Você está na página 1de 8

Hiperplasia fibrosa

Caso clínico

Medicina Oral

Sabrina Santos
Shirin Chorshanbaeva

30/04/2020

Mestrado Integrado em Medicina Dentária


Ano letivo 2019/2020
A. Abstract
A hiperplasia fibroepitelial é uma lesão benigna, prevalente em pacientes
geriátricos do género feminino, essencialmente associada a trauma crónico por
próteses removíveis parciais ou totais desajustadas. É apresentado um caso clínico de
‘’epulis fissuratum’’, uma hiperplasia fibrosa inflamatória causada por trauma crónico,
que se apresentou clinicamente como uma lesão fibrosa e endurecida. A abordagem
terapêutica aplicada no caso clínico apresentado consistiu em excisão cirúrgica e
eliminação do fator causal. O objetivo terapêutico foi alcançado permitindo dar
continuidade à reabilitação protética com realização de novas próteses totais superior
e inferior.

B. Introdução
Paciente do sexo feminino, com 47 anos de idade, dirigiu-se ao Departamento
de Estomatologia e Medicina Dentária do CHUC com o objetivo de realizar novas
próteses totais superior e inferior. À observação oral, a paciente apresentava duas
massas tecidulares na mucosa vestibular do lábio inferior, adjacentes ao rebordo
residual inferior, bilateralmente, com localização no 4º e 6º sextantes. A lesão
observada correspondia a ‘’epulis fissuratum’’, uma hiperplasia fibrosa inflamatória
causada por trauma crónico associado a próteses totais desadaptadas.
A hiperplasia fibrosa é caraterizada pelo crescimento de tecido mole do sulco
vestibular do rebordo alveolar (karimi2016). É uma patologia de etiologia multifatorial,
comummente associada a fatores irritativos tais como doença periodontal, pobre
higiene oral, hábitos tabágicos e desadaptação protética. (Tarcisio Jose de Arruda
Paes-Junior, 2011). Existe também referência a fatores etiológicos de baixa
intensidade, mas contínuos no tempo, nomeadamente: uso de próteses fraturadas ou
desgastadas, contacto irritativo dos tecidos moles com margens agudas de dentes
fraturados, presença de diastemas que favoreçam o trauma dos tecidos moles (Miguel
Jaimes, 2008) e hábitos de mordilhamento crónicos.
A ‘’epulis fissuratum’’ é uma hiperplasia pseudo-tumorosa (lesão benigna) do
tecido conjuntivo que se desenvolve devido a uma prótese parcial ou total mal
ajustada. É uma lesão reativa cuja causa é a pressão mecânica crónica e excessiva
na mucosa oral vestibular (case report 2011) ou lingual (Miguel Jaimes, 2008). A
reabsorção do rebordo alveolar residual leva a uma sobre-extensão do bordo da
prótese que, se não for adaptado, leva a irritação crónica da mucosa oral da região do
sulco. (Michele F. Brantes, 2019). Pode ser designada também como hiperplasia
fibrosa induzida por prótese/hiperplasia inflamatória papilar/ fibroma de irritação (Misa
Kiuchi 2013).
O tamanho da lesão varia diretamente com o nível de agressividade do trauma
e o tempo de exposição ao trauma (Miguel Jaimes, 2008).
Ocorre em 5-10% dos portadores de prótese total e é mais frequente na maxila e no
sexo feminino (case report). Um dos fatores de risco para ser mais frequente em
mulheres pensa-se que possa estar associado ao facto das mesmas usarem a prótese
por períodos mais longos sem a remover por questões estéticas. Num estudo de
Michele F. Brantes, em 63 mulheres, 39 (62%) não remove a prótese durante a noite.
É também sugerido que, devido à atrofia da mucosa oral que pode decorrer durante ou
após a menopausa, o epitélio oral fornece pouca proteção contra agentes irritantes e é
mais suscetível ao desenvolvimento de hiperplasia em resposta à irritação crónica
protética. (Michele F. Brantes, 2019).

Mestrado Integrado em Medicina Dentária


Ano letivo 2019/2020
C. Case Report

Descrição do caso e evolução


Paciente do sexo feminino, com 47 anos de idade, que visitou o departamento
de Estomatologia e Medicina Dentária dos Hospitais da Universidade de Coimbra e
cujo motivo da consulta era a realização de novas próteses totais superior e inferior.
A paciente era já portadora de prótese total superior e inferior, que usava há 20
anos, removendo a prótese à noite. A queixa principal era desconforto na zona do
rebordo residual inferior. Quando questionada acerca da saúde geral, a paciente
referiu ser saudável e não tomar qualquer medicação. Também não referia hábitos
tabágicos ou alcoólicos.
À observação extra-oral (figura 1) não se verificou qualquer alteração, apenas
uma fácies pseudo-classe III, com localização baixa das comissuras labiais,
caraterística de paciente desdentado total.
Efetuou-se uma observação intra-oral da mucosa jugal e labial, língua (dorso,
bordo lateral esquerdo, bordo lateral direito, fundo do pavimento oral), rebordo residual
maxilar e mandibular. Verificou-se também: desdentação total bi-maxilar;
desadaptação das próteses, com bordos sobre-extendidos; ausência de retenção e
estabilidade das próteses; boa higiene das próteses; massa tecidular na mucosa do
lábio inferior (figura 2), bilateralmente (4º e 6º sextantes); a restante mucosa oral
apresentava-se normal.
À palpação, foi possível observar com maior clareza que se tratava de dois
folhetos de tecido firme, sem eritema ou ulceração. À colocação das próteses,
verificou-se que o bordo das mesmas coincidia com a margem inferior dos folhetos de
tecido, bilateralmente.
Quando questionada, a paciente referiu que a lesão se iniciou anos depois do
início da utilização diária das próteses (não soube especificar) e que, ao longo dos
anos, tem vindo a aumentar em tamanho. A paciente não referiu dor, apenas
incómodo ao falar e comer.

A B C

Mestrado Integrado em Medicina Dentária


D EAno letivo 2019/2020 F
Descrição da lesão
 Na figura 2 é possível observar as lesões;
 Duas porções de tecido hiperplásico na mucosa oral vestibular
mandibular, bilateralmente. Lesão estendida no lado esquerdo desde a
região do canino até região do 2º pré-molar; no lado direito, estendida
desde a região dos incisivos centrais até região do 1º pré-molar. Tecido
hiperplásico esquerdo com aproximadamente 0,5 cm de largura da
base e tecido hiperplásico direito com aproximadamente 1 cm de
largura da base;
 O bordo da prótese adaptava-se entre o fundo do vestíbulo e os
‘’folhetos’’ de tecido hiperplásico;
 Sem eritema ou ulceração
 Limites bem definidos e firme/duro à palpação

Sinais e sintomas
A ‘’epuliss fissuratum’’ aparece tipicamente como um folheto de tecido
hiperplásico simples ou múltiplo no vestíbulo do rebordo alveolar (karimi2016). Mais
frequentemente, há dois folhetos e o flanco da prótese adapta-se na fissura entre os
folhetos. Pode apresentar-se como uma lesão pequena (poucos milímetros) ou uma
grande lesão com envolvência de todo o vestíbulo. (case report) Usualmente
assintomática, no entanto pode ocorrer inflamação e ulceração. (case report). O tecido
é usualmente firme e fibroso, apesar de algumas lesões parecerem eritematosas e
ulceradas assemelhando-se a um granuloma piogénico. Afeta predominantemente a
região anterior dos maxilares. (karimi2016).

Diagnóstico diferencial
Dada a relação etiológica da hiperplasia com o uso de próteses totais, há que
realizar o diagnóstico diferencial com outras lesões agudas e crónicas consequentes
do seu uso inadequado. As reações agudas incluem úlceras traumáticas
(descontinuidade do epitélio, pode consistir no início da hiperplasia), reação alérgica a
algum dos componentes (eritema, prurido nas mucosas e na epiderme local), reação
infeciosa (acompanhada de dor e sintomatologia sistémica como febre). As lesões
crónicas são estomatite protética (lesão branca e não volumosa) e a queilite angular
(localizada na comissura labial) (Kafas P, 2010). Deve também ser realizado um
diagnóstico diferencial com carcinoma de células escamosas, tumor maligno das
glândulas salivares e tumores metastáticos. (karimi2016).

Histologia e patogénese
O dano repetido à membrana mucosa causado por bordo de prótese mal
adaptada, leva à infiltração por células inflamatórias, incluindo mastócitos. Os
mastócitos são derivados da medula óssea e circulam no sangue periférico numa
forma matura. Os mastócitos maturos estão presentes em vários tecidos conjuntivos e
em órgãos por todo o corpo. Podem ser identificados pela coloração com azul de
toluidina. Esta reação é devida à presença de grânulos ricos em proteoglicanos que
contêm heparina sulfatada. (Misa Kiuchi 2013).
Mestrado Integrado em Medicina Dentária
Ano letivo 2019/2020
Algumas das ações dos mastócitos são:
 Contribuição para reações de hipersensibilidade tipo I pela alta afinidade ao
recetor IgE da superfície celular;
 Apresentação de antigénios;
 Células anti-tumorais efetoras;
 Síntese e libertação de histamina, prostaglandinas, leucotrienos, citocinas IL-
3, IL-4, IL-5, IL-8, IL-13, factor de crescimento endotelial vascular, fator de
crescimento fibroblástico (respostas inflamatória) (Misa Kiuchi 2013)

Os mastócitos estão presentes no tecido conjuntivo da mucosa oral e o seu número


aumento em condições ‘’reativas’’ fibróticas. (Misa Kiuchi 2013). Na hiperplasia fibrosa
induzida por prótese, verifica-se ativação e proliferação de fibroblastos com formação
excessiva de matriz extracelular (Misa Kiuchi 2013). Enquanto que a etiologia é clara
e é devida ao trauma do bordo da prótese, a patogénese não é totalmente
compreendida. (Misa Kiuchi 2013). Poderão estar envolvidos miofibroblastos
(fibroblastos com heterogeneidade fenotípica, com expressão de fatores
diferenciadores de músculo liso e produção de 19 diferentes tipos de colagénio). Num
estudo que avalia a patogénese desta patologia, verificou-se que há diferenciação e
apoptose de miofibroblastos, os quais estão envolvidos na remodelação da matriz
extracelular nos estadios iniciais de desenvolvimento da patologia (Misa Kiuchi 2013).

Exames complementares
Não foram efetuados exames complementares uma vez que foi possível
efetuar o diagnóstico através de: exame observacional e palpação da lesão,
juntamente com o facto dos bordos da prótese coincidirem com os ´´folhetos’’ de
tecido hiperplásico, e tendo em consideração a ausência de sintomatologia e a história
clínica da paciente (utilização das mesmas próteses desajustadas há 20 anos,
concomitante com observação de grande reabsorção do rebordo alveolar inferior).

Diagnóstico definitivo
‘’Epulis fissuratum’’/ hiperplasia fibrosa induzida por prótese fraturada e
desadaptada.

Plano de tratamento
Excisão cirúrgica da lesão, não usar as próteses antigas de forma a eliminar o
fator causal e realização de novas próteses totais superior e inferior, adaptadas ao
rebordo reabsorvido.

Tratamento efetuado
1. A paciente foi instruída a não usar a prótese inferior até à consulta de
tratamento cirúrgico
2. Planeamento de excisão cirúrgica convencional na consulta seguinte
3. Excisão cirúrgica convencional:

Mestrado Integrado em Medicina Dentária


Ano letivo 2019/2020
3.1. Anestesia local infiltrativa com lidocaína + epinefrina, em toda a periferia
das lesões, afastada das margens com o objetivo de evitar edema e perda da
definição dos limites
3.2. Incisão ao longo dos limites da lesão com lâmina de bisturi nº 11
3.3. Excisão do tecido hiperplásico realizando um corte na base da lesão
3.4. Hemostase
3.5. Sutura em ponto simples, com vicryl 5-0.
4. Prescrição de analgésicos pós-operatórios, aplicação de gel de clorexidina
nos locais intervencionados e bochechos com colutório de clorexidina 0,12%,
2x dia, 30 segundos.

A B C

Figura 2: fotografias intra-orais. A) Hiperplasia fibrosa: porção direita intacta e esquerda


parcialmente removida B) Excisão total da porção esquerda; C) Suturas em pontos simples
após excisão completa da lesão

Follow-up
5. Controlo ao 7º dia pós-operatório: ligeira recidiva da lesão esquerda.
6. Novo controlo ao 14º dia pós-operatório: recidiva completa da lesão
esquerda. Nova intervenção cirúrgica (repetição do procedimento
anteriormente efetuado)
7. Controlo ao 7º dia pós-operatório: boa cicatrização e ausência de recidiva.
Remoção do material de sutura.
8. Controlo ao 14º dia pós-operatório: boa cicatrização e ausência de recidiva.
9. Impressões preliminares para realização de novas próteses totais superior e
inferior.
10. Follow-up regular do local intervencionado (em paralelo com o procedimento
de confeção das próteses). Não se verificou nova recidiva.

D. Discussão/Conclusão

Contextualização

Mestrado Integrado em Medicina Dentária


Ano letivo 2019/2020
O trauma crónico da mucosa oral causado por próteses desajustadas ou
margens cortantes de dentes tem sido apontado como a etiologia de neoplasias orais
sendo também um importante fator perpetuante em pacientes com diagnóstico de
cancro oral (Kafas P, 2010). A ‘’epulis fissuratum’’ pode evoluir para uma lesão
maligna, pelo que deve ser removida o imediatamente após o diagnóstico
(karimi2016).

Prevalência/incidência
A hiperplasia fibrosa é uma condição benigna frequentemente observada nos
pacientes geriátricos que também são o grupo etário predominantemente portador de
próteses dentárias. (Luciana Corrêa, 2006). Num estudo realizado durante 14 anos,
foram feitas cerca de 3135 biópsias dos quais 333 foram histopatologicamente
diagnosticados como hiperplasias inflamatórias reativas. A hiperplasia fibrosa foi o
sub-tipo mais comum, cerca de 129 casos, distribuídos por 88 mulheres e 41 homens,
situados entre os 2 e 75 anos de idades. A maior prevalência no género feminino
poderá estar relacionado com fatores hormonais.

Eventuais tratamentos

O tratamento consiste numa abordagem conservadora ou invasiva. A


abordagem conservadora deve ser a primeira opção sendo no entanto mais morosa.
Consiste na remoção do fator causal e reparo da prótese enquanto a lesão regride, 2 a
3 semanas. Se o fator causal persistir ou se a lesão recidivas, o tecido torna-se mais
fibroso ao longo do tempo, devendo-se passar à abordagem cirúrgica (Kafas P, 2010).
As técnicas mais usadas para remoção da lesão hiperplásica são: remoção com
lâmina de bisturi, remoção elétrica, laser de dióxido de carbono, laser Erbium: YAG,
laser Neodymium: YAQ e laser de díodo. (Tarcisio Jose de Arruda Paes-Junior, 2011).
O tratamento pode ser efetuado com remoção cirúrgica convencional: excisão.
Esta técnica tem como consequência hemorragia, sutura e dor pós-operatória
(karimi2016).
O laser de CO2 tem sido sugerido em alternativa à excisão com bisturi. Num
estudo comparativo de laser de CO2 com remoção convencional, o laser apresenta
conveniente remoção da mucosa, melhor cicatrização e re-epitelização, ausência de
hemorragia, sem necessidade de sutura, mínima dor e edema no pós-operatório e
menor redução da altura do vestíbulo após cicatrização. (karimi2016).
O laser de dióxido de carbono é uma opção apropriada para procedimentos em
tecido mole desde que utilizado com um comprimento de onde de 10,6 nμ. Podem ser
apontadas muitas vantagens associadas, tais como: mínima hemorragia, redução do
edema, flexibilidade do tecido cicatrizante, dor pós-operatória reduzida e sem
necessidade de sutura convencional. Também apresenta desvantagens, tais como o
início mais tardio da cicatrização devido à necrose por calor inicial. (Tarcisio Jose de
Arruda Paes-Junior, 2011)
Segundo o autor Misa Kiuchi 2013, a inibição da desgranulação dos mastócitos
poderá ser um mecanismo anti-fibrótico no desenvolvimento da hiperplasia associada
a prótese dentária e pode ter potencial aplicação terapêutica em vez da excisão
cirúrgica convencional. (Misa Kiuchi 2013).

Mestrado Integrado em Medicina Dentária


Ano letivo 2019/2020
Há referência da utilização de criocirurgia com nitrogénio líquido no tratamento desta
lesão, tendo por base a formação de cristais de gelo progressivamente maiores, em
aplicações repetidas, a nível intracelular o que causa a necrose progessiva da célula.
É um método indolor, uma vez que provoca o bloqueio da transmissão nervosa local.
Permite alcançar uma hemóstase e um pós-operatório semelhante aos do laser de
CO2 (Prasad Vyasarayani, 2012).
O tratamento de eleição é eliminar a inflamação e excisão (case report). Na
abordagem cirúrgica deve ser feita tendo em vista a reabilitação protética posterior
tendo o cuidado de se preservar a dimensão do fundo de vestíbulo de modo a não
haver interferência na retenção e estabilidade da prótese. No caso de não ser possível
preservar, considerar uma cirurgia combinada de excisão da hiperplasia e
vestibuloplastia.

E. Referências bibliográficas

Comparison of Carbon Dioxide Laser With Surgical Blade for Removal of Epulis
Fissuratum. A Randomized Clinical Trial. (karimi2016).
An assessment of mast cells and myofibroblasts in denture-induced fibrous hyperplasia
(Misa Kiuchi 2013)
An Extensive Denture-Induced Hyperplasia of Maxilla (case report)
Analysis of risk factors for maxillary denture-related oral mucosal lesions: A cross-
sectional study (Michele F. Brantes, 2019)
Case Report: CO2 Laser Surgery and Prosthetic Management for the Treatment of
Epulis Fissuratum (Tarcisio Jose de Arruda Paes-Junior, 2011)
Mucogingival overgrowth in a geriatric patient. (Kafas P, 2010)
Oral lesions in elderly population: a biopsy survey using 2250 histopathological records
(Luciana Corrêa, 2006)
Inflammatory Fibrous Hyperplasia Treated with a Modified Vestibuloplasty: A Case
Report (Miguel Jaimes, 2008).
Management of Geriatric Patient with Epulis Fissuratum Using Liquid Nitrogen
Cryosurgery: A Case Report (Prasad Vyasarayani, 2012)
Reactive localized inflammatory hyperplasia of the oralmucosa (D.O. Awange, 2009).

Mestrado Integrado em Medicina Dentária


Ano letivo 2019/2020

Você também pode gostar