despertou Borya também. Apesar de
resmungar palavras incompreensíveis, ele se agarrou ao meu pescoço
quando a mãe se levantou para tentar tirá-lo de mim.
— Recue — eu disse, deixando implícito qual seria seu destino se
ela não obedecesse.
— Você não terá mais acesso a ele!
— Está enganada. Você é que não terá. Chegue perto do meu filho
outra vez e não vai viver para ver o sol nascendo no dia seguinte.
— Se levá-lo, eu vou me matar.
— Eu não dou a mínima.
Dois dias depois, já com o registro da criança em andamento, ela foi
encontrada morta dentro de casa, uma seringa injetada no braço.
Eu não me pronunciei sobre aquilo com Yerik, mas sei que Tammy
não se matou. Não havia drogas no apartamento e na condição em que
estava, ela não tinha forças para sair para conseguir.
Acho que foi obra do ex-Pakhan. Ruslan, para muitos, é um monstro
e se tem algo imperdoável para ele, é um pai ou mãe que não ama ou honra
o próprio filho.
Eu não sou hipócrita. Fiquei satisfeito que aquela infeliz não possa
mais causar nenhum dano a Borya. Se vivesse e tentasse fazê-lo, eu teria
que matá-la, de qualquer modo.
A quem estou querendo enganar? Eu a mataria se o diagnóstico do
pediatra que examinou Borya tivesse acontecido antes do corpo dela ter
sido encontrado.
Ele estava com desidratação e inanição severas. Tem os ossos e
dentes frágeis para uma criança de sua idade por não consumir as vitaminas
necessárias. Precisou de uma semana, mesmo se alimentando direito, para
conseguir ficar de pé e havia marcas de espancamento em seu corpo.
Ruslan fez um favor para ela se de fato a matou. Eu não teria sido
tão misericordioso.
No início, eu pretendia trazê-lo para ficar comigo, mas apenas nas
últimas duas vezes em que nos vimos antes dele vir para cá, Borya esteve
em minha presença sem gritar o tempo todo.
Em nosso quarto encontro, ele finalmente sentou-se e ficou me
encarando. Eu lhe disse que era seu pai, mas nem mesmo assim ele falou
comigo. Só conversamos de fato depois do quase afogamento hoje.
A babá me dizia que ele sonha com a mãe. Acorda gritando seu
nome.
Quando crescer, terei que dizer a verdade: que eu deixei aquela filha
da puta à própria sorte, mas que eu mesmo teria tido prazer em ter posto fim
à vida dela.
Capítulo 27

Ouço, através da babá eletrônica, a porta se abrindo na suíte de


Leonid.
Eu não estou conseguindo conciliar o sono e mesmo sabendo que
não deveria ir até lá, levanto-me e dou a mim mesma a desculpa de que vou
conferir Borya.
A porta não está fechada e por um instante fico sozinha, no escuro
do corredor, observando o homem poderoso velar o sono do seu garotinho.
Eu não vejo seu rosto, mas adivinho que está tenso, por conta de sua
postura rígida. O que será que está pensando? Provavelmente no que
aconteceu hoje cedo. Ele conhece o filho há poucos meses apenas e hoje
poderia tê-lo perdido.
Solidariedade se espalha pelo meu peito.
Nesse instante, ele não é um homem que me deixa louca somente
com um olhar, mas um pai, provavelmente agradecido por ter tido mais uma
chance.
Entro devagar no quarto para não acordar Borya e apesar de ter
certeza de que Leonid me ouve, ele não se move, como que esperando.
Ele me lembra um felino. Uma fera, na verdade. Quem o observar
rapidamente não perceberá a agressividade latente escondida sob a camada
de beleza e sofisticação, mas eu não olho as pessoas, procuro enxergá-las
também.
Sem pensar no que estou fazendo, coloco a mão em seu ombro e
aperto de leve.
Ele se levanta tão rápido que dou um passo para trás. Não acho que
o tenha assustado, mas é que Leonid é assim mesmo, sempre em alerta.
Quando estamos frente a frente na penumbra do quarto, sinto calor
se espalhar por meu corpo inteiro. Seu olhar em mim é faminto, como se
quisesse me devorar.
O movimento seguinte me pega desprevenida. Em um segundo,
estou sobre meus pés e então, braços fortes me suspendem, puxando-me
para a solidez dos músculos poderosos.
Ele caminha comigo para fora do quarto e não deixa de me olhar. É
meio hipnotizante a maneira como me encara. Como se tivesse certeza de
que mesmo que eu quisesse, não poderia desviar de seus olhos.
Encosta a porta quando chegamos no corredor e me imprensa contra
a parede. Eu sinto sua quentura mesmo através das nossas roupas. Ambos
estamos febris.
Então é assim que sente quando se permite sentir desejo? Quando o
medo da entrega, de confiar, é completamente sobrepujado pela força com
que quero suas mãos e boca em mim?
Eu suspiro em seus braços, ansiosa, mas sem saber como dar o
passo seguinte.
O ar está carregado de eletricidade. Tensão e desejo brincam em
igual medida dentro de mim e enquanto uma voz no fundo da minha mente
me avisa que deveria levar em conta o que ele disse mais cedo, sobre o que
significaria me envolver com alguém do seu tipo, eu opto por manter a
prudência guardada e atender as necessidades mais urgentes.
Eu quero demais o toque dele para recuar agora. Não me lembro de
já ter desejado tanto algo em minha vida e quando finalmente sua mão
enorme se emaranha em meu cabelo, eu me derreto, gemendo, ansiosa.
Ele é todo grande, bruto, como um jogador de rugby. Sua pegada
acompanha a solidez do corpo, determinada em sua demanda.
Ele não me segura frouxo, e sim, como se não quisesse que eu me
afastasse nunca mais.
Não há um universo à nossa volta, a única certeza é que preciso dele
me segurando assim, roubando meu juízo, a bendita razão que sempre me
acompanhou a cada passo da minha vida.
Há troca de calor entre nós. Respirações se confundindo enquanto os
olhos de um estudam o outro.
Eu não estou sozinha nessa loucura, tenho certeza. Sei que Leonid
deve ser experiente, mas sei também que eu não sou seu tipo de
relacionamento regular.
Lambo os lábios, esperando, e ele rosna.
O beijo pelo qual tanto ansiei é muito além do que qualquer coisa
que eu poderia ter sonhado.
Ele não ensaia. Já no primeiro contato, me toma, devorando-me
inteira.
Lábios e dentes não pedem permissão, eles exigem minha rendição
enquanto a língua dura, rude, invade minha boca em uma demanda que faz
o centro das minhas coxas pulsar.
É um beijo que entrega tudo e mesmo em minha inexperiência, sei
que ele me quer inteira, sem proteção, sem vacilar.
O contato é libidinoso, sexual e as batidas do meu coração são tão
fortes contra o peito que temo que ele possa ouvi-las.
Eu nunca experimentei esse tipo de necessidade. Já fiquei com
alguns rapazes, mais por curiosidade do que por desejo, mas os mornos
beijos trocados, algumas carícias por cima da roupa, aliadas à minha
desconfiança natural, nunca me fizeram querer ir um passo além. Se for me
dada a oportunidade agora, no entanto, quero rasgar as roupas dele,
aprender a beijar seu corpo do jeito que gosta, para que ele continue me
entregando aqueles urros baixos, um tanto animalescos, cada vez que subo e
desço em seu eixo duro, protegido pelo jeans.
Ele mói contra meu sexo, me deixando notar a rigidez. É enorme,
largo e somente senti-lo assim faz minha necessidade aumentar.
Puxo sua camiseta para cima, sem ter certeza do que estou fazendo,
além de que preciso mais de sua pele contra a minha.
Ele emite um som másculo, rouco e seu aperto em meu cabelo
aumenta.
— Eu quero te foder gostoso. Nunca me neguei nada e me mantive
afastado de você quando tudo o que eu queria era provar essa boceta e te
fazer gozar na minha língua.
Eu estremeço pela crueza das palavras, mas cada célula minha quer
que ele cumpra a promessa. Pela primeira vez, anseio em esquecer o medo e
me permitir apenas ser mulher.
A mulher dele.
Ainda que por um curto período, por um tempo roubado, eu quero
saber como é ser a mulher dele.
Capítulo 28

Sou um homem com vasta experiência sexual. Dificilmente algum


da minha idade levou mais mulheres para a cama e não estou falando só de
trepar, mas de foder gostoso.
Entretanto, eu subestimei o efeito que Sierra tem sobre mim.
Credito a loucura com a qual me sinto tomado no momento em
nome da contenção que me autoimpus desde que a vi, mas eu sei que essa é
uma desculpa de merda.
O que acontece entre nós, essa química poderosa, luxúria em seu
estado mais puro, não é algo que se encontra a cada esquina.
É fome. Violenta e selvagem.
Incontrolável.
Sigo para o quarto dela e fecho a porta com o pé depois que vejo
que uma das babás eletrônicas extra está na mesinha de cabeceira.
Fui quem mandou que ela fosse transferida para cá para poder ficar
mais próxima a Borya.
Eu a coloco no chão, no meio do aposento e sigo para acender a luz.
— Eu… — ela começa.
Está envergonhada, percebo, mas não há maneira de que eu vá fodê-
la no escuro. Sou totalmente visual e por nada nesse mundo vou deixar de
admirar cada pedaço do corpo delicioso de Sierra.
— Quero ver você, linda. É tímida?
— Eu não sei o que sou, para ser sincera — responde, de maneira
enigmática.
Depois de acender a luz, dou um passo para perto.
— O que isso significa?
— Acho que não sei muito sobre mim mesma, ainda.
Como assim não sabe muito sobre si mesma? Tem pouca
experiência? Nunca sentiu prazer? Qualquer que seja a resposta, até o dia
amanhecer, o problema estará sanado.
Eu a encaro, tentando decifrar o que está pensando. Se antes eu a li
com facilidade, agora parece estar falando através de um código secreto.
Eu sei que ela é jovem, mas Sierra tem uma personalidade forte, é
decidida e não leva desaforo para casa, como bem mostrou hoje durante o
jantar.
Nesse instante, porém, ela parece o que realmente é: uma garota.
— Você quer isso?
Tudo nela me mostra que sim, mas talvez por conta da razão dela
estar aqui na fazenda, eu me sinta compelido a lhe dar uma saída.
— Pararia se eu pedisse?
Ela tem alguma dúvida disso?
— Eu nem comecei ainda, Sierra. Sou um filho da puta de mais
maneiras que você possa supor, mas nunca forcei uma mulher.
— Eu acredito — diz e pausa. — Eu quero… tudo com você.
Ela parece inocente e insegura. Normalmente, isso me esfriaria
porque estou acostumado a parceiras experientes, mas com ela, tudo, até
mesmo a hesitação, eleva meu desejo ao ponto da loucura.
Eu me aproximo até que recue contra a parede.
— Tire a camiseta para mim.
As mãos agarram a barra, mas percebo que estremece. Resolvo
empatar o jogo e puxo a minha pela cabeça.
Como esperava, seus olhos ficam presos às minhas tatuagens. Assim
como todos os membros da Organização, eu sou todo tatuado, à exceção do
pescoço, rosto e mãos.
Hoje mais cedo, quando fiquei sem camisa, ela provavelmente
estava tão nervosa por conta do episódio no rio que nem prestou atenção.
Agora, entretanto, seria impossível ignorar.
Ela pode ter crescido longe do pai, mas há algo comum em todas as
organizações criminosas: o simbolismo de cada tatuagem.
Posso ver por sua expressão o quanto está confusa. Qualquer dúvida
que pudesse ter a respeito do que sou, provavelmente foi eliminada agora.
— Quem é você, Leonid?
Tiro minha calça, deixando somente a boxer.
— Alguém com quem meninas como você não deveriam sair.
Ela estremece.
— Vai me machucar?
— Não. Vou te proteger para sempre.
— Eu sei me cuidar.
— Não duvido, mas mesmo assim, nunca mais estará por sua conta
própria apenas.
— Eu não entendo.
— Fique nua para mim, Sierra. Não quero conversar nesse
momento. Eu quero você. Por ora, esqueça quem sou. Quem somos.
Prenda-se somente ao fato de que nunca desejei tanto uma mulher na minha
vida.
Eu me afasto e espero.
Fascinado, vejo-a descer o jeans pelos quadris generosos. Quando se
abaixa para tirá-lo completamente, os peitos, mal cobertos por um sutiã de
renda, quase pulam, enchendo minha boca de água.
— Você não é o herói — ela diz quando volta a ficar de pé.
Não há crítica em sua voz ao afirmar aquilo, apenas aceitação.
Tudo o que resta sobre a pele dourada escura é o conjunto de
lingerie branco, simples, mas que para mim é a coisa mais sexy que já vi.
— Heróis não existem. Qualquer um que diga para você que é seu
salvador, desconfie. Sempre terá que salvar a si mesma no final.
— Mas acabou de dizer que me protegeria.
— E vou, mas meu poder é externo e limitado pelo seu querer. No
fim, dependendo da decisão que tomar, estará escolhendo entre a desgraça
ou a própria salvação.
Ela balança a cabeça de um lado para o outro, como se tentasse se
livrar dos próprios pensamentos.
— Eu também não quero conversar agora, mas apenas te dizer que
eu não confio fácil. Não prometo confiar em você amanhã quando eu
acordar, Leonid, mas nesse instante, estou lhe entregando tudo.
Suas palavras me atingem de maneira inesperada, principalmente
porque sei que são verdadeiras.
Uma ponta de consciência me diz que deveríamos conversar antes,
porque qualquer envolvimento a partir de agora criará uma confusão fodida,
mas eu já passei do ponto de recuar e volto a me aproximar dela.
— Eu não vou te machucar.
— Hum… sobre isso, há algo que eu preciso contar. Eu nunca fiz
isso antes.
Franzo a testa, encarando-a, ao mesmo tempo em que tento entender
a declaração.
— Foder de luz acesa?
Ela morde o lábio inferior, parecendo envergonhada e minha
confusão aumenta.
— Do que você está falando, Sierra?
— Estou tentando te explicar, para que não se decepcione, que
nunca fiz sexo antes.
Eu a encaro, esperando que diga a qualquer momento que foi uma
piada.
Ela não o faz.
Ao invés disso, me olha de volta, parecendo ansiosa.
— Você é virgem?
— Sim. Eu nunca senti vontade de me entregar até agora.
Capítulo 29

— Não precisa me dizer o que acha que eu quero ouvir — falo, meio
puto, porque tenho certeza de que ela não está falando sério. — Não sou um
babaca machista. Eu não espero que seja intocada.
Seus olhos se arregalam, as emoções desfilando pelas lindas feições.
Confusão, timidez e, finalmente, raiva.
Ela dá um passo para trás e cruza os braços sobre o corpo, em uma
tentativa de proteger-se dos meus olhos, aparentemente.
— Você é tão arrogante! Acha mesmo que eu diria que sou virgem só
para tentar bancar a inocente? Só temo não saber o que estou fazendo,
caramba!
Caralho, ela está falando sério.
— Por que comigo, então? Por que se entregar a alguém como eu?
Ela ergue o queixo.
— Por que não? Você me atrai. Não sei se algum dia me sentirei desse
jeito novamente. Eu quero experimentar.
Um toque. Somente uma prova dela — digo a mim mesmo, me
aproximando.
Tudo em mim manda recuar porque existe uma quantidade fodida de
problemas a serem resolvidos entre nós dois, mas Sierra é irresistível. É
como se eu estivesse sob algum feitiço.
Observo o corpo curvilíneo e ao mesmo tempo, delicado.
Ela é perfeita. A mulher mais bonita com quem já estive.
Sexy, combativa, doce e inocente. Eu estou preso, enredado em todas as
suas contradições.
Nesse momento, ela parece despida de armaduras. Os cabelos negros
caem soltos sobre a frente do corpo, escondendo-a parcialmente de mim.
Seguro seus braços, soltando-os de sua frente e ela puxa uma respiração
profunda, as pupilas dilatando-se.
A beleza dela é do tipo que faria um homem cometer loucuras e eu me
pergunto como conseguiu se manter intocada em suas andanças pelo
mundo.
Sierra é uma solitária, como eu. Aprendeu a ser autossuficiente, a se
proteger, no entanto, está aqui agora, despida de corpo e alma para o
inimigo.
Deixo os dedos percorrerem seu pescoço e ela estremece em resposta.
Aproximo a boca da carne macia. Eu a cheiro e depois, deixo minha língua
deslizar na pele quente e, nesse momento, arrepiada de tesão.
Eu tomo sua boca em um beijo lento dessa vez e minhas mãos vão para
suas costas, para abrir o sutiã.
Meu pau está inchado, rígido de antecipação, o que é uma novidade, dada
a quantidade de sexo que já tive ao longo da vida. Com ela, eu me sinto
como um adolescente ansioso para provar a namorada, embora não haja
qualquer traço de inexperiência em mim e que Sierra não tenha um papel
claro em minha vida, ainda.
Acaricio seus mamilos simultaneamente com meus polegares, enquanto
aprofundo o beijo. Ela geme dentro da minha boca e empurra o corpo em
minhas mãos.
Ela quer mais. Está excitada, necessitada, demandando o próprio prazer.
Escorrego uma das mãos por seu abdômen, os dedos pairando sobre a
calcinha. Eu pressiono de leve, na altura do clitóris, apenas o suficiente para
causar um choque de desejo, mas quando ela fica na ponta dos pés, tentando
montar minha mão, eu rasgo a lingerie em uma puxada.
Ela ofega contra meus lábios, mas não tenta se afastar enquanto meus
dedos tateiam por entre os lábios encharcados de sua boceta. Quando meu
polegar resvala pela primeira vez o clitóris duro, ela geme alto.
— Tão molhada — digo, mordendo sua boca. — Você quer muito que eu
coma essa boceta, né?
Penetro um dedo com cuidado, para não machucá-la e seu sexo se abre
como uma flor úmida. Meto devagar, mas com constância, iniciando um vai
e vem suave para fazê-la se acostumar, ao mesmo tempo em que circundo o
clitóris com o polegar.
Ela se agarra aos meus braços, as unhas fincadas com força na pele,
gemendo e pedindo por mais. Sem que eu mande, a boca gostosa beija meu
peito, a língua lambendo minha carne dura.
Estou hipnotizado pelo rosto lindo, observando as nuances de seu prazer
enquanto seu corpo me aceita dentro de si.
A respiração encurta, tornando-se ofegante e sei que é hora de levá-la
para a cama. Por mais que eu a queira aqui mesmo, de pé e se
desmanchando sem qualquer apoio além do meu corpo, é a primeira vez
dela. Uma experiência importante para uma mulher, eu acho.
É o último traço de racionalidade em mim. No momento em que a levo
para a cama, todo meu corpo vibra de desejo. Estou faminto por sentir o
gosto dela.
Eu a deito bem no centro, sobre o edredom e puxo suas coxas sobre meus
ombros.
— Olhe enquanto eu como sua boceta.
Ela se apoia nos cotovelos, parecendo envergonhada e desejosa a um só
tempo.
Afasto os lábios do seu sexo com os dedos e começo a chupá-la devagar,
mas contraditoriamente, deixando minha língua chicotear o clitóris sem
piedade.
Ela se remexe, mas pouso a mão em seu abdômen para mantê-la como
quero.
Mamo o botão duro e a fodo de leve com um dedo, parando algumas
vezes para sugar os lábios inchados de seu sexo.
Ela choraminga meu nome e não demora muito para gozar em minha
boca. Eu não paro. Estou sedento e só ela pode me dar o que preciso.
Eu me alimento de seu mel e acho que nunca terei o suficiente. Ela é uma
delícia. Cheirosa e doce.
Tento cavar qualquer resquício de autocontrole dentro de mim, mas meu
desejo por ela é selvagem.
Lambo sua boceta uma e outra vez, dando-lhe mais dois orgasmos. As
mãos trêmulas seguraram meu cabelo com força por todo o tempo, os
quadris erguendo-se para a minha boca em um oferecimento sensual.
— Diga que quer isso — falo quando me afasto para pegar o
preservativo.
— Eu quero.
— Fale, Sierra. Com todas as letras — ordeno.
— Eu quero você.
— Sou o inimigo — declaro.
— O meu inimigo?
Estou duro, o pau inchado batendo contra o abdômen, mas ao menos isso
eu posso entregar-lhe: um vislumbre da verdade.
— Não. Do seu pai e do que ele representa.
Para minha surpresa, ela se ergue e ajoelha-se à minha frente.
Como uma tentação doce, pecado e pureza juntos naquele corpo e rosto
lindos, ela me encara:.
— Talvez amanhã eu me importe com isso. Hoje, eu quero tudo.
Capítulo 30

Caralho, ela é perfeita.


Despudorada em seu desejo. Inocente, mas também corajosa, Sierra me
enlouquece de um jeito que nenhuma outra já foi capaz.
— Tem alguma ideia do que está me oferecendo?
— Não, mas como eu disse, por hoje, ao menos, eu não quero pensar.
Quero te dar prazer como você fez comigo. Ensine-me.
— De que jeito? Eu não sou um homem suave, Sierra. Estou longe de ser
um herói de romance.
— Eu não pensei que fosse. Heróis não me agradam. Prefiro os
pecadores. Eles, ao menos, são reais.
— Pecado? — pergunto, acariciando sua bochecha com a ponta do
polegar. — Sim, eu posso te dar isso. Eu tenho mais pecados do que alma
dentro de mim.
Ela engole em seco e sei que está assustada, mas ansiosa por mais,
também.
Passo a mão por seu cabelo, mantendo seu rosto levemente inclinado e
deslizo o polegar entre seus lábios.
— Sugue.
Ela hesita só por um segundo antes de me obedecer, mas quando enfim o
faz, quase urro de tesão ao vê-la, ao mesmo tempo, tomar a inciativa de
envolver meu pau com ambas as mãos.
— Disse que é virgem, mas é a primeira vez que toca um homem assim?
Ela acena com a cabeça, confirmando.
Sobreponho minha mão às dela e começo uma masturbação lenta.
Embora meu corpo esteja demandando sexo duro, eu não quero assustá-la.
Ainda agarrando seu cabelo, afasto suas mãos de mim porque mesmo em
sua carícia inocente, Sierra está me deixando tonto de tesão.
Seguro meu eixo e pincelo a cabeça inchada em seus lábios. Há pré-gozo
nela e eu rosno quando a vejo engoli-lo.
A mescla de inexperiência com audácia está mexendo mais comigo do
que se ela soubesse o que está fazendo.
— Abra a boca para mim. Chupe o quanto aguentar.
Ela suga a ponta, mas curiosa, lambe também, a língua safada fazendo
minhas pernas tremerem.
Merda, ela é uma delícia.
Ela me olha de baixo para cima, tomando mais e mais do meu pau na
boca carnuda.
Eu empurro o quadril, fazendo-a me engolir quase inteiro.
Um som rouco escapa do fundo da minha garganta.
— Chupe gostoso, Sierra. Você é um tesão, assim, ajoelhada me dando
prazer.
Aquilo parece descontrolá-la porque ela começa a mamar com avidez, os
olhos presos nos meus.
— Vou meter mais fundo. Relaxe a garganta e aguente.
Seguro seu maxilar com uma mão e o cabelo com a outra, tirando-lhe
completamente o controle sobre o ato.
Eu a fodo até a garganta e ela engasga algumas vezes, mas não recua,
correndo a língua da minha cabeça ao saco.
Ela me recebe inteiro, gemendo em volta do meu pau. Sierra é a virgem
mais gostosa dessa porra de planeta.
Tanto quanto eu gostaria de encher sua boca com meu esperma, eu quero
a boceta com ainda mais ferocidade.
Eu a levanto em meus braços e a deito na cama. Vou até o jeans que
descartei e tiro um preservativo da carteira, cobrindo-me rapidamente.
Eu me deito e a puxo sobre mim, de costas também. Sou grande demais
para, em uma primeira vez, ficar entre suas coxas macias. Talvez assim não
doa tanto.
Passeio a mão por seus peitos, beliscando os mamilos e com as minhas
pernas, afasto suas coxas. Encaixo a cabeça do meu pau em seu sexo
intocado e ela fica tensa na mesma hora.
— Eu vou ser cuidadoso — prometo. — Agora, me dê essa boca gostosa.
Enquanto a beijo, toco o clitóris, estimulando-a. Ela começa a gemer,
aparentemente esquecida do que está para acontecer.
Meu pau é longo e grosso e aos poucos, começa a trilhar o caminho
apertado do seu sexo. Eu não vou fodê-la nessa posição, quero apenas que
se dilate um pouco para mim.
A combinação do roçar da minha cabeça entre suas dobras ensopadas e
tocar seu clitóris a derruba em segundos e ela me entrega outro orgasmo,
gemendo meu nome.
Eu a deito de bruços e coloco um travesseiro sob seu estômago. Nessa
posição eu terei mais controle para não machucá-la.
Puxo seu rosto para mim e capturo sua boca, beijando os lábios carnudos,
ao mesmo tempo em que começo a empurrar em seu canal virgem.
Ela geme, chupando minha língua e passa a se mover, serpenteando o
corpo lindo, permitindo que a bocetinha pequena me engula.
— Eu não posso mais esperar — sussurro em sua orelha e ela estremece.
Com um cotovelo apoiado de cada lado, eu meto tudo, até as bolas e ela
grita, mordendo o braço que passei por seus ombros, na diagonal.
Nesse exato segundo eu poderia morrer porque acabo de chegar ao céu,
tenho certeza.
A sensação dela me apertando dentro do corpo é tão gostosa que eu
preciso me controlar para não sair e entrar duro outra vez.
Ela está empalada no meu pau, impotente, mas no momento, sou seu
escravo. Servo da boceta doce, quente e apertada.
Sua respiração está ofegante e os gemidinhos baixos de prazer denotam
angústia também, mas ela rebola sob mim e eu me movo.
Enquanto começo um martelar lento para os meus padrões, mas
constante, acaricio seu mamilo e levo sua mão até o clitóris.
— Toque-se para mim.
Ela parece sem fôlego, louca de desejo, inquieta e selvagem. Seu corpo é
fogo puro.
Saio quase todo e volto profundamente, mas não é o suficiente, então,
sento-me entre suas coxas e a faço se erguer, apoiada nos joelhos.
Ela olha para trás e juro por Deus que eu nunca vi nada mais bonito do
que o rosto de Sierra carregado de prazer.
Seguro-a pelas ancas, as mãos cravadas como duas garras e volto a
penetrá-la.
Ela perde o fôlego e se contrai à minha volta, mas essa é Sierra, minha
garota safada, meu tesão e em pouco tempo seus quadris balançam de
encontro a mim.
A cada arremetida é como ser recebido no céu. Eu poderia ficar dentro
dela para sempre.
A sensação de tê-la se estendendo para receber meu pau duro, de montá-
la, é tão deliciosa que beira o insuportável.
Inclino-me e mordo seu pescoço, lambendo sua coluna até a bunda e
aquilo parece lhe derrubar o que resta de barreiras.
Faço uma nota mental de que Sierra é sensível nessa região e eu não
tenho dúvida de que vou foder cada pedaço dela e fazê-la gritar pedindo por
mais.
A maneira como a tomo agora a força a se abrir para mim e sem que eu
peça, ela empina, me deixando bater tão duro que minhas bolas surram seu
clitóris. A sensação é erótica para caralho.
Giro o quadril, procurando o ângulo perfeito para enlouquecê-la e a sinto
pulsar ao meu redor.
Eu a fodo por minutos incessantes e a faço gozar mais uma vez.
As contrações de sua boceta vão me levar ao orgasmo em muito pouco
tempo, e eu quero olhá-la enquanto eu estiver gozando, então a giro,
deitando-a de costas.
Fico louco ao ver seus peitos e abdômen molhados com nossos suores
misturados.
Provo seu peito, lambendo e mamando o mamilo durinho enquanto a
faço me abrigar em seu sexo estreito mais uma vez.
Eu a cavalgo, o rosto enterrado em seu pescoço, a mão a acariciando no
meio das coxas.
A chama constante vira incêndio e nossos corpos ficam tensos em um
aviso claro de que o orgasmo se aproxima.
Eu imprimo um ritmo ininterrupto, movimentando os quadris, ora
estocando fundo, ora em círculos, louco de tesão enquanto a ouço pedir por
mais.
— Leonid… — geme e as arremetidas aumentam a velocidade e força.
Eu a agarro pela bunda, erguendo-a da cama e tomando-a ainda mais
profundamente. Martelando dentro sem cessar.
— Você vai gozar comigo — comando.
É como se minhas palavras fossem seu gatilho porque ela começa a
contrair em pequenos espasmos. Doce, linda para caralho e nesse instante,
minha.
— Sierra — gemo, antes de afundar uma última vez dentro de seu corpo
e me entregar ao melhor orgasmo da minha vida.
Minutos inteiros se passam e eu não me movo, mesmo sabendo que
deveria.
Eu não quero sair dela nunca porque eu tenho certeza de que acabo de
encontrar meu paraíso particular na Terra.
Capítulo 31

— Como se manteve virgem levando o tipo de vida errante?


Eu estou nua, deitada sobre o corpo dele.
Leonid fez amor comigo mais duas vezes, na cama e no chuveiro e
mesmo exausta, eu não consigo dormir.
Fomos juntos ao quarto de Borya para ter certeza de que estava bem e eu
estou apenas curtindo o calor do corpo dele enquanto sinto seus dedos
acariciarem minha coluna.
A pergunta, entretanto, me traz de volta à realidade. Uma muito feia e a
qual eu não queria ter que enfrentar agora.
— Sabe tudo sobre mim? — pergunto, levantando a cabeça para encará-
lo.
— Quase tudo. O principal, que eu teria que saber mesmo.
Eu ainda tinha a esperança de que tudo o que conversamos antes que eu
me entregasse a ele, não tivesse passado de um mal-entendido, mesmo que
eu saiba que estou enganando a mim mesma.
As tatuagens desenhadas por todo o corpo dele não deixam dúvida de
quem é Leonid: um mafioso russo.
Eu passei a vida toda fugindo do meu pai para cair nos braços de um
membro — e se eu puder adivinhar, alguém da elite — de outra
organização.
Eu me sento, enrolando-me no lençol.
— Vou te responder, mas depois quero saber mais, também — começo e
em seguida, mudo de ideia —, quero saber tudo.
— Tudo o que for seguro te contar no momento — diz.
Sua resposta me irrita, mas eu intuo que confrontá-lo não é uma boa
maneira de obter a explicação de por que vim para essa fazenda.
— Eu luto krav maga[36].
— O quê? — ele pergunta, surpreso.
— Perguntou como eu consegui me manter virgem. Em parte foi pelo
que te contei mais cedo: eu nunca me senti atraída o bastante por alguém
para me aprofundar em um relacionamento.
Revelo aquilo sem olhar em seus olhos porque minha resposta entrega
muito.
Entrega que, no mínimo, além de me sentir atraída por ele, eu confiei em
Leonid até certo ponto, também.
— Você precisou lutar para se proteger?
— Várias vezes. Mesmo tentando me manter longe de confusão, muitos
caras, quando veem uma garota sozinha, não entendem um “não” como
resposta. Eu tenho certeza de que deixei muitos deles com dores nas bolas
por dias.
Ele me surpreende sorrindo e depois sacode a cabeça.
— Corri risco, então?
— Não. Você nunca teria me tocado se eu não tivesse desejado suas mãos
em mim, Leonid. Eu morreria lutando antes de deixar um homem me forçar.
Levanto-me porque estou sufocando. Minha cabeça tem tantas perguntas
que eu nem sei por onde começar.
A mais importante delas, no entanto, me deixa apavorada.
— Sou uma prisioneira?
— Prefiro chamar de convidada involuntária.
— Sou uma prisioneira — repito, dessa vez, afirmando.
— Você era. Agora, é minha protegida.
— O que isso significa?
— Ninguém te machucará.
— Desde que eu fique com você, presa nessa fazenda.
Ele se levanta rápido como um leopardo e veste a boxer. Os olhos estão
escuros agora, emitindo sinais de perigo.
— Pode ser uma garota na idade, mas conhece o bastante do mundo do
qual fazemos parte.
— Eu não faço parte do mesmo universo que você.
— Faz, sim. Mesmo que tenha se mantido afastada do seu pai, faz parte
desse mundo podre.
— Eu fugi dele. Se me pesquisou tão bem, deveria saber disso.
— Por quê? Ele seria a maneira mais rápida de encontrar uma resposta
sobre o paradeiro de Juana. Por que não lhe pediu ajuda?
Estou tremendo tanto que sinto vontade de vomitar.
— Porque ele, junto com o irmão, matou a minha mãe!
Vejo o choque em seu semblante.
— Sierra…
As lágrimas escorrem sem controle em meu rosto.
— Fernando e aquele monstro do irmão dele mataram a minha mãe
porque ela sempre fugiu dos dois. De tudo o que representavam.
Ele tenta dar um passo para perto, mas eu o mantenho afastado com a
mão.
— Não, por favor. Essas lembranças doem muito. Eu não conseguiria
deixar que me tocasse agora.
Ao invés de aceitar o que estou pedindo, ele me oferece a mão.
— Vem cá. Eu não vou te machucar.
— Você já me machucou.
— Eu te dei a chance de me parar antes de tocá-la.
Meu choro aumenta.
— Eu não queria parar! Eu queria ser sua! Eu quero ser sua e por isso, eu
te odeio, Leonid. Por me fazer te querer assim.
— Não, você não odeia. E agora, você é minha, Sierra. Vem aqui,
pequena.
Eu reluto, mas acabo aceitando a mão que me oferece.
— Conte-me tudo — ele diz, me pegando no colo e me levando para a
poltrona. Senta-se comigo em seus braços.
— Quando eu fiquei madura o bastante para entender, minha mãe me
contou toda a história dela com Fernando. No começo, eram só os dois e ela
estava apaixonada, mesmo sabendo que ele era um monstro. E então, ele
começou a dividi-la com Isidoro.
— Dividi-la?
— Eles a forçavam, Leonid. Ela fugia, mas aqueles dois doentes sempre
a encontravam e a forçavam. Era uma espécie de jogo, eu acho, porque se
quisessem detê-la, poderiam tê-lo feito a qualquer momento, mas eles lhe
davam a falsa sensação de liberdade somente para pegá-la de volta em
seguida.
Sinto seus músculos endurecerem.
— E você?
— O que tem eu?
— Eles a forçaram em algum momento? Seu pai tentou…
Ele não conclui a pergunta, mas eu entendi.
— Não. Pode parecer loucura, mas a minha mãe me dizia que ele me
amava de verdade, embora eu duvide que ele saiba o que é amor.
— Soubesse.
Eu levo um tempo para entender que ele me corrigiu, usando o tempo do
verbo no passado.
É minha vez de endurecer a coluna.
— Ele está…
— Minha organização o matou.
Eu recebo a notícia sem qualquer emoção porque para mim, Fernando
Morales sempre esteve morto.
— Não se importa?
— Não. Eu queria ter eu mesma feito isso.
— Por quê?
— Porque então, minha mãe teria sido vingada.
Capítulo 32

Eu pensei que já tinha visto muita merda na vida.


Já matei e torturei mais homens do que consigo me lembrar, mas o que
Sierra está me contando agora parece sair das páginas de um fodido filme
de horror: é sadismo em sua mais pura essência.
— Fale-me tudo.
— Eu quero me vestir primeiro.
Concordo com a cabeça, mas a sigo para o closet.
— Eu não vou fugir.
— Sei que não.
— Como pode ter certeza? — pergunta, mesmo que já saiba a resposta.
— Por que você iria atrás, né?
— Sim.
— Em algum momento vai me contar por que me trouxe? Entendi que
sua organização e a de Fernando eram inimigas, mas ele está morto e…
Resolvo lhe entregar ao menos parte da verdade.
— Talvez seu pai seja Isidoro.
O entendimento se reflete em seu olhar.
— Então vocês me mantêm aqui mesmo depois de Fernando estar morto
porque acreditam que eu ainda posso ser usada como moeda de troca.
Não respondo porque não há necessidade. Ela já disse tudo.
Um vislumbre de mágoa transparece, mas logo em seguida, ela retoma
uma expressão neutra.
Ainda segurando o lençol, desajeitadamente joga um vestido por cima da
cabeça.
Aquilo me irrita para caralho, porque a essa altura, eu conheço cada
pedaço do corpo de Sierra, mas entendo que ela deve estar assustada com
tudo o que descobriu.
— Você não conhece o conceito de privacidade, né?
— Não. Agora que está se sentindo suficientemente segura, conte-me
sobre sua mãe.
Ela se senta na cama e eu fico a cerca de meio metro a sua frente. Mesmo
chateada, seus olhos percorrem meu corpo e se fosse possível, tornam-se
ainda mais escuros.
Com ódio de mim ou não, Sierra me quer tanto quanto eu a desejo. Se
havia qualquer dúvida quanto à compatibilidade sexual entre nós, ela
desapareceu.
E agora, a ideia de Ruslan parece cada vez mais apropriada. Eu a
mantenho segura e ao mesmo tempo, dou uma mãe para o meu filho.
E de quebra, terá uma deusa em sua cama, seu fodido hipócrita — uma
voz avisa.
Sim, porque eu posso dar a desculpa que for, mas mesmo que não
estivéssemos presos à situação atual e Sierra fosse somente uma parceira de
sexo casual, eu não a deixaria se afastar nem tão cedo. Eu nunca desejei
tanto uma mulher antes.
Ela é sexy, quente e responsiva.
Sou exigente entre quatro paredes. Tenho um apetite sexual que poucas
conseguiriam acompanhar, mas ela me entregou muito além do que eu
estava esperando.
Independentemente de qualquer coisa entre nós, Borya ou as
organizações, eu quero mais dela.
— Ela ficou cansada daquele jogo. Acho que foi isso. Passou a vida
inteira protegendo a mim e a minha irmã e uma hora, se cansou.
— Juana não era filha de nenhum deles?
— Não, era de um noivo dela que foi morto em uma briga de cartéis. O
homem era um membro, também. Minha mãe sempre foi pobre, Leonid.
Onde nasceu, se algum membro de cartel pusesse os olhos em você, não
havia opção a não ser ceder. Enfim, esse homem foi morto pelos soldados
de Fernando, que incorporou o cartel ao dele. Quando viu minha mãe, ele a
quis, mesmo já tendo esposa e filhos. O resto, eu já lhe falei. Quanto à
dúvida de meu pai ser Isidoro, é impossível. Minha mãe tinha certeza de
que era Fernando porque quando eles começaram a forçá-la a fazer sexo a
três, ela já estava grávida de mim.
A minha história de vida, com todos os espancamentos a que eu e meus
familiares fomos submetidos, e mesmo o suicídio do meu irmão, perto da
de Sierra é um fodido conto de fadas.
— Continue.
— Depois que a minha irmã desapareceu, ela resolveu por um fim
naquele jogo pervertido a que eles a submetiam.
— O que aconteceu?
— Ela me escondeu no interior do Texas, na casa de uns amigos e depois
denunciou Los Morales às autoridades locais. Encontraram seu corpo no dia
seguinte. Eu acho que ela sabia o que iria acontecer porque sempre falou
que o cartel de Fernando tinha várias autoridades na folha de pagamento,
mas estava cansada de fugir, então, desistiu.
— Desistiu de você também, inclusive — falo, porque ainda que entenda
o lado da mãe dela, como pôde deixar a filha à própria sorte?
Ela dá de ombros.
— Eu consegui ficar fora do radar até a maioridade. Quando completei
dezoito, decidi sair da casa dos meus pais emprestados e ir atrás da minha
irmã. É a única coisa que me interessa, Leonid: encontrar Juana.
— Sabe que a chance de que esteja viva é inexistente.
— Sim, eu sei, mas não vou desistir até ter certeza.
— Eu vou te ajudar com isso. Vou te dar o que quer, mas não posso te
deixar ir embora.
Ela se levanta e se afasta de mim.
— Então, no fim de tudo, sou uma prisioneira.
— Não, eu tenho uma proposta melhor: case-se comigo. Seja uma mãe
para o meu filho e eu vou te proteger para sempre. Além disso, tenho uma
promessa a fazer: eu vou encontrar sua irmã e punir quem a machucou.
Ela abre e fecha a boca, e eu sei que o que chocou foi a parte do
casamento.
Chocou a mim, também. Se alguém me dissesse há alguns meses que eu
proporia me casar com a filha de um líder de cartel mexicano eu o mandaria
se foder, entretanto, quanto mais penso a respeito, mais acho a solução
perfeita.
— Você acabou de me pedir em casamento?
— Sim. Não há outra alternativa, Sierra. Consegue entender isso? Você
será morta por qualquer uma das organizações na hipótese de eu te deixar
sair da fazenda.
— E você não deixaria?
Antes que eu precise mentir, ouvimos resmungos na babá eletrônica.
Ela sai do quarto primeiro, como se não pudesse esperar para manter
distância.
Capítulo 33

Eu fugi, agarrando com unhas e dentes a oportunidade de me afastar dele


para tentar processar tudo o que aconteceu.
Incrivelmente, dado o fato de que eu era virgem, fazer sexo pela primeira
vez não mexeu tanto com a minha cabeça. Leonid é tudo o que uma garota
poderia sonhar para iniciá-la no mundo do prazer.
Foi toda a nossa conversa depois o que acabou por me fazer ter vontade
de sair correndo.
Para ser sincera, se eu fosse seguir meu desejo, faria a mala e tentaria
fugir para ver o que aconteceria.
O carro que aluguei já foi devolvido, mas não é a primeira vez que eu
passaria sufoco tendo que escapar de algum lugar rapidamente.
É, mas sempre fugiu dos homens do seu pai — uma voz avisa.
Se tivesse desejado me machucar, Fernando já o teria feito no passado,
tenho certeza, então talvez em sua cabeça pervertida e cruel, houvesse
mesmo alguma coisa parecida com amor por mim.
Ele está morto e eu não sinto nada. Acho que isso faz de mim uma má
pessoa, porque apesar de tudo, ele era meu pai.
Ao invés de lamentar, no entanto, acho que o mundo acaba de se tornar
um lugar melhor.
Aperto meus punhos para controlar o desejo louco de ir embora.
Leonid disse que não me machucaria, mas quem está do lado de fora da
casa são homens da máfia russa que, se sabem quem sou, me verão como a
filha do inimigo.
Um choro um pouco mais alto agora me faz lembrar da razão de eu ter
saído do quarto e corro ao encontro de Borya.
— Sierra, água — diz, sentado, chorando e provavelmente lembrando do
que aconteceu.
O dia foi longo e sinto-me exausta, parece que aquele episódio aconteceu
em outra vida, mas não estou tão cansada a ponto de não haver espaço
dentro de mim para consolá-lo.
— Oi, amor. Foi só um pesadelo — digo, pegando-o no colo e deitando-
me na cama com ele sobre mim. — Eu estou aqui com você.
A luz do abajur está acesa, então consigo ver seu rosto quando ele o
ergue do meu peito e pede:
— Fica.
Meu coração se contrai enquanto me lembro do frio pedido de casamento
do pai dele: para me proteger de uma morte certa e ser uma mãe para
Borya.
Eu poderia fazer isso? Plantar raízes em um mesmo lugar?
Ele me prometeu encontrar Juana. Ter a máfia russa à procura da minha
irmã é uma certeza de que logo terei a resposta que tanto anseio: seu
paradeiro e o que aconteceu naquela tarde quando saiu para nunca mais
voltar.
A porta se abre e Leonid para, nos observando.
É Borya quem resolve o impasse.
— Pai — diz, esticando a mãozinha e vejo o gigante tatuado oscilar.
Ele pode ter vivido muito, matado e torturado também, se cresceu dentro
da organização, mas será que já experimentou a emoção de receber o amor
puro de uma criança?
Eu acho que não.
— Eu vou voltar para o meu quarto — falo, me levantando com Borya no
colo, mas quando me aproximo do pai e tento entregá-lo, o garoto diz:
— Não. Sierra e pai. Os dois.
Olho para Leonid e não há arrogância em seu rosto agora. É como se
estivesse esperando minha orientação.
— Fique. — Ele faz quase que o mesmo pedido que o filho há pouco.
Eu suspiro.
— Essa noite, ficarei, mas não estou tomando qualquer decisão a longo
prazo.
Ele acena com a cabeça, concordando.
Eu volto a me acomodar na cama e coloco Borya entre nós dois. Assim
como aconteceu mais cedo, o menino segura nossas mãos com as dele.
Minutos depois, ouvimos seu ressonar tranquilo. Ele adormeceu outra
vez.
Olho para o lado apenas para encontrar Leonid me encarando.
— Eu não vou machucar você — diz, mais com os lábios do que com
qualquer outro som. — Tem a minha palavra.
— Eu sou o inimigo. Você é o inimigo. Como isso poderia funcionar?
Nunca vamos confiar um no outro.
— Nunca é tempo demais, Sierra. O nunca, assim como o sempre, pode
jamais chegar. Eu vivo um dia de cada vez. Aprendi a sobreviver a um dia
de cada vez.

Eu acordo com a risadinha de Borya.


— Sierra ronca.
— Eu não.
— Ronca.
Ele imita o som, que fica muito parecido com um porco e sinto meu rosto
esquentar, me perguntando se o pai dele também ouviu os ruídos nada
sexies durante a noite.
Sim, eu devo ser louca. Estou presa em uma fortaleza de um mafioso
russo e minha preocupação é em não roncar na frente do meu… o que,
mesmo?
Eu não faço a menor ideia de como devo chamá-lo.
— Está com fome.
— Sim. E brincar.
— Com joguinhos?
Ele acena com a cabeça.
— Eu tenho uma ideia melhor, Borya. Que tal darmos uma volta lá fora?
— Água não.
— Não, nós não vamos entrar na água hoje, mas amanhã, eu queria muito
nadar naquela piscina grande e coberta. Posso entrar com você no meu colo.
O que acha?
— Sem beber água?
— Ah, com certeza sem beber água. Eu prefiro no copo, ao invés de
tomar tanta de uma vez.
Ele começa a rir e eu volto a respirar.
Eu não quero que ele fique traumatizado em relação ao rio. Não tenho
formação em psicologia e nem nada, mas algo me diz que se mistificarmos
o fato de que ele caiu, ou que nunca mais deverá se aproximar do lugar, só
vai fazer a memória se tornar pior em sua mente.
— Eu quero água no copo.
— Sim, sempre no copo, amor. Prometo. E agora, que tal fazer um pipi e
depois comermos?
— Dente — diz, apontando para a boca.
— Nossa, como fui me esquecer disso? Temos que escovar os dentes
também ou vamos matar todo mundo com o nosso mau hálito.
Mexo a mão em frente ao nariz, enrugando-a com cara de nojo e ele
gargalha.
Somente quanto estou esperando o menino usar o vaso sanitário é que me
dou conta de que estou fazendo planos com ele.
Planos de combater seu medo e ensiná-lo a confiar. Planos de fazer do
maldito episódio do rio apenas uma pequena parte de suas memórias.
Planos de mantê-lo seguro.
Eu estou morrendo de medo de ficar, mas não quero ir embora.
Capítulo 34

Quatro dias depois

— Quanto tempo mais teremos que ficar aqui? — pergunto na


videochamada com a cúpula da Organização. Na verdade, estamos só nós,
os quatro homens de confiança de Yerik e o próprio Pakhan, porque ele tem
andado desconfiado até da própria sombra.
— Ainda não sabemos, mas para onde pretende levá-los depois? —
Maxim pergunta.
— Levá-los, no plural? — Dmitri intervém.
— Meus planos mudaram. Vou me casar com Sierra.
— O quê?
Apenas Yerik, além de Ruslan, sabiam da minha decisão, mesmo que eu
esteja sendo pretensioso para caralho assumindo que Sierra vai concordar
em se casar comigo.
Nós fodemos todas as noites, desde que tirei sua virgindade, mas quando
o dia amanhece, ela já saiu da minha cama.
O homem das cavernas dentro de mim faz com que me eu levante, traga-
a de volta e a foda ao ponto de ambos desmaiarmos de exaustão, mas a
garota infernal torna a partir depois, de novo.
O sexo é delicioso e explosivo, mas fora isso, ela não me entrega mais
nada.
Não houve outras conversas ou qualquer tentativa de aproximação fora
da cama. Eu sou praticamente um prostituto sem o benefício de receber por
isso. Ela me usa, me pede para fodê-la duro, e depois me deixa sem um
beijo.
Se qualquer parceira do meu passado soubesse da situação, morreria de
rir, porque sou aquele que nunca fica para passar a noite. Agora me pego
desejando mais tempo com ela.
Em contrapartida, a ligação de Sierra com meu filho se torna mais forte a
cada dia e me faz pensar em como destino é algo fodidamente
imprevisível.
Quando a trouxe para cá, minha intenção era mantê-la o mais longe
possível de Borya e no entanto, a garota que nem era para ter entrado na
minha vida, para início de conversa, tem feito os dias do meu menino mais
alegres.
Com ela, meu filho sorri e brinca. De alguma maneira, dentro de sua
mente infantil, ele criou uma ligação imaginária em que formamos um
triângulo perfeito.
Toda vez que eles estão juntos e eu me aproximo, meu filho estende a
mão e pede para ficarmos assim, unidos, como se precisasse de mim e dela
ao mesmo tempo.
— Eu vou me casar com Sierra — repito.
— Por que diabos faria isso? — Dmitri continua.
— Ela salvou a vida de Borya.
Posso ver a compreensão no rosto deles. Até mesmo Maxim, que ainda
não é pai, entende que a atitude de Sierra ao arriscar a própria vida para
salvá-lo impossibilita qualquer outra saída. Como bem disse Ruslan, a
partida dela equivaleria a uma sentença de morte para si mesma.
Eles não insistem e passamos para o tópico seguinte, que está
transformando o trabalho da Organização em um verdadeiro inferno:
Isidoro, o maldito sucessor de Fernando.
— O que sabemos sobre ele? — pergunto.
— O cartel dele não é tão pequeno como pensamos a princípio. Ele já
estava começando a se armar há muito tempo, na América do Sul, mais
especificamente, na floresta amazônica — Grigori explica.
— Como? Ele invadiu território colombiano?
— Não, ele fez uma aliança com os traficantes locais.
— Então a merda é muito maior, mesmo — Dmitri diz.
— Sim, porque ele provavelmente está planejando foder com nossas
entregas lá. Aquele filho da puta não ia se meter no meio da floresta
amazônica a troco de nada.
— Ainda temos uma arma contra ele — Grigori fala.
— Não. — Rosno. — Vocês não fazem a porra da menor ideia do que
estão falando. Sierra não é filha dele e mesmo que fosse, é minha mulher
agora. Ela não vai ser usada em qualquer negociação.
Ele dá de ombros, totalmente alheio à minha explosão. Eu não sei qual de
nós tem a alma mais gelada. Se a situação fosse o contrário e o que
estivesse em pauta fosse entregar Lara, a esposa dele, para os inimigos,
desde que não fosse mulher de Grigori, eu também não daria a mínima.
— O que vamos fazer? — Maxim pergunta. — Eles são uma ameaça aos
nossos contratos futuros. Entre essas brincadeiras de merda de afundarem
nossos navios com as cargas que temos que entregar aos clientes e nós
retaliarmos explodindo laboratórios deles, estamos perdendo dinheiro de
todos os lados.
— O dinheiro é o de menos — o Pakhan fala —, a preocupação é com a
imagem da Irmandade frente às outras organizações. Eles são como
abutres; quando sentem o cheiro de sangue, atacam. Não podemos
demonstrar vulnerabilidade ou nos considerarão um alvo fácil.
— Além do mais, enquanto não pusermos fim a Isidoro e ao maldito
novo cartel, temos que estar sempre em alerta. As mulheres estão ficando
loucas com a quarentena — Dmitri fala.
— As férias estão se aproximando. Podemos mandá-las para as ilhas no
Caribe. Lá estarão protegidas — Grigori afirma.
— Não podemos mantê-las e as crianças nas ilhas para sempre. A
solução é eliminarmos Isidoro — Maxim concorda com Dmitri.
— Não, precisamos varrer todo o cartel dele do mapa ou outro membro
tomará o seu lugar. Há um efeito moral quando se dizima uma organização
inteira — falo. — Mandaremos um aviso claro de que não estamos
brincando.
— E quanto ao namorado de Radia, alguma notícia? — Yerik intervém.
— Definitivamente não era com ele que ela estava falando — explico.
— Odin[37] pode descobrir isso em um piscar de olhos. Se foi algum
traidor interno, precisamos conter o dano depressa. — Grigori fala.
— Acha que ela tentou fazer com que Borya se afogasse de propósito?
— Dmitri pergunta.
— Não. Ela não seria tão estúpida. A fazenda está cercada. Sabia que não
sairia daqui viva se causasse qualquer dano ao meu filho, mas Sierra disse
que a pegou diversas vezes ao telefone, o que foi a razão inclusive de ter
ido atrás dos dois naquele dia — falo.
— Eu vou falar com Odin. Resolveremos isso — Grigori diz.
— E depois me avise. Se houver alguém por perto tentando invadir a
fazenda, eu preciso saber. Não é apenas comigo que tenho que me
preocupar agora, mas com meu filho e com…
— Sua mulher — eles completam rindo, a despeito de toda merda que
temos atravessado.
Depois que desligo, fico pensando no fim da conversa.
Sim, ela é minha mulher agora e cada vez mais as linhas entre obrigação
e necessidade se confundem.
Capítulo 35

Um mês depois

— O médico acabou de sair e disse que Borya está bem — ela fala,
quando entro na suíte do meu menino.
O pediatra tem vindo ver meu filho uma vez por semana. Eu pesquise e
sei que o normal é que se leve a criança ao médico uma vez por mês, mas
enquanto ele não estiver cem por cento recuperado de todos os maus-tratos
que sofreu, eu não vou me dar por satisfeito.
— Eu sei. Ele passou no meu escritório antes de partir.
Ouço meu filho falando sozinho dentro da banheira, provavelmente
brincando com seus soldados de plástico.
— Fez um bom trabalho com ele em relação à água.
Ela dá de ombros.
— Eu arrisquei, na verdade. Achei que se fizéssemos do evento algo
grande, ele ficaria traumatizado para sempre. Mas se está preocupado com o
fato dele estar na banheira sozinho, eu não a encho com mais do que vinte
centímetros de água.
— Eu não estou preocupado. Confio em você com meu filho.
Nos encaramos, parados no meio do quarto. Toda a intimidade que temos
enquanto eu a fodo durante a noite inteira desaparece quando o sol nasce.
Sierra aprendeu a ser sozinha e não me deixa entrar.
Quem poderia culpá-la?
Ela está aqui em uma espécie de regime semi-aberto de prisão.
— Jante comigo hoje.
— Por quê?
— Por que não? Passamos a madrugada, a cada maldita noite, nus nos
braços um do outro, mas quando tem que comer, se enfia naquela cozinha.
— Fanya não chegou ainda. Alguém precisa cuidar das refeições.
Ela estava em uma missão e dada a experiência com Radia, não vou
colocar qualquer pessoa perto deles sem ter certeza de que é de confiança.
O mundo era mais simples no passado. Havia respeito e a maioria sabia
que nos trair significaria horas de tortura, mas as pessoas estão perdendo o
respeito.
— Ela está vindo amanhã — aviso.
Sierra me olha em silêncio e é um esforço conter meu temperamento,
mas resolvo que já tive o suficiente.
— Deixe-me colocar a questão de outro modo, você vai jantar comigo
hoje.
— É uma ordem?
— Sim, é. Eu a quero às oito lá embaixo.
Sei que ela quer responder, e para falar a verdade, eu quero que ela
responda. Seu gênio forte me excita para caralho.
— Sierra! — Ouvimos Borya gritar.
— Deixe comigo. — Me adianto. — Eu o tiro do banho.
— Tem certeza? Posso fazer isso.
— Sei que sim. Observo vocês dois. Você adora meu filho, Sierra, e
somente esse temperamento infernal que tem a impede de ceder e aceitar
ser minha esposa. Sabe que nós três seríamos perfeitos juntos.
— Como podemos ser perfeitos juntos se eu não tenho uma escolha?
— Quanto a estar aqui na fazenda, não tem mesmo, mas eu não te obrigo
a ir para minha cama toda noite e nem a gemer enquanto abriga meu pau
duro nessa boceta apertadinha.
Suas pupilas dilatam e meu eixo empurra contra o jeans.
Merda, ela me deixa com tesão muito rápido.
— Eu me sinto atraída por você, isso não significa que queira me casar.
— Oito horas lá embaixo, Sierra — digo, antes de me afastar para ir ao
encontro do meu filho.
— Você, pai? — ele pergunta, instantes depois, quando entro no
banheiro.
A primeira vez que me chamou assim, tomei um susto, porque nunca me
imaginei como pai de alguém. Agora, entretanto, sempre que o ouço, a
palavra vai criando uma espécie de aquecimento dentro do meu peito. Uma
sensação agradável e inexplicável.
O médico me disse mais cedo que Borya ganhou peso e de acordo com
os exames de sangue que fez, suas taxas estão quase normais.
Eu não tenho dúvida de que o que contribuiu para sua melhora foi ser
limpo e cuidado, mas principalmente poder comer as refeições nas horas
certas.
Não nas horas certas, me corrijo, e sim, poder comer, já que ele estava
fraco e desnutrido.
Somente quando eu o trouxe para a fazenda pude entender, ao ver meu
filho se alimentando pela primeira vez, a extensão do dano que Tammy lhe
causou.
Meu coração queimou dentro do peito pela ânsia com que ele dava cada
garfada, como se temesse que a qualquer momento lhe fossem tirar o prato.
A babá que ficava com ele anteriormente me disse que era sempre assim.
Ele não se levantava da mesa enquanto sobrasse um grão de arroz.
— Sim, sou eu. Resolvi que vou lhe tirar do banho, vesti-lo e dar o jantar.
Seu rosto cai.
— Sierra foi embora?
— Não. Eu só… eu só quero ficar um pouco com você.
Não faço a menor ideia se uma criança na idade dele consegue entender o
que estou tentando fazer, mas a verdade é que mesmo sabendo que quando
crescer, talvez ele me odeie por deixar sua mãe ser morta, cada vez mais
sinto necessidade de recuperar o tempo perdido.
— Pode — ele responde no que parece ser uma vida depois. — Papai é
igual a ele — diz, apontando o boneco do Super Homem que segura.
Franzo a testa, confuso.
— Um super-herói?
— Super-herói do Borya.
— Por quê?
Ele estava olhando para a água enquanto falava comigo, mergulhando e
fazendo o boneco emergir em seguida, mas agora me encara.
— Super-herói porque papai salva Borya. Me dá papá gotoso..
Caralho!
Fecho os olhos, a emoção trancando minha garganta.
Eu queria reviver aquela filha da puta para poder matá-la outra vez.
— Você nunca mais vai passar fome, filho. Eu prometo.
— E medo escuro? Não gosto armário.
— Ninguém vai te colocar em um armário novamente. Eu vou te proteger
para sempre. Eu vou ser seu herói.
Pego uma toalha e ele se levanta sabendo que chegou a hora de sair do
banho. Eu o enrolo com ela, mas ao invés de secá-lo, o abraço.
Meu coração bate com muita força dentro do peito. Eu matarei qualquer
um que tentar feri-lo.
Meu filho nunca mais passará fome ou sentirá medo novamente. Eu
explodirei a porra do mundo inteiro antes de permitir que isso aconteça.
Capítulo 36

— Eu quero te fazer umas perguntas. Posso?


É a primeira vez que ela fala comigo desde que sentamos para comer.
Muito mais do que a refeição, a devorei com os olhos o tempo todo,
tentando adivinhar o que estava pensando.
— Eu não garanto responder.
— Não esperava nada diferente — diz, erguendo o queixo e eu não
deveria gostar tanto quando ela me enfrenta, mas a verdade é que não há
uma fodida nuance na mulher que não me fascine.
— O que quer saber, Sierra?
— Sobre Borya. O que aconteceu com a mãe dele?
Eu descanso o garfo no prato, perdendo completamente o apetite.
— Não é uma história bonita.
— Há anos minha vida não é feita de belas histórias, Leonid. Se eu tive
uma infância normal com a minha irmã, foi porque mamãe escondeu, para
nos proteger, todos os horrores pelos quais passava.
— Tammy era viciada em heroína. Nós ficamos poucas vezes e antes que
me pergunte, sim, eu usei preservativo. Nunca deixei de usar, embora esteja
louco para ver meu gozo escorrendo de sua boceta.
Percebo, por sua postura, que minha declaração a excitou.
— Não mude de assunto — diz. — Conte-me sobre ele.
Passo as duas mãos pelo rosto.
— Eu não sabia que ele existia. Alguém importante em minha vida foi
quem descobriu que talvez fosse meu filho. Eu fui conferir e o encontrei. O
médico que o atendeu disse que se ele tivesse ficado mais uns dias naquelas
condições, não teria sobrevivido.
— Por quê?
— Ele estava morto de fome e sede. Sujo, machucado.
Ela começa a chorar.
— Meu Deus do céu! Que tipo de mãe trata um filho desse jeito?
— Alguém que estava intoxicada demais para se dar conta de que tinha
um filho. O que eu nunca vou perdoar naquela filha da puta, é ela nunca ter
me procurado.
— Acha que sabia que Borya era seu?
— Sabia que era de um russo, ao menos, ou não teria lhe dado esse
nome. Então, sim, acho que ela desconfiava que era meu. Acredito que
engravidou de propósito, mas no meio do caminho, durante a gestação,
mergulhou nas drogas.
— Jesus!
— Foi apenas um milagre o que o livrou de ficar com alguma sequela.
Ela dá um gole na água e quase adivinho a próxima pergunta. Quando a
faz, não me surpreende:
— Você a matou?
— Não, mas gostaria de ter matado. Eu provavelmente o teria feito
depois que meu filho foi examinado, mas ela apareceu morta pouco tempo
depois que tirei Borya dela.
— Alguém que você conhece a matou?
— Talvez. Não tenho certeza.
Ela desiste de vez de fingir estar comendo e também pousa o talher no
prato.
— Agora, sobre mim. Por que me escolheram e não uma das outras filhas
do meu pai, Leonid?
Eu não titubeio.
— Porque Fernando a manteve no anonimato, o que significa que você
era importante para ele.
— Ele não teve muita alternativa.
— Você não é tão ingênua assim. Sabe que se seu pai quisesse, poderia
tê-la levado para o México em um piscar de olhos.
Ela não responde porque não gosta de dar o braço a torcer, mas sabe que
eu tenho razão.
Encara-me em silêncio, até enfim dizer:
— Eu nunca entendi por que não me levou para o país dele, para ser
sincera. Estou falando depois que fiquei adulta. Antes, como lhe contei,
fiquei fora do radar.
— Nunca o viu depois que começou a fugir?
— Não e eu mal me lembro dele. Mesmo na adolescência, pouco antes de
Juana sumir, raramente o via e é por isso que eu não entendo esse amor todo
que minha mãe disse que ele sentia por mim.
— Talvez ele te amasse porque você era filha dela.
— Acha que ele a amava? Não acredito nisso. Ele a destruiu, tanto no
corpo, quanto na alma e em seguida, a matou.
— O amor nem sempre é bonito como um conto de fadas, Sierra.
— Mas ao menos tem que ser amor. Eu não sou um bebê. Sei que as
histórias de romances não existem na vida real, mas qualquer
relacionamento precisa de no mínimo, respeito. Quando passou a tratá-la
como “coisa” ao invés de como a mulher a quem ele alegava amar, deixou
de ser amor. Disse que o amor nem sempre é bonito. Está falando de
alguém em particular?
— Sobre meus pais, mas não quero conversar a respeito.
Ela não insiste. Ao invés disso, diz:
— Ele ficava me enviando bilhetes, como em um aviso claro de que
sabia de cada passo meu, mas nem ele ou qualquer um dos seus homens
tentou uma aproximação, mesmo que eu vivesse paranoica de tanto medo
de que o fizessem.
— Talvez ele fosse um sádico e gostasse do jogo de amedrontá-la,
fazendo-a pensar que a qualquer momento poderia ser raptada e levada para
outro país.
— Como você fez? — Ela me desafia.
— Veio por livre e espontânea vontade, Sierra.
— Vocês me enganaram. Eu me preocupei com Tulia, fiz um favor para
ela. Eu a detesto por ter se aproveitado da minha boa-fé e se ela aparecesse
na minha frente agora, torceria aquele pescoço fino.
— Tulia é um soldado. Estava cumprindo ordens. Fazendo o trabalho
dela. Não há espaço para manobra dentro da organização. Ou você obedece,
ou está fora.
— E por fora, você quer dizer a sete palmos do chão, né? — ironiza.
Dou de ombros.
— Não necessariamente. Nossa equipe de limpeza[38] pode ser bem
criativa quando quer — respondo no mesmo tom.
— Pare, não fale mais. Eu não quero saber.
— Foi você quem começou com esse jogo.
— Eu não estou jogando.
— Todos nós jogamos a partir do dia em que nascemos, Sierra. Basta
decidir se vai ser aquele que aperta os botões, ou um mero peão.
— O que isso significa?
— Sabe perfeitamente. Viveu fugindo por toda sua existência. Quer fazer
isso para sempre?
Ela não precisa responder. Posso ver pelo seu rosto que não. Ela quer um
lar. Ela quer o que estou oferecendo, mas está horrorizada demais para
admitir que, mesmo sabendo que sou um monstro, sou o que deseja para si.
— Eu não sei nada sobre você. Como posso confiar ao ponto de lhe
entregar minha vida? De ficar ao seu lado?
— E nem deve saber qualquer coisa além da nossa vida pessoal, assim
como a maioria das esposas dos membros da minha Organização. Nenhuma
delas tem a exata noção do que se passa em nosso trabalho e é melhor
assim.
— Qual é a atividade de vocês? — ela continua me empurrando.
Eu me levanto e ando até onde está sentada, na outra ponta da mesa.
— Cada pergunta que me faz, está fechando mais portas à sua volta,
Sierra. Está ciente disso? Quanto mais você sabe do meu mundo, mais torna
impossível para mim deixá-la ir.
Ela se levanta também.
— Você não pretende me deixar ir de qualquer maneira. Por que não
pode admitir isso? Você nunca vai me deixar partir.
— Você não quer ir e isso está matando-a por dentro. Não é de mim que é
uma prisioneira, Sierra. É dos seus sonhos e por mais que odeie o que faço,
você sabe que comigo, terá tudo o que deseja.
Capítulo 37

— Eu não tenho sonhos — minto porque me sinto muito vulnerável


nesse instante.
Como ele pôde me ler tão bem? Como conseguiu enxergar minha maior
fraqueza: a necessidade de um lugar onde criar raízes?
Eu não quero mais fugir. Eu quero um lar para mim, uma família e o
garotinho que a cada dia que passa, se torna meu mundo, para sempre em
minha vida.
Não sou ingênua, como ele bem falou, no entanto. Eu vi o que minha
mãe passou nas mãos de Fernando e por mais que ela não tenha confessado,
acredito que no começo, se submeteu àqueles dois e às depravações deles
por amor ao meu pai.
Um amor escravizante, que passou por cima dos preceitos morais dela e
que mesmo quando o respeito terminou e ele virou um objeto para o ser
amado, acho que durou até o fim de sua vida.
Eu desconfio que houve algum evento que a fez finalmente enfrentá-lo e
denunciá-los às autoridades. Alguma ruptura. Talvez o desaparecimento de
Juana e o descaso do meu pai em tentar encontrá-la a fez enxergar que ele
não dava a mínima para o sofrimento dela.
— Eu não sou ele — diz, como se soubesse o que estou pensando, como
meu cérebro estivesse exposto e nenhum pensamento meu fosse privado.
A voz sai como um rosnado perigoso.
Ambos estamos agitados, raivosos. Se há algo que aprendi na
convivência com Leonid é que a paixão entre nós não aceita contenção. Ela
é áspera e sem medida.
É o ideal para manter um casamento?
Deus, eu já estou considerando a possibilidade a sério! O que diabos está
acontecendo com a minha cabeça?
— Quem me garante? — respondo-o com outra pergunta, querendo feri-
lo por me fazer desejar ficar ao seu lado mesmo sabendo quem é e o que
faz.
— Não quer dizer uma merda dessa, Sierra. Não me compare com aquele
filho da puta. Acha que eu te estupraria? Acha que eu permitiria que outro
homem tocasse no que é meu? Só a ideia já me deixa com vontade de matar
alguém, porra.
— Você não precisa de incentivo para matar alguém.
— O que quer de mim? Quer que eu minta e diga que sou um fodido
príncipe encantado? Eu não sou. Sou um monstro, um assassino, mas eu
morreria por você e pelo meu filho.
Acho que nem ele mesmo percebe o que acabou de dizer.
O choque que suas palavras me causam me faz dar um passo para trás
porque a tentação de acreditar é muito grande.
— Eu não sou nada na sua vida além de uma prisioneira.
Seu maxilar enrijece e sei que é por tensão. Ele não tem como negar. A
razão de eu estar aqui no Wyoming foi exclusivamente para me manter sob
controle para poder chantagear meu pai.
— Você não é mais minha prisioneira. É a mulher que eu quero.
— Para foder? — provoco, sentindo-me fora de controle.
Eu não sei lidar com a mistura de desejo e raiva.
E não é só isso. Por mais que tente mentir para mim mesma, no fundo, eu
sei que há algo mais que começa a nascer.
Leonid não é só algoz, carcereiro, amante ou mesmo o pai de Borya.
Ainda que eu esteja tentando manter meu coração fora da equação, as noites
passadas nos braços dele, mesmo quando tento fugir antes do dia
amanhecer, têm cobrado seu preço.
Eu já conheço detalhes dele e estou me apaixonando por cada um.
O jeito que puxa o lábio inferior entre o polegar e o indicador quando
está pensando. Como seus olhos se abrandam ao se dirigirem a Borya e o
quanto se esforça para suavizar o jeito bruto natural quando lida com o
menino. Os pequenos cuidados comigo, querendo saber se tenho tudo o que
preciso.
Entretanto, eu não consigo esquecer do fato de que sou uma prisioneira e
que cheguei aqui como uma peça do jogo deles.
— É isso o que diz para si mesma? Que eu te uso para foder?
— E não é?
Eu sei que Borya não acordará mais até amanhã de manhã e que não há
ninguém além de nós dois na casa, então meu passo seguinte não é por
impulso, é porque quero machucá-lo.
Eu dou passos para trás e tiro meu vestido pela cabeça. Depois livro-me
das sandálias e em seguida, da calcinha. Não uso lingerie.
Seus olhos escurecem e é como ver meu reflexo em um espelho porque
mesmo agora que estou com raiva, eu o quero.
Eu sempre vou querê-lo porque dentro de mim, tudo grita que o homem
cruel, o assassino impiedoso, é meu complemento.
— O que está fazendo?
— Não é para isso que estou aqui? Para servir como seu brinquedo
sexual e babá do seu filho? Vem. Eu quero minha parte no pagamento.
Ele não se move e tomo a iniciativa. A vontade de lutar parcialmente
desfeita.
Aproximo-me e passo as mãos em seu peito.
— Eu quero você e odeio sentir isso.
— Não planejei querer você, tampouco. Teria sido muito mais fácil não
te querer, Sierra, e no entanto, cada célula do meu corpo berra que você é
minha.
— Eu sou?
Ele segura meus quadris e em um movimento rápido, me pega no colo.
As mãos apertam minha carne.
— Você é minha.
Ele volta a me colocar no chão, mas agora de frente para a parede.
Ouço o som que faz ao abrir a calça e tremo em antecipação. Sinto seu
sexo duro encostar em meu bumbum, mas ele não me possui, ainda.
— O fato de que não planejei você, não significa que não esteja dando as
boas-vindas a nós dois.
A ponto de sua extensão roça em minha entrada e quando tento empurrar
para trás, ganho um tapa na nádega.
Em seguida, ele agarra meu cabelo do jeito que me faz tremer a cada vez:
com uma picada de dor, mas em uma pegada muito erótica.
— Eu não quero que vá embora — diz, entrando em mim de uma só vez.
— Não tem nada a ver com dever ou obrigações. Eu quero você na minha
vida.
Ele empurra dentro de mim.
— Caralho, você está muito molhada.
No fundo da minha mente uma voz diz que deveria lhe pedir para colocar
o preservativo, mas a sensação da carne dura dele me abrindo é boa demais
para que eu consiga pensar com clareza.
A posse é implacável, quase violenta e eu sinto como se meu corpo
estivesse sendo atingindo em diversos pontos por pequenos choques. O
prazer de ser preenchida por ele suplanta a agonia do encaixe difícil de
nossos corpos, porque Leonid é muito grande.
Ele me toma em movimentos ininterruptos, as estocadas deixando-me
com as pernas bambas. Eu quero controlar o orgasmo, mas não consigo e
quando sua mão toca meu ponto de prazer, eu entrego tudo.
Antes mesmo de me recuperar, giro em seus braços.
— Quero te olhar.
Ele não hesita. Suspende-me e entra em mim outra vez, tomando-me
completamente.
Seu rosto lindo está duro pela tensão do desejo, os olhos focados nos
meus como se eu fosse a coisa mais preciosa do mundo.
Ele me beija enquanto me possui e eu suspiro em sua boca, gemendo seu
nome.
Meu corpo inteiro ferve e eu preciso de mais, então abro sua camisa sem
qualquer cuidado, deixando vários botões pelo chão.
Beijo e lambo o peito duro. Mordo, arranho, querendo gravar seu sabor
na minha língua.
Ele me toma profundamente, empurrando com rudeza e meus músculos
internos o apertam, devolvendo-lhe o prazer que me proporciona.
Somos opostos e complementos.
Inimigos e amantes.
Não temos um nome para nós dois e talvez nem precisemos de um.
Cada vez que ele sai e volta a entrar, o impulso é áspero e eu gemo,
deliciada.
Seu polegar vem para o meu clitóris e mordendo sua boca com força, eu
gozo mais uma vez.
O gemido dele emenda no meu, rouco e profundo e quando empurra-se
inteiro em mim, mantendo-se dentro do meu corpo, seu calor me inunda.
A briga já não tem mais importância. Eu sei que em algum momento,
teremos que retomar o assunto porque eu nunca vou aceitar ser uma
prisioneira, mas nesse momento, tudo o que sei é que eu o quero.
Com seu lado obscuro e crueldade, ainda assim eu o quero para mim.
Capítulo 38

Duas semanas depois

— Posso preparar a comida do pequeno Borya. Vá ficar com ele —


Fanya diz, em seu tom de ordem habitual.
Ela chegou há cerca de quinze dias e desde então, temos nos estranhado.
Eu respiro fundo e conto até dez mentalmente, quando na verdade minha
vontade é de voar no pescoço dela.
A filha da mãe me trata como se eu fosse uma subordinada, quando
Leonid já deixou claro, acho que até mesmo para minha segurança, com o
intuito de me proteger, que sou a namorada dele.
— Borya está dormindo e eu não preparo a comida dele porque preciso,
preparo porque quero. Você põe sal demais. Não faz bem.
Estou mexendo uma sopinha para o meu menino quando ela para ao lado
do fogão.
— Ele é praticamente um bebê. Não tem problema com pressão alta.
— Sal em excesso não faz bem em qualquer idade. Ele não vai ser um
bebê para sempre.
Por um instante fico cheia daquela guerra fria e quase entrego a bendita
colher de pau a ela e volto a fazer o que comecei depois que Borya dormiu:
pesquisas na internet sobre reportagens de desaparecimentos na época em
que Juana foi sequestrada.
Apesar de Leonid ter me dito que já tem pessoas procurando-a, eu não
consigo simplesmente ficar parada.
Há anos eu venho acompanhado as manchetes porque eles estão sempre
encontrando corpos perto da fronteira. Por mais que a ideia de que a minha
irmã possa estar morta faça meu estômago embrulhar, eu tenho que ser
realista e verificar todas as possibilidades.
Duas coisas me impedem de ceder a ela nesse momento, no entanto:
Borya é minha responsabilidade e se vou ficar na vida dele em caráter
permanente, como é o que parece que está se encaminhado meu
relacionamento com seu pai, quero que cresça saudável.
A segunda razão é meu gênio ruim, mesmo. Eu não cedo quando sou
desafiada. Eu voo na jugular do meu oponente.
— Você é teimosa e estúpida — diz.
Ela finalmente consegue trazer meu pior à tona.
Largo a colher e a encaro.
— Não me conhece, Fanya, então só para o caso de que reste alguma
dúvida, se não tiver adivinhado: eu não gosto de você. Mantenha-se longe
de mim e não teremos problemas.
— Está me ameaçando?
— Fisicamente, não. Embora eu pudesse te dar uma surra se precisasse,
eu só uso de violência quando necessário.
— Do que está falando, então?
— Quem está bancando a estúpida agora? Sabe quem sou: sou a mulher
de Leonid. Você não quer jogar comigo, acredite. Não confunda o fato de eu
não brigar toda hora com não ter sangue quente correndo no meu corpo. Eu
tenho um gênio infernal, sou rancorosa e vingativa. A pior pessoa do
mundo para se ter como inimigo.
Boa parte do que digo é para assustá-la e tirá-la do meu pé. Eu nunca
usaria do meu relacionamento com Leonid para puni-la. Posso resolver
meus próprios problemas. Até porque eu desconfio no que resultaria se eu
reclamasse dela com meu namorado.
Entretanto, não menti quando disse que sou rancorosa. Eu não perdoo
fácil. Para ser sincera, eu não sei nem se consigo perdoar.
— Você não precisa de mais inimigos. Já tem um em sua cama a cada
noite.
Parte de mim sabe que ela disse aquilo por despeito. Seu rosto não
consegue esconder a inveja que sente. Provavelmente ela acha que seria
melhor do que eu no papel de uma mãe para Borya e como namorada de seu
superior.
Um outro lado meu, no entanto, assimila que ela tem razão. Eu durmo
com o inimigo a cada noite, embora, por mais que isso faça de mim uma
imbecil, eu também confie nele.
— Você não sabe do que está falando — blefo, não porque acredite que
ela desconheça meu papel dentro daquela casa. Nessa altura do
campeonato, eu não tenho dúvidas de que todos ali sabem da minha ligação
com Fernando Morales, e sim, porque fico com curiosidade mórbida para
descobrir o que eles pensam sobre mim.
Ela morde a isca.
— Não, quem não sabe do que está falando é você, garotinha. Acha que é
namorada de Leonid, mas não passa da prostituta dele. Alguém que ele
deveria matar assim que a negociação com o cartel de seu pai chegasse ao
fim.
Eu me sinto gelar por dentro.
Já pensei naquilo diversas vezes, mas nunca tive coragem de perguntar a
ele porque no fundo, eu sabia a resposta. Ouvir da boca de alguém,
entretanto, me faz ter vontade de vomitar.
— Acabou sua empáfia, né? Pense no que te falei cada vez que abrir as
pernas para ele: nunca saberá quando será a última.
— Ele não vai me machucar.
— Enquanto precisar de você para cuidar de Borya e não tiver outra
pessoa para foder, não. Quanto tempo durará isso? Você não tem a menor
ideia.
— Se ele só quisesse alguém para foder, poderia ter você com um estalar
de dedos.
— Quem sabe já não teve? Não conhece nada sobre Leonid, garota. Não
tem noção da quantidade de mulheres que ele deixou para trás ao longo da
vida. Acha que sossegaria com uma mexicana?
Eu não a corrijo dizendo que nasci nos Estados Unidos e que sou apenas
metade mexicana, já que Fernando é americano também, mesmo que seus
ascendentes tenham nascido no México.
Não me envergonho das minhas origens e o que ela pensa sobre mim não
interessa. Estou muito mais preocupada com o que disse sobre Leonid ter
como dever me matar ao me trazer para cá.
É claro que eu sabia que se os russos me consideravam uma moeda de
troca, haveria risco, mas ainda assim, constatar aquilo faz meu coração
sangrar.
Leonid ainda tem a intenção de me eliminar quando achar que eu não
sirvo mais para cuidar do filho dele? Caso não, se for me manter viva e
proteger como disse que faria, quando mudou de ideia?
Relembro nosso tempo juntos desde o dia em que cheguei e uma luz se
acende no meu cérebro: quando eu salvei o menino.
Foi a partir dali que ele passou a me enxergar como um ser humano e não
como uma coisa a quem ele deveria vigiar até chegar o momento de pôr um
fim à vida.
Meu estômago contrai em pequenos espasmos enquanto gosto de ácido
se espalha dentro da minha boca.
As mãos estão molhadas de suor frio e meu coração, disparado.
A cozinha gira à minha volta. Eu tenho me sentido estranha ultimamente.
Sonolenta, cansada. Mas não é isso o que está acontecendo agora.
Eu sei o que vai acontecer: estou em meio a uma crise de pânico.
Largo a colher em cima da bancada e saio correndo da cozinha, sem olhar
para trás.
Corro para fora sem pensar no que estou fazendo e me dirijo para a
estrebaria.
Lá, encontro um trabalhador.
— Eu preciso de um cavalo.
Sei que ele não é um trabalhador regular, mas um dos homens de
Leonid.
— Tenho que falar com o chefe antes.
Eu o encaro, considerando minhas alternativas. Estou com medo demais
para pensar com clareza, então ao invés de discutir, eu o ataco.
Capítulo 39

Ele não estava esperando, então quando me aproximo, repasso


mentalmente o golpe mais eficaz de krav maga se o meu oponente for
homem. Flexiono o joelho e chuto sua virilha com toda força que possuo.
Ele se dobra ao meio. Eu bato outra vez por garantia e ele solta algo em
russo que tenho certeza de que é um palavrão.
Corro para uma baia, completamente perdida, mas tendo a certeza de que
preciso fugir.
Monto no cavalo em pelo. Não é a primeira vez. A casa da amiga da
minha mãe, na qual fiquei por parte da adolescência depois que ela morreu,
era em uma pequena fazenda. Montar para mim é quase tão natural quanto
respirar.
Saio cavalgando a toda velocidade do estábulo, alheia aos gritos dos
seguranças para que eu pare e somente nesse instante me dou conta de que
poderiam atirar em mim.
Eu não tenho documentos ou dinheiro. Eu não faço a menor ideia de
onde estou, além do fato desse lugar ser uma fazenda no Wisconsin ou para
onde devo ir.
Muito além disso, porém, é o fato de que eu não quero deixar Borya. Mas
preciso me afastar de Leonid nem que seja por algumas horas.
As lágrimas escorrem por minhas bochechas enquanto tomo cada vez
mais distância da sede, em direção a uma densa área de árvores. A pequena
floresta parece o refúgio perfeito, então guio o cavalo para lá.
Não sei por quanto tempo me embrenho na mata fechada, mas não estou
pronta para parar ainda.
Eu me permito chorar alto, gritar a dor de todas as perdas da minha vida.
Mamãe, Juana e a perda de mim mesma.
Quem sou eu, além de uma garota tola guiada pela obsessão de encontrar
minha irmã?
Uma idiota que vive a ilusão de um relacionamento com um homem que
ia me matar se eu não tivesse salvado seu filho.
As lágrimas não me deixam ver o caminho e cada vez mais a escuridão
me abraça, a luz se perdendo entre o verde-escuro das folhas.
Meu relógio soa o alarme que avisa que está na hora de Borya acordar e
apenas então me dou conta de que a minha fuga, ainda que não definitiva,
não diz respeito apenas a mim agora, mas ao garotinho que já perdeu tanto.
Estanco o cavalo com a intenção de regressar à sede, mas quando olho
em volta, percebo que todas as direções parecem iguais.
Eu estou perdida.

Leonid

— Do que diabos você está falando, Antinko? Como assim ela fugiu
cavalgando?
— Sierra saiu correndo de dentro de casa, atacou um dos nossos homens
na estrebaria e…
Enquanto o ouço, minha mente tenta processar as informações e não
demoro a concluir que algo aconteceu. Eu não a conheço há muito tempo,
mas já conheço muito sobre ela. Sierra não iria embora a troco de nada.
Eu não duvido que poderia me deixar, afinal, fui o filho da puta que usou
de um artifício, que a enganou para trazê-la para cá, mas não acho que
abriria mão de Borya assim.
— Atacou como? — pergunto, voltando ao presente.
Ele fica vermelho.
— Acertou-o no saco. Ele disse que parecia algum tipo de arte marcial.
— Krav maga. — Lembro do que ela me contou e se não estivesse tão
puto com sua fuga, seria capaz de rir.
Ah, Sierra!
— E o que houve depois?
— Ela pegou um cavalo e seguiu em direção à floresta.
— Porra!
— Vamos sair à procura dela, Leonid. Não pode ter ido longe. Ela não
teria com quem falar para nos denunciar.
— Eu não estou preocupado com isso, mas com o calor infernal que está
fazendo. Ela não está acostumada a ficar exposta assim. Pode ter acontecido
alguma coisa.
Passo a mão pelo cabelo, meio desesperado.
— O que quer que façamos? — ele pergunta.
— Reúna alguns homens. Mande-os à procura dela, a cavalo. Vou pegar
um quadriciclo. Os animais têm chips de GPS. Eu vou encontrá-la. Você
fique com Borya. Não deixe meu filho sozinho por um segundo, Antinko.
— Eu não vou, chefe. Tem minha palavra.
— Mande alguém olhar as filmagens da casa. Aconteceu alguma coisa ou
ela não teria saído assim.
— Pode deixar.
Entro em casa e pego mais duas armas além da que carrego comigo e
munição.
Quando volto para o lado de fora novamente, já há um grupo de homens
reunidos à minha espera.
— Sierra é minha mulher — falo, alto o suficiente para que todos me
ouçam. — Qualquer um de vocês que a encontrar, não deve encostar em
um fio de cabelo dela, mesmo que ela os ataque.
— Ela está armada, chefe?
— Provavelmente não, mas não se esqueçam do que eu falei. Eu não
quero um cabelo dela fora do lugar ou vou entender como uma ofensa
pessoal a mim.
Eu monto no quadriciclo e busco no celular para onde aponta o GPS do
cavalo com o qual ela saiu, um garanhão marrom.
Enquanto sigo o mapa, a tensão pulsa sob minha pele.
Ela está bem — digo a mim mesmo. — Eu vou encontrá-la e ela vai
ficar bem.

Sierra

Horas depois

Eu cheguei em uma clareira, ao menos isso, porque dentro da floresta


fechada, eu estava começando a entrar em pânico.
Parei de chorar, a raiva e a tristeza pela minha condição como prisioneira
na fazenda substituída pela necessidade de sobrevivência.
E há um algo mais.
Eu os quero de volta. Borya e Leonid são meus.
Talvez, no fim das contas, eu seja mesmo tão estúpida quanto Fanya me
acusou.
Eu deveria aproveitar que já estou aqui e tentar escapar, mas ao invés
disso, eu só quero encontrar o caminho de casa.
Casa.
É isso o que representa a fazenda, agora?
Ao menos é a única casa que tenho em muito tempo.
Meu coração martela dentro do peito enquanto olho o campo à minha
volta.
Apesar de ser uma fugitiva a minha vida inteira, sou essencialmente uma
garota da cidade. Eu sei cavalgar e poderia sobreviver talvez a vinte e
quatro horas na vida ao ar livre, tentando me virar com comida e bebida
proveniente da natureza, mas não tenho a pretensão de conseguir me manter
por mais tempo do que isso.
Um movimento em minha visão periférica me chama a atenção e eu me
volto na direção de onde acho que vem. Quase desmaio de alívio quando
percebo que é um dos guarda-costas russos da fazenda.
Embora eu não duvide de que não devo ser a pessoa favorita deles, estão
sob a ordem de Leonid e acho que não me machucariam.
Ele se aproxima, descendo do cavalo.
— Eu me perdi — falo, tentando empregar falsa doçura à minha voz
porque eu não confio em nenhum deles.
Não me esqueço do que Leonid falou: minha cabeça está a prêmio para
qualquer uma das organizações.
Observo o homem vindo na minha direção sem falar nada. Ele só me
encara.
Sou uma sobrevivente. Foram raras as vezes em que o meu instinto me
abandonou. Para ser mais precisa, que eu me lembre, foi só com a infeliz da
Tulia, que me enganou direitinho, pois até mesmo sobre Leonid eu pressenti
o perigo desde o primeiro momento em que nos encontramos.
Assim, antes mesmo que o homem erga o braço, deixando-me ver que
estava armado, eu grito e começo a correr em zigue-zague.
Ouço o som das balas ricocheteando no ar e a cada vez, me pergunto se
morri.
Eu continuo correndo. Não vou desistir nunca.
Nesse momento de pânico absoluto, eu só vejo os rostos de Leonid e de
Borya.
Eu não quero morrer. Eu quero minha família.
Capítulo 40

Um centésimo de segundo e uma vida inteira fazendo isso foi a única


coisa que impediu que o filho da puta a matasse.
Em pé no quadriciclo, depois de ter atirando, eu ainda não consigo me
mexer. A adrenalina pelo que poderia ter acontecido faz meu coração bater
no ouvido.
Ela poderia ter sido morta e eu a perderia para sempre.
Minha mulher. Minha Sierra.
Com a arma ainda em punho, saio correndo.
— Sierra, pare. Sou eu.
Ela congela no lugar, de costas ainda. Provavelmente em choque.
Eu me aproximo e cerca de dois metros, está o corpo sem cabeça do filho
da puta. Eu a explodi com um tiro. Eu nunca miro só para ferir.
— Sierra!
Ela se vira para mim, as duas mãos para cima como se mesmo a
distância, quisesse me afastar.
A coisa mais louca é que aquilo dói para caralho. Em todas as brigas que
tivemos, ela nunca demonstrou medo, mas agora, parece horrorizada.
— Não chegue perto de mim.
Ela está histérica e pela primeira vez eu entendo o quanto não pertence ao
meu mundo. Não importa de quem seja filha, ela é só uma garota que acaba
de me ver matar um cara à sangue frio.
Como ela poderia ver aquilo sem se abalar? Somente sociopatas viveriam
em meio a tanta morte e destruição e não perderem o sono por isso.
— Eu não vou te machucar.
— Você ia me matar como matou aquele homem! Fanya me contou! Não,
na verdade, ela confirmou o que eu já sabia: vocês nunca tiveram a intenção
de me devolver ao meu pai! Não importa qual fosse o resultado da
negociação, você não ia me devolver ao meu pai!
Olho para a minha mulher, que no momento mais lembra uma garotinha
assustada. As lágrimas escorrendo pelas bochechas.
Eu poderia mentir, dizer o que acho que quer ouvir. Contar mil histórias
diferentes, mas eu não vou porque eu não quero que ela saia da minha vida,
nem agora e nem nunca.
Eu não sei porra nenhuma sobre relacionamentos, mas sei uma coisa ou
outra sobre seres humanos e a verdade é sempre a melhor opção, não
importa quão fodida seja.
— Eu ia te matar.
Sua expressão transparece o choque que sente ao me ouvir.
Dou um passo para perto esperando que ela vá se afastar, mas continua
no mesmo lugar.
— Eu ia te matar porque é isso o que faço. Matar pessoas que atrapalham
nossos negócios é parte do trabalho.
— Mesmo os inocentes?
— Às vezes, os inocentes. Nunca crianças. Raramente mulheres. Mas
não muda o fato de que mato pessoas.
— Eu não quero ouvir isso.
Ela está em negação, eu sei.
— Mas precisa, porque tem que se decidir. Você tinha razão quando disse
que nunca poderá ter uma escolha se não for livre, então eu vou colocar as
cartas na mesa. Tem minha palavra de que assim que seu tio for morto e a
organização dele dizimada, estará livre.
— Disse que me matariam se eu fosse embora.
Ela parece confusa, perdida.
— Sim, eu disse, mas sou capaz de mantê-la para sempre sob minha
proteção se eu quiser.
— Então por que não me deu essa opção desde o começo?
— Eu não tenho uma resposta simples para isso.
— Fale.
— Eu não queria que fosse embora. Eu não quero que vá embora. Sim,
há riscos se você decidir ir, mas não há qualquer garantia de segurança ao
meu lado tampouco porque tenho muitos inimigos. Então, estou te dando
uma escolha.
— Mudou de ideia sobre mim?
— Não e nunca vou mudar. Eu te quero como minha esposa. Quero filhos
com você. Irmãos para Borya. Quero te dar cada sonho, mas jamais se
esqueça de quem eu sou.
— Eu vivi em meio ao perigo praticamente desde que nasci.
— Eu sei, e não é disso que estou falando. Aquilo lá — faço um gesto
com a cabeça para o morto —, não me fará perder cinco minutos de sono.
Eu vou brincar com meu filho quando chegar em casa, jantar com você e
depois fodê-la a noite inteira, sem sequer me lembrar que matei alguém. O
que a maioria chama de consciência, comigo se relaciona a um grupo muito
restrito de indivíduos.
— Não sente remorso, é isso?
— Sim, eu não sinto. Eu não olho para o passado, eu apenas sigo em
frente. E apesar de tudo isso, não quero que você vá embora.
— Você só poupou minha vida por causa de Borya.
— Eu pensei que tinha sido essa razão sim, mas não foi. Desde o instante
em que você pisou em minha biblioteca, estávamos destinados. Sou louco
por você, Sierra. Não sou capaz de amar, mas sou capaz de cuidar e
proteger. Eu posso me dedicar a você e a nossos filhos. Não tenho muito
para oferecer, mas não quero que vá embora.
— Por quê?
— Se for, vai ser a primeira vez na vida que vou olhar para trás. Eu não
acho que posso esquecer você. — Pauso e me corrijo. — Não quero
esquecer você ou mantê-la presa no passado. Seja meu presente e futuro.
Minha mulher.
— Estou com medo.
— Não seria uma garota normal se não estivesse.
Ela dá um passo para perto.
— Acabou de matar um homem.
— Eu mataria um por dia se isso significasse a sua proteção e a de Borya.
Ela me abraça e pela primeira vez desde que a encontrei após sua fuga
mais cedo, consigo respirar normalmente.
— Não deveria ser assim. Seria tão mais fácil se fosse apenas um
monstro, Leonid.
— Sim, eu sei e talvez a maior parte do que sou seja um monstro, mas
tem algo de humano em mim, Sierra. Eu posso ser marido e pai também.
Cada vez que estou perto de você e de Borya, a escuridão dentro de mim
diminui.
— Não desaparece?
— Não, linda. Ela é parte do que sou. Você e meu filho são a luz. Eu
achei que estava bem sozinho nas trevas, mas quanto mais tempo passamos
juntos, mais eu anseio pela luz de vocês.
Capítulo 41

— Sierra!
O grito de alegria de Borya quando me vê traz paz ao meu coração
confuso.
Ele se solta dos braços de Antinko e corre para perto de mim e do pai.
Eu me abaixo para pegá-lo no colo e ele abre os braços pequeninos
tentando abarcar nós dois.
O menino está corado e com um aspecto saudável.
Sorridente, como se encontrar a mim e o pai fosse sua maior felicidade
na vida.
Nesse instante, os três unidos, todo o medo se dissolve e eu entendo o
que eu quero.
Leonid e Borya. Um futuro para nós três não importa que as cores com
que ele será pintado não sejam as do arco-íris.
A vida não é perfeita.
Não há qualquer novidade nisso para mim.
Apesar de nunca ter esperado me apaixonar por um homem que faz
parte do mesmo universo que o meu pai, eu sei que não há mais caminho de
volta sobre o que sinto.
Pai e filho conquistaram meu coração.
— Você voltou.
— Eu só fui passear a cavalo.
— Sem Borya — diz, com a expressão caída.
— Podemos fazer isso juntos qualquer dias desses — o pai lhe explica
e eu percebo que falou a verdade quanto a não sentir remorso. Quem o visse
agora jamais adivinharia que há algumas horas matou um homem.
Borya faz força para descer do meu colo e corre de volta até onde
Antinko está. Aparentemente, meu menino fez um novo amigo.
— Você está bem? — Leonid pergunta.
— Dentro do possível, sim. Por que aquele homem tentou me matar?
— pergunto baixinho para Borya não ouvir.
— Eu não tenho certeza da razão ainda, mas descobrirei em breve. Ele
pode ter sido mandado pelo cartel de seu tio e nesse caso, era um traidor ou
poder apenas um soldado suicida que não sabe obedecer ordens.
— Obedecer ordens?
— Eu deixei claro para toda alma viva nessa porra de fazenda que
você é minha, Sierra, o que significa que é intocável. Um homem precisaria
ser muito estúpido para me desafiar. Agora, quero que entre e tome um
banho. Antinko pode ficar com meu filho enquanto isso. Depois, você e
Borya podem descansar. Está na hora da soneca dele antes do jantar e você
parece exausta.
— Sua necessidade por controle deveria ser estudada, senhor.
Ele me segura pelos ombros e me vira para si, aparentemente sem se
importar que estejamos sendo observados.
— É o que sou, Sierra. Um sociopata controlador. Pior material
possível para marido e ainda assim, com tanto defeito, louco por você.
É a segunda vez que ele diz isso hoje e meu coração dispara, mas
disfarço.
— Eu também não sou uma florzinha do campo.
Ele se abaixa para sussurrar no meu ouvido.
— Você é perfeita. Linda, deliciosa e minha.
Sinto meu rosto esquentar e mudo de assunto.
— Mandou que eu fosse descansar. Vai sair?
Seu rosto fica sério.
— Tenho algumas questões a resolver. Talvez demore.
— Aqui mesmo na fazenda?
— Sim. Eu não vou sair de perto de vocês dois, mas preciso saber se o
filho da puta que tentou feri-la estava sozinho.
— Tome cuidado.
Ele estava se afastando, mas volta.
— Eu nunca dei a mínima para isso. Viver ou morrer, quero dizer, mas
agora, eu tenho razões para voltar.
Ele me dá um beijo leve nos lábios e em seguida, um na testa do filho
e sai sem olhar para trás.
Meu algoz e também protetor. Meu príncipe e meu monstro.
Meu amor.

Eu tomei banho e comi um sanduíche. Em seguida, vim me deitar com


Borya como Leonid sugeriu, mas apenas segundos depois de fechar os
olhos, ouço meu celular vibrar com uma chamada.
Para não acordar o pequeno, pego o telefone e vou para o corredor.
Quando vejo pelo visor quem é, sinto vontade de atirá-lo longe.
Filha da mãe!
— Sierra, nós precisamos conversar.
— Você é muito cínica em ter coragem de me telefonar, Tulia. Aliás,
será que é esse mesmo o seu nome?
— Sim, é.
— Certo, então. Deixe-me colocar a questão entre nós de maneira que
possa entender: vá se foder, Tulia.
— Eu entendo que esteja com raiva.
— Com raiva? Você me mandou para morte, cretina.
— Leonid não vai te matar.
— Você não tinha como saber disso na época e não deu a mínima para
qual seria o meu destino. Eu me arrisquei por você. Eu vivia fugindo do
meu pai e dos inimigos dele e me arrisquei por você, preocupada com a sua
segurança, sua víbora.
Estou chorando de decepção porque sou uma idiota mesmo. Eu deveria
era desligar o telefone na cara dela, isso sim.
— Eu sinto tanto, Sierra.
— Não me ligue mais. Achei que havíamos posto um fim nessa falsa
amizade da última vez que nos falamos.
— Se te serve de consolo, eu fiquei dias sem dormir pensando em
você.
— Não serve, Tulia. Se eu não estivesse namorando Leonid agora, se
os planos que os russos fizeram para mim tivessem seguido como
esperavam, eu estaria morta. Eu entendo que fez o seu trabalho, mas fique
longe do meu caminho, porra.
— Eu estou desesperada — ela diz no momento exato em que eu ia
desligar.
— Qualquer que seja a razão, não é problema meu.
— Na verdade, meio que é sim.
— Eu não estou entendendo.
— Fanya é minha irmã.
— O quê? Bem, agora não estranho o fato de que ela seja uma filha da
mãe também.
— Pode me xingar à vontade, mas eu lhe imploro, não deixem que a
matem, Sierra.
— Do que no céu você está falando? Ficou louca?
— Vá até o celeiro da fazenda. Fale com Leonid. Só você pode fazê-lo
mudar de ideia. Pelo amor de Deus, eu estou implorando.
— Eu…
— Por favor, Sierra. Peça a ele para enviá-la para Moscou. Ela vai
odiar, mas não deixem que matem minha irmã.
Eu desligo o telefone e mando uma mensagem para ele:

“Não faça isso. Mande Fanya para longe, mas estou pedindo, por favor,
não a machuque por minha causa ou eu nunca terei paz.”
Capítulo 42

O celeiro da fazenda é dividido em dois espaços completamente


destintos: um deles, designado para reuniões. Como uma sala regular da
Organização, há móveis, uma mesa longa com cadeiras confortáveis,
máquinas de café e claro, o lugar é limpo de escutas, verificado duas vezes
por dia no mínimo.
Mesmo com os telefones seguros que usamos, fornecidos por Odin,
quando tenho que fazer videochamadas com a cúpula da Irmandade, é para
lá que me dirijo.
A outra parte da construção, é para punir os inimigos. Ela é maior que a
primeira e equipada com o que é necessário para extrair confissões. Seja
quais forem os aparelhos de tortura já inventados, nós temos aqui.
Ela também é à prova de som.
É onde estou agora, com dois dos meus homens amarrados, nus e
pendurados por correntes.
Não, eles não são mais meus homens. São traidores que planejavam,
junto ao filho da puta morto e por conta própria, matar Sierra por ser filha
de Fernando Morales.
Depois de quase duas horas de interrogatório, não havia nada que eles
não me confessariam.
Assim, eu descobri que não existia um plano de alguém superior. Eram
apenas três imbecis reunidos, achando que poderiam descontar nela a raiva
pelas mortes, orquestrada pelos Morales, de outros membros de nossa
Organização.
Eu fiz questão que todos os outros membros estivessem presentes
enquanto os torturei.
Eles testemunharam cada unha arrancada, cada grito de dor, cortes,
facadas e pedido por misericórdia.
Viram, em primeira mão, que não existe espaço para o perdão dentro de
mim. Não importa de quem ela seja filha, poderia ser do próprio Satanás,
mas é preciso que eles entendam de uma vez por todas que ela é minha e,
por isso, intocável.
Não sobrou muito deles agora, mas ainda não estou satisfeito porque
nesse momento eu poderia ter que estar providenciando o funeral daquela
com quem quero passar o resto da vida.
— Era visando proteger o senhor, chefe — um dos mortos-vivos fala em
russo, em uma tentativa de conseguir o perdão.
— Eu deixei claro que ela não deveria ser tocada muito antes dela se
tornar minha. Vocês desobedeceram a minha ordem, mas além disso,
desobedeceram a ordem do Pakhan. Não há espaço para traições dentro da
nossa Organização.
Eu não estou me justificando para ele realmente. Ambos já estão mortos,
apenas continuam respirando, por ora.
O que estou fazendo, é marcando no inconsciente coletivo dos quase
cinquenta homens aqui reunidos que terão destino igual se ousarem me
desobedecer novamente.
No exato momento em que pego uma chave de fendas para reforçar meu
argumento, entretanto, meu celular toca o som de mensagem de Sierra.
Olho para os homens à minha frente, em dúvida se finalizo-os antes de
atender.
Tiro a arma do jeans e acerto um deles entre os olhos.
A cabeça explode como uma melancia usada para tiro ao alvo.
O outro grita como um bebê assustado, mas já voltei a me concentrar no
celular.
Com uma mão segurando a arma, uso a outra para desbloquear o
telefone.

“Sierra: Não faça isso. Mande Fanya para longe, mas estou pedindo,
por favor, não a machuque por minha causa ou eu nunca terei paz.”
Aperto o maxilar, irritado para caralho.
Fanya está na sala ao lado, a de reuniões. Eu considerei deixá-la assistir à
morte dos homens, mas não vi qualquer benefício nisso. Não sou sádico. O
medo dos outros não faz com que eu me sinta bem. Assim, apenas mandei
que a vigiassem até que chegasse o momento de enfrentar o próprio destino.
Eu ia matá-la, claro, mas agora não posso fazer isso. Como vou negar um
pedido direto da minha mulher?
Eu odeio ter que mudar meus planos e de repente, aquela merda toda me
cansa.
Aponto a arma para o traidor sobrevivente e enquanto volto a bloquear o
celular, aperto o gatilho pondo fim à minha tarefa do dia.
Sigo direto ao encontro de Fanya.
— Leonid — diz, tentando se levantar.
— Não fale comigo. Eu me dirijo a você. Nunca mais fale comigo, a não
ser que seja autorizada.
Ela acena com a cabeça.
— Tragam-na — ordeno aos meus homens.
Quando chegamos novamente à sala de tortura, ela olha rapidamente para
os homens e depois baixa a cabeça.
— Levem-na para perto deles.
Eu me aproximo dela.
— Você vai olhar os dois, Fanya e vai se lembrar, a cada maldita vez que
pensar em prejudicar minha futura esposa, que o destino deles será como
uma viagem à Disney perto do que lhe acontecerá se tentar fazer algum mal
para Sierra outra vez.
— Eu não vou…
— Não fale comigo, porra. Eu te coloquei dentro da minha casa, perto da
minha mulher e filho e você traiu minha confiança. Pelos próximos anos, a
cada novo dia que nascer, agradeça a Sierra por estar viva.
Viro as costas para sair, mas Antinko me chama.
— O que faço com ela, chefe?
— Mande-a para treinar as novatas em Moscou. Ela deve ser posta sob
vigilância enquanto viver e nunca mais porá os pés nos Estados Unidos.
Quando chego na casa da sede, horas mais tarde, Sierra está me
esperando na sala.
Ela se levanta assim que eu entro e me abraça.
Sinto-me imundo perto da pureza dela. Do seu frescor e cheiro porque há
menos de meia hora, eu estava torturando dois homens.
Ao contrário da maioria dos membros da Organização, eu não sinto
prazer com tortura. É um meio para atingir um fim: as respostas que
preciso. Hoje, consegui cada uma delas.
— Como você sabia que Fanya estava lá comigo?
— Eu não quero mentir para você, mas tem que me prometer que não
fará nada contra Tulia.
— Eu deveria ter adivinhado. Elas são irmãs.
— Sim, ela me contou. Obrigada por tê-la poupado.
— Como sabe que a poupei?
— Porque eu te pedi.
Eu a afasto pelos ombros para que me encare e preste atenção ao que vou
dizer.
— Não caia no erro de achar que nosso relacionamento e os negócios da
Organização podem se misturar, Sierra. Dessa vez, eu atendi seu pedido,
mas nunca mais interfira. Não importa quem lhe peça isso.
— Só não puna Tulia por ter me avisado.
— Voltou atrás? Serão amigas?
— Não. Ela traiu minha confiança.
— Mandando você para mim. Acho que vou promovê-la.
— Como consegue fazer piada com algo assim? — pergunta, mas
percebo que um canto de seus lábios se ergue.
Dou de ombros.
— A vida é um intervalo entre merdas e pequenas alegrias, Sierra. Nesse
instante estou contente de estar em casa, com minha mulher e filho seguros.
— Você me mata com esse jeito médico e monstro, Leonid. É bruto e
doce, tudo em simultâneo.
Eu a suspendo nos braços e começo a subir as escadas para o meu quarto.
— Não, você é doce, linda. E eu quero esse mel enchendo minha boca a
noite inteira.
Capítulo 43

Um mês depois
— Odin ainda segue na pista do homem que estava com Radia ao
telefone — Grigori diz, em uma chamada. — Tudo indica que era um
mexicano, então há uma grande chance de que a babá estivesse entregando
informações para os cartéis. Se Odin não conseguiu ainda rastrear o
destinatário do telefonema, não era um cidadão comum com quem ela
falava. Caso contrário, já o teríamos descoberto. Há algo mais sério que
precisamos conversar, entretanto.
— Estou ouvindo.
— Não pode ser pelo celular. Haverá uma reunião de cúpula daqui
alguns dias e Yerik decidiu que lhe fará uma visita.
— Por que será aqui? Não que eu me importe que venham, mas gostaria
de entender o motivo de se deslocarem para o Wisconsin. Seria mais
simples se eu fosse até vocês, sozinho.
— O Pakhan considera que os riscos estão sob controle. Ou melhor, são
riscos calculados. Isidoro ainda está se armando antes do confronto aberto.
— Certo. Quando virão?
— Na próxima semana.
— O que quer tratar comigo pessoalmente tem a ver com Sierra?
— Sim. Com a irmã dela, para ser mais preciso.
— Descobriram algo?
— Beau descobriu — responde irritado porque nenhum de nós gosta de
dever favores.
— Aquele miserável deve ter sido filho de Ruslan em outra encarnação,
já que parece ser onipresente também.
— Não duvidaria. E por falar no meu avô, ele tem andado misterioso.
— Mais do que de costume?
Apesar de saber da vida de todos, o ex-Pakhan mantém a dele envolta em
segredos.
— Muito mais.
— Uma mulher? Achei que não tinha namoradas fixas desde que Isis
morreu.
— Talvez ele seja bom em manter a vida fora do radar.
Depois que desligamos, entro em contato com Maxim para planejar o que
faremos com relação à vinda da cúpula da Organização para a reunião aqui.
Em seguida, vou procurar minha obsessão.
A mulher que domina, com meu filho, todos os meus pensamentos fora
do trabalho.
Eu a encontro na piscina com Borya.
Meu menino grita e bate os braços — protegidos por boias — e pernas,
enquanto ela o incentiva a nadar.
Quando me veem, saem da água e correm ao meu encontro.
— Estão se divertindo? — pergunto, mas é óbvio que os dois parecem
eufóricos.
Eu decidi contratar um homem para auxiliar dentro de casa dessa vez.
Um cozinheiro da Organização que também é um guarda-costas. Ele
chegará em breve. Com isso, sobrará tempo para Sierra ficar com Borya já
que ela insiste em cozinhar para nós três e Antinko, ao menos.
Ela e meu filho parecem adorar a companhia um do outro. Estão sempre
brincando e sorrindo e por mais de uma vez, já me perguntei como podem,
depois de ambos terem sofrido tanto, encontrar dentro de si espaço para a
confiança e felicidade.
— Estou com fome! — Borya diz, me abraçando e Sierra revira os olhos.
— Conte-me uma novidade.
— Você também está com fome. Você falou, Sierra!
— Está? — pergunto, franzindo a testa porque me lembro que ela tomou
um café da manhã bem reforçado.
Sierra sempre comeu bem, mas ultimamente compete fácil comigo na
quantidade de comida.
Olho para os peitos cheios que mal conseguem se esconder através dos
dois triângulos do biquíni e chego à conclusão de que estou bem com isso.
O corpo dela ganhou mais curvas, os quadris estão mais pronunciados e ela
anda mais fogosa do que nunca.
Meu pau responde imediatamente à lembrança da noite passada, quando
eu a fodi de quatro, agarrado àquela bunda linda.
— Estou faminta, mas acho que preciso descansar um pouco porque…
Ela não conclui a frase e apenas o meu reflexo rápido a impede de bater a
cabeça no chão ao desmaiar.
Borya grita e meu coração quase é arrancado do peito quando vejo minha
mulher inconsciente em meus braços.

— Eu não vou sair — aviso ao médico que veio examiná-la.


— Ele pode ficar, doutor — Sierra diz, porque já me conhece o bastante
para entender que estou a um passo de perder a cabeça.
Ela acordou menos de um minuto depois de ter perdido a consciência e
parecia mole e cansada.
Borya está lá fora com Antinko e eu precisei conversar com ele
seriamente para que concordasse em deixar o quarto. Ele ficou apavorado
ao vê-la cair. Mesmo sendo uma criança, sabia haver algo de errado.
Eu tive certeza quando falou:
— Ela dormiu igual a mamãe. Mamãe dormia e não acordava. Borya
sentia fome.
Aquilo me rasgou em dois ao pensar em quantas vezes, dias talvez, meu
filho ficou sem comida.
— Foi o sol? — pergunto ao médico, com minha paciência se esgotando.
Ele já fez uma dúzia de perguntas a ela e juro por Deus que estou ficando
louco. Sierra, entretanto, parece estranhamente calma.
— Eu acho que não estou doente, Leonid — diz e a olho confuso.
— Como não? Você desmaiou.
— Posso falar abertamente sobre minha desconfiança, senhorita? — o
médico pergunta e Sierra acena com a cabeça, concordando.
— O que está acontecendo aqui? — rosno.
— Não é nada grave, senhor. Se minhas suspeitas e, acho que as da sua
namorada estiverem certas, ela está grávida.
Levo alguns segundos para processar a informação e menos ainda para
decidir que estou bem para caralho com aquilo.
Ela é minha e agora carrega meu filho. Estou pouco me fodendo para
quão neandertal é esse tipo de pensamento. Sierra está ligada a mim para
sempre.
— Fale alguma coisa — ela diz. — Ficará feliz se o resultado do teste for
positivo?
A dúvida em sua pergunta me faz questionar:
— Você já desconfiava?
— Já, sim. Conheço meu corpo e comecei a ter sintomas estranhos, mas
fiquei apavorada porque nós… não temos nada definido.
— Temos, sim. Você é minha mulher. Grávida ou não, case-se comigo.
O médico se levanta, parecendo sem jeito por presenciar nosso momento
de intimidade, mas estamos mergulhados demais um no outro para nos
importarmos.
— Tem certeza de que está bem em ser pai novamente?
— Sierra, eu quero você e quantos filhos tivermos. Eu não vou mudar de
ideia sobre isso.
Ela abre os braços e eu, que estava de pé, a puxo para mim. Eu não sei
por quanto tempo a mantenho assim, mas não quero soltá-la nunca mais.
Cerca de dez minutos depois, o médico confirma através de um teste de
farmácia sua desconfiança, mas recolhe um pouco do sangue dela, apenas
para afastar qualquer dúvida.
— Eu estou com medo — diz, depois que ele sai.
— Eu sei, mas vou cuidar de vocês dois — falo e me corrijo. — De
vocês três. Vou viver cada dia para protegê-los.
— Eu te amo, Leonid.
Apesar de saber que o que ela sente por mim é forte, Sierra nunca pôs
aquilo em palavras, e por um instante, eu fico parado, encarando-a.
Ela parece sem jeito.
— Não estou esperando que me diga de volta.
— E nem eu poderia, Sierra, porque o que sinto não tem nome. Não é o
amor regular de um homem por uma mulher. É um sentimento mais intenso
e sem medida. Controlador, exigente e que demandará sua entrega total.
Mas é devotado, também. Eu vou viver o que me restar de tempo na Terra
para garantir sua felicidade e segurança.
— Isso é amor.
— É mais. É loucura.
— Eu não me importo com nomes ou com sua loucura. Eu dou boas-
vindas a ela. Eu amo tudo em você.
Eu me deito com ela na cama por um tempo, apenas sentindo seu cheiro e
calor, enquanto minha cabeça dá voltas incessantes sobre as providências
que preciso tomar.
Mais do que nunca, as ameaças precisam ser eliminadas.
Isidoro tem que morrer e o cartel dele, ser destruído.
— Você está preocupado — diz, levantando a cabeça do meu peito.
— Eu não quero deixar qualquer margem para riscos, linda.
Acena com a cabeça.
— Mas está feliz em ser pai?
— Pai do seu filho?
— Sim.
Olho para a mulher que se tornou o meu mundo.
— Eu não sei o que é felicidade. Eu nunca me importei com ela e não sei
se cabe no que estou sentindo, mas eu me sinto completo e eu nunca me
senti assim antes.
Eu tinha a intenção de contar que teremos novidade em breve sobre
Juana, mas decido que é muita coisa para a mesma manhã. Em vez disso,
depois de beijá-la nos lábios, vou ao corredor buscar meu filho.
Capítulo 44
— Sierra não está dodói?
— Não, amor. Eu estou bem. Só me senti mal, mas já melhorei.
— E não vai mais dormir? — Borya pergunta.
— O que, você quer que eu fique acordada para sempre? Eu não vou
conseguir manter os olhos abertos por tanto tempo — falo, fazendo cócegas
na barriga dele.
— Não vai porque Sierra dorme e ronca — diz, imitando um porco como
sempre faz quando durmo e acordo ao lado dele.
Ouço a gargalhada de Leonid e aquilo é tão raro que por um instante,
esqueço o que estávamos conversando.
— Eu não ronco. — Finjo brigar com os dois e pai e filho se encaram
como em um pacto silencioso.
— Não ronca, filho. Ela canta dormindo.
Eu não sei se Borya entende a piada, mas gargalha também, talvez por
ver a alegria do pai.
Leonid se abaixa para ficar perto de nós, na cama.
— Temos algo para lhe contar, Borya.
— O quê?
— Sierra nunca mais vai embora. Ela vai ser sua mãe.
— Outra mãe?
— Sim.
— Mas não vai dormir e deixar Borya sozinho.
Sinto minha garganta trancar.
— Não, meu amor. Eu vou ficar acordada, tomar conta de você e te
encher de beijos. Mas tem mais uma coisa que precisamos te dizer. — Pego
a mãozinha dele e coloco sobre meu ventre. — Daqui a um tempo, um
bebezinho vai sair de dentro da minha barriga. Você vai ganhar um irmão.
— Como no desenho?
Borya ama um desenho animado[39] sobre uma família de bebês por volta
da idade dele, que são cuidados por uma babá muito engraçada.
— Isso mesmo. Como no desenho animado.
— Um só? No desenho tem muitos — argumenta em sua simplicidade.
Olho para Leonid e ele está atento a nós dois.
— Um só, por enquanto.
— Tá bom.
Ele me dá um beijo e depois no pai. Em seguida, vai para o chão brincar
com seus amados bonecos de super-heróis.
— Ele recebeu a notícia melhor do que eu esperava — falo.
Borya é muito ligado a mim e fiquei com medo de que, ao saber da
chegada de um irmão, sentisse ciúmes.
— Talvez ele ainda não entenda o conceito de mais um membro na
família — o pai argumenta.
Meu coração dispara.
— Sempre foi meu sonho.
— O quê?
— Uma família completa. Não me decepcione, Leonid. Você tem meu
coração nas suas mãos.
Ele segura meu rosto, me olhando.
— Não vou, Sierra. Tem minha palavra. Vou honrá-la a cada dia. Eu não
sou um bom homem, mas levo minhas promessas a sério. Nunca te
machucaria ou trairia sua confiança como seu pai fez com sua mãe.
Eu não sei o quão tola sou por acreditar nele, mas a verdade é que eu
acredito em cada palavra do que diz.

Três dias depois


— Alô? — falo, ao atender o telefone.
Mentiria se não confessasse que estou nervosa para caramba, afinal não
tenho a menor ideia do que esperar da mulher do outro lado da linha.
— Sierra, aqui é Talassa.
Eu ganhei um telefone seguro e meu anterior foi descartado.
Leonid me explicou que esse que uso agora é irrastreável, então, não
devo mais fazer ligações ou mesmo usar a internet no outro.
— Oi. É um prazer falar com você.
— Podemos conversar por chamada de vídeo? — ela pergunta, me
surpreendendo. — Eu odeio não ver o rosto do meu interlocutor.
— Sim, claro.
Segundos depois, estou frente a frente com a esposa do Pakhan.
— Assim está melhor.
Ela é linda. Diria que ao menos uns sete ou oito anos mais velha do que
eu, cabelos escuros e cortados na altura dos ombros e olhos que parecem
chocolate.
— Finalmente te conheci — continua.
— Queria me conhecer?
Não consigo esconder meu espanto.
— O que eu queria mesmo era matar meu marido e Leonid. Na verdade,
todos os cinco quando…
— Cinco?
— Você os conhecerá em breve. Yerik, como sabe, é o Pakhan. Então há
Grigori, o primo dele, o Conselheiro e marido da minha melhor amiga,
Lara. Também será apresentada a Maxim e Dmitri. São como irmãos para
o seu homem. Agora, deixe-me pedir desculpas em nome deles. Eu quis
matar cada um quando soube que a levaram para a fazenda no Wisconsin
contra a vontade.
Fico espantada com sua simplicidade e ao mesmo tempo, com o jeito
direto de dizer as coisas.
— Hum… tecnicamente não me trouxeram à força. Fui ingênua o
bastante para vir por livre e espontânea vontade.
— Eles a enganaram, segundo eu descobri. Não deveriam envolvê-la nos
assuntos do seu pai. Não tem culpa dos pecados dele. Mas não foi por isso
que liguei. Além das desculpas, que já pedi em nome de todos, quero dar os
parabéns pelo bebê. No fim, tudo deu certo, acredito?
— Sim, deu. Vou me casar com ele porque quero. Leonid me deu a opção
de me proteger à distância se eu decidisse partir.
— Mas você não quer, né?
— Não. Eu me apaixonei tanto por ele, quanto por Borya.
Ela acena com a cabeça, como se entendesse do que estou falando.
— Não conheço o menino pessoalmente ainda.
— Não?
— Não. Leonid não o trouxe para perto de nós.
— Por que não? Eu pensei que vocês fossem uma espécie de família.
— Espécie, não. Somos uma família de fato, mas acho que foi uma
surpresa para ele descobrir que era pai e dado o que aconteceu depois, a
morte da mãe do garoto e tudo o mais, ele não sabia como agir. Fico feliz
que você conseguiu aproximar pai e filho, Sierra.
— Ele é louco por Borya. Leonid acha que não sabe amar, mas acredite
em mim, ele sabe.
— Ele já conversou com você sobre a família dele em Moscou?
— Não. Eu sei que nasceu lá e ele me contou que tinha um irmão que se
suicidou, mas ele nunca fala nos pais.
— Porque os odeia, eu acho. Ou ao menos, odeia o pai e despreza a
mãe. Um dia, deve lhe contar tudo. Eu não quero me meter, o que estou
tentando lhe dizer é que o conheço há mais de uma década. Ele tem um
gênio infernal, mas é como um irmão para mim. Eu o amo.
Vejo que ela está emocionada quando diz aquilo e consigo pressentir toda
a força que há na mulher.
Leonid me contou que tanto a esposa do Pakhan quanto a de Grigori,
foram traficadas e embora não tenha entrado em detalhes, eu imagino que
só alguém feita de aço sobreviveria a anos de cativeiro.
— Ele é um homem obsessivamente dedicado àqueles que ama, Sierra.
Como você disse, ele acredita que não sabe amar, mas tem muito amor
dentro de si, ainda que dedicado a um pequeno círculo de pessoas.
— Eu entendi, depois de conviver com ele, que o amor se manifesta de
formas diferentes. Ele não sabe demonstrar com palavras, mas eu sinto que
faria qualquer coisa por mim.
— E faria mesmo. Nenhum deles é príncipe, Sierra, mas são fiéis e
principalmente, leais. Sei que a maneira como se conheceram foi longe da
ideal, mas a vida às vezes dá voltas singulares para nos trazer ao lugar
certo. Agora, vamos falar de nos vermos. Quando será?
— Leonid me disse que haverá uma reunião aqui em breve.
— Sim, mas apesar de as coisas terem aparentemente voltado ao normal,
Yerik não quer arriscar a nos levar para a fazenda. Eu pensei em nos
reunirmos em minha ilha no Caribe. O que acha?
— Você tem uma ilha?
— Tenho, sim. E então, aceita o convite?
— Sim, eu adoraria ir.
— E traga Borya, também. Estamos todas loucas para conhecê-lo.
Depois que ela desliga, eu entendo algo que até agora não havia atinado:
ao me casar com Leonid, eu não ganharei uma pequena família, com
marido e dois filhos. Eu vou ter amigos também.
Para quem viveu só a maior parte da vida, aquilo parece o paraíso.
Agora, só falta eu encontrar minha irmã e meu mundo estará completo.
Capítulo 45

Wisconsin
Dia da reunião da cúpula da Organização

— Um ataque em massa, então? — pergunto.


— Não tem outra alternativa — o Pakhan responde. — Não era o que eu
queria. Vai parecer que estamos matando uma formiga com uma bazuca,
mas esses filhos da puta já ultrapassaram qualquer limite.
— Nós já começamos a enviar equipes para a América do Sul, de acordo
com as estratégias que Maxim elaborou. Estão cercando a Colômbia por
todas as fronteiras: Brasil, Peru e Venezuela. Eles estão concentrados na
fronteira com o Brasil, principalmente, e é certo que diante de um ataque, se
esconderão na floresta Amazônica — Ruslan diz.
— Nesse caso, não precisamos de soldados regulares, e sim, com
treinamento militar — falo.
— Sim, é certo que fugirão para a Amazônia. Seria o melhor para se
esconder.
— Desde que você conheça o lugar — Dmitri diz.
— Eles formaram uma aliança com os traficantes locais. Acreditem, vão
andar pelo lugar como se tivessem nascido ali.
— E quanto ao México? — indago.
— Eles serão dizimados. Entretanto, eu quero Isidoro. Ele será trazido
em minha presença — Yerik diz. — Eu o punirei pessoalmente. Será algo
grande e um exemplo para que cada um daqueles filhos da puta do outro
lado da fronteira pensem duas vezes antes de abrirem guerra contra nós
outra vez.
— O que pretende?
— Ele será torturado por dias. Eu quero tudo registrado, fotografias e
filmagens. Depois, vamos espalhar pedaços de seu corpo por todo o país —
O Pakhan explica.
— E quanto à família?
— Nenhum descendente ou ascendente será poupado, à exceção de sua
mulher, Leonid.
— Quanto a isso, precisamos conversar — Ruslan intervém e eu sei que
tem relação com alguma descoberta de Beau, ou Yerik estaria sabendo
também.
Grigori tem conhecimento, eu tenho certeza, porque começou a me
contar ao telefone há alguns dias. Por que Ruslan pediu segredo até mesmo
do Pakhan?
— Conte-me o que descobriu — peço.
Normalmente não sou ansioso, mas dada a decisão de Yerik de
exterminar qualquer pessoa relacionada a Isidoro, e indiretamente, Juana é
por afinidade, eu quero saber se está ou não viva para poder fechar logo
essa questão.
— Beau encontrou a irmã de Sierra.
— Um corpo? — Dmitri pergunta.
— Não. Ela está viva. É a mulher do novo líder.
— O quê? — pergunto, em choque.
Eu me levanto, atônito porque de todas as merdas que imaginei, aquela
nunca foi uma delas.
— Ela está lá contra a vontade?
— Não. É bem tratada. É a rainha de Isidoro, na verdade.
Sierra

Os homens da Organização já estão reunidos há horas no celeiro e eu me


sinto agitada porque sei que estão decidindo sobre o que farão contra
Isidoro.
Não é com ele que me preocupo. Quero que se dane. Depois do que fez à
minha mãe, junto a Fernando, tudo o que lhe acontecer é pouco perto do
que merece.
O meu medo é por Leonid. Ele não é imortal, ao contrário do que possa
pensar e em qualquer guerra, há mortes.
Eu não quero perdê-lo. Não agora que finalmente descobri o que é amar e
ser amada. Não agora que estou esperando nosso filho e que ele começou a
viver a experiência de ser um pai para o nosso Borya.
Eu não quero perdê-lo nunca porque a despeito da vida que leva, ele é
tudo o que desejo para mim.
Ouço duas batidas na porta do quarto e quando vejo que é Antinko, sorrio
e faço um gesto com o dedo em frente aos lábios, pedindo silêncio porque
Borya acabou de adormecer.
Ele me chama com a mão. É um dos poucos guarda-costas com quem
simpatizo porque me olha nos olhos quando fala comigo e não parece me
odiar.
— Chegou — diz e por um instante, eu o encaro confusa. — O bote que
encomendou para que pudesse navegar com Borya pelo rio acaba de chegar.
— Oh, meu Deus! Eu não acredito. Onde?
Ele sorri do meu entusiasmo.
— Eu sabia que ia gostar da novidade. Mandei pararem nos fundos da
fazenda porque supus que será uma surpresa para Leonid também.
— Na verdade, não. Foi ele quem me ajudou a escolher o modelo, mas de
qualquer modo, foi uma ótima ideia escondê-lo porque quero que meu
menino seja o primeiro a vê-lo quando acordar.
— Eu achei que ele já tinha dormido pela manhã. Lembro de você dizer
que ele não queria mais descansar à tarde.
— Sim, mas a atividade na piscina foi intensa hoje. Vamos lá. Mostre-
me.
Ele parece hesitar e olha para a porta do quarto, atrás de mim.
— Não seria melhor acordá-lo?
— Não. Ele fica mal-humorado quando não desperta sozinho. Mostre-me
o barco. Estou ansiosa para vê-lo.
Ele me dá passagem e enquanto desço, penso que se conseguir fazer com
que Borya entre no rio com o barco, talvez chegue o momento em que
nadará lá como faz na piscina, enterrando de vez o trauma do quase
afogamento.
Leonid me disse que essa propriedade lhe pertence e que se eu quiser,
podemos fazer daqui um segundo lar, já que, provavelmente, quando tudo
acabar, teremos que nos estabelecer na costa oeste.
Entramos na cozinha e eu estranho não ver qualquer um dos guarda-
costas, pois eles estão sempre espalhados pela casa, mas talvez tenham ido
vigiar a parte externa da fazenda já que a elite está reunida.
— Vou só beber um copo de água antes de…
Eu não consigo terminar de falar, porque algo pica meu pescoço e em
seguida, meus olhos ficam pesados ao mesmo tempo em que as pernas se
dobram.
Eu ainda consigo olhar para trás porque mesmo com a fraqueza da semi
inconsciência, eu sei que ele me drogou.
— Como pôde nos trair, Antinko? Eu estou grávida.
— Sinto muito, Sierra, mas eles estão com minha mulher e filhos.
Eu quero pedir que não faça aquilo porque está me levando diretamente
para a morte, mas não consigo.
Não posso fazer nada além de dormir.

Leonid

Uma hora depois

— Chefe, precisa vir comigo.


Eu me levanto em um pulo, assim como os outros membros, quando vejo
um dos meus homens entrar com Borya no colo.
— Sierra! — Ele chora.
— Vem cá, filho. Vai ficar tudo bem. — Olho para o meu homem. — O
que aconteceu?
Antes que ele responda, Ruslan se aproxima.
— Deixe que eu fico com ele. Há coisas que uma criança não deve ouvir.
Estranhamente, Borya vai para o colo do ex-Pakhan sem reclamar.
— Fale de uma vez, porra! — exijo, assim que eles estão fora do alcance
da minha voz.
— Antinko está morto e eles a levaram.
— Sierra?
Eu sei a resposta, mas não quero acreditar.
Sinto todo o sangue se transformar em agulhas de gelo em meu corpo,
quando ele acena com a cabeça, concordando.
— Eles quem?
— Os mexicanos.
Capítulo 46

— Que porra, você está me dizendo? — pergunto, já sacando a arma.


— Leonid, você não vai sair. Pode ser uma armadilha. Se morrer, quem
vai salvar Sierra? — Yerik tenta me impedir, mas nesse momento, só ela me
importa.
— Não é, Pakhan — o empregado diz. — Com todo o respeito, eles já se
foram. Tomei a liberdade de pedir reforços, que estamos aguardando. Nossa
proteção era quase impenetrável, mas não contra o chefe dos seguranças.
Nunca pensamos que seria ele a nos trair.
Dou um soco na parede, quase abrindo a mão.
— Porra!
Eu conheço Antinko quase há tanto tempo quanto os homens aqui
comigo.
De relance, vejo Maxim e Grigori abrindo o notebook e sei que já estão
colocando o mundo inteiro atrás dela.
É bom que alguém esteja conseguindo pensar com clareza porque eu só
consigo ver na minha frente a imagem da minha mulher grávida sendo
levada para aqueles filhos da puta.
— Chefe, talvez se eu lhe contar os detalhes ajude. Fazendo a ronda pela
casa, fui ao segundo andar primeiro, como o senhor sempre manda, conferir
Sierra e Borya. Ele estava no corredor, sozinho, chorando e chamando por
ela. Então eu soube que havia algo de errado.
Eu não quero ouvir. Quero o sangue de todos os fodidos do maldito cartel
em minhas mãos. Eu quero ver a vida se esvaindo dos olhos de Isidoro
enquanto aperto seu pescoço até ouvi-lo estalar, mas sei que preciso me
concentrar nas informações que ele está me dando.
— Borya viu Antinko… — começo.
— Não, eu desci com ele no colo, mas quando vi a porta da cozinha
aberta, estranhei e pedi que me esperasse sentado na cadeira. Encontrei
Antinko morrendo. Ele foi esfaqueado na altura do coração. Um único
golpe, mas ainda conseguiu pedir perdão e dizer que os mexicanos pegaram
a família dele. Ele também contou que queriam Borya, mas Sierra não quis
acordá-lo para descer.
Caralho!
— Eu sei que está louco — Yerik diz, do meu lado.
— Não, você não sabe, Pakhan. Sua mulher e filho nunca foram
sequestrados quando deveriam estar sob sua proteção.
— Leonid, nós vamos encontrá-la. Olhe para mim.
Eu o faço, encarando o homem que amo e honro como se fosse meu
sangue. Os outros se aproximam também.
— Nós vamos explodir o planeta se for preciso, mas nós a traremos de
volta.
— Eu vou arrancar os olhos de Isidoro com minhas mãos, Yerik. Disse
que queria puni-lo pessoalmente, mas eu vou junto.
— Eu não esperava nada diferente, meu irmão.
Estamos todos de pé, prontos para sair do celeiro, à exceção de Grigori,
que está agora ao telefone e Maxim, no notebook, quando a terceira guerra
mundial parece ter início.
Tiros e gritos se fazem ouvir por toda a parte e todos abaixamos ao
mesmo tempo, mas em seguida, corro para a porta com a arma em punho.
Ruslan e Borya. Eles saíram.
— Leonid!
— Meu filho está lá fora!
Temos homens e munição o suficiente para nos defendermos, mas eu
quero meu filho comigo.
Quando chego na entrada, vejo que Ruslan não havia saído ainda e agora,
ele está deitado de bruços, cobrindo Borya com o próprio corpo.
— Vocês estão bem?
— Sim — Ruslan responde. — Estamos brincando de guerra. Somos
soldados!
Meu filho, que estava chorando quando chegou ao celeiro, sorri para
mim.
— Somos soldados, papai. Estamos na guerra!
Jesus Cristo!
— Sim, amigo. Estamos na guerra e para ser um bom soldado, deve
obedecer o vovô Ruslan, tudo bem?
Ele concorda.
— Volte para a sala de reuniões, Pakhan — peço. — Tem um quarto do
pânico lá. É impenetrável.
Ele não sobreviveu tanto tempo na Organização a troco de nada. Mesmo
vendo em seu rosto que quer participar da defesa da fazenda e nossa
proteção, ele se levanta sem discutir e anda com Borya para a outra sala.
— Hey, filho.
— Soldado Borya, papai!
— Sim, soldado Borya. Eu te amo.
— Eu te amo, também. E Sierra também. Ela me diz isso todo dia. Eu
quero ela.
— Eu vou trazer nossa Sierra de volta.
Nem que eu tenha que ir ao inferno e lutar com o próprio diabo, vou
trazer ela de volta. — completo em silêncio.
O barulho de tiros aumenta. Estão casa vez mais próximo e aquilo me
traz de volta ao presente.
Quando olho para trás, onde meus amigos estão, as caixas com nosso
estoque de armas e munição já foram abertos.
Há uma razão para essa fazenda, assim como a da Virginia, ser no meio
do nada.
É estratégico para nos defendermos, mas também podemos atirar para
matar sem a preocupação de que nos ouçam. Não há qualquer propriedade
em um raio de mais de cinquenta quilômetros.
— Eu vou sair — aviso e não espero resposta.
Nossos homens sabem que em caso de ataque, não devem ficar na linha
de tiro, então eu miro na cabeça dos meus alvos sem pensar duas vezes.
O primeiro cai e em seguida outro e mais outro. Eu perco a conta, estou
cego de ódio.
Corpos espalham-se pelo terreno, alguns dos nossos, mas a maioria do
invasores.
Vejo meus subordinados se comunicando pelo rádio para confirmar se a
situação já está sob controle.
— Leonid, volte, porra! — Dmitri grita.
— Precisamos pegar alguns deles vivos, caralho. Eles estão com Sierra!
Um dos nossos se aproxima.
— São cerca de duas dúzias, chefe. Estão quase todos mortos!
— Eu quero interrogar alguns — aviso antes de voltar para o interior do
celeiro.
— Esse ataque não faz sentido — Maxim diz quando nos reunimos outra
vez.
— Como assim? — pergunto.
— Pense bem. Se levaram Sierra para chantageá-lo e estou assumindo
isso porque queriam Borya também, ou seja, duas pessoas importantes para
você, por que nos atacariam agora? Com quem iriam negociar se todos
estivéssemos mortos?
— Foram duas frentes diferentes — Yerik conclui. — Todos mexicanos,
mas duas frentes diferentes.
Um dos nossos soldados retorna.
— Um dos homens que pegamos disse que o ataque foi ordenado por
Isidoro Morales.
— Precisamos descobrir quem levou Sierra e porquê, então.
— Eu já sei. Acabei de falar com Odin — Grigori diz. — Quem estava
pagando Radia, quem se comunicava com ela, era Juana, a irmã de Sierra.
— Se foi Juana quem mandou levar Sierra, isso significa que ela não está
em perigo — Maxim conclui.
— Eu não confio nela. Virou mulher do traficante que estuprava a própria
mãe. Para mim, ela é o inimigo e vou tratá-la como tal até que me prove o
contrário. Se o que queria era se reunir com Sierra apenas, por que não
tentou uma comunicação por via normal todos esses anos? Aconteceu algo
que a fez mudar de ideia. Irmã de Sierra ou não, se machucar minha mulher,
vou arrancar a cabeça dela.
Capítulo 47

Em algum lugar na América do Sul

Dias depois

Eu a observo dormir na cama que encomendei especialmente para ela.


Estou com tanta saudade que sinto vontade de sacudi-la para que fale
comigo, mas acho melhor não. Tivemos que injetar uma grande quantidade
de sonífero mesmo durante o voo, porque Sierra estava agitada.
Eu não me lembrava de que era tão inquieta.
Não, ela não era. Eu que queria ganhar o mundo. Minha garotinha só
gostava de ficar em casa estudando.
Uma hora ou outra, eu sabia que nos reencontraríamos, mas não contava
que fosse acontecer tão cedo.
Eu esperava ter alcançado meu objetivo antes de finalmente trazê-la de
volta para a minha vida, mas existe aquele ditado, né?
O homem planeja e Deus ri e cá estamos nós, nesse fim de mundo
esquecido pela civilização.
Dou uma olhada no espelho em cima da cômoda para ver se a minha
aparência está agradável. Eu não aceito menos do que isso. Não foi à toa
que ganhei o apelido no cartel de “chica hermosa”[40] embora tenha deixado
de ser uma garota há muito tempo.
Ando até a janela, dando graças aos céus pelo ar condicionado porque a
noite está abafada.
Quando Isidoro disse que viríamos para a América do Sul, eu primeiro
quis me matar, mas acabei entendendo que ele tinha planos. Meu marido
sonha em conquistar muito além das fronteiras do México e dos Estados
Unidos. Ele pensa longe.
Aproximo-me da cama e, surpresa, vejo que Sierra não tem sequer um
arranhão. Radia, a soldado russa que “convencemos”, pegando o sobrinho
dela como refém, a contribuir com nossa causa, tinha me dito que Sierra
estava sendo bem tratada, mas eu não sou de acreditar facilmente.
Tenho que admitir, no entanto, que ela parece bem cuidada e está até
mesmo com o peso ideal.
Com relação aos russos, é uma surpresa. Se fosse ao contrário e Sierra
fosse o inimigo, ela não estaria tão bem conosco. A quem estou querendo
enganar? Talvez, inclusive, desejasse estar morta.
Tenho vontade de rir da minha própria piada.
Se ela fosse prisioneira? Ela meio que será, até entender que seu lugar é
ao meu lado.
Eu a observei por anos e percebi que minha irmã talvez fosse precisar
passar pelo mesmo tratamento que recebi até entender que o mundo é uma
merda e que temos que endurecer coração e mente.
Eu a deixei viver livremente por muito tempo, convencendo Isidoro de
que era muito cedo para trazê-la, mas agora ela está aqui e acho que já
passou da hora de colocar meu plano em andamento.
Não foi apenas para salvá-la dos russos que eu arrisquei nossas bundas
mandando sequestrarem-na na fazenda, mas pensando em mim também.
Eu vou precisar de pessoas leais do meu lado e Sierra, com todo seu
altruísmo inabalável, que nunca deixou de me procurar, é a candidata ideal
para ser meu braço direito.
Sim, irmã, chegou a hora de virarmos o jogo. O mundo será meu e todos
eles vão comer na minha mão.
Uma pena que o imbecil do Antinko não tenha conseguido pegar o
menino também. Seria uma arma e tanto contra os russos.
Isso considerando que precisaremos de uma, porque a essa altura, se o
ataque que Isidoro planejou deu certo, estão todos mortos.
Dou de ombros.
Talvez tenha sido melhor o menino não vir mesmo. Não gosto de
crianças.
Nem vivas e nem mortas.
Capítulo 48

— Eu não acredito que estamos juntas novamente! — Ouço uma voz de


mulher dizer e por um instante, tenho certeza de que morri.
— Juana?
Eu não sei onde estou. Meus olhos pesam e tenho dificuldade para abri-
los, mas eu reconheceria a voz da minha irmã em qualquer lugar.
— Sí, soy yo[41]. Eu sabia que não se esqueceria de mim, Sierra.
Ao contrário de mim, que nasci nos Estados Unidos, minha irmã é filha
de ambos os pais mexicanos e sempre falou fluentemente as duas línguas.
Assim, não é tanto o que ela diz, mas seu tom o que me põe em alerta e
faz com que eu me esforce para me lembrar de vez do que aconteceu.
Eu fugi por tempo demais para não pressentir uma situação de perigo e
embora a pessoa que esteja conversando comigo seja minha irmã, se foi ela
quem me trouxe para cá, ela me drogou.
Meu Deus, o bebê!
Não permita que nada aconteça ao meu filho!
Tento manter a calma o quanto posso.
— Oi. — Finalmente a encaro.
Tomo um choque. A mulher à minha frente não tem nada a ver com a
garota sorridente que partiu anos atrás para nunca mais voltar.
Seu rosto continua lindo, mas endurecido. Porém, não é o que mais me
choca. O vazio em seus olhos é o que traz frio para os meus ossos.
Eu sonhei com esse momento por anos. A hora em que Deus me daria
mais uma chance de ver minha irmã amada. O momento em que eu a
abraçaria e beijaria, prometendo ficarmos juntas para sempre.
Entretanto, vida real e sonhos estão caminhando separadamente nesse
instante.
Eu não sinto vontade de abraçá-la ou beijá-la. Eu nem sinto vontade de
perguntar por onde andou esse tempo todo porque fica claro para mim que
de onde estava, ela poderia sair. Poderia ter procurado, me encontrado e não
o fez.
Perdi anos da minha vida em busca dela e no entanto, agora que a
encontrei, tudo o que eu quero é correr para longe.
Eu quero me levantar e ir embora. Quero lhe dizer para se afastar de mim
porque quem ama não machuca ou engana e ela me trouxe para cá à força.
Quero gritar que a única coisa que desejo é a minha família de volta.
Leonid, Borya e meu filho que vai nascer.
Eu controlo o impulso de colocar as mãos sobre o ventre. Embora talvez
ela já saiba da gravidez, se o filho da mãe de Antinko lhe passou o serviço
completo, eu não vou lhe dar munição contra mim.
— Você dormiu demais — diz, sem responder ao meu cumprimento.
Como se o fato de eu ficar desacordada por horas, talvez dias, já que perdi a
noção de tempo, fosse culpa minha e não porque mandou alguém me tirar
de dentro da minha casa, me dopando.
— Eu estava exausta, eu acho.
— Sim, por isso mandei lhe darem mais sedativos.
A confirmação do que eu já sabia faz meu sangue ferver. Ela me drogou
mesmo.
Juana se aproxima e senta-se na beirada da cama. É um esforço ficar
parada, mas eu me obrigo.
— Por onde andou todo esse tempo?
— Antes me dê um abraço — pede. — Eu o esperei por anos!
Mesmo? Então por que não me procurou antes? Por que permitiu que eu
vivesse a minha vida atrás de uma ilusão? Noites em claro imaginando seu
destino? Se estava sendo maltratada, sofrendo violência? Noites em que
chorei e sofri me culpando por não ter ido com você naquele dia?
Ela se aproxima e me envolve em seus braços. O perfume forte que usa
me causa enjoo.
— Sentiu saudade?
— Sim — minto parcialmente.
Eu senti saudade de quem ela era.
— Você me procurou — afirma e minha raiva aumenta.
— Sabia disso?
— Sou a esposa de Isidoro, a primeira dama da nova geração Los
Morales. Eu sei tudo, irmã.
Não tudo. Você não faz ideia do que estou pensando nesse instante. Não
consegue imaginar a mágoa e desprezo dentro de mim por ter podido
acabar com a minha agonia e mesmo assim ter optado por não fazê-lo.
Eu não a abraço de volta e acho que ela percebe, porque se levanta e
toma distância.
— Então foi com ele que esteve esse tempo todo?
— Claro, com quem mais seria?
— Conte-me o que aconteceu.
Ela cruza os braços como se estivesse considerando se sou digna de uma
resposta, mas depois finalmente se afasta e senta-se em uma poltrona.
— Lembra do dia em que atravessei a fronteira?
— Lembro, sim. Você ia para a casa da nossa avó. Até me chamou para ir
junto.
— Só chamei porque mamãe estava no meu pé. Ela já estava
desconfiada. Na verdade, eu não queria mesmo que você fosse, só iria me
atrapalhar.
— Atrapalhar com o quê?
— Eu tinha um encontro com Isidoro — diz sorrindo e eu noto, mesmo
com a minha cabeça ainda parcialmente anuviada pelas drogas, que minha
irmã parece fora da realidade. Como alguém que criou um mundo para si.
— Por que se encontraria com ele? — pergunto com cuidado, quando na
verdade, eu entendo o óbvio rapidamente: ela queria o estilo de vida que
leva agora e a confirmação vem quando diz:
— Eu sempre desejei uma vida diferente.
— Diferente como?
— Do tipo que a mamãe teria se não fosse tão burra ou…
— Ou o quê?
— Puritana.
Sinto meu estômago revirar e não tem nada a ver com o enjoo matinal
que tem me atacado por causa da gravidez, e sim, porque o cenário de um
filme de terror começa a se formar na minha mente.
— Você ficou no lugar dela? Eles dois a compartilhavam?
— Só no começo. Eu não gosto de trisais porque sempre fico dolorida
depois e aqueles dois, vou te contar… tem ou melhor seria dizer “tinham”,
já que eu soube que Fernando perdeu a cabeça — diz, gargalhando e agora
eu sei como meu pai morreu. — Enfim, seu pai e Isidoro tinham um apetite
sexual inesgotável e em pouco tempo, eu convenci meu agora marido de
que queria ser só dele. Fernando não aceitou tão facilmente, o que foi ótimo
para mim, porque foi assim que comecei a manipular para que Isidoro
odiasse seu pai.
— Por quê?
— Meu homem era o segundo no comando e eu não nasci para ser
número dois. Agora chega de falar de mim e vamos falar sobre os russos.
— Por que está interessada?
— Porque eles a pegaram para poderem negociar com Fernando e depois,
com Isidoro. Eu quero saber o que descobriu.
— Como soube disso? Como descobriu que eu estava lá? Antinko?
— Ah, não, foi muito antes! Temos informantes em todos os lados. Foi
Radia quem nos passou o relatório completo.
— Você mandou que ela deixasse Borya se afogar? — Tento esconder o
nojo em minha voz, mas não sei se consigo.
Ela põe a mão no peito em um gesto teatral de espanto.
— Claro que não. O que pensa que eu sou? Aquela incompetente foi
morta por causa das próprias merdas. Quem mandou não cuidar do
remelento direito?
Meu Deus, quem é essa mulher?
— Antinko me contou que você e o chefão dele, estavam de caso. Soube
salvar a própria pele, irmã. Tenho tanto orgulho. Nós mulheres temos que
fazer o que for preciso para sobreviver.
— Mas segundo me disse, não foi por uma questão de sobrevivência que
dormiu com Fernando e Isidoro.
— Não mesmo, foi pelo poder que aquilo me daria. Eles queriam um
brinquedo. Nossa mãe não queria mais brincar, eu queria o lugar dela. Foi
uma solução temporária perfeita.
— Temporária?
— Ah, sim, temporária. Eu sabia que não ficaria com os dois para
sempre. O filho da puta do Fernando não se deixava conquistar tão fácil,
então eu percebi rapidamente que minhas chances eram com o caçula e
joguei pesado. Eu fui tudo o que ele quis. Concordei com as maiores
depravações e depois de um tempo, ele estava comendo na minha mão.
— E agora tem tudo com o que sonhou?
— Eu tenho você aqui comigo, então meu sonho está quase completo,
mas falta algo essencial.
— O quê?
— Eu quero o poder. Quero o lugar de Isidoro e por isso, preciso matá-lo.
Podemos vingar nossa mãe, Sierra, por todos os anos em que eles a
maltrataram.
Meu nojo por ela aumenta. Está claramente tentando me manipular
porque se pensasse na nossa mãe, não teria dormido com os homens que
destruíram a vida dela.
— Então é isso? Você quer ser uma narcotraficante?
— Não uma narcotraficante qualquer, mas a maior que já existiu. A
baronesa do tráfico. Eu não passei anos apenas fodendo, eu aprendi com
eles e sento-me hoje em dia para negociar carregamentos ao lado de Isidoro,
crio estratégias e tomo decisões.
— E se viver assim não for o que desejo? — pergunto com calma.
Reparo que ela não mencionou a gravidez, então talvez Antinko não
tenha falado a respeito. A essa altura, considero uma bênção manter meu
filho protegido da loucura dela, porque eu não tenho mais qualquer dúvida
de que no meio do caminho de ambição que trilhou, em algum ponto, minha
irmã se perdeu entre fantasia e realidade.
— Não fale bobagem. Por que não iria querer? Vamos ter o mundo aos
nossos pés! Agora, vou mandar trazerem o seu jantar. Seja uma boa menina,
coma tudo e depois tenha uma boa noite de sono. Tenho planos para nós
amanhã.
— Eu não disse que não queria ficar ao seu lado, Juana. Eu te procurei
por tanto tempo — falo e nesse momento poderia ganhar um Oscar de
melhor atriz. — Só fiquei confusa com todos esses anos em que ficamos
separadas.
Ela sorri e volta a se aproximar.
— Eu sei, meu amor. Perdoe-me se estou sendo muito dura. Meu coração
às vezes é um pouco frio.
— Eu não me ofendi. Estou feliz de ter te reencontrado. Aliás, onde
estamos?
— Colômbia, mas pretendo voltar para casa em breve.
— Casa?
— No México.
— Ah, sim. Bem, vou aceitar a comida e o banho, mas antes me
responda: sou uma prisioneira?
Ela revira os olhos, como se o que eu tivesse dito fosse um absurdo e é
assim que eu percebo que há muito mais de loucura do que de lucidez
dentro dela atualmente.
— Claro que não, né? É minha convidada! Pode dar uma volta lá fora se
quiser, ir até a vila do povoado.
— Permitiria?
— Sierra, você não tem como fugir nem se quisesse. Estamos no meio do
nada e há perigo por todos os lados. Traficantes de um lado: nós e os locais
— diz, gargalhando —, e do outro, muitos animais selvagens na mata. É um
lugar de merda. Agora eu preciso ir fazer as unhas. Te vejo amanhã.
Ela sai batendo a porta e com esforço, consigo me levantar e ir ao
banheiro vomitar.
Tomo água da torneira, mas decido que não comerei porque a despeito do
que ela disse, acho que vai me drogar outra vez.
Essa mulher que está lá fora, eu não tenho dúvidas, não é a minha irmã, é
alguém capaz de qualquer coisa quando contrariada, inclusive me matar.
Talvez ela consiga, mas não vou desistir tão fácil. Disse que não sou uma
prisioneira, mas que eu não teria para onde ir porque os perigos lá fora são
enormes. A minha intuição berra, porém, que nenhum lugar é mais perigoso
do que ao lado dela.
Na primeira oportunidade que surgir, fugirei.
Capítulo 49

No mesmo dia

— Os cinquenta homens que estão aqui conosco na América do Sul


podem procurá-la para sempre, sem sucesso. Se foi para cá mesmo que
trouxeram sua mulher como desconfiamos, apenas combatentes
especializados em resgate, e não em qualquer resgate, mas aqueles em meio
a condições desfavoráveis, como seria o caso da floresta amazônica, terão
alguma chance. Nesse caso, cada segundo conta.
É a primeira que falo e principalmente estou frente a frente com Beau
Carmouche-LeBlanc. O homem parece um maldito fantasma, aparecendo
em todo lugar ao mesmo tempo sem que alguém perceba e mesmo sabendo
muito sobre ele, porque Yerik jamais permitiria que se aproximasse de
Ruslan sem investigá-lo, parece que nunca sabemos o suficiente. Eu
cheguei até a considerar, por um tempo no passado, se o bastardo não era
um amigo imaginário de Ruslan, dado à maneira sorrateira com que se
esgueira de todo lugar.
Sabemos que ele existe, mas quase não sai em público, são raras as
fotografias dele e diz a lenda, que tem um cuidado obsessivo com a mulher
e filhos.
Uma coisa que não se pode negar, entretanto, é que Beau é leal a Ruslan.
Ele largou sua vida para vir comigo para a América do Sul. Estamos na
Colômbia, em uma verdadeira fortaleza que pertence a um amigo dele.
Não acho que seja um traficante. Se fosse o caso, não permitiria minha
vinda ao seu território a troco de nada, mas também tenho certeza de que
não é um santo. Se eu pudesse chutar, diria que se trata de um mercenário.
Um matador pago[42].
Os outros membros da elite da Irmandade estão monitorando a situação à
distância e se eu fosse obedecer às ordens de Yerik, o faria também, mas
pela primeira vez desde que nos conhecemos, fui contra uma decisão dele.
É a vida da minha futura esposa e filho que ainda nem nasceu que estão
em jogo. Família, para todos nós, principalmente mulher e descendentes,
estarão acima até mesmo da Organização.
Volto a me concentrar em Beau.
Nós conseguimos uma pista com os interrogados de que tanto Isidoro
quanto a “chica hermosa”, como chamam a cadela da irmã da minha
mulher, estavam mesmo nessa região.
No dia seguinte ao sequestro de Sierra e ao ataque na minha fazenda,
após deixar Borya aos cuidados de Yulia e Dmitri, eu vim atrás dela.
É frustrante para caralho. Temos as maiores tecnologias ao nosso dispor.
Odin está obsessivamente tentando encontrar qualquer pista, mas até agora
não obtivemos nada.
— O que você sugere?
— Meu cunhado, Amos[43], é um ex-combatente das forças especiais do
exército. Ele não faz mais serviço de campo, assim como seus sócios,
Ethan[44] e Derek[45], mas tenho certeza de que virão a meu pedido.
— Não há outra alternativa?
— Não.
— E quanto ao dono desse lugar?
— Ele não é o tipo de pessoa a quem seria prudente dever favores.
Acredite em mim.
— Não trabalho com base em prudência. Você tampouco, ao que parece.
— Sim, tem razão, mas além do fato de que ele está na Ásia no
momento, eu confio em família. Se Amos e a equipe dele não encontrarem
Sierra, Leonid, ninguém mais encontrará.
— Eu nunca vou parar de procurá-la.
— Eu sei. No seu lugar, faria o mesmo, mas temos uma corrida contra o
tempo. A pessoa que está com sua mulher não é a mesma garota que
desapareceu anos atrás. Pelo que descobri, Juana é uma assassina fria e
cruel, mil vezes pior do que o próprio Isidoro. Eu não sei se sempre foi
louca ou se ficou depois que se tornou mulher dele, mas as coisas que eu
ouvi, fariam a maior parte dos seres humanos terem pesadelos para o resto
da vida.
— Não você?
— Não há nada que me assuste a não ser a segurança da minha família,
mas o que estou falando sobre Juana é que eu já encontrei muitos filhos da
puta ao longo da vida. Eu mesmo me divirto torturando, mas as mulheres,
quando são criminosas, geralmente optam por mortes rápidas de seus
oponentes. Juana é uma exceção. Ela tortura e mutila. Gosta de infligir dor,
segundo os próprios homens de Isidoro que capturamos contaram, mas
principalmente, ela não faz distinção entre homens, mulheres ou crianças.
Ela odeia o mundo inteiro.
Lembro que a desgraçada queria meu filho também e meu ódio por ela
aumenta, se é que é possível.
— Traga-os. Chame seu cunhado e a equipe dele. Quando poderão vir?
— Na verdade, eles já estão aguardando. Apenas esperando um sinal
meu.
— Que venham, então. Eu não vou correr riscos. Eu não me importo se
tivermos que incendiar o continente inteiro. Vou trazer minha mulher de
volta.

Sierra

No dia seguinte

Eu ainda não comi. Ela me disse que nos dias em que fiquei desacordada,
me alimentaram com soro, mas estou com muito medo de comer comida e
eles me drogarem outra vez.
Sinto tanto medo que preciso segurar o enjoo a todo momento.
Juana só esteve aqui mais uma vez e foi somente a confirmação de que
ela é mais louca do que eu imaginava. Ela não diz coisa com coisa. Ri e do
nada, fica raivosa.
Hoje, andei pela propriedade. Enquanto minha irmã estava fazendo
massagem embelezadora, segundo ela mesma chamou, eu me esgueirei ao
escritório da casa e peguei um celular. Eu o desliguei porque estava com
pouca carga, mas vi pelo número que é americano, o que talvez me permita
fazer uma chamada internacional.
Escutei os empregados conversando sobre a chegada do patrão para
breve e dei graças a Deus que meu espanhol, ainda que enferrujado,
consegue me fazer entender do que falam porque no momento em que ouvi
o nome de Isidoro, soube que precisava fugir imediatamente.
Eu sei o que ele fazia com minha mãe junto a Fernando. Eu sei o que ele
fez com Juana. O homem é um depravado. Quem compartilha a mulher
com o irmão, talvez ache natural ter esposa e cunhada na mesma cama
também, mesmo que eu seja sua sobrinha de sangue.
Olho para o corredor vazio mais uma vez antes de começar a caminhar
para o lado de fora.
Eu não acreditei quando Juana me disse que eu estava livre para
caminhar, mas fiz um teste hoje mais cedo e ninguém veio atrás de mim.
Assim, eu saio novamente e como se Deus estivesse me incentivando a
tentar me salvar, um caminhão de entrega de comida está estacionado na
frente da casa.
Dou a volta por ele. Não tem alguém aqui.
Talvez a vigilância não seja tão cuidadosa porque como bem disse minha
irmã, não há para onde escapar.
Alguém que não tivesse tanto a perder como eu tenho, provavelmente
aceitaria o próprio destino. Eu não sou esse alguém. Se vou morrer, será
lutando.
Entro na cabine dupla do caminhão e me escondo no chão, atrás do banco
do motorista.
Faço uma oração a Deus, não por mim, mas pelo inocente que carrego no
ventre e então, eu espero.
Se tudo der certo, serei levada para as proximidades de uma cidade. Se
der errado, esse será meu último dia na Terra.
Capítulo 50

Dois dias depois

Eu sempre me considerei um cara frio. A mente no lugar, o coração fora


da equação.
Já passei por muita merda, sendo a morte do meu irmão, de todas elas até
descobrir que era pai de Borya, a que mais tinha me marcado.
Eu achei que depois daquilo, nada mais seria capaz de me abalar.
A vida riu de mim e me mostrou o quanto eu estava enganado quando
encontrei meu filho pela primeira vez.
Ver aquele inocente, um pedaço meu, sentindo medo e fome me fez
perceber que havia muito de humano em mim ainda.
Nada se compara, entretanto, a não saber com certeza o paradeiro dela.
Nós localizamos a fazenda para a qual Juana a levou. Beau tinha razão.
Após a chegada de Amos, Ethan e Derek, além de uma dúzia de homens
deles, as coisas correram bem mais rápido. Ficou óbvio para mim que
resgates em lugares inóspitos para aqueles homens é tão natural quanto
respirar.
Em pouco tempo, unida à tecnologia que Odin nos disponibilizou,
localizaram o lugar em que Juana se escondeu. A invasão será feita dentro
em pouco, um ataque surpresa, já que, pelos drones que enviamos para
sobrevoar o local, a segurança chega a ser ridícula.
Ou aqueles filhos da puta são muito desorganizados, ou subestimaram a
importância de Sierra para mim. Eu apostaria em um pouco de cada.
— Temos uma surpresa — Amos diz, apontando para uma das telas.
— O quê? — pergunto.
— Esse carro entrando na propriedade, não é um “convidado” comum.
Olhem a escolta em volta. Não é nada perto do que temos preparado para
eles, mas não teriam tanto cuidado se não fosse alguém importante
chegando.
— Isidoro?
— Acredito que sim.
— Se for o caso, apanharemos dois coelhos com uma cajadada só — o
loiro chamado Derek fala.
— O que quer que façamos quando encontrarmos a irmã de sua mulher?
Olho para o outro loiro, esse com barba e cabelo longo, chamado Ethan.
São um grupo estranho. Confiando em Beau ou não, eu os pesquisei,
claro. Ele falou a verdade: são ex-soldados das forças especiais do exército
que, em teoria, tem uma empresa de segurança para a proteção de
bilionários.
Na prática, porém, o assunto é outro.
São muito mais mercenários, na minha opinião, do que qualquer outra
coisa, uma vez que pelo que pude entender, as linhas entre legal e ilegal são
atravessadas de acordo com o objetivo desejado.
Não me perguntaram quem eu era e duvido que tenham perguntando a
Beau também, embora eu ache que, assim como os pesquisei, ele me
devolveram o favor.
— Matariam Juana se fosse preciso?
Sei que estou cruzando uma linha ao fazer aquela pergunta. Qualquer
resposta que eles me derem, comprometerá a todos nós, mas eu não ando
pelo escuro. Eu quero saber onde estou pisando porque há muito em jogo.
É Amos quem responde.
— Sempre há perdas pelo caminho. Fazemos o que é necessário para
salvar um inocente. Sua mulher é uma inocente, Leonid.
— Então se fosse eu a ter que ser resgatado, não aceitariam o trabalho?
— pergunto, mais por curiosidade do que por qualquer outra razão.
— Você não se deixaria apanhar. Não vivo, ao menos. Assim como nós
todos aqui — Beau diz.
Ele tem razão, claro. Homens com a nossa bagagem guardam muitos
segredos. Aquela fantasia dos filmes de Hollywood em que os mocinhos
são torturados por dias e permanecem em silêncio, não existe. Uma hora,
você falará. Assim, a única alternativa, caso esteja encurralado, é atirar para
matar e estar disposto a morrer pela causa. Seja ela qual for.
— Eu quero Juana viva. Eu não posso matá-la antes de saber como está o
relacionamento dela com Sierra.
— Mesmo depois de ter sequestrado sua mulher?
— Sierra passou anos procurando a irmã. Eu não posso matar aquela
infeliz, apesar de querer muito isso, antes de saber o que se passou naquela
fazenda.
— Certo. A irmã terá que ser trazida viva, então. E quanto a Isidoro?
— Eu preciso dos dois vivos. Quanto a ele, não é pessoal apenas.
Eu não completo dizendo sobre a ordem do Pakhan de que a morte de
Isidoro deve ser algo a não ser esquecido tão cedo para poder servir de
exemplo. Eles não têm que saber mais do que precisam.
— Quando será feita a invasão?
— Estamos saindo agora. Você fica aqui nessa casa até lhe darmos o sinal
para que nos encontre — Ethan responde.
— Sem chance. Eu não conheço a porra da floresta à nossa volta e nunca
participei de resgates, mas eu sei matar e não vai sobrar alma viva em meu
caminho enquanto eu não encontrar Sierra.

Já estamos dentro da propriedade dos narcotraficantes, ocultos em meio à


mata com roupas camufladas.
Somos um grupo de uma dúzia apenas, mas Amos me disse que há mais
homens deles posicionados estrategicamente a uma curta distância. Eles
fizeram a exigência de que os nossos homens, que já estão na América do
Sul há algumas semanas, não interviessem porque a falta de experiência
deles em meio à floresta, mais atrapalharia do que ajudaria.
Derek explicou que em caso de resgate, qualidade conta mais do que
quantidade.
Estamos armados com rifles e metralhadoras, cortesia de um cliente
nosso da região, que aceitou nos fornecer a mercadoria que lhe vendemos e
que ainda tinha armazenada, em troca de um desconto de cinquenta por
cento no fechamento do próximo contrato, mais receber os mesmos
modelos que nos apossamos, de volta.
Eu entendo agora porque Beau disse que eles eram a única opção. Eles
sabem o que estão fazendo e quando, após um sinal, nos avisam que a festa
vai começar, eu me preparo para fazer o que for preciso para tirar minha
mulher desse inferno.
Estamos preparados para a guerra, mas muito além disso, eu quero a
guerra, porque o ódio acumulado dentro de mim há dias está emergindo em
ondas incontroláveis.
E então, o caos tem início.
Balas derrubam os homens deles como se fossem alvos de papel e eu
atiro em qualquer um que não esteja vestido como nós.
O som de tiros ricocheteando é incessante e inconfundível, assim como o
grito de desespero dos feridos.
Eles eram muitos em número, mas despreparados para nosso mini
exército.
Restam poucos e entre nós, não houve sequer uma baixa. Chegamos à
porta da casa e os gritos se sucedem com ordens em espanhol.
Continuamos atirando, mas agora, com mais cuidado, porque há três
pessoas lá dentro que queremos. Duas, para serem punidas. A terceira, para
trazer minha sanidade de volta.
E finalmente, estamos dentro.
Nos dividimos em pequenos grupos e em pouco tempo, percorro com
Beau a casa inteira.
Sierra não está aqui.
Porra!
Volto para a entrada.
— Eu não a encontrei.
— Juana também não está na casa — Derek avisa.
— Vamos achá-las. Entretanto, temos uma surpresa, Leonid.
Amos dá um passo para o lado e então eu vejo o filho da puta do Isidoro
de joelhos, sendo segurado pelo cabelo por Ethan.
Eu me aproximo do novo chefe dos Morales.
— Sabe quem eu sou?
Ele está cuspindo sangue, mas não foi baleado, como eu instruí que não
deveria ser.
— Um filho da puta russo.
A despeito de toda a merda que me cerca, eu sorrio.
— Isso mesmo, um filho da puta russo e você já estaria morto por toda
dor de cabeça que nos deu ao longo do último ano, mas no momento em
que aquela cadela que você chama de esposa tocou minha mulher, ela
tornou seu fim um inferno de pior, Isidoro.
Eu saio de perto porque não confio em mim mesmo para não matá-lo
nesse instante.
Sinto meu celular vibrar embaixo do colete à prova de balas e quase
resolvo não atender, mas acabo me afastando para fazê-lo.
— Leonid. Eu fugi — Ouço a voz da minha mulher dizer e pela primeira
vez que eu me lembre, eu agradeço a Deus.
Capítulo 51

Uma bola de ferro se revira de forma dolorosa dentro do meu estômago,


enquanto digo a mim mesmo que ela vai ligar de novo.
Tentou três vezes já e à exceção da primeira, quando me disse algo que
soou como música aos meus ouvidos — Leonid. Eu fugi —, os telefonemas
foram encerrados logo depois de dizer meu nome.
Ethan disse que é por causa do sinal, mas que se ela conseguiu ligar, não
deve estar muito longe. Estamos bem próximos à fronteira do Brasil e
espero que ela não tenha cruzado porque será muito mais fácil pegá-la ainda
em território colombiano.
Nós nos separamos depois que a equipe de limpeza deles chegou para ter
certeza de que não havia nada que os ligassem às mortes.
Nesse instante, Isidoro já deve estar sendo levado para o México em um
voo clandestino e de lá, Yerik dará um jeito de transportá-lo até a fazenda
na Virgínia.
Eu estou com Ethan, Beau, Amos e Derek dentro de uma van, já fora da
fazenda dos narcotraficantes, aguardando Sierra ligar outra vez. Há
especialistas em rastreamento conosco.
Quando, depois de uma hora, o telefone volta a tocar, meu coração
dispara em um ritmo anormal.
— Leonid — ela diz assim que eu atendo —, eu não consigo mais. Estou
muito cansada.
Sua voz soa fraca, diferente da mulher briguenta que tanto me fascinou.
Faço sinal para os homens tentarem rastrear a chamada.
— Sierra, eu vou te encontrar. Não desista.
— Não sei se tenho mais forças. Eu sinto muito.
— Não ouse desistir. Eu vou achar você. Esconda-se. Você pode fazer
isso. É a mulher mais forte que eu conheço, mas mantenha o celular ligado.
— Eu o liguei e desliguei para economizar bateria, mas estou cansada e
com fome.
Porra! Caralho!
— Linda, eu vou te achar. Nem que eu tenha que virar a merda desse
planeta do avesso, vou encontrá-la.
— Leonid… — ela chama meu nome pela última vez antes da ligação
cair.
Olho para um dos técnicos que tentou rastrear a chamada, disposto a
arrancar a cabeça dele se não me der a resposta que eu quero.
— Brasil. Eles a levaram para o Brasil. Ou melhor, estou assumindo que
ela esteja com mais alguém, mas talvez não, ou não estaria nos ligando —
diz e pela primeira vez desde que o pesadelo começou, tenho um ponto de
partida concreto.
— Que lugar no Brasil?
— Espera, ela não atravessou a fronteira — diz, apontando a tela. — Está
bem próxima, mas ainda é território colombiano.
— Sabe a localização exata?
— Ligue para ela dessa vez. Só preciso de alguns segundos.
— Sierra, preste atenção — falo assim que atende. — Achamos você.
Mantenha o telefone ligado, mas não faça mais qualquer chamada para
mim. Eu vou te encontrar e quando estiver chegando, aviso. Você está
sozinha, né? Tem alguém te perseguindo?
— Eu não sei, mas acho que não. Vem logo.
— Achei! Duas horas e meia daqui — o homem diz.
Porra! É muito tempo.
— Ela vai conseguir — Beau fala, quando desligo, como se lesse minha
mente.
— Minha mulher está grávida e faminta.
— E por isso mesmo ela não vai desistir, Leonid. Uma mãe poderia
desistir por ela mesma, mas não sabendo que o filho depende de que
sobreviva.
Se a vida fosse um filme, quando parássemos o maldito carro perto da
fronteira, Sierra viria correndo para os meus braços enquanto os créditos
finais anunciariam um “felizes para sempre”, mas essa porra é o mundo
real, então eu preciso ligar para ela mais três vezes e nos dividimos em
pequenos grupos até que eu veja Derek se aproximar com a minha mulher
nos braços.
Ela está imunda e quase desacordada.
— Sede — diz e Amos já está abrindo o cantil e entregando-o a mim.
— Faça com que ela beba pequenos goles — instrui.
— Abra a boca, amor.
— Leonid?
— Sim, linda. Sou eu.
Ela dá um gole e vomita.
— Temos que encontrar um médico — Amos diz. — Ela está
desidratada.
— Eu estou com fome.
Jesus, cada vez que ouço isso, penso que vou enlouquecer.
— Eu tenho barras de proteína no carro — Derek fala. — O importante é
que um médico a veja o mais depressa possível.

Quase quatro horas depois, chegamos de volta à fortaleza.


Um médico nos espera e enquanto subo com Sierra em meus braços, os
outros homens se prepararam para partir.
Amos e Beau ficarão comigo até Sierra ter condições de voar e também
porque não há garantia de que todos os traficantes de drogas estejam mortos
mesmo. Podem vir para uma retaliação caso descubram onde estamos, já
que atacamos não apenas os Morales, como também os narcotraficantes
colombianos que os abrigavam.
— Quer dar um banho nela primeiro? — o médico pergunta.
— Não. Eu quero que o senhor me examine — Sierra diz, já desperta.
Ela acordou e dormiu o caminho todo, em meus braços e a cada vez,
repetia o quanto me amava.
Apenas no momento em que a tive comigo novamente, me permiti sentir
medo. Eu a abracei e jurei que nunca mais a tirariam de mim. Eu disse que
morreria antes de descumprir a promessa.
— Tudo bem, senhorita — o homem concorda em um inglês carregado.
Meia hora depois, ela recebe uma bolsa de soro e está dormindo
novamente.
Fora a fome e desidratação, ele disse. Aparenta estar bem, mas por causa
da gravidez, aconselha que a leve a um obstetra tão logo seja possível.
Eu o farei, mas não aqui. Eu quero sair desse lugar porque não vou me
arriscar a perdê-la outra vez.
Capítulo 52

— Agora, eu quero tomar um banho. Eu não me sinto humana ainda —


digo para o meu homem, que me segura apertado em seus braços.
Finalmente começo a reagir. Eu não faço ideia de quanto tempo eu
dormi, mas em algum momento da noite, sei que Leonid tirou o soro da
minha veia.
A cada vez que eu abria os olhos para conferir se ele ainda estava
comigo, eu o pegava me encarando.
Tive medo que reencontrá-lo tivesse sido um sonho.
Não me lembro direito do que aconteceu entre um gigante loiro me pegar
no colo e alguém me dando água, mas lembro do médico e também que
Leonid não me deixou sozinha por um segundo sequer.
— Eu não gosto de sentir medo — confesso.
— Ninguém gosta.
— Comigo é diferente. A maioria das crianças têm medo de bicho-papão,
mas o meu era o meu pai. Por mais que minha mãe tenha me poupado de
conviver com ele, eu sabia o quanto ela vivia apavorada de que ele
aparecesse de uma hora para outra. O constante estado de pânico dela
acabou passando para mim.
— Eu te acho corajosa para caralho, Sierra. A mulher mais forte que eu
já conheci.
— Porque eu precisei me tornar. Quando minha mãe apareceu morta,
depois de minha irmã ter sumido, eu sabia que o mundo não era um lugar
seguro para as mulheres.
Ele acena com a cabeça, concordando.
— Mas você nunca mais sentirá medo, linda.
— É impossível, Leonid. Nem você tem esse poder. Eu vou sentir mais
medo agora do que antes porque eu tenho muito a perder. Você, o bebê,
Borya. O tempo todo em que estive no cativeiro, depois que acordei das
drogas quem me deram…
— Caralho! Eu quero matar sua irmã!
Eu nem tenho como defendê-la, então apenas continuo.
— Depois que eu despertei das drogas, eu só pensava em vocês três.
Meus dois filhos e o homem que eu amo.
— Você não saiu da minha cabeça por um segundo, Sierra. Eu não sei
como atravessei esses dias. Estava obcecado em trazê-la de volta.
— Onde está Borya?
— Seguro, com Dmitri.
— Eu quero tanto ouvir a voz dele.
— Amanhã, se estiver se sentindo melhor, iremos embora. No avião,
poderá telefonar. Agora me conte o que aconteceu. Como Antinko
conseguiu enganá-la?
— O barco.
— Barco?
— Sim, o que encomendamos para Borya. Ele deve ter deixado os
homens entrarem escondidos no caminhão que o rebocava. Só assim teriam
passado pela segurança.
— Conte-me. Eu preciso saber os detalhes. Ver onde falhei.
— Você não falhou, meu amor. Ninguém pode se proteger contra as
pessoas em quem confia, por isso é a maior das traições. Ele me levou à
cozinha, alegando que o caminhão com o barco estava parado nos fundos da
casa. Antes que eu pudesse sair, senti uma picada no pescoço e minhas
pernas perderam as forças. Eu entendi o que ele havia feito e perguntei
como pôde, já que sabia que eu estava grávida. Ele me disse que pegaram
toda a família dele.
— Eu sei. Estão todos mortos, inclusive Antinko. Eles o mataram no
mesmo dia.
— Eu queria dizer que lamento por ele, mas seria mentira. Ele está morto
e eu o odeio porque colocou a vida do meu filho em risco. — Aperto os
olhos, lembrando de algo. — Ele queria que eu acordasse Borya para levá-
lo também para ver o barco.
O horror do entendimento me faz correr para o banheiro para vomitar.
— Aquele miserável ia colocar a vida dos meus dois filhos em risco.
— Não, ele ia colocar o meu mundo inteiro em perigo. Ele teve uma
morte piedosa perto do que merecia.

Uma hora depois, estou com ele embaixo do jato forte do chuveiro.
Não há um pedaço meu que Leonid não tenha lavado e beijado uma e
outra vez.
Ele ensaboou meu corpo e cabelo, lavou meu rosto, massageou meus
ombros.
Ele me encostou contra a parede e ajoelhado à minha frente, me deu dois
orgasmos.
E agora, ele ainda está dentro de mim, depois de fazer amor com cuidado
e tanto carinho que me faz ter vontade chorar.
— Eu não posso perder você, Sierra.
Abro os olhos e o encaro.
— Eu não quero que você me perca.
— Não sou um cara fácil de se lidar e depois do que aconteceu, minha
obsessão vai piorar muito, mas estou… — ele para e se corrige. — Não, eu
não estou, porque não é uma condição, e sim um sentimento que não vai
passar. Então, eu sou apaixonado por você. Cada respirar meu será por você
e por nossos filhos.
— Eu te amo, Leonid. Eu não quero nada diferente do que você é. Eu já
vi seu pior e melhor lado. Eu te amo por inteiro. Eu te amo sem reservas ou
questionamento. Eu te amo.
Dois dias depois

— Sierra!
Assim que desço do carro no terreno de Dmitri, vejo Borya de pé à nossa
espera. Nós acabamos de sair do obstetra que cuidou dos partos de Yulia,
porque eu precisava ter certeza de que estava tudo bem com o meu filho.
Apenas depois de todos os exames feitos, inclusive a ultrassonografia,
consegui respirar aliviada.
Agora, chegou o momento de encontrar o outro pedaço do meu coração.
Meu garotinho.
Eu vim o caminho todo para Nova Iorque em um pacto mental comigo
mesma de que não iria chorar, mas no momento em que tenho Borya em
meus braços, eu me descontrolo.
Medo, amor e mais um pouco de medo de nunca ter outra vez a
oportunidade de sentir aqueles braços gorduchos à minha volta me atingem
em cheio e eu soluço, apertando-o contra mim.
Ele toma um pouco de distância.
— Pai, vem. Os três.
A expressão de Leonid está séria e se eu pudesse adivinhar, diria que está
emocionado também.
Ele se abaixa e pega o filho no colo. Depois, abraça a nós dois.
— Três por enquanto — diz. — Depois, muitos irmãos. Todos juntos,
para sempre.
Capítulo 53

Virgínia — A fazenda
Dias depois

Eu precisei de alguns dias antes de vir finalmente ao encontro de Isidoro.


Sempre considerei minha preocupação com segurança dentro da média,
de acordo com a minha “área de atuação”. Depois do sequestro de Sierra,
entretanto, seguido da invasão da nossa fazenda no Wisconsin, eu posso
dizer que me tornei praticamente Maxim — obsessivamente preocupado
com todos os detalhes.
Transformei-a em uma verdadeira fortaleza.
Decidi que quando nos mudarmos para a costa leste, ao contrário do
estilo de vida que levava anteriormente, quero comprar uma área tão grande
quanto a do Wisconsin.
Em caso de ataque e também para a proteção da minha família, estarei
muito melhor resguardado em uma fazenda do que em um edifício ou uma
casa comum.
Desço do helicóptero que me trouxe e nem me dou ao trabalho de ir à
sede. Sigo direto para o galpão, onde sei que eles têm Isidoro detido. Todos
os outros três homens de Yerik, incluindo o próprio Pakhan e Ruslan, estão
presentes também.
Eu tiro o blazer do terno e a gravata. Livro-me dos sapatos porque Sierra
gosta deles e não quero que fique aborrecida caso estraguem.
Finalmente estou de camisa, com as mangas dobradas e ansioso para
começar.
Ao contrário da maioria das pessoas que depois de um tempo quando
alguém as fode a raiva vai diminuindo até chegar o momento em que
desaparecerá, eu a cultivo.
Sempre foi um traço meu. Sou como uma panela de pressão, a diferença
é que determino o momento da ebulição. Eu ponho meu ódio para fora
quando eu quero.
Em relação a Isidoro e à cadela que ele chama de esposa, eu fui um passo
além. Eu me obriguei a pensar a respeito no momento certo.
Pensei na minha esposa grávida recebendo tantas drogas ao ponto de
ficar dias desacordada e o pânico que deve ter sentido quando descobriu a
traição de Antinko.
Pensei em Sierra acordando em um lugar estranho e com tanto medo de
que a dopassem novamente que ficou sem comer para não prejudicar o
bebê.
Pensei na minha mulher linda e corajosa fugindo sozinha e chorando de
fome e estafa comigo ao celular.
Pensei em Borya, que já perdeu tanto e que não entendeu nada quando
Sierra desapareceu de sua vida por dias. Até hoje ele pede a ela para não
fazer mais aquilo.
Pensei que eles queriam meu filho também e só não o levaram por pura
sorte dele estar dormindo.
Pensei que eles poderiam ter matado nossa criança indefesa, dentro do
corpo da mãe.
Alimentei o ódio e esperei, mas finalmente estou frente a frente com um
dos filhos da puta que fizeram da vida dela, desde a infância, um verdadeiro
inferno.
Aceno com a cabeça cumprimentando meus amigos e vou beijar Ruslan e
Yerik.
Somente então, eu ando até o desgraçado.
Ele está nu, pendurado em correntes.
Seus olhos, enegrecidos pelas surras, já não demonstram qualquer
coragem. Não sobrou nada do narco playboy, como a imprensa o chama, e
em breve, não sobrará nada da chica hermosa também.
Ele tem alguns cortes e sei que partiram de Yerik e foram feitos hoje, ou
não teria sobrevivido. Nenhuma delas é fatal, mas estrategicamente
desferidos para causar uma dor intermitente.
Tortura é a nossa especialidade para extrair confissões, mas hoje não há
mais nada que precisemos saber. Será uma aula apenas para as gerações
futuras. Para os novos cartéis que tentarem se insurgir contra a nossa
Organização.
Eu escolho uma faca, a certa para descarnar e me abaixo frente aos
joelhos dele. Recorto cuidadosamente em volta das rótulas. Em pouco mais
de dois minutos, elas estão expostas como rosas vermelhas desabrochando.
Eu mal ouço seus gritos. Só continuo meu trabalho em várias áreas até
que no fim, ele não parece mais humano. Ele é um retalho e sangue jorra de
vários orifícios.
— Joguem água nele — ordeno porque o filho da puta desmaiou.
Quando ele volta a acordar, me preparo para o golpe final.
— Eu vou cortar seu pau e te alimentar com ele. Considere isso como
uma homenagem à minha sogra. Será um pagamento para cada vez que
você e o desgraçado do seu irmão a estupraram. Antes, porém, quero que
saiba que eu vou atrás de sua chica, muchacho. Sí, eu vou atrás da cadela e
vou matá-la.
Ele está quase morto, mas eu ainda consigo ver dor em suas feições. O
imbecil realmente a ama.
Com um golpe não muito rápido, corto seu pau e concluo o que prometi.
Ele vomita.
Eu viro as costas e ainda ouço Yerik dizendo para não o matarem. Ele
será enterrado vivo, com ratos lhe devorando.
Eu não me importo. Já acabei aqui. Agora posso ir para casa beijar minha
mulher e filho.
Capítulo 54

Caribe
Dia do casamento de Leonid e Sierra

— Eu nunca pensei que chegaria esse dia para mim — falo para Talassa,
Lara, Yulia e Anastacia, com os olhos marejados de lágrimas, até que uma
finalmente escapole. — Droga, vou estragar a maquiagem.
— E quem se importa? — a mulher do Pakhan pergunta, me abraçando.
— Hoje é especial. Não dê atenção aos protocolos. Você passou pelo
inferno e sobreviveu. Tem o direito de chorar o quanto quiser.
— Mas aí é que está: eu não quero chorar, Talassa. Eu tenho tanta coisa
para agradecer — digo, passando a mão pelo meu abdômen arredondado.
Elas sorriem, concordando. Ao longo dos últimos meses, nós nos
tornamos amigas e cada uma delas tem uma história tão pesada quanto a
minha. As novas amigas que o destino pôs em meu caminho são
sobreviventes.
— Seja feliz, Sierra. Não pense no passado — Lara diz. — Se ficássemos
presas ao mal que nos fizeram, nunca seguiríamos em frente. Escreva novos
capítulos de sua vida. Seja a dona da caneta.
Não foi modo de falar, aquela última parte. Eu descobri que consigo
colocar no papel todos os fantasmas guardados dentro de mim através da
escrita de um romance dark.
Eu não o publiquei ainda, porque sempre fico indo e voltando achando
que está faltando algo, mas as meninas já leram e adoraram.
Pode parecer estranho uma grávida escrever algo pesado, mas apesar de
ter muito amor dentro de mim, direcionado a Borya, Leonid e meu filho
ainda por nascer, há escuridão, também.
Esses pensamentos são, na maior parte das vezes, direcionados a Juana.
Leonid descobriu, quando interrogou Isidoro, que foi a pedido de Juana
que nossa mãe foi assassinada.
Quando mamãe decidiu finalmente denunciar os dois por anos de maus
tratos e violência sexual e também por desconfiar que foram eles que
sequestraram Juana, minha irmã viu o império o qual tanto almejava ser
ameaçado. Naquela época, ela ainda era praticamente uma garota e se
Fernando e Isidoro fossem mortos, seus sonhos de se tornar a baronesa do
tráfico seriam jogados ao vento.
Ela mandou matar nossa mãe — repito para mim mesma com todas as
letras porque de vez em quando, meu cérebro ainda me prega peças,
tentando lembrar da minha irmã como ela era antes de desaparecer.
Às vezes, eu acho que mesmo quando éramos mais novas, eu via o que
queria ver. Juana sempre reclamou da comida que tinha na mesa e de não
poder ter roupas melhores, já que mamãe não aceitava dinheiro de Fernando
para nos vestir ou alimentar.
Minha irmã sempre quis mais. Não há nada de errado nisso, desde que
você não destrua tudo à sua volta para conseguir atingir seus objetivos.
Ela está fugindo, ainda.
Leonid conversou comigo a respeito.
Ele não me disse com todas as letras, mas sei que matou Isidoro e que vai
matá-la também.
Eu gostaria de dizer que, se pudesse, faria alguma coisa para impedir,
mas é mentira. Meu futuro marido me contou histórias sobre Juana, de
sequestro de crianças para torturas por diversão na fazenda deles no
México, que me deixaram com pesadelos por dias.
Ninguém mais fala em Los Morales, eles foram varridos do mapa.
Agora, eu preciso varrer essa parte da história do meu coração também.
Ao que me consta, a única família que tive, e da qual quero me lembrar e
falar a respeito aos meus filhos, é a minha mãe.
— Hey, não fique pensando tanto. — Anastacia vem para mim e me dá
um abraço. — Sei que passou por coisas que são difíceis de esquecer, mas o
tempo é o melhor analgésico que existe.
Sei que fala por experiência própria, já que Ana também teve a irmã
desaparecida por mais de três anos. A diferença é que quando Taisiya[46] foi
resgatada, entrou para um convento, não saiu matando pessoas como a
minha.
— Você está certa. Vai passar, Ana. Eu vou ficar bem.
Viro-me para a quarta mulher do grupo. Yulia, a russa que é esposa de
Dmitri. Fale sobre um time de garotas com problemas familiares e nós
somos almas gêmeas.
A irmã de Yulia lhe causou uma lesão permanente no ouvido.
— Eu não sei se já agradeci o bastante por você ter tomado conta de
Borya para nós enquanto eu estava sequestrada, Yulia. Em todo caso, direi
mais uma vez: obrigada. Vocês todas são como presentes para mim.
Elas me abraçam e então o homem que parece estar em todos lugares ao
mesmo tempo, o eterno Pakhan, como diz Leonid, bate à porta.
Ruslan se ofereceu para andar comigo até o altar montado na praia e eu
aceitei. Nunca tive uma figura paterna e ele é o tipo de pessoa que faz com
que as mulheres — qualquer mulher, de qualquer idade — se apaixone
instantaneamente.
Resolvemos nos casar na ilha, no fim das contas. Parece que a maioria
das minhas novas amigas optou por essa solução porque é mais seguro, já
que os inimigos estão por todos os lados, mas também porque o lugar é o
paraíso na Terra.
— Mamãe, linda — Borya diz, vestido de forma idêntica ao seu novo
amigo Ruslan.
Ele passou a me chamar assim ao ver os filhos das minhas amigas
fazerem o mesmo. Eu nunca o obrigaria, mas seria uma mentirosa se não
dissesse que meu coração transborda amor cada vez que ele o faz.
— Lindo é você, todo elegante de terno.
Ele gargalha e me dá a mão.
Ruslan segura meu rosto e me dá um beijo na testa.
— Vamos lá, boneca, que seu futuro marido está a ponto de começar uma
guerra, de tanta ansiedade.
Levamos cerca de cinco minutos para chegarmos à estrutura montada,
mas quando coloco o pé no tapete vermelho, Leonid vem correndo e me
pega no colo.
— Pode deixar que eu assumo daqui em diante, Pakhan. Está muito
quente para minha noiva caminhar.
Ele começa a andar comigo em seus braços até o altar.
Ouço a risada do meu filho e do resto dos convidados. Quando olho para
Ruslan, por cima do ombro de Leonid, ele está sorrindo e apontando o
polegar para cima.
— Você vai matar a cerimonialista do coração.
— E quem se importa? Fiquei preocupado com o calor. Sua pressão tem
andado baixa.
— Que desculpa esfarrapada, senhor. Por que não admite que queria a
oportunidade de me pegar no colo e mostrar ao mundo que sou sua?
— Também, linda. Mas disso ninguém mais tem dúvida. Você é minha.
Capítulo 55

Noite de núpcias

— Sabe o quanto me deixa louco te assistir ficando nua para mim?


— Eu gosto de ficar nua para você. Eu gosto do que vejo em seus olhos
enquanto eu me dispo, marido.
Estou nu também, sentado em uma poltrona na sala da casa, apreciando
meu striptease particular. Não importa quantas vezes eu a foda, minha fome
por Sierra não diminui.
Eu me levanto e aproximo-me da deusa que agora posso chamar de
minha. Ela estava apenas com uma calcinha fio dental por baixo do vestido
de noiva, mas depois de fazer um giro de trezentos e sessenta graus e me
dar uma bela visão de sua bunda, se livrou dela rapidamente.
— Por que? — pergunto e escorrego a mão para o centro de suas coxas,
tocando as dobras encharcadas.
Ela geme meu nome e se segura em meus ombros. Aproxima-se,
mordendo meu peito.
— Porque sou louca por você, marido. Eu não sinto vergonha. Você me
olha com adoração.
— Você é adorada, Sierra. Nunca duvide disso, mas agora, eu vou te
fazer gozar nos meus dedos porque eu te quero prontinha para mim. Não
vai ser suave, baby.
— Eu não ligo para como vai me tomar, eu quero tudo, desde que seja
com você.
A mulher parece saber de cor as palavras certas para me deixar louco.
— Sempre comigo. Só comigo.
Borya foi dormir com a família do Pakhan, então temos a casa de
hóspedes ao nosso dispor. Por isso, nem chegamos no quarto. Mal fechamos
a porta, já arrancamos as roupas.
Eu a sento na mesa de jantar porque a loucura entre nós é assim. Ainda
que tenhamos um maldito mini palácio inteiro onde foder, eu não consigo
esperar.
Com ela, eu nunca quero esperar.
— Abra bem as coxas enquanto eu te como — mando.
Ela está excitada e o cheiro do seu mel, me deixando louco de tesão.
Separo os lábios de seu sexo e lambo a boceta de boca aberta.
Dedilho o clitóris sem descanso, enquanto a como igual a uma fruta
madura, sugando-a toda.
Agarro seus quadris e puxo-a para a beirada da mesa.
— Rebole essa boceta no meu rosto. Goze na minha boca.
Eu a fodo com língua e dedos depois, metendo gostoso e lambendo seu
ponto de prazer.
O sabor dela é delicioso. Eu sempre quero mais.
As mãos vêm para o meu cabelo, puxando-me, oferecendo-se.
Seus gemidos ficam cada vez mais altos e quando mordisco o clitóris ela
me dá tudo, trancando as coxas em volta do meu pescoço e gozando.
Quando seus tremores se acalmam, eu a puxo pela nuca e beijo-lhe a
boca para que prove a si mesma.
— Eu vou te foder na cama, também. Em cada cômodo dessa casa, mas
quero meu pau em você agora.
Eu a beijo outra vez, faminto e com a outra mão, agarro o mamilo duro e
o aperto entre o polegar e o indicador, provocando-a.
Ela me segura pelos cabelos e me morde o lábio, selvagem e deliciosa
para caralho.
Suspendo-a nos braços e abocanho o peito inteiro. Puxo o bico duro entre
os dentes e ela geme, se agarrando ao meu pescoço.
Passo para o outro, sugando forte também e ela solta um grunhido rouco,
baixinho.
Beijo a curva do pescoço, revezando lábios e dentes para voltar e lamber
os peitos.
Seguro suas coxas por baixo, uma das mãos escorregando para separar os
lábios molhados da boceta.
Quando vejo que está pronta, deslizo inteiro em seu canal.
Nós dois perdemos o fôlego porque ela é apertadinha, uma delícia. Fodo-
a fazendo com que me cavalgue escorada nos meus braços, mas preciso de
mais, então a deito de bruços na mesa.
Sou um animal no momento, puro instinto primitivo.
O tesão entre nós é explosivo e meu pau duro e grosso está louco para se
perder mais uma vez em seu sexo estreito.
Seguro-a pelos ombros e meto até as bolas.
Ela ofega enquanto impulsiono, saindo e entrando em seu sexo molhado.
Preciso fechar os olhos para não gozar porque ela é muito gostosa. É
como ser engolido por uma piscina aquecida, sedosa e lubrificada.
Recuo e bato dentro dela outra vez.
Sua boceta se contrai, como se estivesse me ordenhando e eu urro de
desejo.
A cada vez que entro e saio, sinto como se fosse a primeira porque suas
construções me apertam dentro de si, tornando quase impossível o encaixe.
Desço a mão à sua frente, tocando seu clitóris. Ele está inchado, durinho.
Sierra está perto de gozar outra vez.
Pede por mais a cada vez que eu meto e eu não me seguro, me enterrando
inteiro nela.
Fodo-a duro, em golpes ásperos e ela grita.
Martelo mais rápido, saio todo e volto com mais força, batendo profundo,
estabelecendo um ritmo voraz.
Ela começa a contrair outra vez e chego ao limite.
Um uivo animalesco sai da minha garganta e enfim eu me permito
derramar meu esperma dentro dela, fazendo-o escorrer pelas coxas duras.
Eu a viro para mim, suspensa em meus braços.
— Eu te amo, Sierra. Eu nunca vou deixar de te amar.
Wisconsin

Dois meses depois

— Eu nado! Eu nado no rio, eu pulo do barco. Eu sou um super-herói


como o papai!
— Você é — concordo, suspendendo meu Aquaman em miniatura
enquanto Sierra o espera sorrindo com uma toalha na mão.
Levou tempo até Borya confiar o suficiente para andar no barco que
compramos e mais ainda para que aceitasse entrar na água do rio, mesmo
comigo, mas hoje ele finalmente rompeu mais essa barreira.
Saio em seguida e minha mulher vem me abraçar.
— Super Homem, Aquaman e eu, a garota mais sortuda do mundo,
porque tenho dois super-heróis para chamar de meus.
— Mamãe mulher malavilha — Borya a corrige e eu a puxo para um
beijo.
— Eu tenho que concordar com meu filho. Os sortudos somos nós.
Temos a mulher maravilha em casa.
Epílogo 1

Nascimento de Yana

Eu suo frio enquanto seguro minha menina em meus braços pela primeira
vez.
Todos os meus amigos têm filhas e eu não sei como eles lidam com isso,
mas do momento em que o médico nos deu a notícia de que tínhamos uma
garotinha a caminho, até hoje, dia do nascimento, eu já tenho uns dez anos
pela frente planejado.
E isso foi antes de vê-la, porque quando minha joia de pele dourada, uma
mistura de nós dois, com cabelos negros como os da mãe, abriu os olhos
lindos para mim, eu juro por Deus que parei de respirar por uns minutos.
Ela não é só perfeita. Ela sou eu e Sierra encarnada.
— Papai eu quero segurar minha irmã! — Borya reclama.
— Sente ali no sofá então, filho — Sierra instrui.
Nossa pequena nasceu de parto normal e para minha paz, mãe e filha
passam bem.
— Pode deixar que eu olho os dois — a enfermeira oferece e eu volto
para perto da minha mulher.
Nossos amigos acabaram de sair para nos deixar ter um tempo sozinhos,
em família.
— Você está preocupado — ela acusa, sorrindo e abrindo os braços para
mim.
— Se acontecer alguma coisa comigo…
Seus olhos enchem de lágrimas.
— Eu não quero ouvir isso.
— Mas precisa. Se acontecer alguma coisa comigo, você deve se dirigir a
qualquer um dos meus amigos. Eles têm instruções para mantê-los seguros
para o resto da vida.
— Não vai acontecer, Leonid. Eu vejo o futuro.
— Vê?
Ela dá de ombros.
— Ou talvez seja apenas meu desejo, mas nós vamos envelhecer juntos.
Vamos ter mais filhos e netos, também. Eu vou ter o meu felizes para
sempre.
— Mesmo que não seja com um príncipe?
— Quem quer príncipe quando se tem um super-herói? Eu te amo.

Em algum lugar na América do Sul

Um ano depois

— Você tem ideia de como é sortuda?


— Por ser mulher? — Juana diz com arrogância e não demonstrando um
pingo de medo. Não pela primeira vez eu me pergunto se não falta um
parafuso na cabeça da infeliz.
Os inimigos costumam urinar nas calças com nossa simples presença,
mas a filha da puta continua sentada de pernas cruzadas, como se não
tivesse qualquer preocupação na vida.
— Por ser irmã da minha esposa.
— Ah, então isso significa que não vai me matar? Sabe que eu me
arrependi? Eu deveria ter dado em cima de um russo, ao invés do meu
quase tio e quase pai mexicanos. Jogada errada a minha. Vocês parecem
mais inteligentes e…
— Pare. Você não vai falar. Eu sei quem você é, Juana. Ao contrário de
Sierra, que talvez ainda guarde sentimentos dentro dela por você, eu tenho
nojo. Sei o que fazia em suas festinhas depravadas com crianças. Sei que
após você e seu marido abusarem delas, não se contentavam em matá-las,
mas as amarravam em carros e arrastavam seus corpos por todo o terreno,
antes do tiro de misericórdia. Eu vejo você. Um monstro reconhece o outro.
— Então, já que está admitindo que não é santo, será que podemos
negociar? A maior parte do que fiz foi em nome do cartel. Tirando as
crianças, claro. Aquilo era mesmo por diversão. Fora isso, não houve nada
pessoal. Eu queria conquistar o mundo. Ser a baronesa do narcotráfico
mexicano e queria Sierra ao meu lado.
— Estou pouco me fodendo para os seus sonhos. Não é por isso que vai
morrer, e sim, porque tirou minha mulher grávida de mim. Eu não vou ouvir
seus argumentos. Quando disse que tem sorte, não tem a ver com seu
gênero.
Levanto a arma e aponto para a cabeça dela a uma curta distância. Eu
quero vê-la explodir.
— Eu só não vou te torturar como fiz com Isidoro porque não minto para
Sierra. Se um dia ela me perguntar como eu te matei, eu vou dizer a verdade
e por mais mágoa que ela tenha de você, imaginá-la sofrendo por dias a
machucará. Lembre-se disso no inferno. Diga: obrigada, Sierra.
Eu puxo o gatilho e vejo o que restou dela, do pescoço para baixo,
tombar na cadeira.
Finalmente ela perdeu aquele jeito irritante de se sentar.

Horas mais tarde


— Leonid, quando você volta? Estamos com saudade — minha esposa
fala ao telefone.
— Eu estou chegando amanhã de manhã, linda. Posso ter panquecas para
o café?
— Com calda de morango?
— Sim. Com calda de morango, você, Borya e Yana à minha volta. Não
há nada mais que eu possa desejar.
Epílogo 2

Dois anos depois

— Vai ter mais um bebê? — minhas amigas perguntam na chamada de


vídeo.
— Sim. Eu estava ansiosa por um menino para fazer companhia a Borya.
Meu menino fica louco com Yana correndo atrás dele para brincar. Ele tem
muita paciência, mas é que Yana é apaixonada por maquiagem e aquilo é
uma espécie de limite rígido para ele e o pai.
Elas gargalham.
— E vai dar conta de continuar escrevendo ao mesmo tempo em que
cuida das crianças?
— Vou diminuir o ritmo.
— Podia usar um escritor fantasma. Muitas pessoas fazem isso
atualmente. De qualquer modo, você usa um pseudônimo por razões
óbvias, então ninguém desconfiará.
— Ah, não. Nunca funcionaria comigo. Sou controladora. E eu adoro
escrever. Sou essencialmente uma contadora de histórias. Que graça teria
passar meu trabalho para terceiros?
— E que histórias, diga-se de passagem. As partes hot! Sierra do céu! O
que é aquilo? — Anastacia diz.
Dou risada.
— Você se encontrou na escrita, né? — Lara pergunta.
— Sim. Eu amo cada detalhe do que faço. Eu nunca conseguiria passar
isso para um terceiro fazer por mim. Mesmo que não fosse esposa de quem
sou e precisasse viver no anonimato, não buscaria os holofotes. Para mim, a
maior gratificação é a resposta dos leitores. Todo o resto é consequência.
— É, eu não te imagino mesmo fazendo live, ainda que fôssemos pessoas
diferentes — Talassa ri.
— Não mesmo. Sou introspectiva. Converso, mas não sou a alegria da
festa.
— Você e aquela M. Cabot Olson[47], cada uma no seu gênero, estão
dominando o campo de romance — Yulia fala.
— Eu li um livro dela no outro dia. São bem engraçados — Lara diz.
— São ótimos. Comédias românticas com hot excelente — Ana fala outra
vez.
— Gente, temos uma pervertida aqui — acuso.
— Uma estudiosa no assunto, eu diria. Mas voltando a M. Cabot Olson,
não seria legal se os dois pseudônimos se encontrassem? M. Cabot Olson
em uma live com Dark Violet, conhecida pelos íntimos como Sierra
Korolev?
— Nah, nunca funcionaria — digo. — Olson revelou a identidade anos
atrás. O nome verdadeiro dela é Martina Oviedo. Já eu, nunca vou poder
mostrar o rosto.
— Ah, eu até gosto. Dá um ar misterioso — Talassa palpita.
Ouço o barulho do carro parando e me despeço delas.
— Tenho que ir, meninas. Vou colher material para as cenas hot.
— Por isso que não param de nascer bebês nessa casa — implicam e
depois desaparecem da tela.
Desligo o computador e vou ao encontro do amor da minha vida,
sorrindo ainda.
— Essa alegria toda é para me receber?
— Também, mas principalmente porque eu disse para as meninas que ia
testar material para as partes hot dos meus livros e elas disseram que não é a
toa que estou grávida de novo.
— E se depender da minha contribuição, muitos virão ainda. O local de
trabalho é ótimo. — diz, me pegando no colo. — Apertado, úmido, uma
delícia.
— É um masoquista, senhor?
— Sou louco por você, mulher. Por cada pedaço seu.
Não deixe de ler nas próximas páginas, bônus de dois spin-off das
séries Alfas da Máfia e Honra Irlandesa.
Ruslan

Passado

A garota bonita sorri para mim sem fazer a menor ideia de que está
dando as Boas-vindas ao próprio Satanás. Ela sabe quem sou, claro, mas
não minhas motivações.
Ela saberá em breve. Não faz ideia ainda, mas será minha peça principal
no acordo com o pai.
Eu poderia dizer que gostaria de poupar seu envolvimento, mas isso seria
mentira. Vai ser um prazer usá-la como parte das negociações.
Tulia

Boston

Eu sigo ordens e recebo como prêmio, castigo.


Devo ser a pessoa mais azarada do mundo mesmo. Em minha primeira
missão, ganhei a ingrata tarefa de enganar aquela se tornaria a esposa de um
dos subchefes do Pakhan!
Sierra tinha que ser tão rancorosa? Cacete!
Agora, pelos bons serviços prestados, vou ficar de babá da irmã de
Anastacia, a esposa de Maxim, por tempo indeterminado.
A garota, claro, tinha que ter escolhido para melhor amigo e protetor um
membro da elite da máfia irlandesa.
Toda vez que ela se encontra com o bonitão loiro, eu tenho que estar
junto, como uma dama de companhia da era vitoriana.
O problema não é a menina-freira e nem seu super-herói, sou eu que não
consigo me reconhecer a cada vez que sou obrigada a vir e encontro os dois
gigantes irlandeses, guarda-costas de Lorcan[48], que deixam minhas pernas
bambas e o coração disparado.
Eu nunca imaginei que poderia me interessar por um homem novamente
depois que…
Afasto o pensamento porque apenas a lembrança da traição já me deixa
enjoada.
Estou bem sozinha. Eu só preciso seguir com minha vida e crescer dentro
da Organização.
Os gigantes lindos são inimigos, malditos hormônios — falo comigo
mesma ao olhar na direção que estão e flagrá-los me observando.
Sacudo a cabeça, tentando limpar a mente, mas não adianta. Eu acho que
estou obcecada.
Para minha surpresa, Taisiya se aproxima.
— Lorcan vai nos levar hoje.
— Por quê?
Ela dá de ombros.
— Quero conversar um pouco mais com meu protetor.
— Não deveria falar assim. Seu protetor é seu cunhado. Maxim ficaria
louco se ouvisse isso — digo mais baixo para que só ela escute.
— Não seja implicante, Tulia. Eu só saio do convento uma vez por
semana.
Fico com pena.
— Cansou de lá? Por que não pede para ir embora em definitivo?
— Eu só farei isso quando me lembrar de tudo do passado. Viver no
escuro é assustador.
— Tudo bem — eu me rendo porque ela sempre me vence com sua
meiguice —, eu vou com vocês.
— Hum… não. Na verdade eu quero conversar em particular com
Lorcan. Vá com os rapazes — diz, apontando para os guarda-costas que
têm roubado meu sono. — Eles a deixarão no convento e você poderá
conferir se cheguei direitinho.
Olho na direção dos homens e eles me encaram de volta sem sorrir.
— Vá, Tulia. Eles não lhe farão mal. Estão sob as ordens de Lorcan.
Respiro fundo, pensando que a minha hesitação não tem nada a ver com
medo, e sim, com a maneira como ambos os homens fazem o meu coração
disparar.
PAPO COM A AUTORA
Espero que tenham curtido acompanhar a história de amor de Leonid e
Sierra.
Como sempre acontece em relação aos meus meninos russos, o amor
dos dois não é um conto de fadas, mas intenso e verdadeiro, em
contrapartida.
Devem ter percebido pelo bônus 1, que o próximo livro dessa série
será o spin-off de Ruslan. O segundo spin-off é uma novidade: um trisal de
tirar o fôlego entre a “soldado” russa Tulia e dois irlandeses sexies e
quentes como o inferno.
Um grande beijo e até a próxima aventura.

D. A. Lemoyne
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Obras da Autora
Seduzida - Muito Além da Luxúria (Livro 1 da Série Corações Intensos)
Cativo - Segunda Chance (Livro 2 da Série Corações Intensos)
Apaixonada - Meu Para Sempre (Livro 3 da Série Corações Intensos)
Fora dos Limites (Livro 1 da Duologia Seduza-me)
Sedução no Natal - Conto (Spin-off de Seduzida e Cativo)
Imperfeita - O Segredo de Isabela (Livro 4 da Série Corações Intensos)
Isolados - Depois que Eu Acordei (Livro 5 da Série Corações Intensos)
Nascido Para Ser Seu (Livro Único)
168 Horas Para Amar Você (Livro Único)
Sobre Amor e Vingança (Livro 2 da Duologia Primos Lykaios)
168 Horas Para o Natal (Conto de Natal - Spin-off de 168 Horas Para
Amar Você)
Uma Mãe para a Filha do CEO (Livro 1 da Série Irmãos Oviedo)
A Protegida do Mafioso
O Dono do Texas (Livro 1 da Série Alma de Cowboy)
Um Bebê Por Contrato (Livro 2 da Série Irmãos Oviedo)
A Obsessão do Mafioso (Livro 1 da Série Alfas da Máfia)
Uma Família Para o Cowboy (Livro 2 da Série Alma de Cowboy)
A Esposa Contratada do Sheik (Livro 1 da Quadrilogia Casamentos de
Conveniência)
Como Domar um Mulherengo (Livro 3 da Série Irmãos Oviedo)
Um Anjo Para o Mafioso ( Livro 2 da série Alfas da Máfia)
O Herdeiro do Cowboy (Livro 3 da Série Alma de Cowboy)
Um Bebê Para o Italiano (Livro 1 da Série Bebês Inesperados)
Sob a Proteção do Bilionário(Livro 2 da Duologia Seduza-me)
Bastardo Apaixonado (Livro 4 dos Irmãos Oviedo)
Proibida Para o Cowboy (Livro 4 da Série Alma de Cowboy)
A Eleita do Grego (Livro 1 da Duologia Primos Lykaios)
Destinada ao CEO (Spin-off Irmãos Oviedo – A História de Isabel e
Stewart)
A Princesa Seduzida pelo Magnata (Livro 3 da Quadrilogia Casamentos
de Conveniência)
A Esposa Inocente do Mafioso (Livro 3 – Série Alfas da Máfia)
A Mãe da Minha Menina (Irmãos Oviedo – Livro 5)
Seduzida Por Contrato (Irmãos Kostanidis – Livro 1)
Sob o Domínio do Mafioso (Série Honra Irlandesa - Livro 1)
Deliciosa Armadilha (Livro 1 da série Feitiço Italiano
Como Encantar seu Príncipe (Livro 3 da série Bebês Inesperados)
Um Herdeiro para o Sheik (Spin-off de A Eleita do Grego)
O Devasso e a Viúva Virgem (Livro spin-off da série Alma de Cowboy)
Senador Gray – Meu Cowboy Protetor(Livro 5 da série Alma de Cowboy)
Tentadora Confusão (Série Acordo com o Cupido – Livro 1)
Arrogante Rendido (Série Deuses de Branco – Livro 1)
A Filha do Inimigo do Mafioso (Livro 4 – Série Alfas da Máfia)
SOBRE A AUTORA
D. A. Lemoyne iniciou como escritora em agosto de 2019 com o
livro Seduzida, o primeiro da saga Corações Intensos. De lá para cá, foram
várias séries de sucesso como Alma de Cowboy, Irmãos Oviedo, Irmãos
Kostanidis entre outros.
Sua paixão por livros começou aos oito anos de idade quando a avó,
que morava em outra cidade, a levou para conhecer sua “biblioteca”
particular, que ficava em um quarto dos fundos do seu apartamento. Ao ver
o amor instantâneo da neta pelos livros, a senhora, que era professora de
Letras, presenteou-a com seu acervo.
Brasileira, mas vivendo atualmente na Carolina do Norte, EUA, a
escritora adora um bom papo e cozinhar para os amigos.
Seus romances são intensos, e os heróis apaixonados. As heroínas
surpreendem pela força.
Acredita no amor, e ler e escrever são suas maiores paixões.

Contato: dalemoynewriter@gmail.com
[1]
Um dos nomes da máfia russa, assim como “Irmandade”.
[2]
Outro nome para a máfia russa.
[3]
Dia da independência americana, equivale ao sete de setembro no Brasil.
[4]
Nome fictício de um cartel mexicano criado especialmente para a série Alfas da Máfia. Esse cartel
é mencionado em livros anteriores da série, principalmente em A Esposa Inocente do Mafioso.
[5]
Protagonista do livro 3 da série, A Esposa Inocente do Mafioso.
[6]
Protagonista de A Protegida do Mafioso, livro que deu origem à séries Alfas da Máfia.
[7]
Chefe da máfia russa, nesse caso, ele está falando de Yerik.
[8]
Conselheiro da máfia russa e protagonista do livro 1 da série Alfas da Máfia, A Obsessão do
Mafioso.
[9]
Subchefe da máfia russa e protagonista do livro 2 da série Alfas da Máfia, Um Anjo para o
Mafioso.
[10]
Rede de boates fictícias, que pertencem à Organização e de onde os “negócios” são feitos.
[11]
Outro termo, assim como Pakhan, que significa “chefe”.
[12]
Esposas de Yerik, Grigori e Dmitri, respectivamente.
[13]
Ex-Pakhan da máfia russa, o personagem aparece em todos os outros livros da série.
[14]
Tipo de arma de fogo.
[15]
A “Fazenda” é um lugar em que os russos levam os inimigos para interrogatórios antes de matá-
los. Está localizada na Virgínia e é citado em todos os livros da série.
[16]
Odin Lykaios, protagonista de Sobre Amor e Vingança.
[17]
Esse personagem aparece em A Esposa Inocente do Mafioso.
[18]
Essa situação é narrada em A Esposa Inocente do Mafioso e não relevante para a presente obra.
[19]
Esposa de Grigori e protagonista de A Obsessão do Mafioso.
[20]
Esposa de Yerik e protagonista de A Protegida do Mafioso.
[21]
Esposa de Dmitri e protagonista de Um Anjo para o Mafioso.
[22]
Essa situação é narrada com detalhes em A Esposa Inocente do Mafioso e não relevante para a
presente obra.
[23]
Estado americano.
[24]
Protagonista de Sobre Amor e Vingança.
[25]
Uma reportagem da revista Marie Claire, em 2011 relata o desaparecimento de diversas garotas,
algumas mal entradas na adolescência.
[26]
Essa situação é narrada em A Protegida do Mafioso e A Obsessão do Mafioso e não relevante para
a presente obra.
[27]
Protagonista de Sob a Proteção do Bilionário.
[28]
Essa propriedade fictícia é citada em toda a série como o local em que a máfia russa leva seus
inimigos para interrogar e em seguida, matar.
[29]
Bater pernas e braços.
[30]
É a versão russa e original do nosso estrogonofe.
[31]
Outro nome para Pakhan ou chefe.
[32]
Yerik.
[33]
Grigori.
[34]
Esse personagem aparece em A Obsessão do Mafioso, A Esposa Inocente do Mafioso e será
protagonista do livro 2 da série Honra Irlandesa.
[35]
Líder do “Sindicato”, a máfia irlandesa nos Estados Unidos.
[36]
Krav Maga é um sistema de combate corpo a corpo, desenvolvido em Israel, que envolve técnicas
de luta, torções, defesa contra armas como armas de fogo, bastões, facas e golpes como socos, chutes,
cotoveladas e joelhadas. O Krav Maga é uma técnica de defesa pessoal derivada de habilidades de
briga de rua.
[37]
Odin Lykaios, protagonista de Sobre Amor e Vingança.
[38]
Termo usado para membros da máfia que fazem os corpos de suas vítimas “desaparecerem”.
[39]
Citação criada para a presente história.
[40]
Garota bonita.
[41]
Sim, sou eu.
[42]
Quem será? Já vou dizer: personagem futuro.
[43]
Protagonista de Fora dos Limites, livro 1 da Duologia Seduza-me.
[44]
Protagonista de Imperfeita, livro 4 da série Corações Intensos.
[45]
Protagonista de Nascido Para Ser Seu.
[46]
Protagonista do livro 2 da série Honra Irlandesa.
[47]
M. Cabot Olson é o pseudônimo de Martina Oviedo, protagonista de Como Domar um
Mulherengo.
[48]
Protagonista do livro 2 da série Honra Irlandesa.
Table of Contents
Copyright © 2022
NOTA DA AUTORA:
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Epílogo 1
Epílogo 2
PAPO COM A AUTORA
Obras da Autora
SOBRE A AUTORA

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