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Insper Instituto de Ensino e Pesquisa

Programa Avançado em Gestão Pública

LIMITES DA GESTÃO PÚBLICA

ENSAIO CRÍTICO SOBRE LIMITES DO ART. 84 DA CF: A INFLUÊNCIA DO


EXECUTIVO NA HISTÓRIA DOS ´ÓRGÃOS COLEGIADOS.

Diogo Rodrigues Lima

São Paulo
Junho 2019
Introdução:

Na República Federativa Brasileira, em seus pesos e contrapesos, o presidente


pode vetar ou sancionar leis criadas pelo Legislativo e editar medidas provisórias. O
Legislativo é bicameral, representado pela Câmara e Senado, responsável pela criação de
leis e fiscalização dos atos do Executivo. Qualquer projeto de lei deve primeiramente
passar pela Câmara e depois, se aprovado, pelo Senado. O Poder Judiciário deve
interpretar as leis e fiscalizar o seu cumprimento, tendo o Supremo Tribunal Federal o
órgão máximo de deliberação. O mesmo é composto por 11 juízes, escolhidos pelo
presidente e aprovados pelo Senado.

Se buscar analisar os limites do Poder Executivo, muitas questões podem surgir.


Um exemplo é a utilização do artigo 84 da Constituição Federal como ferramenta do
Presidente para criar, regular ou extinguir cargos públicos e instituições. Este tema gera
muito debate, pois sua aplicação esbarra nos limites entre Poderes. Cabe citação:

“(...)Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e


regulamentos para sua fiel execução;

XXV - prover e extinguir os cargos públicos federais, na forma da lei; “

Há uma discussão sobre o quanto o Executivo pode atuar sobre as leis, mas não é
difícil de ouvir que determinado chefe de Executivo “governa por decreto”. A partir dessa
realidade, como trabalho final da disciplina de Limites da Gestão Pública, o presente
ensaio visa apresentar um caso específico do art. 84 como ferramenta para regulamentar
ou destituir a participação social nos órgãos colegiados, considerados como canais de
mediação entre sociedade civil e Executivo. Para isso, será realizada uma breve análise
histórica da institucionalização da participação social como instrumento de controle e
intermediação, que culmina no desfecho mais recente, o decreto 9.759/19 que “extingue
e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública
federal direta, autárquica e fundacional”.

A principal referência utilizada é o conceito do Direito como ferramenta que


produz desdobramentos para atingir certos fins, presente no texto “O Direito
Administrativo como caixa de ferramentas e suas estratégias”, de Leonardo Coelho
Ribeiro (2016)
Participação Popular e Controle Social por Órgãos Colegiados: do início à
atualidade1.

A demanda por participação popular nos governos vem de períodos muito


anteriores ao momento atual. Desde o regime militar, os movimentos sociais
extrapolavam a demanda por direitos e justiça, em busca de um novo modelo
democrático, que fosse mais sensível às pautas que surgem do povo. O movimento das
Diretas Já (1983) é um bom exemplo de mobilização política que pauta as regras do jogo:
a execução de eleições diretas, considerada marco de ruptura do regime militar que durou
mais de 20 anos.

Nos anos seguintes, com a Constituição de 88 há um impacto positivo ao


reconhecer direitos civis, políticos e socias. O desenho das políticas reconhece a
participação popular através de órgãos colegiados, como a Política Nacional de Saúde,
que criou o SUS. A Lei Orgânica para Assistência Social (LOAS) e a criação do Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA) são bons exemplos.

As conferências e fóruns de políticas públicas se tornaram ferramentas para


construir canais entre o Estado e a sociedade civil na definição de agendas e formulação
de políticas públicas. No governo FHC (1995-2003) aconteceram 19 conferências no
total, com desdobramentos para criação de órgãos colegiados. No governo Lula (2003-
2011) esse número quadruplicou, com 74 conferências no total2. Um ponto interessante é
que muitos desses órgãos foram criados através de ecreto presidencial, sem devido trâmite
na câmara.

Em 2013 há um marco de mobilização social conhecido como “Jornadas de


Junho” em 2013. Esse movimento começou com o aumento do preço da passagem de
ônibus e tomou as ruas, extrapolando em muito a pauta inicial. Responsabilização e
transparência dos governantes foram algumas das exigências que emergiram dos ativistas.

A partir do aumento de órgãos colegiados e numa tentativa de responder aos


anseios da população em Junho de 2013, foi criada através do Decreto Nº 8.243/143 a

1
Boa parte das informações sobre participação social e órgãos colegiados foi retirada do livro
“Participação Social no Brasil: entre conquistas e desafios” disponível no link:
https://issuu.com/secretariageralpr/docs/participacao_social_no_brasil
2
https://oglobo.globo.com/brasil/governos-do-pt-criaram-mais-conselhos-populares-12874740
3
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Decreto/D8243.htm
Política Nacional de Participação Social (PNPS) o Sistema Nacional de Participação
Social (SNPS), que visa fortalecer e integrar as diferentes instituições e procedimentos
que intermediam a relação Estado x Sociedade Civil. Considerar as instâncias de
participação social em todo ciclo de políticas públicas (Art.5º) é uma regulamentação do
decreto.

No próprio ano de criação da PNPS surgem questionamentos da câmara sobre as


motivações do governo Dilma não apresentar um projeto de lei para regular a política a
nível nacional, afastando a fragilidade de atos normativos via decreto³. O governo não
encaminhou um pacote de leis para regulamentar a política na câmara, ficando a cargo da
relação entre ministério/colegiado a formulação das agendas legislativas para apresentar
ao Legislativo. Na pesquisa realizada, não foram encontrados atos de controle no sentido
de fiscalizar essas medidas por parte da Câmara4. Em 2016 acontece o impeachment da
então presidenta Dilma.

Em 2017, no governo Temer há tentativa de regular a interação do Executivo com


órgãos colegiados e demais instâncias, através do Decreto 9.191/175. Em 2019, já no
governo Bolsonaro, surge a proposta do Decreto No. 9759/19, desfecho mais recente que
será analisado a seguir.

O decreto No 9.759/19

O decreto Nº 9º.759/19 foi formulado pelo Ministro da Casa Civil da atual gestão,
Onyx Lorenzoni, que em sua exposição de motivos6 objetiva, através do princípio de
racionalização administrativa, “controlar a proliferação de colegiados no âmbito da
administração pública federal direta, autárquica e funcional por meio da extinção em
massa de colegiados criados antes de 1º de Janeiro de 2019.” (pg.1) Também revoga o
Decreto 8.243/14 que criou o PNPS e SNPS. A justificativa está nos gastos da relação
homem/hora de agentes públicos nas reuniões, a forma de controle exercida por parte dos
colegiados, que estariam gerando passivos judiciais e administrativos e o desalinhamento
desses poderes colegiados para com as autoridades eleitas democraticamente. Classifica-
o como aberração e pede revogação com urgência.

4
https://oglobo.globo.com/brasil/conselhos-populares-senado-pode-preferir-projeto-de-lei-decreto-
12818694
5
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2017/Decreto/D9191.htm
6
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Exm/Exm-Dec-9759-19.pdf
Ao publicar o decreto, o Executivo coloca que essa regra valeria a partir de 28 de
Junho de 2019. O caso foi encaminhado ao STF depois de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade (ADI) 6121 ajuizada pelo PT. O Relator do processo, Ministro
Marco Aurelio, considera que o chefe do Executivo não pode extinguir colegiados de
qualquer natureza, sejam deliberativos ou judicantes que tenham sido criados com a
aprovação do Congresso Nacional, sendo necessária também a aprovação do mesmo para
sua extinção. Porém, não há impedimento para que o presidente extinga por meio de
decreto órgãos colegiados que foram criados a partir de Decreto. A decisão do Tribunal7
foi favorável ao encaminhamento do relator (6 a 5) e a decisão foi encaminhada para a
manifestação da Presidência da República.

Há um número considerável de colegiados que não foram criados ou regulados


em leis na Câmara, e por se tratar de um ensaio, o tempo de pesquisa não permitiu
investigar mais a fundo a quantidade exata de órgãos que serão extintos e/ou regulados.
Mas muitos órgãos colegiados criados por decreto fazem gestão de fundos e/ou
participam ativamente dos ciclos de políticas públicas. O Conselho Nacional de Combate
à Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT (CNCD/LGBT) é um exemplo que
está no radar da lei. Ao pesquisar a lei no site www.planalto.gov.br , já constam a
revogação decreto 8.243/14 e as alterações sugeridas pelo STF

Observações Finais

A necessidade de organizar a participação popular, como instrumento delineador


ou fiscalizador de políticas públicas se faz necessária. Se de um lado, promover eficiência
na aplicação de recursos públicos é fundamental, também se faz importante analisar qual
o impacto desses órgãos colegiados nas políticas públicas do país, e quais os custos para
o progresso estão incutidos na decisão de extingui-los. Os dilemas entre Custo x Impacto
do Controle discutidos no Fórum da disciplina também se estendem aos órgãos
colegiados, que tem função importante na agenda de políticas públicas nacionais.

É visível que neste caso, a não criação de colegiados por lei na câmara, constituiu
uma fragilidade institucional. As gestões Lula/Dilma expandiram os mecanismos de

7
http://jurinews.com.br/stf-impede-bolsonaro-de-extinguir-colegiados-criados-por-lei
participação, mas não garantiram estabilidade jurídica para que essas políticas de
participação social se perpetuassem.

Ao analisar a situação, é possível sugerir respostas para esse dilema. Pode-se


utilizar os apontamentos de MARQUES (2010) sobre a melhoria do controle (p.215) para
dar possíveis soluções para a questão, sem que haja dissolução indiscriminada de órgãos
colegiados antes de analisar seu potencial. Para otimizar os custos, pode-se atribuir maior
peso ao controle de resultados ou readequar os processos de formulação mais custosos
para o governo nos pontos levantados (relação homem/hora, por exemplo). Em termos de
eficiência, diminuir sobreposições de arranjos anteriores, organizando a PNPS em projeto
de lei para aprovação da Câmara. Esses são alguns pontos que tornam uma possível
extinção de órgãos mais criteriosa e responsiva com o progresso da sociedade, sem abrir
mão do que é essencial: garantir a participação popular para construir, implementar e
monitorar políticas públicas.

Referências Bibliográficas
MARQUES, Floriano de Azevedo, “Os grandes desafios do controle da Administração
Pública”, in MODESTO, Paulo (coord.). Nova Organização Administrativa Brasileira,
Belo Horizonte: Fórum, 2010 (p. 199-238)
“Participação Social no Brasil: entre conquistas e desafios”. Secretaria-Geral da
Presidência da República. Brasília, 2014
RIBEIRO, Leonardo Coelho. “O Direito administrativo como caixa de ferramentas e
suas estratégias”, in RDA, Rio de Janeiro, v. 272, pp. 209-249, maio/ago, 2016
http://www.planalto.gov.br/
http://www.secretariadegoverno.gov.br/participacao-social/conselhos-nacionais

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