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FICHA CATALOGRÁFICA
C823e Costa, Helena Raquel de França
Edelarzil Munhoz Cardoso, a “mulher do algodão”: sua
performance religiosa, seu universo simbólico subjacente e a
religiosidade popular brasileira / Helena Raquel de França Costa -- São
Bernardo do Campo, 2019.
197 f.
CDD 248.290981
4
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu amigo, Padre Adelson Rosa de Souza e ao Diácono Hélio Paulo
da Cruz, que em momentos muito específicos, me ouviram e ajudaram com sábios
conselhos.
Agradeço a minha amiga Rita de Cássia Golim, que sempre esteve presente, mesmo
longe, em meus momentos de conflito pessoal, me ouvindo e orando comigo.
Agradeço ao meu amigo Altierez Sebastião dos Santos – também pesquisador e
cientista da religião – um amigo muito querido que esteve presente durante todo o meu
percurso de mestrado, me apoiando sempre, sendo como só um verdadeiro amigo
consegue ser, uma presença incondicional e um esteio em minha fé. Também agradeço
por suas contribuições na revisão de minha dissertação e apontamentos históricos
preciosos, enquanto historiador, enriquecendo as fontes de minhas pesquisas.
Amigos verdadeiros para as quais não existem palavras para descrever a
importância em minha vida. Muitas são as pessoas que nos conhecem, porém, poucas têm
o dom de atravessar o nosso íntimo e saber como realmente somos. Só me resta a gratidão
mais sincera pelo apoio desses meus queridos.
Gratidão.
8
RESUMO
COSTA, Helena Raquel de. F. Edelarzil Munhoz Cardos, la "Mujer del Algodón": su
performance religiosa, su universo simbólico subyacente y la religiosidad popular
brasileña. Disertación de Maestría en Ciencias de la Religión. São Bernardo do Campo:
Universidad Metodista de São Paulo, 2019.
RESUMEN
COSTA, Helena Raquel de França. Edelarzil Munhoz Cardoso, the "Cotton Woman": her
religious performance, her underlying symbolic universe, and Brazilian popular
religiosity. Master Degree in Religious Science. Graduate Program for the Study of
Religion of the Methodist University in São Paulo, São Bernardo do Campo, SP, 2019.
ABSTRACT
This research focuses on the mediumistic, ritualistic, symbolic and visual performance of
Edelarzil Munhoz Cardoso, better known as the "Cotton Woman" or "Cotton Medium",
who is alleged to have the gift of performing physical and spiritual healing of negative
forces through the materialization of objects in cotton. Specifically we hold to its religious
performance and symbolic universe. We start from the theory of the Religious Cultural
Matrix and present its life trajectory. In the perspective of Visual Culture and Material,
we document images that could give us clues about its symbolic universe and finally
analyze its imaginary, permeated in its space, its rite and its performance in order to
understand its role within the Brazilian popular religiosity. We use as theoretical-
methodological reference the reflections on Brazilian Religious Cultural Matrix of
Mendonça, Bittencourt Filho, Darcy Ribeiro; the theories of Hoffmann-Horochovski and
Quintana on the benzedeiras. Panofsky, Renders and Eliade for studies on Material and
Visual Culture and spaces. The studies of Vilhena, Gennep, Turner to analyze the
Schechner rites for the reflections on the performance of Edelarzil Munhoz Cardoso. In
addition to image documentation, we also use performance interpretation through media
files. All our research has led us to a better approximation of the religious imagery of the
"Cotton Woman" showing us that this has much more to reveal through research as to its
originality and religious hybridism within Brazilian religiosity.
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS ..........................................................................................6
RESUMO ...............................................................................................................9
FIGURAS ............................................................................................................16
INTRODUÇÃO ...................................................................................................18
CAPÍTULO 1 A RELIGIOSIDADE
POPULAR BRASILEIRA E FENÔMENO DE EDELARZIL, A “MULHER DO
ALGODÃO” ........................................................................................................24
Introdução .................................................................................................................24
1.2 Matriz religiosa brasileira ...................................................................................25
1.1.1 A matriz indígena ............................................................................................26
1.1.2 Matriz católica lusitana....................................................................................29
1.1.3 A matriz Africana ............................................................................................31
1.1.4 A Matriz Espírita .......................................................................................36
1.2 Catolicismo popular brasileiro ...........................................................................38
1.3 As benzedeiras: o protagonismo feminino no meio popular ..............................46
1.4 A trajetória de Edelarzil Munhoz Cardoso: “A Mulher do Algodão” ...............54
1.4.1 A história de Edelarzil Munhoz Cardoso ........................................................54
1.4.2 A atuação de Natalino Alves Cardoso na trajetória religiosa de Edelarzil 61
Considerações intermediárias ...................................................................................65
CAPÍTULO 2.......................................................................................................67
A CULTURA MATERIAL DA ESTÂNCIA CASA CAMINHO E LUZ:
INDICADORES DE RAIZES E RELAÇÕES RELIGIOSAS ...........................67
Introdução .................................................................................................................67
2.1 A importância da cultura visual e material para os estudos da religião ............68
2.2 A Estância Casa Caminho e Luz como conjunto: o terreno e a distribuição de
prédios com distinção das suas funções ...................................................................72
2.2.1 A Estância Casa Caminho e Luz como terreno acolhedor: descrição
detalhada dos espaços auxiliadores dedicados ao bem-estar e ao descanso físico
dos/as visitantes......................................................................................................74
13
2.2.2 A Estância Casa Caminho e Luz como espaço sagrado: descrição detalhada
dos espaços com função religiosa localizados ao redor do espaço reservado ao ritual
da materialização....................................................................................................75
2.2.3 A Estância Casa Caminho e Luz e seu espaço mais sagrado: descrição
detalhada dos espaços diretamente relacionados com o ritual da materialização ..78
2.3 O rito celebrado na “Estância, casa caminho da luz”: os passos da preparação,
da recepção e da materialização ...............................................................................91
2.3.1 As caravanas como parte do preparo para o ritual ..........................................92
2.3.2 A recepção e o preparo final no terreno ....................................................93
2.3.3 O ritual de materialização ..........................................................................94
2.3.4 As materializações .....................................................................................98
Considerações intermediárias ...................................................................................99
GALERIA ..........................................................................................................100
Foto 1: Mapa para o centro “Nossa Senhora do Rosário” 1997 .............................100
Foto 2: Mapa Estância Casa Caminho e Luz .........................................................101
Foto3: Livro 1997- A vida para mim .....................................................................103
Foto 4: Livro 1997- tragédias na vida ....................................................................102
Foto 5: Livro 1997- Amor e pureza........................................................................104
Foto-6 : Edelarzil 1997 ...........................................................................................105
Foto: 7 Edelaril 1997 ..............................................................................................106
Foto: Edelarzil 2018 ...............................................................................................107
Print: Veronica Parallax - het onderzoek 1990.......................................................108
Print: Globo Repórter 1994 ....................................................................................108
CAPÍTULO 3.....................................................................................................109
ANÁLISE DO IMAGINÁRIO DE EDELARZIL MUNHOZ CARDOSO ......109
“A MULHER DO ALGODÃO” .......................................................................109
Introdução ...............................................................................................................109
3.1 Imaginário, imaginação ...................................................................................110
3.2 Análise do espaço profano ..............................................................................111
3.3 Análise dos espaços sagrados ..........................................................................112
3.3.1 Casa Cartomancia e Búzios .....................................................................112
3.3.2 Ermida de Nossa Senhora do Rosário e Fonte de Água Benta................113
3.3.3 O jardim e a imagem do Cristo Redentor ................................................114
3.3.4 Espaço de Espera .....................................................................................114
14
ABREVIATURAS E SIGLAS
FIGURAS
INTRODUÇÃO
benzedeira católica, tendo como diferencial esse ritual de materialização. Porém, muitas
coisas foram sendo levantadas no decorrer do caminho e percebemos que teríamos mais
trabalho do que o esperado para poder situá-la no cenário religioso brasileiro. A primeira
dificuldade que encontramos diz respeito à sua documentação. Não encontrando
documentações acadêmicas até então (2019), tivemos que começar por documentar o
máximo de informações possíveis. Utilizamos para este trabalho a transcrição de alguns
documentários da década de 90 do século XX e vídeos mais atuais, como palestras e
mensagens por ela gravadas em alguns canais em plataformas de vídeos na internet.
Recorremos aos sites esotéricos e matérias jornalísticas. Encontramos neste processo,
alguns comentários internacionais em blogs de Portugal, Argentina, Holanda (inclusive,
um documentário em fins da década de 1980) e também um site de curiosidades
paranormais em inglês. Montar a biografia de Edelarzil foi como montar um quebra-
cabeças, colhendo pistas nessas fontes e também indo visitá-la. Na verdade, participar
de seu ritual. Depois de muito procurar, conhecemos a senhora Márcia G., uma
coordenadora de caravanas que realiza excursões para “O fenômeno do Algodão” e uma
das poucas pessoas que têm acesso à vida íntima da médium, no entanto, uma pessoa
discreta, apesar de receptiva, é com algum esforço que conseguimos algumas
informações sobre Edelarzil.
Os organizadores de caravanas, os poucos que são autorizados pela médium para
a realização de excursões, possuem portais de viagens e páginas em redes sociais, as
quais utilizamos como fonte de pesquisa. Também, como dissemos, fomos ao sítio de
Edelarzil para conhecer de perto o ritual de materialização. Apesar de não conseguirmos
entrevista com a mesma, tivemos a liberdade de documentar fotos de todo o local e
pudemos conhecer alguns frequentadores. Nesse dia a Estância Casa Caminho e Luz,
distribuiu um livro contendo 34 páginas com uma curta biografia de Edelarzil e orações
compostas por ela. Mais próximo ao fim de nossa pesquisa, encontramos finalmente, um
documento na internet datado em 1997, um livro intitulado “Edelarzil: A história de um
dos maiores fenômenos espirituais do Brasil” escrito por Adriano B. Santos, feito em
gráfica comum (Tatuí – SP), contendo 58 páginas sobre a vida da médium. Haviam
colocado para venda num Sebo um dia antes de o encontrarmos e, o único exemplar
disponível em toda a web após vasculharmos até este ano, o que nos foi um grande
achado, com informações que não tínhamos e pudemos descobrir novos dados sobre sua
biografia. Até o presente ano (2019) não encontramos quaisquer registros acadêmicos
além de um agradecimento em tese de uma doutora em Direito, alguém que recebeu
20
religioso” ou “cliente religioso”. Caminhando por essa linha no meio popular, também
trazemos pesquisadores de campo da chamada “arte de curar”, resgatando memórias das
rezadeira ou benzedeiras como Marisete T. Hoffmann-Horochovski no litoral
paranaense, de Elma Sant’Ana e Alberto M. Quintana acerca das benzedeiras do Rio
Grande do Sul, Francimário V. do Santos sobre as benzedeiras do Rio Grande do Norte,
dentre outros pesquisadores que contribuiram com suas pesquisas em diversas partes do
país. Pesquisas preciosas para que tivéssemos uma maior compreensão dessa prática
antiga.
No segundo capítulo, detalhamos na perspectiva da Cultura Visual e Material,
nos valemos dos estudos de Erwin Panofsky, Helmut Renders e Mircea Eliade, sob o
título “Estância Casa Caminho e Luz: Indicadores de Raizes e Relações Religiosas”,
onde documentamos através de fotos e comentários o universo simbólico de Edelarzil
Munhoz Cardoso, seus aspectos visuais e rituais. Mapeamos em ilustração o espaço
Estância Casa Caminho e Luz e também sua Capela Ritual. Antes de tudo, porém,
dedicamos algumas linhas introdutórias a respeito da importância do estudo da Cultura
Visual e Material para a compreensão das religiões no Brasil, ao que Renders nos vem
a ser um importante referencial da área, dedicando anos de pesquisa sobre a importância
de se fazer essa leitura. Utilizamos o método de Panofsky e complementamos com
estudos analíticos do imaginário simbólico de Eliade para detalhamentos dos espaços e
assim estarmos familiarizados com a Estância Casa Caminho e Luz.
Finalmente, no capítulo três, “Análise do Imaginário de Edelarzil Munhoz
Cardoso A Mulher do Algodão”, introduzimos a diferença ente imaginário e imaginação
– distinção necessária para mergulharmos no conceito da construção de realidade, aqui
especificamente, a realidade religiosa, capacidade simbólica e seus efeitos, tanto para o
agente religioso como para os seus adéptos – e, a partir das fotos apresentadas no
capítulo dois, analisamos os espaços, seu rito, sua performance como agente mediadora
religiosa e alguns dos símbolos utilizados por ela.
Não poderíamos deixar de utilizar os estudos antropológicos de Gilbert Durand,
cujas pesquisas sobre imaginário foram internacionalmente reconhecidas, numa
percepção que nega a conceitualização reducionista do imaginário com que
frequentemente esse costumava ser tratado por seus predecessores, apresentando uma
hermenêutica em que esse aparece como importante mediador de realidade.
Esse capítulo é marcado por uma característica mais analítica do capítulo
anterior, portanto fizeram-se necessárias a retomada de vários pontos. O que as imagens
22
do espaço Estância Casa Caminho e Luz, seus prédios e elementos iconográficos têm a
nos revelar sobre a construção do imaginário religioso da “Mulher do Algodão”? Quais
são as imagens mentais acerca da mesma, tanto na perspectiva de Edelarzil como
também a imagem transmitida ao público que a ela recorre? Onde Edelarzil se encaixa
em meio o cenário religioso brasileiro?
São muitas as questões que se erguem em torno de nosso objeto de pesquisa. No
entanto, não temos a pretensão de sanar aqui todas as dúvidas a respeito da “Mulher do
Algodão” e cremos que esta pesquisa está longe de esgotar as possibilidades de estudo
sobre ela. Ao contrário! A medida em que fomos pesquisando, um leque de
possibilidades foi aberto, o que deixa margem para futuros interesses de estudo
fenomenológico, antropológico, etnológico etc. O que consideramos positivo e coerente
com a complexidade de nossa agente religiosa. Aqui nos limitaremos às características
simbólicas-rituais e performáticas de Edelarzil, nos valendo das teorias de Arnold V.
Gennep, que apesar datarem em primórdios do século XX, essas tornaram-se bases
importantes para os estudiosos acerca dos ritos como Victor Turner, que aprofundou e
ampliou o conceito de liminaridade de Gennep. Assim como as contribuições de Richard
Schechner, uma referência no que se diz respeito aos estudos da performance, estudos
que vão além da performance artística, pois para ele quase tudo pode ser estudado a
partir do ponto de vista performático com a afirmativa que a cultura humana é
originalmente performativa e ritualizada. Visão essa, compartilhada e trabalhada por
Maria Angela Vilhena em sua obra “Ritos: expressões e propriedades”, onde a socióloga
brasileira analisa o rito como uma expressão da vida social, atentando especialmente
para o rito religioso e diversidade cultural.
Assim, as perspectivas de nossos autores vêm a entrelaçar-se para nos ajudar a
esclarecer gradualmente o complexo “mosaico” da religiosidade da “Mulher do
Algodão”. Também contando com contribuições de pesquisadores da área da Cultura
Visual e Material Religiosa do Grupo de Pesquisa Rimago da UMESP – Universidade
Metodista de São Paulo – com pesquisas muito atuais da área. Há duas pesquisas em
particular acerca dos espaços religiosos que nos foram muito preciosas, o trabalho de
campo de Altierez Sebastião dos Santos sobre “O Vale do Amanhecer” em Brasília,
abordando os novos movimentos religiosos e o Trabalho de análise dos espaços sagrados
dos pesquisadores Helmut Renders e Ana Lídia Albuquerque, atestando a capacidade de
multação de sentido da imagem e como ela se desenvolve e se aplica dentro do espaço
23
religioso.
Assim finalizamos esse texto introdutório, desejando que nossa pesquisa possa
ser apreciada pelos nossos leitores e possa contribuir para os estudos das religiões no
Brasil e mais especificamente para a área da Cultura Visual e Material que é deveras
nova e ainda pouco explorada pelos pesquisadores. Porém, uma área rica, detentora de
bens intrínsecos, que muito pode revelar sobre a formação cultural e religiosa do Brasil.
24
CAPÍTULO 1
A RELIGIOSIDADE POPULAR BRASILEIRA E
FENÔMENO DE EDELARZIL, A “MULHER DO
ALGODÃO”
Introdução
A busca pela experiência com o transcendente ou divino esteve presente nas mais
diversas culturas humanas. O ser humano, diante da sua finitude, busca alcançar algo que
satisfaça ou amenize as intempéries que afligem a vida cotidiana, para dar sentido ou
mesmo encontrar razão para o existir das coisas. Assim, a essência religiosa do ser
humano pode ser traduzida em inúmeras formas. Mesmo que não tenhamos com precisão,
acesso ao tempo remoto, podemos nos aproximar ao máximo por meio das marcas que
sobreviveram em fontes arqueológicas, bibliográficas, pictóricas etc. Passado e presente
se correlacionam, fazendo-se imprescindível o estudo do primeiro para um melhor
entendimento do segundo. Portanto, no presente capítulo, iremos caminhar pela formação
da religiosidade popular brasileira, a partir do pressuposto de alguns autores como
Mendonça, Bittencourt Filho e Ribeiro, que se aprofundaram no estudo das matrizes
religiosas brasileiras, estas tendo como principais componentes, a matriz indígena, aqui
já existente antes da colonização, a matriz cultural católica, trazida pelos portugueses, e
a matriz cultural africana. Houve outras contribuições a esse conjunto, mas que não
lograram afetá-lo em sua essência ou em seus contornos.
Na primeira parte, falaremos sobre a matriz indígena, lusitana, católica e espírita,
considerando não se tratarem das únicas, porém a que cogitamos como sendo as mais
relevantes para este estudo. Consideramos que Edelarzil Munhoz Cardoso, professa a fé
católica, porém, uma fé mais predominante do catolicismo popular do que o romano.
Sendo assim, Num segundo momento, para chegarmos à história de Edelarzil e no que
tange à sua religiosidade, vimos ser necessário enfatizar a formação do catolicismo no
Brasil e mais especificamente, o catolicismo popular e o protagonismo feminino dentro
25
Para Mendonça (2008), a religiosidade popular brasileira seria como uma colcha
de retalhos em que essas peças da matriz cultural se ajustariam e ao mesmo tempo que
são dinâmicas e multáveis. Pensemos em uma placa tectônica: o solo em que pisamos
26
pode ser aparentemente inerte, mas nas profundezas ela está sempre em movimento,
dançando sobre as rochas líquidas e lentamente toda a forma que conhecemos vai
mudando, quase imperceptivelmente. De repente, vemos surgir uma montanha que não
estava lá há alguns anos ou uma Ilha ou mesmo a falta delas etc. Assim acontece com as
religiões, aparentemente estáveis para quem as praticam, porém, em constante mudança
e diálogo umas com as outras por caminhos que não vemos, mas quando percebidas pela
razão, as mudanças estão lá.
Outro estudioso sobre matriz cultural, José Bittencourt Filho (2003), em seu livro
“Matriz Religiosa Brasileira”, denota que o sincretismo na religiosidade brasileira, não
foi algo deveras difícil, devida as proximidades das matrizes em alguns aspectos. Índios
e africanos, por suas crenças nas forças da natureza, presididas por forças superiores,
facilitou a inserção dos mesmos ao catolicismo que aqui se impunha, ao mesmo tempo
que, secretamente resistiam pela sobrevivência de seus cultos, gerando um catolicismo
sincrético. Outro apontamento de Bittencourt Filho, é que o brasileiro tende a ter uma
religiosidade bem marcada pelo sincretismo, podendo haver a “coexistência numa só
pessoa de concepções religiosas, filosóficas e doutrinárias por vezes opostas e mesmo
racionalmente inconciliáveis”1 (BITTENCOURT FILHO, 2003, p. 68). Segundo o
mesmo, o brasileiro possui uma forte inclinação de crer em experiências místicas,
praticantes ou não, independente de credo. Crença tal, que ele remete às bases das
matrizes coloniais. Essa religiosidade que não é institucionalizada, mas é a
ressignificação, a reapropriação de elementos de sistemas religiosos institucionalizados.
Sendo assim, a “Matriz Religiosa Brasileira enseja e a Religiosidade Matricial ratifica o
êxtase religioso como uma espécie de ápice da experiência direta com o sagrado”
(BITTENCOURT FILHO, 2003. p. 72).
1
Cf. Ferreti, 2013.
27
alimentícias, cosméticas. Contudo, os europeus não estavam inclinados, pela sua própria
história, a relações harmoniosas e deram vazão à sua índole cultural.
Para a catequização dos indígenas, foram necessárias adaptações, pois havia certa
resistência decorrente das diferentes visões de mundo. Para diminuir o distanciamento,
os jesuítas aprenderam e inseriram novas palavras nos idiomas indígenas e se valeram do
próprio conhecimento nativo de seus heróis para introduzi-los ao cristianismo e
reinterpretar a mitologia dos mesmos. No entanto, segundo Bittencourt Filho (2003), os
indígenas brasileiros não foram inertes nesse processo, mas também foram protagonistas
no dinamismo cultural. Os portugueses difundiram devoções a santos guerreiros como
São Sebastião e Santo Antônio de Pádua para que no processo de catequização, houvesse
28
também uma identificação de pertença para com Portugal. Porém, com o passar dos
séculos, as expressões africanas e indígenas das forças da natureza foram sendo
reprimidas e os ritos indígenas foram “demonizados”. “Quais os pecados? Vício da carne
– o incesto com lugar de destaque, além da poligamia e dos concubinatos –, nudez,
preguiça cobiça, paganismo, canibalismo”2 (MELLO E SOUZA, 1986, p. 61).
A mulher indígena, segundo Ribeiro (2015) teria sido a matriz fundamental para
a geração dos brasileiros, pois poucas eram as mulheres europeias. Os europeus se uniam
às índias pelo cunhadismo, gerando um novo gênero, o mameluco, uma estratégia em
2
Cf. Vainfas, 1995.
3
Movimentos sociais que apresentam em sua origem forte aspecto religioso, em especial a esperança de
ver reproduzido na Terra um reino divino, marcado pela bonança e a felicidade. Por isso o nome remete à
ideia do messias, esperando pelos judeus para redimir a humanidade.
29
que, se tornavam parte da tribo e conquistavam favores dos índios, chegando um mesmo
homem a ter oitenta terricós. Esta união gerou um povo que não era nem europeu e nem
indígena, mas um grupo híbrido que seria o proto-brasileiro. O mameluco lidava com
uma dupla rejeição, a do pai que o considerava impuro e da mãe que tinha em sua
formação cultural, a concepção de que o filho seria somente filho do pai, sendo a mãe
considerada apenas um saco onde era depositada a semente. As mamelucas, procuraram
na Igreja um espaço para ser “alguma categoria de gente” e foram as implantadoras do
catolicismo popular santeiro no Brasil.
O Brasil foi visto tanto como paraíso terreal, em virtude das belezas e
das riquezas naturais, como um lugar de sofrimento e expiação, em
virtude dos perigos e dificuldades. Os moradores nativos, por sua vez,
foram tidos como criaturas semidemoníacas, portanto, absolutamente
carentes de conversão (BITTENCOURT FILHO, 2003, p. 48).
4
Cf. Monteiro, 1994.
33
o cristianismo em meio ao povo e quando o tráfico negreiro começou por volta de 1441,
parte dos africanos que eram trazidos para o território brasileiro, já estava adaptado ao
cristianismo, facilitando a inserção de comunidades negras (PACHECO, 2008). Enquanto
os portugueses viam nas terras brasileiras como um potencial para ser explorado, os
africanos deram uma contribuição efetiva na consolidação da cultura brasileira em todo
o território. Despossuídos que foram de suas raízes, pertencentes a etnias diferentes, os
africanos precisaram aprender a cultura do dominador para se expressarem. Por isso os
negros disseminaram, por onde passaram, a cultura proto-brasileira, sendo civilizadores,
mesmo na condição de escravos. A exploração escravocrata recebia total apoio europeu
e até mesmo da Igreja e por isso tornou-se uma forte economia. As condições das
embarcações dos navios chamados “Navios Negreiros”, os obrigavam a permanecer em
péssimas condições de sobrevivência durante meses de viagem. Muitos não chegavam à
costa brasileira. Como Rambeli relata em seus estudos arqueológicos das embarcações:
5
Cf. Rediker, 2011. Cf. Schwarcz; Gomes, 2018.
34
crianças dos senhores eram criadas desde pequenas por amas de leite e babás africanas,
com isso, a mescla de costumes, mitos, símbolos, a cultura em suma, era entranhada
sutilmente nas pessoas, sendo um dos fatos que mais contribuiu para o sincretismo
religioso, inclusive.
Sincretismo/ Correspondência
Orixá
Entidade católica Vodum Jeje Inquice Banto
Exu (chamado Barano
Diabo Elegbara/Bara/Eleguá Bombogira Aluviá
no batuque do RS)
Santo Antônio
Ogum Gun Doçu Incáci Roximucumbe
São Jorge
São Jorge
Oxóssi ou Odé Azacá Gongobira Mutacalombo
São Sebastião
Ossaim Santo Onofre Agué Catendê
Porém, o sincretismo foi uma via de dois sentidos e algumas coisas dos orixás
acabaram sendo absorvidos dentro dos cultos católicos. A arte africana influenciou a arte
brasileira, ao mesmo tempo que os artefatos religiosos católicos influenciaram nos
terreiros.
com a apropriação e aculturação da doutrina espírita pelos brasileiros. Pois aqui já havia
um ambiente favorecido, o brasileiro já estava habituado a conviver com as culturas mais
diferentes. Em nossa formação cultural, e aqui vale relembrar, que as culturas indígena,
lusitana e africana, não tinham quaisquer problemas de aceitação para com o sobrenatural.
A formação básica brasileira era dada ao misticismo e foi um berço propício para a
instauração da doutrina espírita. Também, segundo Fernandes (2008), a instabilidade
social e a Guerra do Paraguai também foram fatores que estimularam a busca do povo
pelas consultas místicas.
O espiritismo que era até então uma doutrina para os intelectuais da burguesia, e
entretenimento para curiosos, se espalhou popularmente, com a fundação de centros
espíritas. O primeiro a ser fundado, foi o Grupo Familiar do Espiritismo (1866), em
Salvador.
Na mesma proporção da aceitação, começaram os combates pastorais por parte da
Igreja Católica, pois a doutrina espírita contraria os princípios do cristianismo da
ressurreição dos mortos. Houve também o combate por parte da imprensa baiana. Tal
polêmica colocou o espiritismo em evidência, atraindo mais adeptos e ganhando força no
Rio de Janeiro. Coincidindo com as reinvindicações republicanas da época, muitos
“simpatizantes” estavam inseridos no manifesto.
6
Interessante essa fala “princípios cristãos do espiritismo”, demonstra a rapidez que esse se cristianizou-
se.
38
significa que as religiosidades indígena e africana tenham deixado de ser praticadas. Elas
se amalgamaram ao catolicismo lusitano e sobreviveram em meio às práticas populares,
tendo como contribuintes diversos fatores culturais. O resultado foi a obtenção de uma
expressão um tanto distanciada do catolicismo romano.
O catolicismo que os portugueses trouxeram foi o catolicismo mágico das práticas
devocionais aos santos e apego às representações dos mesmos por imagens e figuras, das
romarias, das festas populares e ênfases rituais “que marcariam profundamente a cultura
brasileira nos seus insistentes apelos emotivos e piedosos, manifestados nas esculturas de
Aleijadinho do século XVII mineiro” (MACEDO, 2008, p. 4). Nessa época, a Igreja
Católica estava vivendo um período de reestruturação interna que se processava desde o
Concílio de Trento (1545 a 1563), devido aos embates teológicos com a Reforma
Protestante. Índios e africanos continuaram suas práticas, os indígenas teriam
desenvolvido movimentos “messiânicos” de libertação dos brancos e os africanos,
camuflando seus orixás em santos católicos, evitando confrontos diante das proibições de
seus cultos. Recorriam à magia como forma de resistência a opressão e a utilizando
também para curas físicas. Os quilombolas acabaram aderindo ao culto católico
sincrético, mesclado com elementos indígenas e africanos, tendo mais familiaridade com
os santos católicos do que com os orixás. Outro fator que contribui para a opção pelo
catolicismo seria que, no quilombo se reuniam diversos povos africanos e a única religião
que conseguiria agregar a todos seria o sincretismo católico. Assim, o sincretismo que se
estabeleceu foi uma solução para problemas culturais e como demonstração da resistência
religiosa indígena e africana, que subsistia à imposição (BITTENCOURT FILHO, 2003).
Para Espín (2000), a experiência da religiosidade popular é a experiência de quem quer
tocar Deus esperando uma revelação diferente, que se identifica com o Jesus sofrido,
tendo na ressurreição uma esperança. Essa experiência não pode ser diminuída como algo
irracional ou tida como expressão da ignorância, como tendenciosamente são
interpretadas ao nível popular. Ela é real, dá sentido, até mesmo é central na vida daquele
ser humano ou grupo. Porém, sendo inacessível aos não praticantes.
O povo sofrido da época de Jesus se identificou com Jesus em sua “derrota”, não
se tinha sobre ele, o entendimento que a religião cristã assimila nos dias de hoje. A
experiência daquele povo com a pessoa de Jesus, é a do homem tido como insignificante
pelas autoridades, que se imbuiu de uma solidariedade tamanha para com o sofrimento
alheio, que acabou incomodando e sendo morto. Para o povo, Jesus, antes da imagem
divina, era o homem altruísta, digno de ser imitado. Com o tempo, conforme o
40
cristianismo foi ganhando força e prestígio no mundo romano, mais foi sendo enterrada
a imagem do Jesus derrotado em meio de símbolos de vitória “desse modo silenciando a
necessidade social e eclesial de ver, experimentar e tocar as histórias contínuas que
prolongam a analogia de Deus por meio de outras vidas humanas partidas” (ESPÍN, 2000,
p. 57). Segundo Espín, o catolicismo popular não deve ser tratado como algo paralelo ao
catolicismo normativo, de forma pejorativa e supersticiosa. A expressão de fé do povo
deveria ser estudo e considerado, tal qual a Igreja Católica observa e sacraliza o que
chama de “Sagrada Tradição”, que consiste na vivência dos apóstolos e primeiros
cristãos. Para ele, o catolicismo expresso pelo povo é o Sensus Fidelium. A maneira como
o povo interpreta e expressa a religião em sua vivência, também deveria ser considerada
como revelação, uma vez que a Igreja entende que Cristo se revela à toda a igreja e o
povo que vive e testemunha a fé, corresponde a grande maior parcela da Igreja.
O Sensus fidelium seria a intuição de fé do povo. Sendo que a maneira de expressar
a mesma fé é variável, compreendendo que a religião se insere em culturas de povos
diferentes. Não que o autor considere que tudo é aceitável, no entanto, propõe que os
teólogos não ignorem estudar essas expressões que compõe a religião popular e que, para
que haja tal compreensão, é exigido
Até o golpe político em 1889, a Igreja Católica era subordinada ao poder estatal,
resultando em inúmeros conflitos entre Igreja e Estado, que tinha autoridade de intervir
nas decisões da Igreja e de punir a mesma, diante de enfrentamentos. Neste período, a
Igreja mantinha um restrito número de bispos em suas poucas circunscrições eclesiásticas
no Brasil e evitava criar novas. Era uma forma de resistir a essas intervenções
(AZEVEDO, 2002, p. 34). Porém, a Igreja estava longe de contornar os inúmeros
problemas que se estabeleciam em relação à Igreja oficial com a praticada popularmente.
O catolicismo português, menos agressivo, legou ao povo “certa brandura, tolerância e
maleabilidade que a exaltada, turbulenta e dura religiosidade espanhola conheceu”
(AZEVEDO, 2002, p. 36). Os jesuítas, sendo a ordem mais intelectualizada dentre as
ordens da Igreja, atuavam sem submissão à coroa e tinham como missão difundir a
religião aos moldes de Roma e de submissão ao papa, eles lançaram bases para a formação
intelectual cristã no Brasil, fundando colégios e escolas “voltando-se para o estudo da
filosofia, teologia e latim” (MACEDO, 2008, p. 10). Porém, no ano de 1759, foram
expulsos pelo Marquês de Pombal e a evangelização ficou sob cuidados de um clero
despreparado e com poucos bispos para orientar a igreja segundo os ensinamentos
tradicionais. Essa falta de preparo do clero afetou a disciplina e ensinamentos morais
cristãos.
7
Cf. Fritz, 2007.
43
Essa Reforma foi melhor aceita pelas igrejas urbanas e teve maior resistência por
parte das comunidades rurais, até porque as capelas existentes nesse meio eram
costumeiramente construídas por membros da população local.
Em 1891, a igreja a Igreja Católica deixou de ser a religião oficial com o decreto
constitucional da liberdade religiosa, porém, a separação Estado/ Igreja fez com que a
mesma ganhasse a liberdade, podendo retomar seus princípios, no entanto, houve uma
diminuição do número de sacerdotes e com o laicismo, um certo clericalismo. A falta de
controle da Igreja no período imperial, implicou à imagem sacerdotal um certo descrédito
com relação aos seus votos, em especial o da castidade. Mais tarde o Estado retoma o
conteúdo moral da Igreja para fins de “reespiritualizar a cultura” brasileira, sob a
presidência de Getúlio Vargas, como “a proibição do divórcio e a educação religiosa nas
escolas” (AZEVEDO, 2002, p. 37). A igreja reagiu diante da falta de sacerdotes, falta de
instrução leiga, lembrando que, também no século XX houve o avanço das religiões
protestantes e espíritas. Em 1935 A ação católica fez um grande esforço para a animação
das comunidades, como congressos eucarísticos e ênfase na participação leiga na vivência
da igreja. Porém, embora venham fazendo oposição a tal confusão, há muitos decênios,
45
as autoridades eclesiásticas têm tido muito pouco êxito nesse esforço e pode-se afirmar,
sem muito risco de erro, que aqueles cultos estão, por diversas razões, numa fase de
ressurgimento e de expansão em todo o país (AZEVEDO, 2002).
Diante do quadro apresentado é possível compreender a diversidade de
“catolicismos”, assim escrito no plural, pois o catolicismo brasileiro abre um leque de
expressões que pode ser notado em seu amplo território. Nuances que mudam conforme
a Região, o Estado ou até mesmo províncias, em meio às culturas diversas, assim,
Azevedo enfatiza que “na sua imensa maioria, a população brasileira é católica “sem
Igreja”, escapa à Igreja. De forma lapidar: muito santo pouco sacramento, muita reza
pouca missa, muita devoção pouco pecado, muita capela pouca igreja” (2002, p. 13). A
percepção de morte/vida eterna, e o princípio da Comunhão dos Santos do catolicismo,
da possibilidade da intercessão dos santos – aqueles cujos méritos em vida os elevou após
a morte para diante de Deus, segundo o catolicismo oficial –, por vezes, no catolicismo
popular se mescla com as propostas doutrinárias do espiritismo. Devido à boa aceitação
do espiritismo no Brasil. Há a consolação “meu ente querido foi para o céu” ao mesmo
tempo, crê-se nas almas penadas, “assombrações”, espíritos “obsessores” e maus
presságios.
A participação na comunidade não é contemplada como algo tão essencial quanto
à devoção aos santos padroeiros. No sistema das trocas populares, a fidelidade ao santo é
que garante a obtenção das graças. Como podemos analisar nesse trecho abaixo de uma
pessoa entrevistada por Brandão:
Mal eu não faço pra ninguém e você pode perguntar pra qualquer um
por aqui. Sou devoto dos Três Reis Santos, que é um santo muito
milagroso. Aqui por São Paulo tem pouca devoção com eles, mas lá pra
onde eu nasci é demais. Todos anos que eu posso volto na minha cidade
em Minas e cumpro as minhas obrigações. Saio com a Folia e dou seis
dias no ano pra devoção. Mas precisei, é só pedir que a graça vem. O
santo atende sempre (BRANDÃO, 2007, p. 192).
Especialmente nas zonas rurais, muitas mulheres ocuparam os espaços que se lhes
iam apresentando e, à medida que atuavam, iam se sobressaindo como sábias da
comunidade, conhecedoras das ervas e rituais de cura, sob o título de rezadeiras ou
benzedeiras. Algumas atuavam até mesmo como parteiras. Mecenas e Santos (2009), em
sua pesquisa sobre as rezadeiras da cidade de Itabaiana no Estado do Sergipe, aponta que
a função da parteira está praticamente extinta nos dias de hoje.
Segundo Araujo, “A benzeção é um conjunto de representações e práticas rituais
que tem por fim produzir curas. Ela se aplica a pessoas e a animais, sendo assim a
manifestação mágica da religiosidade do catolicismo popular através da solução para
enfermidades e maus olhados” (2015, p. 77). A prática da benzeção ou benzedura, surgiu
como alternativa medicinal para as regiões distantes dos centros urbanos, sem acesso à
medicina convencional e utilizadas tanto para o tratamento de doenças como para os
males da alma. Santos (2009), afirma que práticas semelhantes foram encontradas por
pesquisadores em Baixo Alentejo – Portugal, tendo orações similares e nome de “doença
de benzedeira” em comum, como o “cobreiro”. Na Idade Média portuguesa, era comum
que as orações de súplicas fossem conduzidas por mulheres consideradas piedosas nas
comunidades. Tratava-se de orações que apelavam às orações populares como a das
Chagas de Cristo, por exemplo, assim, a figura feminina ganhava um papel de
protagonista sendo ligadas ao ofício da reza comunitária.
No Brasil colônia, a prática popular portuguesa das rezas uniu-se aos
conhecimentos dos indígenas acerca das propriedades medicinais encontradas na natureza
e o uso de talismãs e amuletos trazidos pelos africanos, tecendo a mística da benzedeira
brasileira.
No século XIX, com os avanços da medicina convencional, houve a crença de que
a medicina popular se extinguiria, no entanto, essas práticas populares sobreviveram,
tendo que os médicos do século XX conviverem com elas. Nesse mesmo século, quando
foi criado o Sistema Único de Saúde – SUS, previu-se novamente o desaparecimento das
práticas da benzeção. Só que a cultura popular demonstrou ser mais forte do que
imaginaram os cientistas sociais, atravessando o século XX e chegando, ainda que em
menor número, no século XXI, espalhadas em regiões afastadas, no interior e até mesmo
nas periferias das grandes cidades (HOFFMANN-HOROCHOVSKI, 2015). Apesar da
48
prática ter nascido e desenvolvido no âmbito católico e tendo sido por muito tempo uma
prerrogativa do catolicismo popular, o “trânsito religioso envolvendo as religiões ditas
“evangélicas” e de matrizes afro-descendestes” (SANTOS, 2009, p. 15) possibilitou o
surgimento de benzedeiras e rezadeiras nesses seguimentos também. Contudo, mesmo se
denominando evangélicas, essas profissionais populares da cura teriam mantido uma
certa devoção aos santos.
É observável que não há uma fórmula, um método específico para se realizar a
benzedura ou benzeção, o ofício apresentado por pesquisadores de diferentes localizações
do território brasileiro, mostram uma variedade de rituais, crenças, sendo que a localidade
possui um papel determinante na expressão, como Quintana (1999) nota em sua pesquisa,
no Rio Grande do Sul, diferenças entre as benzedeiras rurais e as urbanas, também
podemos perceber características regionais, comparando as pesquisas. Sendo que as
benzedeiras urbanas têm de dividir o espaço com outras práticas, enquanto as rurais
gozam de uma popularidade maior. Outra característica é a negação do título de
"benzedeira” em algumas regiões, pelas praticantes rurais, devido a essas estarem muito
ligadas às práticas católicas e possuir a autorização do padre para rezarem pelas pessoas.
O título “benzedeira” não é bem visto pela igreja, sendo considerada um tipo de feitiçaria
ou prática supersticiosa.
Apesar de não ser uma prática uniforme, há pontos em comum que caracterizam
o ofício da benzeção, permitindo distingui-las mesmo sem que a pessoa não se identifique
com o nome “benzedeira”. Comecemos por destacar o processo que leva uma pessoa ao
ofício. Há aquelas que, segundo Quintana (1999), se tornam benzedeiras por imitação e
aquelas que atribuem a um chamado misterioso de Deus. As benzedeiras que aprendem
por imitação, podem aprender por meio de livros, familiares, conhecidos. Algumas que
observando o adulto praticante da benzeção, reproduziu em brincadeiras e foi fazendo um
processo de aprendizagem até começar a atuar na vida adulta. A família observa a
brincadeira e a identifica como uma predisposição ao dom. Normalmente isso acontece
tendo um mestre em quem se espelhar. Sendo assim, um dom transmitido que será
somente reconhecido numa idade mais madura, tendo a idade como um requisito que, no
imaginário social, remete à sabedoria. Santos, constata em sua pesquisa, que algumas
mulheres se tornaram benzedeiras para utilizar a prática em casa com os filhos “e não
mais incomodar as outras rezadeiras” (2009, p. 16). Outras, empregando a escrita como
ferramenta de aprendizagem, tomavam notas de algumas orações.
As benzedeiras que atribuem o dom à experiência com o divino são mais
reconhecidas pela sociedade e tendem a ter um número significativo de procura, algumas
relatam a experiência de serem curadas e que a partir dessa experiência teria recebido o
dom para realizar curas nos outros, “os conhecimentos tanto das orações como dos chás,
pomadas, unguentos etc são atribuídos à informação de alguma entidade sobrenatural,
50
como anjos ou guias, principalmente” (QUINTANA, 1999, p. 55). Seja por imitação ou
por experiência sobrenatural, a benzedura é tida como um dom, não bastando o
aprendizado, processo por quais todas necessitam passar, o “dom da cura” é fundamental
para o ofício. Para que a cura seja efetivada é necessário que a benzedeira ou rezadeira
esteja crente na eficácia da cura, assim como o paciente deve ter fé de que será curado,
senão a cura e a benção não podem ser alcançadas.
De forma geral, as benzedeiras falam de si mesmas como “instrumentos da força
divina (Deus, Jesus, os santos, etc)” (SANTOS, 2009, p. 17), sendo assim, a fé seria a
condição fundamental nesse discurso, para a realização das graças tendo Deus como
aquele que realiza a cura e a benzedeira ou rezadeira atuando como uma intermediária da
cura. Há uma conciliação entre paciente e benzedeira, de que o poder de curar provém de
Deus, em todas as pesquisas aqui mencionadas elas jamais se colocam como detentoras
do poder, mas sempre atribuindo a cura à manifestação de Deus. Porém, ela possuiria um
dom, uma capacidade dada por Deus para a realização de curas, bênçãos e reestabelecer
o equilíbrio perdido.
De fato, esse ponto nos coloca uma diferença. Poder-se- ia dizer que a
bênção é um tipo de prece na qual: 1) aquele que a realiza procura
influenciar os favores das forças sagradas em benefício de uma outra
pessoa; 2) essa prece tem por objetivo implícito também influenciar
tanto as forças sagradas quanto o beneficiário (QUINTANA, 1999, p.
94).
meio do sacrifício de sua vida teria um acesso ao sagrado em favor daqueles por quem
ora.
Quintana (1999), em sua pesquisa fala sobre as benzedeiras, encaixando-as dentre
os procedimentos terapêuticos não reconhecidos, considerados mágicos, mas que ao
mesmo tempo desperta a curiosidade. Procedimentos que são desprezados pela falta do
caráter científico, mas que conhecemos através de alguém ou em algum momento
buscamos como uma alternativa para aliviar os problemas. A crença na mágica parte do
desejo de que haja algo que ajude a ter controle sobre as situações que escapam do alcance
do ser humano e neste “universo” que elas se situam, como a doença, a morte. “O homem
percebe essa morte, mas ao mesmo tempo a recusa, pois ela rasga, separa, abre uma
brecha até a dilaceração, e deve ser preenchida com os mitos e os ritos de sobrevivência”
(MORIN apud QUINTANA, 1999, p. 31). Há um sistema de trocas simbólicas que atende
as ações boas ou más do ser humano e a lógica da vontade de Deus repercute em
resignação mediante catástrofes, doenças e morte.
Nesse meio o bem e o mal estão em constante batalha pelas almas e os seres
humanos sempre ameaçados pelo maligno. No entanto, Deus sempre vencerá, ele é o
poder supremo. Nesse meio, o ser humano não é passivo, ele é agente direto e suas ações
determinam quem vence a batalha. São vitórias provisórias que dependem das ações boas
ou más do ser humano, o fazendo merecedor da graça ou da desordem. É nesse momento
que se recorre a um agente mediador.
O agente mediador, ou no caso de nosso estudo, as benzedeiras, são os que
recorrerão por meio de artifícios diretos de “magia”, nas palavras de Brandão (2007). Elas
são as agentes merecedoras e medianeiras para a quebra dos males.
as brasas tenham estralado, significa alguma coisa? Dona Helena: Estralar é bom, é
muito dinheiro, muita saúde” (QUINTANA, 1999, p. 109).
As benzedeiras também diagnosticam doenças e as nomeiam de acordo com o
próprio entendimento. Alguns nomes de “doenças de benzedeiras” ou “rezadeiras”
especificada por Santos:
Em pé, mas agora segurando um pano que costura com uma agulha com
fio branco, pergunta: “O que é que eu coso?”. O paciente responde:
“Carne rasgada, Nervos torcidos, Coluna, Quadril, Torcicolos, Pescoço,
Ombros, Peito aberto, Espinhela caída, Os braços, Os fêmur, Os
joelhos, As pernas e os pés. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo, Amém!” (HOFFMANN-HOROCHOVSKI, 2015, p. 10).
Ou o ritual com ramos verdes e gestos em cruz, como relata Santos: “Jesus quando
andava no mundo tudo que achou levantou. Levante o vento caído de fulano com o vosso
divino amor”. (Informação verbal, Dona M. P., maio 2006) (SANTOS, 2009, p. 23).
Oração que ela recita três vezes. O sinal da cruz, o número três, os galhos de plantas, são
alguns dos símbolos mais frequentemente utilizados por elas. Quintana (2009) percebe
quatro áreas de atuação das benzedeiras: o de controlar acontecimentos que ainda não
ocorreram, quando os pacientes a procuram com o intuito de conseguir um bem futuro
como o de passar num concurso público, um namorado, emprego, etc, crentes da
capacidade de intervenção da benzedeira; identificar as dificuldades que se impõe além
das que os pacientes coloca, como se tendo o poder de enxergar a causa do mal; agir
contra os males decorrentes do mau-olhado de alguém sobre a pessoa; curar através de
54
seus conhecimentos das ervas medicinais. Havendo entre essas orações, algumas com
propósitos de agradecimento e até mesmo para se ter conhecimento do dia da inevitável
morte e assim obter a graça do tempo de arrependimento e assim evitar a perdição eterna.
Minha Virgem Senhora, minha Virgem Sagrada, que deste mundo foste
rodeada de anjos, do sol, das estrelas e da lua, por aquele carreirinho
acima, que tem um cordeirinho amado, leve tudo, leve meu Jesus
crucificado. Três dias antes que eu morra, que a minha Virgem me
apareça, dizendo: “Filho(a), filhinho(a), vamos nós se confessar, tua
alma será salva e há de ir para um bom lugar. Quem é aquele que lá
vem? Quem é o cálice da hóstia? Não é o cálice nem a hóstia, é o
menino Jesus que lá vem”. Quem souber essa oração, reza um ano
continuado, que tira uma alma da pena e a sua dos pecados
(MARQUETTI; LOPES DA SILVA, 2015, p. 119).
8
Faleceu no dia 22 de agosto de 1990 (SANTOS, 1997, p. 15).
56
do santo que ela denomina como “guia de transporte”. “Com a decisão tomada, dona
Edelarzil recebe e desenvolve os dons de materialização e transporte através de seu guia
espiritual, Santo Antônio” (SANTOS, 1997, p. 10; CASA CAMINHO E LUZ, s/d, p. 10).
Mais tarde, aos quatro anos de idade, adoeceu novamente e foi curada da mesma maneira.
9
Adriano B. Santos – não há quaisquer informações sobre o autor além de seu nome. O livro “Edelarzil:
A história de um dos maiores fenômenos espirituais do Brasil”, foi lançado por meio de gráfica comum
contendo 58 páginas. Achamos um único exemplar na web em um sebo em Sorocaba. No livro, há promessa
de que haveria uma nova edição, porém, não sabemos se houve essa outra edição.
57
Em 1964, com dezoito anos, casou-se com Natalino Alves Cardoso, com quem
teve seis filhos (três homens e três mulheres), a mais velha chama-se Elizabete Rosângela,
depois nasceu Eliane Aparecida, em sequência nasceram, Marco Antônio, Carlos, Ivan
Roberto e depois a caçula, Ellen Flávia. Durante sete anos atendeu várias pessoas por
carta, para melhor se dedicar à família. O marido, contou em entrevista para o “Globo
Repórter” (Rede Globo de Televisão), que teve que se acostumar com os mistérios que
cercavam sua esposa “Tinha vezes que o guarda-roupas abria e fechava e eu fiquei muito
amedrontado, inclusive eu passei a dormir no canto” (TRV 3). Ele queria uma vida mais
tranquila com a esposa, o que não era possível com a demanda de pessoas que a
procuravam diariamente. “Já sofri muito para criar meus filhos e, também, meu esposo
que não aceita meus trabalhos espirituais” (SANTOS, 1997, p. 16), desabafou a médium.
Natalino acreditava ter conseguido controlar por algum tempo a situação, enquanto isso
Edelarzil atendia as pessoas às escondidas. Foi assim, até um homem rico lhe oferecer
um carro, se permitisse que em troca, deixasse a mulher voltar a atender a todos que a
procurassem, conseguindo de Natalino o consentimento que Edelarzil queria.
Edelarzil, voltou a adoecer em 1972, emagreceu, ficando muito debilitada e, em
1973, decidiu retomar os atendimentos de materialização pessoalmente.
59
10
Ver catálogo na página 191.
60
centro em Parisi, o centro Nossa Senhora do Rosário. Dessas doações, Edelarzil montava
em torno de cem cestas básicas para doar para pessoas carentes.
Ela conta que, até o início dos anos 80, as materializações caiam como uma chuva
em cima das pessoas que a procuravam, “Quando eu trabalhava, não usava algodão. Eu
mentalizava e caiam direto sobre as pessoas, mas machucava, sujava... caco de vidro
cortava, ossos... machucava e as pessoas saíam sujas e com medo. Quando começava a
cair, já todo mundo queria correr” (TRV 2). “Os objetos se materializavam em cima das
pessoas, aí caía coisas cortantes, caía..., machucava. Caía igual uma chuva, então a gente
não sabia de quem era...de quem nada... sabia que estava recebendo a limpeza espiritual”
(TRV 3). Preocupada, recorreu ao auxílio de seus guias espirituais, para que lhe dessem
uma solução para que o fenômeno não assustasse e nem machucasse as pessoas, isto
posto, indicaram para ela, o uso do algodão.
Edelarzil fundou o centro “Nossa Senhora do Rosário” em Parisi, onde trabalhava
com materializações três vezes por semana e teria chegado a atender até 5.000 pessoas,
num só dia. As pessoas procuravam-na de carro ou fretamento de ônibus, ela começava a
trabalhar às 08h00, não tendo horário para terminar, sendo que, muitas vezes encerrava o
trabalho por volta das 02h00 do dia seguinte. Além do trabalho durante a semana, ela
relata que dez anos da sua vida foram dedicados a visitação de outras cidades pelo Brasil
inteiro durante os fins de semana, onde a chamavam para materializar.11
Em 1997, Edelarzil mudou-se de Parisi para uma chácara em Votuporanga, cidade
situada na mesma região paulista. Um médico, cujo nome não tivemos acesso, foi quem
doou o sítio onde a médium fundou sua nova casa de atendimento, intitulada Estância
Casa Caminho e Luz, onde permanece até os dias de hoje. Um local bem organizado, com
casas de acolhimento para os visitantes passarem a noite, uma casa para atendimento de
Tarô, um espaço reservado para as materializações (com escritório, capela e área de
espera) e um restaurante. Atualmente, ela trabalha com o auxílio dos filhos e da nora.
Na década de 90, a “Mulher do Algodão” chamou a atenção da imprensa, devido
à sua popularidade e grande massa atraída pelo fenômeno. Edelarzil, a Benzedeira do
Algodão, já foi alvo de várias reportagens, nos mais diversos jornais, rádios e emissoras
de televisão, inclusive no Fantástico e Globo Repórter12 da TV Globo, Mistério13 da
Manchete e programa Eli Corrêa” da Rádio Capital (CARDOSO, s.d., p. 11). Com o
11
Essas viagens pelo Brasil ocorreram na década de 1990, década em que ela era constantemente foco das
diversas mídias.
12
Globo repórter: entrevistada pelo repórter Domingos Meirelles em 23 de agosto de 1991 e em 11 de
outubro de 1991 com a presença do padre Oscar G. Quevedo.
13
Programa presentado por Walter Avancini em 1997. Ela foi entrevistada pelo repórter Raul Silvestre.
61
passar dos anos, Edelarzil foi limitando cada vez mais a quantidade de pessoas, na época
em que foi entrevistada pelos programas, Fantástico, Globo Repórter e Mistério, ela já
tinha reduzido de uma média de 1.500, para 300 pessoas. Nos tempos atuais, ela restringiu
as visitas a uma média de 50 a 100, que em sua maioria, a visitam através de alguns líderes
de caravana autorizados por ela e com data marcada. Outros que a procuram por conta
própria, não deixam de ser atendidos, porém, desde que respeitem o horário de
preparação, todos devem chegar antes das 11h00, as materializações começam por volta
das 13h00. Ela afirma pretender diminuir ainda mais os atendimentos, pois está em idade
avançada e cansada.
Algumas personalidades famosas, também a teriam visitado.
Senhor Natalino, o marido, diz que, logo depois do casamento, teve que
se acostumar com os mistérios que testemunhava dentro de casa.
Natalino: Tinha vezes que o guarda-roupas abria e fechava e eu fiquei
muito amedrontado, inclusive eu passei a dormir no canto... (de medo,
diz Edelarzil) (TRV, 3).
62
Eu queria uma vida mais tranquila e eu achava que aquele povo todo
me atrapalhava, assim. Eu queria ela mais junto de mim e quando vinha
aquele povo eu...sempre arrodiado dela, e aquilo tudo pra mim, não
parecia tão importante. Aí não teve como segurar, a pessoa chegou aqui
e ela começou a atender essa pessoa escondida e era uma pessoa de
bens... ela chegou aqui e disse: “Porque você não deixa ela atender?”.
E eu disse “Não aceito!” – aí ele falou: “Mas eu vou te dar um presente
e se eu te der esse presente, você deixa? [...] Eu vou te dar um carro pra
você e daí você deixa atender todo mundo” e ele trouxe, colocou aí, eu
aceitei aquilo e, por aceitar aquilo, eu perdi toda a liberdade que eu tinha
com a minha esposa (TRV 2).
Fora isso, não há mais pronunciamentos dele. O que transparece nas breves falas
de Natalino, é que, para ele, o trabalho de Edelarzil não fazia sentido, ele queria sua esposa
próxima dele e a multidão fazia com que isso não fosse possível, chegando a “proibi-la”
de realizar os atendimentos. Vemos aqui que, na verdade, Natalino esperava que seu
casamento não fosse perturbado pelo fenômeno envolvendo a pessoa de sua esposa. Para
Natalino, provavelmente, essa quebra de sistema deve ter sido difícil e confuso.
Percebemos também, que não foi fácil para Edelarzil driblar a situação. Porém, ela não
parece ter se submetido à proibição e continuou atendendo às escondidas. Natalino, por
sua vez, parece sentir por ter concedido “permitir” que Edelarzil atuasse em troca de um
presente oferecido, um carro, por um de seus clientes, o que segundo ele, fez com que
perdesse a liberdade em relação à esposa.
Aqui não temos a pretensão de fazer uma análise da vida familiar de Edelarzil e
Natalino, mas a atuação e influência do esposo sobre a carreira da mulher. No dia da
visita, percebemos a presença dos filhos e de uma das noras, porém, não notamos a
presença de Natalino e mais à frente, em nosso texto, cremos que voltaremos a essa
questão. Mas até aqui, não parece que o mesmo tenha tido maiores influências sobre o
trabalho de Edelarzil ou na construção de seu imaginário místico. Mas levantamos a
hipótese de que talvez pudesse ter ocorrido algo um pouco ao contrário, talvez Edelarzil
tenha influenciado a carreira política do marido.
Observamos em nossas pesquisas, que Natalino foi um cidadão atuante na política,
tanto na cidade de Parisi como na cidade de Votuporanga. Parisi se emancipou no ano de
1991, até esse tempo, ela era distrito de Votuporanga na região de São José do Rio Preto.
No Memorial da cidade, publicado na internet, consta os nomes dos primeiros cidadãos
parisienses a serem eleitos para representar o povo:
63
Natalino foi um dos primeiros vereadores da cidade de Parisi, numa época em que
Edelarzil já era famosa e promovida em entrevistas em jornais e televisão. Mais tarde, já
Figura 4: Candidatura de Natalino em 2004
Fonte: https://www.eleicoesepolitica.net/vereador2004/SP
14
Disponível em < http://www.memorialdosmunicipios.com.br/listaprod/memorial/historico-
categoria,189,H.html> Acesso em 01 jan. 2019.
64
Fonte: httpswww.facebo.comphoto.
Fonte: http://3.bp.blogspot.com
Ao longo desta dissertação ficará cada vez mais clara sobre qual seria a atuação
da família de Edelarzil em seu trabalho, no desenvolvimento do seu imaginário e nos
serviços oferecidos em seu espaço Estância Caminho e Luz. Não percebemos a presença
de seu marido no dia da visita, no entanto os filhos estavam lá. Através da fala da médium
descrita acima, dá-se a entender que Natalino, mesmo que talvez não concordando
completamente com o trabalho da esposa, esteve a acompanhando de alguma forma, além
de trilhar o caminho da política e do comércio.
Considerações intermediárias
apegaremos ao arquétipo para estudá-la, mas estudaremos o seu espaço religioso e sua
performance para buscar uma identificação de Edelarzil dentro da religiosidade popular
brasileira e seu protagonismo individual a fim de apreciar as proximidades e seus
distanciamentos com sua classe. E assim, desapegados, estarmos preparados para as
eventuais surpresas que essa personalidade possa nos proporcionar no decorrer do texto.
67
CAPÍTULO 2
A CULTURA MATERIAL DA ESTÂNCIA CASA
CAMINHO E LUZ: INDICADORES DE RAIZES E
RELAÇÕES RELIGIOSAS
Introdução
atentar às pistas que podem nos auxiliar a compreender o imaginário e a cosmogonia que
ela foi construindo e significando em seu espaço, em alguns momentos de nossas
descrições iconográficas, devido ao contexto do nosso estudo, ultrapassaremos o Tempo
Primário da análise para o Tempo Secundário, com algumas identificações hagiográficas,
no entanto, guardaremos nosso estudo iconológico (Significado intrínseco) para ser
melhor apresentado no próximo capítulo.
Guardamos por um momento, que Edelarzil Munhoz, assumia para si mesma nos
seus pronunciamentos ser uma benzedeira de profissão de fé católica. Espera-se, então,
que elementos do imaginário católico sejam encontrados naturalmente não somente em
sua performance, suas referências simbólicas e imagens discursivas, mas, também no
próprio espaço da realização dos ritos. Portanto, queremos ficar atentos no decorrer de
nossa pesquisa se poderemos apreciar a presença de elementos de outras expressões
religiosas que, ultrapassando as fronteiras do catolicismo, dialogam em sua performance
e em seu rito, como as religiosidades africanas, indígenas, espíritas entre outras.
Quando falamos de cultura visual, devemos nos ater à constatação de que o ser
humano se utiliza de muitas linguagens para se comunicar e comunicar sua religiosidade,
por imagens, ritos, textos, músicas, dentre outros. Segundo Renders (2015), a construção
da religiosidade brasileira, pressupostamente, teria sido formada muito mais pelas
linguagens das imagens, artefatos e ritos do que por meios de textos, isso por causa da
amalgamação de muitas culturas. No período em curso, permanecemos ligados a essa raiz
imagética de nossa cultura, como pode-se perceber na comunicação da sociedade: um
grande predomínio da comunicação visual. Enquanto a importância da cultura visual na
história não tenha o mesmo reconhecimento em todas as religiões e todas as vertentes do
cristianismo, por exemplo, no protestantismo brasileiro e, especialmente, no
pentecostalismo, há em nosso tempo atual, uma nova sensibilidade para o assunto: pode-
se afirmar que hoje habitamos em uma cultura da visualidade. Isso se constata, por
exemplo, no predomínio imagético na internet. Não se recorre a textos, mas aos memes,
logotipos e símbolos visuais. “Em resposta a essa situação acreditados que seja
fundamental interpretar as religiões brasileiras considerando as suas interfaces com as
respectivas culturas materiais e visuais, às quais elas pertencem e que elas representam e
constroem” (RENDERS, 2015, p. 64). Essa percepção da importância atual da cultura
69
Sendo assim, uma imagem reconhecida em sua forma, numa primeira percepção
é o que Panofsky chama de Tema Primário, quando a pessoa consegue distinguir um
homem, uma montanha, uma árvore. Num segundo momento, chamado de Tema
Secundário, acontece com uma leitura pouco mais definida, trata-se de observação e
identificação. Ou seja, ao olhar para um conjunto de imagens, pode-se identificar pessoas
por suas características, ações em comum ou ainda identificar um determinado santo pelas
representações hagiográficas a ele ou a ela remetidos.
Há ainda um terceiro momento, o Significado intrínseco ao conteúdo, que possui
um caráter mais revelador, como a época em que aquela determinada arte (ou ainda sua
escola artística) ou fotografia ocorreu, certos contextos históricos contidos e no que diz
respeito aos gestos manifestos em todo conjunto visual. Isso na arte, isso, no cotidiano e
também na religião. Assim, um conjunto de imagens pode revelar o caráter intrínseco
contido, não somente numa pintura, mas em gestos e expressões do cotidiano, como
decifrar o outro que me cumprimenta e me aparenta seu estado de humor, e assim
podemos transferir essa análise para a religião e compreender a série de manifestações
visuais dentro de um rito, numa performance religiosa e seu conjunto de símbolos.
O que se pode analisar sobre os efeitos da relação humana para com as imagens e
artefatos religiosos que pode ser de desenvolvimento por empatia e simpatia, ou seja, o
poder dessa relação afetiva com a imagem. De acordo com Renders (2015), não se trata
necessariamente de um “poder” contido na mesma, magicamente, mas cedido. Para
compreender essa relação se faz necessário um aprofundamento, ou uma “virada
pictorial”, entender a representação da imagem ou artefato, a intenção da autoria.
Também considerando Campos (2012), no que diz respeito sobre este tempo
marcado por uma cultura cada vez mais definida pelas imagens, a visão oferecida pela
Cultura Visual e material é indispensável para compreensão dos processos de
complementação simbólica nos espaços do tecido cultural. Por fim, a importância do
estudo da Cultura Visual e Material brasileira, uma vez que a mesma desde seu princípio
comunica sua cultura por uma linguagem visual, é fundamental.
Fonte: http://bvespirita.com
No geral, o ambiente atende então aos padrões de um sítio comum: chão rústico,
com alguns espaços gramados, árvores e, o que reforça a ideia de um sítio, a presença de
animais como porcos, cabras, gansos e galinhas, no entanto, em locais isolados dos
clientes.
74
Fonte: httpsstatic.wixstatic
O restaurante self service (figuras 7 e 9), está localizado ao lado esquerdo da
entrada do sítio, de frente para a rodovia. É um lugar de passagem, de chegada ou de
retorno, focado nas necessidades físicas, não em necessidades espirituais ou religiosas
específicas especialmente atendidas nessa estância. Este espaço também não se destaca
Figura 10: Dormitórios Coletivos Gratuitos
coletivo e uma varanda (figuras 7 e 10). Os quartos contêm camas de solteiros e algumas
de casal. Seus móveis não são novos. Ouvimos que teriam sido doações, assim como os
colchões, os travesseiros e alguns dos cobertores. O quarto também possui ventiladores
de parede, um de cada lado. Há três quartos como esse, mantendo uma pequena distância
uns dos outros. Mais uma vez faltam ornamentações específicas no sentido de instalações
sistemáticas e repetitivamente aplicadas para marcar os três lugares de uma forma clara e
única.
2.2.2 A Estância Casa Caminho e Luz como espaço sagrado: descrição detalhada
dos espaços com função religiosa localizados ao redor do espaço reservado ao
ritual da materialização
O caráter basicamente funcional, muda, porém, com o próximo prédio, que fica
perto do restaurante e entre o restaurante e a sala da espera. Trata-se de uma casa exclusiva
para atendimentos particulares, a Casa do Atendimento, Cartomancia e Búzios (figura 7
e 11). Trata-se de uma primeira casa com função exclusiva religiosa, uma função,
entretanto, que não requer muito preparo do espaço físico. Infelizmente não tivemos
acesso ao interior da Casa do Atendimento, Cartomancia e Búzios.
objetos. Entretanto, antes de tratar desse complexo do espaço central com mais espaços
auxiliares ao seu redor, descrevemos mais um outro espaço auxiliar, porém, com função
religiosa específica.
Acima da caixa, ao lado com a abertura para as doações, está escrito o nome
“Edelarzil Munhoz Cardoso” e, na sua frente: “Coloque seus pedidos e doação para as
velas da corrente de orações. Deus te proteja”. A caixa, aliás, é protegida por um cadeado
o que faz nos imaginar que nem todas as pessoas que chegam neste lugar se aproximam
com boas intenções ou “intenções puras e santas”. Pela localização da “Ermida de Nossa
Senhora do Rosário e Fonte de Água Benta” no terreno como tudo, deve se tratar do
último espaço que se alcança depois ter participação no ritual da materialização e deixado
os objetos materializados no lugar reservados para isso. Trata-se então, de um lugar
sagrado de despedida, de contemplação individual, onde se faz os seus pedidos, se
ascende uma vela e vai embora. Anota-se aqui uma inversão. A água benta teria numa
igreja católica a função de purificação para depois entrar no espaço sagrado. Aqui, parece
ser vinculado com um tipo de benção de viagem.
Em síntese, quem se movimenta do portal para o centro reservado ao rito da
materialização encontra até então, no seu caminho particular na direção à luz, uma
primeira referência religiosa, uma figura do “Cristo Redentor” (Figura 14) que sua vez
remete a devoção do sagrado coração de Jesus, uma devoção introduzida oficialmente no
Brasil na fase da romanização da Igreja Católica.
2.2.3 A Estância Casa Caminho e Luz e seu espaço mais sagrado: descrição
detalhada dos espaços diretamente relacionados com o ritual da materialização
A seguir, descreveremos as dependências onde são praticados os ritos da
materialização. Podemos dividir o local em quatro partes principais: Espaço de Espera,
Escritório, Capela e Cobertura para a Análise e Descarte dos objetos materializados.
Figura 16: Mensagem Próxima à Capela Figura 17: Lei de proteção ao culto
Vinculo religioso ou
Títulos dos livros
ênfase temática
1. Sobrevivência e Comunicação dos Espíritos 15– 2. A Morte
Espírita Não é o Fim 16– 3. A Vida em Família17 – 4. O Sistema – 5.
Ascese Mística – 6. A Nova Civilização do Terceiro Milênio –
7. Problemas Atuais18.
15
Escrito por Osvaldo de Melo (1893-2015), lançado pela FEB, editora da Federação Espírita Brasileira.
O livro relata supostas experiências de comunicação com os espíritos, do próprio autor e de outras pessoas
na região de Santa Catarina.
16
Assis Azevedo (1947- vive), médium e psicógrafo, o espírito de um padre chamado João Maria é quem
seria, segundo ele, quem lhe dita seus livros.
17
Rodolfo Calligaris (1913-1975), nascido na cidade de Americana (SP), em 30 de outubro de 1913, tornou-
se espírita aos 21 anos de idade, foi um dos fundadores do Lar Espírita Espiridião Prado, em 1964.
18
Pietro Ubaldi (1886-1972), filósofo espiritualista italiano que escreveu diversos livros, muitos de seus
pensamentos são controversos ao espiritismo de Kardec.
19
Gopi Krishna (1903-1984) foi um chefe de família indiano comum que experimentou o despertar da força
espiritual conhecida como kundalini aos trinta e quatro anos de idade. Ele posteriormente tornou-se o
escritor inspirado de inúmeros livros em que ele compartilhou suas ideias com os outros.
20
Dainin Katagiri (1928-1990), budista, fundador do Minnesota Zen Meditation Center.
21
Annie Besant (1847-1935), militante feminista, ocultista e mística que escreveu diversos livros sobre
teosofia.
22
Zíbia Gasparetto (falecida em 2018 aos 92 anos), médium que supostamente era possuída por espíritos
que a levavam a compor romances, mãe do pintor Antônio Gasparetto, também médium.
82
23
Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), Embora formado em medicina, Joaquim Manuel de Macedo
não exerceu a profissão. Seduzido pelo magistério, foi professor de História no Colégio Pedro II, e preceptor
dos netos do Imperador Pedro II. Foi membro do Conselho Diretor da Instrução Pública, fundador e orador
oficial do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Envolvido na política, foi deputado em várias
legislaturas. <https://www.ebiografia.com/joaquim_manuel_de_macedo/>
24
José de Alencar (1829-1877), romancista, dramaturgo, jornalista, advogado e político brasileiro. Foi um
dos maiores representantes da corrente literária indianista. < https://www.ebiografia.com/jose_alencar/>.
25
Carlos Alberto da Cruz Wenceslau; José Nazareth de Souza Fróes.
< https://ihgb.org.br/pesquisa/biblioteca/item/19799-terras-realengas-jos%C3%A9-nazareth-de-souza-
fr%C3%B3es.html>
83
Fonte: http://2.bp.blogspot.com
DISPOSIÇÕES DA CAPELA
26
O desenho tem como objetivo localizar os espaços indicados, sem preocupação com medidas exatas.
86
nuvens, uma pomba como ícone do Espírito Santo e Deus Pai de braços abertos, cercados
por anjos.
Figura 26: Quadro (PLD) Figura 27: Quadro (PLD)
Ao lado, são quadros dispostos na parede lateral direita, a figura 26, uma mulher
vestida com armaduras de guerra, identificamos como sendo Santa Joana D’Arc e a figura
27, um homem também com armaduras, São Jorge, na cena em que mata um dragão.
Figura 28: Quadros (PEC)
27
Talvez uma imagem da Assunção de Maria ou elevação da alma numa tradução esotérica (Grande
Fraternidade Branca)?
89
10. Nossa Senhora de Fátima; 11. Nossa Senhora da Conceição Aparecida; 12. Santa
Catarina Labouré; 13. Nossa Senhora da Conceição; 14. São José; 15. Anjo; 16. Nossa
Senhora da Guia. A caixa azul, abaixo das imagens 3 e 5 é reservada para pedidos de
oração.
maiores, Santo Antônio de Pádua, uma imagem de Jesus Cristo Ressuscitado (uma
representação da Ascensão) e Imaculado Coração de Maria. Abaixo em miniatura,
também da esquerda para a direita, Santo Expedito, São Lazaro, Santa Edwiges e uma
imagem de Santo Antônio, já deteriorada.
Em seguida temos (figura 33), novamente, um quadro de Santo Antônio de Pádua,
um oratório confeccionado em madeira, um baú, acima dele, um quadro de Nossa Senhora
de Fátima, outras miniaturas de esculturas da Sagrada Família, flores artificiais, presépio
e até mesmo uma pequena estátua de um elefante. Em torno do oratório e das imagens
presentes em torno deste oratório, muitas fotos, rosários e bilhetes.
Finalmente temos o espaço cúltico principal (figuras 23 e 34) onde acontece o
ápice do ritual com a materialização de objetos. Vemos nele a presença de mais imagens:
na parede frontal, à esquerda, duas representações de Nossa Senhora do Rosário – uma
pintura e uma escultura; à direita, duas de Santo Antônio de Pádua – uma pintura e uma
escultura. Ao centro, outra representação iconográfica mariana, uma pintura em quadro,
onde Maria aparece com os cabelos louros e manto azul, uma provável representação de
Maria sob o título de Mãe de Deus. Do lado dessa imagem temos um par de quadros –
Sagrado Coração de Jesus e Imaculado Coração de Maria – um de cada lado.
Tal espaço cúltico é elevado por um degrau (Figura 23) e possui duas partes, uma
mesa de cimento, plana e um tanque redondo acoplado a ela. Checamos o tanque onde se
coloca a peneira com o algodão, possui uma pequena saída de água dentro dele e uma
torneira embutida na lateral; abaixo, um “tambor” de água quase medindo a mesma altura
do altar e um canecão para molhar o algodão. Na foto, o algodão, já desfiado pelos
91
clientes, sobre a peneira, mais algumas peneiras e sacos contendo algodão desfiado.
Observa-se no canto direito do referido espaço, dois carrinhos de supermercado,
conforme registrado na imagem acima. Mais tarde explicaremos sua utilização.
Figura 35: Placa PF Figura 36: Placa PF
que sua preparação começa com ao menos treze dias de antecedência, com uma trezena
em honra a Santo Antônio, sendo que os líderes de caravana possuem o papel de
condutores, não somente no sentido de guiar as pessoas até o local, mas também de
orientá-los religiosamente. Em segundo lugar ocupa especial atenção a recepção das
pessoas no local, com a acolhida e orientações, orações e preparação para o grande rito
das materializações. Finalmente, o momento mais esperado é o do rito da materialização
propriamente dito.
viajantes para dar início à viagem. Nesse primeiro momento, ela dá os recados e as
orientações de participação no ritual do Fenômeno do Algodão, como:
O uso preferencial de roupas brancas ou claras.
Pode ser comprado um chumaço de algodão por pessoa, no entanto o ideal é que
sejam pelo menos três por pessoa, para si mesmo ou para quantas pessoas
desejarem fazer a limpeza espiritual, sem um número limitado de pessoas ou
situações (processos: trabalhistas, judiciários etc; casas para vender ou alugar,
animais: cachorro, gato, passarinho etc; placas de carro; endereço da casa:
residência; pessoas falecidas até a quarta geração28). É explicado que treze seria
um número ainda melhor, com a justificativa de ser o número favorito de
Edelarzil, número de Santo Antônio de Pádua.
Ao ser chamado para a materialização, não esquecer de mencionar o nome,
situação ou coisa para qual deseja a limpeza.
Não esquecer de perguntar à médium quantas vezes seria preciso voltar e de
quantas materializações precisará.
Em hipótese alguma, guardar quaisquer objetos materializados para serem levados
para casa, pois, segundo a mesma, tratam-se de impurezas, maldições, magias
extraídas da vida do indivíduo, podendo, portanto, ocasionar algum malefício para
a pessoa e até mesmo acidentes no retorno. Devem ser deixados para serem
encaminhados ao lixão da cidade.
Em seguida, ela distribui panfletos entre os peregrinos contendo as orações da
trezena de Santo Antônio que são recomendadas por Edelarzil, para serem feitas em
preparação para a viagem em questão e encerra com a Ave-Maria e o Pai Nosso.
28
Texto extraído do site de viagens: < http://mulherdoalgodao.com.br/?page_id=41> acesso em 03 nov.
2018
29
Cada chumaço de algodão custavam R$30,00 em 2018.
94
sacolas. As sacolas são individuais e etiquetadas conforme os nomes das pessoas, coisas,
ou situações para quais serão materializados os objetos. Vemos várias pessoas saírem com
mais de dez sacolas como essas.
Uma vez comprados os algodões, cada um dirige-se para sentar-se em um dos
bancos ou poltronas no pátio da recepção ou outros lugares em volta do sítio onde possam
desfiar seu algodão e meditar. Cada um recebe uma caixa para isso. Também são
distribuídos livretos contendo uma breve biografia de Edelarzil, algumas orações,
simpatias e um catálogo contendo os possíveis objetos a serem materializados com suas
respectivas sugestões de significados.30
A orientação é que se mentalize o que deseja obter como graça enquanto se desfia
o algodão para si ou para outra pessoa ou causa. Primeiramente deve-se desfiar e
mentalizar para si mesmo e depois por pessoas ou coisas como: causas especiais, carros,
casas, dívidas etc. Depois do desfio, o cliente entra na capela para depositar o algodão
sobre a peneira posta sobre o tanque ou as que estão em torno. Há sacos grandes de lixo
que são deixados, estrategicamente, nas laterais também para essa finalidade.
30
Mais tarde, pode-se ouvir a discussão entre os filhos de Edelarzil dentro do escritório. Ao que consta, os
livretos não seriam para distribuição gratuita, mas deveria ter sido cobrado uma taxa por eles. Porém, já
havia sido distribuído e decidiram não cobrar.
95
mesmo tempo que brinca humoradamente enfatizando os sacrifícios de sua vida, seu
cansaço e sua missão. Palestra, cujo detalhes merecem ser melhor expostos e analisados
no próximo capítulo, proporcional às ricas pistas que nos dão sobre a personalidade e
construção imaginária da “Mulher do Algodão”.
Figura 38: Formação da procissão de entrada
31
Como dissemos anteriormente, as sacolas são nomeadas para facilitar a identificação de, para quem os
objetos foram extraídos, e assim, analisar seus significados.
96
https://1.bp.blogspot.com33
32
Essa foto é um print de uma imagem de um dos vídeos publicados sobre Edelarzil, em sua entrevista para
o programa mistério da extinta Rede Manchete na década de 1990.
33
Foto mais atual, já na casa em Votuporanga.
97
Como a maioria se apresenta com mais de uma sacola, o ritual torna-se demorado.
Algumas pessoas chegam a levar para diante dela mais de vinte sacolas, tendo que sair da
capela do ritual carregando as materializações nos carrinhos de supermercado que ficam
disponíveis – há dois carrinhos de supermercado na lateral do altar para essa função
(figura 34). Após receberem suas materializações, os clientes dirigem-se para fora, por
uma porta na lateral esquerda que dá para uma pequena e rústica cobertura acoplada à
estrutura da capela (Figuras 41 e 42). A cobertura possui mesas para as pessoas exporem
seus objetos e analisarem seus significados. Algumas anotam em cadernetas ou folhas de
papel, tiram fotos e em seguida, como recomendado, descartam os objetos em uma mesa
ao lado Os objetos extraídos podem ser pequenos como um laço de fita ou grandes como
ossos ou partes de animais e as pessoas acompanham, algumas já acostumadas, como
algo normal e outras com curiosidade. Alguns cochichos de dúvida ou espanto são
ouvidos. Uma senhora ao lado, cogitou várias teorias de onde poderiam estar vindo os
objetos. A primeira delas foi quando um dos filhos de Edelarzil a auxiliava a molhar o
algodão fazendo uso de um jarro de metal, pouco antes dela começar com as
materializações.
Figura 41: Cobert. para análise (fora Figura 42: Cobert. para Análise (dentro)
Ela disse: “Creio que os objetos são jogados através daquele jarro, junto com a
água”. Outra teoria: “Talvez eles coloquem os objetos ali dentro quando não estávamos
aqui”. Ou ainda: “Será que não são os mesmos objetos todos os dias? Será que realmente
os jogam fora?”. Entre essas e outras exclamações, no decorrer do processo das supostas
materializações, ela ficava cada vez mais impressionada com a quantidade e o tamanho
98
dos objetos extraídos. Pouco a pouco a peneira vai se esvaziando e ficando praticamente
sem algodão, então ela é trocada e o procedimento reiniciado.
2.3.4 As materializações
Como mencionado em sua biografia, o ritual consiste na crença da possibilidade
de transferir os males para objetos e assim livrar as pessoas de um destino ruim. Ao todo
são catalogados como sugestão para significação 126 objetos. Tratam-se de sugestões,
pois a interpretação pode variar de acordo com o contexto do indivíduo. São
materializados desde velas coloridas com formatos variados – o que muda totalmente o
significado de uma vela para outra, flores de plásticos, animais pequenos como moscas,
assim como sapos e rãs, ossos de animais, grandes e pequenos e até mesmo de humanos,
peças de roupas e há pessoas que garante que tenha saído um colar que havia perdido há
muito tempo ou seu nome escrito em uma vela ou em algum outro objeto
http://2.bp.blogspot.com/
Considerações intermediárias
GALERIA
CAPÍTULO 3
ANÁLISE DO IMAGINÁRIO DE EDELARZIL
MUNHOZ CARDOSO
“A MULHER DO ALGODÃO”
Introdução
34
Limen (Limear ou peitoril), trata-se de uma faixa que liga um espaço ao outro numa construção. É o que
está entre. No teatro, fora muito utilizado para delimitar a passagem entre o real e o lúdico. Nos estudos da
religião tornou-se um conceito, a liminaridade, utilizado por Arnold Van Gennep para designar um espaço
de tempo ou passagem, rito de passagem.
111
incessante para o ser humano. “É por isso que Edgar Morin coloca o imaginário como
uma “estrutura” antagonista e complementar daquilo que chamamos real, e sem a qual,
sem dúvida, não haveria real para o homem, ou antes, não haveria realidade humana”
(KLEIN, 2016, p. 39). Para Durand (1968), há diferentes graus de imagens e houve muita
confusão no que diz respeito ao imaginário, que por muito tempo fora reduzido a mera
fantasia humana. O período do iconoclasmo ocidental considerava o imaginário como
uma “condutora de erros”, somente validando as experiências concretas. Desenvolveu-se
uma semiologia na qual se expressavam os pensamentos positivistas, onde não cabia a
subjetividade ontológica da imaginação simbólica. Este desprezo resultou numa
eliminação gradual da função essencial da imagem simbólica. Segundo ele, a consciência
dispõe de duas maneiras de representação da realidade: uma direta, pela percepção
simples e sensível e indireta, quando o objeto está ausente, uma recordação, uma
paisagem que criamos de outro planeta, por exemplo. Ou seja, a imagem num sentido
amplo.
Durante séculos, a imagem foi subentendida como apenas ornamentação, e a
imaginação simbólica somente foi redescoberta neste tempo pelas ciências da psicanálise
e a antropologia. Porém, segundo Durand (1968), esses, ainda reduzindo a experiência
simbólica aos esquemas conceituais e teóricos, a chamada hermenêutica reducionista.
Durand, por sua vez, apresenta hermenêuticas instauradoras, que são caracterizadas pela
afirmação de que a imaginação simbólica atuaria com a função de mediadora, unindo a
realidade em nosso ser. Ele destaca a fenomenologia de Ernst Cassirer, que abarca toda a
metade do século XX, e que indo além da investigação sociológica e psicológica, dedicou
parte de seu trabalho ao mito, à magia e à religião. Dialogando também com os estudos
de Jung e Bachelard, que comporem uma pluralidade de fenomenologias capazes de
captar as atividades subjetivas da imaginação simbólica. “En primer lugar, la función de
la imaginación aparece como equilibramiento biológico, psíquico y sociológico”
(DURAND, 1968, p. 132).
por perto além daquela que é oferecida pelo restaurante (figura 9) que pertence à sua
família e está sob os cuidados de sua nora. O mesmo oferece café da manhã, almoço e
lanches para os peregrinos, por um preço razoável, atendendo também a viajantes que
passam pela região. Os Dormitórios Coletivos Gratuitos (figura 10) são construídos
rusticamente. Piso de cimento, Telhado sem forro, acabamentos simples, móveis velhos
e desiguais – tivemos a informação que muitas coisas do sítio seriam doações. Os quartos
possuem um ventilador de parede de cada lado, para amenizar o calor da região de
Votuporanga que chega a altas temperaturas no verão. Os banheiros são pequenos, um
por quarto. Os quartos foram construídos com certa distância uns dos outros a fim de
manter a privacidade de homens e mulheres. Todos possuem uma pequena área de
cobertura na frente de suas portas. Esses dois tipos de prédios, com caráter auxiliar no
espaço, não são exatamente espaços sagrados, funcionam como espaços intermediários
que atendem as necessidades humanas, ou seja, são ambientes “comuns”, “profanos”
apesar de estarem dentro da Estância. Porém, eles atendem de certa forma o propósito
religioso. Em cada quarto há uma imagem de Maria e no restaurante, é oferecida a venda
de temperos caseiros, sabonetes e géis feitos com ervas, cada um possuindo propriedades
terapêuticas e de limpeza espiritual acompanhados das instruções de uso para maior
eficácia.
Há dois tipos de espaços sagrados dentro da Estância, que aqui vamos diferenciar
sob os nomes de Espaço Sagrado e Espaço do Santo dos Santos. Podemos destacar quatro
espaços sagrados que são destinados ao atendimento exclusivamente religioso: Casa de
Atendimento Cartomancia e Búzios (Figura 11), Ermida de Nossa Senhora do Rosário e
Fonte de Água Benta (Figura 12), Jardim com o Cristo Redentor (Figura 14) e Espaço de
Espera (Figura 15). O Santo dos santos é a Capela, o principal motivo de tudo o mais ser
construído. Identificamos que, quanto mais próximo do Local Central, mais
representações do sagrado foram encontradas.
obtivemos no local, no dia da visita. Na internet o foco dos atendimentos da médium está
no ritual da materialização dos objetos. Somente depois da visita e de muita procura,
encontramos algumas poucas referências da médium enquanto cartomante. Em 2018,
pagava-se em torno de R$250,00 por esse atendimento, já incluindo três materializações.
Edelarzil recebe seus clientes particulares, das 09h00 ao 12h00, havendo a necessidade
de pré-agendamento, pois o número de clientes é limitado a fim de não interferir no ritual
de materialização de objetos no algodão que acontece após as 13h00.
Muitos falam “Bem de vida”, porque não está no lugar. Não sabe as
despesas que tem. Que agora... graças a Deus ainda a prefeitura parou
de me cobrar, neh! Porque é pra que mais pesava e mandava a
promissória e nota pra minha cidade [?]35 cobra 800 e agora aumentava
mais e enfim, fica no vermelho. Mas era até empréstimo pra pagar pra
ter... Agora quer dizer que vai fazer quatro meses que ele não vem, é
onde tô conseguindo pagar eles mesmo. Porque depois que fiz a dívida,
vai ter que pagar, não é? Só que agora eu não pago mais. Só que agora
tenho que recuperar aquilo que eu fiquei no prejuízo. É dinheiro pra [?],
é dinheiro pra banco. A dívida está lá no banco. Tem gente que diz:
“Nossa! Ela cobra! Não, eu não como eu não bebo... quer dizer... “eu
35
[?] O áudio não estava claro.
116
vivo de ar”. Porque todos nós pagamos pra nascer, pra viver e pra
morrer (YOUTUBE,08m20s36).
Cobrar pelo algodão talvez tenha sido uma saída encontrada para sua absolvição.
Seria como se dissesse “Cobro pelo algodão, não pela “benzeção”, mesmo assim não é
obrigatório caso a pessoa peça”. Então “paz de consciência”, é a nossa hipótese. Apesar
de não ser o foco entrar nesse mérito, a venda do algodão nos pareceu ser mais uma taxa
para a manutenção do que uma cobrança por um lucro abusivo. Podemos estar enganados,
porém, necessitaria de um aprofundamento que não vem ao caso.
A presença de um quadro contendo a lei 208 (figura 17) para se proteger de
possíveis ataques ao seu recinto, por suas práticas religiosas, foi algo que notamos. Aqui
vale a lembrança de que Edelarzil não aceitou mais ser entrevistada por quaisquer meios
televisivos, após uma tensa visita do parapsicólogo Padre Quevedo num episódio do
programa Fantástico da Rede Globo de televisão, onde o padre alegou que se tratava de
uma farsa. Como se trata de um diálogo importante para a compreensão da rejeição de
Edelarzil em relação a pesquisadores, colocamos abaixo uma parte da reportagem onde
há um conflito entre a médium e o padre especialista em parapsicologia:
PE. QUEVEDO: Eu repito, que o que ela afirma, que com regularidade,
vários aportes continuamente...certamente truque.
Dona Edelarzil, realiza o trabalho sob os olhos atentos do padre, mas
não consegue nenhuma materialização. Ela interrompe a sessão para
rezar novamente por quase duas horas invocando a presença dos
espíritos. Ao não conseguir realizar a materialização, entra em
desespero, recorrendo a Deus e em seguida pede para que o padre reze
de mãos dadas com ela.
REPÓRTER: Agora dona Edelarzil, vai tentar o trabalho de
materialização, pela segunda vez. Ela disse que não conseguiu da
primeira vez, porque estava muito nervosa, magoada e até mesmo
ressentida com algumas críticas que o padre Quevedo tinha feito em
relação ao trabalho dela no programa anterior. Ela explicou que aqui na
sala haviam muitas influências negativas, que cortavam a corrente e
impediam a concentração dela.
Retorna a sessão sob o olhar do padre, e acontecem a primeira
materialização, uma rosa de plástico vermelha que surge cheia de barro,
no meio do algodão e uma vela. Padre Quevedo observa ser um objeto
muito pequeno. Ela explica que não pode determinar o tamanho dos
objetos, não depende dela. Logo em seguida, materializa um pedaço de
osso, maior que a rosa e mais um pedaço de vela. Ele fica convencido
de que se trata de um truque.
REPÓRTER: Em que momento o senhor acha que ocorreu esse truque,
se o tempo todo a equipe ficou dentro da sala, junto com o senhor?
36
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=MbqIs70DB3k&t=1002s> acesso em: 12
dez.2018
117
37
Jornal da Região. Disponível em: < https://www.diariodaregiao.com.br/_conteudo/cidades/padre-diz-
que-m%C3%A9dium-faz-truque-com-algod%C3%A3o-1.614380.html>.
118
No Brasil essa devoção foi propagada por meio das ordens religiosas, sobretudo
as ordens dominicanas e assumida principalmente pela comunidade negra, pois muitos
dos africanos que vieram para o Brasil já estavam familiarizados com ela. Surgiram
muitas Irmandades dedicadas a Nossa Senhora do Rosário de brancos e de pretos, já que
os pretos não podiam frequentar a igreja dos brancos. Essas irmandades ao mesmo tempo
em que para a Igreja funcionavam como uma forma efetiva de cristianização do povo
negro era também uma forma dos mesmos expressarem de forma privilegiada sua
identidade de maneira que não podiam expressar publicamente (PACHECO, 2008;
SIMÃO, 2010).
A devoção a Nossa Senhora do Rosário (Figura 44), remonta dos primórdios do
catolicismo colonial. Com a proximidade do povo português do povo africano –
primeiramente por motivos comerciais e depois, mais tarde, por interesses de tráfico
humano para a escravidão – houve também o interesse de cristianização, o que ocorreu
através das devoções, principalmente a Nossa Senhora do Rosário. Essa devoção teria
originado, segundo a tradição católica, no Sul da França por volta do século XII.
38
Disponível em: <http://oracaoumbandista.blogspot.com/2013/10/hoje-e-dia-de-nossa-senhora-do-
rosario.html> Acesso em: 22 dez. 2018.
39
Disponível em:
<http://www.genuinaumbanda.com.br/oracoes/oracao_a_nossa_senhora_do_rosario.htm> Acesso em: 22
dez. 2018.
121
Sobre Santa Joana D’Arc (representada na Figura 26), ela nasceu em fins do
Período Medieval, no ano 1412 em Domremy, França. Camponesa cristã, mística,
imbuída de uma fé cristocêntrica e mariana. Nesse período havia um papa e dois
antipapas, em meio a essa divisão, os cristãos da Europa guerreavam uns contra os outros
“entre as quais a mais dramática foi a interminável “Guerra dos cem anos”, entre França
e Inglaterra” (BENTO XVI, 2011). Após uma experiência mística com o Arcanjo Miguel,
ela sente o desejo de ser mais cristã e de fazer algo pelo seu povo. Mesmo sem saber ler
e nem escrever, Joana liderou as tropas francesas pela libertação de Orléans, vencendo os
ingleses. Também conquistou a coroação do Rei Carlos VII em Reims e continuou em
meio aos soldados, que a respeitavam e admiravam por sua coragem e destemor. Porém
ela acabou sendo presa por inimigos franceses, julgada e condenada aos 19 anos como
herege, foi queimada na fogueira em 30 de maio de 1430. Tendo sua sentença por heresia
anulada 25 anos mais tarde pelo papa Calisto III, foi declarada santa por Bento XV em
1920 (BENTO XVI, 2011).
São Jorge (Figura 26), conhecido como “grande mártir”, pouco se sabe sobre ele
além desse nascido na Capadócia e ter sido oficial do exército de Diocleciano. Por se
negar a combater os cristãos junto às tropas do imperador romano e negar a sua fé, foi
torturado e morto no ano de 303. Sua história consta na tradição e foi considerada apócrifa
por conter conteúdo mítico e a Igreja quase “cassou” o santo do martirológio40. Há muitos
teólogos que defendem a extinção deste santo por não existirem provas históricas de sua
vida. Sua festa é comemorada no dia 23 de abril. Quanto a sua iconografia ser
representada por um soldado matando um dragão, eis a lenda:
Num lugar existia um dragão que oprimia um povo. Ora eram dados
animais a esse dragão, e ora jovens. E a filha do rei foi sorteada. Nessa
hora apareceu Jorge, cristão, que se compadeceu e foi enfrentar aquele
dragão. Fez o sinal da cruz e ao combater o dragão, venceu-o com uma
lança. Recebeu muitos bens como recompensa, o qual distribuiu aos
pobres (CANÇÃO NOVA, 2019, online)41.
Entre os dois santos, São Jorge e Santa Joana D’Arc, São Jorge é o que possui
maior popularidade. No Brasil ele é um dos mais conhecidos santos católicos e é muito
venerado na Umbanda como orixá.
40
Lista dos mártires.
41
Disponível em: <https://santo.cancaonova.com/santo/sao-jorge-viveu-o-bom-combate-da-fe> Acesso
em 12 jan. 2019
123
O que chamou a atenção na capela de Edelarzil é o fato dessas duas imagens, Santa
Joana D’Arc e São Jorge estarem lado a lado na mesma parede, ambos santos guerreiros.
Ele mais popular no imaginário brasileiro, no entanto, fez-se questão de estarem ali, numa
parede de destaque. Ele como representação masculina e ela como representação
feminina, ambos imponentes, armados de lança e espada. A presença de Santa Joana
D’Arc poderia ser por uma questão de identificação feminina de força, proteção e também
por essa ser uma santa mística que foi perseguida devido às suas visões.
A jovem identificada como “Sara”, nos faz pensar se tratar de uma representação
de Santa Sara Kali, padroeira dos ciganos, ou ainda, a “Rainha dos Ciganos”. Porém, uma
representação branca de Sara, já que Kali em romeno significa preto, ou seja, trata-se de
uma santa negra. Pode ser que se tenha confundido com a figura de alguma outra cigana,
apesar de que durante as pesquisas não encontramos nenhuma imagem semelhante. Trata-
se de uma pintura. O mais provável é que realmente seja uma representação branca de
124
Santa Sara Kali, devido à disposição da mesma num local sagrado. O que não seria
estranho, devido uma tendência brasileira ao embranquecimento das imagens, sendo
possível encontrar até mesmo imagens de Nossa Senhora da Conceição Aparecida branca,
também não seria inédito uma imagem branca de Santa Sara Kali.
A devoção a Santa Sara Kali é deveras controversa. Seu culto não é proibido,
apesar dela não ser canonizada oficialmente pela Igreja, está entre os santos que “caíram”
no gosto popular, principalmente em meio ao povo cigano que a assumiu como padroeira.
Porém, trata-se de um culto local da cidade francesa Saintes-Maries-de la Mer, cujo nome
remete à lenda das três Marias: Maria Jacobina (irmã de Maria de Nazaré), Maria Salomé
(mãe dos apóstolos Tiago e João) e Maria Madalena. A história de Sara Kali é incerta,
misturada a muitas lendas, como aconteceu com muitos santos antigos no decorrer do
tempo. No entanto, há até a possibilidade da santa ser, na verdade, uma ressignificação
cristã para a deusa hindu Kali.
O jovem cigano identificado como “Ogoló” ou “Igolé”, não encontramos fontes.
O mais próximo que encontramos dessa representação é a figura do Cigano Igor, que
possui várias lendas no meio popular cigano e na Umbanda, assim como Sara Kali.
Já mencionamos a ligação de Edelarzil Munhoz Cardoso a cartomancia, tendo
uma casa especialmente construída para os atendimentos (Figura 11). Em seu pequeno
acervo de livros expostos (Figura 19), alguns livros de origem espírita outros contendo
conhecimentos esotéricos. Destacamos também, uma espécie de tabuleiro (Figura 31),
contendo palavras alinhadas e disposta em paralelo como, Presente Atual/Futuro
Presente, Inconsciente/Consciente, Espiritual/Material. A informação que obtivemos é
que se trata de um presente dado pela mãe da nossa guia turística, Márcia, não se trata de
um jogo, apenas um carinho para “ordenar energias”. Não sabemos em qual momento a
médium interessou-se pelas práticas do esoterismo, mas de fato, hoje é algo que faz parte
de suas práticas espirituais e de atendimento ao público.
Também identificamos muitas imagens em pequenos oratórios em dois pontos da
capela (Figuras 32 e 3342), muitas dessas imagens são presentes, assim como os terços.
Porém, destacamos o oratório de madeira (figura 33), onde estão depositadas muitas fotos
e cartas de agradecimento, os chamados ex-votos, forma popular de testemunho e
agradecimento pelas graças recebidas em um santuário. Em ambos os oratórios, assim
como na Ermida, encontram-se caixas específicas para os visitantes colocarem seus
pedidos de orações e doações.
42
Ver também a figura 23, Visão espacial da capelal, [números 11 (PLD) e 13 (PEC) na ilustração].
125
O espaço cúltico principal da capela, toda a área que fica próxima da parede
frontal, é dedicada aos seus santos “guias”. A capela como um todo. Edelarzil foi criada
numa família católica e imprimiu em seu espaço cúltico as características similares e
outras que distanciam das que haveriam numa capela católica. Podemos observar nas
figuras 23 e 34 (ver no capítulo 2), que as paredes são cobertas por imagens em pinturas
ou estátuas, ela possui imagens por toda a capela, mas no altar, estão dispostos os santos
protetores de Edelarzil, cujas referências nacionais, foram por nós apresentadas neste
capítulo. Seu altar é elevado por um degrau. Nele estão dispostos o tanque onde Edelarzil
realiza as materializações e a mesa onde os objetos são devidamente colocados e
embrulhados para serem entregues aos fregueses.
Nota-se que ao centro da parede frontal onde, geralmente, nas Igrejas Católicas, é
centralizada uma cruz, há um quadro com uma representação em pintura de Maria sob a
intitulação Mãe de Deus. Aqui merece uma reflexão. Na capela de Edelarzil, a imagem
central é Maria. Claro que vemos algumas representações de Jesus, inclusive, uma
representando seu Sagrado Coração ao lado esquerdo dessa imagem central e do outro
lado uma representação do Imaculado Coração de Maria – normalmente essas duas
devoções caminham juntas. O fato é que temos uma cruz acima da porta, a porta ainda
não é o sagrado, ela está ali como indicadora do sagrado, mas quando chegamos ao altar,
a figura central é a mãe de Jesus. Segundo Renders e Albuquerque (2018), uma figura
pode desenvolver diversos sentidos, dependendo de sua localização numa Igreja. De um
simples logotipo na parte externa, a ornamento em um átrio, pode evoluir para as paredes
da nave como condutora para o mistério, porém, quanto mais próxima ao altar, mais
significativa se torna e quando se chega finalmente ao altar central, então já tornou-se um
símbolo central. No caso, em uma igreja cristã que tem como um dos principais símbolos,
a Cruz, na capela da médium, este perdera sua centralidade para a figura materna de
Maria.
126
3.6.1. O rito
Os ritos precisam ser observados por diversos ângulos, segundo o estudioso da
performance Richard Schechner (2012): o espaço escolhido para o rito, quais as funções
dos participantes e em que cultura, o dinamismo e as mudanças ocorridas pelo mesmo, a
experiência do indivíduo dentro do rito. No Brasil, segundo Maria Agela Vilhena (2005),
para estudar e buscar compreender as diversidades rituais existentes, primeiramente deve-
se estar consciente dos fatores geográficos e históricos, pois, trata-se de uma nação
proveniente de muitas nações, com um legado cultural importante, tendo como base as
culturas indígenas, africanas e ibéricas, que geram uma diversidade de compreensões
acerca do sagrado e econômica, uma sociedade marcada pela desigualdade social. Mas é
oportuno ainda ressaltar que, fora essas matrizes que foram bases para nossa formação, o
Brasil é um país que agregou muitas outras culturas, principalmente a partir do século
XIX.
Os rituais são eficazes na medida em que trazem um sentimento de estabilidade,
mesmo que sejam novos, eles ordenam e trazem essa sensação e é uma via de acesso às
realidades invisíveis, na qual se expressa e visibiliza o imaginário religioso, sendo
impossível separar imaginário e ritual, visto que um depende do outro.
Arnold Van Gennep não resumiu todos os ritos em Ritos de Passagem, porém,
identificou que todos os ritos possuem “uma finalidade especial e atual, justapõe-se aos
ritos de passagem ou se combinam com estes” (GENNEP, 1978. p.32). Seguindo por essa
linha de pensamento, ele propôs a classificação dos ritos de passagem em: separação,
margem e agregação. Conceitos que serviram de base para muitos estudiosos acerca dos
ritos, como Victor Turner (2013) que os aprofundou classificando-os como ritos
preliminares, liminares e pós liminares. Os ritos de separação são característicos dos ritos
127
funerários, os ritos de margem (limen ou liminar) são ritos intermediários que demarcam
mudanças na vida do indivíduo, que pode ser uma transformação de seu estado ou
agregando-o a uma nova realidade como por exemplo o casamento, onde duas pessoas
passam a pertencer à família um do outro ao mesmo tempo em que abandona o estado de
solteiro para ser casado ou o batismo cristão, onde a pessoa passa a fazer parte da
comunidade cristã e também torna-se um cristão.
Para Gennep (1978), o valor do sagrado não é algo fixo, mudando conforme a
posição ocupada pelas pessoas dentro das “sociedades especiais”, podendo uma situação
do profano passar ao sagrado, do sagrado ao profano, direcionando alguns ritos à
amenização dos efeitos nocivos dessas mudanças, o que ele denomina de rotação da
noção do sagrado da sociedade mágico-religiosa. Sendo assim, o rito é uma ação
simbólica, linguagem simbólica, podendo todo e qualquer rito ser vivido como mágico,
porque mesmo sem reconhecer, toda religião possui componentes mágicos. Mesmo que
o termo “mágico” não seja muito bem aceito, sendo frequentemente associado a práticas
do mal ou a irracionalidade, nas palavras de Vilhena, essa “velha senhora” – a magia –
“Está viva e muito atuante, mesmo em sociedades modernas, racionais e secularizadas,
sendo vivida diariamente em inúmeros rituais” (VILHENA, 2005. p. 62). Potencializando
a experiência religiosa com manifestações sentimentais. Para Turner, o mágico não
desmerece a cultura, o que parece estranho no ritual do outro trata-se apenas de formações
diferentes da qual o indivíduo está acostumado, sendo que, mesmo a estrutura religiosa
de povos com tecnologias mais simples, são tão complexas e ricas quanto em todas as
culturas. Para ele, nenhum fenômeno religioso pode ser invalidado, deve ser considerado
“a extrema importância das crenças e práticas religiosas para a manutenção e a
transformação radical das estruturas humanas, tanto sociais quanto psíquicas” (TURNER,
2013, 20-21). Turner propõe para estudo seu conceito de liminaridade elaborado a partir
de suas reflexões sobre ritos de passagem em estudos de Arnold Van Gennep, a
liminaridade proporciona ao ser humano a experiência do distanciamento do cotidiano,
dentro desse processo ele desenvolveu seus conceitos de communitas e antiestrutura. A
liminaridade é um estado em que o ser humano experimenta consciente ou
inconscientemente que está em dois níveis existenciais.
Rituais são mais que estruturas e funções; eles podem também ser
experiências poderosas que a vida tem a oferecer. Em um estado
liminar, as pessoas estão livres das demandas da vida diária. Elas
sentem o outro como um de seus camaradas e toda diferença pessoas e
social é apagada. Pessoas são elevadas, arrastadas para fora de si.
Turner chamou a liberação das pressões da vida de “antiestrutura” e a
128
um rito de margem que visa uma transformação na vida das pessoas, porém da categoria
liminóide, tanto da parte das pessoas quanto para a médium. As pessoas estão buscando
43
Figura traduzida pela autora.
44
Texto traduzido por N. C. Castro e R. Rosenbusch.
129
ser um dom concedido por Santo Antônio de Pádua, segundo sua biografia oficial (1997).
O segundo marco aos seus 17 anos em 1963, ela teria ficado entre a vida e a morte ao
contrair uma grave doença, neste tempo ela teria sido questionada por Nossa Senhora do
Rosário, à decisão de aceitar a morte e descansar ou viver e cumprir sua missão até a
morte (SANTOS, 1997). Do período de sua infância em 1955 (nove anos de idade) até o
começo dos anos 1980, ou seja, mais ou menos, 34 anos, os objetos eram materializados
e caíam como uma chuva sobre as pessoas que a procuravam, o que gerava medo e
ferimentos, pois havia, por vezes, objetos cortantes.
O terceiro marco de transformação teria ocorrido após a consulta aos “guias
protetores” no início da década de 1980, quando Edelarzil teria pedido um meio para
direcionar os objetos a fim de neutralizar consequências negativas dos objetos que caíam,
no que teria sido indicado o uso do algodão.
O quarto marco que podemos apontar como o mais importante para a sacralização
do ritual, foi a construção da Capela. Fica claro, através das gravações de reportagens na
década de 1990, que havia um pré-ritual de purificação do ambiente onde Edelarzil
realizava as materializações, aliás, ramos verdes e gestos em cruz é comum em rituais de
benzeção, como podemos ver na informação dada por Santos em sua pesquisa: “Para
compor este ritual de cura, as rezadeiras podem utilizar vários elementos acessórios,
dentre eles: ramos verdes, gestos em cruz feitos com a mão direita, agulha, linha e pano,
além do conjunto de rezas. Estas podem ser executadas na presença do cliente, ou à
distância.” (SANTOS, 2009, p.12-13). A seguir temos uma narrativa da transcrição da
matéria do Globo Repórter da Rede Globo de Televisão em meados de 1990:
Essas gravações foram levadas na época para o psiquiatra Dr. Sérgio Felipe de
Oliveira, professor da Universidade de São Paulo que estudava sobre mediunidade havia
20 anos e também para Laboratório de Fonética Forense, da Universidade de Campinas
onde foram analisadas pelo Dr. Ricardo Molina, até então, perito em investigações
criminais. Ambos os especialistas concluíram que os sons emitidos eram guturais da
própria médium. Cogitada, pelo repórter, a hipótese de incorporação espiritual na
131
médium, o perito alegou que entrar em tal mérito não estaria ao alcance de suas
possibilidades. Ela realizou o mesmo ritual de purificação no dia da entrevista com Padre
Quevedo. Era algo que fazia parte de sua preparação.
Esse ritual de purificação local, antes da iniciação dos atendimentos,
provavelmente, foi extinto a partir da consolidação da capela no sítio que Edelarzil teria
ganhado para a estruturação da Estância Casa Caminho e Luz. Chegamos a esta conclusão
no dia da visita, ficou claro que não é feito mais. A médium chegou ao sítio e foi para o
atendimento Cartomancia e Búzios, depois desceu, somente no horário de começar o
ritual da materialização e transporte no algodão.
Aqui fazemos três apontamentos, o primeiro, de fato, foge do alcance de maiores
análises, pela falta de testemunhas da época que poderiam confirmar se, realmente, ela
começou as materializações ainda criança e se os objetos choviam sobre as pessoas
gerando algumas inconveniências. Mas nesse relato de Edelarzil, encontramos um caráter
motivador e explicativo para o segundo, a introdução do algodão em seu ritual.
Considerando que em sua biografia oficial, ela também conta que aos nove anos de idade
decidira ajudar o pai nos trabalhos na lavoura do algodão. O algodão, que veio a receber
esse papel neutralizador e direcionador para a materialização de objetos e que ao mesmo
tempo ganhou uma significação de pureza por sua brancura, já estaria presente na vida de
Edelarzil desde sua infância. Não obstante, seria o ambiente onde teria ocorrido uma das
supostas primeiras ou primeira aparição de Nossa Senhora do Rosário. “Com nove anos,
a contragosto do pai, trabalhar nas lavouras do algodão. No terceiro dia de trabalho, a
garotinha Edelarzil teve uma visão de Nossa Senhora do Rosário” (SANTOS, 1997, p.
9).
Em um dos relatos em programas de televisão ela chegou a mencionar sobre
materializações aos nove anos de idade, sem contudo pormenorizar esse detalhe da
lavoura do algodão, que só encontramos na biografia oficial, talvez para uma indicação
profética de como lhe viria a ser proficiente seu uso?
O terceiro fato, o da extinção do ritual de purificação do ambiente antes de dar
início aos atendimentos ao público, podemos encontrar explicação, no que se deve ao
fato, de que antigamente o ritual era realizado primeiramente na casa dela e depois em
um barracão – onde fundou seu primeiro centro em Parisi. A partir do momento em que
ela fundou em meio a sua estrutura física de atendimento, uma capela, ela elevou o
ambiente à condição de sagrado, não necessitando mais que tal ritual de purificação prévia
132
fosse realizado. Ao mesmo tempo em que sacralizou todo o seu território, o tornando um
centro de peregrinação em Votuporanga. Ela criou o seu Axis Mundi.
Segundo Terrin (2004), o uso simbólico dos gestos e da espacialidade dentro de
um rito, fala muito mais do que as palavras propriamente ditas. O espaço e os gestos
traduzem no ambiente aquilo que não se pode ser dito através de palavras. Portanto,
podemos afirmar que o espaço sagrado, a Capela, veio a substituir o gesto. Aliás, esse ato
de purificação, com folhas de “espada de São Jorge” elevadas em cruz para expulsar os
maus espíritos, nos remete as três matrizes, a matriz católica, indígena, africana e espírita,
amalgamadas neste gesto. Nota-se a crença nos espíritos obsessores que pairam os ares e
perturbam a paz do ser humano e intervindo em suas vidas de forma negativa, no
imaginário católico seriam os demônios, a linguagem “espíritos obsessores” vem do
espiritismo, o “espantar os maus espíritos” utilizando plantas e gestos é tipicamente
indígena.
Um lugar não é sagrado ou profano, até esse ser sacralizado e valorizado como
tal, ele é escolhido, separado, preparado e no caso de Edelarzil, providenciado por um
benfeitor, de certa forma escolhido, não por ela, mas dado por providência divina. O lugar
sagrado é um local especial, o lugar propício para organizar tudo o que se encontra “fora
do lugar” na vida do ser humano através de seu encontro com o divino ou transcendente.
Portanto a organização do espaço reflete o imaginário dessa reordenação, ali se encontram
símbolos comuns que “falam” diretamente com o indivíduo. O ritual pode ser
compreendido como “uma espacialidade que estrutura sintagmas de palavras (formulaic),
feita por grupos de pessoas que estão conscientes da natureza compulsiva da
espacialidade e que podem, ou não podem, dar ulteriormente forma a essa espacialidade
com palavras faladas” (apud TERRIN, 2004, p. 200).
Mircea Eliade (1991), em “O Sagrado e o Profano”, ao falar sobre a escolha e
consagração de um território para fixar o sagrado, afirma que, para o homem religioso,
consagrar um espaço é fundar um “mundo” que revela outra realidade que não faz parte
do cotidiano. Essa fundação, ele chama de Axis Mundi ou “centro da terra”, “centro do
mundo”, uma imagem arquetípica dos santuários encontrada sobretudo nas civilizações
paleorientais, as três dimensões cósmicas – Terra, Céu e Regiões inferiores - ligadas por
um eixo. Consagrar um lugar é replicar o Universo habitado pelos deuses ou Deus e
participar de suas obras. No espaço de Edelarzil Munhoz Cardoso, podemos observar que
essa parte estrutural de sua cosmologia está centralizada na devoção aos santos,
principalmente a devoção mariana à Virgem do Rosário e que ao mesmo tempo, seu
133
No que tange nossa atriz social, Edelarzil, em seu papel religioso – e aqui
utilizando o termo “atriz” conceitualizando suas ações performáticas às propostas de
Richard Schechner (2006; 2012; 2013 etc) acerca dos estudos da performance. É nessa
perspectiva que estudaremos a médium, em seu caráter representativo às pessoas que
estão em sua volta e a si mesma. Como as pessoas descrevem Edelarzil Munhoz Cardoso?
Como Edelarzil se apresenta e se vê em meio seu protagonismo religioso?
Para Durand, todo símbolo arquetípico é precedido por um mito basilar, que está
por trás de toda criação literária ou narrativas orais. Sobre o imaginário em torno das
mulheres ele explica que, essas possuem uma dupla natureza simbólica criadora de
sentido e receptáculo concreto. A figura feminina sempre foi colocada num papel de
mediadora, sendo passiva e ativa comparada ao simbolismo dos anjos. “Así, pues, la
Mujer es, como el Angel, el símbolo de los símbolos, tal como aparece en la mariología
ortodoxa en la figura de la Theotokos, o en la liturgia de las iglesias cristianas que
asimilan de buen grado, como mediadora suprema, a ‘La Esposa’” (DURAND, 1968, p.
41-42). Uma construção muito antiga, que remonta tempos em que, segundo Silva (2012),
as deusas eram dotadas de poderes mágicos, como a deusa Isthar (Babilônia) e Ísis
(Egito), que através dos empreendimentos marítimos atravessaram o portal helenístico,
ligando a feminilidade ao místico e mágico (tanto positivamente como negativamente, na
história), enquanto os homens ligaram-se ao simbolismo da racionalidade.
O arquétipo da mulher ideal, como ela deve agir, se apaixonar, pensar, ser mãe,
foi sendo forjado através de deusas como Afrodite, Atenas, Deméter etc. Inspirando a
imagem poética do feminino até os dias de hoje através de “labirintos da alma, no
inconsciente coletivo. Talvez por atingir esferas irracionais e obscuras, por se aproximar
mais do mistério, o Feminino está diretamente envolvido com as experiências religiosas”
(RIBEIRO, 2012, p. 73). A mulher sempre é representada como ênfase da emotividade e
solicitude, o arquétipo da mãe presente de alguma forma na maioria das religiões.
Consequentemente podemos estudar Edelarzil a partir dessa perspectiva, como
representante dessas mulheres místicas presentes na história, dotada de poderes de cura e
dispersadora de males.
noiva usaria o seu vestido de casamento – com aquele véu e calda gigante – para ir à
padaria? Porque as pessoas se cumprimentam dando as palmas das mãos no ocidente?
Schechner aborda os jogos performáticos, onde para ele, é impossível que um ser humano
fique um único dia sem interpretar seus vários papéis (SCHECHNER, 2012).
Comentamos ainda acima, que a proximidade de uma imagem com o altar de local
sagrado revela o grau de sua importância no ambiente sagrado. Analisando a área do
corredor, observando e comparando as figuras 28 e 29 (ver segundo capítulo), na parede
direita do corredor, um pouco mais escondida, temos algumas imagens sacras, outras nem
tanto. Contamos cinco imagens representativas de Jesus e três de Maria, duas que estão
mais para o imaginário cigano. Já na parede direita do corredor, mais próxima ao altar, o
que podemos observar sobre uma perspectiva mais limiar, encontram-se expostos e pode
ser observado da porta (ver figura 22), alguns quadros que se referem diretamente à
pessoa de Edelarzil. Podemos observar essa parede logo na entrada da capela e nos
depararmos com o retrato da médium (figura 49).
A médium está retratada com um semblante sereno, roupas claras e em seu peito
um cordão contendo um pingente no formato de uma ferradura ornada com cristais45.
Além desta imagem, há um quadro (figura 50) contendo o significado de seu nome,
segundo esse, Edelarzil significa, “Nome de origem hebraica/ grega que significa
“ornamento/ rocha-luz”. Se arrisca tantas vezes quantas necessárias. Pessoa honrada,
sempre tenta fazer o bem. Goza de uma atração muito especial. Grande desportista, pensa
que sua independência é sua liberdade. Seu bom humor se reflete em seu olhar. Sabe usar
o tempo de ociosidade”, trata-se de uma definição que não encontramos em livros ou
mesmo na internet. Ao lançarmos seu nome na internet, o que aparecem são apenas
referências sobre ela, a médium. O que nos deixa a impressão de ser uma
45
Mais uma menção ao imaginário popular de exorcizar os males. A ferradura é considerada um símbolo
protetor no meio popular.
137
46
Um dos episódios pode ser acessado em
<https://www.youtube.com/watch?v=LBGbgQL_1s8&t=968s>./ Também pode ser observado dois
recortes de jornais em nossos anexos nas páginas 181-182.
47
Parece tratar-se de uma religião independente <https://www.facebook.com/Templomelquisedeque-
281364695614090/?fref=ts> ou < http://templomelquisedeque.blogspot.com/2017/02/a-ordem-de-
melquisedeque.html>.
139
48
Para uma melhor compreensão do texto contido na figura 53, transcrevemos aqui: BENZEDEIRA DE
PARISI CURA OS MALES DO MUNDO – Para o escritor e antropólogo norte-americano Carlos
Castañeda, ela é um fenômeno que ajuda os homens a entenderem o desconhecido. As milhares de pessoas
que perseguem seus segredos acham que é um misto de magia e esoterismo para curar o mal. Mas a
benzedeira Edelarzil Munhoz Cardoso, 47, acha que seu trabalho é apenas uma missão passada por Deus./
Por causa dessa “tarefa divina” passa quase doze horas longe dos seis filhos, fica a maior parte do tempo
em pé, retirando objetos que representam as energias negativas. Os iniciantes costumam ver seu trabalho
com ceticismo. Atentos, buscam uma explicação lógica para o surgimento de objetos tão diferentes do
algodão colocado sobre uma peneira. Desde os sete anos Edelarzil assusta os moradores da pequena cidade
de Parisi com seus dons sobrenaturais. Hoje impressiona./ Começou aos sete anos se comunicando com
Nossa Senhora de Fátima, depois com Santo Antônio, até iniciar a materialização há 36 anos./ Diz que
sempre foi católica e nunca trabalhou para o mal. Os objetos que materializa simbolizam energias negativas
desejadas ou criadas pelo homem./ A fama de Edelarzil já percorreu continentes. O escritor Castañeda faz
referência em um de seus livros sobre os caminhos do conhecimento./ O bispo do Instituto dos Apóstolos
Peregrinos de Jesus e Maria (Igreja Ortodóxica (sic) Romana), João Antônio Neto, costuma pedir ajuda à
benzedeira para curar os males de seus fiéis./ Edelarzil também foi tema da Série Parallax, transmitido pela
Televisão Veronica na Holanda, em 89. Desde então, a legião de estrangeiros que faz a via crucis atrás de
sua benção aumentou. No mês passado foi a vez da atriz norte-americana Shirley Maclaine conhecer o
poder de Edelarzil./ Os “clientes nacionais” costumam invadir Parisi todos os dias com seus carros zero
quilômetros e ônibus. Até uma linha ligando São Paulo à cidade de 4 mil habitantes foi criada para levar
semanalmente pessoas com problemas na vida./ A filha da atriz Ruth Escobar, Patrícia, procurou Edelarzil
para resolver problema matrimonial. Diz que a benzedeira trabalha com o fantástico que pacifica o coração
dos homens (Fátima Yamamot).
RITUAL DA CURA INCLUI ORAÇÕES DO CATOLICISMO: Antes de entrar na fila por um lugar na
sessão do dia, a pessoa recebe várias instruções./ Primeiro levar algodão. São cem gramas para o trabalho
simples. Também há cartazes pedindo um litro de álcool por família./ Há quatro anos Edelarzil cobra pelo
trabalho. Hoje o preço oscila entre R$ 2,00 E R$ 4,00. Diz que gostaria de atender menos pessoas para ter
tempo para se curar das dores nos rins e cólicas que ameniza tomando Buscopan. Mas as caravanas não
param./ Antes das sessões as pessoas devem desfiar o algodão. Os montes brancos são colocados sobre
140
grandes peneiras./ Com um pedaço de algodão embebido em água benta, Edelarzil faz o sinal da cruz na
testa e nos pulsos de cada pessoa. O trabalho é acompanhado por orações./ Na primeira sessão, a benzedeira
retira tufos de algodão com sujeiras que representam doenças. Em seguida acontece a materialização dos
objetos que simbolizam as energias negativas. São retirados de caco de vidro até caixão./ Aós a sessão,
cada pessoa deve retirar seus embrulhos, examinar os conteúdos e verificar os seus significados. Velas e
objetos de cera devem ser quebrados e as fitas desamarradas. Depois tudo deve ser jogado em um rio (FY).
49
Memorial de São Frei Galvão: Disponível em: <http://www.casadefreigalvao.com.br/roteiros/9-
memorial-de-frei-galvao>
50
Memorial de Santa Paulina. Disponível em: < https://www.centrosagradafamilia.com.br/memorial-santa-
paulina/>.
141
Figura 53:Diploma de Honra por excelência em dons de materialização”, concedido pela Ordem
Melquisedeque em sete de setembro de 2010
figura 55, acontece o contrário, ela está representada em meio a um fundo escuro preto,
logo acima dela, a lua. Ambas as imagens (Figuras 55 e 56) são significativas. Edelarzil
em meio ao campo aberto, céu, nuvens, sol, reforça o pensamento angelical sobre ela ou
de santa; Edelarzil em meio ao fundo escuro, tendo em torno de si uma luz iluminadora,
conduz a imaginação a pensar essa ser uma luz em meio à escuridão. A lua
simbolicamente é utilizada para representar os aspectos da feminilidade e fecundidade,
também não possui luz própria, é uma receptora da luz do sol, o que pode nos conduzir a
interpretação da mediunidade.
https://www.curaespiritual.com.br
143
Figura 55: Propaganda Excursão Cura Figura 56: Propaganda Excursão Espiritual
espiritual
A foto a seguir, foi retirada do site Casa Caminho e Luz (Figura 59), Edelarzil,
vestida com suas habituais roupas brancas para o ritual, orando, impondo as mãos sobre
a testa de uma pessoa e está com os olhos fechados e microfone em mãos. Uma imagem
que nos faz recordar as influências pentecostais, neopentecostais e midiáticas da
atualidade. Klein (2006) aborda essa questão e chama de “contaminação televisiva” do
ambiente sagrado onde o agente religioso se converte em imagem, nessa
contemporaneidade em que o ser humano se tornou um consumidor das imagens, onde
mesmo sem a presença das câmeras, o padre ou o pastor, e aqui em nossa pesquisa, a
benzedeira, assumem uma postura midiática. Assim ele denota a “problemática semiótica
na mediação das imagens na experiência religiosa” (KLEIN, 2006. p.22). Como no teatro,
estamos diante das mídias num constante faz de conta: filmes, novelas, redes sociais, no
discurso político ou na apresentação dos telejornais, com atuações cada vez mais
sofisticadas, desenhando o mundo conforme os interesses políticos e de poder. Segundo
Schechner (2012), essa crescente evolução dos meios de comunicação faz com que as
pessoas, cada vez mais saturadas, experenciem suas vidas em interpretações
performáticas, propiciando cada vez mais o surgimento de novos híbridos mediante a
Globalização.
144
www.casacaminhoeluz.com
51
As 13 almas benditas seria é uma lenda constada no livro de São Cipriano, que seria 13 almas nem tão
boas e nem tão más que ficariam vagando e ajudando as pessoas, não reconhecida pela Igreja. No Brasil, a
tragédia do edifício Joelma teria ressignificado a lenda, remetendo a 13 dos túmulos de pessoas não
identificadas, situadas uma do lado da outra.
52
Disponível em: <http://www.jornaldaorla.com.br/coluna8/10778.shtml>. Acesso em: 11 jan. 2019.
145
de vídeos onde ela transmite mensagens ao público. São muitos sites esotéricos falando
sobre ela, sites que remetem a ela, filmagens no YouTube, redes sociais, e matérias em
sites internacionais, porém, segundo a médium, são todos de caráter voluntário, feitos por
pessoas simpatizantes de suas práticas ou dos condutores de caravanas. Claro que,
algumas postagens contendo críticas também.
Um dos depoimentos sobre Edelarzil, deixados no site Casa Caminho e Luz.
Senhor Deus Pai, todo poderoso, Criador do Céu da Terra. Vós que
governais seus filhos com amor, justiça e compaixão.
Com fé e humildade, agradeço a intercessão de Nossa Senhora do
Rosário que vossa serva e médium Edelarzil Munhoz Cardoso vos ama
e que contempla a vossa divina, cumprindo os desígnios de divinos de
cortar, desmanchar demandas, aliviando os sofrimentos dos irmãos que
oram e temem a Deus.
Iluminai, mãe, fluidificai nossa alma, mente e corpo, descarregai nossa
matéria de todas as impurezas astrais.
Nossa Senhora do Rosário, fortalecei vossa serva fiel, senhora
Edelarzil, com o vosso manto de proteção, luz, amor e verdade, que
pelo vosso merecimento, virtude e ardorosa fé em Nosso Senhor Jesus
Cristo, vos serve.
Ó divina Mãe, advogada dos que sofrem perseguições, proporcionando-
me os meios de vencer de modo que a fé, paz, saúde, proteção e
progresso desçam ao meu espírito e reine paz em nosso lar. Confiando
53
Não sabemos se tal livro foi escrito ou está em andamento. O fato é que não encontramos mais livros
falando sobre Edelarzil, além do de Santos (1997).
146
Nunca vejo maldade nas pessoas, porque em mim não existe maldade,
não consigo pensar mal algum. Por isso já me usaram para caluniar,
para me colocar como mulher vulgar. Mas no meu pensamento, nunca
passa tais coisas. Sempre converso sem malícia, sempre querendo
ajudar, sempre fico querendo resolver problema e talvez alguém me
julga mal, mas não é esse meu pensamento. Tenho o coração puro e sem
maldades, sem pensar em usar alguém para desfrutar dos meus desejos.
Isto está longe de mim, só quero o bem e o amor sincero de irmã em
Cristo. Vejo todos com[o] se fossem meus irmãos e peço a Deus que
me conserve sempre assim, sem malícia e sem maldade, quero que
todos sejam humildes e puros de coração para não cair em tentação
(SANTOS, 1997, p. 20).
54
No Vale do Ribeira, uma das principais áreas de mata Atlântica do país, e morada de dez tribos guaranis
dos subgrupos Mbya e Ñandeva situada no Estado de São Paulo, a técnica da defumação com ervas ainda
é muito utilizada para tratamentos de constipação e bronquite pela população, principalmente pela
população da área rural.
147
Arruda: Planta aromática usada nos rituais porque Exu a indica contra
maus fluidos e olho-grande. Suas folhas miúdas são aplicadas nos ebori,
banhos de limpeza ou descarrego, o que é fácil de perceber, pois se o
ambiente estiver realmente carregado a arruda morre. Ela é também
usada como amuleto para proteger do mau-olhado. Seu uso restringe-se
à Umbanda. Em seu uso caseiro é aplicada contra a verminose e
reumatismos, além de seu sumo curar feridas (VENTURA, 2011, p. 69).
Outro apontamento que fazemos é em relação ao seu nome. Nota-se que o título
“Benzedeira do Algodão”, apesar de ainda ser utilizado para se referir a ela, com o tempo
ficou um pouco esquecido e ela passou a ser mais conhecida como a “Médium do
Algodão” (um termo mais ligado ao espiritismo), ou ainda, “Mulher do Algodão”. Esses
últimos nomes pelos quais ela ficou mais conhecida nas últimas décadas possuem uma
narrativa espiritual. A distância do meio de seu grupo inicial, o das benzedeiras e produz
um “status” mais individual.
Outra característica que merece destaque, é que, no espaço como um todo, mesmo
dentro da capela onde está o seu “auto-memorial” não há nenhuma imagem de marido ou
filhos. Como abordamos no primeiro capítulo, Natalino não parece ter sido muito atuante
na trajetória religiosa da esposa. Ele menciona em um dos vídeos que aquilo tudo para
ele não fazia sentido, mesmo que recentemente Edelarzil, em uma de suas palestras, disse
ter gravado a pedido dele, para recordação, não achamos maiores evidências quanto à sua
participação. Ele seguiu uma carreira paralela, política e comercial. Os filhos de Edelarzil,
também aparecem como colaboradores no espaço administrativo, dando suporte, porém,
não encontramos destaque no espaço sagrado. Ou seja, o mundo sagrado é o mundo
sagrado de Edelarzil.
Poderíamos citar muitos depoimentos referentes a Edelarzil como uma mulher de
“oração forte” ou “santa mulher”, alguns desses que ouvimos pessoalmente, de pessoas
que frequentam há muito tempo os rituais de Edelarzil e creem nos resultados.
Percebemos que existe um contraste que subdivide a maneira como Edelarzil se apresenta
publicamente, na condição de medianeira, jamais dizendo possuir um poder, mas sim um
dom e a forma como ela se apresenta em sua iconografia, em seu local de performance,
numa parede estratégico-especial, com memórias enaltecedoras de sua pessoa enquanto
148
médium. Essa “imagem” subjetiva transmitida através de seus quadros parece ser mais
coerente com a forma que as pessoas a enxergam, quase uma santa viva. Quanto aos
“contrastes” não significa que eles sejam provocados conscientemente, segundo
Schechner (2006), os comportamentos e atuações performáticas que vivenciamos
podemos simplesmente não percebê-los, elas têm vida própria. São inúmeros os “eus”
que existem dentro de cada pessoa e que se analisarmos estes “eus” pouco inventamos
sobre ele, ou ainda, posso experimentar ser “além do que eu sou. “Performance é um
modo de comportamento, um tipo de abordagem à experiência humana; performance é
exercício lúdico [...]” (SCHECHNER, 2012, p. 10, grifos nossos).
Em suas palestras, Edelarzil costuma sempre salientar os sofrimentos,
perseguições e sacrifícios que teve que fazer ao longo de sua vida para continuar sua
missão. Desde a década de 1990, enquanto ainda estava em Parisi, ela já mencionava a
possibilidade de parar com os trabalhos de materialização.
No livro da Estância Casa Caminho e Luz entregue a nós no ano passado, ela
voltou a afirmar: “Eu trabalho na parte espiritual desde criança. Já lutei para parar de
atender, mas não consigo” (CASA CAMINHO E LUZ, s/d, p. 6). Também voltou a
mencionar isso em uma de suas palestras na internet e quando fomos ao centro ela falou
que cada dia atrasa mais na esperança de que as pessoas se cansem e não apareçam,
porém, ela lamenta dizendo que “Nosso Senhor não quer”, o que traz alguns risos a sua
plateia.
Uma das características principais de uma benzedeira é a proximidade com o
sofrimento, elas são descritas como mulheres que sacrificam suas vidas pelo bem dos
outros e elas não costumam economizar palavras para relatar sobre os sacrifícios que
precisaram fazer na vida, é como se a eficácia da graça estivesse na medida de seu
sacrifício. O dom recebido é como se fosse um encargo que tem por obrigação levar pela
vida toda. “Desta forma, o ofício de benzedeira, semelhante ao ofício de médico, mais
que uma profissão, é visto como um sacerdócio, uma missão” (QUINTANA, 86).
149
55
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=Xk1D-pTxWVo>. Acesso em: 21 fev. 2019.
150
O simbolismo da água
Não é segredo que a água é um dos elementos mais sacralizados pela maioria das
civilizações. Em diversas culturas podem ser encontradas relatos de águas milagrosas,
fontes com poderes mágicos de cura ou de juventude. Muitas águas curativas, até mesmo,
segundo suas propriedades minerais, acabaram sendo tidas como mágicas. “As águas são
simbolizadas, reverenciadas e consagradas desde os primórdios em todas as culturas,
teologias, crenças, mitos e religiões do planeta, com indícios que remontam ao Neolítico
(8000 a.C.)” (LAZZERINI; BONOTTO, 2016, p. 560). Há culturas e crenças religiosas
em que a água emitida pelas fontes, conectam o mundo exterior e o interior, “por onde
fluem deuses, espíritos e mesmo seus ancestrais” (LAZZERINI; BONOTTO, 2016, p.
560). Muitas nascentes foram consideradas locais de manifestação hierofânica e atraiam
e ainda atraem peregrinos em busca de contato com o divino e não é incomum que esses
muitos desses lugares tenham se tornado locais de culto e motivado a construção de
templos.
O algodão
A procissão
Pode ser que, muitas pessoas que frequentam o centro de Edelarzil, percebam a
procissão que se forma para entrar na capela e dar início ao ritual, como uma simples fila
com o intuito organizacional. Meramente para manter a ordem das senhas. Porém, para
um católico que ali se coloca, imediatamente se invocam as significações do ato que
permeia seu imaginário. Sendo Edelarzil, declaradamente católica, não é estranha essa
forma de organização. A procissão de entrada é um hábito nos inícios de cultos e missas
católicas, aliás, a procissão é um ato praticado ativamente nas festas santorais, em dias de
152
Portanto, possivelmente, esse ato de integrar uma procissão inicial em seu rito,
trata-se de um acesso ao imaginário católico que ela recebeu de sua família e que traz
consigo em sua profissão de fé.
O número três
56
Disponível em: < https://www.padrereginaldomanzotti.org.br/artigo/procisso-de-entrada/>. Acesso em
11 fev.2019.
153
Analisando alguns dos objetos catalogados por Edelarzil, com suas respectivas
interpretações57, podemos levantar algumas possíveis classificações:
Alguns elementos com significados já presentes no meio popular:
• Amendoim: Afetar a vida sexual da pessoa.
• Boneca (o): Para imobilizar a pessoa.
• Casca de ovo: Intriga, desavença, falsidade.
• Punhal: Traição.
Alguns elementos que revelam o imaginário negativo de Edelarzil em relação às
entidades do Candomblé e Umbanda.
• Cigarro: Trabalho de Pomba-Gira para perturbar a mente.
• Esmalte, Perfume, Batom: Trabalho para Pomba-Gira.
• Farinha Ou Farofa: Oferta para exu, para mexer com a vida.
• Vela Com Imagem/Exu/Caveira/Etc: Trabalho de alta magia.
Alguns elementos que normalmente refletem boas significações, na perspectiva
da materialização de Edelarzil, ganham significados negativos.
• Sementes: Iniciando um mau de saúde ou problemas em negócios.
• Fita Ou Vela Branca: Para tirar a paz.
• Incenso: Fechar os caminhos, não acreditar em mais nada.
Alguns apontamentos sobre esses objetos, não classificamos todos aqui devido à
extensão da lista, trata-se de um catálogo contendo 126 objetos58 identificados por
Edelarzil com seus correspondentes significados. Na primeira categoria, temos elementos
já presentes em meio popular, como por exemplo, o amendoim é conhecido por suas
propriedades consideradas afrodisíacas, então imediatamente ele fora ligado à
significação da sexualidade. Outro exemplo é a boneca, que pode nos fazer trazer à
lembrança os rituais envolvendo bonecos como os bonecos vodu, com objetivos de atingir
a pessoa a eles análogos. Já o ovo, normalmente é considerado um símbolo universal de
fertilidade e símbolo de vida, no ritual de Edelarzil, temos a impressão de seu significado
negativo vir do ditado popular “pisando em ovos”, remetendo à fragilidade da casca como
símbolo de desavença e o punhal que também consta no imaginário popular como símbolo
da traição “apunhalar pelas costas”.
A seguir temos outra categoria, os elementos que demonstram visão negativa em
relação às religiões de matriz africana, como o cigarro e objetos femininos remetidos ao
57
CASA CAMINHO E LUZ, s/d, p. 21-24
58
Que podem ser melhor observados na tabela 4 em nossos anexos.
156
espírito da Pomba Gira59, farinha ou farofa, assim como velas com formas da entidade
Exú ou caveira, sendo analisados como trabalhos de alta magia. Ou seja, no imaginário
de Edelarzil, não apenas nos objetos, mas em seu discurso, as entidades do Candomblé e
Umbanda são de trato pejorativos ou mesmo, muitas vezes, remetidos de forma direta à
conhecida “macumba”, como são denominadas, a grosso modo, as oferendas dessas
religiões no meio popular.
Para nós, uma das coisas que saiu no algodão foi um esmalte vermelho e uma vela
em formato de um casal, um de costas para o outro, então disseram se tratar de magia
negra feita à Pomba-Gira para a autora com a intenção de “separar casal” (a autora não é
casada até a presente data). O que esclarece mais ainda o imaginário do mal em torno das
religiões afro-brasileiras. O que só não é pior do que pensamentos negativos, inveja dentre
outras influências que Edelarzil considera pior do que “macumba”. Segundo o
pesquisador Altierez Sebastião dos Santos, essa distinção pejorativa em relação às
religiões afro-indígenas evidencia com a presença de outras doutrinas que não são
recebidas de outra forma.
59
Temos aqui também uma desvalorização de elementos femininos.
157
CONSIDERAÇÕES FINAIS
60
Podemos apontar aqui a ausência de imagens santorais negras, mesmo a santa negra Sara Kali, santificada
pelo povo cigano, aparece numa iconografia embranquecida.
162
expectativa. Sua presença é esperada, na verdade, cada vez mais esperada à medida em
que a mesma se atrasa para iniciar seu rito, mediante o discurso de que cada vez mais se
atrasará porque “quem sabe as pessoas desistam de procura-la”. Porém, a chegada
simpática e risos dos espectadores enquanto menciona essas palavras que remetem à
mediunidade o predicado de ser um fardo, nos fez brotar uma dúvida: seria o atraso uma
medida para realmente fazer as pessoas desistirem ou um método consciente ou não da
mesma fixar-se em seu potencial como médium? O fato é que as pessoas não desistem e
parecem cada vez mais curiosas ou àquelas que frequentam assiduamente o recinto
permanecem porque realmente acreditam e veem nela uma pessoa iluminada por Deus.
Edelarzil é a líder religiosa que se converte em imagem, segundo as reflexões de Klein
(2006). Seu Espaço Significativo propicia o trânsito de pessoas das diferentes profissões
de fé e de diferentes classes sociais, que se agregam por um curto período de tempo numa
communitas espontânea.
Edelarzil possui um discurso mesclado entre o discurso cristão católico sobre a
percepção de pecado e o dever de se fazer um exame de consciência com elementos do
espiritismo, como maus fluídos, desencarne, vidas passadas. O “fazer exame de
consciência” serve de método para diagnosticar erros que possam estar atraindo o mau.
Sua visão de mundo é pessimista, a narrativa de seu próprio mundo é permeado de
sofrimentos e sacrifícios, assim como suas previsões para o futuro se apresentam de forma
apocalíptica. Para ela, estamos vivendo o “final dos tempos” e que o ser humano não pode
esperar nada de bom nessa terra. Esse pessimismo se estende sobre a significação dos
objetos que ela alega extrair do algodão.
Outro ponto importante sobre Edelarzil é que, notavelmente, ao mesmo tempo em
que ela trata pejorativamente os elementos das religiões africanas, agrega elementos em
seu rito do imaginário da Umbanda e do Candomblé, como ervas específicas que são
designadas às energias dos orixás ou, até mesmo, a veneração de São Jorge que está mais
presente nessas religiões através de sua representação do orixá Ogum.
Sintetizando sobre a atuação de nossa “atriz social” em sua representação,
Edelarzil foi construindo seu imaginário religioso ao longo das décadas se tornando uma
personalidade autônoma e híbrida, podemos concluir isso analisando seu universo
simbólico, sua iconografia e comparando com seu discurso. Ela conquistou um público
razoável e das mais variadas religiões e status sociais e consolidou-se transmutando de
benzedeira à conhecida “Mulher do Algodão” ou “Médium do Algodão”. Arriscamos
163
dizer que, apesar de guardar características comuns a uma benzedeira, o termo médium
parece ser melhor condizente com sua performance religiosa nos dias atuais.
Enfim, para concluirmos esse trabalho que tecemos sob a metodologia da Cultura
Visual e Material, onde as imagens são reveladoras de sentido tanto em caráter espacial,
material e metafísico, apresentamos uma personalidade que pode bem representar essa
nova era das imagens numa teologia “imagofática”. A perspectiva da cultura visual e
material precisa ser ainda mais explorada pelos pesquisadores da religião no Brasil, sendo
esse um País profundamente imagético e visual.
164
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ANEXOS
TRANSCRIÇÃO DE VÍDEOS
Ipsis Litteris
Transcrição 1
Ou muitas vezes, de si próprio. Muitas vezes é a gente mesmo que atrai o mal, desde que
a gente tenha a mente negativa, desejando o mal ao próximo, tendo inveja, ódio ou
vingança. Então cada um de nós, temos o retorno que merecemos e o retorno é triste
porque vem com juros. A gente paga o dobro do que a gente a fez. Então quem está aqui
pela primeira vez..., deve ser feita a oração durante treze dias, pedindo a graça que quer
alcançar. E é pela oração, pela fé, pela penitência e pelo sacrifício, que cada pessoa
alcança a graça.
Mas antes de fazer a trezena, deve-se fazer, um exame de consciência, um exame
espiritual. Pra ver o que está acontecendo na vida de cada um de vocês...não seje de si
próprio, porque muitas vezes é a gente que atrai o mal.
Faça o exame de consciência pra ver aonde errou ou aonde está errando, porque
todos nós erramos, todos nós pecamos. Perfeito, é só Deus! Então a gente deve reconhecer
os erros, pedindo perdão a Deus dos erros que todos os dias cometemos. Fazendo as
orações, penitências, os jejuns, e retirando da sua vida, durante os treze dias da oração, o
que você é mais habituado a fazer todos os dias. Então todos nós erramos, por isso é bom
fazer o exame de consciência, pra ver aonde errou ou aonde está errando. Pra não acusar
só o vizinho. Que muitas vezes a gente erra, mas a gente nunca enxerga o erro da gente.
É fácil acusar os outros. É fácil colocar a culpa em outra pessoa, então por isso tem que
fazer o exame de consciência. Nem tudo são trabalhos de magia. Porque tem pessoas que
vem aqui e não entende...aí ele sai falando que todo mundo tem macumba.
Todo mundo tem influências negativas, isso é certeza. Tem muita coisa pior do
que trabalho de magia. Porque magia é fácil ser desfeita, mas o que vem da mente, do
coração e da língua...é difícil. Quantas vezes a pessoa que atrapalha a vida da gente,
convive com a gente... no trabalho, no lazer ou, muitas vezes, amiga. Por isso a gente tem
que estar preparada espiritualmente. Porque tem tantas pessoas que têm a mente diabólica,
por inveja, por cobiça, por ódio, por vingança...e ela atrapalha a vida da outra. Nunca se
vingar..., também, porque tem pessoas que se vinga, se cada vez fica pior, porque a gente
tem que orar para que Deus ilumine a mente e o coração de quem nos atrapalha e que eles
consigam sair das trevas e que vocês consigam sair de seus problemas. É perdoando que
a gente é perdoada. Não adianta vingança. Deus deixou a lei do retorno. Quem planta
vento, colhe tempestade, então não se preocupe. Deus tarda, mas não falha. A gente tem
que sempre perdoar.
A gente veio para este mundo. não veio por acaso, a gente veio resgatar alguma
coisa. Muitas vezes, as pessoas falar, por.tô sofrendo, mas eu nunca fiz mal a ninguém.
177
Será?... Que nunca fez mal a ninguém? A gente não precisa fazer os atos, a gente faz pelo
pensamento. Quantas vezes, pensa mal de uma pessoa e aquela pessoa, e a aquela pessoa,
talvez, até é inocente e a gente tá julgando coisa errada. Então a gente tá prejudicando.
Por isso a gente tem: “orai e vigiai”, pra não ser atingido de tanta influências negativas.
Tem muitas pessoas, também, que vêm aqui...ela vem com o coração cheio de ódio e de
vingança. Ela vem com mágoa e isso faz mal. Quer dizer que a pessoa prejudica a si
próprio.
Tem muitas ...que não perdoam e para alcançar a graça... gente tem que perdoar.
Tem muitas pessoas que tem ódio da própria família e tudo que vem do sangue é bem
pior, porque se torna uma maldição na família. Por isso eu sempre peço, pra fazer a
trezena...não é que só tenha que ser feito treze dias de oração, a gente tem que fazer todos
os dias.
Os treze dias é pra fazer o exame de consciência e ver o que a gente está fazendo
de errado. Orar a gente tem que orar todos os dias, pelo menos o Pai Nosso. Na hora de
deitar, na hora de levantar. Não só pedindo, é agradecendo a vida que Ele nos deu e pela
oportunidade que Ele nos dá de reconhecer os nosso erros e recomeçar uma nova vida.
Agora tem pessoa que tem muita preguiça de orar. Tem gente que deita e nem se
lembra de Deus, Levanta e é a mesma coisa. Quer dizer que está aberto para todas as
influências negativas. Porque a gente orando já tem as perseguições...e se a gente não orar
então? Aí você deu uma abertura para as influências negativas.
Não fique preso ao passado, porque tem muita gente que vem aqui e coloca lá no
caderno de oração, dizendo: “Dona Edelarzil, eu perdi casa, carro, imóveis, dinheiro. Eu
quero tudo de volta”. É impossível! Querer tudo de volta. Quando a gente perde, já
perdeu. A gente tem que pedir pra Deus, saúde, que é a maior riqueza. Você tendo saúde,
você luta e recomeça tudo de novo. Não é pedir de volta. Muitas vezes, a gente entrega
em dívidas os bens que a gente tem. Antes não ter as coisas e não dever do que ter as
coisas devendo. Não é?
Outros dizem que querem sair dos problemas financeiros. Primeiro faça o exame
de consciência. Que, muitas vezes a pessoa ganha 3 e gasta 5, aí ele nunca vai sair dos
problemas financeiros. Ou ele vai e compra parcelado, uma casa, um carro, ele
compra...depois no fim, vai se enrolar. Porque nem sempre as coisas dão certo. Negócios,
daí você vai passar por problemas financeiros. Pensa: “Será que não vou fazer alguma
coisa errada. Se eu ganho 3, eu tenho que gastar 1500, não posso gastar os 3. Preciso ter
uma reserva pra quando ficar doente ou alguma coisa que aparece e a gente tem que pagar.
178
Então nem tudo são trabalhos de magia, muitas vezes é que a gente é ignorante mesmo, é
que a gente não pensa e pra gente fazer as coisas tem que pensar muitas vezes. Orai e
vigiai e antes de fazer qualquer negócio, pense muito antes. Pra não ter os problemas
depois de ter que acusar o vizinho, é a gente que errou e põe a culpa no outro. É fácil por
culpa nos outro, não é?
Tem pessoas também que erra a vida inteira e ela não percebe que são os próprios
erros dela que estão bloqueando a vida dela, porque tudo vai dando errado e ela continua
com os mesmos erros. Então faça o exame de consciência e vê o que é que você está
fazendo de errado e corrija, que a gente pode errar. Mas a gente erra até quando a gente
quer. Quando a gente percebe que são os próprios erros que estão bloqueando a vida, ou
você vai melhorar e fazer as coisas certas ou vai afundar, a escolha é de cada pessoa. Deus
não deseja o mal de ninguém, não quer mal a ninguém. Deus está sempre nos ajudando,
a gente que não percebe as ajudas que Ele dá pra gente. Antes de fazer qualquer negócio,
pede para Deus: “Me dá sabedoria, ilumina minha mente e meu coração. Não deixe que
eu dê um passo errado”. Então se a pessoa tem fé, fala com Deus. Agora tem pessoas que
só pensa nos bens materiais e Deus está distante desses pensamentos dele. Ele está só
pensando que vai conseguir tal coisa: “é que vou subir, é que eu vou fazer...”, mas Deus
nunca está presente no coração e na mente dele. E para as coisas espirituais dar certo é
preciso que as espirituais esteja bem. Não pode ter bloqueios espirituais para os materiais
dar certo. Porque se você não tiver preparação espiritual, nada na tua vida vai dar certo.
Primeiro, peça a Deus sabedoria. Se você tiver rancor de alguém ódio, peça
perdão. Tire da sua mente e do seu coração toda magoa, porque daí você vai ver que sua
vida vai mudar. Agora enquanto a pessoa tiver muito orgulho, nada vai dar certo, porque
tem pessoas que tem tanto orgulho que ela diz não precisar de ninguém. Será que existe
alguém que não precisa de ninguém? Não existe. Todos nós precisamos um dos doutros.
Você pode ser um empresário bem-sucedido, mas você precisa dos empregados pra
trabalhar pra você e seus empregados de você. É um pelo outro. Até depois que morre,
para levar para o cemitério e porque achar que não precisa de ninguém.
Tem pessoas que tem tanto orgulho. Se ele tem dinheiro, ele passa pisando nos
outros e nem vê. E para que tanto orgulho se nós todos temos podridão na vida. Você
pode ter uma roupa de marca, você pode tá bem arrumado, mas na barriga só tem
podridão... é merda e vermes mesmo. Não adianta ter orgulho, todos nós somos iguais: é
branco, preto, velho, novo...rico, pobre...não tem diferença. Depois que a gente
desencarna, todos nós viramos caveira. E depois que for caveira, se você olhar para aquele
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monte de caveira...: “será que é de rico ou pobre?” - é tudo igual - “Será que essa caveira,
quando estava revestida de carne, deitou num travesseiro de plumas ou nas pedras da
estrada?”. Você não sabe. Por isso a gente tem que ter humildade, para poder então
conseguir vencer na vida e ter pelo menos para sobreviver. Agora...tem gente que quer
ganhar o mundo inteiro. Não adianta... ganhar o mundo inteiro, porque o dinheiro compra
tudo, mas a vida ele não compra. Quando chega a hora, você pode ser milionário, mas
você vai mesmo. Tudo fica, mas a gente vai. Por isso a gente tem que ser humilde e não
falar tanto da vida dos outros, porque tem pessoas que só fala mal da vida dos outros.
É como está escrito na bíblia: “aponta o cisco no olho do outro e no teu você tem
uma trave”. Por isso a gente tem que fazer um exame de consciência para ver porque a
gente está com tantos bloqueios. Orai e vigiai e na hora de fazer a oração, tire um tempo
para Deus. Não vai fazer oração assistindo novelas, assistindo televisão, porque você não
sabe nem o que quer. Assiste novela e faz oração..., diz que fez a trezena..., ela lê treze
dias, mas não fez a trezena. A trezena a gente tem que fazer, mas fechada num quarto,
sem ouvir conversas, você mentalizar certinho o que está acontecendo na sua vida. Então
antes de fazer a oração, faça o exame de consciência. E aí você fala com Deus: Será que
atrapalhei a vida de alguém? Você pensa bem..., que você encontra. Será que eu menti?
Ah! Mas vai achar tantas mentiras! Será que fiz intrigas, levantei falsos, tive inveja,
cobiça, me vinguei, tive ódio, traí? Você encontra tudo, porque traições não é só de
homem e mulher. Tem tantos tipos de traições... de negócios, tem tanto que dá rasteira
nos negócios, sabendo que está prejudicando a outra pessoa. Então está traindo. Tudo isso
são bloqueios espirituais. E Deus dá a oportunidade para todos nós, reconhecer os nossos
erros e recomeçar uma nova vida.
Quando você estiver com a sua vida toda bloqueada, as vezes com problemas de
saúde...profissionais, financeiros, desempregos, sentimentais, imóveis para vender ou
dinheiro para receber e não consegue... não se desespere, falando que tua vida é uma
desgraça. Porque sem chamar ela já vem e se você chamou ela aposenta com você. Então
quando a gente está com tudo bloqueado na vida da gente, a gente tem que pedir a Deus:
Dai-me força, Senhor, pra mim suportar a minha cruz. Todos nós temos a nossa. “Dai-me
paciência! Ei de vencer todos os obstáculos da minha vida, porque Deus está comigo.
Quem é que vai poder me destruir?”. Se você tiver fé, você pode ter caído, você levanta
e começa tudo de novo, isto é certeza, mas pela fé. Porque, eu tenho muita fé, eu faço a
minha parte e cada um faz a sua. Eu não sou deusa, sou uma intermediária. Eu tenho
muita fé e posso ver vários problemas numa pessoa, que a gente vê que ele tá lá no final
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do túnel, mas eu faço minha oração e falo: “Para Deus, não existe nada impossível”.
Impossível é para as pessoas que não tem fé, mas para quem tem fé, tudo é impossível.
Agora, então, eu farei a oração em conjunto, pedindo a Deus e aos guias, para que
cada um consiga alcançar as graças que vieram procurar, mas neste momento quem tiver
peças de roupas, fotos, documentos, objetos para serem abençoados.
(Impostação de voz).
“Que seja abençoado, cada pessoa que está aqui presente, que sejam abençoados
os ausentes que vocês trouxeram, que sejam abençoados todos os objetos que você
trouxeram, que sejam abençoadas as casas de cada um de vocês. Que seja abençoada a
família de vocês. Que sejam abençoados os trabalhos de vocês. Que seja abençoadas as
viagens de você... (Pai Nosso!)
Eu vos saúdo, ó Virgem Gloriosa, estrela mais brilhante do que o Sol, mais branca
do que o lírio, mais elevada nos céus do que todos os santos.
Transcrição 2
e ela passou a receber doações. Dona Edelarzil, construiu em Parisi o centro “Nossa
Senhora do Rosário”. É lá que ela recebe, três vezes por semana, os milhares de fiéis que
buscam curas e paz. Antes de cada sessão, ela sempre realiza uma oração em conjunto,
para pedir equilíbrio e força.
Sequência de orações.
A equipe de reportagem acompanha todo o processo de materialização e sondam
o ambiente e os utensílios, a fim de verificar possível fraude. Não houve indícios
aparentes.
EDELARZIL: Quando eu trabalhava, não usava algodão. Eu mentalizava e caiam
direto sobre as pessoas, mas machucava, sujava... caco de vidro cortava, ossos...
Machucava e as pessoas saíam sujas e com medo. Quando começava a cair, já todo mundo
queria correr. A água é para purificar e o álcool é um desinfetante... Porque tem terra de
cemitério, restos de... Vermes, o álcool mata um pouco.
REPÓRTER: Segundo Dona Edelarzil, os resíduos que se materializão, foram
usados em trabalhos de magia para prejudicar alguém ou simplesmente o resultado de
pensamentos negativos das próprias pessoas.
Sequência de materializações, os objetos são recolhidos, embrulhados e
entregues para cada pessoa queimar. Testemunhos de curas – um homem garante que
foi curado da bacia depois que ela retirou do algodão, um osso de bacia – dentre outros.
REPÓRTER: Uma comissão, organizada por médicos, psicólogos, religiosos e
autoridades da região, fez uma detalhada investigação do caso.
Dr. VICENTE AIRES: Nós levamos tudo, ela queria água, algodão, álcool e só.
Foi tirado o algodão que nós levamos, entregamos... Tiramos o algodão lá da bacia, abriu-
se os litros de álcool, molhou aquilo (o algodão) e depois jogou água e fez o fenômeno.
REPORTER: E o que a comissão decidiu?
Dr. VICENTE: A comissão diz o seguinte: que é um fenômeno paranormal de
materialização e “transformação” de objeto. Inclusive osso, muito osso, animais mortos,
sapo.
PE. SILVIO ROBERTO: Cientificamente, há uma resposta para isso, porque ela
é uma paranormal.
REPORTER: O senhor acha que é autêntico o fenômeno que acontece com ela?
PE. SILVIO ROBERTO: Creio que sim. Religiosamente eu questiono, mas como
resposta científica sim.
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EDELARZIL: A minha missão aqui é muito dura, porque a minha cruz não é de
madeira, não, é de ferro e aço. É difícil a pessoa que fala “eu creio, sei que é verdade”, a
maior parte diz “é magia”, “é truque”... Essas coisas. Então eu venho sofrendo muito,
muito sozinha na minha vida. Então a traição, a calúnia e as falsidades, estão sempre em
meu caminho. Só que eu nunca perdi a fé em Deus e acho, assim, que estou purificando
a minha alma. Porque meu corpo é uma passagem aqui.
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Transcrição 3
Transcrição 4
45. Fita amarela: dar desespero, tirar a 46. Fita azul/ rosa: atrapalhar o lar,
esperança. gerando brigas e discussões.
48. Fita laranja: sentimental, bloqueio
47. Fita branca: para tirar a paz. sentimental, problemas de
desespero.
49. Fita marrom/bege/cinza: 50. Fita preta: desejo de fim, da
problemas financeiros. destruição.
52. Fita verde: tirar o ânimo para se
51. Fita roxa: dar angústia na pessoa.
sentir derrotado.
53. Fita vermelha: afetar a mente e 54. Fita de filme ou som: afetar o
nervos. sistema auditivo e visual.
55. Fósforo: trabalho de magia e 56. Flor de cemitério: desejo de
demanda. morte, ódio e vingança.
57. Formiga e insetos: para ficar 58. Folhas e ramos: para tirar a paz e
agitado e inquieto. serenidade.
60. Fígado e pedaços de carne:
59. Fios elétricos: amarrar os negócios
trabalho para exu e acabar com a
e atacar o sistema nervoso.
saúde.
61. Garfo/colher: deixar a pessoa
perturbada, sem apetite indisposto 62. Gaze: afetar a saúde.
com tudo.
63. Garrafa de bebida: tornar a pessoa 64. Garrafa/vidro de remédio: afetar a
alcoólatra, irresponsável. saúde em geral.
65. Grilo: para a pessoa pular e não 66. Incenso: fechar os caminhos, não
sair do lugar, não ter sucesso. acreditar em mais nada.
67. Insetos: para agitar a vida da
68. Isopor: ficar desligado,
pessoa, com discussões, fofoca,
perturbado.
intrigas.
69. Imagens de santo: trabalho contra
70. Lâmpada: tensão nervosa para
o espirito da luz, a favor das trevas
desequilibrar a mente.
para derrotar pessoas.
71. Latas: deixar a pessoa 72. Leite em pó: tirar a sorte e criar
desorientada. obesidade na pessoa.
73. Língua de vaca: ficar difamada,
74. Madeira: dificultar os negócios.
comentada negativamente.
75. Milho/pipoca: virar a vida da 76. Matos/plantas/raízes/pó de xaxim:
pessoa ao avesso. trabalho já enraizado, antigo.
77. Metais: para dificultar os negócios 78. Objetos redondos: para a pessoa
e atividades. ficar em círculo.
80. Ossos: dificuldades em tudo que
79. Óculos: afetar os olhos.
realizar.
81. Palito de fósforo: magia,
82. Papel: para embrulhar a pessoa.
demanda.
83. Patuá com mensagem: trabalho de
84. Peças de roupa íntima:
magia negra para liquidar a
enfraquecer o sexo.
pessoa.
85. Pemba preta/branca: ponto de 86. Penas: dificuldades e sofrimento
magia. no trabalho.
87. Pedras: tropeços e dificuldades 88. Perfume/batom: trabalho para a
com prejuízo de negócios. pomba-gira.
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RECORTES DE JORNAL
Fonte: https://krantenbankzeeland.nl/issue/zni/1990-09-04/edition/0/page/5?query=edelarzil&sort=relevance
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Fonte: https://krantenbankzeeland.nl/issue/zni/1990-09-11/edition/0/page/5?query=edelarzil&sort=relevance