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A ECONOMIA DE UM PONTO DE VISTA DA ESTRATÉGIA

29/7/22

“O primeiro passo de uma Nação


para aproveitar as suas vantagens é
conhecer perfeitamente as terras que
habita, o que em si produzem, o de
que são capazes”

Memória Económica
Abade Correia da Serra

Quer dizer do longo prazo. A economia não só ao serviço do cidadão, mas da


Nação. Ao serviço de uma ideia política. Um meio e não um fim.
Por tudo isto a discussão que ora passa sobre a economia parece pequenina e
redutora.
Gira à volta, normalmente, de um problema de tesouraria, que a trafulhice nos
negócios, a corrupção política e a desregulação dos costumes obrigam, pelo descalabro
financeiro que não raras vezes provocam.
Em três pinceladas, parece-nos que aconteceu assim: Até D. Dinis acrescentou-
se o reino, colonizou-se a terra e caldeou-se a gente. Até D. Fernando equilibrou-se as
contas e desenvolveu-se a economia à moda da altura e foi-se consolidando o mar, que é
a nossa fronteira da liberdade, jornada de oportunidades e campo aberto para o
desenvolvimento. Opções estratégico-dinásticas mal calculadas e liderança deficiente
geraram três guerras desastrosas com Castela, conflitos civis e crise sucessão. Os cofres
ficaram vazios pela 1ª vez.
Desta primeira grande crise com que a Nação foi confrontada saíu esta reforçada
e percebeu-se que havia “muro no reino de Castela”. E foi-se para o mar procurar apoios
que nos faltavam em terra e combater a moirama, que um projecto político-religioso de
origem templária potenciava e as riquezas e conhecimento da Ordem de Cristo
permitiam.
Até ao reinado de D. Manuel não parámos de nos expandir e as contas
equilibravam-se.
O açúcar da Madeira – essa primeira “especiaria”- a malagueta, o ouro e os
escravos da Costa da Mina e depois as especiarias do Oriente e também a própria
produção da Metrópole (sal, frutos, peixe, couros, panos, etc.) equilibravam o “deve
com o haver”. O dispositivo aguentava-se devido à superioridade técnico-táctica, de
construção naval, de navegação e de armamento que os portugueses dispunham. E à sua
natural habilidade em tratar com outros povos, religiões e culturas.
Só com o Islão e os Turcos havia guerra permanente pois estes estavam em luta
contra a cristandade.
Sem embargo, estendeu-se demais o dispositivo, não se completou a colonização
do Além Tejo e descurou-se a agricultura e as manufacturas metropolitanas.
A partir de D. João III entrámos em crise económica e financeira grave que só
vai ser resolvida a partir do reinado de D. Pedro II, após a descoberta de grandes
quantidades de ouro e pedras preciosas no Brasil. E dá-se a segunda grande reorientação
estratégica nacional: consolidação possível no Oriente; contenção no Norte de África,
que era grande sorvedouro de dinheiro e vidas (abandono de praças, guerra defensiva) e
início do desenvolvimento do Brasil. No entanto, agravou a situação a guerra de corso
que as nações do Norte da Europa nos passaram a fazer bem como a cisão na

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Cristandade causada pela Reforma que abalou a autoridade do Papa (a principal fonte
do Direito Internacional da altura e nos arranjou mais inimigos).
A crise da sucessão após a derrota de Alcácer Quibir, acompanhada de grave
crise financeira e da traição de parte do alto clero e nobreza fizeram baquear a nação ao
assalto imperialista espanhol.
Os 60 anos de monarquia dual cujo ceptro estava em Madrid foram de declínio
geral, gorando as expectativas, de quando em vez renovadas, de aumento de
prosperidade e poderio, com a união política da Península Ibérica.
Herdámos os inimigos da Espanha, e passámos a ser atacados por todo o lado; a
aventura da Armada Invencível, levou-nos o melhor da Marinha, o comércio definhou, a
Inquisição limitou fortemente a liberdade das ideias e o desenvolvimento cultural,
perdeu-se o avanço tecnológico de que dispúnhamos e os portugueses acabaram
esmagados com requisições militares e impostos.
Em 1640 o reino estava exangue. Os 28 anos de guerra que se seguiram foram
muito duros. A economia só se começou a recompor no fim do século XVII.
Até 1822 vivemos de e para o Brasil e fizemos um país que ainda hoje é dos
maiores do mundo. Não foi obra pequena e até às invasões francesas tínhamos um nível
de pequena/média potência no mundo.
Mas o sonho napoleónico e as ideias liberais que os franceses transportavam na
ponta das baionetas, destruíram o país nos cem anos seguintes. E ainda hoje se fazem
sentir as suas consequências.
As três invasões mataram cerca de 10% da população destruiu vilas e cidades e
obras de arte e talaram os campos. Seguiu-se a Revolução Liberal e a Guerra Civil entre
Liberais e Miguelistas que se prolongou, na prática, até 1851, Portugal falhou a I e a II
Revoluções Industriais. Sem o Brasil e com a indústria destruída e o sector primário em
cacos, a crise financeira instalou-se e com ela a colonização inglesa cujo embaixador
chegou a ter assento no conselho de ministros.
O que restava do Ultramar acompanhou a decadência. Na segunda metade de
oitocentos certa acalmia política permitiu a recuperação financeira, a criação de bancos
e já para o fim do século a instalação de pequenos nichos industriais de que o exemplo
mais conseguido é a criação da Companhia União Fabril, no Barreiro.
O desenvolvimento da rede viária e ferroviária relançou a agricultura que assim
podia escoar os seus produtos. A estabilidade política e financeira permitiu ainda
reforçar minimamente o Exército e a Marinha o que conjuntamente com a diplomacia,
conseguiram salvar o essencial dos territórios em África, cobiçados pela generalidade
das potências coloniais.
Mas a luta política exacerbou-se a partir dos anos 90 o que acompanhado por
outra crise financeira grave, colocou o país em acelerada convulsão social. Era agora a
própria Monarquia que estava em causa. A República surge em 1910, fundada num
crime (o assassinato do Rei e do herdeiro da coroa, em 1908 – de dolorosas
repercussões) e de uma revolução onde poucos quiseram combater e que até hoje não
foi referendada pelo povo português.
Se o fim da Monarquia gerou a desordem política, social, financeira e
económica, a República ampliou-a.
No meio de inúmeras dificuldades quis-se precipitar o país na voragem da I
Grande Guerra onde combatemos, não numa, mas em quatro frentes! A questão
religiosa que medrava desde 1820 e se agravara drasticamente com a extinção das
ordens religiosas em 1834 conhecia novo surto de anti-clericalismo, que agravou ainda
mais as relações entre os portugueses.

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As Forças Armadas resolveram intervir de uma forma mais coordenada do que
tinham feito até então, salvando o país de si mesmo. Estávamos em 1926. Mas obtido o
Poder não sabiam o que fazer exactamente com ele. Faltava-lhes uma política e uma
doutrina. Apareceu então um homem que tinha ambas e chamado a pôr ordem nas
finanças, conseguiu-o com grande eficácia e rapidez. O povo e os políticos resolveram
então deixá-lo pôr em prática as suas ideias.
O homem parecia que sabia o que queria e para onde ia. Chamava-se António de
Oliveira Salazar.
Com as finanças em ordem e ordem nas ruas, foram saneados todos os sectores
da vida nacional, “descolonizada” a nação (Ultramar incluído), culturalmente dos
franceses e economicamente dos ingleses; política firme, acção diplomática exemplar e
reforço das Forças Armadas, influenciaram decisivamente a guerra de Espanha para o
lado dos interesses nacionais e impediram a Espanha, até 1974, de representar qualquer
ameaça para Portugal; garantiram a neutralidade (colaborante) na II Guerra Mundial e a
entrada na NATO, em 1949 e na EFTA, em 1960.
O povo português (e isso é talvez a maior obra do Estado Novo), tinha
reganhado novamente a confiança em si mesmo e nos destinos da Pátria: Portugal tinha
ganho jus ao respeito internacional enquanto durante 20 anos se tinham melhorado
sistematicamente todas as infra-estruturas de transportes, portos, aeroportos, energia,
etc.
O país estava agora pronto para se lançar pela primeira vez na sua longa história,
num desenvolvimento sustentado em termos modernos. Foi isso que aconteceu com o I
Plano de Fomento. Corria o ano de 1951 e ia começar, verdadeiramente, o lançamento
da indústria em Portugal. Não se andava muito depressa mas andava-se com segurança
e... independência.
A agitação política entre 1958 e 1962 que o extraordinário ataque montado à
escala mundial, pelo mundo marxista e terceiro - mundista, acolitado pela administração
Kennedy e uns falsos anti-colonialistas europeus, contra a presença política portuguesa
fora do continente europeu, potenciava, veio perturbar o modelo português de
desenvolvimento.
Mas serenados os espíritos, as campanhas militares desenvolvidas na defesa do
património lusíada, longe de prejudicarem a economia, puseram-na em movimento
uniformemente acelerado, registando-se no Ultramar um desenvolvimento nunca visto
nos últimos quatro séculos e pondo a economia metropolitana a crescer 7% ao ano.
Estava em marcha o mercado comum português.
Os eventos decorrentes do golpe de Estado ocorrido em Abril de 1974
inviabilizam tudo isto e impuseram um corte com o passado. Sobretudo com a memória
do passado.
A Comunidade Económica Europeia (CEE) aparecia então aos olhos dos novos
senhores do Poder (que de facto, mal o exerciam...), ignaros da História Pátria e das
Relações Internacionais como tábua de salvação, a terra prometida. Mas 10 anos de
desatinos político-sociais delapidaram os recursos existentes, provocaram a emigração
de quadros válidos e sabotaram todo o tipo de autoridade, sem a qual nada é possível
efectuar.
Mais, têm condenado as futuras gerações à ignorância militante e à subversão
dos princípios, através do despudorado aviltamento do ensino, do ataque à família
tradicional e da subversão das referências morais.
Entrámos, pois, na CEE, em péssimas condições, sem tomar precauções que o
bom senso impunha e sem preparar devidamente o trabalho de casa. Não éramos
embarcação com timoneiro e rumo certo, fomos náufragos levados pela corrente.

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Mesmo assim embandeirámos em arco e deitamo-nos à sombra das patacas,
deixando que, pacatamente, nos impusessem todas as regras, fossem destruindo o
aparelho produtivo e nos aboquenhem, a pouco e pouco, pedaços de soberania. Os
muitos milhões que vieram sumiram-se, dando sustento (nem sempre lícito), a muita
gente – que será efémero.
Restam vias de comunicação e infra-estruturas que, por ironia do destino e
imprevidência doméstica vão sobretudo beneficiar os nossos concorrentes (os bem
aventurados, dizem que deixou de haver “inimigos”), já que servem para estes
produzirem e colocarem os produtos deles mais baratos no mercado português,
ajudando a assim asfixiarem as empresas nacionais que restam e que vão produzindo
cada vez menos.
Os fundos europeus vão diminuir e acabar e perante a enormidade do sinistro
ninguém agora sabe o que fazer, pois ninguém quer admitir que cometeu erros, ninguém
tem coragem de refundir estratégias (melhor dizendo, impor uma estratégia), bater o pé
ao estrangeiro e pôr os portugueses a trabalhar e fazer sacrifícios.
Aliás toda a gente tem direito a tudo e não tem dever a nada! Começa na
Constituição...
No meio de todas as grandes teorias económicas que poucos sabem explicar de
modo a que o vulgo perceba, e cuja aplicação pelos vistos ninguém (no mundo)
consegue efectivamente controlar, existem uns princípios simples de economia familiar
que não seria despiciendo relembrar, como seja: não gastar mais do que se ganha; só se
distribuir o que realmente se produz; não contar com o ovo no “sim senhor” da galinha;
não querer ter em simultâneo, sol e na eira e chuva no nabal; não criar dívidas para além
do que se possa vir a pagar; não querer ganhar tudo já amanhã; manter a equidade nas
relações de trabalho, etc., que são de sempre e, às vezes, valem mais do que uma tese de
doutoramento.
Resumindo e em conclusão: nos grandes ciclos da sua já venerável História
como povo individualizado no concerto das nações (e este sendo o objectivo político
número um, deve ser objectivo superior da estrutura económico-financeira!), pode
detectar-se uma falha primordial no tecido económico nacional e que é esta: as
sucessivas gerações de portugueses e seus responsáveis políticos não conseguiram
implantar nas diferentes épocas um modelo mínimo de sustentabilidade económica que
criasse mais - valias para o futuro. E não temos sabido aproveitar as oportunidades que a
roda da História nos tem oferecido: foi assim que desperdiçámos as especiarias do
Oriente; o ouro do Brasil; as riquezas de África e agora os fundos da União Europeia.
É claro que o país andou quase sempre em guerra e tal facto (sobretudo as
guerras civis), não é propriamente vantajoso para a economia. Houve tentativas de
cortar este ciclo vicioso. Estamos a lembrar-nos da acção clarividente do Rei D. Dinis;
da acção ponderada e judiciosa de D. João II; da tentativa de industrialização do Conde
da Ericeira e do Marquês de Pombal; da acção modernizadora de Fontes Pereira de
Melo e da ciclópica acção dos sucessivos governos do Professor Salazar (hoje tão mal
avaliados) que retiraram o país da “apagada e vil tristeza” em que se encontrava.
Mas tudo isto sofreu constantemente soluções de continuidade e se, do anterior,
desde o século XV o Portugal do “Minho a Timor” possuía profundidade estratégica,
para melhor cumprir, recuperar dos erros dos homens, dos revezes da natureza e da
cobiça alheia, agora estamos reduzidos a 90.000 Km2 descontínuos e com muito mar de
permeio. Não há margem para mais asneiras. E continua a não haver almoços grátis.
Seria talvez útil meditar em tudo isto profundamente e deixar o futebol, por
exemplo, e por uma vez, ocupar o espaço a que tem direito. E só esse.

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Publicado no jornal “O Diabo” de 9 e 16/12/2003

NOTA: Passaram mais 20 anos e está tudo muito pior, uma banca rota pelo meio;
intervenção da “Troika”e, claro, muitos milhões da UE e continuação de empréstimos e
serviço de dívida sempre a crescer. A coisa parece ser cromossomática, não há nada a
fazer…

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