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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO


DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

HELENA RAQUEL DE FRANÇA COSTA

EDELARZIL MUNHOZ CARDOSO, A “MULHER DO ALGODÃO”:


SUA PERFORMANCE RELIGIOSA, SEU UNIVERSO SIMBÓLICO
SUBJACENTE E A RELIGIOSIDADE POPULAR BRASILEIRA

SÃO BERNARDO DO CAMPO


2019
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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO


DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

HELENA RAQUEL DE FRANÇA COSTA

EDELARZIL MUNHOZ CARDOSO, A “MULHER DO ALGODÃO”:


SUA PERFORMANCE RELIGIOSA, SEU UNIVERSO SIMBÓLICO
SUBJACENTE E A RELIGIOSIDADE POPULAR BRASILEIRA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em Ciências da Religião da
Universidade Metodista de São Paulo sob a
orientação do Prof. Dr. Helmut Renders.

SÃO BERNARDO DO CAMPO


2019
3

FICHA CATALOGRÁFICA
C823e Costa, Helena Raquel de França
Edelarzil Munhoz Cardoso, a “mulher do algodão”: sua
performance religiosa, seu universo simbólico subjacente e a
religiosidade popular brasileira / Helena Raquel de França Costa -- São
Bernardo do Campo, 2019.
197 f.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) --


Diretoria de Pós-Graduação e Pesquisa, Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São
Bernardo do Campo.
Bibliografia
Orientação de: Helmut Renders.

1. Cardoso, Edelarzil Munhoz – Estudo de caso 2.


Curandeiros 3. Religiosidade popular – Brasil 4. Imaginário religioso
I. Título

CDD 248.290981
4

A dissertação de mestrado intitulada: “Edelarzil Munhoz Cardoso, a ´mulher do algodão´:


sua performance religiosa, seu universo simbólico subjacente e a religiosidade popular
brasileira”, elaborada por Helena Raquel de França Costa foi apresentada no dia 10 de
abril de 2019, perante banca examinadora composta por Prof. Dr. Helmut Renders
(Presidente/UMESP), Prof. Dr. Vitor Chaves de Souza, (Titular UMESP), Prof. Dr. Ênio
Brito Pinto (Titular PUC-SP).

Prof. Dr. Helmut Renders


Orientador e Presidente da Banca Examinadora

Prof. Dr. Helmut Renders


Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião


Área de Concentração: Linguagens da Religião
Linha de Pesquisa: Teologias das Religiões e Cultura
5

Dedico essa dissertação de mestrado, primeiramente


à Trindade Santa, centro e fonte de tudo em minha
fé. Aos meus pais, Pedro P. Costa e Marilena B. F.
Costa, cuja dedicação e amor foram essenciais
e fecundos para a minha formação humana.
A eles todo meu respeito, admiração,
reconhecimento e amor.
Me orgulho deles.
Também
dedico
à Santa
Mãe de
Deus, Maria
Santíssima, à Beata
Elena Guerra e a São João Paulo II,
aos quais consagrei toda essa pesquisa.
6

AGRADECIMENTOS

Agradeço, em primeiro lugar, a oportunidade que tenho como graça divina, de


participar da história deste PPG em Ciências da Religião, a todos os professores e colegas
de mestrado, com quais tive a honra de conviver, dividir experiências e trocar
conhecimentos. Assim como a solicitude de todos os funcionários do PPG e da
Universidade Metodista de São Paulo. Aliás, sou grata à UMESP.
Em especial, agradeço ao meu orientador, Professor Helmut Renders, que desde o
começo de meu mestrado e em todos os momentos, me acompanhou, conduziu e, por
vezes, desafiou, mas sempre com sua maneira sábia, gentil e competente. Não há palavras
para agradecer a compreensão e paciência de Professor Helmut.
Sou grata a todos os professores que passaram por minha vida e deixaram um pouco
de seus preciosos conhecimentos. Em particular, agradeço a Professora Marília Brizola,
minha primeira professora. Ela não apenas alfabetizou-me, como também soube enxergar
minha paixão pela leitura, me emprestando livros da escola, me desafiando a escrever
histórias e aguçando ainda mais minha curiosidade pelo universo encantado das letras.
Agradeço ao CNPQ, cujo financiamento foi fundamental nesta caminhada de dois
anos. Agradeço ao suporte da Casa do IEPG (Instituto Ecumênico de Pós Graduação em
Ciências da Religião), onde residi neste tempo, a todos os meus colegas moradores da
casa, a toda direção e em particular à Ana Maria Fonseca, secretária administrativa do
instituto, uma querida amiga, sempre dedicada a fazer sempre o melhor para todos os
moradores da casa, mesmo tendo tantos compromissos cabidos à sua função. Grata!
Agradeço a todos que de alguma forma me foram suporte, meus amigos do Grupo
de Oração “Presença de Deus” de Sete Barras, Nilson C. de Oliveira, Robson de Sá Leite,
Dalma C. Pauluk, Cezário T. de Jesus. Agradeço ao presidente Estadual do Movimento
da Renovação Carismática Católica de São Paulo, Marcelo Marangon, que antes de o
poder chamar de coordenador, pude chamá-lo de amigo, ser acolhida e amada pelo meu
Movimento através dele.
7

Agradeço ao meu amigo, Padre Adelson Rosa de Souza e ao Diácono Hélio Paulo
da Cruz, que em momentos muito específicos, me ouviram e ajudaram com sábios
conselhos.
Agradeço a minha amiga Rita de Cássia Golim, que sempre esteve presente, mesmo
longe, em meus momentos de conflito pessoal, me ouvindo e orando comigo.
Agradeço ao meu amigo Altierez Sebastião dos Santos – também pesquisador e
cientista da religião – um amigo muito querido que esteve presente durante todo o meu
percurso de mestrado, me apoiando sempre, sendo como só um verdadeiro amigo
consegue ser, uma presença incondicional e um esteio em minha fé. Também agradeço
por suas contribuições na revisão de minha dissertação e apontamentos históricos
preciosos, enquanto historiador, enriquecendo as fontes de minhas pesquisas.
Amigos verdadeiros para as quais não existem palavras para descrever a
importância em minha vida. Muitas são as pessoas que nos conhecem, porém, poucas têm
o dom de atravessar o nosso íntimo e saber como realmente somos. Só me resta a gratidão
mais sincera pelo apoio desses meus queridos.

Gratidão.
8

“Quando você estiver com a sua vida toda bloqueada, às


vezes com problemas de saúde... profissionais,
financeiros, desempregos, sentimentais, imóveis para
vender ou dinheiro para receber e não consegue... não se
desespere, falando que tua vida é uma desgraça. Porque
sem chamar ela já vem e se você chamou ela aposenta com
você. Então quando a gente está com tudo bloqueado na
vida da gente, a gente tem que pedir a Deus: Dai-me força,
Senhor, pra mim suportar a minha cruz. Todos nós temos
a nossa. “Dai-me paciência! Ei de vencer todos os
obstáculos da minha vida, porque Deus está comigo.
Quem é que vai poder me destruir?”. Se você tiver fé, você
pode ter caído, você levanta e começa tudo de novo, isto
é certeza, mas pela fé. Porque, eu tenho muita fé, eu faço
a minha parte e cada um faz a sua”.
Edelarzil M. Cardoso “A Mulher do Algodão”
9

COSTA, Helena Raquel de França. Edelarzil Munhoz Cardoso, a “mulher do algodão”:


sua performance religiosa, seu universo simbólico subjacente e a religiosidade popular
brasileira. Dissertação de Mestrado em Ciências da Religião) - Programa de Pós-
Graduação Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo
do Campo, SP, 2019.

RESUMO

Esta pesquisa tematiza a performance mediúnica, ritual, simbólica e visual de Edelarzil


Munhoz Cardoso, mais conhecida como a “Mulher do Algodão” ou “Médium do
Algodão”, sobre a qual se alega ter o dom de realizar curas físicas e espirituais de forças
negativas mediante a materialização de objetos no algodão. Especificamente nos atemos
à sua performance religiosa e universo simbólico. Partimos da teoria da Matriz Cultural
Religiosa e apresentamos sua trajetória de vida. Na perspectiva da Cultura Visual e
Material, documentamos imagens que puderam nos dar pistas sobre seu universo
simbólico e finalmente analisamos seu imaginário, permeado em seu espaço, seu rito e
sua performance a fim de compreender seu papel dentro da religiosidade popular
brasileira. Utilizamos como referencial teórico-metodológico as reflexões sobre Matriz
Cultural Religiosa Brasileira de Mendonça, Bittencourt Filho, Darcy Ribeiro; as teorias
de Hoffmann-Horochovski e Quintana sobre as benzedeiras. Panofsky, Renders e Eliade
para os estudos acerca da Cultura Material e Visual e dos espaços. Os estudos de Vilhena,
Gennep, Turner para analisarmos os ritos Schechner para as reflexões acerca da
performance de Edelarzil Munhoz Cardoso. Além da documentação de imagens, também
utilizamos da interpretação de performance por meio de arquivos de mídia. Toda nossa
pesquisa levou-nos a uma melhor aproximação do imaginário religioso da “Mulher do
Algodão” nos mostrando que essa tem muito mais a revelar por meio de pesquisas quanto
a sua originalidade e hibridismo religioso dentro da religiosidade brasileira.

PALAVRAS CHAVES: Mulher do Algodão. Benzedeiras. Imaginário. Universo


Simbólico. Religiosidade e Matriz Cultural Religiosa Brasileira. Cultura Visual e
Material.
10

COSTA, Helena Raquel de. F. Edelarzil Munhoz Cardos, la "Mujer del Algodón": su
performance religiosa, su universo simbólico subyacente y la religiosidad popular
brasileña. Disertación de Maestría en Ciencias de la Religión. São Bernardo do Campo:
Universidad Metodista de São Paulo, 2019.

RESUMEN

Esta investigación enfoca la actuación mediúmnica, ritual, simbólica y visual de Edelarzil


Munhoz Cardoso, más conocida como la "Mujer del Algodón" o "Médium del Algodón",
sobre la que se alega tener el don de realizar curas físicas y espirituales de fuerzas
negativas mediante la materialización de objetos en el algodón. Específicamente nos
atemos a su desempeño religioso y universo simbólico. Partimos de la teoría de la Matriz
Cultural Religiosa y presentamos su trayectoria de vida. En la perspectiva de la Cultura
Visual y Material, documentamos imágenes que pudieron darnos pistas sobre su universo
simbólico y finalmente analizamos su imaginario, permeado en su espacio, su rito y su
performance a fin de comprender su papel dentro de la religiosidad popular brasileña.
Utilizamos como referencial teórico-metodológico las reflexiones sobre Matriz Cultural
Religiosa Brasileña de Mendonça, Bittencourt Filho, Darcy Ribeiro; las teorías de
Hoffmann-Horochovski y Quintana sobre las bendecidoras. Panofsky, Renders y Eliade
para los estudios acerca de la Cultura Material y Visual y de los espacios. Los estudios
de Vilhena, Gennep, Turner para analizar los ritos Schechner para las reflexiones acerca
del desempeño de Edelarzil Munhoz Cardoso. Además de la documentación de imágenes,
también utilizamos la interpretación de rendimiento por medio de archivos de medios.
Toda nuestra investigación nos llevó a una mejor aproximación del imaginario religioso
de la "Mujer del Algodón" nos muestra que esa tiene mucho más que revelar por medio
de investigaciones en cuanto a su originalidad e hibridismo religioso dentro de la
religiosidad brasileña.

PALABRAS CLAVES: Mujer del Algodón. Sanadores. Imaginaria. Universo Simbólico.


Y en el caso de la Iglesia. Cultura Visual y Material.
11

COSTA, Helena Raquel de França. Edelarzil Munhoz Cardoso, the "Cotton Woman": her
religious performance, her underlying symbolic universe, and Brazilian popular
religiosity. Master Degree in Religious Science. Graduate Program for the Study of
Religion of the Methodist University in São Paulo, São Bernardo do Campo, SP, 2019.

ABSTRACT

This research focuses on the mediumistic, ritualistic, symbolic and visual performance of
Edelarzil Munhoz Cardoso, better known as the "Cotton Woman" or "Cotton Medium",
who is alleged to have the gift of performing physical and spiritual healing of negative
forces through the materialization of objects in cotton. Specifically we hold to its religious
performance and symbolic universe. We start from the theory of the Religious Cultural
Matrix and present its life trajectory. In the perspective of Visual Culture and Material,
we document images that could give us clues about its symbolic universe and finally
analyze its imaginary, permeated in its space, its rite and its performance in order to
understand its role within the Brazilian popular religiosity. We use as theoretical-
methodological reference the reflections on Brazilian Religious Cultural Matrix of
Mendonça, Bittencourt Filho, Darcy Ribeiro; the theories of Hoffmann-Horochovski and
Quintana on the benzedeiras. Panofsky, Renders and Eliade for studies on Material and
Visual Culture and spaces. The studies of Vilhena, Gennep, Turner to analyze the
Schechner rites for the reflections on the performance of Edelarzil Munhoz Cardoso. In
addition to image documentation, we also use performance interpretation through media
files. All our research has led us to a better approximation of the religious imagery of the
"Cotton Woman" showing us that this has much more to reveal through research as to its
originality and religious hybridism within Brazilian religiosity.

KEYWORDS: Cotton Woman. Wound heels. Imaginary. Symbolic Universe. Religiosity


and Brazilian Religious Cultural Matrix. Visual Culture and Material.
12

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS ..........................................................................................6
RESUMO ...............................................................................................................9
FIGURAS ............................................................................................................16
INTRODUÇÃO ...................................................................................................18
CAPÍTULO 1 A RELIGIOSIDADE
POPULAR BRASILEIRA E FENÔMENO DE EDELARZIL, A “MULHER DO
ALGODÃO” ........................................................................................................24
Introdução .................................................................................................................24
1.2 Matriz religiosa brasileira ...................................................................................25
1.1.1 A matriz indígena ............................................................................................26
1.1.2 Matriz católica lusitana....................................................................................29
1.1.3 A matriz Africana ............................................................................................31
1.1.4 A Matriz Espírita .......................................................................................36
1.2 Catolicismo popular brasileiro ...........................................................................38
1.3 As benzedeiras: o protagonismo feminino no meio popular ..............................46
1.4 A trajetória de Edelarzil Munhoz Cardoso: “A Mulher do Algodão” ...............54
1.4.1 A história de Edelarzil Munhoz Cardoso ........................................................54
1.4.2 A atuação de Natalino Alves Cardoso na trajetória religiosa de Edelarzil 61
Considerações intermediárias ...................................................................................65
CAPÍTULO 2.......................................................................................................67
A CULTURA MATERIAL DA ESTÂNCIA CASA CAMINHO E LUZ:
INDICADORES DE RAIZES E RELAÇÕES RELIGIOSAS ...........................67
Introdução .................................................................................................................67
2.1 A importância da cultura visual e material para os estudos da religião ............68
2.2 A Estância Casa Caminho e Luz como conjunto: o terreno e a distribuição de
prédios com distinção das suas funções ...................................................................72
2.2.1 A Estância Casa Caminho e Luz como terreno acolhedor: descrição
detalhada dos espaços auxiliadores dedicados ao bem-estar e ao descanso físico
dos/as visitantes......................................................................................................74
13

2.2.2 A Estância Casa Caminho e Luz como espaço sagrado: descrição detalhada
dos espaços com função religiosa localizados ao redor do espaço reservado ao ritual
da materialização....................................................................................................75
2.2.3 A Estância Casa Caminho e Luz e seu espaço mais sagrado: descrição
detalhada dos espaços diretamente relacionados com o ritual da materialização ..78
2.3 O rito celebrado na “Estância, casa caminho da luz”: os passos da preparação,
da recepção e da materialização ...............................................................................91
2.3.1 As caravanas como parte do preparo para o ritual ..........................................92
2.3.2 A recepção e o preparo final no terreno ....................................................93
2.3.3 O ritual de materialização ..........................................................................94
2.3.4 As materializações .....................................................................................98
Considerações intermediárias ...................................................................................99
GALERIA ..........................................................................................................100
Foto 1: Mapa para o centro “Nossa Senhora do Rosário” 1997 .............................100
Foto 2: Mapa Estância Casa Caminho e Luz .........................................................101
Foto3: Livro 1997- A vida para mim .....................................................................103
Foto 4: Livro 1997- tragédias na vida ....................................................................102
Foto 5: Livro 1997- Amor e pureza........................................................................104
Foto-6 : Edelarzil 1997 ...........................................................................................105
Foto: 7 Edelaril 1997 ..............................................................................................106
Foto: Edelarzil 2018 ...............................................................................................107
Print: Veronica Parallax - het onderzoek 1990.......................................................108
Print: Globo Repórter 1994 ....................................................................................108
CAPÍTULO 3.....................................................................................................109
ANÁLISE DO IMAGINÁRIO DE EDELARZIL MUNHOZ CARDOSO ......109
“A MULHER DO ALGODÃO” .......................................................................109
Introdução ...............................................................................................................109
3.1 Imaginário, imaginação ...................................................................................110
3.2 Análise do espaço profano ..............................................................................111
3.3 Análise dos espaços sagrados ..........................................................................112
3.3.1 Casa Cartomancia e Búzios .....................................................................112
3.3.2 Ermida de Nossa Senhora do Rosário e Fonte de Água Benta................113
3.3.3 O jardim e a imagem do Cristo Redentor ................................................114
3.3.4 Espaço de Espera .....................................................................................114
14

3.4 Análise do Santo dos Santos: A Capela Ritual................................................118


3.5 O Altar da Benzedeira .....................................................................................125
3.6 Análise do imaginário simbólico de Edelarzil Munhoz Cardoso: aspectos
centrais....................................................................................................................126
3.6.1. O rito ........................................................................................................126
3.6.2. O rito transformação e espaço religioso como hierofania .......................129
3.6.3 o arquétipo da mulher sagrada ......................................................................133
3.6.4 Alguns símbolos utilizados por Edelarzil Munhoz Cardoso ...................150
3.7 As materializações de Edelarzil Munhoz Cardoso ..........................................153
3.7.1 A experiência estética mediante o abjeto no ritual de Edelarzil Munhoz153
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................159
REFERÊNCIAS ................................................................................................164
Referências bibliográficas ......................................................................................164
Sítios e vídeos consultados .....................................................................................171
Figuras ....................................................................................................................173
ANEXOS ...........................................................................................................175
TRANSCRIÇÃO DE VÍDEOS ..............................................................................175
Ipsis Litteris ............................................................................................................175
Transcrição 1 ..........................................................................................................175
Transcrição 2 ..........................................................................................................183
Transcrição 3 ..........................................................................................................186
Transcrição 4 ..........................................................................................................189
CATÁLOGO DE SUGESTÕES DE SIGNIFICADO DE ALGUNS OBJETOS: 191
RECORTES DE JORNAL .....................................................................................194
Jornal Regional 1994 - Parte 1 ...............................................................................194
Jornal Regional 1994 - Parte 2 ...............................................................................195
Krantenbank Zeeland - 4 set. 1990/ Anúncio da grade horária da TV holandesa ..196
Krantenbank Zeeland - 11 set. 1990/ Anúncio da grade horária da TV holandesa 197
15

ABREVIATURAS E SIGLAS

CIC Catecismo da Igreja Católica


FEB Federação Espírita Brasileira
TRV Transcrição de vídeo
PE Padre
16

FIGURAS

Figura 1: Edelarzil, a “Benzedeira do Algodão” ................................................ 54


Figura 2: Natalino Cardoso: Marido de Edelarzil............................................... 58
Figura 3: Casa de Edelarzil no sítio em Parisi após seu casamento ................... 59
Figura 4: Candidatura de Natalino em 2004 ....................................................... 63
Figura 5: Homenagem à Natalino e Edelarzil..................................................... 64
Figura 6: Edelarzil e Natalino ............................................................................. 64
Figura 7: Mapeamento do “Espaço Estância Casa Caminho e Luz” – os prédios
principais............................................................................................................. 73
Figura 8: Entrada da Estância Casa Caminho e Luz .......................................... 73
Figura 9: Restaurante Comida Caseira ............................................................... 74
Figura 10: Dormitórios Coletivos Gratuitos ....................................................... 74
Figura 11: Casa de Atendimento Cartomancia e Búzios .................................... 75
Figura 12: Ermida de Nossa Senhora do Rosário e Fonte de Água Benta ......... 76
Figura 13: Detalhe da Ermida – Caixa para orações e doações .......................... 77
Figura 14: Imagem do Cristo Redentor em meio ao Jardim ............................... 77
Figura 15: Local de espera .................................................................................. 79
Figura 16: Mensagem Próxima à Capela ............................................................ 79
Figura 17: Lei de proteção ao culto .................................................................... 79
Figura 18: Propaganda de Hotel ......................................................................... 80
Figura 19: Estante de livros disposta no pátio .................................................... 81
Figura 20: Relógio de Boas Vindas .................................................................... 82
Figura 21: Cruz na porta de entrada da capela ................................................... 83
Figura 22: Visão geral da Capela........................................................................ 84
Figura 23: Visão espacial da capela ritual .......................................................... 85
Figura 24: Pintura: PLE ...................................................................................... 86
Figura 25: Quadro: PLE...................................................................................... 86
Figura 26: Quadro (PLD).................................................................................... 86
Figura 27: Quadro (PLD).................................................................................... 86
Figura 28: Quadros (PEC) .................................................................................. 87
Figura 29: Quadros (PDC) .................................................................................. 87
Figura 30: Oratório (PLD) .................................................................................. 88
17

Figura 31: Tabuleiro com cristais (PFC) ............................................................ 89


Figura 32: Oratório PFC ..................................................................................... 89
Figura 33: Oratório PFC ..................................................................................... 89
Figura 34: Espaço Cúltico Principal (PF) ........................................................... 90
Figura 35: Placa PF ............................................................................................. 91
Figura 36: Placa PF ............................................................................................. 91
Figura 37: Placa PLD.......................................................................................... 91
Figura 38: Formação da procissão de entrada .................................................... 95
Figura 39: Edelarzil efetuando materialização ................................................... 96
Figura 40: Edelarzil Materializando ................................................................... 96
Figura 41: Cobert. para análise (fora .................................................................. 97
Figura 42: Cobert. para Análise (dentro) ............................................................ 97
Figura 43: Objetos extraídos do algodão durante o ritual de materialização...... 98
Figura 44: Nossa Senhora do Rosário Pintura e estátua - PF ........................... 119
Figura 45: Santo Antônio de Pádua – Estátua e Pintura (PF) ........................... 121
Figura 46: Cigana Sara ..................................................................................... 123
Figura 47: Cigano Ogolé .................................................................................. 123
Figura 48: Experiência Liminóide .................................................................... 128
Figura 49: Retrato de Edelarzil (PCD) ............................................................. 136
Figura 50: Significado do nome Edelarzil ........................................................ 137
Figura 51: Jornal Regional 31 jul 1994 ............................................................ 139
Figura 52: Título de Cidadã Parisiana – 8 out. 1996 ........................................ 140
Figura 53:Diploma de Honra por excelência em dons de materialização”,
concedido pela Ordem Melquisedeque em sete de setembro de 2010 ............. 141
Figura 54: Verso do Diploma de Honra, 2010. ................................................ 142
Figura 55: Propaganda Excursão Cura espiritual .......................................... 143
Figura 56: Propaganda Excursão Espiritual ................................................... 143
Figura 57: Edelarzil orando com Imposição de Mãos ...................................... 144
Figura 58: Objetos extraídos para a autora no dia da visitação ........................ 157
18

INTRODUÇÃO

A cultura popular brasileira se formou desde o princípio a partir da mescla de


variadas culturas e religiosidades como a indígena, católica lusitana e africana,
comungantes de um fator em comum, o pensamento “mágico-religioso”. Após a
separação Igreja e Estado, com o golpe republicano, as terras brasileiras ganharam mais
autonomia religiosa permitindo que novas religiões aflorassem em seu território. Em
fins do século XIX chegou ao Brasil o espiritismo de Alan Kardec que foi bem acolhido
e ressignificado pela concepção católica de religião e pelo misticismo já arraigado na
cultura até então. Essa aproximação de religiões diferentes é o que teria sido um berço
propício para o nascimento de inúmeras expressões de fé de carácter distintos uma das
outras e também um dos quesitos responsáveis pelo surgimento de lideranças religiosas
carismáticas no cenário nacional. Algumas muito conhecidas como Chico Xavier, Edir
Macedo, Padre Marcelo Rossi, dentre outros, que têm em comum a capacidade de mover
um razoável número de pessoas, que buscam contato com os mistérios do mundo
espiritual. Em meio a esta efervescência da religiosidade popular brasileira, diversa e
criativa na construção do imaginário religioso, destacamos Edelarzil Munhoz Cardoso,
que ficou conhecida como a “Mulher do Algodão”, “Médium do Algodão” ou
“Benzedeira do Algodão” pela suposta capacidade de materializar objetos, figuras,
ossos, animais vivos ou partes deles no algodão. Ao longo de sua vida tem dedicado
mais de 60 anos dos seus 73 anos trabalhando com este ritual que ela denomina como
“transporte e materialização”. O ritual se baseia na possibilidade de materializar os
“fluídos” negativos que estão “amarrando” a vida das pessoas. Ela acredita que espíritos
obsessores vagueiam pelo mundo para atormentar a paz das almas, na força dos espíritos
demoníacos e magia negra, em influências negativas decorrentes de maus-olhados e de
inveja, também crê na lei do “olho por olho, dente por dente”, que “aqui se colhe o que
se planta”, ela crê que boa parte dos males que decaem sobre os seres humanos são
atraídos pelo próprio mal retido por elas mesmas. Segundo ela, esses males são
materializados em objetos e que assim as pessoas são libertas, através de uma limpeza
espiritual.
No início de nossas pesquisas, trabalhamos com a hipótese de Edelarzil ser uma
19

benzedeira católica, tendo como diferencial esse ritual de materialização. Porém, muitas
coisas foram sendo levantadas no decorrer do caminho e percebemos que teríamos mais
trabalho do que o esperado para poder situá-la no cenário religioso brasileiro. A primeira
dificuldade que encontramos diz respeito à sua documentação. Não encontrando
documentações acadêmicas até então (2019), tivemos que começar por documentar o
máximo de informações possíveis. Utilizamos para este trabalho a transcrição de alguns
documentários da década de 90 do século XX e vídeos mais atuais, como palestras e
mensagens por ela gravadas em alguns canais em plataformas de vídeos na internet.
Recorremos aos sites esotéricos e matérias jornalísticas. Encontramos neste processo,
alguns comentários internacionais em blogs de Portugal, Argentina, Holanda (inclusive,
um documentário em fins da década de 1980) e também um site de curiosidades
paranormais em inglês. Montar a biografia de Edelarzil foi como montar um quebra-
cabeças, colhendo pistas nessas fontes e também indo visitá-la. Na verdade, participar
de seu ritual. Depois de muito procurar, conhecemos a senhora Márcia G., uma
coordenadora de caravanas que realiza excursões para “O fenômeno do Algodão” e uma
das poucas pessoas que têm acesso à vida íntima da médium, no entanto, uma pessoa
discreta, apesar de receptiva, é com algum esforço que conseguimos algumas
informações sobre Edelarzil.
Os organizadores de caravanas, os poucos que são autorizados pela médium para
a realização de excursões, possuem portais de viagens e páginas em redes sociais, as
quais utilizamos como fonte de pesquisa. Também, como dissemos, fomos ao sítio de
Edelarzil para conhecer de perto o ritual de materialização. Apesar de não conseguirmos
entrevista com a mesma, tivemos a liberdade de documentar fotos de todo o local e
pudemos conhecer alguns frequentadores. Nesse dia a Estância Casa Caminho e Luz,
distribuiu um livro contendo 34 páginas com uma curta biografia de Edelarzil e orações
compostas por ela. Mais próximo ao fim de nossa pesquisa, encontramos finalmente, um
documento na internet datado em 1997, um livro intitulado “Edelarzil: A história de um
dos maiores fenômenos espirituais do Brasil” escrito por Adriano B. Santos, feito em
gráfica comum (Tatuí – SP), contendo 58 páginas sobre a vida da médium. Haviam
colocado para venda num Sebo um dia antes de o encontrarmos e, o único exemplar
disponível em toda a web após vasculharmos até este ano, o que nos foi um grande
achado, com informações que não tínhamos e pudemos descobrir novos dados sobre sua
biografia. Até o presente ano (2019) não encontramos quaisquer registros acadêmicos
além de um agradecimento em tese de uma doutora em Direito, alguém que recebeu
20

ajuda espiritual de Edelarzil. Também recorremos a um dos pesquisadores que visitaram


Edelarzil, Dr. Wellington Zangari, que confirmou não ter realizado quaisquer artigos
referentes e que possivelmente seríamos os primeiros a registrar o fenômeno da
materialização de Edelarzil. Uma boa notícia que, no entanto, nos trouxe uma
responsabilidade um pouco maior.
Precisávamos de um foco e optamos por delimitá-lo dentro do campo da Cultura
Visual em nossa área de “Linguagens da Religião”, unido a estudos históricos da
religiosidade popular brasileira, estudos do imaginário simbólico e performance.
Cremos ter sido o melhor caminho para nós, pois sua visualidade tanto em termos de
imagens materiais como de imaginário simbólico, muito pode nos revelar sobre a
personalidade original de Edelarzil Munhoz Cardoso, “A Mulher do Algodão”.
Em nosso primeiro capítulo, “A religiosidade popular brasileira e o fenômeno de
Edelarzil, a Mulher do Algodão”, a fim de situar o fenômeno dentro do cenário
brasileiro, achamos conveniente uma introdução histórica na perspectiva teórica da
Matriz Cultural Religiosa Brasileira, apresentada por autores como Antônio G. de
Mendonça, José B. Filho e Darcy Ribeiro. Apontamos as matrizes mais condizentes ao
imaginário religioso da médium, as matrizes: indígena, católica lusitana, africana e
espírita. Considerando a profissão católica de Edelarzil, aprofundamos sobre a formação
religiosa do catolicismo popular e as consequentes ações leigas provenientes da mesma,
apresentando nesse cenário o protagonismo das mulheres benzedeiras ou rezadeiras,
para então chegarmos à história de Edelarzil e sua trajetória até se tornar a conhecida
“Mulher do Algodão”. Para fundamentar nossos estudos, utilizamos teóricos em
religiosidade popular como Orlando Espín, Carlos R. Brandão, Laura de Mello e Souza
(essa com sua obra “O diabo e a Terra de Santa Cruz” sendo uma pioneira nos estudos
acerca do imaginário da feitiçaria no período colonial). Espín tem uma contribuição
muito particular em nosso trabalho sobre os estudos do catolicismo popular, em “A fé
do povo” ele parte de sua experiência ao mudar-se para a República Dominicana
deparando-se com o estranhamento, num choque cultural que o levou a uma percepção
humanizada que toca não somente o catolicismo popular, tendo a capacidade de
estender-se à conceitualização de religiosidade popular que nos direciona a uma reflexão
pela busca da compreensão do que nos é diferente. Brandão também tem essa percepção
de inculturação religiosa e nos apresenta o entrelaçamento do pensamento religioso com
as relações cotidianas nesse meio popular. Onde o agente religioso participa e consome
os bens simbólicos, atuando como mediador para obtenção de graças para o “fiel
21

religioso” ou “cliente religioso”. Caminhando por essa linha no meio popular, também
trazemos pesquisadores de campo da chamada “arte de curar”, resgatando memórias das
rezadeira ou benzedeiras como Marisete T. Hoffmann-Horochovski no litoral
paranaense, de Elma Sant’Ana e Alberto M. Quintana acerca das benzedeiras do Rio
Grande do Sul, Francimário V. do Santos sobre as benzedeiras do Rio Grande do Norte,
dentre outros pesquisadores que contribuiram com suas pesquisas em diversas partes do
país. Pesquisas preciosas para que tivéssemos uma maior compreensão dessa prática
antiga.
No segundo capítulo, detalhamos na perspectiva da Cultura Visual e Material,
nos valemos dos estudos de Erwin Panofsky, Helmut Renders e Mircea Eliade, sob o
título “Estância Casa Caminho e Luz: Indicadores de Raizes e Relações Religiosas”,
onde documentamos através de fotos e comentários o universo simbólico de Edelarzil
Munhoz Cardoso, seus aspectos visuais e rituais. Mapeamos em ilustração o espaço
Estância Casa Caminho e Luz e também sua Capela Ritual. Antes de tudo, porém,
dedicamos algumas linhas introdutórias a respeito da importância do estudo da Cultura
Visual e Material para a compreensão das religiões no Brasil, ao que Renders nos vem
a ser um importante referencial da área, dedicando anos de pesquisa sobre a importância
de se fazer essa leitura. Utilizamos o método de Panofsky e complementamos com
estudos analíticos do imaginário simbólico de Eliade para detalhamentos dos espaços e
assim estarmos familiarizados com a Estância Casa Caminho e Luz.
Finalmente, no capítulo três, “Análise do Imaginário de Edelarzil Munhoz
Cardoso A Mulher do Algodão”, introduzimos a diferença ente imaginário e imaginação
– distinção necessária para mergulharmos no conceito da construção de realidade, aqui
especificamente, a realidade religiosa, capacidade simbólica e seus efeitos, tanto para o
agente religioso como para os seus adéptos – e, a partir das fotos apresentadas no
capítulo dois, analisamos os espaços, seu rito, sua performance como agente mediadora
religiosa e alguns dos símbolos utilizados por ela.
Não poderíamos deixar de utilizar os estudos antropológicos de Gilbert Durand,
cujas pesquisas sobre imaginário foram internacionalmente reconhecidas, numa
percepção que nega a conceitualização reducionista do imaginário com que
frequentemente esse costumava ser tratado por seus predecessores, apresentando uma
hermenêutica em que esse aparece como importante mediador de realidade.
Esse capítulo é marcado por uma característica mais analítica do capítulo
anterior, portanto fizeram-se necessárias a retomada de vários pontos. O que as imagens
22

do espaço Estância Casa Caminho e Luz, seus prédios e elementos iconográficos têm a
nos revelar sobre a construção do imaginário religioso da “Mulher do Algodão”? Quais
são as imagens mentais acerca da mesma, tanto na perspectiva de Edelarzil como
também a imagem transmitida ao público que a ela recorre? Onde Edelarzil se encaixa
em meio o cenário religioso brasileiro?
São muitas as questões que se erguem em torno de nosso objeto de pesquisa. No
entanto, não temos a pretensão de sanar aqui todas as dúvidas a respeito da “Mulher do
Algodão” e cremos que esta pesquisa está longe de esgotar as possibilidades de estudo
sobre ela. Ao contrário! A medida em que fomos pesquisando, um leque de
possibilidades foi aberto, o que deixa margem para futuros interesses de estudo
fenomenológico, antropológico, etnológico etc. O que consideramos positivo e coerente
com a complexidade de nossa agente religiosa. Aqui nos limitaremos às características
simbólicas-rituais e performáticas de Edelarzil, nos valendo das teorias de Arnold V.
Gennep, que apesar datarem em primórdios do século XX, essas tornaram-se bases
importantes para os estudiosos acerca dos ritos como Victor Turner, que aprofundou e
ampliou o conceito de liminaridade de Gennep. Assim como as contribuições de Richard
Schechner, uma referência no que se diz respeito aos estudos da performance, estudos
que vão além da performance artística, pois para ele quase tudo pode ser estudado a
partir do ponto de vista performático com a afirmativa que a cultura humana é
originalmente performativa e ritualizada. Visão essa, compartilhada e trabalhada por
Maria Angela Vilhena em sua obra “Ritos: expressões e propriedades”, onde a socióloga
brasileira analisa o rito como uma expressão da vida social, atentando especialmente
para o rito religioso e diversidade cultural.
Assim, as perspectivas de nossos autores vêm a entrelaçar-se para nos ajudar a
esclarecer gradualmente o complexo “mosaico” da religiosidade da “Mulher do
Algodão”. Também contando com contribuições de pesquisadores da área da Cultura
Visual e Material Religiosa do Grupo de Pesquisa Rimago da UMESP – Universidade
Metodista de São Paulo – com pesquisas muito atuais da área. Há duas pesquisas em
particular acerca dos espaços religiosos que nos foram muito preciosas, o trabalho de
campo de Altierez Sebastião dos Santos sobre “O Vale do Amanhecer” em Brasília,
abordando os novos movimentos religiosos e o Trabalho de análise dos espaços sagrados
dos pesquisadores Helmut Renders e Ana Lídia Albuquerque, atestando a capacidade de
multação de sentido da imagem e como ela se desenvolve e se aplica dentro do espaço
23

religioso.
Assim finalizamos esse texto introdutório, desejando que nossa pesquisa possa
ser apreciada pelos nossos leitores e possa contribuir para os estudos das religiões no
Brasil e mais especificamente para a área da Cultura Visual e Material que é deveras
nova e ainda pouco explorada pelos pesquisadores. Porém, uma área rica, detentora de
bens intrínsecos, que muito pode revelar sobre a formação cultural e religiosa do Brasil.
24

CAPÍTULO 1
A RELIGIOSIDADE POPULAR BRASILEIRA E
FENÔMENO DE EDELARZIL, A “MULHER DO
ALGODÃO”

Introdução

A busca pela experiência com o transcendente ou divino esteve presente nas mais
diversas culturas humanas. O ser humano, diante da sua finitude, busca alcançar algo que
satisfaça ou amenize as intempéries que afligem a vida cotidiana, para dar sentido ou
mesmo encontrar razão para o existir das coisas. Assim, a essência religiosa do ser
humano pode ser traduzida em inúmeras formas. Mesmo que não tenhamos com precisão,
acesso ao tempo remoto, podemos nos aproximar ao máximo por meio das marcas que
sobreviveram em fontes arqueológicas, bibliográficas, pictóricas etc. Passado e presente
se correlacionam, fazendo-se imprescindível o estudo do primeiro para um melhor
entendimento do segundo. Portanto, no presente capítulo, iremos caminhar pela formação
da religiosidade popular brasileira, a partir do pressuposto de alguns autores como
Mendonça, Bittencourt Filho e Ribeiro, que se aprofundaram no estudo das matrizes
religiosas brasileiras, estas tendo como principais componentes, a matriz indígena, aqui
já existente antes da colonização, a matriz cultural católica, trazida pelos portugueses, e
a matriz cultural africana. Houve outras contribuições a esse conjunto, mas que não
lograram afetá-lo em sua essência ou em seus contornos.
Na primeira parte, falaremos sobre a matriz indígena, lusitana, católica e espírita,
considerando não se tratarem das únicas, porém a que cogitamos como sendo as mais
relevantes para este estudo. Consideramos que Edelarzil Munhoz Cardoso, professa a fé
católica, porém, uma fé mais predominante do catolicismo popular do que o romano.
Sendo assim, Num segundo momento, para chegarmos à história de Edelarzil e no que
tange à sua religiosidade, vimos ser necessário enfatizar a formação do catolicismo no
Brasil e mais especificamente, o catolicismo popular e o protagonismo feminino dentro
25

desse. Muitas foram as contribuições das mulheres para as comunidades, não só em


questões religiosas, mas também de saúde pública, havendo destaques entre elas, algumas
tidas como mulheres santas, beatas e muitas intituladas como rezadeiras ou benzedeiras.
Falaremos, na terceira parte, sobre essas mulheres e sobre a participação das
mesmas na contemporaneidade. Fazendo esse caminho, situamos Edelarzil como uma
protagonista entre essas mulheres, no cenário religioso brasileiro. Ela, obtendo um certo
destaque em sua função, devido à originalidade de sua performance ritual: a purificação
dos males através da materialização de objetos no algodão, tornando-se a “Mulher do
Algodão”, “Médium ou Benzedeira do Algodão”, finalmente, conheceremos sua história.

1.2 Matriz religiosa brasileira

A matriz religiosa brasileira seria, segundo Bittencourt Filho (2003), um acervo de


bens simbólicos e valores que são compartilhados como uma “consciência coletiva”, por
injunções incontroláveis que ultrapassam as diferentes classes e se incorpora ao
inconsciente nacional. A Religiosidade Popular Brasileira, herdeira de um intenso diálogo
com essa matriz, que, em termos de imaginário coletivo, ressalta a existência de um
mundo espiritual em constante interação com o mundo dos vivos: são anjos, santos, exus,
pombagiras, deuses, demônios, espíritos desencarnados, fantasmas, entidades. Enfim, não
importa o nome ou a condição moral das almas que dialogam com os brasileiros, o fato é
que essa relação é marcada pelas trocas. Aqui utilizamos a teoria abordada por Bittencourt
Filho, Ribeiro e Mendonça. Segundo esse:

A cultura brasileira tem três componentes muito claros: a cultura ibero-


latino-católica, a indígena e a negra. A primeira não é representada pelo
catolicismo tridentino, mas pela religião popular, folclórica e festiva
legada pela tradição lusitana. Dessa mistura de culturas resultou um
imaginário de um mundo composto por espíritos e demônios bons e
maus, por poderes intermediários entre os homens e o sobrenatural por
possessões. Trata-se de um mundo maniqueísta em que os poderes são
classificáveis entre o bem e o mal e manipuláveis magicamente. O
homem, por meio de agentes especiais, pode organizar este mundo de
modo a obter dele benefícios que não são permanentes, mas devem ser
negociados no cotidiano. Merecem atenção constante (MENDONÇA,
2008, p. 138, grifos nossos).

Para Mendonça (2008), a religiosidade popular brasileira seria como uma colcha
de retalhos em que essas peças da matriz cultural se ajustariam e ao mesmo tempo que
são dinâmicas e multáveis. Pensemos em uma placa tectônica: o solo em que pisamos
26

pode ser aparentemente inerte, mas nas profundezas ela está sempre em movimento,
dançando sobre as rochas líquidas e lentamente toda a forma que conhecemos vai
mudando, quase imperceptivelmente. De repente, vemos surgir uma montanha que não
estava lá há alguns anos ou uma Ilha ou mesmo a falta delas etc. Assim acontece com as
religiões, aparentemente estáveis para quem as praticam, porém, em constante mudança
e diálogo umas com as outras por caminhos que não vemos, mas quando percebidas pela
razão, as mudanças estão lá.
Outro estudioso sobre matriz cultural, José Bittencourt Filho (2003), em seu livro
“Matriz Religiosa Brasileira”, denota que o sincretismo na religiosidade brasileira, não
foi algo deveras difícil, devida as proximidades das matrizes em alguns aspectos. Índios
e africanos, por suas crenças nas forças da natureza, presididas por forças superiores,
facilitou a inserção dos mesmos ao catolicismo que aqui se impunha, ao mesmo tempo
que, secretamente resistiam pela sobrevivência de seus cultos, gerando um catolicismo
sincrético. Outro apontamento de Bittencourt Filho, é que o brasileiro tende a ter uma
religiosidade bem marcada pelo sincretismo, podendo haver a “coexistência numa só
pessoa de concepções religiosas, filosóficas e doutrinárias por vezes opostas e mesmo
racionalmente inconciliáveis”1 (BITTENCOURT FILHO, 2003, p. 68). Segundo o
mesmo, o brasileiro possui uma forte inclinação de crer em experiências místicas,
praticantes ou não, independente de credo. Crença tal, que ele remete às bases das
matrizes coloniais. Essa religiosidade que não é institucionalizada, mas é a
ressignificação, a reapropriação de elementos de sistemas religiosos institucionalizados.
Sendo assim, a “Matriz Religiosa Brasileira enseja e a Religiosidade Matricial ratifica o
êxtase religioso como uma espécie de ápice da experiência direta com o sagrado”
(BITTENCOURT FILHO, 2003. p. 72).

1.1.1 A matriz indígena


A obra O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro (2015), inicia-se com uma tentativa
de descrição dos povos originários que aqui estavam quando os europeus chegaram no
século XVI. Ribeiro retoma o imaginário medieval, no qual havia a lenda da mítica Ilha
Brasil (ou Hy-Brasil, o território de São Brandão). Num paraíso terreal, os europeus
encontraram centenas de culturas em pleno florescimento e com uma civilização distinta
da europeia: os ameríndios haviam logrado domesticar inúmeras plantas medicinais,

1
Cf. Ferreti, 2013.
27

alimentícias, cosméticas. Contudo, os europeus não estavam inclinados, pela sua própria
história, a relações harmoniosas e deram vazão à sua índole cultural.

Os grupos indígenas encontrados no litoral pelo português eram


principalmente tribos de tronco tupi que, havendo se instalado uns
séculos antes, ainda estavam desalojando antigos ocupantes oriundos
de outras matrizes culturais. Somavam, talvez, 1 milhão de índios,
divididos em dezenas de grupos tribais, cada um deles compreendendo
um conglomerado de várias aldeias de trezentos a 2 mil habitantes
(Fernandes 1949). Não era pouca gente, porque Portugal àquela época
teria a mesma população ou pouco mais (RIBEIRO, 20015, p. 26).

Houve um choque cultural. Para o povo indígena a percepção de sobrevivência


era diferente daqueles que acabavam de chegar. A vida era tranquila numa sociedade
solidária, cada um tinha seu papel definido e não possuíam as mesmas ambições que os
recém chegados. “Claro que tinham suas lutas, suas guerras. Mas todas concatenadas,
como prélios, em que se exerciam, valentes. Um guerreiro lutava, bravo, para fazer
prisioneiros, pela glória de alcançar um novo nome e uma marca tatuada cativando
inimigos” (RIBEIRO, 2015, p. 37). A rivalidade que havia entre as tribos indígenas, não
permitiu que se unissem contra os invasores e, por vezes, foram manipulados por
franceses, espanhóis e portugueses, uns contra os outros, se aliando aos seus interesses,
em confrontos que resultaram em milhares de índios dizimados. Acostumados com um
mundo onde dar e receber era constitutivo, celebraram bem os recém chegados sem prever
o massacre que estava por vir.

Ao encontrarem os povos indígenas aqui, os europeus os foram


classificando e nomeando-os de acordo com um olhar ocidental,
contaminado pelas mentalidades etnocêntricas típicas do continente
europeu, na qual os outros povos eram no mais das vezes
desclassificados, justificando então a dominação colonial, como se
houvesse graus diferentes de desenvolvimento humano, como no caso
da dicotomia entre seres superiores e inferiores (LINO, 2015, pp. 103-
104).

Para a catequização dos indígenas, foram necessárias adaptações, pois havia certa
resistência decorrente das diferentes visões de mundo. Para diminuir o distanciamento,
os jesuítas aprenderam e inseriram novas palavras nos idiomas indígenas e se valeram do
próprio conhecimento nativo de seus heróis para introduzi-los ao cristianismo e
reinterpretar a mitologia dos mesmos. No entanto, segundo Bittencourt Filho (2003), os
indígenas brasileiros não foram inertes nesse processo, mas também foram protagonistas
no dinamismo cultural. Os portugueses difundiram devoções a santos guerreiros como
São Sebastião e Santo Antônio de Pádua para que no processo de catequização, houvesse
28

também uma identificação de pertença para com Portugal. Porém, com o passar dos
séculos, as expressões africanas e indígenas das forças da natureza foram sendo
reprimidas e os ritos indígenas foram “demonizados”. “Quais os pecados? Vício da carne
– o incesto com lugar de destaque, além da poligamia e dos concubinatos –, nudez,
preguiça cobiça, paganismo, canibalismo”2 (MELLO E SOUZA, 1986, p. 61).

Tem-se notícia de que no contexto da cristandade colonial


desenvolveram movimentos messiânicos3 entre os índios, alguns cuja
origem antecede o Descobrimento, e que chegaram mesmo a
incorporar elementos do cristianismo romano-católico. A tônica de
quase todos incluía a expulsão dos brancos, ou seja, o fim da opressão
dos colonizadores (BITTENCOUT FILHO, 2003, p. 55, grifos nossos).

No princípio a aproximação, segundo Ribeiro (2015) para com o povo indígena


foi pacífica. Alguns índios foram levados para a Europa, sob a promessa de retornarem
ao continente americano brevemente, no entanto, os que se foram nunca mais voltaram.
Tornou-se uma prática comum levar indígenas para a Europa, onde seriam colocados em
exposição para que seus corpos e adereços tido como exóticos, figurassem como uma
atração de entretenimento. Primeiramente os indígenas foram desolados pelas inúmeras
doenças que o humano branco trouxe. Doenças para as quais eram totalmente indefesos,
e depois, por uma conveniência gananciosa, achou-se necessário o extermínio genocida
e etnocida e a escravidão começou a ser imposta. Lino narra da seguinte forma:

A colonização foi um processo deveras predador. Os indígenas que aqui


viviam foram exterminados das mais violentas formas, por epidemias,
pois seus corpos não tinham imunidade para com as enfermidades
trazidas pelos europeus. Mortes por conflitos de resistência à
colonização e verdadeiras guerras com o intuito ocupacional,
escravidão. Como escravos, os indígenas não suportavam as altas
cargas de trabalho e muitos acabavam morrendo, antes da invasão
europeia, não se incluíam em seu cotidiano, trabalhos pesados. Tidos
como preguiçosos pelos europeus, os indígenas viviam a realidade do
trabalho para a sobrevivência, não havia o intuito de enriquecimento
que os europeus almejavam. Eles também foram receptivos e
hospitaleiros para com os estrangeiros que aqui chegavam, esses
encontraram certa facilidade de aproximação (LINO, 2015, p. 105).

A mulher indígena, segundo Ribeiro (2015) teria sido a matriz fundamental para
a geração dos brasileiros, pois poucas eram as mulheres europeias. Os europeus se uniam
às índias pelo cunhadismo, gerando um novo gênero, o mameluco, uma estratégia em

2
Cf. Vainfas, 1995.
3
Movimentos sociais que apresentam em sua origem forte aspecto religioso, em especial a esperança de
ver reproduzido na Terra um reino divino, marcado pela bonança e a felicidade. Por isso o nome remete à
ideia do messias, esperando pelos judeus para redimir a humanidade.
29

que, se tornavam parte da tribo e conquistavam favores dos índios, chegando um mesmo
homem a ter oitenta terricós. Esta união gerou um povo que não era nem europeu e nem
indígena, mas um grupo híbrido que seria o proto-brasileiro. O mameluco lidava com
uma dupla rejeição, a do pai que o considerava impuro e da mãe que tinha em sua
formação cultural, a concepção de que o filho seria somente filho do pai, sendo a mãe
considerada apenas um saco onde era depositada a semente. As mamelucas, procuraram
na Igreja um espaço para ser “alguma categoria de gente” e foram as implantadoras do
catolicismo popular santeiro no Brasil.

1.1.2 Matriz católica lusitana


O povo português que consigo trouxe a matriz católica, não trouxe
necessariamente uma doutrina católica romana seguindo à risca a ortodoxia doutrinária.
Em sua pesquisa, Mello e Souza (1986), surpreendeu-se ao constatar que algumas práticas
que considerava como resistencia africana, era também comum ao que ela chama de
feitiçaria européia. Sendo assim, a feitiçaria estaria ligada a estruturação da colônia
brasileira com uma profundidade maior do que a imaginada. A tendência pela busca da
cura mágica não é resultado apenas das influências indígenas e africanas, os próprios
portugueses chegaram nesta terra, carregados de elementos mágicos, provenientes de sua
cultura.
Na idade média, a fusão entre realidade e imaginário, que permeia nossa forma de
ver o mundo, era tida como sendo uma a extensão da outra e as pessoas enxergavam
primeiramente com os relatos, portanto, na literatura eram comuns as histórias de viagens
imaginárias para terras desconhecidas ou pouco conhecidas pelos europeus,
acompanhadas de elementos fantásticos, até mesmo o pensamento sobre a morte e a pós
morte eram permeadas pela ideia das aventuras das navegações e entendida como uma
viagem. Mesmo viagens reais como a de Marco Polo, eram narrativas carregadas de
vivências irreais e fantásticas. “Desde cedo, portanto, as narrativas de viagens aliavam
fantasia e realidade, tornando fluídas as fronteiras entre o real e o imaginário” (MELLO
E SOUZA, 1986, p. 24). Assim acontecia com a percepção de céu e inferno e até mesmo
com o espaço geográfico, que se confundia entre o real e elementos imaginários.
Na religião, a Europa medieval vivia em uma constante luta por equilibrar a
ortodoxia do catolicismo oficial romano e as crenças praticadas pelo povo, estamos
falando de uma época em que cultura e religião estavam estreitamente ligadas e a Igreja
Católica tinha se consolidado sob o Estado. O ímpeto da conquista de novas terras, se
30

confundia com o da expansão do cristianismo, esse último excercendo um importante


papel legitimador para essas conquistas, emitindo documentos como a bula Romanus
Pontifex em 1454 e Inter Coetera de 1493, dadas pelo Papa Nicolau V (RIBEIRO, 2015).
Nesses documentos, o papa abençoava e “dava” aos expedidores plenos direitos sobre
todas as terras que desejassem conquistar e submeter os povos encontrados ao
cristianismo. Abaixo, um trecho da bula Inter Coetera de 1493:

[…] por nossa mera liberalidade, e de ciência certa, e em razão da


plenitude do poder Apostólico, todas ilhas e terras firmes achadas e por
achar, descobertas ou por descobrir, para o Ocidente e o Meio-Dia
fazendo, fazendo e construindo uma linha desde o polo Ártico [...] quer
sejam terras firmes e ilhas encontradas e por encontrar em direção à
Índia, ou em direção a qualquer outra parte, a qual linha diste de
qualquer das ilhas que vulgarmente são chamadas dos Açores e Cabo
Verde cem léguas para o Ocidente e o Meio-Dia […] A Vós e a vossos
herdeiros e sucessores (reis de Castela e Leão) pela autoridade do Deus
onipotente a nós concedida em S. Pedro, assim como o vicariato de
Jesus Cristo , a qual exercemos na terra, para sempre, no teor das
presentes, vô-las doamos, concedemos e entregamos com todos os seus
domínios, cidades, fortalezas, lugares, vilas, direitos, jurisdições e todas
as pertenças. E a vós e os sobreditos herdeiros e sucessores, vos
fazemos, constituímos e substituímos por senhores das mesmas, com
pleno, livre e onímodo poder, autoridade e jurisdição. [...] sujeitar a vós,
por favor da Divina Clemência, como as terras firmes e ilhas sobreditas,
e os moradores e os habitantes delas, e reduzi-los à Fé Católica [...] (in
Macedo Soares 1939: 25-8) (RIBEIRO, 2015, p. 33).

Os portugueses em si eram muito sincréticos em seu catolicismo, de “forte apego


aos santos e a eles nomeando forças da natureza. Práticas já observadas desde o século
XV com forte ênfase nas procissões religiosas e missas, um catolicismo mais afeito às
imagens e às figuras do que ao espiritual” (MACEDO, 2008, p. 1). Tinham forte
sentimento religioso e se consideravam escolhidos por Deus dentre os povos, Vieira
afirmava que “Os outros homens, por intuição divina têm só obrigação de ser católicos:
o português tem obrigação de ser católico e de ser apostólico. Os outros cristãos têm
obrigação de crer a fé: o português tem obrigação de a crer e mais de a propagar” (apud
MELLO E SOUZA, 1986, p. 33). Para eles, o sucesso da expansão dependia do empenho
em difundir o cristianisno, havendo a pretensa instauração do reino de Deus por meio
deles.

Envolto em panos, calçados de botas e enchapelados, punham nessas


peças seu luxo e vaidade, apesar de mais vezes as exibirem sujas e
molambentas, do que pulcras e belas. Armados de chuços de ferro e de
arcabuzes tonitruantes, eles se sabiam e se sentiam a flor da criação
(RIBEIRO, 2015, p. 38).
31

Este imaginário português permitiu aos conquistadores que aqui chegaram a


premissa de ter encontrado o Paraíso Terrestre que, havia séculos, era procurado pelos
navegadores. A partir de lendas como a de São Brandão – que habitaria uma ilha
paradisíaca, cercada por seres monstruosos – e de uma Ilha Brasil, cuja existência,
provavelmente fictícia, fora desenhada em diversos mapas desde o século XIII, sendo
pressupostas várias localizações (MELLO E SOUZA, 1986). A edenização da natureza
ficou registrada em muitas narrativas textuais e visuais, dado o impacto que exerceram
sobre os europeus. No entanto, paradoxalmente à prerrogativa de paraíso dado às riquezas
da Terra de Santa Cruz, seus habitantes nativos, com sua cultura e religião foram por eles
demonizados.

O Brasil foi visto tanto como paraíso terreal, em virtude das belezas e
das riquezas naturais, como um lugar de sofrimento e expiação, em
virtude dos perigos e dificuldades. Os moradores nativos, por sua vez,
foram tidos como criaturas semidemoníacas, portanto, absolutamente
carentes de conversão (BITTENCOURT FILHO, 2003, p. 48).

A cultura indígena em muito se chocou com a cultura ocidental que era


tendenciosamente excludente. Segundo Lino, “os outros povos eram no mais das vezes
desclassificados, justificando então a dominação colonial, como se houvesse graus
diferentes de desenvolvimento humano, como no caso da dicotomia entre seres superiores
e inferiores” (2015, p. 103-104). Sendo assim, travaram a “guerra justa” pela conquista
da terra contra os que consideravam bárbaros. A reação indígena para com os invasores
foi tida como perseguição cristã e os mortos por indígenas eram considerados mártires.
Havia o medo de serem caçados e devorados pelos canibais. “Humanidade esquisita, anti-
humana, meio monstruosa, diferente, pecadora. Seriam homens mesmo? Poderiam ser
convertidos, receber a palavra divina?” (MELLO E SOUZA, 1986, p. 62). Inúmeras eram
as acusações de seus pecados e foi assim que, de Paraiso Terrestre à Terra Infernal, a
própria mudança do nome Terra de Santa Cruz para Brasil, foi considerada como obra
de Satanás. A catequese, então, seria um verdadeiro combate espiritual para converter os
seguidores do diabo, como afirmaram alguns jesuítas ao fundador da ordem, Inácio de
Loyola. Os próprios sinais da natureza que interferiam na missão com os indígenas eram
considerados perseguição de Satanás (MELLO E SOUZA, 1986).

1.1.3 A matriz Africana


Quando os africanos chegaram ao Brasil, colaboraram com a construção da cultura
brasileira de maneira associativa. Pouco a pouco a cultura africada foi encontrando seu
32

próprio caminho dentre as culturas, influenciou e foi influenciada. Com a proibição do


culto africano e a imposição do cristianismo, o sincretismo foi a solução. Se o povo
indígena, principalmente as mulheres, segundo Darcy Ribeiro (2015) devem ser
reconhecidas pela história, por serem os ventres que geraram os brasileiros, podemos
afirmar que o povo africano também teve uma excepcional contribuição na mestiçagem
e foram os que mais contribuíram para a construção da civilização brasileira4, dando o
suor de seu trabalho em condições das mais desumanas, o da escravidão. Em meados do
século XV, vendo as dificuldades de escravidão indígena, os europeus começaram a
importar pessoas do continente africano para serem escravos. Essas pessoas eram trazidas
e anuladas em sua humanidade, tiveram sua cultura e religião identificadas como
demoníacas, foram perseguidos e submetidos à conversão forçada. Muito se é falado e
aprendido nas escolas sobre a cultura grega e romana, e seus mestres, mas os grandes
mestres africanos não são mencionados.

No entanto, quando os portugueses chegaram à África, os africanos já


dominavam as técnicas de plantio. Os povos do oeste africano tinham
sistemas agrícolas bem desenvolvidos, comércio regulamentado e
conheciam grande número de ligas artesanais. Muitos povos africanos
tinham técnicas mais avançadas do que os lusos, tais como a metalurgia
e a siderurgia. Trabalhavam o cobre e o estanho, trazendo esse
conhecimento também ao Brasil. Os lusos vieram a conhecer a enxada
de ferro com os ganenses e nigerianos (SANTOS, 2016, p. 218).

Os africanos já dominavam técnicas avançadas da medicina, como cita Cunha


(2012), segundo esse, há um equívoco em relação a quem seria o pai da medicina, hoje
atribuída ao grego Hipócrates “A condição de Pai da Medicina seria mais apropriada ao
cientista e clínico egípcio Imhontep, que quase três mil anos antes de Cristo praticava
quase todas as técnicas básicas da medicina” (p. 6). Mencionando também a sofisticada
técnica de mumificação que desenvolveram e os indícios de alto desenvolvimento para
tratamentos, inclusive com cirurgias cerebrais. No campo da astronomia ele destaca:

Nesse campo de conhecimento é interessante citar as contribuições dos


antigos africanos da nação Dogon, situados na região do antigo Mali.
Eles já tinham conhecimento da existência do “pequenino” satélite da
estrela Sirius, o Sirius B, invisível a olho nu. Denominavam-no Potolo,
e desenhavam, com exata precisão, a sua órbita em torno de Sírius
(CUNHA, 2012, p. 8).

Por motivos de interesses comerciais, os europeus se aproximavam dos reis


africanos, a estratégia era a cristianização. Convertendo o rei, ficava mais fácil introduzir

4
Cf. Monteiro, 1994.
33

o cristianismo em meio ao povo e quando o tráfico negreiro começou por volta de 1441,
parte dos africanos que eram trazidos para o território brasileiro, já estava adaptado ao
cristianismo, facilitando a inserção de comunidades negras (PACHECO, 2008). Enquanto
os portugueses viam nas terras brasileiras como um potencial para ser explorado, os
africanos deram uma contribuição efetiva na consolidação da cultura brasileira em todo
o território. Despossuídos que foram de suas raízes, pertencentes a etnias diferentes, os
africanos precisaram aprender a cultura do dominador para se expressarem. Por isso os
negros disseminaram, por onde passaram, a cultura proto-brasileira, sendo civilizadores,
mesmo na condição de escravos. A exploração escravocrata recebia total apoio europeu
e até mesmo da Igreja e por isso tornou-se uma forte economia. As condições das
embarcações dos navios chamados “Navios Negreiros”, os obrigavam a permanecer em
péssimas condições de sobrevivência durante meses de viagem. Muitos não chegavam à
costa brasileira. Como Rambeli relata em seus estudos arqueológicos das embarcações:

O L’Aurore era um navio de 280 toneladas, 34 com aproximadamente


30 metros de comprimento e 8 metros de boca, [...].
[...] Mesmo não sendo grande, tendo em vista a vasta tipologia dos
navios, essa fragata tinha capacidade para transportar seiscentos
escravos em sua falsa coberta – devido ao aproveitamento de dois
andares (do tipo bailéu) construídos no mesmo piso [...]
Mesmo considerando que a ocorrência de mortes a bordo reduzisse o
efetivo e a carga humana transportada, era necessário, nos cálculos de
provisões, levar em conta os desperdícios e os inevitáveis vazamentos
dos barris5 (2006, p.102).

No novo mundo, os africanos pouco conseguiram reproduzir de suas tradições. O


culto aos antepassados e a ligação familiar eram bases fundamentais de suas práticas
religiosas, com a escravidão, as famílias africanas foram fragmentadas. Portanto, o culto
aos antepassados foi marginalizado e com isso houve a centralização da manipulação
mágica dos orixás. Pois que sentido poderia fazer o controle da vida social para o negro
escravo? Fora de suas representações religiosas, era o catolicismo do senhor a única fonte
possível de ligação com o mundo coletivo projetado para fora do trabalho escravo e da
senzala (ALMEIDA et al, 2016, p. 4). O povo negro encontrou no catolicismo a forma de
se fazer brasileiro, a religião de seus senhores, enquanto em seus quintais nasciam os
primeiros terreiros, que teria sido uma forma de recriar um pouco da África em solo
brasileiro. Segundo Almeida et al. (2016) não há uma religião tradicional pura em
territórios pós-colonizados. Uma vez que o convívio diário influenciava mutualmente. As

5
Cf. Rediker, 2011. Cf. Schwarcz; Gomes, 2018.
34

crianças dos senhores eram criadas desde pequenas por amas de leite e babás africanas,
com isso, a mescla de costumes, mitos, símbolos, a cultura em suma, era entranhada
sutilmente nas pessoas, sendo um dos fatos que mais contribuiu para o sincretismo
religioso, inclusive.

Os africanos no Brasil não abandonaram seus costumes e religiões,


apesar do trabalho estafante e do pequeno ciclo de vida. Organizavam
festas, adornavam os corpos, relembravam suas origens tais como o Rei
Congo, congada, música carregada de sofrimento em contraste com os
raros momentos de alegria, em que a língua de origem sobressaia no
canto. Essa cultura não podia expressar-se livremente, pela sua
condição de escravo, mas sobreviveu nas crenças religiosas e práticas
mágicas a que se apegavam em seu desamparo no mundo hostil em que
viviam, o qual transformavam em danças e músicas, arrefecendo assim
o sofrimento do dia a dia. Juntamente com esses valores espirituais
acrescentam-se reminiscências rítmicas, musicais, saberes e gostos
culinários. Essa herança africana, associada às crenças indígenas,
resultou nessa singular fisionomia cultural brasileira (SANTOS, 2016,
p. 219).

Com a troca simbólica, muitos santos católicos foram ressignificados sendo


remetidos aos orixás, conforme as características comparativas. Assim, africanos
continuavam seus cultos de forma clandestina, uma vez que eram proibidos, pois tais
entidades para os colonizadores,eram demônios. Maquilando seus orixás como santos
católicos, os africanos foram dando forma aos seus ritos, que mais tarde dariam início à
umbanda e ao candomblé. “Orixás guerreiros, como Ogum, ganharam destaque aqui,
diferente dos de cunho agrícola mais cultuados na África, como Onilé” (MACEDO, 2008,
p. 3). Segundo suas crenças todo indivíduo é regido por um orixá que reflete alguma força
da natureza e influencia na harmonia, qualidades e comportamentos. “Na África são
cultuados mais de quatrocentos orixás. Aqui no Brasil são mais de vinte” (SANTOS,
2016, p. 225). Abaixo, na tabela, alguns orixás e seus correspondentes no sincretismo.

Tabela 1: Relação de orixás com o sincretismo

Sincretismo/ Correspondência
Orixá
Entidade católica Vodum Jeje Inquice Banto
Exu (chamado Barano
Diabo Elegbara/Bara/Eleguá Bombogira Aluviá
no batuque do RS)
Santo Antônio
Ogum Gun Doçu Incáci Roximucumbe
São Jorge
São Jorge
Oxóssi ou Odé Azacá Gongobira Mutacalombo
São Sebastião
Ossaim Santo Onofre Agué Catendê

Oxumarê São Bartolomeu Dã Bessém Angorô


35

Obaluaiê ou São Lázaro São


Acóssisapatá Xapanã Cafunã Cavungo
Omulu Roque
São Jerônimo
Xangô Badé Queviosô Zázi
São João
Oiá ou Iansã Santa Bárbara Sobô Matamba Bumburucema
Obá Santa Joana D'Arc
Nossa Senhora das Aziritobosse Navê
Oxum Samba Quissambo
Candeias Navezuarina

Logun-edé São Miguel Arcanjo Bosso jara

Euá Santa Lúcia Euá


Nossa Senhora da
Iemanjá Abê Dandalunda Quissembe
Conceição
Nanã Santana Nanã
Oxaguiã (oxalá jovem) Jesus (menino)
Jesus (crucificado ou
Oxalufã (oxalá velho) Liçá Zambi
redentor)
Fonte: apud ALMEIDA et al, 2016, pp. 8-9

Porém, o sincretismo foi uma via de dois sentidos e algumas coisas dos orixás
acabaram sendo absorvidos dentro dos cultos católicos. A arte africana influenciou a arte
brasileira, ao mesmo tempo que os artefatos religiosos católicos influenciaram nos
terreiros.

Na arte religiosa dos terreiros o continuum é mais amplo, pois os objetos


litúrgicos (presentes, por exemplo, em altares como os pejís dos
candomblés ou os congás da umbanda) podem derivar de uma
influência da herança africana (como as esculturas em madeira de
orixás, peças de barro, ferramentas de ferro forjado, vestimentas
litúrgicas, etc, tal como encontramos, sobretudo no modelo do
candomblé) ou da tradição católica (imagens de santos, crucifixos etc,
ao lado de imagens de orixás, tal como encontramos, sobretudo na
umbanda) (ALMEIDA et al., 2016, p.13).

O povo africano deixou e permanece mantendo muito de sua cultura em território


brasileiro e suas contribuições como a música, a gastronomia, os contornos da alegria
brasileira são contribuições permanentes reconhecidas universalmente. Principalmente
no que diz respeito à religião. Segundo Santos (2016), apesar de tantas contribuições
culturais, apenas recentemente, a partir do século XX, é que cultura africana começou a
ser reconhecida em seu papel na construção cultural no cenário brasileiro e sua
religiosidade, melhor conhecida.
36

1.1.4 A Matriz Espírita


Sob o pseudônimo de “Allan Kardec”, Hippolyte-Leon Denizard Rivail, um
revisor de gramática francesa, publica sua obra Le livre des Esprites (1857) ou “O Livro
dos Espíritos” na versão em português. A pretensão era criar uma tríplice doutrina: uma
religião científica e filosófica. Os princípios do espiritismo de Kardek se centravam na
imortalidade da alma, na possibilidade de comunicação com os espíritos e a reencarnação
dos espíritos.

O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação


e uma doutrina filosófica. Como ciência prática ele consiste nas
relações que se estabelecem entre nós e os espíritos; como
filosofia, compreende todas as consequências morais que
dimanam dessas mesmas relações.
[...] O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem
e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o
mundo corporal (KARDEC, 2013, p. 40).

O princípio do espiritismo, segundo Fernandes (2008), tem em sua raiz o interesse


de Kardec pelo fenômeno das “mesas girantes ou dançantes” que aconteciam nos salões
da burguesia parisiense. No princípio de sua pesquisa em 1854, acreditava se tratar de um
fenômeno do magnetismo ainda não esclarecido pela física, porém, “Essas mesas, ainda
segundo relatos, geralmente, executavam ordens dadas” (p. 9) como bater as pernas um
determinado número de vezes para indicar uma letra ou dando voltas em tordo de si. Isso
levou Kardec a crer que estava diante de um fenômeno sobrenatural, e por conseguinte a
fundamentar a doutrina espírita. Fernandes também sublinha a ausência da palavra
religião no começo do espiritismo que só passou a ser usada após 1863.
O primeiro contato do Brasil com o espiritualismo teria sido por volta de 1853,
com as notícias das “mesas dançantes”, pouco antes de Kardec conhecer e consolidar a
doutrina espírita. Chegando a ser notícia a possibilidade da evocação dos espíritos através
das mesmas (MENEZES, 2012). “No dia 12 de Agosto desse ano, Dr. Cesário, eminente
personalidade da época, assina um artigo no Jornal do Comércio onde afirma ter
conseguido respostas inteligentes das mesas” (FERNANDES, 2008, p. 82). Quando o
espiritismo de Kardec finalmente chegou ao Brasil em meados do século XIX, mais
especificamente na Bahia, ocorreu o fenômeno de ser ressaltado mais o lado religioso do
espiritismo do que sua doutrina filosófica e científica, ganhando novos contornos. Em um
cenário diferente da qual o espiritismo tinha encontrado resistência em sua terra de
origem, a França, no Brasil foi o espiritismo que teve que apresentar certa resistência para
37

com a apropriação e aculturação da doutrina espírita pelos brasileiros. Pois aqui já havia
um ambiente favorecido, o brasileiro já estava habituado a conviver com as culturas mais
diferentes. Em nossa formação cultural, e aqui vale relembrar, que as culturas indígena,
lusitana e africana, não tinham quaisquer problemas de aceitação para com o sobrenatural.
A formação básica brasileira era dada ao misticismo e foi um berço propício para a
instauração da doutrina espírita. Também, segundo Fernandes (2008), a instabilidade
social e a Guerra do Paraguai também foram fatores que estimularam a busca do povo
pelas consultas místicas.

Praticamente todos os aspectos culturais e sociais responderam de


alguma maneira à entrada do espiritismo no Brasil. A nossa
intelligentsia, nossos magistrados, o Imperador D. Pedro II e a princesa
Isabel, a população, o clero, os jornais, enfim, todo mundo queria saber
ou algo falar dessa doutrina que aqui chegava com pretensões de ficar
e de também mudar o trato brasileiro com a religião, pois vale ressaltar
que, apesar de ter sofrido fortes influências, o espiritismo também
buscava influenciar a nossa cultura. Todavia, fato é que aqui chegou e
aqui ficou, tanto que hoje, podemos dizer, quando falamos de
espiritismo, seja em qualquer lugar do mundo, o nome Brasil surge
como a “sede maior” dessa doutrina (FERNANDES, 2008, p. 77).

O espiritismo que era até então uma doutrina para os intelectuais da burguesia, e
entretenimento para curiosos, se espalhou popularmente, com a fundação de centros
espíritas. O primeiro a ser fundado, foi o Grupo Familiar do Espiritismo (1866), em
Salvador.
Na mesma proporção da aceitação, começaram os combates pastorais por parte da
Igreja Católica, pois a doutrina espírita contraria os princípios do cristianismo da
ressurreição dos mortos. Houve também o combate por parte da imprensa baiana. Tal
polêmica colocou o espiritismo em evidência, atraindo mais adeptos e ganhando força no
Rio de Janeiro. Coincidindo com as reinvindicações republicanas da época, muitos
“simpatizantes” estavam inseridos no manifesto.

[...] o espiritismo foi simpático a muitas causas “progressistas” do país,


como a abolição e a república. No caso da abolição, porque a escravidão
feria os preceitos cristãos do espiritismo6, que manda amar o próximo
como a si mesmo, e também pela orientação liberal da doutrina que
conjugava igualdade e liberdade, princípio que não era praticado à
época (FERNANDES, 2008, p. 87, grifos nossos).

6
Interessante essa fala “princípios cristãos do espiritismo”, demonstra a rapidez que esse se cristianizou-
se.
38

Após trinta anos do espiritismo de Kardec chegar em terras brasileiras, a doutrina


já tinha ganhado uma força tamanha colocando o Brasil como um dos países com maior
aceitação de adeptos no mundo. Sobreviveu o espiritismo “místico” e como a homeopatia
ainda não era consolidada, sua ligação com o espiritismo era tida como feitiçaria na recém
nascida república. Foi o Dr. Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti que acabou por ser
determinante para a estabilização do espiritismo brasileiro como uma religião,
estipulando a “Orientação pelo Evangelho”. Sendo as terras brasileiras, solo fecundo para
a proliferação da diversidade, logo, além do espiritismo propriamente dito, houveram
muitas apropriações de elementos espíritas. Como exemplo disso, “o pajé e o pai-de-santo
tornar-se-iam médiuns espíritas, agora dotados de um poder maior [...], porque agora
conheciam as artes e o segredo daquela doutrina que era até então um privilégio dos ricos”
(FERNANDES, 2008, p. 93). E assim ocorreu popularmente nas mais diversas
manifestações religiosas como na cartomancia e provavelmente entre os curandeiros e
benzedeiras.
Apesar do espiritismo negar que existam diversos espiritismos no Brasil, não
podemos deixar de citar as contribuições de líderes espíritas citadas por Stoll (2004),
como Chico Xavier falecido em 2002, psicógrafo que no começo de sua carreira como
médium foi considerado por muitos uma farsa, após tentar materializar espíritos em
fotografias, assim como tantos médiuns de sua época e depois tornou-se uma referência
da psicografia espírita. A médium Cacilda que incorporava, supostamente, o espírito do
Exu Seu Sete da Lira, as contribuições literárias no meio espírita por Zíbia Gasparetto e
Antônio Gasparetto, psicólogo, que teria o dom mediúnico da psicopictografia, pintando
quadros que seriam de artistas famosos como Vangog, Manet, Renoir, Picasso, dentre
outros, ganhando fama internacional e mais tarde se tornando adepto das novas terapias
decorrentes da onda “Nova Era”, enfatizando em suas palestras o discurso da auto-ajuda.
Sendo assim, o espiritismo brasileiro, que ao se instalar no Brasil, assumiu o “estilo
católico” e sofreu as transformações decorrentes das influências matriciais, como a
“umbandização”, numa linguagem muito acessível e clara, pode ser percebido com seus
contornos particulares em cada uma das personalidades citadas.

1.2 Catolicismo popular brasileiro

Como mencionado no início deste capítulo, até o golpe de Estado republicano em


fins do século XIX, o catolicismo era a única religião permitida no Brasil, o que não
39

significa que as religiosidades indígena e africana tenham deixado de ser praticadas. Elas
se amalgamaram ao catolicismo lusitano e sobreviveram em meio às práticas populares,
tendo como contribuintes diversos fatores culturais. O resultado foi a obtenção de uma
expressão um tanto distanciada do catolicismo romano.
O catolicismo que os portugueses trouxeram foi o catolicismo mágico das práticas
devocionais aos santos e apego às representações dos mesmos por imagens e figuras, das
romarias, das festas populares e ênfases rituais “que marcariam profundamente a cultura
brasileira nos seus insistentes apelos emotivos e piedosos, manifestados nas esculturas de
Aleijadinho do século XVII mineiro” (MACEDO, 2008, p. 4). Nessa época, a Igreja
Católica estava vivendo um período de reestruturação interna que se processava desde o
Concílio de Trento (1545 a 1563), devido aos embates teológicos com a Reforma
Protestante. Índios e africanos continuaram suas práticas, os indígenas teriam
desenvolvido movimentos “messiânicos” de libertação dos brancos e os africanos,
camuflando seus orixás em santos católicos, evitando confrontos diante das proibições de
seus cultos. Recorriam à magia como forma de resistência a opressão e a utilizando
também para curas físicas. Os quilombolas acabaram aderindo ao culto católico
sincrético, mesclado com elementos indígenas e africanos, tendo mais familiaridade com
os santos católicos do que com os orixás. Outro fator que contribui para a opção pelo
catolicismo seria que, no quilombo se reuniam diversos povos africanos e a única religião
que conseguiria agregar a todos seria o sincretismo católico. Assim, o sincretismo que se
estabeleceu foi uma solução para problemas culturais e como demonstração da resistência
religiosa indígena e africana, que subsistia à imposição (BITTENCOURT FILHO, 2003).
Para Espín (2000), a experiência da religiosidade popular é a experiência de quem quer
tocar Deus esperando uma revelação diferente, que se identifica com o Jesus sofrido,
tendo na ressurreição uma esperança. Essa experiência não pode ser diminuída como algo
irracional ou tida como expressão da ignorância, como tendenciosamente são
interpretadas ao nível popular. Ela é real, dá sentido, até mesmo é central na vida daquele
ser humano ou grupo. Porém, sendo inacessível aos não praticantes.
O povo sofrido da época de Jesus se identificou com Jesus em sua “derrota”, não
se tinha sobre ele, o entendimento que a religião cristã assimila nos dias de hoje. A
experiência daquele povo com a pessoa de Jesus, é a do homem tido como insignificante
pelas autoridades, que se imbuiu de uma solidariedade tamanha para com o sofrimento
alheio, que acabou incomodando e sendo morto. Para o povo, Jesus, antes da imagem
divina, era o homem altruísta, digno de ser imitado. Com o tempo, conforme o
40

cristianismo foi ganhando força e prestígio no mundo romano, mais foi sendo enterrada
a imagem do Jesus derrotado em meio de símbolos de vitória “desse modo silenciando a
necessidade social e eclesial de ver, experimentar e tocar as histórias contínuas que
prolongam a analogia de Deus por meio de outras vidas humanas partidas” (ESPÍN, 2000,
p. 57). Segundo Espín, o catolicismo popular não deve ser tratado como algo paralelo ao
catolicismo normativo, de forma pejorativa e supersticiosa. A expressão de fé do povo
deveria ser estudo e considerado, tal qual a Igreja Católica observa e sacraliza o que
chama de “Sagrada Tradição”, que consiste na vivência dos apóstolos e primeiros
cristãos. Para ele, o catolicismo expresso pelo povo é o Sensus Fidelium. A maneira como
o povo interpreta e expressa a religião em sua vivência, também deveria ser considerada
como revelação, uma vez que a Igreja entende que Cristo se revela à toda a igreja e o
povo que vive e testemunha a fé, corresponde a grande maior parcela da Igreja.
O Sensus fidelium seria a intuição de fé do povo. Sendo que a maneira de expressar
a mesma fé é variável, compreendendo que a religião se insere em culturas de povos
diferentes. Não que o autor considere que tudo é aceitável, no entanto, propõe que os
teólogos não ignorem estudar essas expressões que compõe a religião popular e que, para
que haja tal compreensão, é exigido

consciência da cultura e a realidade econômica e política e também a


consciência de seus preconceitos e interesses ocultos (mas presente,
com certeza) de classe e etnoculturais, que podem cegá-lo para
dimensões da revelação presentes precisamente nas intuições cheias de
fé que são objeto de estudo” (ESPÍN, 2000, p.124).

Transportando isso para o catolicismo do povo brasileiro, se faz necessário


retomar a história desde sua fundação, contextualizando com os acontecimentos ao longo
de seu tempo, para que se possa compreender os efeitos encontrados em sua configuração
nos dias de hoje. Quando se fala em experiência sagrada, Espín denota não haver
possibilidade de uma relação religiosa acultural. Para o pesquisador, toda experiência é
“inculturada”. Pois O encontro com o divino acontece segundo o que é compreensível ao
ser humano, naquilo que sua cultura o possibilita experimentar.

Se a experiência com o divino só acontece na cultura [...]. O “lugar” de


um indivíduo ou grupo na sociedade também molda a linguagem, os
símbolos etc., usados (por esse indivíduo ou grupo) no processo de
interpretação da experiência religiosa e, desse modo, expressa como
“religiosa” a experiência em si e, como “divina(s)” “a(s) imagem(ns)
daquele que é encontrado. Assim, não só a cultura, mas também o
“lugar social” possibilitam as diversas interpretações das experiências
religiosas da humanidade (ESPÍN, 2000, p.156).
41

Até o golpe político em 1889, a Igreja Católica era subordinada ao poder estatal,
resultando em inúmeros conflitos entre Igreja e Estado, que tinha autoridade de intervir
nas decisões da Igreja e de punir a mesma, diante de enfrentamentos. Neste período, a
Igreja mantinha um restrito número de bispos em suas poucas circunscrições eclesiásticas
no Brasil e evitava criar novas. Era uma forma de resistir a essas intervenções
(AZEVEDO, 2002, p. 34). Porém, a Igreja estava longe de contornar os inúmeros
problemas que se estabeleciam em relação à Igreja oficial com a praticada popularmente.
O catolicismo português, menos agressivo, legou ao povo “certa brandura, tolerância e
maleabilidade que a exaltada, turbulenta e dura religiosidade espanhola conheceu”
(AZEVEDO, 2002, p. 36). Os jesuítas, sendo a ordem mais intelectualizada dentre as
ordens da Igreja, atuavam sem submissão à coroa e tinham como missão difundir a
religião aos moldes de Roma e de submissão ao papa, eles lançaram bases para a formação
intelectual cristã no Brasil, fundando colégios e escolas “voltando-se para o estudo da
filosofia, teologia e latim” (MACEDO, 2008, p. 10). Porém, no ano de 1759, foram
expulsos pelo Marquês de Pombal e a evangelização ficou sob cuidados de um clero
despreparado e com poucos bispos para orientar a igreja segundo os ensinamentos
tradicionais. Essa falta de preparo do clero afetou a disciplina e ensinamentos morais
cristãos.

Os poderes que a monarquia portuguesa tinha na escolha e designação


de bispos e vigários, a falta de controle dos bispos sobre os clérigos
irregulares (sic) que entravam no país sob a proteção da legislação civil,
a falta de seminários durante muitos anos, a procura, por outro lado, da
vida clerical por muitos como proteção contra o serviço civil e militar,
a frouxidão de costumes reinantes durante grande parte da vida
nacional, especialmente no período da escravidão, o isolamento dos
padres em paróquias distantes, assim como nos engenhos e fazendas
Durante o período colonial e o Império muitos procuravam a vida
eclesiástica porque esse era um dos poucos meios para obter uma
educação superior, para ter acesso a posições políticas ou para subir
socialmente (AZEVEDO, 2002, p. 46).

Os clérigos brasileiros, não gozavam de prestígio como o clero da América


Hispânica e assemelhavam suas práticas às práticas seculares, distanciando da moralidade
cristã, como por exemplo, a prática do concubinato, relacionamentos que gerou muitos
filhos, além de atuar com uma religiosidade popular e sincrética. Muitos do clero eram
intelectualmente ignorantes e mal tinham o conhecimento da língua portuguesa, menos
ainda do latim. A situação dos clérigos se aproximava da miséria, podendo a Igreja
expandir suas paróquias desde que as mantivessem. Não havendo essas condições,
existiam poucas paróquias e os padres que exerciam funções de “capelães” em capelas
42

rurais, tiveram que submeter-se, via de regra, à aristocracia. Normalmente os senhores de


engenho tinham capelas em seus territórios e se utilizavam da religião para manter sob
controle os seus escravos. Os capelães que muitas vezes residiam nas fazendas ficavam a
seu serviço e distanciado das ordens do alto clero. A esses curas cabia:

[...] dizer missa na capela nos domingos e dias santos, explicar a


doutrina cristã, alertar sobre a magnitude do pecado mortal e das penas,
ouvir em confissão aos seus aplicados, atalhar discórdias, honrar a Deus
e à Virgem, cantando-lhes aos sábados as ladainhas e o terço do rosário,
não receber noivos, nem batizar sem licença in scriptis do vigário,
morar fora da casa do senhor, benzer o engenho somente se o senhor
não convidar o vigário, ensinar aos filhos do senhor (apud JURKEVICS
, 2004, p. 28).

Como consequência da subordinação da Igreja ao Estado, o clero pouco se


envolvia na assistência dos fiéis em suas necessidades e sofrimentos, resultando na
movimentação leiga e criação de irmandades7 que procuravam praticar a caridade entre
si, além de organizar os festejos. Com isso, o catolicismo colonial ficou centrado sob o
poder leigo. Segundo Jurkevics (2004), no Novo Mundo, onde predominava o catolicismo
das festas, das romarias, das novenas e devoções santorais, das capelas domésticas,
distanciada, pouco se entendia acerca da liturgia paroquial ou se entendia do rito da missa.
O aprendizado catequético era deveras superficial e acabavam se tornando ensinamentos
decorados que se esvaiam da memória ao longo do tempo. Era uma fé de pouca
introspecção, que valorizava muito os elementos exteriores e carregados de elementos
pagãos. A frequência aos templos não era o mais relevante. As novenas, promessas e
sacrifícios praticados, eram dedicadas fervorosamente aos santos favoritos, com o intuito
da obtenção de graças. Os santos, eram por vezes castigados, estando representados por
suas imagens, a fim de serem obrigados a dar o que lhes foram requeridos ou por esses
não terem atendido às suplicas. Esse culto, que segundo Jurkevics, com exageros em
termos espirituais, podem ser comparados às práticas mágicas dos indígenas que
habitavam no país e ainda habitam, em números muito reduzidos.

[...] prevaleceu uma vivência religiosa autônoma, bem pouco


identificada com a hierarquia eclesial. Portugueses, nativos e africanos,
podiam expressar livremente as suas tradições religiosas, praticamente
sem nenhum controle, como por exemplo, as danças e os fogos nos
festejos de São João, as imagens de santos domésticos e, até mesmo
evocar, no caso dos escravos, suas divindades africanas, ainda que sob
nomes católicos (JURKEVICS, 2004, p. 30).

7
Cf. Fritz, 2007.
43

Se enfatizava a igreja doméstica, centralizada no chefe de família. Os senhores de


engenho tinham o hábito de pedir a aspersão do alicerce de seu engenho, pois a religião
estava estreitamente ligada ao cotidiano das famílias. Porém em comunidades isoladas,
cada qual contribuindo aos diversos contornos que o catolicismo brasileiro recebeu. Em
alguns lugares, a presença do sacerdote era algo raro e por causa da escassez de padres
era comum o batismo de crianças em suas casas. “O batismo em casa era o primeiro ritual
do qual participava o recém-nascido. Fazia-se uso de água corrente, depois devolvida à
natureza, e orações como Pai-Nosso e Creio, dirigidas pelos pais e padrinhos”
(MARQUETTI; LOPES DA SILVA, 2015, p. 118). Depois quando era possível, assim
que conseguissem a presença de um padre, a criança recebia o batismo oficial da Igreja.
Segundo Cristiano Araújo (2015), algumas das características da expressão religiosa, são
os simbolismos da cruz, que acompanha tanto como marca da religião católica, tanto
como estandarte de conquista, assumida pelo povo para se fazer notar a presença das
comunidades cristãs; os oratórios que demarcavam o espaço sagrados dos lares, aludindo
às capelas, contendo os santos de devoção, assim como as ermidas. As irmandades, onde
os leigos se integravam com finalidade religiosa e social. Diferiam-se entre irmandades
brancas e negras, devido à discriminação que o povo negro sofria. Os santuários, cujo
quais, muitos eram construídos a partir de territórios, antes demarcados por cruzes ou
ermidas; as romarias em honra aos santos de devoção; as procissões, devoções, festas,
cultos, benzeções etc.
Os festejos religiosos, denota Jurkevics (2004), eram um dos poucos alívios na
vida do povo sofrido, que era escravo, que eram explorados, era onde acontecia a troca
cultural. Um catolicismo colorido por elementos indígenas, africanos e português.
Também, como em tantas outras sociedades, os festejos também funcionavam como uma
válvula de escape para se manter o controle social. Outro apontamento da autora é a
prática das mortificações e a autoflagelação como complementação da vida de oração,
como uma interpretação de que a fé sem obras é morta. As sepulturas dos mortos se
encontravam frequentemente em capelas na extensão das casas, assim, os mortos
continuavam a permanecer devotamente lembrados pelos vivos. Nos altares domésticos,
fotos de entes falecidos em meios das imagens dos santos de devoção, assim como mechas
de cabelo guardados como verdadeiras relíquias. Aliás “as relíquias também marcaram,
de forma efetiva o imaginário colonial, assim como se constatou uma verdadeira obsessão
com as almas pias” (JURKEVICS, 2004, p. 32). A função da imagem se confundia com
seu significado, e o relacionamento da pessoa para com o objeto era estreitamente afetivo.
44

A multiplicidade de devoções constituiu um forte elemento da


expressão religiosa colonial. Cada devoto montava seu próprio panteão,
nos oratórios domésticos ou quarto dos santos, começando com o Nosso
Senhor e a Virgem Maria, com suas várias invocações e
complementados depois com seu anjo da guarda, além de seus santos
protetores. Nesse sentido, vários estudos apontam que nas casas-
grandes prevalecia o culto à Nossa Senhora da Conceição, enquanto nas
senzalas a maior devoção cabia à Nossa Senhora do Rosário. Atribuía-
se à Santana o cuidado com os pequenos, enquanto Nossa Senhora do
Bom Parto, também chamada de Nossa Senhora do Ó, recebia especial
devoção das mulheres grávidas (JURKEVICS, 2004, p. 33).

A partir do Concílio Vaticano I (1869-1870), liderado por Pio IX, a Igreja do


Brasil começou um processo de romanização, a fim de reconfigurar o catolicismo
brasileiro aos moldes do catolicismo tridentino/ultramontano em substituição do
catolicismo tradicional/colonial que se mantinha por 300 anos no território brasileiro. O
clero assumiria, então, o papel central na Igreja, controlando as festas religiosas,
procissões e tudo o que até então havia ficado sob os domínios populares.

Essas novas associações, sob controle clerical, além da devoção ao


santo instituído pela Igreja romanizada, eram responsáveis pelas festas
religiosas que perderam o seu caráter tradicional, festivo, onde o
profano e o sagrado se confundiam e passaram a ser, dirigidas pelos
vigários e, aos poucos, foi acabando com seu caráter de reunião social,
esvaziando assim o próprio sentido das irmandades e confrarias
(JURKEVICS, 2004, p. 43-44).

Essa Reforma foi melhor aceita pelas igrejas urbanas e teve maior resistência por
parte das comunidades rurais, até porque as capelas existentes nesse meio eram
costumeiramente construídas por membros da população local.
Em 1891, a igreja a Igreja Católica deixou de ser a religião oficial com o decreto
constitucional da liberdade religiosa, porém, a separação Estado/ Igreja fez com que a
mesma ganhasse a liberdade, podendo retomar seus princípios, no entanto, houve uma
diminuição do número de sacerdotes e com o laicismo, um certo clericalismo. A falta de
controle da Igreja no período imperial, implicou à imagem sacerdotal um certo descrédito
com relação aos seus votos, em especial o da castidade. Mais tarde o Estado retoma o
conteúdo moral da Igreja para fins de “reespiritualizar a cultura” brasileira, sob a
presidência de Getúlio Vargas, como “a proibição do divórcio e a educação religiosa nas
escolas” (AZEVEDO, 2002, p. 37). A igreja reagiu diante da falta de sacerdotes, falta de
instrução leiga, lembrando que, também no século XX houve o avanço das religiões
protestantes e espíritas. Em 1935 A ação católica fez um grande esforço para a animação
das comunidades, como congressos eucarísticos e ênfase na participação leiga na vivência
da igreja. Porém, embora venham fazendo oposição a tal confusão, há muitos decênios,
45

as autoridades eclesiásticas têm tido muito pouco êxito nesse esforço e pode-se afirmar,
sem muito risco de erro, que aqueles cultos estão, por diversas razões, numa fase de
ressurgimento e de expansão em todo o país (AZEVEDO, 2002).
Diante do quadro apresentado é possível compreender a diversidade de
“catolicismos”, assim escrito no plural, pois o catolicismo brasileiro abre um leque de
expressões que pode ser notado em seu amplo território. Nuances que mudam conforme
a Região, o Estado ou até mesmo províncias, em meio às culturas diversas, assim,
Azevedo enfatiza que “na sua imensa maioria, a população brasileira é católica “sem
Igreja”, escapa à Igreja. De forma lapidar: muito santo pouco sacramento, muita reza
pouca missa, muita devoção pouco pecado, muita capela pouca igreja” (2002, p. 13). A
percepção de morte/vida eterna, e o princípio da Comunhão dos Santos do catolicismo,
da possibilidade da intercessão dos santos – aqueles cujos méritos em vida os elevou após
a morte para diante de Deus, segundo o catolicismo oficial –, por vezes, no catolicismo
popular se mescla com as propostas doutrinárias do espiritismo. Devido à boa aceitação
do espiritismo no Brasil. Há a consolação “meu ente querido foi para o céu” ao mesmo
tempo, crê-se nas almas penadas, “assombrações”, espíritos “obsessores” e maus
presságios.
A participação na comunidade não é contemplada como algo tão essencial quanto
à devoção aos santos padroeiros. No sistema das trocas populares, a fidelidade ao santo é
que garante a obtenção das graças. Como podemos analisar nesse trecho abaixo de uma
pessoa entrevistada por Brandão:

Mal eu não faço pra ninguém e você pode perguntar pra qualquer um
por aqui. Sou devoto dos Três Reis Santos, que é um santo muito
milagroso. Aqui por São Paulo tem pouca devoção com eles, mas lá pra
onde eu nasci é demais. Todos anos que eu posso volto na minha cidade
em Minas e cumpro as minhas obrigações. Saio com a Folia e dou seis
dias no ano pra devoção. Mas precisei, é só pedir que a graça vem. O
santo atende sempre (BRANDÃO, 2007, p. 192).

O pouco interesse institucional e maior ligação às representações devocionais


são um desafio constante para a Igreja Católica Romana Tradicional no Brasil,
consequência de longos períodos sem maiores intervenções por parte da mesma, no
período colonial. Mesmo tendo ganhado autonomia com o nascimento da República,
ainda predomina no meio popular a relação homem-sagrado de forma direta “e não
mediadas pelo corpo sacerdotal da Igreja e pelas escrituras sagradas” (MARQUETTI;
LOPES DA SILVA, 2015, p. 118), mesclado com elementos oriundos de diversas
culturas que aqui se instalaram. Um catolicismo que se distancia do tradicional
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catolicismo romano, emotivo, mágico, disforme, possibilitando a efervescência de


práticas populares como a das benzedeiras ou rezadeiras, grupo ao qual é pertinente que
façamos uma breve introdução para melhor conhecermos Edelarzil Munhoz Cardozo, a
“Mulher do Algodão”, cuja performance e universo simbólico são o nosso objeto de
estudo.

1.3 As benzedeiras: o protagonismo feminino no meio popular

A benzeção ou benzedura é uma prática que nasceu no período colonial,


proveniente dos conhecimentos populares, não sendo formada exclusivamente por
mulheres, mas tendo nelas a sua maioria, os homens, por sua vez, sendo chamados
normalmente de curandeiros. Essa antiga prática possibilitou às mulheres um certo
protagonismo na religião e na medicina natural, dando-lhes reconhecimento social, como
místicas do sagrado. Sobre isso, Espín resume que:

Para existir, o catolicismo popular latino, depende fundamentalmente


de “toda a comunidade”, das famílias e da comunidade e, especialmente
das “mulheres mais velhas” das famílias. Os ministros[as] do
catolicismo latino são principalmente as mulheres mais velhas,
consideradas mais sábias e, em geral, possuidoras de mais sagacidade
pessoal e espiritual que os homens. As mulheres são o centro e o esteio
das famílias e o catolicismo popular latino dá a elas definitivamente
maior ênfase. Não é exagero afirmar que as mulheres mais velhas são
as hermeneutas culturais e religiosas de nosso povo. São ministros[as]
e portadoras de nossa identidade” (ESPÍN, 2000, p. 31-32).

Apesar da importância do homem como chefe de família, na vivência comunitária


e prática popular da fé católica, a mulher possuía e, pode-se afirmar, que ela ainda possui,
maior liberdade de ação, enquanto que o catolicismo oficial, deveras patriarcal, tende a
limitar o poder dado a elas. Um exemplo dessa atuação são a das mulheres mamelucas,
que segundo Darcy Ribeiro (2015) procuraram na Igreja um espaço para dar sentido para
suas existências, num ambiente em que não eram aceitas nem como brancas e nem como
índias, sendo as implantadoras do catolicismo popular santeiro no Brasil. Na carta “Aos
padres e irmãos de Coimbra, Pernambuco” no dia 13 de setembro de 1155, Nóbrega
enfatiza sobre essas mulheres:

As índias forras, que há muito que andam com os cristãos em pecado,


trabalhamos por remediar por não se irem ao sertão já que são cristãs, e
lhes ordenamos uma casa à custa dos que as tinham para não as recolher
e dali casarão com alguns homens trabalhadores pouco a pouco. Todas
andam com grande fervor e querem emendar-se de seus pecados e se
confessam já as mais entendidas e sabem-se muito bem acusar. Com se
ganharem estas se ganha muito, porque são mais de quarenta só nesta
47

povoação, afora muitas outras que estão pelas outras povoações e


acarretam outras do sertão assim já cristãs como ainda gentias. Algumas
destas mais antigas pregam às outras. Temos feito delas meirinha, a qual
é tão diligente em chamar à doutrina, que é para louvar a N. Senhor
(Apud RIBEIRO, 2015, p. 70).

Especialmente nas zonas rurais, muitas mulheres ocuparam os espaços que se lhes
iam apresentando e, à medida que atuavam, iam se sobressaindo como sábias da
comunidade, conhecedoras das ervas e rituais de cura, sob o título de rezadeiras ou
benzedeiras. Algumas atuavam até mesmo como parteiras. Mecenas e Santos (2009), em
sua pesquisa sobre as rezadeiras da cidade de Itabaiana no Estado do Sergipe, aponta que
a função da parteira está praticamente extinta nos dias de hoje.
Segundo Araujo, “A benzeção é um conjunto de representações e práticas rituais
que tem por fim produzir curas. Ela se aplica a pessoas e a animais, sendo assim a
manifestação mágica da religiosidade do catolicismo popular através da solução para
enfermidades e maus olhados” (2015, p. 77). A prática da benzeção ou benzedura, surgiu
como alternativa medicinal para as regiões distantes dos centros urbanos, sem acesso à
medicina convencional e utilizadas tanto para o tratamento de doenças como para os
males da alma. Santos (2009), afirma que práticas semelhantes foram encontradas por
pesquisadores em Baixo Alentejo – Portugal, tendo orações similares e nome de “doença
de benzedeira” em comum, como o “cobreiro”. Na Idade Média portuguesa, era comum
que as orações de súplicas fossem conduzidas por mulheres consideradas piedosas nas
comunidades. Tratava-se de orações que apelavam às orações populares como a das
Chagas de Cristo, por exemplo, assim, a figura feminina ganhava um papel de
protagonista sendo ligadas ao ofício da reza comunitária.
No Brasil colônia, a prática popular portuguesa das rezas uniu-se aos
conhecimentos dos indígenas acerca das propriedades medicinais encontradas na natureza
e o uso de talismãs e amuletos trazidos pelos africanos, tecendo a mística da benzedeira
brasileira.
No século XIX, com os avanços da medicina convencional, houve a crença de que
a medicina popular se extinguiria, no entanto, essas práticas populares sobreviveram,
tendo que os médicos do século XX conviverem com elas. Nesse mesmo século, quando
foi criado o Sistema Único de Saúde – SUS, previu-se novamente o desaparecimento das
práticas da benzeção. Só que a cultura popular demonstrou ser mais forte do que
imaginaram os cientistas sociais, atravessando o século XX e chegando, ainda que em
menor número, no século XXI, espalhadas em regiões afastadas, no interior e até mesmo
nas periferias das grandes cidades (HOFFMANN-HOROCHOVSKI, 2015). Apesar da
48

prática ter nascido e desenvolvido no âmbito católico e tendo sido por muito tempo uma
prerrogativa do catolicismo popular, o “trânsito religioso envolvendo as religiões ditas
“evangélicas” e de matrizes afro-descendestes” (SANTOS, 2009, p. 15) possibilitou o
surgimento de benzedeiras e rezadeiras nesses seguimentos também. Contudo, mesmo se
denominando evangélicas, essas profissionais populares da cura teriam mantido uma
certa devoção aos santos.
É observável que não há uma fórmula, um método específico para se realizar a
benzedura ou benzeção, o ofício apresentado por pesquisadores de diferentes localizações
do território brasileiro, mostram uma variedade de rituais, crenças, sendo que a localidade
possui um papel determinante na expressão, como Quintana (1999) nota em sua pesquisa,
no Rio Grande do Sul, diferenças entre as benzedeiras rurais e as urbanas, também
podemos perceber características regionais, comparando as pesquisas. Sendo que as
benzedeiras urbanas têm de dividir o espaço com outras práticas, enquanto as rurais
gozam de uma popularidade maior. Outra característica é a negação do título de
"benzedeira” em algumas regiões, pelas praticantes rurais, devido a essas estarem muito
ligadas às práticas católicas e possuir a autorização do padre para rezarem pelas pessoas.
O título “benzedeira” não é bem visto pela igreja, sendo considerada um tipo de feitiçaria
ou prática supersticiosa.

A superstição é um desvio do sentimento religioso e das práticas que


ele impõe. Também pode afectar o culto que prestamos ao verdadeiro
Deus: por exemplo, quando atribuímos uma importância de algum
modo mágica a certas práticas, aliás legítimas ou necessárias. Atribuir
só à materialidade das orações ou aos sinais sacramentais a respectiva
eficácia, independentemente das disposições interiores que exigem, é
cair na superstição (CIC, 2000, § 2111).

A benzeção é até mesmo citada em orações populares de renúncia, juntamente


com outras práticas consideradas de ocultismo: “...eu renuncio a todo espírito de magia
negra e bruxaria; de espiritismo e umbanda; de macumba e sarava; de xangô e mesa
branca; de candomblé e conga; de curandeiro e benzedeira! (REIS, 1999, p. 92, grifo
nosso). Já a religiosidade em meio as benzedeiras urbanas não é uma regra, “Pode-se
observar que quanto às pessoas identificadas com a religião católica, nota-se uma relação
de antagonismo com os representantes oficiais da Igreja” (QUINTANA, 1999, p. 52). Em
Os Deuses do Povo, Brandão relata sobre as curandeiras e sobretudo as benzedeiras
católicas de Itapira, Minas Gerais. Nesse local, normalmente os curandeiros ou feiticeiros
se preparam fora de suas próprias terras, migram para algum lugar onde aprendem o ofício
recebendo instruções de diversas maneiras. “Dois dirigentes de cultos do saravá e duas
49

das curandeiras da “macumba” aprenderam fora do município os seus ofícios. Os dois


homens e uma das mulheres vieram do Sul de Minas. A que nasceu em Itapira formou-se
“no Rio de Janeiro, na umbanda e na quimbanda” (BRANDÃO, 2007, p. 39). Já as
benzedeiras católicas, aprenderam seu ofício da cultura local, bebendo do catolicismo
popular. Ele registrou inúmeros “profissionais da cura”, sortilégios, benzedores e
possessão. Esses agentes autônomos seguem uma lógica religiosa que ao mesmo tempo
se aproxima, se afasta de sua profissão de fé religiosa, ficam à margem. Não há uma
resolução que efetive seu trabalho dentro do catolicismo oficial, ao mesmo tempo que,
nem pelo lado da medicina, se fazendo valer unicamente pelo oferecimento de seus
variados serviços oferecidos à comunidade e resistindo ao tempo.

[...] as benzedeiras católicas fazem confissão de ortodoxia religiosa


conservando-se alheias à vida paroquial. Os agentes de possessão
procedem da mesma forma com relação ao espiritismo kardecista, de
cujos princípios podem afirmar sincreticamente seguidores, mas de cuja
religião jamais se apresentam como representantes (BRANDÃO,
20017, p. 54-55).

Apesar de não ser uma prática uniforme, há pontos em comum que caracterizam
o ofício da benzeção, permitindo distingui-las mesmo sem que a pessoa não se identifique
com o nome “benzedeira”. Comecemos por destacar o processo que leva uma pessoa ao
ofício. Há aquelas que, segundo Quintana (1999), se tornam benzedeiras por imitação e
aquelas que atribuem a um chamado misterioso de Deus. As benzedeiras que aprendem
por imitação, podem aprender por meio de livros, familiares, conhecidos. Algumas que
observando o adulto praticante da benzeção, reproduziu em brincadeiras e foi fazendo um
processo de aprendizagem até começar a atuar na vida adulta. A família observa a
brincadeira e a identifica como uma predisposição ao dom. Normalmente isso acontece
tendo um mestre em quem se espelhar. Sendo assim, um dom transmitido que será
somente reconhecido numa idade mais madura, tendo a idade como um requisito que, no
imaginário social, remete à sabedoria. Santos, constata em sua pesquisa, que algumas
mulheres se tornaram benzedeiras para utilizar a prática em casa com os filhos “e não
mais incomodar as outras rezadeiras” (2009, p. 16). Outras, empregando a escrita como
ferramenta de aprendizagem, tomavam notas de algumas orações.
As benzedeiras que atribuem o dom à experiência com o divino são mais
reconhecidas pela sociedade e tendem a ter um número significativo de procura, algumas
relatam a experiência de serem curadas e que a partir dessa experiência teria recebido o
dom para realizar curas nos outros, “os conhecimentos tanto das orações como dos chás,
pomadas, unguentos etc são atribuídos à informação de alguma entidade sobrenatural,
50

como anjos ou guias, principalmente” (QUINTANA, 1999, p. 55). Seja por imitação ou
por experiência sobrenatural, a benzedura é tida como um dom, não bastando o
aprendizado, processo por quais todas necessitam passar, o “dom da cura” é fundamental
para o ofício. Para que a cura seja efetivada é necessário que a benzedeira ou rezadeira
esteja crente na eficácia da cura, assim como o paciente deve ter fé de que será curado,
senão a cura e a benção não podem ser alcançadas.
De forma geral, as benzedeiras falam de si mesmas como “instrumentos da força
divina (Deus, Jesus, os santos, etc)” (SANTOS, 2009, p. 17), sendo assim, a fé seria a
condição fundamental nesse discurso, para a realização das graças tendo Deus como
aquele que realiza a cura e a benzedeira ou rezadeira atuando como uma intermediária da
cura. Há uma conciliação entre paciente e benzedeira, de que o poder de curar provém de
Deus, em todas as pesquisas aqui mencionadas elas jamais se colocam como detentoras
do poder, mas sempre atribuindo a cura à manifestação de Deus. Porém, ela possuiria um
dom, uma capacidade dada por Deus para a realização de curas, bênçãos e reestabelecer
o equilíbrio perdido.

De fato, esse ponto nos coloca uma diferença. Poder-se- ia dizer que a
bênção é um tipo de prece na qual: 1) aquele que a realiza procura
influenciar os favores das forças sagradas em benefício de uma outra
pessoa; 2) essa prece tem por objetivo implícito também influenciar
tanto as forças sagradas quanto o beneficiário (QUINTANA, 1999, p.
94).

Outro ponto em comum entre as benzedeiras é o sentido de obrigação perante o


dom recebido. Para a praticante da benzeção ou o praticante, o dom recebido a obriga aos
exercícios da prática. Algumas delas garantem terem obtido o dom após serem elas
mesmas curadas de algum mal. “É como se, passar por esse tipo de situação, a tornasse
apta para desenvolver o ofício” (SANTOS, 2009, p. 20). Portanto, o dom da benzedura
exige uma resposta que é ajudar as pessoas sem cobrar nada por isso. Muitas dedicam
suas vidas integralmente, sem tempo para trabalhar em outras funções e mesmo atendendo
gratuitamente como a fé as obriga, elas podem receber doações. A eficácia da oração da
benzedeira e que a destaca como pessoa escolhida por Deus, é o ato sacrificial. O
sacrifício é algo cotidiano para elas, é o que a aproxima das pessoas e dá poder para sua
oração. A figura da benzedeira é daquela pessoa que é marcada pela bondade, pelo
espírito de sacrifício, a pessoa que dedica boa parte de seu tempo para socorrer as pessoas
em suas angústias, pessoa sagrada, escolhida pelo divino. Através desse sacrifício tido
como agradável aos deuses, é retribuída as orações da mulher, tida como santa. Ela, por
51

meio do sacrifício de sua vida teria um acesso ao sagrado em favor daqueles por quem
ora.
Quintana (1999), em sua pesquisa fala sobre as benzedeiras, encaixando-as dentre
os procedimentos terapêuticos não reconhecidos, considerados mágicos, mas que ao
mesmo tempo desperta a curiosidade. Procedimentos que são desprezados pela falta do
caráter científico, mas que conhecemos através de alguém ou em algum momento
buscamos como uma alternativa para aliviar os problemas. A crença na mágica parte do
desejo de que haja algo que ajude a ter controle sobre as situações que escapam do alcance
do ser humano e neste “universo” que elas se situam, como a doença, a morte. “O homem
percebe essa morte, mas ao mesmo tempo a recusa, pois ela rasga, separa, abre uma
brecha até a dilaceração, e deve ser preenchida com os mitos e os ritos de sobrevivência”
(MORIN apud QUINTANA, 1999, p. 31). Há um sistema de trocas simbólicas que atende
as ações boas ou más do ser humano e a lógica da vontade de Deus repercute em
resignação mediante catástrofes, doenças e morte.

Esta aparente religião-magia de barganhas não serve só aos interesses


materiais de uma classe, não é percebida pelos seguidores como um
empório de poderes e de ajudas. Ela responde de modo eficaz às
condições materiais da vida subalterna da classe [...] (BRANDÃO,
2007, p. 184).

Nesse meio o bem e o mal estão em constante batalha pelas almas e os seres
humanos sempre ameaçados pelo maligno. No entanto, Deus sempre vencerá, ele é o
poder supremo. Nesse meio, o ser humano não é passivo, ele é agente direto e suas ações
determinam quem vence a batalha. São vitórias provisórias que dependem das ações boas
ou más do ser humano, o fazendo merecedor da graça ou da desordem. É nesse momento
que se recorre a um agente mediador.
O agente mediador, ou no caso de nosso estudo, as benzedeiras, são os que
recorrerão por meio de artifícios diretos de “magia”, nas palavras de Brandão (2007). Elas
são as agentes merecedoras e medianeiras para a quebra dos males.

Cabe ao homem fazer por sua conta o diagnóstico da aflição, determinar


a estratégia de resistência, produzir os rituais de mediação sobrenatural,
proclamar o tipo de resultado obtido e, finalmente, promover os atos de
recompensa ou, até mesmo de castigo do santo – pagar a promessa por
um voto valido, reforçar atos devocionais de fidelidade ou de discórdia,
colocar de cabeça para baixo a imagem do padroeiro, escondê-la no
meio de um poço, pendurada por uma corda; ou interromper uma
relação de trocas de serviços preferenciais com um santo (BRANDÃO,
2007, p. 193).
52

Assim, acredita-se no meio popular que através dos esforços pessoais e


manipulações mágicas é capaz das situações serem revertidas ao seu favor. A doença é
tomada como uma desordem, uma quebra de equilíbrio que precisa ser reordenado. Faz-
se necessário encontrar um sentido para a dor e sofrimento, uma explicação. Uma
explicação que só pode ser dada por uma pessoa reconhecida pela sociedade, e de maneira
que possa ser compreendida pelo paciente.

[...] o processo terapêutico é uma encenação através da qual se estaria


ressignificando uma determinada perturbação, por isto é tão importante
aquilo que se receita como o processo através do qual tal receita é dada.
Dito de outro modo, tanto as rezas como os chás somente adquirem um
sentido, e, portanto, se tornam eficazes, quando inseridos no contexto
ritual. Fora dele, perdem todo seu poder, pois deixam de ser
significantes e, então, não vão poder operar mudanças no discurso do
paciente (QUINTANA, 1999, p. 55).

Assim como o médico é validado pelo diploma que recebe, a benzedeira é


reconhecida pela quantidade de pessoas que a procuram e orações atendidas pelo seu
intermédio. Tendo o reconhecimento não só do paciente, mas também de uma sociedade
que reforça suas crenças diante da eficácia de seus procedimentos e significados
estabelecidos. Hoffmann-Horochovski (2015), relata que uma de suas entrevistadas
afirmou que a experiência ajuda a diagnosticar quando o seu processo não dará conta da
doença, aconselhando os pacientes a procurarem um médico e que outras vezes o médico
recomenda a procurar uma benzedeira. Percebemos que a prática da benzeção e
tratamentos naturais indicados pela benzedeira, não anula os conhecimentos da medicina
convencional. Antes, a benzedeira percebe a sua limitação, por sua vez, há médicos que
reconhecem e alguns até procuram pelas orações das benzedeiras, fazendo pensar sobre
o alcance e influência que a cultura popular pode ter em meio a contemporaneidade.
Os significados dados para a origem dos problemas fogem de uma explicação
racional, elas encontram significados para as coisas de forma que não seriam notadas no
cotidiano, significados esses que só fazem sentido dentro do processo ritual de cura e de
benzeção. Cada situação é diagnosticada, sendo necessário para a cura o conhecimento
do problema que é relatado pela pessoa e cada problema requer um tratamento específico
e recebe um significado de acordo com seu contexto, levando-se em consideração a
totalidade da pessoa, o corpo e o espírito como uma harmonia (SANTOS, 2009). Como
exemplo de um acontecimento simples que acaba ganhando uma significação é a da
benzedeira Dona Helena, citada por Quintana durante sua benzeção com brasa, “as brasas
do fogão à lenha começam a estalar, soltando faiscas, e a cliente pergunta: Cliente: E que
53

as brasas tenham estralado, significa alguma coisa? Dona Helena: Estralar é bom, é
muito dinheiro, muita saúde” (QUINTANA, 1999, p. 109).
As benzedeiras também diagnosticam doenças e as nomeiam de acordo com o
próprio entendimento. Alguns nomes de “doenças de benzedeiras” ou “rezadeiras”
especificada por Santos:

[...] olhado; quebrante; vento caído ou vento virado; espinhela caída;


carne triada; isipa, fogo selvagem e mal-de-monte e cobreiro. Algumas
rezadeiras orgulham-se ao afirmar serem detentoras de uma prática que
os médicos não sabem diagnosticar. “Eu só deixo de rezar quando
morrer. Doutor nenhum dá jeito a olhado. Quem dá jeito é a reza de
Deus”. (Informação verbal, Dona M. J. B., abr. 2006) (SANTOS, 2009,
p. 21).

O ritual da benzeção varia entre as praticantes, apesar de haver muitos elementos


comuns. Algumas se utilizam de garrafadas, velas, receitas de chás; outras, da costura,
imposição das mãos tendo em posse o rosário, água benta, oração com brasa, rito com
pena de galinha preta mergulhada em óleo, são inúmeras as fórmulas praticadas por elas.
Hoffmann-Horochovski, em sua pesquisa sobre as benzedeiras do Paraná que praticam a
benzedura por costura, relata que as mesmas se utilizam de um tecido no qual costuram
em formato de cruz enquanto recitam uma oração que possui uma dinâmica de interação
com o paciente.

Em pé, mas agora segurando um pano que costura com uma agulha com
fio branco, pergunta: “O que é que eu coso?”. O paciente responde:
“Carne rasgada, Nervos torcidos, Coluna, Quadril, Torcicolos, Pescoço,
Ombros, Peito aberto, Espinhela caída, Os braços, Os fêmur, Os
joelhos, As pernas e os pés. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo, Amém!” (HOFFMANN-HOROCHOVSKI, 2015, p. 10).

Ou o ritual com ramos verdes e gestos em cruz, como relata Santos: “Jesus quando
andava no mundo tudo que achou levantou. Levante o vento caído de fulano com o vosso
divino amor”. (Informação verbal, Dona M. P., maio 2006) (SANTOS, 2009, p. 23).
Oração que ela recita três vezes. O sinal da cruz, o número três, os galhos de plantas, são
alguns dos símbolos mais frequentemente utilizados por elas. Quintana (2009) percebe
quatro áreas de atuação das benzedeiras: o de controlar acontecimentos que ainda não
ocorreram, quando os pacientes a procuram com o intuito de conseguir um bem futuro
como o de passar num concurso público, um namorado, emprego, etc, crentes da
capacidade de intervenção da benzedeira; identificar as dificuldades que se impõe além
das que os pacientes coloca, como se tendo o poder de enxergar a causa do mal; agir
contra os males decorrentes do mau-olhado de alguém sobre a pessoa; curar através de
54

seus conhecimentos das ervas medicinais. Havendo entre essas orações, algumas com
propósitos de agradecimento e até mesmo para se ter conhecimento do dia da inevitável
morte e assim obter a graça do tempo de arrependimento e assim evitar a perdição eterna.

Minha Virgem Senhora, minha Virgem Sagrada, que deste mundo foste
rodeada de anjos, do sol, das estrelas e da lua, por aquele carreirinho
acima, que tem um cordeirinho amado, leve tudo, leve meu Jesus
crucificado. Três dias antes que eu morra, que a minha Virgem me
apareça, dizendo: “Filho(a), filhinho(a), vamos nós se confessar, tua
alma será salva e há de ir para um bom lugar. Quem é aquele que lá
vem? Quem é o cálice da hóstia? Não é o cálice nem a hóstia, é o
menino Jesus que lá vem”. Quem souber essa oração, reza um ano
continuado, que tira uma alma da pena e a sua dos pecados
(MARQUETTI; LOPES DA SILVA, 2015, p. 119).

O imaginário das benzedeiras é dotado de simbolismos que visam reconstituir o


equilíbrio sobre a vida das pessoas, que acreditam ter sido prejudicado por influências
negativas. Essas construções simbólicas nascem para se unir aos outros simbolismos que
são construídos no cotidiano, tidos como reais, mas que não conseguem satisfazer por
completo as necessidades da pessoa.

1.4 A trajetória de Edelarzil Munhoz Cardoso: “A Mulher do Algodão”

1.4.1 A história de Edelarzil Munhoz Cardoso

Figura 1: Edelarzil, a “Benzedeira do Algodão”


55

Capa de sua biografia

Edelarzil Munhoz Cardoso (Figura 1), conhecida como a “Mulher do Algodão”,


“Benzedeira do Algodão” ou, ainda, “Médium do Algodão”, nasceu numa família
humilde na cidade de Nova Granada situada no interior de São Paulo no dia 27 de agosto
de 1946 às 20h00. Sua família é de ascendência espanhola, seus pais, Antônia Martins
Munhoz e José Munhoz8, transmitiram-lhe a fé católica e, segundo ela, desde a infância,
manifestou intensa inclinação religiosa. Aos sete anos aprendeu a rezar a oração do terço
como prática devocional. Era uma criança desenvolta e comunicativa, tendo como
brincadeiras favoritas procurar magia enterrada e montar altares para a oração. Aos três
meses de idade, Edelarzil, conta que adoeceu gravemente, ficando desenganada pelos
médicos. Seus pais, convictos de que a morte da filha seria inevitável, colocaram uma
vela em sua mão. Foi então, que a mãe dela recorreu a Santo Antônio de Pádua e às
novenas em honra do mesmo, fazendo-lhe promessas para que sua filha sobrevivesse, o
que, de fato, aconteceu. Edelarzil atribui sua cura à intercessão

8
Faleceu no dia 22 de agosto de 1990 (SANTOS, 1997, p. 15).
56

do santo que ela denomina como “guia de transporte”. “Com a decisão tomada, dona
Edelarzil recebe e desenvolve os dons de materialização e transporte através de seu guia
espiritual, Santo Antônio” (SANTOS, 1997, p. 10; CASA CAMINHO E LUZ, s/d, p. 10).
Mais tarde, aos quatro anos de idade, adoeceu novamente e foi curada da mesma maneira.

O ato da benzeção (ou benzedura), assim como a orientação de seus guias


espirituais, teriam começado a manifestar-se em meio das dinâmicas infantis, em que
benzia as bonecas das amigas e receitava remédios para curar vermes, remédios esses,
orientados pelos “guias”, que acabavam demonstrando eficácia. “Desde três anos eu
tenho vidência. Meu pai falava que eu era louca e eu achava que não era normal, então eu
achava que todo mundo que tava não via, só eu via, então, a louca era eu” (TRV 3).
Em 1951, aos cinco anos de idade, mudou-se para Parisi, antes conhecida como
Distrito de Votuporanga, na região de São José do Rio Preto – SP. Teria começado a viver
experiências mediúnicas, recebendo a aparição de santos como Santo Antônio de Pádua,
o Arcanjo São Gabriel, Nossa Senhora do Rosário e, depois, de outros santos, assim como,
a visão de espíritos de luz e espíritos das trevas, confrontando-a a fazer uma opção.
Edelarzil, optou por escolher a luz. Ainda nessa idade, numa das supostas aparições de
Nossa Senhora do Rosário, ela teria recebido da santa recomendações e um pedido, para
que quando ela completasse treze anos de idade, passasse a dedicar a sua vida às pessoas
que a procurariam para a resolução de problemas graves de doenças físicas e espirituais.
Existem duas narrativas que divergem um pouco entre si, em relação a idade de
Edelarzil ao receber o dom. A narrativa de Edelarzil Munhoz em frente às câmeras na
década de 1990, que coincide com sua narrativa no livro editado por Santos (1997), num
capítulo onde ela conta brevemente sua vida. Nessa narrativa ela teria recebido o dom de
materializar objetos, de Santo Antônio de Pádua, aos nove anos de idade. No mesmo livro,
Santos9 escreveu que Edelarzil teria recebido o dom após uma doença muito grave aos
dezessete anos de idade, versão que é mantida no livro atual emitido pela Estância Casa
Caminho e Luz, que começou a ser distribuído sem data em 2018. No entanto, cremos ter
sido feito por volta do fim de 2017 ou mesmo logo no início de 2018. A história contada
por Edelarzil, não consta nessa nova versão.

9
Adriano B. Santos – não há quaisquer informações sobre o autor além de seu nome. O livro “Edelarzil:
A história de um dos maiores fenômenos espirituais do Brasil”, foi lançado por meio de gráfica comum
contendo 58 páginas. Achamos um único exemplar na web em um sebo em Sorocaba. No livro, há promessa
de que haveria uma nova edição, porém, não sabemos se houve essa outra edição.
57

Aos nove anos, decidiu a contragosto do pai, ajudá-lo no trabalho da lavoura do


algodão, onde, no terceiro dia teria tido uma visão de Nossa Senhora do Rosário. Por
causa disso, recebeu inúmeras visitas em sua casa, de pessoas que queriam conhecê-la,
pois a consideravam abençoada com o dom de curar. Situação essa, que a teria feito passar
por louca, o que a fez se esquivar das pessoas e incomodado muito o pai dela. “Desde os
cinco anos que eu faço orações pedindo ajuda ao próximo e com nove anos de idade já
atendia milhares de pessoas de todo o Brasil” (SANTOS, 1997, p. 16). O dom de
“transporte e materialização” ela atribui a Santo Antônio de Pádua, um dos santos que
tem como seu guia protetor, esse é conhecido no meio popular por ajudar a encontrar
objetos perdidos e ajudar as moças solteiras a encontrar um marido. A médium relatou
que, nessa época, pessoas teriam chegado a raspar as paredes de madeira de sua casa para
fazer chá, pois acreditavam que assim ficariam livres de seus males. Situação que teria
perdurado até seus dezessete anos.
Dos nove aos dezessete anos, segundo seus relatos, teria trabalhado muito nas
materializações e ficado gravemente doente, foi aí que sua consagração definitiva teria
acontecido. Ela, então, se viu diante de uma proposta de Nossa Senhora do Rosário,
“Viver para ajudar seus semelhantes, se preciso com sofrimento, ou na morte” (CASA
CAMINHO E LUZ, s.d., p.10). Decidida a seguir seu caminho, o que ela diz ter sido
simples, aceitando dedicar sua vida a ajudar as pessoas. A partir daquele momento, teria
recebido de seu guia protetor, Santo Antônio de Pádua, e desenvolvido o dom de
materializar e transportar objetos para o algodão. Fenômeno central, em torno do qual,
giram os aspectos fundamentais desta pesquisa.
58

Figura 2: Natalino Cardoso: Marido de Edelarzil

Fonte: https://www.youtube.com (02m25s)

Em 1964, com dezoito anos, casou-se com Natalino Alves Cardoso, com quem
teve seis filhos (três homens e três mulheres), a mais velha chama-se Elizabete Rosângela,
depois nasceu Eliane Aparecida, em sequência nasceram, Marco Antônio, Carlos, Ivan
Roberto e depois a caçula, Ellen Flávia. Durante sete anos atendeu várias pessoas por
carta, para melhor se dedicar à família. O marido, contou em entrevista para o “Globo
Repórter” (Rede Globo de Televisão), que teve que se acostumar com os mistérios que
cercavam sua esposa “Tinha vezes que o guarda-roupas abria e fechava e eu fiquei muito
amedrontado, inclusive eu passei a dormir no canto” (TRV 3). Ele queria uma vida mais
tranquila com a esposa, o que não era possível com a demanda de pessoas que a
procuravam diariamente. “Já sofri muito para criar meus filhos e, também, meu esposo
que não aceita meus trabalhos espirituais” (SANTOS, 1997, p. 16), desabafou a médium.
Natalino acreditava ter conseguido controlar por algum tempo a situação, enquanto isso
Edelarzil atendia as pessoas às escondidas. Foi assim, até um homem rico lhe oferecer
um carro, se permitisse que em troca, deixasse a mulher voltar a atender a todos que a
procurassem, conseguindo de Natalino o consentimento que Edelarzil queria.
Edelarzil, voltou a adoecer em 1972, emagreceu, ficando muito debilitada e, em
1973, decidiu retomar os atendimentos de materialização pessoalmente.
59

Figura 3: Casa de Edelarzil no sítio em Parisi após seu casamento

Fonte: SANTOS, 1997, p. 10

O fenômeno consiste na crença de que são materializadas as influências negativas


presente na vida das pessoas, como consequências de trabalho de magia negra, olhares de
inveja, espíritos obsessores ou, até mesmo os próprios pecados e negativismos contraídos
pela própria pessoa em questão. Os objetos são materializados e transportados para o
algodão: velas coloridas com diversos formatos, flores de plástico, ossos de animais e até
mesmo ossos humanos, larvas vivas, cacos de vidro, entre outros materiais. Existe uma
lista de significações sugeridas pela própria Edelarzil, que cataloga 126 objetos10, porém,
cada pessoa interpreta, além dessas sugestões, segundo suas próprias necessidades e
vivências. No entanto, muitas dessas figuras simbólicas que são materializadas no
algodão, não constam nessa lista, como, por exemplo, partes de animais em
decomposição.
Segundo seus relatos, até 1980, ela atendia as pessoas de maneira informal,
conforme lhe procuravam e apresentavam suas necessidades de cura e resoluções de
problemas. No entanto, a partir daquela década, ela, já morando numa fazenda na cidade
de Parisi onde o marido era empregado, passou a atender regularmente. O número de
pessoas, desde então, aumentou cada vez mais e transformou-se numa grande romaria, de
milhares de pessoas. Com isso, o fazendeiro, patrão de seu marido, cedeu-lhe outra casa
para dedicar-se aos atendimentos que cada vez mais eram reconhecidos pelas pessoas,
que passaram a realizar doações para ela. Foi nessa casa que ela abriu o seu primeiro

10
Ver catálogo na página 191.
60

centro em Parisi, o centro Nossa Senhora do Rosário. Dessas doações, Edelarzil montava
em torno de cem cestas básicas para doar para pessoas carentes.
Ela conta que, até o início dos anos 80, as materializações caiam como uma chuva
em cima das pessoas que a procuravam, “Quando eu trabalhava, não usava algodão. Eu
mentalizava e caiam direto sobre as pessoas, mas machucava, sujava... caco de vidro
cortava, ossos... machucava e as pessoas saíam sujas e com medo. Quando começava a
cair, já todo mundo queria correr” (TRV 2). “Os objetos se materializavam em cima das
pessoas, aí caía coisas cortantes, caía..., machucava. Caía igual uma chuva, então a gente
não sabia de quem era...de quem nada... sabia que estava recebendo a limpeza espiritual”
(TRV 3). Preocupada, recorreu ao auxílio de seus guias espirituais, para que lhe dessem
uma solução para que o fenômeno não assustasse e nem machucasse as pessoas, isto
posto, indicaram para ela, o uso do algodão.
Edelarzil fundou o centro “Nossa Senhora do Rosário” em Parisi, onde trabalhava
com materializações três vezes por semana e teria chegado a atender até 5.000 pessoas,
num só dia. As pessoas procuravam-na de carro ou fretamento de ônibus, ela começava a
trabalhar às 08h00, não tendo horário para terminar, sendo que, muitas vezes encerrava o
trabalho por volta das 02h00 do dia seguinte. Além do trabalho durante a semana, ela
relata que dez anos da sua vida foram dedicados a visitação de outras cidades pelo Brasil
inteiro durante os fins de semana, onde a chamavam para materializar.11
Em 1997, Edelarzil mudou-se de Parisi para uma chácara em Votuporanga, cidade
situada na mesma região paulista. Um médico, cujo nome não tivemos acesso, foi quem
doou o sítio onde a médium fundou sua nova casa de atendimento, intitulada Estância
Casa Caminho e Luz, onde permanece até os dias de hoje. Um local bem organizado, com
casas de acolhimento para os visitantes passarem a noite, uma casa para atendimento de
Tarô, um espaço reservado para as materializações (com escritório, capela e área de
espera) e um restaurante. Atualmente, ela trabalha com o auxílio dos filhos e da nora.
Na década de 90, a “Mulher do Algodão” chamou a atenção da imprensa, devido
à sua popularidade e grande massa atraída pelo fenômeno. Edelarzil, a Benzedeira do
Algodão, já foi alvo de várias reportagens, nos mais diversos jornais, rádios e emissoras
de televisão, inclusive no Fantástico e Globo Repórter12 da TV Globo, Mistério13 da
Manchete e programa Eli Corrêa” da Rádio Capital (CARDOSO, s.d., p. 11). Com o

11
Essas viagens pelo Brasil ocorreram na década de 1990, década em que ela era constantemente foco das
diversas mídias.
12
Globo repórter: entrevistada pelo repórter Domingos Meirelles em 23 de agosto de 1991 e em 11 de
outubro de 1991 com a presença do padre Oscar G. Quevedo.
13
Programa presentado por Walter Avancini em 1997. Ela foi entrevistada pelo repórter Raul Silvestre.
61

passar dos anos, Edelarzil foi limitando cada vez mais a quantidade de pessoas, na época
em que foi entrevistada pelos programas, Fantástico, Globo Repórter e Mistério, ela já
tinha reduzido de uma média de 1.500, para 300 pessoas. Nos tempos atuais, ela restringiu
as visitas a uma média de 50 a 100, que em sua maioria, a visitam através de alguns líderes
de caravana autorizados por ela e com data marcada. Outros que a procuram por conta
própria, não deixam de ser atendidos, porém, desde que respeitem o horário de
preparação, todos devem chegar antes das 11h00, as materializações começam por volta
das 13h00. Ela afirma pretender diminuir ainda mais os atendimentos, pois está em idade
avançada e cansada.
Algumas personalidades famosas, também a teriam visitado.

Edelarzil é muito conhecida, e já foi visitada por inúmeras


personalidades do meio artístico, comercial, industrial e políticos,
dentre eles, a dupla Chitãozinho e Xororó, o ator global Raul Cortez, a
cantora Nalva Aguiar, os irmãos Roberto e Mineirinho, além da atriz
Shirley Maclaine, entre outros (CASA CAMINHO E LUZ, s. d., p. 11).

Na internet consta o interesse de alguns pesquisadores em estudar o fenômeno do


algodão realizado por Edelarzil. Entramos em contato com um deles o Dr. Wellington
Zangari, psicólogo da religião e psicólogo social, porém, nos informou que visitou
Edelarzil com outros colegas da USP, mas apenas para observar, não resultando algum
artigo sobre. Até este momento (2019), não encontramos quaisquer pesquisas acadêmicas
sobre ela. Somente notícias em revistas e jornais online.

1.4.2 A atuação de Natalino Alves Cardoso na trajetória religiosa de Edelarzil

Natalino Alves Cardoso, nasceu em 25 de dezembro de 1943, comerciante, casado


com Edelarzil Munhoz Cardoso desde 1964. Sobre a atuação de Natalino na vida
mediúnica da esposa, ele aparece como uma figura discreta e necessitamos de muitas
horas de pesquisa para obtermos alguma informação sobre ele. As poucas falas sobre seu
pensamento a respeito do trabalho de Edelarzil foram aquelas que registramos em
transcrição ipsis litteris anexado a este trabalho. Em entrevista para o “Globo Repórter”
da Rede Globo de Televisão ele falou brevemente:

Senhor Natalino, o marido, diz que, logo depois do casamento, teve que
se acostumar com os mistérios que testemunhava dentro de casa.
Natalino: Tinha vezes que o guarda-roupas abria e fechava e eu fiquei
muito amedrontado, inclusive eu passei a dormir no canto... (de medo,
diz Edelarzil) (TRV, 3).
62

Em outra entrevista, em 1997, para o programa “Mistério” da extinta TV


Manchete ele lamenta:

Eu queria uma vida mais tranquila e eu achava que aquele povo todo
me atrapalhava, assim. Eu queria ela mais junto de mim e quando vinha
aquele povo eu...sempre arrodiado dela, e aquilo tudo pra mim, não
parecia tão importante. Aí não teve como segurar, a pessoa chegou aqui
e ela começou a atender essa pessoa escondida e era uma pessoa de
bens... ela chegou aqui e disse: “Porque você não deixa ela atender?”.
E eu disse “Não aceito!” – aí ele falou: “Mas eu vou te dar um presente
e se eu te der esse presente, você deixa? [...] Eu vou te dar um carro pra
você e daí você deixa atender todo mundo” e ele trouxe, colocou aí, eu
aceitei aquilo e, por aceitar aquilo, eu perdi toda a liberdade que eu tinha
com a minha esposa (TRV 2).

Fora isso, não há mais pronunciamentos dele. O que transparece nas breves falas
de Natalino, é que, para ele, o trabalho de Edelarzil não fazia sentido, ele queria sua esposa
próxima dele e a multidão fazia com que isso não fosse possível, chegando a “proibi-la”
de realizar os atendimentos. Vemos aqui que, na verdade, Natalino esperava que seu
casamento não fosse perturbado pelo fenômeno envolvendo a pessoa de sua esposa. Para
Natalino, provavelmente, essa quebra de sistema deve ter sido difícil e confuso.
Percebemos também, que não foi fácil para Edelarzil driblar a situação. Porém, ela não
parece ter se submetido à proibição e continuou atendendo às escondidas. Natalino, por
sua vez, parece sentir por ter concedido “permitir” que Edelarzil atuasse em troca de um
presente oferecido, um carro, por um de seus clientes, o que segundo ele, fez com que
perdesse a liberdade em relação à esposa.
Aqui não temos a pretensão de fazer uma análise da vida familiar de Edelarzil e
Natalino, mas a atuação e influência do esposo sobre a carreira da mulher. No dia da
visita, percebemos a presença dos filhos e de uma das noras, porém, não notamos a
presença de Natalino e mais à frente, em nosso texto, cremos que voltaremos a essa
questão. Mas até aqui, não parece que o mesmo tenha tido maiores influências sobre o
trabalho de Edelarzil ou na construção de seu imaginário místico. Mas levantamos a
hipótese de que talvez pudesse ter ocorrido algo um pouco ao contrário, talvez Edelarzil
tenha influenciado a carreira política do marido.
Observamos em nossas pesquisas, que Natalino foi um cidadão atuante na política,
tanto na cidade de Parisi como na cidade de Votuporanga. Parisi se emancipou no ano de
1991, até esse tempo, ela era distrito de Votuporanga na região de São José do Rio Preto.
No Memorial da cidade, publicado na internet, consta os nomes dos primeiros cidadãos
parisienses a serem eleitos para representar o povo:
63

Os Primeiros representantes eleitos em 1992. Prefeito Municipal:


Alzimiro Brantis, casado com Walkiria Carlos da Silva. Vice- Prefeito:
Antônio Prette. Câmara Municipal: Vereadores – Esmeraldo Fedoce,
Aparecido Carrasco Pereira, Aparecido da Silva, Ivair Gonçalves dos
Santos, Natalino Alves Cardoso, Genésio Francisco dos Santos, José
Luiz Parisi, João Èlio Ventura e Nivaldo Hernandes (MEMORIAL DE
PARISI, grifos nossos).14

Natalino foi um dos primeiros vereadores da cidade de Parisi, numa época em que
Edelarzil já era famosa e promovida em entrevistas em jornais e televisão. Mais tarde, já
Figura 4: Candidatura de Natalino em 2004

Fonte: https://www.eleicoesepolitica.net/vereador2004/SP

residindo em Votuporanga, Natalino se candidatou ao cargo de vereador, sob o apelido


de Bico Doce (Figura 4). Em 2015, Natalino e Edelarzil, receberam uma homenagem da
Revista Conexão (Figura 5), como os melhores de 2014, pelos serviços prestados ao
município de Votuporanga. No quadro da homenagem, o nome “Natalino Alves Cardoso
– Bico Doce (apelido de Natalino) – ex vice-prefeito de Parisi” e em seguida o nome de
Edelarzil, embora com grafia incorreta, identificada como médium. Não encontramos
informações sobre Natalino ter sido eleito ou não, vereador de Votuporanga em 2004. No
entanto, o quadro no qual ambos, tanto Natalino como Edelarzil são homenageados por
serviços prestados, pode ser que realmente ele tenha sido eleito naquele ano ou mesmo
numa outra eleição. O fato é que apesar de ser uma figura discreta ao lado da esposa,
Natalino parece ter sido bem-sucedido na política.

14
Disponível em < http://www.memorialdosmunicipios.com.br/listaprod/memorial/historico-
categoria,189,H.html> Acesso em 01 jan. 2019.
64

Figura 5: Homenagem à Natalino e Edelarzil

Fonte: httpswww.facebo.comphoto.

Figura 6: Edelarzil e Natalino

Fonte: http://3.bp.blogspot.com

Em 2016, Edelarzil gravou uma de suas palestras a pedido de seu marido.

Hoje eu estou aqui gravando... Eu quase não gosto de gravações, mas


pelo pedido do meu esposo, ele quer guardar por recordação de tantos
tempos de trabalho e de luta. Então estou gravando, pra passar
mensagem pra todos: de fé, de amor, de paciência e de humildade. Que
Deus ilumine a todos e que Deus os acompanhe! (TRV 1).
65

Ao longo desta dissertação ficará cada vez mais clara sobre qual seria a atuação
da família de Edelarzil em seu trabalho, no desenvolvimento do seu imaginário e nos
serviços oferecidos em seu espaço Estância Caminho e Luz. Não percebemos a presença
de seu marido no dia da visita, no entanto os filhos estavam lá. Através da fala da médium
descrita acima, dá-se a entender que Natalino, mesmo que talvez não concordando
completamente com o trabalho da esposa, esteve a acompanhando de alguma forma, além
de trilhar o caminho da política e do comércio.

Considerações intermediárias

Como podemos observar neste capítulo, não há como compreender o cenário


religioso brasileiro e suas pluralidades sob uma ótica meramente contemporânea. É
preciso aproximar as “lentes” deste tempo àquele tempo, para analisá-lo a partir da
gênese cultural, levando em consideração o tempo, a mentalidade e os costumes, assim
como suas mudanças ao longo dos anos. Ou seja, as coisas não se fizeram hoje, foram
feitas, são consequências de séculos de construção. Como nos disse Espín, o ser humano
é um ser aculturado, somos produtos do meio em que vivemos e até mesmo a
religiosidade se constrói em meio à cultura.
O cenário brasileiro, receptáculo de diversas culturas que se amalgamaram às que
já habitavam aqui, tornou possível uma eclosão de religiões “mágicas” e emotivas. Sendo
assim, não haveria o por que esperar que o brasileiro não fosse dado ao místico e à
subjetividade. Durante séculos a religiosidade católica foi predominante, porém, não
uniforme, popular e menos romanizada, por mais tempo, organizada pelo povo do que
pelo clero. Em vista disso, falou mais alto a necessidade do povo e a devoção aos santos
do que a própria instituição e os sacramentos.
O protagonismo do povo na religiosidade brasileira deu abertura e promoveu as
mulheres “piedosas” da comunidade, conhecedoras das forças da natureza, dos amuletos
e das orações “eficazes”, que, como portadoras da sensibilidade feminina e, portanto,
mais ligadas ao divino, dentro deste imaginário, são as escolhidas intermediárias entre
Deus e os homens. Mulheres santas, carregando consigo um encargo sagrado, elas se
resignam perante “a vontade de Deus” e cumprem seu papel dentro da comunidade, com
sacrifício e gratuidade. Esse é o arquétipo construído em torno das rezadeiras e
benzedeiras brasileiras dentre as quais, Edelarzil Munhoz Cardoso é representante dentro
da nossa pesquisa, ou assim cremos ser, ou ela se identifica ser. No entanto, não nos
66

apegaremos ao arquétipo para estudá-la, mas estudaremos o seu espaço religioso e sua
performance para buscar uma identificação de Edelarzil dentro da religiosidade popular
brasileira e seu protagonismo individual a fim de apreciar as proximidades e seus
distanciamentos com sua classe. E assim, desapegados, estarmos preparados para as
eventuais surpresas que essa personalidade possa nos proporcionar no decorrer do texto.
67

CAPÍTULO 2
A CULTURA MATERIAL DA ESTÂNCIA CASA
CAMINHO E LUZ: INDICADORES DE RAIZES E
RELAÇÕES RELIGIOSAS

Introdução

Neste capítulo expomos de maneira descritiva, sob o modelo de análise


iconográfica de Panofsky, a cultura material da Estância Casa Caminho e Luz, o lugar
onde Edelarzil Munhoz Cardoso, a “Mulher do Algodão”, recebeu as caravanas e visitas
individuais, onde as pessoas são hospedadas, alimentadas e onde Edelarzil, então, pratica
seus ritos de materialização. Trata-se de uma primeira aproximação ao complexo
imaginário da “Benzedeira do Algodão”, que ao longo do tempo, foi agregando símbolos
e moldando sua performance ritual. Nesse primeiro momento, vamos investigar o espaço
da celebração e seus arredores, vamos registrar as suas funções e a sua ornamentação, os
artefatos que se encontram nele e vamos tentar identificar as suas relações com as diversas
“matrizes” que identificamos no primeiro capítulo como possíveis fontes formativas para
a performance religiosa de Edelarzil Munhoz Cardoso. O que o espaço nos conta e o que
o espaço conta a quem visita esse lugar em busca de atendimento? Com isso, buscamos
um caminho adicional e até então incomum nos estudos da religião, não tão incomum,
porém, aos estudos etnológicos, antropológicos: o da história da arte. Abordaremos,
então, em seguida, a importância da Cultura Visual e Material para os estudos e
compreensão da religiosidade brasileira, em termos gerais, e das práticas religiosas de
Edelarzil Munhoz Cardoso, em especial. Para isso, identificaremos e descreveremos sua
cultura visual e material, como ela se apresenta mediante a estrutura de seu centro
religioso, a Estância Casa Caminho e Luz, fundada por ela na zona rural de Votuporanga,
São Paulo. Após isso, apresentaremos a composição do espaço cúltico, as referências
simbólicas religiosas ali empregadas e por ela utilizadas como elementos da narrativa de
seu ritual. Em todo ambiente religioso criado por Edelarzil Munhoz, procuramos nos
68

atentar às pistas que podem nos auxiliar a compreender o imaginário e a cosmogonia que
ela foi construindo e significando em seu espaço, em alguns momentos de nossas
descrições iconográficas, devido ao contexto do nosso estudo, ultrapassaremos o Tempo
Primário da análise para o Tempo Secundário, com algumas identificações hagiográficas,
no entanto, guardaremos nosso estudo iconológico (Significado intrínseco) para ser
melhor apresentado no próximo capítulo.
Guardamos por um momento, que Edelarzil Munhoz, assumia para si mesma nos
seus pronunciamentos ser uma benzedeira de profissão de fé católica. Espera-se, então,
que elementos do imaginário católico sejam encontrados naturalmente não somente em
sua performance, suas referências simbólicas e imagens discursivas, mas, também no
próprio espaço da realização dos ritos. Portanto, queremos ficar atentos no decorrer de
nossa pesquisa se poderemos apreciar a presença de elementos de outras expressões
religiosas que, ultrapassando as fronteiras do catolicismo, dialogam em sua performance
e em seu rito, como as religiosidades africanas, indígenas, espíritas entre outras.

2.1 A importância da cultura visual e material para os estudos da religião

Quando falamos de cultura visual, devemos nos ater à constatação de que o ser
humano se utiliza de muitas linguagens para se comunicar e comunicar sua religiosidade,
por imagens, ritos, textos, músicas, dentre outros. Segundo Renders (2015), a construção
da religiosidade brasileira, pressupostamente, teria sido formada muito mais pelas
linguagens das imagens, artefatos e ritos do que por meios de textos, isso por causa da
amalgamação de muitas culturas. No período em curso, permanecemos ligados a essa raiz
imagética de nossa cultura, como pode-se perceber na comunicação da sociedade: um
grande predomínio da comunicação visual. Enquanto a importância da cultura visual na
história não tenha o mesmo reconhecimento em todas as religiões e todas as vertentes do
cristianismo, por exemplo, no protestantismo brasileiro e, especialmente, no
pentecostalismo, há em nosso tempo atual, uma nova sensibilidade para o assunto: pode-
se afirmar que hoje habitamos em uma cultura da visualidade. Isso se constata, por
exemplo, no predomínio imagético na internet. Não se recorre a textos, mas aos memes,
logotipos e símbolos visuais. “Em resposta a essa situação acreditados que seja
fundamental interpretar as religiões brasileiras considerando as suas interfaces com as
respectivas culturas materiais e visuais, às quais elas pertencem e que elas representam e
constroem” (RENDERS, 2015, p. 64). Essa percepção da importância atual da cultura
69

visual, inclusive no campo religioso, despertou também um novo interesse na relação


entre a história da religião e a sua cultura visual e perguntou-se: o fenômeno atual da
ampla aceitação da cultura visual nas religiões chega como novidade, inclusive no mundo
evangélico, ou revela mais continuidade do que se imaginava antes? Partes dessas
perguntas não se aplicam a nossa pesquisa já que o aspecto “evangélico” ou “protestante”
de Edelarzil Munhoz Cardoso nos parece, no mínimo por enquanto, remoto. Por outro
lado, são as suas materializações como indicadores de problemas ou males algo único,
que também se explica facilmente com a matriz do catolicismo popular. Os espaços e os
artefatos encontrados neles nos contam algo mais sobre isso.
Para “ler” os espaços, seus respectivos artefatos e as imagens, recorremos a uma
percepção articulada por Mircea Eliade, um historiador da religião, e um método proposto
por Erwin Panofsky (1892-1968), historiador de arte. A referência de Eliade nos é
importante para compreender a distinção entre os espaços sagrados e profanos, segundo
suas pesquisas, já que a Estância Caminho e Luz é um espaço maior com zoneamentos
específicos. Para Eliade, “centros do mundo” ou espaços sagrados muitas vezes são
considerados lugares de hierofanias, lugares do aparecimento do divino. Por causa disso,
entendem diversos povos que, por exemplo, fontes de água sejam lugares sagrados, como
interfaces entre o sagrado e o profano. Mas, Eliade também reconhece que lugares
sagrados podem ser construídos. Assim, em “Imagem e símbolo”, onde ele dedica um
subcapitulo inteiro ao tema da “Construção do centro” (ELIADE, 1991). Interpretamos,
em seguida, a “Estância Caminho e Luz” como um centro construído no sentido de um
espaço construído por e, ao mesmo tempo, para ritos sagrados praticados. Trata-se de uma
“construção ritual do espaço” (ELIADE, 1992) onde a repetição do rito da materialização
de objetos transforma o lugar em um lugar da hierofania. Dentro dessa perspectiva,
distinguimos, então, os espaços encontrados na “Estância Caminho e Luz” segundo as
suas funções: “A `Estância Casa Caminho e Luz´, como terreno acolhedor: descrição
detalhada dos espaços auxiliadores dedicados ao bem-estar e ao descanso físico dos/as
visitantes”; “A `Estância Casa Caminho e Luz´ como espaço sagrado: descrição
detalhada dos espaços com função religiosa localizados ao redor do espaço reservado ao
ritual da materialização e “A `Estância Casa Caminho e Luz´ e seu espaço mais sagrado:
descrição detalhada dos espaços diretamente relacionados com o ritual da
materialização”.
Além da questão do lugar da realização do rito, essa organização se reflete ainda
na concentração de diversos artefatos, figuras, imagens e pinturas nos espaços distintos.
70

A nossa referência para a interpretação dessa dimensão segue a percepção iconográfica e


iconológica de Panofsky, apresentada por ele, é necessário resistir à nossa tendência de
aplicar a qualquer artefato ou imagem um significado, geralmente, contemporâneo. Pois
a forma, segundo o mesmo, se opõe ao significado contemporâneo. Uma imagem vem do
passado para o nosso presente. Ele nos conta de tempos passados, de raízes, não
necessariamente conhecidos às novas gerações.

Quando, na rua, um conhecido me cumprimenta tirando o chapéu, o que


vejo, de um ponto de vista formal, é apenas a mudança de alguns
detalhes dentro da configuração que faz parte do padrão geral de cores,
linhas e volumes que constitui o mundo da minha visão. Ao identificar,
o que faço automaticamente, essa configuração como um objeto
(cavalheiro) é a mudança de detalhe como um acontecimento (tirar o
chapéu), ultrapasso os limites da percepção puramente formal e penetro
na primeira esfera do tema ou mensagem. O significado assim
percebido é de natureza elementar e facilmente compreensível e
passaremos a chamá-lo de significado fatual; é apreendido pela simples
identificação de certas formas visíveis com certos objetos que já
conheço por experiência prática e pela identificação da mudança de
suas relações com certas ações ou fatos (PANOFSKY, 1986, pp. 48-
49).

Sendo assim, uma imagem reconhecida em sua forma, numa primeira percepção
é o que Panofsky chama de Tema Primário, quando a pessoa consegue distinguir um
homem, uma montanha, uma árvore. Num segundo momento, chamado de Tema
Secundário, acontece com uma leitura pouco mais definida, trata-se de observação e
identificação. Ou seja, ao olhar para um conjunto de imagens, pode-se identificar pessoas
por suas características, ações em comum ou ainda identificar um determinado santo pelas
representações hagiográficas a ele ou a ela remetidos.
Há ainda um terceiro momento, o Significado intrínseco ao conteúdo, que possui
um caráter mais revelador, como a época em que aquela determinada arte (ou ainda sua
escola artística) ou fotografia ocorreu, certos contextos históricos contidos e no que diz
respeito aos gestos manifestos em todo conjunto visual. Isso na arte, isso, no cotidiano e
também na religião. Assim, um conjunto de imagens pode revelar o caráter intrínseco
contido, não somente numa pintura, mas em gestos e expressões do cotidiano, como
decifrar o outro que me cumprimenta e me aparenta seu estado de humor, e assim
podemos transferir essa análise para a religião e compreender a série de manifestações
visuais dentro de um rito, numa performance religiosa e seu conjunto de símbolos.

A descoberta e interpretação desses valores “simbólicos” (que, muitas


vezes, são desconhecidos pelo próprio artista e podem, até, diferir
enfaticamente do que ele conscientemente tentou expressar) é o objeto
71

do que se poderia designar por “iconologia” em oposição a


“iconografia” (PANOFSKY, 1986, p. 53).

Segundo Renders (2015), é necessário ter um olhar a partir da cultura visual


material para compreender a complexidade do sujeito religioso que é impactado pela
mesma, construindo e desconstruindo essas culturas. Portanto há a importância de se
incluir nos programas de Teologia e Ciências da religião o enfoque da cultura visual, uma
vez que a religiosidade brasileira estruturou-se e privilegia a linguagem imagética como
veículo, alguns fenômenos só podem ser explicados sob a perspectiva de uma Cultura
Visual e Material. Uma análise que vai além da arte e do autor, até porque a arte brasileira
fazia parte de um projeto religioso, sem considerar o autor. Com isso, o autor pretende
pontuar e articular agentes centrais na visualidade religiosa brasileira e focar as
performances iconoclastas, iconólatras e, segundo ele, iconófilas.
A proposta da Cultura Visual não é de apenas estudar a imagem em si, mas seu
contexto, pois são produzidas por uma realidade social, “consistem em perguntar como
imagens, bem como os rituais, epistemologias, gostos, sensibilidades e estruturas
cognitivas que informam a experiência visual, ajudam a construir o mundo no qual as
pessoas vivem e do qual elas cuidam” (apud RENDERS, 2015, p. 70). Além mais, ele
também aponta aspectos sobre o “poder” da imagem e a relação afetiva que se pode ter
em torno dela.

A importância da questão do poder em relação a artefatos religiosos é


extremamente relevante no estudo das linguagens da religião e
evidencia-se imediatamente por tantas dinâmicas iconoclastas e
iconólatras (ou idólatras) em reação às imagens e aos artefatos
religiosos (dos[as] outros[as]). Com outras palavras: a atualíssima
discussão sobre os chamados fundamentalismos, sejam eles cientistas
ou religiosos, é diretamente vinculado com questões da cultura visual
religiosa e as dinâmicas criadas ao redor dos artefatos envolvidos
(RENDERS, 2015, p. 76).

A análise de artefatos, imagens, logotipos e expressões imagéticas em geral, tem


muito a contribuir, não somente com a religião, mas em áreas como a antropologia.
Campos (2012, p. 21), acredita que muito se tem a ganhar nos estudos antropológicos,
com o estreitamento dos laços entre Cultura Visual e Antropologia. Abrindo campo para
um olhar mais pluridisciplinar, pode-se colher os benefícios de uma melhor compreensão
do ser humano na realidade social em que está inserido.

Por cultura visual, muitos entendem uma área de investigação


relativamente recente, forjada a partir de múltiplos contributos
disciplinares e agendas académicas. Assim, mais que uma disciplina
institucionalizada, esta parece ser uma grande área de estudo de
72

tendência transdisciplinar, acolhendo investigadores provenientes de


ramos científicos, artísticos e humanísticos que buscam, grosso modo,
algo comum: entender a imagem, o olhar e a visualidade enquanto
construções humanas, social e historicamente situadas.

O que se pode analisar sobre os efeitos da relação humana para com as imagens e
artefatos religiosos que pode ser de desenvolvimento por empatia e simpatia, ou seja, o
poder dessa relação afetiva com a imagem. De acordo com Renders (2015), não se trata
necessariamente de um “poder” contido na mesma, magicamente, mas cedido. Para
compreender essa relação se faz necessário um aprofundamento, ou uma “virada
pictorial”, entender a representação da imagem ou artefato, a intenção da autoria.
Também considerando Campos (2012), no que diz respeito sobre este tempo
marcado por uma cultura cada vez mais definida pelas imagens, a visão oferecida pela
Cultura Visual e material é indispensável para compreensão dos processos de
complementação simbólica nos espaços do tecido cultural. Por fim, a importância do
estudo da Cultura Visual e Material brasileira, uma vez que a mesma desde seu princípio
comunica sua cultura por uma linguagem visual, é fundamental.

2.2 A Estância Casa Caminho e Luz como conjunto: o terreno e a distribuição


de prédios com distinção das suas funções

A Estância Casa Caminho e Luz, localiza-se na Rodovia Euclides da Cunha, à


altura do quilômetro 513, zona rural de Votuporanga, Estado de São Paulo. Edelarzil não
reside no sítio, mas em outro local da cidade, sobre o qual não tivemos informação acerca
da localização. Portanto o sítio, que teria sido doado por um médico em sinal de gratidão
à médium, é exclusivamente destinado à finalidade de ser seu local de trabalho. A seguir,
fizemos um mapeamento do local, a fim de situar o leitor quanto à estrutura de prédios
presentes no espaço. Pertencem às instalações os seguintes prédios: (da entrada da
propriedade para cima) o Restaurante, a Casa do Atendimento, Cartomancia e Búzios, a
Capela com o Espaço de Espera e a Cobertura para a Análise e Descarte dos Objetos; ao
lado esquerdo da Capela, a Ermida de Nossa Senhora do Rosário e a Fonte de Água Benta
e ao seu lado direito, três prédios da Pousada Gratuita. Em seguida, mostramos a
distribuição dos diferentes prédios no terreno da Estância Casa Caminho e Luz (figura
7).
73

Figura 7: Mapeamento do “Espaço Estância Casa Caminho e Luz” – os prédios principais

Fonte: Ilustração da autora

Figura 8: Entrada da Estância Casa Caminho e Luz

Fonte: http://bvespirita.com

No geral, o ambiente atende então aos padrões de um sítio comum: chão rústico,
com alguns espaços gramados, árvores e, o que reforça a ideia de um sítio, a presença de
animais como porcos, cabras, gansos e galinhas, no entanto, em locais isolados dos
clientes.
74

2.2.1 A Estância Casa Caminho e Luz como terreno acolhedor: descrição


detalhada dos espaços auxiliadores dedicados ao bem-estar e ao descanso físico
dos/as visitantes
Figura 9: Restaurante Comida Caseira

Fonte: httpsstatic.wixstatic
O restaurante self service (figuras 7 e 9), está localizado ao lado esquerdo da
entrada do sítio, de frente para a rodovia. É um lugar de passagem, de chegada ou de
retorno, focado nas necessidades físicas, não em necessidades espirituais ou religiosas
específicas especialmente atendidas nessa estância. Este espaço também não se destaca
Figura 10: Dormitórios Coletivos Gratuitos

Fonte: fotografia do arquivo da autora


por uma ornamentação especificamente religiosa que ia indicar uma função religiosa
distinta.
As casas de hospedagem, sua vez, são abrigos compostos por um só quarto de
aproximadamente dez metros de comprimento por dez metros de largura, com banheiro
75

coletivo e uma varanda (figuras 7 e 10). Os quartos contêm camas de solteiros e algumas
de casal. Seus móveis não são novos. Ouvimos que teriam sido doações, assim como os
colchões, os travesseiros e alguns dos cobertores. O quarto também possui ventiladores
de parede, um de cada lado. Há três quartos como esse, mantendo uma pequena distância
uns dos outros. Mais uma vez faltam ornamentações específicas no sentido de instalações
sistemáticas e repetitivamente aplicadas para marcar os três lugares de uma forma clara e
única.

2.2.2 A Estância Casa Caminho e Luz como espaço sagrado: descrição detalhada
dos espaços com função religiosa localizados ao redor do espaço reservado ao
ritual da materialização
O caráter basicamente funcional, muda, porém, com o próximo prédio, que fica
perto do restaurante e entre o restaurante e a sala da espera. Trata-se de uma casa exclusiva
para atendimentos particulares, a Casa do Atendimento, Cartomancia e Búzios (figura 7
e 11). Trata-se de uma primeira casa com função exclusiva religiosa, uma função,
entretanto, que não requer muito preparo do espaço físico. Infelizmente não tivemos
acesso ao interior da Casa do Atendimento, Cartomancia e Búzios.

Figura 11: Casa de Atendimento Cartomancia e Búzios

Fonte: fotografia do arquivo da autora

Acima do espaço denominado Casa de Atendimento Cartomancia e Búzios, há o


lugar mais antigo de atendimento, o espaço construído para os ritos da materialização
(destacado em pontilhado na figura 7). Trata-se da Capela (figuras 22 e 23) que sua vez
é ainda cercado pelo Espaço de Espera (figura 15) e o Escritório. Próximo desta há um
corredor que leva para fora, onde encontra-se a Cobertura para Análise e Descarte dos
76

objetos. Entretanto, antes de tratar desse complexo do espaço central com mais espaços
auxiliares ao seu redor, descrevemos mais um outro espaço auxiliar, porém, com função
religiosa específica.

Ermida de Nossa Senhora do Rosário e Fonte de Água Benta

Seguindo por uma trilha estreita à esquerda do local do atendimento, chega-se a


uma ermida de Nossa Senhora do Rosário (Figura 12) e onde também há uma fonte de
água que dispõe de duas pias formando um “V”, contendo várias torneiras. Trata-se de
um dos locais de meditação e oração oferecidos pela Estância Casa Caminho e Luz. No
centro podemos ver o oratório onde fica depositada a imagem para veneração. À frente
da imagem uma caixa (Figura 13).

Figura 12: Ermida de Nossa Senhora do Rosário e Fonte de Água Benta

Fonte: fotografia do arquivo da autora


77

Figura 13: Detalhe da Ermida – Caixa para orações e doações

Fonte: fotografia do arquivo da autora

Acima da caixa, ao lado com a abertura para as doações, está escrito o nome
“Edelarzil Munhoz Cardoso” e, na sua frente: “Coloque seus pedidos e doação para as
velas da corrente de orações. Deus te proteja”. A caixa, aliás, é protegida por um cadeado
o que faz nos imaginar que nem todas as pessoas que chegam neste lugar se aproximam

Figura 14: Imagem do Cristo Redentor em meio ao Jardim

Fonte: fotografia do arquivo da autora


78

com boas intenções ou “intenções puras e santas”. Pela localização da “Ermida de Nossa
Senhora do Rosário e Fonte de Água Benta” no terreno como tudo, deve se tratar do
último espaço que se alcança depois ter participação no ritual da materialização e deixado
os objetos materializados no lugar reservados para isso. Trata-se então, de um lugar
sagrado de despedida, de contemplação individual, onde se faz os seus pedidos, se
ascende uma vela e vai embora. Anota-se aqui uma inversão. A água benta teria numa
igreja católica a função de purificação para depois entrar no espaço sagrado. Aqui, parece
ser vinculado com um tipo de benção de viagem.
Em síntese, quem se movimenta do portal para o centro reservado ao rito da
materialização encontra até então, no seu caminho particular na direção à luz, uma
primeira referência religiosa, uma figura do “Cristo Redentor” (Figura 14) que sua vez
remete a devoção do sagrado coração de Jesus, uma devoção introduzida oficialmente no
Brasil na fase da romanização da Igreja Católica.

2.2.3 A Estância Casa Caminho e Luz e seu espaço mais sagrado: descrição
detalhada dos espaços diretamente relacionados com o ritual da materialização
A seguir, descreveremos as dependências onde são praticados os ritos da
materialização. Podemos dividir o local em quatro partes principais: Espaço de Espera,
Escritório, Capela e Cobertura para a Análise e Descarte dos objetos materializados.

Espaço de espera: o lugar da preparação pessoal para o ritual

O maior cômodo do espaço do rito é o Espaço de Espera. Nele há bancos de


madeira – com ou sem encosto –, espalhados pelo pátio, assim como algumas cadeiras e
sofás. Vários cartazes contendo os contatos dos organizadores de caravanas, ou com
anúncios de hotel (figuras 15 e 18) e alguns quadros contendo mensagens e avisos. Assim
caracteriza-se como um espaço de comunicação com foco no ritual onde se procura
também induzir uma atitude necessária para participar no ritual ou que envolve também
atitudes que favorecem os demais participantes, já que o atendimento não é individual,
mas, coletivo. Como exemplo disso, na figura 16 lê-se a seguinte mensagem “Para quem
não crê, nenhuma explicação é possível. Para quem crê, nenhuma explicação é
necessária”, de autoria atribuída ao Padre Donizeti. Na figura 17, reproduzimos um
quadro que cita a lei 208 do Código Penal referente ao comportamento em espaços
religiosos:
79

Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença


ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto
religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.

Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de


um terço, sem prejuízo da correspondente à violência (JUSBRASIL,
1940).

Figura 15: Local de espera

Fonte: fotografia do arquivo da autora

Figura 16: Mensagem Próxima à Capela Figura 17: Lei de proteção ao culto

Fonte: fotografia do arquivo da autora Fonte: fotografia do arquivo da autora


80

E, além dessas mensagens de preparação interior, há ainda informações para


ajudar aquelas na organização dos detalhes da sua estadia, que não conseguiram se
hospedar numa das casas de hospedagem da estância. Assim, devidamente
subsidiado em detalhe, pode-se então dedicar a participação no ritual.

Figura 18: Propaganda de Hotel

Fonte: fotografia do arquivo da autora

No espaço de preparação encontra-se uma estante (figura 19) com algumas


revistas, jornais e livros à disposição dos clientes. Destaque para um DVD intitulado
Palestras de Orientações Espirituais, livros de conteúdo espiritualista como Kundalini
(Gopi Krishna), Retornando ao Silêncio (Dainin Katagiri), O Caminho do Discipulado
(Annie Besant), Sobrevivência e Comunicação dos Espíritos (Osvaldo Melo), A Morte
Não é o Fim (Assis Azevedo), A Vida em Família (Rodolfo Calligaris), O Sistema, Ascese
Mística, A Nova Civilização do Terceiro Milênio e Problemas Atuais (os quatro, escritos
por Pietro Ubaldi, espiritualista italiano), o romance espiritualista Laços Eternos (Zibia
Gasparetto), e outros livros como A Moreninha (João Manoel Macedo), Lucíola (José de
Alencar) e Realengo Meu Bem Querer/ Terras Realengas (Carlos Alberto da Cruz
Wenceslau; José Nazareth de Souza Fróes).
81

Figura 19: Estante de livros disposta no pátio

Fonte: fotografia do arquivo da autora

Podemos classificar os livros em uma tabela da seguinte forma:

Tabela 2: Classificação dos Livros de Edelarzil

Vinculo religioso ou
Títulos dos livros
ênfase temática
1. Sobrevivência e Comunicação dos Espíritos 15– 2. A Morte
Espírita Não é o Fim 16– 3. A Vida em Família17 – 4. O Sistema – 5.
Ascese Mística – 6. A Nova Civilização do Terceiro Milênio –
7. Problemas Atuais18.

Esotérica 1. Kundalini19 – 2. Retornando ao Silêncio20 – 3. O Caminho do


Discipulado21.

Romance Espírita 1. Laços Eternos.22

15
Escrito por Osvaldo de Melo (1893-2015), lançado pela FEB, editora da Federação Espírita Brasileira.
O livro relata supostas experiências de comunicação com os espíritos, do próprio autor e de outras pessoas
na região de Santa Catarina.
16
Assis Azevedo (1947- vive), médium e psicógrafo, o espírito de um padre chamado João Maria é quem
seria, segundo ele, quem lhe dita seus livros.
17
Rodolfo Calligaris (1913-1975), nascido na cidade de Americana (SP), em 30 de outubro de 1913, tornou-
se espírita aos 21 anos de idade, foi um dos fundadores do Lar Espírita Espiridião Prado, em 1964.
18
Pietro Ubaldi (1886-1972), filósofo espiritualista italiano que escreveu diversos livros, muitos de seus
pensamentos são controversos ao espiritismo de Kardec.
19
Gopi Krishna (1903-1984) foi um chefe de família indiano comum que experimentou o despertar da força
espiritual conhecida como kundalini aos trinta e quatro anos de idade. Ele posteriormente tornou-se o
escritor inspirado de inúmeros livros em que ele compartilhou suas ideias com os outros.
20
Dainin Katagiri (1928-1990), budista, fundador do Minnesota Zen Meditation Center.
21
Annie Besant (1847-1935), militante feminista, ocultista e mística que escreveu diversos livros sobre
teosofia.
22
Zíbia Gasparetto (falecida em 2018 aos 92 anos), médium que supostamente era possuída por espíritos
que a levavam a compor romances, mãe do pintor Antônio Gasparetto, também médium.
82

Literatura Brasileira 1. A Moreninha23 – 2. Lucíola24.

História 1. Realengo Meu Bem Querer/ Terras Realengas25.

Fonte: tabelamento da autora

Esse conjunto de títulos introduz, primeiro, em sua grande maioria autores


brasileiros. Segundo, trata-se predominantemente de literatura espírita e kardecista. Aqui
a cultura material encontrada no lugar diverge, bastante daqueles elementos mais comuns
ao catolicismo popular ou ao mundo das benzedeiras católicas.

A “capela”: o lugar para celebrar o ritual

A capela tem duas entradas, uma da parte do escritório, espaço reservado à


administração, e uma da parte da sala de espera. Entre a parede que separa o escritório e
a capela, há um relógio de Boas-vindas (figura 20).
Figura 20: Relógio de Boas Vindas

Fonte: fotografia do arquivo da autora

23
Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882), Embora formado em medicina, Joaquim Manuel de Macedo
não exerceu a profissão. Seduzido pelo magistério, foi professor de História no Colégio Pedro II, e preceptor
dos netos do Imperador Pedro II. Foi membro do Conselho Diretor da Instrução Pública, fundador e orador
oficial do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Envolvido na política, foi deputado em várias
legislaturas. <https://www.ebiografia.com/joaquim_manuel_de_macedo/>
24
José de Alencar (1829-1877), romancista, dramaturgo, jornalista, advogado e político brasileiro. Foi um
dos maiores representantes da corrente literária indianista. < https://www.ebiografia.com/jose_alencar/>.
25
Carlos Alberto da Cruz Wenceslau; José Nazareth de Souza Fróes.
< https://ihgb.org.br/pesquisa/biblioteca/item/19799-terras-realengas-jos%C3%A9-nazareth-de-souza-
fr%C3%B3es.html>
83

Esse relógio é decorado manualmente com uma foto de Edelarzil e um texto de


escrita cursiva com as palavras “Todos sejam bem vindos”.

Figura 21: Cruz na porta de entrada da capela

Fonte: fotografia do arquivo da autora

Acima da porta da entrada principal da capela (figura 21), há uma cruz


contendo a imagem de Jesus crucificado (e um quadro pedindo aos e às visitantes que
assinem o livro de visitas) com um aviso em relação ao número máximo que a capela
comporta (placa verde).
84

Figura 22: Visão geral da Capela

Fonte: http://2.bp.blogspot.com

Na fotografia da sala principal ou a “capela”, tomada da entrada olhando para o


espaço do altar, podemos identificar quarenta cadeiras em oito filas de cinco cadeiras
cada, e nas paredes, pinturas, fotografias ou litografias e figuras que se concentram no
fundo, ou seja, nas paredes mais próximas do altar ou do lugar onde ocorrem os ritos de
materialização. Ao lado esquerdo da fotografia nota-se a existência de um corredor que
leva a uma segunda saída.
Para uma melhor orientação, mapeamos, em seguida, o interior da Capela (figura
23). Numeramos suas paredes e conteúdo, dispondo em seguida numa tabela para facilitar
a localização do leitor.
85

Figura 23: Visão espacial da capela ritual

Fonte: Ilustração da autora26

DISPOSIÇÕES DA CAPELA

1 – PLE: Parede lateral esquerda 8 – Degrau do “altar”

2 – PLD: Parede lateral direita 9 – Tanque/mesa

3 – PF: Parede frontal 10 – Depósito de água

4 – PDC: Parede direita do corredor 11 – Oratório

5 – PEC: Parede esquerda do corredor 12 – Mesa/ tabuleiro

6 – PFC: Parede frontal do corredor 13 – Oratório

7 – Cobertura para análise dos objetos 14 – Assentos

A “capela” construída para o ritual possui em suas paredes uma variedade de


quadros, alguns dos quais, sendo pinturas. Também há uma variedade de imagens em

26
O desenho tem como objetivo localizar os espaços indicados, sem preocupação com medidas exatas.
86

altares embutidos ou em mesas. Conseguimos identificar a maioria delas, o que


descreveremos em sequência.
Logo na entrada, na parede lateral esquerda, uma pintura de um homem branco,
uma representação de Jesus Cristo (figura 24), vestido com uma túnica branca e manto
vermelho. Ao lado, na mesma parede, um quadro escrito “Sagrada Família” (figura 25),
no qual é representado Jesus menino, tendo atrás de si uma cruz, com Nossa Senhora ao
seu lado direito, São José ao seu lado esquerdo e, acima, a representação da Corte Celeste:
Figura 24: Pintura: PLE Figura 25: Quadro: PLE

Fonte: fotografia do arquivo da autora Fonte: fotografia do arquivo da autora

nuvens, uma pomba como ícone do Espírito Santo e Deus Pai de braços abertos, cercados
por anjos.
Figura 26: Quadro (PLD) Figura 27: Quadro (PLD)

Fonte: fotografia do arquivo da autora Fonte: fotografia do arquivo da autora


87

Ao lado, são quadros dispostos na parede lateral direita, a figura 26, uma mulher
vestida com armaduras de guerra, identificamos como sendo Santa Joana D’Arc e a figura
27, um homem também com armaduras, São Jorge, na cena em que mata um dragão.
Figura 28: Quadros (PEC)

Fonte: fotografia do arquivo da autora

Na parede esquerda do corredor (figura 28), temos: 1. Quadro da Sagrada Face de


Jesus; a representação de dois ciganos: 2. Sara (Sara Kali, provavelmente) e 3. Cigano
identificado como Ogoló ou Igolé; 4. Quadros de Nossa Senhora de Fátima; 5. Quadro
contendo uma bíblia e uma pomba; 6. Pintura do quadro do Sagrado Coração de Jesus e
logo abaixo, 7. Perfil mariano; 8. Perfil de Jesus coroado de espinhos, esculpido na
madeira; 8. Imagem de Jesus, intitulada Jesus Misericordioso.

Figura 29: Quadros (PDC)

Fonte: fotografia do arquivo da autora


88

Na parede direita do corredor temos (figura 29): 1. Pintura representativa de Jesus


Orante; 2. Quadro “Aparição de Maria em Lourdes a Santa Bernadete”; 3. Diploma de
honra por excelência em dons de materialização, concedido pela Ordem Melquisedeque
em sete de setembro de 2010; 4. Santa Catarina de Alexandria (santa católica, padroeira
dos estudantes); 5. Recorte de jornal local, datado de 1994, com o título “Benzedeira de
Parisi cura os males do mundo”; 6. Título de cidadã parisiense emitido pela Câmara
Municipal de Parisi em onze de maio de 1997; 7. O significado do nome de Edelarzil; 8.
Pintura da médium alguns anos mais jovem; 9. Relógio de madeira com a representação
de São Jorge; 10. Representação da Ascenção de Jesus; 11. Esse quadro não é muito claro,
porém, o que parece, em meio ao faixo de luz, no chão uma mulher, mais acima pode ser
um homem e no ápice, em meio aos raios de luz, também parece haver uma silhueta.
Muitas cores, temos o vermelho e o azul separando as duas silhuetas que se encontram
no faixo de luz.27
Logo abaixo (figura 30), trata-se de uma mesa que fica ao lado do espaço cúltico,
encostada na parede lateral direita: 1. Nossa Senhora do Rosário; 2. Nossa Senhora das
Graças; 3. Santa Teresinha do Menino Jesus ou de Lisieux; 4. Santa Rita de Cássia; 5.
Santo Antônio de Pádua; 6. Nossa Senhora Rosa Mística; 7. Santa Paulina; 8. São Judas
Tadeu; 9. São Sebastião (há também um quadro de São Sebastião pendurado na parede);
Figura 30: Oratório (PLD)

Fonte: fotografia do arquivo da autora

27
Talvez uma imagem da Assunção de Maria ou elevação da alma numa tradução esotérica (Grande
Fraternidade Branca)?
89

10. Nossa Senhora de Fátima; 11. Nossa Senhora da Conceição Aparecida; 12. Santa
Catarina Labouré; 13. Nossa Senhora da Conceição; 14. São José; 15. Anjo; 16. Nossa
Senhora da Guia. A caixa azul, abaixo das imagens 3 e 5 é reservada para pedidos de
oração.

Figura 31: Tabuleiro com cristais (PFC)

Fonte: fotografia do arquivo da autora

Próximo da porta de saída, na parede frontal do corredor, há duas mesas, numa


delas estava exposta uma espécie de tabuleiro (Figura 31) contendo palavras alinhadas de
forma paralela: Espiritual/ Material, Presente Atual/ Futuro Presente, Inconsciente/
Consciente. Por cima desse tabuleiro, cristais coloridos e em formatos ovais, estrela de
cinco pontas e a lua em posição de quarto crescente. No centro uma estrela de cinco pontas
contendo alguns cristais.

Figura 32: Oratório PFC Figura 33: Oratório PFC

Fonte: fotografia do arquivo da autora Fonte: fotografia do arquivo da autora


No mesmo local, vemos uma concentração de artefatos como imagens em
miniaturas e um pouco maiores, (figura 32) da esquerda para a direita – as imagens
90

maiores, Santo Antônio de Pádua, uma imagem de Jesus Cristo Ressuscitado (uma
representação da Ascensão) e Imaculado Coração de Maria. Abaixo em miniatura,
também da esquerda para a direita, Santo Expedito, São Lazaro, Santa Edwiges e uma
imagem de Santo Antônio, já deteriorada.
Em seguida temos (figura 33), novamente, um quadro de Santo Antônio de Pádua,
um oratório confeccionado em madeira, um baú, acima dele, um quadro de Nossa Senhora
de Fátima, outras miniaturas de esculturas da Sagrada Família, flores artificiais, presépio
e até mesmo uma pequena estátua de um elefante. Em torno do oratório e das imagens
presentes em torno deste oratório, muitas fotos, rosários e bilhetes.
Finalmente temos o espaço cúltico principal (figuras 23 e 34) onde acontece o
ápice do ritual com a materialização de objetos. Vemos nele a presença de mais imagens:
na parede frontal, à esquerda, duas representações de Nossa Senhora do Rosário – uma
pintura e uma escultura; à direita, duas de Santo Antônio de Pádua – uma pintura e uma
escultura. Ao centro, outra representação iconográfica mariana, uma pintura em quadro,
onde Maria aparece com os cabelos louros e manto azul, uma provável representação de
Maria sob o título de Mãe de Deus. Do lado dessa imagem temos um par de quadros –
Sagrado Coração de Jesus e Imaculado Coração de Maria – um de cada lado.

Figura 34: Espaço Cúltico Principal (PF)

Fonte: fotografia do arquivo da autora

Tal espaço cúltico é elevado por um degrau (Figura 23) e possui duas partes, uma
mesa de cimento, plana e um tanque redondo acoplado a ela. Checamos o tanque onde se
coloca a peneira com o algodão, possui uma pequena saída de água dentro dele e uma
torneira embutida na lateral; abaixo, um “tambor” de água quase medindo a mesma altura
do altar e um canecão para molhar o algodão. Na foto, o algodão, já desfiado pelos
91

clientes, sobre a peneira, mais algumas peneiras e sacos contendo algodão desfiado.
Observa-se no canto direito do referido espaço, dois carrinhos de supermercado,
conforme registrado na imagem acima. Mais tarde explicaremos sua utilização.
Figura 35: Placa PF Figura 36: Placa PF

Fonte: fotografia do arquivo da autora Fonte: fotografia do arquivo da autora

Figura 37: Placa PLD

Fonte: fotografia do arquivo da autora

Há no ambiente também algumas placas com recomendações, próximas ao altar e


aos pés das imagens. Uma dizendo: “Silêncio! Você está numa casa de oração” (figura
35); outra, “Tenha um firme pensamento. Concentre sua mente no objetivo” (figura 36)
e uma terceira “Exalte o bem. Entretanto, não destaque o mal” (figura 37).
De certo modo, lembra o espaço da capela, pelo número e pela diversidade de
objetos, pinturas e imagens ou quadros encontrados, da ornamentação rica e diversificada
de uma capela barroca, apesar da sua característica aparentemente mais multireligiosa.

2.3 O rito celebrado na “Estância, casa caminho da luz”: os passos da


preparação, da recepção e da materialização

Todo o ritual de Edelarzil se direciona para um único objetivo: a purificação


espiritual através do Rito da Materialização dos objetos. Após a exposição de sua cultura
visual e material, percorreremos os passos de seu ritual e identificaremos os principais
elementos simbólicos que compõe o mesmo. Como condição prévia para o ritual, veremos
92

que sua preparação começa com ao menos treze dias de antecedência, com uma trezena
em honra a Santo Antônio, sendo que os líderes de caravana possuem o papel de
condutores, não somente no sentido de guiar as pessoas até o local, mas também de
orientá-los religiosamente. Em segundo lugar ocupa especial atenção a recepção das
pessoas no local, com a acolhida e orientações, orações e preparação para o grande rito
das materializações. Finalmente, o momento mais esperado é o do rito da materialização
propriamente dito.

2.3.1 As caravanas como parte do preparo para o ritual


As primeiras orientações ao entrar em contato com um dos organizadores é o valor
da passagem e para que o viajante não leve algodão de casa, mas que esse seja comprado
no sítio de Edelarzil. As visitas são pré agendadas pelos responsáveis pelas caravanas que
precisam estar antes das 09h00 para pegar a senha para seus caravaneiros e conduzi-los à
recepção, para comprar o algodão e se prepararem para o ritual. Portanto, dependendo da
distância, é necessário viajar pela madrugada ou à noite. Os viajantes podem se hospedar
num hotel pré-reservado em Votuporanga ou optar por se hospedarem, gratuitamente, no
sítio da Médium, nesse caso, devendo levar lenções e toalhas.
Após o descanso, as pessoas se preparam vestindo roupas claras, como o
recomendado, o café passa a ser servido no restaurante.
Para a realização de caravanas, apenas algumas pessoas estão autorizadas a fazê-
las. Uma das pessoas que possui tal autorização, devido à antiga amizade e parceria com
Edelarzil, é a senhora Márcia J. Gonçalves, da cidade de São Paulo. Na verdade, antes
dela, sua mãe é quem realizava caravanas e também era muito amiga de Edelarzil, Márcia,
portanto, conhece Edelarzil desde muito nova e as caravanas o que parece, tornou-se meio
que uma herança. O privilégio, restrito a poucas pessoas que possuem o número de
telefone pessoal da médium é dado a pouquíssimas colaboradoras, e mesmo assim, após
extenso empenho no mister de colocar pessoas em contato com Edelarzil.
Para acessar o foco desta pesquisa, entramos em contato com a senhora Márcia
após exaustiva busca em diversos meios de informação. Após quase desistir da procura,
conseguimos encontrá-la por meio de outras pessoas. Entrando em contato com ela,
fomos bem acolhidas e logo iniciou-se o trato no qual ela explicava a necessidade de
oração, de preparação para o que poderíamos ver quando visitássemos a médium e que
não nos assustássemos. No dia da viagem, estando todos os peregrinos já acomodados
nos assentos do ônibus, a coordenadora de caravana faz a verificação da presença dos
93

viajantes para dar início à viagem. Nesse primeiro momento, ela dá os recados e as
orientações de participação no ritual do Fenômeno do Algodão, como:
 O uso preferencial de roupas brancas ou claras.
 Pode ser comprado um chumaço de algodão por pessoa, no entanto o ideal é que
sejam pelo menos três por pessoa, para si mesmo ou para quantas pessoas
desejarem fazer a limpeza espiritual, sem um número limitado de pessoas ou
situações (processos: trabalhistas, judiciários etc; casas para vender ou alugar,
animais: cachorro, gato, passarinho etc; placas de carro; endereço da casa:
residência; pessoas falecidas até a quarta geração28). É explicado que treze seria
um número ainda melhor, com a justificativa de ser o número favorito de
Edelarzil, número de Santo Antônio de Pádua.
 Ao ser chamado para a materialização, não esquecer de mencionar o nome,
situação ou coisa para qual deseja a limpeza.
 Não esquecer de perguntar à médium quantas vezes seria preciso voltar e de
quantas materializações precisará.
 Em hipótese alguma, guardar quaisquer objetos materializados para serem levados
para casa, pois, segundo a mesma, tratam-se de impurezas, maldições, magias
extraídas da vida do indivíduo, podendo, portanto, ocasionar algum malefício para
a pessoa e até mesmo acidentes no retorno. Devem ser deixados para serem
encaminhados ao lixão da cidade.
Em seguida, ela distribui panfletos entre os peregrinos contendo as orações da
trezena de Santo Antônio que são recomendadas por Edelarzil, para serem feitas em
preparação para a viagem em questão e encerra com a Ave-Maria e o Pai Nosso.

2.3.2 A recepção e o preparo final no terreno


Tendo chegadas as caravanas com os peregrinos, costumeiramente pela manhã,
isto é, a partir das cinco horas, ou até mesmo na véspera, eles se acomodam conforme já
elucidado. Às nove horas os clientes se dirigem para o local do ritual e formam fila para
a compra do algodão e assinar presença no livro ata. Uma a uma das pessoas entram no
escritório e são atendidos pelos filhos da médium, recebem orientações, compram quantos
29
chumaços de algodão quiserem. Um deles recebe o dinheiro e o outro etiqueta as

28
Texto extraído do site de viagens: < http://mulherdoalgodao.com.br/?page_id=41> acesso em 03 nov.
2018
29
Cada chumaço de algodão custavam R$30,00 em 2018.
94

sacolas. As sacolas são individuais e etiquetadas conforme os nomes das pessoas, coisas,
ou situações para quais serão materializados os objetos. Vemos várias pessoas saírem com
mais de dez sacolas como essas.
Uma vez comprados os algodões, cada um dirige-se para sentar-se em um dos
bancos ou poltronas no pátio da recepção ou outros lugares em volta do sítio onde possam
desfiar seu algodão e meditar. Cada um recebe uma caixa para isso. Também são
distribuídos livretos contendo uma breve biografia de Edelarzil, algumas orações,
simpatias e um catálogo contendo os possíveis objetos a serem materializados com suas
respectivas sugestões de significados.30
A orientação é que se mentalize o que deseja obter como graça enquanto se desfia
o algodão para si ou para outra pessoa ou causa. Primeiramente deve-se desfiar e
mentalizar para si mesmo e depois por pessoas ou coisas como: causas especiais, carros,
casas, dívidas etc. Depois do desfio, o cliente entra na capela para depositar o algodão
sobre a peneira posta sobre o tanque ou as que estão em torno. Há sacos grandes de lixo
que são deixados, estrategicamente, nas laterais também para essa finalidade.

2.3.3 O ritual de materialização


Quando de nossa experiência como peregrina, Edelarzil chegou por volta das
14h30, com sua roupa e sapatos brancos, óculos escuros, seus adornos dourados (brincos,
pulseiras e colares) e batom vermelho. Ela chegou cumprimentando a todos.
Uma fila é organizada por ordem de senha (figura 38) e verificada por um dos
filhos de Edelarzil. Inicia-se uma procissão para adentrar a capela. Não há cantos ou
acompanhamento instrumental, tudo acontece enquanto ela recita, em voz alta e
impostada, as orações de Santo Antônio de Pádua e Nossa Senhora do Rosário. Alguns
acompanham a oração, que se segue a esse momento. A oração segue ininterruptamente
até o término da procissão, algumas pessoas optam pelo silêncio. Durante a oração, os
clientes aproximam-se do altar, onde a médium benze a todos, um a um. Ela pega um
pequeno chumaço de algodão, esfrega na testa, nos pulsos e joga em cima da peneira,
fazendo isso sucessivamente com todos. As pessoas se sentam, também por ordem de
senha para serem atendidas. Depois dessa recepção, Edelarzil pega o microfone e faz uma
palestra breve (ou pregação) que pode durar vinte ou trinta minutos. Durante a palestra,
Edelarzil instrui sobre o ritual da materialização, exorta e adverte seus “pacientes” ao

30
Mais tarde, pode-se ouvir a discussão entre os filhos de Edelarzil dentro do escritório. Ao que consta, os
livretos não seriam para distribuição gratuita, mas deveria ter sido cobrado uma taxa por eles. Porém, já
havia sido distribuído e decidiram não cobrar.
95

mesmo tempo que brinca humoradamente enfatizando os sacrifícios de sua vida, seu
cansaço e sua missão. Palestra, cujo detalhes merecem ser melhor expostos e analisados
no próximo capítulo, proporcional às ricas pistas que nos dão sobre a personalidade e
construção imaginária da “Mulher do Algodão”.
Figura 38: Formação da procissão de entrada

Fonte: fotografia do arquivo da autora

Após esse momento, a médium dirige-se ao tanque onde encontra-se a peneira


pilhada com algodão (figuras 39 e 40). A partir desse momento é feito absoluto silêncio.
Com a ajuda dos filhos (um deles molha o algodão, enquanto o outro embrulha os objetos
materializados num jornal e coloca na sacola do cliente), o algodão é molhado com água
e álcool. A primeira pessoa se aproxima e diz o nome para quem os objetos deverão ser
materializados, não demorando muito até que Edelarzil extraia os primeiros objetos a
serem embrulhados e colocados na sacola. Nesse momento a pessoa pode recolher as
materializações referentes ao número de sacolas de algodão que comprou, sendo que deve
extrair primeiro para si e depois os demais nomes de pessoas31, coisas ou situações, um a
um. No final, ela pergunta a Edelarzil se precisa voltar e quantas vezes deve “tirar”
materializações.

31
Como dissemos anteriormente, as sacolas são nomeadas para facilitar a identificação de, para quem os
objetos foram extraídos, e assim, analisar seus significados.
96

Figura 39: Edelarzil efetuando materialização

Fonte: https://www.youtube.com (05m50s)32

Figura 40: Edelarzil Materializando

https://1.bp.blogspot.com33

32
Essa foto é um print de uma imagem de um dos vídeos publicados sobre Edelarzil, em sua entrevista para
o programa mistério da extinta Rede Manchete na década de 1990.
33
Foto mais atual, já na casa em Votuporanga.
97

Como a maioria se apresenta com mais de uma sacola, o ritual torna-se demorado.
Algumas pessoas chegam a levar para diante dela mais de vinte sacolas, tendo que sair da
capela do ritual carregando as materializações nos carrinhos de supermercado que ficam
disponíveis – há dois carrinhos de supermercado na lateral do altar para essa função
(figura 34). Após receberem suas materializações, os clientes dirigem-se para fora, por
uma porta na lateral esquerda que dá para uma pequena e rústica cobertura acoplada à
estrutura da capela (Figuras 41 e 42). A cobertura possui mesas para as pessoas exporem
seus objetos e analisarem seus significados. Algumas anotam em cadernetas ou folhas de
papel, tiram fotos e em seguida, como recomendado, descartam os objetos em uma mesa
ao lado Os objetos extraídos podem ser pequenos como um laço de fita ou grandes como
ossos ou partes de animais e as pessoas acompanham, algumas já acostumadas, como
algo normal e outras com curiosidade. Alguns cochichos de dúvida ou espanto são
ouvidos. Uma senhora ao lado, cogitou várias teorias de onde poderiam estar vindo os
objetos. A primeira delas foi quando um dos filhos de Edelarzil a auxiliava a molhar o
algodão fazendo uso de um jarro de metal, pouco antes dela começar com as
materializações.

Figura 41: Cobert. para análise (fora Figura 42: Cobert. para Análise (dentro)

Fonte: http3.bp.blogspot.com Fonte: httpsqueromochilar.com

Ela disse: “Creio que os objetos são jogados através daquele jarro, junto com a
água”. Outra teoria: “Talvez eles coloquem os objetos ali dentro quando não estávamos
aqui”. Ou ainda: “Será que não são os mesmos objetos todos os dias? Será que realmente
os jogam fora?”. Entre essas e outras exclamações, no decorrer do processo das supostas
materializações, ela ficava cada vez mais impressionada com a quantidade e o tamanho
98

dos objetos extraídos. Pouco a pouco a peneira vai se esvaziando e ficando praticamente
sem algodão, então ela é trocada e o procedimento reiniciado.

2.3.4 As materializações
Como mencionado em sua biografia, o ritual consiste na crença da possibilidade
de transferir os males para objetos e assim livrar as pessoas de um destino ruim. Ao todo
são catalogados como sugestão para significação 126 objetos. Tratam-se de sugestões,
pois a interpretação pode variar de acordo com o contexto do indivíduo. São
materializados desde velas coloridas com formatos variados – o que muda totalmente o
significado de uma vela para outra, flores de plásticos, animais pequenos como moscas,
assim como sapos e rãs, ossos de animais, grandes e pequenos e até mesmo de humanos,
peças de roupas e há pessoas que garante que tenha saído um colar que havia perdido há
muito tempo ou seu nome escrito em uma vela ou em algum outro objeto

Figura 43: Objetos extraídos do algodão durante o ritual de materialização

http://2.bp.blogspot.com/

Nesta imagem (Figura 43) estão presentes, alguns exemplos de objetos


supostamente materializados pela médium, nota-se que há muita sujeira em meio a eles,
a sujeira tem um sentido de impureza neste ritual, ossos e pedras, também são comuns.
Os objetos mais incomuns são restos de animais já em decomposição.
99

Considerações intermediárias

Neste capítulo, tratamos de registrar a cultura visual e material de Edelarzil


Munhoz Cardoso, seu espaço Estância Casa Caminho e Luz, seus principais prédios de
apoio, assim como seus prédios de designação religiosa. Como podemos notar, seu centro
possui o que podemos chamar de “uma boa estrutura”, é organizado, tanto o espaço físico
como administrativo, com envolvimento familiar. Nota-se que também, recebe um
número razoável de pessoas.
Nosso primeiro pensamento era visitar o sítio da médium e conseguir uma
entrevista com ela, no entanto, não houve essa possibilidade. Já sabíamos das restrições
de Edelarzil para com pesquisadores, porém, até mesmo o público que frequenta com
assiduidade também tem contato restrito, considerando que a mesma atende na Casa,
Cartomancia e Búzios e desce para o espaço principal apenas no horário de iniciar o ritual
de materialização. Porém, ela cumprimentou os que estavam por perto e recepcionou a
todos com um sorriso.
Sobre as imagens que compõe o seu espaço, identificamos alguns traços de
hibridismo religioso, muitas dessas imagens se encaixam em mais de uma categoria
religiosa, o que nos impediu de criarmos uma tabela que pudesse subdividi-las, segundo
nossa proposta da matriz cultural religiosa brasileira. Porém, não consideramos isso algo
que esteriliza a nossa pesquisa, ao contrário, para nós significa a possibilidade de um
cenário religioso mais unido em suas fronteiras do que imaginávamos. No próximo
capítulo, poderemos discutir melhor sobre isso e com melhores detalhes.
100

GALERIA

Foto 1: Mapa para o centro “Nossa Senhora do Rosário” 1997

Fonte: SANTOS, 1997, p. 53


101

Foto 2: Mapa Estância Casa Caminho e Luz

CASA CAMINHO E LUZ, s/d, contra capa


102

Foto 4: Livro 1997- tragédias na vida

Fonte: SANTOS, 1997, p. 25


103

Foto3: Livro 1997- A vida para mim

Fonte: SANTOS, 1997, p. 23


104

Foto 5: Livro 1997- Amor e pureza

Fonte: SANTOS, 1997, p. 28


105

Foto-6 : Edelarzil 1997

Fonte: SANTOS, 1997, p. 7


106

Foto: 7 Edelaril 1997

Fonte: SANTOS, 1997, p. 14


107

Foto: Edelarzil 2018

Fonte: CASA CAMINHO E LUZ, s/d, p. 12


108

Print: Veronica Parallax - het onderzoek 1990

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=LBGbgQL_1s8&t=223s 24m42s

Print: Globo Repórter 1994

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=yrhmqH5ZnO8&t=47s 10M46S


109

CAPÍTULO 3
ANÁLISE DO IMAGINÁRIO DE EDELARZIL
MUNHOZ CARDOSO
“A MULHER DO ALGODÃO”

Introdução

Quando começamos nossos estudos sobre Edelarzil Munhoz Cardoso,


supúnhamos, à primeira vista, que suas práticas alegadamente paranormais tratavam-se,
na verdade de um simples atendimento de uma benzedeira com alguma intervenção
cênica ou dramatização, sendo o fenômeno da materialização de objetos no algodão uma
performance diferencial de seu rito. No entanto, essas primeiras impressões dissiparam-
se completamente, dando lugar à surpresa e mesmo espanto ao nos depararmos com um
ambiente bem estruturado fisicamente, conforme vimos no mapeamento no capítulo
anterior, dos principais prédios de atendimento ao público, situado em seu centro a
Estância Casa Caminho e Luz (figuras 6 e 7). Demo-nos conta de que haveria muito mais
peculiaridades do que imaginávamos.
No capítulo anterior trabalhamos com a descrição de todo o espaço Estância Casa
Caminho e Luz, pontuamos detalhes que cremos serem relevantes para nossa pesquisa e
descrevemos os procedimentos de seu ritual. Na verdade, na perspectiva da Cultura
Visual e Material, onde as imagens “falam”, não só as imagens em si, mas os artefatos e
tudo o que potencialmente pode ser considerado imagem em caráter material ou
metafísico. Neste capítulo mesclaremos a análise iconográfica e a análise iconológica à
descrição dos elementos visuais e simbólicos, o que nos fará retomar alguns elementos já
mencionados com a finalidade de melhor expor as ideias. A partir daqui nos ateremos às
minúcias do universo simbólico de Edelarzil Munhoz e o que a sua visualidade tem a nos
revelar quanto à sua originalidade no cenário religioso brasileiro. Começaremos
110

distinguindo imaginário e imaginação e depois faremos uma análise dos espaços,


principalmente no seu local cúltico principal, onde ocorrem os ritos de materialização.
Em seguida analisaremos seu rito e sua performance religiosa. No decorrer do nosso texto
nos ateremos ao seu imaginário simbólico. Utilizamos para esse capítulo os
conhecimentos de Durand acerca do imaginário; de Geneep, Turner e Vilhena a respeito
do Rito; dos estudos de Schechner sobre a performance e de Renders, Albuquerque e
Santos para análise dos espaços.
Normalmente as benzedeiras desenvolvem seus trabalhos em suas próprias casas,
como aconteceu nos primeiros anos de Edelarzil Munhoz no exercício de sua função. À
medida que a médium tornou-se conhecida e reconhecida, naturalmente seu espaço foi se
expandindo e tornando-se cada vez mais complexo. O sítio teria sido uma doação de um
de seus frequentadores. Mais adiante poderemos analisar melhor esse desenvolvimento
que está além do espaço, mas em todo o seu rito e em sua performance enquanto “agente
especial”, mediadora entre os homens e o sobrenatural. A trajetória em que Edelarzil
Munhoz atravessa o limen34 do profano para construir sua história sagrada e se tornar a
“Mulher do Algodão”.

3.1 Imaginário, imaginação

A primeira coisa que pensamos quando ouvimos a palavra imagem, é a imagem


concreta, aquilo que nossos olhos são capazes de perceber. Porém, o conceito de imagem
para a ciência não é exclusivamente concreto, porque o ser humano é capaz de produzir
imagens mentais. “O conjunto dessas imagens compõe aquilo que chamamos imaginário.
Não se trata de um universo reduzido à ficção, até porque as imagens produzidas pelo
homem acabam por refazer o próprio homem” (KLEIN, 2006, p. 39). Segundo Antônio
Damásio em O Mistério da Consciência, a “imagem designa um padrão mental em
qualquer modalidade sensorial, como por exemplo, uma imagem sonora, uma imagem
tátil, a imagem de um bem estar” (DAMASIO, 2000, p. 26). Podemos citar ainda a
capacidade do subconsciente humano enquanto dorme, que abre caminho para diversas
realidades oníricas, muitas delas contendo cenas absurdas, porém, até mesmo sob vigília
e conscientemente o ser humano possui essa capacidade. Criar imagens mentais é algo

34
Limen (Limear ou peitoril), trata-se de uma faixa que liga um espaço ao outro numa construção. É o que
está entre. No teatro, fora muito utilizado para delimitar a passagem entre o real e o lúdico. Nos estudos da
religião tornou-se um conceito, a liminaridade, utilizado por Arnold Van Gennep para designar um espaço
de tempo ou passagem, rito de passagem.
111

incessante para o ser humano. “É por isso que Edgar Morin coloca o imaginário como
uma “estrutura” antagonista e complementar daquilo que chamamos real, e sem a qual,
sem dúvida, não haveria real para o homem, ou antes, não haveria realidade humana”
(KLEIN, 2016, p. 39). Para Durand (1968), há diferentes graus de imagens e houve muita
confusão no que diz respeito ao imaginário, que por muito tempo fora reduzido a mera
fantasia humana. O período do iconoclasmo ocidental considerava o imaginário como
uma “condutora de erros”, somente validando as experiências concretas. Desenvolveu-se
uma semiologia na qual se expressavam os pensamentos positivistas, onde não cabia a
subjetividade ontológica da imaginação simbólica. Este desprezo resultou numa
eliminação gradual da função essencial da imagem simbólica. Segundo ele, a consciência
dispõe de duas maneiras de representação da realidade: uma direta, pela percepção
simples e sensível e indireta, quando o objeto está ausente, uma recordação, uma
paisagem que criamos de outro planeta, por exemplo. Ou seja, a imagem num sentido
amplo.
Durante séculos, a imagem foi subentendida como apenas ornamentação, e a
imaginação simbólica somente foi redescoberta neste tempo pelas ciências da psicanálise
e a antropologia. Porém, segundo Durand (1968), esses, ainda reduzindo a experiência
simbólica aos esquemas conceituais e teóricos, a chamada hermenêutica reducionista.
Durand, por sua vez, apresenta hermenêuticas instauradoras, que são caracterizadas pela
afirmação de que a imaginação simbólica atuaria com a função de mediadora, unindo a
realidade em nosso ser. Ele destaca a fenomenologia de Ernst Cassirer, que abarca toda a
metade do século XX, e que indo além da investigação sociológica e psicológica, dedicou
parte de seu trabalho ao mito, à magia e à religião. Dialogando também com os estudos
de Jung e Bachelard, que comporem uma pluralidade de fenomenologias capazes de
captar as atividades subjetivas da imaginação simbólica. “En primer lugar, la función de
la imaginación aparece como equilibramiento biológico, psíquico y sociológico”
(DURAND, 1968, p. 132).

3.2 Análise do espaço profano

Como podemos observar no capítulo anterior, a Estância Casa Caminho e Luz


não se trata de um ambiente suntuoso, mas é notável que a médium se atentou a
disponibilizar ao seu público o mínimo de conforto, como: onde dormir, se alimentar,
descansar e obter água. A Estância localiza-se distante da cidade, não havendo provisões
112

por perto além daquela que é oferecida pelo restaurante (figura 9) que pertence à sua
família e está sob os cuidados de sua nora. O mesmo oferece café da manhã, almoço e
lanches para os peregrinos, por um preço razoável, atendendo também a viajantes que
passam pela região. Os Dormitórios Coletivos Gratuitos (figura 10) são construídos
rusticamente. Piso de cimento, Telhado sem forro, acabamentos simples, móveis velhos
e desiguais – tivemos a informação que muitas coisas do sítio seriam doações. Os quartos
possuem um ventilador de parede de cada lado, para amenizar o calor da região de
Votuporanga que chega a altas temperaturas no verão. Os banheiros são pequenos, um
por quarto. Os quartos foram construídos com certa distância uns dos outros a fim de
manter a privacidade de homens e mulheres. Todos possuem uma pequena área de
cobertura na frente de suas portas. Esses dois tipos de prédios, com caráter auxiliar no
espaço, não são exatamente espaços sagrados, funcionam como espaços intermediários
que atendem as necessidades humanas, ou seja, são ambientes “comuns”, “profanos”
apesar de estarem dentro da Estância. Porém, eles atendem de certa forma o propósito
religioso. Em cada quarto há uma imagem de Maria e no restaurante, é oferecida a venda
de temperos caseiros, sabonetes e géis feitos com ervas, cada um possuindo propriedades
terapêuticas e de limpeza espiritual acompanhados das instruções de uso para maior
eficácia.

3.3 Análise dos espaços sagrados

Há dois tipos de espaços sagrados dentro da Estância, que aqui vamos diferenciar
sob os nomes de Espaço Sagrado e Espaço do Santo dos Santos. Podemos destacar quatro
espaços sagrados que são destinados ao atendimento exclusivamente religioso: Casa de
Atendimento Cartomancia e Búzios (Figura 11), Ermida de Nossa Senhora do Rosário e
Fonte de Água Benta (Figura 12), Jardim com o Cristo Redentor (Figura 14) e Espaço de
Espera (Figura 15). O Santo dos santos é a Capela, o principal motivo de tudo o mais ser
construído. Identificamos que, quanto mais próximo do Local Central, mais
representações do sagrado foram encontradas.

3.3.1 Casa Cartomancia e Búzios


Casa de Atendimento Cartomancia e Búzios. É um prédio com aparência mais
nova, de melhor aparência que as demais e com proporções avantajadas. Nele, a médium
recebe particularmente seus clientes para ler as cartas e jogar búzios. Essa informação
113

obtivemos no local, no dia da visita. Na internet o foco dos atendimentos da médium está
no ritual da materialização dos objetos. Somente depois da visita e de muita procura,
encontramos algumas poucas referências da médium enquanto cartomante. Em 2018,
pagava-se em torno de R$250,00 por esse atendimento, já incluindo três materializações.
Edelarzil recebe seus clientes particulares, das 09h00 ao 12h00, havendo a necessidade
de pré-agendamento, pois o número de clientes é limitado a fim de não interferir no ritual
de materialização de objetos no algodão que acontece após as 13h00.

3.3.2 Ermida de Nossa Senhora do Rosário e Fonte de Água Benta


Segundo Edelarzil, após uma das supostas aparições de Nossa Senhora do Rosário
a ela, teria brotado uma fonte de água no exato local. Então foi erguida uma ermida
(pequena capela), dedicada a Nossa Senhora do Rosário, onde foi entronizada sua imagem
e construídas pias com diversas torneiras para que as pessoas se servissem da água, que
foi considerada benta.
O local é constantemente visitado pelos turistas, que param diante da ermida
pedindo a intercessão da santa, colocam seus pedidos de oração e também suas doações
para compra de velas para o centro numa caixa em frente à imagem de Nossa Senhora do
Rosário (figura 13). A frase na caixa destinada a esse fim indica que, provavelmente
durante a semana, Edelarzil se dispõe a acender essas velas pelos pedidos ali colocados.
Além de rezarem ante a Ermida, os clientes enchem suas garrafas com água. Eles creem
que ela seja milagrosa e dissipadora de males, bebem e levam para seus familiares doentes
ou para aspergirem suas casas. Fontes como essas são comuns em santuários católicos.
Podemos citar como exemplo, a fonte na casa em que cresceu Santo Antônio de Santana
Galvão (Santo Frei Galvão) em Guaratinguetá e a fonte na Basílica de Aparecida, ambos
no Estado de São Paulo ou a fonte próxima da Igreja dedicada a Nossa Senhora de
Lourdes em Nova Trento, Santa Catarina, cidade onde Santa Paulina viveu. O mesmo
acontecendo no famoso santuário de Lourdes, na França, onde a adolescente Santa
Bernardete Soubirous recebeu mensagens de Nossa Senhora em 25 de fevereiro de 1858.
Iconograficamente, porém, e apesar do discurso da própria criadora, domina esse espaço
a caixa para doções e não a figura da Santa que fica parcialmente escondida ou empurrado
ao fundo. Não se sabe se se tratar de falta de habilidade para ornamentação, composição
de espaço ou decoração ou simplesmente uma negação parcial do discurso oficial.
114

3.3.3 O jardim e a imagem do Cristo Redentor


Trata-se de um lugar disposto em frente ao espaço central da Estância Casa
Caminho e Luz, (Figura 14), com função semelhante ao da Ermida de Nossa Senhora do
Rosário, porém, o que é notável é que apesar de ser um local destinado à contemplação,
o mesmo possui pouco destaque, sendo muito discreto quase imperceptível em meio ao
jardim. Pouco a pouco vamos percebendo a figura de Maria e sua centralidade no
imaginário da “Mulher do Algodão”.

3.3.4 Espaço de Espera


Em dias que há um maior número de pessoas, não cabendo na capela, o Espaço
de Espera (figura 15), torna-se local para a realização das palestras e orações
costumeiramente administradas por Edelarzil ao iniciar seu ritual. Nele, ficam
posicionadas duas caixas acústicas pequenas na parede frontal, para esse fim. Somente
após esse momento é que os clientes entram na capela para o rito que costuma acontecer
por longas horas. Estávamos em um dia atípico, segundo a coordenadora de caravana,
com poucas pessoas para serem atendidas – cerca de cinquenta – mesmo assim, do início
do rito até finalmente sermos atendidos, levou cerca de duas horas, havendo mais da
metade de pessoas para serem atendidas ainda.
Esse local serve também para o descanso de seus clientes, considerando que as
pessoas permanecem praticamente o dia todo nas dependências do sítio. O ambiente
também propicia que os mesmos possam dialogar e partilhar experiências
“familiarmente”. Nas paredes estão distribuídos alguns cartazes com nomes e contatos
dos organizadores de caravana. Como mencionamos, um restrito número de pessoas
recebeu a autorização de Edelarzil para a promoção de caravanas ao seu centro. Uma
forma de controlar o fluxo de pessoas que, teria chegado a várias centenas por dia na
década de 1990. Mesmo assim, Edelarzil não nega atendimento àqueles que a procuram
por própria conta, além dos ônibus de caravanas, algumas pessoas frequentam em carros
pequenos.
Também encontramos colado na janela do escritório, um cartaz (figura 18) com a
indicação de um hotel na cidade. Será um possível patrocinador? Não obtivemos essa
resposta, no entanto, não seria estranho, considerando a necessidade de manutenção do
sítio. Sobre isso falaremos melhor no decorrer do texto.
Alguns quadros contendo mensagens e avisos estão espalhados pelo local como o
quadro (apresentado na figura 16) no qual está escrito “Para quem não crê, nenhuma
115

explicação é possível. Para quem crê, nenhuma explicação é necessária” de autoria


atribuída ao Padre Donizete Tavares de Lima, que foi um padre brasileiro, natural de
Cássia, MG (1882-1961). Em processo de beatificação desde 1992 no Vaticano, foi
declarado venerável em 2017. Assumido na religiosidade popular como grande santo,
Padre Donizete é considerado um dos maiores taumaturgos brasileiros e a cidade de
Tambaú, no interior do Estado de São Paulo abriga um santuário dedicado a Nossa
Senhora Aparecida, que é o maior centro de peregrinação em memória do venerável.
Outro quadro pequeno que nos chamou atenção, mas não fotografamos por estar
um pouco acima da parede, num local de baixa visualidade, o que não nos daria uma boa
qualidade de imagem, porém, registramos devido à sua importância. Nele havia a
inscrição: “Nenhuma contribuição com a casa é obrigatória. Mas precisa ser avisado com
antecedência. Obrigada pela compreensão. Edelarzil”, o que nos revela uma preocupação
particular da médium quanto ao exercício de sua função. Toda benzedeira, como
esclarecemos no primeiro capítulo dessa dissertação, tem como preceito dedicar sua vida
gratuitamente e sem negar, podendo, apenas, receber doações. Uma vez que se dedicam
integralmente, essas mulheres necessitam de uma renda. Algumas conseguem manter
empregos ao mesmo tempo em que dedicam algumas horas ou fins de semana para o
atendimento ao público. No entanto, Edelarzil é uma das que se dedicam integralmente.
Ou seja, Edelarzil tem um problema. Ela precisa manter o seu centro, mas não pode cobrar
pelo ritual. Claro que são perceptíveis outras fontes de renda, como a cartomancia e o
jogo de búzios, o restaurante, também as vendas de produtos artesanais (temperos,
sabonetes e géis com intenção ritual) e há criação de animais no sítio. Mesmo assim, ela
ainda teria problemas financeiros, segundo ela, chegando a ter dificuldades em pagar os
impostos à Prefeitura de Votuporanga.

Muitos falam “Bem de vida”, porque não está no lugar. Não sabe as
despesas que tem. Que agora... graças a Deus ainda a prefeitura parou
de me cobrar, neh! Porque é pra que mais pesava e mandava a
promissória e nota pra minha cidade [?]35 cobra 800 e agora aumentava
mais e enfim, fica no vermelho. Mas era até empréstimo pra pagar pra
ter... Agora quer dizer que vai fazer quatro meses que ele não vem, é
onde tô conseguindo pagar eles mesmo. Porque depois que fiz a dívida,
vai ter que pagar, não é? Só que agora eu não pago mais. Só que agora
tenho que recuperar aquilo que eu fiquei no prejuízo. É dinheiro pra [?],
é dinheiro pra banco. A dívida está lá no banco. Tem gente que diz:
“Nossa! Ela cobra! Não, eu não como eu não bebo... quer dizer... “eu

35
[?] O áudio não estava claro.
116

vivo de ar”. Porque todos nós pagamos pra nascer, pra viver e pra
morrer (YOUTUBE,08m20s36).

Cobrar pelo algodão talvez tenha sido uma saída encontrada para sua absolvição.
Seria como se dissesse “Cobro pelo algodão, não pela “benzeção”, mesmo assim não é
obrigatório caso a pessoa peça”. Então “paz de consciência”, é a nossa hipótese. Apesar
de não ser o foco entrar nesse mérito, a venda do algodão nos pareceu ser mais uma taxa
para a manutenção do que uma cobrança por um lucro abusivo. Podemos estar enganados,
porém, necessitaria de um aprofundamento que não vem ao caso.
A presença de um quadro contendo a lei 208 (figura 17) para se proteger de
possíveis ataques ao seu recinto, por suas práticas religiosas, foi algo que notamos. Aqui
vale a lembrança de que Edelarzil não aceitou mais ser entrevistada por quaisquer meios
televisivos, após uma tensa visita do parapsicólogo Padre Quevedo num episódio do
programa Fantástico da Rede Globo de televisão, onde o padre alegou que se tratava de
uma farsa. Como se trata de um diálogo importante para a compreensão da rejeição de
Edelarzil em relação a pesquisadores, colocamos abaixo uma parte da reportagem onde
há um conflito entre a médium e o padre especialista em parapsicologia:

PE. QUEVEDO: Eu repito, que o que ela afirma, que com regularidade,
vários aportes continuamente...certamente truque.
Dona Edelarzil, realiza o trabalho sob os olhos atentos do padre, mas
não consegue nenhuma materialização. Ela interrompe a sessão para
rezar novamente por quase duas horas invocando a presença dos
espíritos. Ao não conseguir realizar a materialização, entra em
desespero, recorrendo a Deus e em seguida pede para que o padre reze
de mãos dadas com ela.
REPÓRTER: Agora dona Edelarzil, vai tentar o trabalho de
materialização, pela segunda vez. Ela disse que não conseguiu da
primeira vez, porque estava muito nervosa, magoada e até mesmo
ressentida com algumas críticas que o padre Quevedo tinha feito em
relação ao trabalho dela no programa anterior. Ela explicou que aqui na
sala haviam muitas influências negativas, que cortavam a corrente e
impediam a concentração dela.
Retorna a sessão sob o olhar do padre, e acontecem a primeira
materialização, uma rosa de plástico vermelha que surge cheia de barro,
no meio do algodão e uma vela. Padre Quevedo observa ser um objeto
muito pequeno. Ela explica que não pode determinar o tamanho dos
objetos, não depende dela. Logo em seguida, materializa um pedaço de
osso, maior que a rosa e mais um pedaço de vela. Ele fica convencido
de que se trata de um truque.
REPÓRTER: Em que momento o senhor acha que ocorreu esse truque,
se o tempo todo a equipe ficou dentro da sala, junto com o senhor?

36
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=MbqIs70DB3k&t=1002s> acesso em: 12
dez.2018
117

PE: O truque aconteceu no momento em que (não dá para entender) e


ela ficou aqui de joelhos (atrás do tanque) tampada pelo algodão.
Primeiro levantou as duas mãos, o que se chama mágica de mis direcion
depois só a mão direita e a esquerda estava oculta, poderia tirar qualquer
coisa dentre as pernas, do ânus e de qualquer lugar e um movimento
mínimo, é só colocar, depois fingiu “Senhor Jesus, tem que tirar alguma
coisa e bateu nos algodões e daí poderia ter colocado e revirou para lá.
Eu disse, vulgarmente, um truque pequeníssimo.
EDELARZIL (para o repórter): Eu costumo usar, saia e blusa. Hoje eu
pus calça comprida, para a pessoa ver que estava de calça comprida,
que se pões saia diz que esconde por debaixo da saia. Então eu fiz
tudo...aquele diz que você veio eu estava de saia calça. Hoje pus calça
apertada, porque se tiver alguma coisa...
REPORTER: Você está satisfeita com o resultado das sessões de hoje?
E: Eu não fiquei satisfeita, porque não realizou o que está acostumado.
PE: A ciência não é a favor e nem contra. Neste caso, o que vi, foi um
truque vulgaríssimo (TRV 4).

No livro escrito por Adriano B. Santos (1997), ele acentua o seguinte:

Com relação ao Padre Quevedo, o famoso “pega-falsários”, já causou


várias polêmicas com Dona Edelarzil, sem conseguir chegar a uma
explicação lógica.
Numa de suas visitas ao Centro Nossa Senhora do Rosário, tentou de
todas as formas tirar a concentração de Dona Edelarzil, mas não
conseguiu provar que suas materializações são falsas ou preparadas (p.
12).

Outro padre especialista em fenômenos paranormais, Juarez Farias visitou


Edelarzil em 31 de abril de 2002 e segundo ele “Pode ser que no passado tenha
manifestado alguns fenômenos. Atualmente, essa hipótese é descartada” (SILVA,
2002)37. Segundo o mesmo, os fenômenos paranormais não podem ser controlados desta
forma.
Sobre o pequeno acervo de livros disposto na estante do Espaço de Espera (figura
19), queremos fazer dois apontamentos, a predominância de livros com conteúdo espírita
e a ausência de livros com conteúdo católico. Ao todo são 13 livros, dos quais 8 são de
origens espíritas contando com o Romance de Zíbia Gasparetto, e 3 de procedência
esotérica. Havia algumas revistas populares na prateleira de baixo, mas de fato, os livros
podem ter algo mais a revelar sobre a formação de Edelarzil enquanto “agente religiosa”.
Próximo da porta da Capela ritual, destacamos um relógio (figura 20), decorado
manualmente com uma foto de Edelarzil e uma frase de “Boas Vindas”, foi o primeiro
indício que encontramos de uma representação da imagem de Edelarzil, dentro outras
representações mais importantes.

37
Jornal da Região. Disponível em: < https://www.diariodaregiao.com.br/_conteudo/cidades/padre-diz-
que-m%C3%A9dium-faz-truque-com-algod%C3%A3o-1.614380.html>.
118

3.4 Análise do Santo dos Santos: A Capela Ritual

No segundo capítulo, cuidamos para descrever com o máximo de detalhes


possível, toda a cultura visual e material contida na capela ritual de Edelarzil, a mapeamos
e dispomos de uma foto geral (figuras 22 e 23), a fim de o leitor pudesse “caminhar” pela
mesma.
Acima da porta da capela, um crucifixo (figura 21) indica que daquela porta para
dentro não se trata de um lugar comum, mas um espaço sagrado. Pois a porta representa

o lugar paradoxal onde esses dois mundos se comunicam, onde se pode


efetuar a passagem do mundo profano para o mundo sagrado. [...] O
limiar, a porta, mostra de uma maneira imediata e concreta a solução de
continuidade do espaço; daí a sua grande importância religiosa, porque
se trata de um símbolo e, ao mesmo tempo, de um veículo de passagem.
(ELIADE 1992, P.19)

Nota-se uma variada representação imagética de santos católicos, desde a entrada,


onde logo se nota uma pintura de Jesus Cristo, maior que a estatura de uma pessoa média
(figura 24). Encontram-se diversas pinturas em paredes ou quadros e estátuas, em um
número considerável, comuns a um local de oração de uma benzedeira e a centros
espíritas umbandistas e kardecistas. Normalmente os altares de benzedeiras costumam ser
representadas desta forma, até porque, há o costume dos “pacientes” agradecidos,
presentearem a benzedeira com alguma imagem, adereço ou foto. Vale mencionar que é
comum a profusão de imagens em casas de famílias católicas do interior. Ainda mantém-
se no meio popular uma alta afeição pelos santos, diversidade de quadros, oratórios com
vários santos e bíblia, calendários contendo essas imagens, terços e as famosas fitas
coloridas da festa do padroeiro. Essa característica, aliás, é compartilhada com os terreiros
de candomblé: profusão de estátuas de santos e santas. Agora faremos uma análise sobre
as principais pinturas, quadros ou estátuas que fazem parte do seu universo simbólico e
mais nos comunicam a respeito do imaginário de Edelarzil Munhoz Cardoso. Serão
fundamentais para situá-la dentro da religiosidade popular brasileira. Começando pela
Imagem de Nossa Senhora do Rosário e de Santo Antônio, considerados por ela, seus
“espíritos guias”.

Nossa Senhora do Rosário


119

Figura 44: Nossa Senhora do Rosário Pintura e estátua – PF

Fonte: fotografia do arquivo da autora

No Brasil essa devoção foi propagada por meio das ordens religiosas, sobretudo
as ordens dominicanas e assumida principalmente pela comunidade negra, pois muitos
dos africanos que vieram para o Brasil já estavam familiarizados com ela. Surgiram
muitas Irmandades dedicadas a Nossa Senhora do Rosário de brancos e de pretos, já que
os pretos não podiam frequentar a igreja dos brancos. Essas irmandades ao mesmo tempo
em que para a Igreja funcionavam como uma forma efetiva de cristianização do povo
negro era também uma forma dos mesmos expressarem de forma privilegiada sua
identidade de maneira que não podiam expressar publicamente (PACHECO, 2008;
SIMÃO, 2010).
A devoção a Nossa Senhora do Rosário (Figura 44), remonta dos primórdios do
catolicismo colonial. Com a proximidade do povo português do povo africano –
primeiramente por motivos comerciais e depois, mais tarde, por interesses de tráfico
humano para a escravidão – houve também o interesse de cristianização, o que ocorreu
através das devoções, principalmente a Nossa Senhora do Rosário. Essa devoção teria
originado, segundo a tradição católica, no Sul da França por volta do século XII.

Em seu artigo Tommasi, através de uma tradição católica, escreve que


nos antigos mosteiros católicos havia o costume de rezar os 150 salmos
bíblicos em diferentes horas do dia, porém alguns monges, por serem
120

analfabetos, substituíram tais salmos por 150 ave-marias, dividindo-as


em três grupos de cinqüenta. Contavam as ave-marias por meio de nós
feitos em cordões como uma “coroa de rosas” oferecidas a Nossa
Senhora. No século XIII, a Igreja passou por momentos difíceis,
especialmente na luta contra as heresias. São Domingos, da ordem dos
pregadores, sofreu muito para conciliar o ataque aos heréticos com o
cristianismo. Nessa ocasião, Nossa Senhora lhe apareceu na Igreja de
Notre Dame de la Dreche, para consolá-lo dessa tristeza, dando-lhe a
oração do rosário como antídoto que o povo deveria usar contra a
heresia (PACHECO, 2008, p. 3)

A antiga devoção a Nossa Senhora do Rosário ainda permanece viva através de


muitas igrejas que levam o seu nome, como a tradicional Igreja de Nossa Senhora do
Rosário dos Homens Pretos no Largo do Paissandu, antigo Largo do Rosário, na cidade
de São Paulo, reformada em 1909.
Encontramos comemorações de sua festa, no dia 7 de setembro, em sites de
umbanda como o Oração Umbandista38, onde se fazia memória da história do rosário e
ensinava como rezar o rosário e a oração a Nossa Senhora do Rosário e o Genuína
Umbanda39, onde encontramos a Oração a Nossa Senhora do Rosário, a mesma utilizada
por Edelarzil em seu ritual.

A vós sois reverenciada por toda a Terra, recebei as minhas humildes


homenagens e vinde em nosso auxílio, no meio de vossos dias tão
gloriosos no céu.
Não esquecei, ó Virgem Mãe, as tristezas da Terra.
Lançai um olhar de bondade para os que estão no sofrimento e que
lutam contra as dificuldades e que não cessam de umedecer os lábios
nas amarguras desta vida.
Tenha piedade dos que choram, dos que oram e dos que temem. Dai a
todos a esperança e paz.
Assim seja (SANTOS, 1997, p. 37).

Teria sido através da Virgem do Rosário que Edelarzil recebeu o “mandato” do


serviço ao próximo, enquanto que de Santo Antônio de Pádua, ela teria recebido o dom
de materializar objetos.

38
Disponível em: <http://oracaoumbandista.blogspot.com/2013/10/hoje-e-dia-de-nossa-senhora-do-
rosario.html> Acesso em: 22 dez. 2018.
39
Disponível em:
<http://www.genuinaumbanda.com.br/oracoes/oracao_a_nossa_senhora_do_rosario.htm> Acesso em: 22
dez. 2018.
121

Santo Antônio de Pádua


Santo Antônio é um dos santos católicos mais populares no mundo, tendo
predileção também no Brasil. Apesar de ser padroeiro dos pregadores, ele ficou

Figura 45: Santo Antônio de Pádua – Estátua e Pintura (PF)

Fonte: fotografia do arquivo da autora

popularmente conhecido como santo casamenteiro, embora este papel seja


originalmente “de iuris” destinado a São José. Esse, acabava sendo castigado de várias
maneiras a fim de ser obrigado a atender a graça, por vezes lhe tiravam o menino Jesus
do colo, que só seria devolvido após a graça ser recebida. Outras vezes era colocado de
cabeça para baixo para encontrar objetos perdidos ou escravos fugitivos, no período da
escravidão (JURKEVICS, 2004). Aliás, Santo Antônio é famoso na Igreja Católica por
manifestações místicas, como dons espirituais: profecia, ciência, cura e milagres, há uma
série de relatos de bilocações (transporte e materialização), conta-se que em um de seus
momentos de êxtase espiritual, materializou-se em seus braços o menino Jesus, por isso
um de seus atributos é ter o menino Jesus no colo. O dom de transporte de materialização
de Santo Antônio é apreciado pelos espíritas no Brasil, tendo merecido um estudo de sua
vida por parte de Castro (1983) sob o título Antônio de Pádua, sendo a materialização um
dos focos principais. Também é venerado no sincretismo religioso, Santo Antônio
corresponde ao orixá Ogum na Umbanda da Bahia, que também tem como correspondente
São Jorge em outros locais do Brasil.
122

Santa Joana D’Arc e São Jorge

Sobre Santa Joana D’Arc (representada na Figura 26), ela nasceu em fins do
Período Medieval, no ano 1412 em Domremy, França. Camponesa cristã, mística,
imbuída de uma fé cristocêntrica e mariana. Nesse período havia um papa e dois
antipapas, em meio a essa divisão, os cristãos da Europa guerreavam uns contra os outros
“entre as quais a mais dramática foi a interminável “Guerra dos cem anos”, entre França
e Inglaterra” (BENTO XVI, 2011). Após uma experiência mística com o Arcanjo Miguel,
ela sente o desejo de ser mais cristã e de fazer algo pelo seu povo. Mesmo sem saber ler
e nem escrever, Joana liderou as tropas francesas pela libertação de Orléans, vencendo os
ingleses. Também conquistou a coroação do Rei Carlos VII em Reims e continuou em
meio aos soldados, que a respeitavam e admiravam por sua coragem e destemor. Porém
ela acabou sendo presa por inimigos franceses, julgada e condenada aos 19 anos como
herege, foi queimada na fogueira em 30 de maio de 1430. Tendo sua sentença por heresia
anulada 25 anos mais tarde pelo papa Calisto III, foi declarada santa por Bento XV em
1920 (BENTO XVI, 2011).
São Jorge (Figura 26), conhecido como “grande mártir”, pouco se sabe sobre ele
além desse nascido na Capadócia e ter sido oficial do exército de Diocleciano. Por se
negar a combater os cristãos junto às tropas do imperador romano e negar a sua fé, foi
torturado e morto no ano de 303. Sua história consta na tradição e foi considerada apócrifa
por conter conteúdo mítico e a Igreja quase “cassou” o santo do martirológio40. Há muitos
teólogos que defendem a extinção deste santo por não existirem provas históricas de sua
vida. Sua festa é comemorada no dia 23 de abril. Quanto a sua iconografia ser
representada por um soldado matando um dragão, eis a lenda:

Num lugar existia um dragão que oprimia um povo. Ora eram dados
animais a esse dragão, e ora jovens. E a filha do rei foi sorteada. Nessa
hora apareceu Jorge, cristão, que se compadeceu e foi enfrentar aquele
dragão. Fez o sinal da cruz e ao combater o dragão, venceu-o com uma
lança. Recebeu muitos bens como recompensa, o qual distribuiu aos
pobres (CANÇÃO NOVA, 2019, online)41.

Entre os dois santos, São Jorge e Santa Joana D’Arc, São Jorge é o que possui
maior popularidade. No Brasil ele é um dos mais conhecidos santos católicos e é muito
venerado na Umbanda como orixá.

40
Lista dos mártires.
41
Disponível em: <https://santo.cancaonova.com/santo/sao-jorge-viveu-o-bom-combate-da-fe> Acesso
em 12 jan. 2019
123

O que chamou a atenção na capela de Edelarzil é o fato dessas duas imagens, Santa
Joana D’Arc e São Jorge estarem lado a lado na mesma parede, ambos santos guerreiros.
Ele mais popular no imaginário brasileiro, no entanto, fez-se questão de estarem ali, numa
parede de destaque. Ele como representação masculina e ela como representação
feminina, ambos imponentes, armados de lança e espada. A presença de Santa Joana
D’Arc poderia ser por uma questão de identificação feminina de força, proteção e também
por essa ser uma santa mística que foi perseguida devido às suas visões.

Sara Kali e Ogolé

Dentre os quadros que estavam na parede esquerda do corredor (figura 28),


destacamos essas duas imagens (figuras 46 e 47). A maioria das imagens que ornamentam
a capela trata-se de imagens de santos católicos romanos. O que nos chamou a atenção
nessas imagens, é que se trata de ícones ciganos.

Figura 46: Cigana Sara Figura 47: Cigano Ogolé

Fonte: fotografia do arquivo da autora Fonte: fotografia do arquivo da autora

A jovem identificada como “Sara”, nos faz pensar se tratar de uma representação
de Santa Sara Kali, padroeira dos ciganos, ou ainda, a “Rainha dos Ciganos”. Porém, uma
representação branca de Sara, já que Kali em romeno significa preto, ou seja, trata-se de
uma santa negra. Pode ser que se tenha confundido com a figura de alguma outra cigana,
apesar de que durante as pesquisas não encontramos nenhuma imagem semelhante. Trata-
se de uma pintura. O mais provável é que realmente seja uma representação branca de
124

Santa Sara Kali, devido à disposição da mesma num local sagrado. O que não seria
estranho, devido uma tendência brasileira ao embranquecimento das imagens, sendo
possível encontrar até mesmo imagens de Nossa Senhora da Conceição Aparecida branca,
também não seria inédito uma imagem branca de Santa Sara Kali.
A devoção a Santa Sara Kali é deveras controversa. Seu culto não é proibido,
apesar dela não ser canonizada oficialmente pela Igreja, está entre os santos que “caíram”
no gosto popular, principalmente em meio ao povo cigano que a assumiu como padroeira.
Porém, trata-se de um culto local da cidade francesa Saintes-Maries-de la Mer, cujo nome
remete à lenda das três Marias: Maria Jacobina (irmã de Maria de Nazaré), Maria Salomé
(mãe dos apóstolos Tiago e João) e Maria Madalena. A história de Sara Kali é incerta,
misturada a muitas lendas, como aconteceu com muitos santos antigos no decorrer do
tempo. No entanto, há até a possibilidade da santa ser, na verdade, uma ressignificação
cristã para a deusa hindu Kali.
O jovem cigano identificado como “Ogoló” ou “Igolé”, não encontramos fontes.
O mais próximo que encontramos dessa representação é a figura do Cigano Igor, que
possui várias lendas no meio popular cigano e na Umbanda, assim como Sara Kali.
Já mencionamos a ligação de Edelarzil Munhoz Cardoso a cartomancia, tendo
uma casa especialmente construída para os atendimentos (Figura 11). Em seu pequeno
acervo de livros expostos (Figura 19), alguns livros de origem espírita outros contendo
conhecimentos esotéricos. Destacamos também, uma espécie de tabuleiro (Figura 31),
contendo palavras alinhadas e disposta em paralelo como, Presente Atual/Futuro
Presente, Inconsciente/Consciente, Espiritual/Material. A informação que obtivemos é
que se trata de um presente dado pela mãe da nossa guia turística, Márcia, não se trata de
um jogo, apenas um carinho para “ordenar energias”. Não sabemos em qual momento a
médium interessou-se pelas práticas do esoterismo, mas de fato, hoje é algo que faz parte
de suas práticas espirituais e de atendimento ao público.
Também identificamos muitas imagens em pequenos oratórios em dois pontos da
capela (Figuras 32 e 3342), muitas dessas imagens são presentes, assim como os terços.
Porém, destacamos o oratório de madeira (figura 33), onde estão depositadas muitas fotos
e cartas de agradecimento, os chamados ex-votos, forma popular de testemunho e
agradecimento pelas graças recebidas em um santuário. Em ambos os oratórios, assim
como na Ermida, encontram-se caixas específicas para os visitantes colocarem seus
pedidos de orações e doações.

42
Ver também a figura 23, Visão espacial da capelal, [números 11 (PLD) e 13 (PEC) na ilustração].
125

3.5 O Altar da Benzedeira

O espaço cúltico principal da capela, toda a área que fica próxima da parede
frontal, é dedicada aos seus santos “guias”. A capela como um todo. Edelarzil foi criada
numa família católica e imprimiu em seu espaço cúltico as características similares e
outras que distanciam das que haveriam numa capela católica. Podemos observar nas
figuras 23 e 34 (ver no capítulo 2), que as paredes são cobertas por imagens em pinturas
ou estátuas, ela possui imagens por toda a capela, mas no altar, estão dispostos os santos
protetores de Edelarzil, cujas referências nacionais, foram por nós apresentadas neste
capítulo. Seu altar é elevado por um degrau. Nele estão dispostos o tanque onde Edelarzil
realiza as materializações e a mesa onde os objetos são devidamente colocados e
embrulhados para serem entregues aos fregueses.
Nota-se que ao centro da parede frontal onde, geralmente, nas Igrejas Católicas, é
centralizada uma cruz, há um quadro com uma representação em pintura de Maria sob a
intitulação Mãe de Deus. Aqui merece uma reflexão. Na capela de Edelarzil, a imagem
central é Maria. Claro que vemos algumas representações de Jesus, inclusive, uma
representando seu Sagrado Coração ao lado esquerdo dessa imagem central e do outro
lado uma representação do Imaculado Coração de Maria – normalmente essas duas
devoções caminham juntas. O fato é que temos uma cruz acima da porta, a porta ainda
não é o sagrado, ela está ali como indicadora do sagrado, mas quando chegamos ao altar,
a figura central é a mãe de Jesus. Segundo Renders e Albuquerque (2018), uma figura
pode desenvolver diversos sentidos, dependendo de sua localização numa Igreja. De um
simples logotipo na parte externa, a ornamento em um átrio, pode evoluir para as paredes
da nave como condutora para o mistério, porém, quanto mais próxima ao altar, mais
significativa se torna e quando se chega finalmente ao altar central, então já tornou-se um
símbolo central. No caso, em uma igreja cristã que tem como um dos principais símbolos,
a Cruz, na capela da médium, este perdera sua centralidade para a figura materna de
Maria.
126

3.6 Análise do imaginário simbólico de Edelarzil Munhoz Cardoso: aspectos


centrais

3.6.1. O rito
Os ritos precisam ser observados por diversos ângulos, segundo o estudioso da
performance Richard Schechner (2012): o espaço escolhido para o rito, quais as funções
dos participantes e em que cultura, o dinamismo e as mudanças ocorridas pelo mesmo, a
experiência do indivíduo dentro do rito. No Brasil, segundo Maria Agela Vilhena (2005),
para estudar e buscar compreender as diversidades rituais existentes, primeiramente deve-
se estar consciente dos fatores geográficos e históricos, pois, trata-se de uma nação
proveniente de muitas nações, com um legado cultural importante, tendo como base as
culturas indígenas, africanas e ibéricas, que geram uma diversidade de compreensões
acerca do sagrado e econômica, uma sociedade marcada pela desigualdade social. Mas é
oportuno ainda ressaltar que, fora essas matrizes que foram bases para nossa formação, o
Brasil é um país que agregou muitas outras culturas, principalmente a partir do século
XIX.
Os rituais são eficazes na medida em que trazem um sentimento de estabilidade,
mesmo que sejam novos, eles ordenam e trazem essa sensação e é uma via de acesso às
realidades invisíveis, na qual se expressa e visibiliza o imaginário religioso, sendo
impossível separar imaginário e ritual, visto que um depende do outro.

A vida individual, qualquer que seja o tipo de sociedade, consiste em


passar sucessivamente de uma idade a outra e de uma ocupação a outra.
Nos lugares em que as idades são separadas, e também as ocupações,
esta passagem é acompanhada por atos especiais, […]. Toda alteração
na situação de um indivíduo implica aí ações e reações entre o profano
e o sagrado [...], de tal modo que a vida individual consiste em uma
sucessão de etapas, tendo por término e começo conjuntos da mesma
natureza, a saber, nascimento, puberdade social, casamento,
paternidade, progressão de classe, especialização de ocupação, morte
(GENNEP, 1977, p. 26-27).

Arnold Van Gennep não resumiu todos os ritos em Ritos de Passagem, porém,
identificou que todos os ritos possuem “uma finalidade especial e atual, justapõe-se aos
ritos de passagem ou se combinam com estes” (GENNEP, 1978. p.32). Seguindo por essa
linha de pensamento, ele propôs a classificação dos ritos de passagem em: separação,
margem e agregação. Conceitos que serviram de base para muitos estudiosos acerca dos
ritos, como Victor Turner (2013) que os aprofundou classificando-os como ritos
preliminares, liminares e pós liminares. Os ritos de separação são característicos dos ritos
127

funerários, os ritos de margem (limen ou liminar) são ritos intermediários que demarcam
mudanças na vida do indivíduo, que pode ser uma transformação de seu estado ou
agregando-o a uma nova realidade como por exemplo o casamento, onde duas pessoas
passam a pertencer à família um do outro ao mesmo tempo em que abandona o estado de
solteiro para ser casado ou o batismo cristão, onde a pessoa passa a fazer parte da
comunidade cristã e também torna-se um cristão.
Para Gennep (1978), o valor do sagrado não é algo fixo, mudando conforme a
posição ocupada pelas pessoas dentro das “sociedades especiais”, podendo uma situação
do profano passar ao sagrado, do sagrado ao profano, direcionando alguns ritos à
amenização dos efeitos nocivos dessas mudanças, o que ele denomina de rotação da
noção do sagrado da sociedade mágico-religiosa. Sendo assim, o rito é uma ação
simbólica, linguagem simbólica, podendo todo e qualquer rito ser vivido como mágico,
porque mesmo sem reconhecer, toda religião possui componentes mágicos. Mesmo que
o termo “mágico” não seja muito bem aceito, sendo frequentemente associado a práticas
do mal ou a irracionalidade, nas palavras de Vilhena, essa “velha senhora” – a magia –
“Está viva e muito atuante, mesmo em sociedades modernas, racionais e secularizadas,
sendo vivida diariamente em inúmeros rituais” (VILHENA, 2005. p. 62). Potencializando
a experiência religiosa com manifestações sentimentais. Para Turner, o mágico não
desmerece a cultura, o que parece estranho no ritual do outro trata-se apenas de formações
diferentes da qual o indivíduo está acostumado, sendo que, mesmo a estrutura religiosa
de povos com tecnologias mais simples, são tão complexas e ricas quanto em todas as
culturas. Para ele, nenhum fenômeno religioso pode ser invalidado, deve ser considerado
“a extrema importância das crenças e práticas religiosas para a manutenção e a
transformação radical das estruturas humanas, tanto sociais quanto psíquicas” (TURNER,
2013, 20-21). Turner propõe para estudo seu conceito de liminaridade elaborado a partir
de suas reflexões sobre ritos de passagem em estudos de Arnold Van Gennep, a
liminaridade proporciona ao ser humano a experiência do distanciamento do cotidiano,
dentro desse processo ele desenvolveu seus conceitos de communitas e antiestrutura. A
liminaridade é um estado em que o ser humano experimenta consciente ou
inconscientemente que está em dois níveis existenciais.

Rituais são mais que estruturas e funções; eles podem também ser
experiências poderosas que a vida tem a oferecer. Em um estado
liminar, as pessoas estão livres das demandas da vida diária. Elas
sentem o outro como um de seus camaradas e toda diferença pessoas e
social é apagada. Pessoas são elevadas, arrastadas para fora de si.
Turner chamou a liberação das pressões da vida de “antiestrutura” e a
128

experiência de camaradagem ritual de “communitas” (SCHECHER,


2012, p. 68).

Refletindo acerca do conceito de liminaridade, mas particularmente sobre a


“antiestrutura” e “communitas” de Turner, Schechner destaca a existência de dois tipos
de communitas, a normativa e a espontânea. A normativa que é imposta por um ritual
estabelecido e cria uma “communitas” nem sempre legítima, mas uma união imposta pelo
rito e a espontânea ocorre quando a comunidade entra em estado de êxtase o que pode
acontecer em meio a um rito religioso ou até mesmo no meio secular durante um jogo
importante àquele determinado grupo. Esse tipo de communitas acontece normalmente
em um espaço-tempo liminar e sagrado, é um despir-se simbólico diante dos outros. “A
communitas normativa normalmente reina, com momentos ocasionais de communitas
espontânea. Esses, no ritual, são tratados como iguais, reforçando um senso de nós
‘estamos juntos’” (SCHECHNER, 2012, p. 69).
Sobre o rito de materialização de Edelarzil, podemos atestar que esse se trata de

Figura 48: Experiência Liminóide43

Uma “performance transportada” do ponto de vista do performer. O performer


deixa o mundo do seu dia a dia e, por meio da preparação e do aquecimento,
entra no performar. Quando a performance termina, o performer se “acalma”
(esfria) e entra novamente no seu cotidiano. Na maior parte do tempo, o
performer é jogado para fora de onde ele entrou. Ele foi “transportado”, levado
a algum lugar, não “transformado” ou permanentemente mudado.
Fonte: SCHECHNER, 2012, p. 71.44

um rito de margem que visa uma transformação na vida das pessoas, porém da categoria
liminóide, tanto da parte das pessoas quanto para a médium. As pessoas estão buscando

43
Figura traduzida pela autora.
44
Texto traduzido por N. C. Castro e R. Rosenbusch.
129

limpeza espiritual, querem mudanças em suas vidas, no entanto o ritual de materialização


requer retorno, pois sempre haverá algo no que a pessoa necessite de uma “limpeza
espiritual”, não é uma transformação permanente. Podemos observar no ambiente da
Estância Casa Caminho e Luz, haviam pessoas das mais diversas classes sociais, pessoas
de status financeiros mais modestos até empresários bem sucedidos. Ou seja, os limites
sociais e pessoais são quebrados e todos naquele ambiente se vêm como iguais naquele
espaço tempo sagrado. Existe diálogo, trocas de experiências e solidariedade entre os
participantes, principalmente no que diz respeito a informações antes do ritual acontecer.
Elas sentam-se, conversam e contam os motivos que as levaram até ali, sem quaisquer
receios. Uma Mulher que aparentava um pouco mais de 40 anos, culta, empresária e com
boa situação financeira, contou-nos ser mulçumana por conversão, antes era católica.
Procurou Edelarzil a pedido da filha que estava com problemas, mas impedida pelo
trabalho de ir ao Centro. No caso quebram-se as barreiras religiosas. Conversamos com
diversas pessoas das mais diferentes categorias sociais, todas “unidas” mesmo que
provisoriamente, por um único sentido, receber libertação espiritual, uma cura, uma
resposta transcendente, numa communitas espontânea.
Ainda há a distinção entre os ritos liminares e os liminóides (ver figura 26), ambos
são ritos intermediários, porém, o primeiro leva o indivíduo a uma transformação
permanente, como num ritual de cincuncisão ou batismo, a pessoa nunca mais será vista
pela comunidade da mesma forma, ela passa por um rito de transformação. Um ritual de
passagem. Já nos rituais liminóides, as pessoas são transportadas por alguns instantes a
um estado de transformação temporária, num momento de communitas espontânea, como
em um transe ou incorporação ou num ritual de Candomblé, um momento de fervor na
igreja, mas após o rito elas voltam ao ritmo normal de seu cotidiano. No caso do ritual de
Edelarzil, ela segue o princípio da categoria liminóide, onde existe toda uma performance
de preparação espiritual, com procissão de entrada, benzeção, oração, palestra, para então
ocorrer as materializações. Acabando este momento, sua vida segue naturalmente. O que
Schechner (2012) compara, por alusão e não pejorativamente, ser semelhante ao que
acontece com atores quando assumem papéis em um teatro, estão num espaço liminar,
condicionados ao retorno.

3.6.2. O rito transformação e espaço religioso como hierofania


Há quatro fases cronológicas que podem ser destacadas no rito de materialização
de Edelarzil. O primeiro, no início das materializações aos 9 anos de idade, que ela atribui
130

ser um dom concedido por Santo Antônio de Pádua, segundo sua biografia oficial (1997).
O segundo marco aos seus 17 anos em 1963, ela teria ficado entre a vida e a morte ao
contrair uma grave doença, neste tempo ela teria sido questionada por Nossa Senhora do
Rosário, à decisão de aceitar a morte e descansar ou viver e cumprir sua missão até a
morte (SANTOS, 1997). Do período de sua infância em 1955 (nove anos de idade) até o
começo dos anos 1980, ou seja, mais ou menos, 34 anos, os objetos eram materializados
e caíam como uma chuva sobre as pessoas que a procuravam, o que gerava medo e
ferimentos, pois havia, por vezes, objetos cortantes.
O terceiro marco de transformação teria ocorrido após a consulta aos “guias
protetores” no início da década de 1980, quando Edelarzil teria pedido um meio para
direcionar os objetos a fim de neutralizar consequências negativas dos objetos que caíam,
no que teria sido indicado o uso do algodão.
O quarto marco que podemos apontar como o mais importante para a sacralização
do ritual, foi a construção da Capela. Fica claro, através das gravações de reportagens na
década de 1990, que havia um pré-ritual de purificação do ambiente onde Edelarzil
realizava as materializações, aliás, ramos verdes e gestos em cruz é comum em rituais de
benzeção, como podemos ver na informação dada por Santos em sua pesquisa: “Para
compor este ritual de cura, as rezadeiras podem utilizar vários elementos acessórios,
dentre eles: ramos verdes, gestos em cruz feitos com a mão direita, agulha, linha e pano,
além do conjunto de rezas. Estas podem ser executadas na presença do cliente, ou à
distância.” (SANTOS, 2009, p.12-13). A seguir temos uma narrativa da transcrição da
matéria do Globo Repórter da Rede Globo de Televisão em meados de 1990:

Antes de começar o trabalho, a médium faz orações. Segundo ela, para


espantar os maus espíritos. Nas mãos, uma planta conhecida como
espada de são Jorge. Dona Edelarzil, diz que está amarrando os
espíritos, conhecidos como obsessores. Começamos a ouvir vozes
estranhas. Vozes dos espíritos ou seria apenas uma simulação?

Uma sequência de gemidos que duraram, segundo o repórter, quase


uma hora. Ela não poderia começar o trabalho, sem antes, dominar
todos os espíritos (TRV 3).

Essas gravações foram levadas na época para o psiquiatra Dr. Sérgio Felipe de
Oliveira, professor da Universidade de São Paulo que estudava sobre mediunidade havia
20 anos e também para Laboratório de Fonética Forense, da Universidade de Campinas
onde foram analisadas pelo Dr. Ricardo Molina, até então, perito em investigações
criminais. Ambos os especialistas concluíram que os sons emitidos eram guturais da
própria médium. Cogitada, pelo repórter, a hipótese de incorporação espiritual na
131

médium, o perito alegou que entrar em tal mérito não estaria ao alcance de suas
possibilidades. Ela realizou o mesmo ritual de purificação no dia da entrevista com Padre
Quevedo. Era algo que fazia parte de sua preparação.
Esse ritual de purificação local, antes da iniciação dos atendimentos,
provavelmente, foi extinto a partir da consolidação da capela no sítio que Edelarzil teria
ganhado para a estruturação da Estância Casa Caminho e Luz. Chegamos a esta conclusão
no dia da visita, ficou claro que não é feito mais. A médium chegou ao sítio e foi para o
atendimento Cartomancia e Búzios, depois desceu, somente no horário de começar o
ritual da materialização e transporte no algodão.
Aqui fazemos três apontamentos, o primeiro, de fato, foge do alcance de maiores
análises, pela falta de testemunhas da época que poderiam confirmar se, realmente, ela
começou as materializações ainda criança e se os objetos choviam sobre as pessoas
gerando algumas inconveniências. Mas nesse relato de Edelarzil, encontramos um caráter
motivador e explicativo para o segundo, a introdução do algodão em seu ritual.
Considerando que em sua biografia oficial, ela também conta que aos nove anos de idade
decidira ajudar o pai nos trabalhos na lavoura do algodão. O algodão, que veio a receber
esse papel neutralizador e direcionador para a materialização de objetos e que ao mesmo
tempo ganhou uma significação de pureza por sua brancura, já estaria presente na vida de
Edelarzil desde sua infância. Não obstante, seria o ambiente onde teria ocorrido uma das
supostas primeiras ou primeira aparição de Nossa Senhora do Rosário. “Com nove anos,
a contragosto do pai, trabalhar nas lavouras do algodão. No terceiro dia de trabalho, a
garotinha Edelarzil teve uma visão de Nossa Senhora do Rosário” (SANTOS, 1997, p.
9).
Em um dos relatos em programas de televisão ela chegou a mencionar sobre
materializações aos nove anos de idade, sem contudo pormenorizar esse detalhe da
lavoura do algodão, que só encontramos na biografia oficial, talvez para uma indicação
profética de como lhe viria a ser proficiente seu uso?
O terceiro fato, o da extinção do ritual de purificação do ambiente antes de dar
início aos atendimentos ao público, podemos encontrar explicação, no que se deve ao
fato, de que antigamente o ritual era realizado primeiramente na casa dela e depois em
um barracão – onde fundou seu primeiro centro em Parisi. A partir do momento em que
ela fundou em meio a sua estrutura física de atendimento, uma capela, ela elevou o
ambiente à condição de sagrado, não necessitando mais que tal ritual de purificação prévia
132

fosse realizado. Ao mesmo tempo em que sacralizou todo o seu território, o tornando um
centro de peregrinação em Votuporanga. Ela criou o seu Axis Mundi.
Segundo Terrin (2004), o uso simbólico dos gestos e da espacialidade dentro de
um rito, fala muito mais do que as palavras propriamente ditas. O espaço e os gestos
traduzem no ambiente aquilo que não se pode ser dito através de palavras. Portanto,
podemos afirmar que o espaço sagrado, a Capela, veio a substituir o gesto. Aliás, esse ato
de purificação, com folhas de “espada de São Jorge” elevadas em cruz para expulsar os
maus espíritos, nos remete as três matrizes, a matriz católica, indígena, africana e espírita,
amalgamadas neste gesto. Nota-se a crença nos espíritos obsessores que pairam os ares e
perturbam a paz do ser humano e intervindo em suas vidas de forma negativa, no
imaginário católico seriam os demônios, a linguagem “espíritos obsessores” vem do
espiritismo, o “espantar os maus espíritos” utilizando plantas e gestos é tipicamente
indígena.
Um lugar não é sagrado ou profano, até esse ser sacralizado e valorizado como
tal, ele é escolhido, separado, preparado e no caso de Edelarzil, providenciado por um
benfeitor, de certa forma escolhido, não por ela, mas dado por providência divina. O lugar
sagrado é um local especial, o lugar propício para organizar tudo o que se encontra “fora
do lugar” na vida do ser humano através de seu encontro com o divino ou transcendente.
Portanto a organização do espaço reflete o imaginário dessa reordenação, ali se encontram
símbolos comuns que “falam” diretamente com o indivíduo. O ritual pode ser
compreendido como “uma espacialidade que estrutura sintagmas de palavras (formulaic),
feita por grupos de pessoas que estão conscientes da natureza compulsiva da
espacialidade e que podem, ou não podem, dar ulteriormente forma a essa espacialidade
com palavras faladas” (apud TERRIN, 2004, p. 200).
Mircea Eliade (1991), em “O Sagrado e o Profano”, ao falar sobre a escolha e
consagração de um território para fixar o sagrado, afirma que, para o homem religioso,
consagrar um espaço é fundar um “mundo” que revela outra realidade que não faz parte
do cotidiano. Essa fundação, ele chama de Axis Mundi ou “centro da terra”, “centro do
mundo”, uma imagem arquetípica dos santuários encontrada sobretudo nas civilizações
paleorientais, as três dimensões cósmicas – Terra, Céu e Regiões inferiores - ligadas por
um eixo. Consagrar um lugar é replicar o Universo habitado pelos deuses ou Deus e
participar de suas obras. No espaço de Edelarzil Munhoz Cardoso, podemos observar que
essa parte estrutural de sua cosmologia está centralizada na devoção aos santos,
principalmente a devoção mariana à Virgem do Rosário e que ao mesmo tempo, seu
133

imaginário é permeado por elementos do espiritismo, porém, não o espiritismo kardecista,


o espiritismo “cristianificado” ou “catolicizado” e brasileiro, com traços das religiões
afro-brasileiras (com muitos elementos da cultura indígena) e do esoterismo. Observamos
esses contrastes, não apenas em suas paredes e altares, de forma material, mas
visualmente e subjetivamente em seu rito. Como Terrin (2004), denota o espaço sagrado
ser ao mesmo tempo, Físico, Significativo e Virtual. O Espaço Físico se limita à matéria,
ao lugar, ao prédio construído para a realização do rito. O Espaço Significativo é o
conjunto que forma e dá significado ao rito, desde a projeção arquitetônica, disposições
de luzes e todas as palavras, símbolos e gestos, tudo o que facilita a comunicação e
envolvimento do ser humano dentro do espaço sagrado. Já o Espaço Virtual é a mística,
ele classifica como o bom êxito dos dois primeiros espaços, quando bem comunicados,
leva o ser humano a penetrar no rito e vive-lo de forma que é transportado e elevado ao
sagrado. Sendo assim, para Terrin, a palavra factual é a estrutura original que serve como
orientação, um script de “como fazer” o rito, a performance é o que dá vida ao rito. As
palavras, sendo as mesmas, porém, a execução da liberdade de variação de estilos
interpretativos. Mesmo os ritos mais formais não serão iguais de um lugar para o outro.
O espaço é lugar da hierofania como um todo, “delimita o tempo cósmico e torna possível
a comunicação do homem com a divindade. É como um mergulho do Templo para o
Tempo” (SANTOS, 2016, p. 74).

3.6.3 o arquétipo da mulher sagrada

A palavra arquétipo foi um termo utilizado por filósofos neoplatônicos para


nominar as formas idealizadas de todas as coisas. “Arquétipo” é um termo originado da
Grécia Antiga, da palavra ἀρχή – arché = princípio + τύπος – tipos = marca, impressão.
“Ou seja, é uma marca antiga, um elemento primordial que serve de referência, de ponto
de partida” (DINIZ, 2016, p. 5). Mais tarde sendo como base para os estudos de Carl
Gustav Jung, psiquiatra suíço, que conceituou o termo arquétipo como uma série de
imagens virtuais constituídas na psique humana por herança coletiva, o que ele chamou
de “inconsciente coletivo” Nesse inconsciente estaria um repositório ancestral da
sabedoria humana acumulada e disponível para todos os membros da humanidade
(SANTOS, 2016, p. 110). Construído de maneira universal, desde os primórdios da
humanidade.
134

[...] o arquétipo é um elemento vazio e formal em si, nada mais sendo


do que uma facultas praeformandi, uma possibilidade dada a priori da
forma da sua representação. O que é herdado não são as ideias, mas as
formas, as quais sob esse aspecto particular correspondem aos instintos
igualmente determinados por sua forma (apud DINIZ, 2016, p. 6).

No que tange nossa atriz social, Edelarzil, em seu papel religioso – e aqui
utilizando o termo “atriz” conceitualizando suas ações performáticas às propostas de
Richard Schechner (2006; 2012; 2013 etc) acerca dos estudos da performance. É nessa
perspectiva que estudaremos a médium, em seu caráter representativo às pessoas que
estão em sua volta e a si mesma. Como as pessoas descrevem Edelarzil Munhoz Cardoso?
Como Edelarzil se apresenta e se vê em meio seu protagonismo religioso?
Para Durand, todo símbolo arquetípico é precedido por um mito basilar, que está
por trás de toda criação literária ou narrativas orais. Sobre o imaginário em torno das
mulheres ele explica que, essas possuem uma dupla natureza simbólica criadora de
sentido e receptáculo concreto. A figura feminina sempre foi colocada num papel de
mediadora, sendo passiva e ativa comparada ao simbolismo dos anjos. “Así, pues, la
Mujer es, como el Angel, el símbolo de los símbolos, tal como aparece en la mariología
ortodoxa en la figura de la Theotokos, o en la liturgia de las iglesias cristianas que
asimilan de buen grado, como mediadora suprema, a ‘La Esposa’” (DURAND, 1968, p.
41-42). Uma construção muito antiga, que remonta tempos em que, segundo Silva (2012),
as deusas eram dotadas de poderes mágicos, como a deusa Isthar (Babilônia) e Ísis
(Egito), que através dos empreendimentos marítimos atravessaram o portal helenístico,
ligando a feminilidade ao místico e mágico (tanto positivamente como negativamente, na
história), enquanto os homens ligaram-se ao simbolismo da racionalidade.
O arquétipo da mulher ideal, como ela deve agir, se apaixonar, pensar, ser mãe,
foi sendo forjado através de deusas como Afrodite, Atenas, Deméter etc. Inspirando a
imagem poética do feminino até os dias de hoje através de “labirintos da alma, no
inconsciente coletivo. Talvez por atingir esferas irracionais e obscuras, por se aproximar
mais do mistério, o Feminino está diretamente envolvido com as experiências religiosas”
(RIBEIRO, 2012, p. 73). A mulher sempre é representada como ênfase da emotividade e
solicitude, o arquétipo da mãe presente de alguma forma na maioria das religiões.
Consequentemente podemos estudar Edelarzil a partir dessa perspectiva, como
representante dessas mulheres místicas presentes na história, dotada de poderes de cura e
dispersadora de males.

Imagens de Edelarzil Munhoz Cardoso: Performance da mulher sagrada


135

Agora faremos uma análise em torno da imagem de Edelarzil enquanto “agente


mediadora” a forma como ela é apresentada em seu espaço e a forma como ela se
apresenta, ou seja, como é sua performance e como ela é compreendida. São duas
perspectivas reveladoras de sentido. A performance, segundo Schechner, é formada por
“comportamentos restaurados”, ou seja, ações que são experienciadas mais de duas vezes
pelas pessoas e treinadas. Segundo o pesquisador, passamos nossa infância ensaiando
papéis para obtermos sucesso, sendo que alguns aprendem melhor que outros. Mesmo
quando algo é “inédito”, se estudarmos suas partes, se revelarão como “comportamentos
restaurados”. Todos os comportamentos são recombinações de outros comportamentos já
vividos, sendo classificados como comportamentos marcados, enquadrados e separados.
Por isso que ao falar da religião, ele acha interessante estudá-la na perspectiva da ação e
do teatro, até porque existe a possibilidade dos primeiras performances terem sido de
apresentação ritual.

Recorro à antropologia não como uma ciência de resolução de


problemas, mas porque sinto que existe uma convergência de
paradigmas. Assim como o teatro tem se antropologizado, a
antropologia tem se teatralizado. Essa convergência é uma ocasião
histórica que proporciona todos os tipos de trocas. A convergência entre
a antropologia e o teatro faz parte de um movimento intelectual maior,
no qual a compreensão do comportamento humano está deixando de
lado as diferenças quantificáveis, entre causa e efeito, passado e
presente, forma e conteúdo etc. (assim como os modos lineares de
análise que explicam essa visão de mundo), e passando a enfatizar a
desconstrução/reconstrução de realidades (actualities): os processos de
enquadramento, edição e ensaio [...] (apud SCHECHNER, 2013, p. 25).

O antropólogo salienta que toda performance é ritualizada, são lembranças da


nossa maneira de “como agir”, como se tivéssemos um acervo de ações, sendo que nada
do que fizermos será algo novo, mas já feitas por outras pessoas ou por nós mesmos. Essa
repetição performática ensaiada, também é uma forma de lidar com as mudanças que
ocorrem, é a forma que o ser humano encontra para sobreviver em meio às
hierarquias e às mais diversas personalidades. Portanto, cada dia e hora diferentes,
os nossos “eus” se manifestam em diversos papéis sociais. O padre, não é o padre 24
horas do seu dia, assim como a enfermeira do hospital ou a educadora de uma escola
infantil, nem a rainha sorridente é apenas rainha ou tão somente sorridente, as pessoas
são pais, mães, avós, tios, filhos, sobrinhos, casados, solteiros e para cada uma dessas
coisas existe uma forma aprendida, que não será igual de uma família para a outra. Existe
uma fórmula para se portar num restaurante requintado com desconhecidos, que
provavelmente, não será a mesma a ser usada numa lanchonete reunido com amigos. A
136

noiva usaria o seu vestido de casamento – com aquele véu e calda gigante – para ir à
padaria? Porque as pessoas se cumprimentam dando as palmas das mãos no ocidente?
Schechner aborda os jogos performáticos, onde para ele, é impossível que um ser humano
fique um único dia sem interpretar seus vários papéis (SCHECHNER, 2012).
Comentamos ainda acima, que a proximidade de uma imagem com o altar de local
sagrado revela o grau de sua importância no ambiente sagrado. Analisando a área do
corredor, observando e comparando as figuras 28 e 29 (ver segundo capítulo), na parede
direita do corredor, um pouco mais escondida, temos algumas imagens sacras, outras nem
tanto. Contamos cinco imagens representativas de Jesus e três de Maria, duas que estão
mais para o imaginário cigano. Já na parede direita do corredor, mais próxima ao altar, o
que podemos observar sobre uma perspectiva mais limiar, encontram-se expostos e pode
ser observado da porta (ver figura 22), alguns quadros que se referem diretamente à
pessoa de Edelarzil. Podemos observar essa parede logo na entrada da capela e nos
depararmos com o retrato da médium (figura 49).
A médium está retratada com um semblante sereno, roupas claras e em seu peito
um cordão contendo um pingente no formato de uma ferradura ornada com cristais45.
Além desta imagem, há um quadro (figura 50) contendo o significado de seu nome,
segundo esse, Edelarzil significa, “Nome de origem hebraica/ grega que significa
“ornamento/ rocha-luz”. Se arrisca tantas vezes quantas necessárias. Pessoa honrada,
sempre tenta fazer o bem. Goza de uma atração muito especial. Grande desportista, pensa
que sua independência é sua liberdade. Seu bom humor se reflete em seu olhar. Sabe usar
o tempo de ociosidade”, trata-se de uma definição que não encontramos em livros ou
mesmo na internet. Ao lançarmos seu nome na internet, o que aparecem são apenas
referências sobre ela, a médium. O que nos deixa a impressão de ser uma

Figura 49: Retrato de Edelarzil (PCD)

45
Mais uma menção ao imaginário popular de exorcizar os males. A ferradura é considerada um símbolo
protetor no meio popular.
137

Fonte: fotografia do arquivo da autora

interpretação esotérica de seu nome.

Figura 50: Significado do nome Edelarzil

Fonte: fotografia do arquivo da autora


138

Em seguida, uma matéria de jornal (Figura 51), “Jornal da Região” datado em 31


de Julho de 1994, onde a repórter fala sobre o fenômeno da materialização e como
Edelarzil acabou atraindo milhares de pessoas à Parisi, até mesmo artistas nacionais,
internacionais e programas de TVs nacionais e internacionais. Segundo essa matéria, ela
teria sido citada pelo autor Carlos Castañeda em um de seus livros de estudos
antropológicos e esotéricos.
Nos anos 90 do século XX, Edelarzil chegou ao auge da carreira como médium,
em comparação, até então, com um novo nível de atenção pública sempre apresentada
como grande fenômeno, saindo em artigos de jornais e revistas, participando de
programas de TV – inclusive foi tema de pelo menos dois episódios do documentário
Parallax sobre paranormalidade, para a TV holandesa Veronica em fins da década de
198046. Até mesmo a tensão causada por padre Oscar G. Quevedo em 1991, em meio às
gravações para o “Globo Repórter” da “Rede Globo de Televisão”, alavancou a carreira
da médium, elevando ainda mais o número de procura de seu ritual, pessoas sedentas de
cura, ou mesmo, de satisfazer a própria curiosidade em relação a ela. Outro quadro em
sua parede, uma homenagem da Câmara Municipal de Parisi em 1996 (Figura 54),
seguindo a ordem cronológica, temos um “Diploma de Honra por excelência em dons de
materialização”, concedido pela Ordem Melquisedeque47 em sete de setembro de 2010.

46
Um dos episódios pode ser acessado em
<https://www.youtube.com/watch?v=LBGbgQL_1s8&t=968s>./ Também pode ser observado dois
recortes de jornais em nossos anexos nas páginas 181-182.
47
Parece tratar-se de uma religião independente <https://www.facebook.com/Templomelquisedeque-
281364695614090/?fref=ts> ou < http://templomelquisedeque.blogspot.com/2017/02/a-ordem-de-
melquisedeque.html>.
139

Figura 51: Jornal Regional 31 jul 1994

Fonte: fotografia do arquivo da autora48

48
Para uma melhor compreensão do texto contido na figura 53, transcrevemos aqui: BENZEDEIRA DE
PARISI CURA OS MALES DO MUNDO – Para o escritor e antropólogo norte-americano Carlos
Castañeda, ela é um fenômeno que ajuda os homens a entenderem o desconhecido. As milhares de pessoas
que perseguem seus segredos acham que é um misto de magia e esoterismo para curar o mal. Mas a
benzedeira Edelarzil Munhoz Cardoso, 47, acha que seu trabalho é apenas uma missão passada por Deus./
Por causa dessa “tarefa divina” passa quase doze horas longe dos seis filhos, fica a maior parte do tempo
em pé, retirando objetos que representam as energias negativas. Os iniciantes costumam ver seu trabalho
com ceticismo. Atentos, buscam uma explicação lógica para o surgimento de objetos tão diferentes do
algodão colocado sobre uma peneira. Desde os sete anos Edelarzil assusta os moradores da pequena cidade
de Parisi com seus dons sobrenaturais. Hoje impressiona./ Começou aos sete anos se comunicando com
Nossa Senhora de Fátima, depois com Santo Antônio, até iniciar a materialização há 36 anos./ Diz que
sempre foi católica e nunca trabalhou para o mal. Os objetos que materializa simbolizam energias negativas
desejadas ou criadas pelo homem./ A fama de Edelarzil já percorreu continentes. O escritor Castañeda faz
referência em um de seus livros sobre os caminhos do conhecimento./ O bispo do Instituto dos Apóstolos
Peregrinos de Jesus e Maria (Igreja Ortodóxica (sic) Romana), João Antônio Neto, costuma pedir ajuda à
benzedeira para curar os males de seus fiéis./ Edelarzil também foi tema da Série Parallax, transmitido pela
Televisão Veronica na Holanda, em 89. Desde então, a legião de estrangeiros que faz a via crucis atrás de
sua benção aumentou. No mês passado foi a vez da atriz norte-americana Shirley Maclaine conhecer o
poder de Edelarzil./ Os “clientes nacionais” costumam invadir Parisi todos os dias com seus carros zero
quilômetros e ônibus. Até uma linha ligando São Paulo à cidade de 4 mil habitantes foi criada para levar
semanalmente pessoas com problemas na vida./ A filha da atriz Ruth Escobar, Patrícia, procurou Edelarzil
para resolver problema matrimonial. Diz que a benzedeira trabalha com o fantástico que pacifica o coração
dos homens (Fátima Yamamot).
RITUAL DA CURA INCLUI ORAÇÕES DO CATOLICISMO: Antes de entrar na fila por um lugar na
sessão do dia, a pessoa recebe várias instruções./ Primeiro levar algodão. São cem gramas para o trabalho
simples. Também há cartazes pedindo um litro de álcool por família./ Há quatro anos Edelarzil cobra pelo
trabalho. Hoje o preço oscila entre R$ 2,00 E R$ 4,00. Diz que gostaria de atender menos pessoas para ter
tempo para se curar das dores nos rins e cólicas que ameniza tomando Buscopan. Mas as caravanas não
param./ Antes das sessões as pessoas devem desfiar o algodão. Os montes brancos são colocados sobre
140

Figura 52: Título de Cidadã Parisiana – 8 out. 1996

Fonte: fotografia do arquivo da autora

Diferente da imagem de Edelarzil colocada artesanalmente em um relógio


próximo da porta (Figura 20), o sentido destas outras cinco imagens apresentada neste
capítulo, expostas num local visível e mais próximo do altar entre outras imagens de
representações santorais, eleva a imagem da médium a certa sacralidade. Essa “parede
especial”, vamos chama-la assim, pois se trata de um local de destaque contendo
representações e lembranças sobre Edelarzil, parece-nos um “auto memorial” em
construção, se compararmos com memoriais como o de São Frei Galvão49 em
Guaratinguetá – SP – ou de Santa Paulina50 em São Paulo - SP Se continuarmos a observar
pela ótica da pesquisa de Renders e Albuquerque sobre a imagem, é praticamente possível
considerarmos como “arte litúrgica”, como imagens que estão ao derredor como
condutoras de sentido, segundo os mesmos:

grandes peneiras./ Com um pedaço de algodão embebido em água benta, Edelarzil faz o sinal da cruz na
testa e nos pulsos de cada pessoa. O trabalho é acompanhado por orações./ Na primeira sessão, a benzedeira
retira tufos de algodão com sujeiras que representam doenças. Em seguida acontece a materialização dos
objetos que simbolizam as energias negativas. São retirados de caco de vidro até caixão./ Aós a sessão,
cada pessoa deve retirar seus embrulhos, examinar os conteúdos e verificar os seus significados. Velas e
objetos de cera devem ser quebrados e as fitas desamarradas. Depois tudo deve ser jogado em um rio (FY).
49
Memorial de São Frei Galvão: Disponível em: <http://www.casadefreigalvao.com.br/roteiros/9-
memorial-de-frei-galvao>
50
Memorial de Santa Paulina. Disponível em: < https://www.centrosagradafamilia.com.br/memorial-santa-
paulina/>.
141

Figura 53:Diploma de Honra por excelência em dons de materialização”, concedido pela Ordem
Melquisedeque em sete de setembro de 2010

Fonte: fotografia do arquivo da autora

[...] a arte litúrgica se distingue do ornamento por sair do campo da


estética e entrar no mundo da organização espacial e ritual do sagrado,
e isso em distinção do símbolo religioso, portanto, sem chegar a um
ponto de se tornar um meio da graça ou assumir essa função religiosa.
A força da arte litúrgica não está num suposto efeito performativo, mas
na sua dinâmica orientadora e agregadora que está em sintonia com a
experiência da comunidade da fé. Portanto, a arte litúrgica representa
mais um avanço no passo do profano ao sagrado (RENDERS;
ALBUQUERQUE, 2018, p. 177).

Agora, convidamos o leitor a observar as três próximas imagens para


compreendermos melhor a forma como Edelarzil é representada pelas pessoas. No verso
do “Diploma de Honra por excelência em materialização” (Figura 54) e nas propagandas
de caravanas na internet (figuras 55 e 56), temos basicamente a seguinte representação.
Edelarzil fotografada em uma postura serena, com roupas brancas e em torno dela uma
aura. Na figura 56, ela ganha uma interpretação angelical em meio ao céu azul, nuvens
brancas e duas tochas, que na verdade, são pilares com características romanas,
demarcando uma entrada. Nesta interpretação, se reproduz a imagem de Edelarzil
enquanto “agente mediadora”. A frase contida no quadro, “A Mulher do Algodão: A mão
de Deus opera milagres em Votuporanga – SP” salienta essa condição. Ela é enaltecida
como uma medianeira de graças em meio à comunidade. Na figura 56, ela está em um
campo aberto, tendo ao fundo o sol em meio ao céu nublado e no fundo um ônibus. Já na
142

figura 55, acontece o contrário, ela está representada em meio a um fundo escuro preto,
logo acima dela, a lua. Ambas as imagens (Figuras 55 e 56) são significativas. Edelarzil
em meio ao campo aberto, céu, nuvens, sol, reforça o pensamento angelical sobre ela ou
de santa; Edelarzil em meio ao fundo escuro, tendo em torno de si uma luz iluminadora,
conduz a imaginação a pensar essa ser uma luz em meio à escuridão. A lua
simbolicamente é utilizada para representar os aspectos da feminilidade e fecundidade,
também não possui luz própria, é uma receptora da luz do sol, o que pode nos conduzir a
interpretação da mediunidade.

Sou conhecida no Brasil inteiro, graças a Deus, por ajudar a retirar o


mal e má influência das pessoas do Brasil e também do exterior. Meu
desejo é poder colocar no coração das pessoas, amor, fé, humildade e
compreensão, mas é difícil, porque o que mais existe, ódio, falta de fé,
de compreensão e de amor. É por isso que o mundo inteiro sofre
(SANTOS, 1997, p.18).

Figura 54: Verso do Diploma de Honra, 2010.

https://www.curaespiritual.com.br
143

Figura 55: Propaganda Excursão Cura Figura 56: Propaganda Excursão Espiritual
espiritual

Fonte: https://www.curaespiritual.com.br Fonte: https://excursaoespiritual.com

A foto a seguir, foi retirada do site Casa Caminho e Luz (Figura 59), Edelarzil,
vestida com suas habituais roupas brancas para o ritual, orando, impondo as mãos sobre
a testa de uma pessoa e está com os olhos fechados e microfone em mãos. Uma imagem
que nos faz recordar as influências pentecostais, neopentecostais e midiáticas da
atualidade. Klein (2006) aborda essa questão e chama de “contaminação televisiva” do
ambiente sagrado onde o agente religioso se converte em imagem, nessa
contemporaneidade em que o ser humano se tornou um consumidor das imagens, onde
mesmo sem a presença das câmeras, o padre ou o pastor, e aqui em nossa pesquisa, a
benzedeira, assumem uma postura midiática. Assim ele denota a “problemática semiótica
na mediação das imagens na experiência religiosa” (KLEIN, 2006. p.22). Como no teatro,
estamos diante das mídias num constante faz de conta: filmes, novelas, redes sociais, no
discurso político ou na apresentação dos telejornais, com atuações cada vez mais
sofisticadas, desenhando o mundo conforme os interesses políticos e de poder. Segundo
Schechner (2012), essa crescente evolução dos meios de comunicação faz com que as
pessoas, cada vez mais saturadas, experenciem suas vidas em interpretações
performáticas, propiciando cada vez mais o surgimento de novos híbridos mediante a
Globalização.
144

Figura 57: Edelarzil orando com Imposição de Mãos

www.casacaminhoeluz.com

Normalmente Edelarzil se apresenta muito bem ao público, é espontânea, ao


mesmo tempo em que apresenta um discurso repetitivo, como um roteiro, linguagem
simples, é bem humorada e sempre tira alguns risos de seus visitantes, características
comuns em lideranças carismáticas. Na internet, ou mesmo nos panfletos e livros
distribuídos em seu centro, há muitas orações e dicas de Edelarzil para se obter sucesso
financeiro, conquistar namorado (a) etc, extraímos da internet, do Jornal santista a
seguinte simpatia, como dicas de Edelarzil:

Proteção nos negócios, trabalho, emprego, financeiro e


sentimental: Oferecer durante 3 meses, em três segundas-feiras de
cada mês, cinco velas brancas colocando para queimá-las em cruz nessa
ordem: Rei Salomão (sabedoria e dinheiro), 13 Almas Benditas51
(abertura de negócios), Santo Antonio (firmeza dos negócios), Santa
Edwiges, na esquerda (sair das dívidas e receber dinheiro), na direita
Espírito Soberano de Santa Samaritana (para terem interesse em seus
negócios). Rezar 1 Pai Nosso, Ave Maria e Salve Rainha para cada vela
e fazer seus pedidos (JORNAL DA ORLA, 2007).52

A mídia se tornou algo comum no dia-a-dia de Edelarzil há muito tempo, mesmo


hoje, longe dos holofotes da televisão como esteve próxima na década de 1990 e
gradualmente delimitando o número de atendimentos inclusive, há palestras e gravações

51
As 13 almas benditas seria é uma lenda constada no livro de São Cipriano, que seria 13 almas nem tão
boas e nem tão más que ficariam vagando e ajudando as pessoas, não reconhecida pela Igreja. No Brasil, a
tragédia do edifício Joelma teria ressignificado a lenda, remetendo a 13 dos túmulos de pessoas não
identificadas, situadas uma do lado da outra.
52
Disponível em: <http://www.jornaldaorla.com.br/coluna8/10778.shtml>. Acesso em: 11 jan. 2019.
145

de vídeos onde ela transmite mensagens ao público. São muitos sites esotéricos falando
sobre ela, sites que remetem a ela, filmagens no YouTube, redes sociais, e matérias em
sites internacionais, porém, segundo a médium, são todos de caráter voluntário, feitos por
pessoas simpatizantes de suas práticas ou dos condutores de caravanas. Claro que,
algumas postagens contendo críticas também.
Um dos depoimentos sobre Edelarzil, deixados no site Casa Caminho e Luz.

Nunca conheci alguém com dons semelhantes, fiquei sabendo de uma


história que dona Ederlazil resolveu, fui até o lugar para conhecer, após
ter certeza da veracidade dos fatos contatos resolvi escrever um livro,
53
onde dona Ederlazil é uma personagem verídica enviada dos céus.
Impressionante (CASA CAMINHO E LUZ, online, grifos nossos).

Continuando a meditar sobre a questão da imagem de santidade, no depoimento


acima, vemos que a pessoa identifica Edelarzil como uma “enviada dos céus”. Os santos
são pessoas que foram apontadas como exemplos de vida na terra, são marcados pela
devoção e pelo sofrimento. Como os santos que Edelarzil aprendeu a admirar, Santa Joana
D’Arc, São Jorge, Santo Antônio, São Sebastião, dentre outros. Num processo de
beatificação, além da comprovação da busca de vivência pelo exemplo de Jesus Cristo,
os milagres a eles creditados após suas mortes são os fatores cruciais para a comprovação
de estado de graça mediante Deus, salvo sob comprovação de martírio. Para isso,
normalmente partindo da comoção popular que pede a intercessão por meio de orações,
em regra, no processo tende-se a ser divulgada uma oração oficial para a comunidade. No
livro distribuído pela Estância Casa Caminho e Luz há a seguinte oração intitulada “Prece
de Agradecimento”:

Senhor Deus Pai, todo poderoso, Criador do Céu da Terra. Vós que
governais seus filhos com amor, justiça e compaixão.
Com fé e humildade, agradeço a intercessão de Nossa Senhora do
Rosário que vossa serva e médium Edelarzil Munhoz Cardoso vos ama
e que contempla a vossa divina, cumprindo os desígnios de divinos de
cortar, desmanchar demandas, aliviando os sofrimentos dos irmãos que
oram e temem a Deus.
Iluminai, mãe, fluidificai nossa alma, mente e corpo, descarregai nossa
matéria de todas as impurezas astrais.
Nossa Senhora do Rosário, fortalecei vossa serva fiel, senhora
Edelarzil, com o vosso manto de proteção, luz, amor e verdade, que
pelo vosso merecimento, virtude e ardorosa fé em Nosso Senhor Jesus
Cristo, vos serve.
Ó divina Mãe, advogada dos que sofrem perseguições, proporcionando-
me os meios de vencer de modo que a fé, paz, saúde, proteção e
progresso desçam ao meu espírito e reine paz em nosso lar. Confiando

53
Não sabemos se tal livro foi escrito ou está em andamento. O fato é que não encontramos mais livros
falando sobre Edelarzil, além do de Santos (1997).
146

em vossos méritos, vossa caridade, agradeço por lançardes vosso olhar


e vossa complacência bênçãos sobre nós.
Minha gratidão, sou grata (o). Muito Obrigado (CASA CAMINHO E
LUZ, s/d, p. 30, grifos nossos).

Abaixo da oração, a seguinte informação: “Banho de ervas para fechar o corpo.


Três folhas de arruda, três folhas de guiné, três galhinhos de alecrim, palha de alho, sal”
(CASA CAMINHO E LUZ, s/d, p. 30).
Repare se tratar de uma oração em que não é apenas uma oração de agradecimento,
mas também de súplica e pedido de proteção sobre a médium que é apresentada como
serva de Deus. Aqui o nome de Edelarzil é mencionado com certo crédito. Como um
reforço para o que, na verdade, é uma súplica pela intercessão de Nossa Senhora do
Rosário para vencer o mal. É como se dissesse: “Senhor Deus Pai, peço pelos méritos de
Nossa Senhora do Rosário, aliás, eu conheço vossa serva fiel, a Edelarzil Munhoz
Cardoso, aquela que te serve e faz tanto o bem na terra”. A própria Edelarzil em sua
performance narrativa, se apresenta como uma pessoa que só visa o bem. Alguém
intocada pelo mal.

Nunca vejo maldade nas pessoas, porque em mim não existe maldade,
não consigo pensar mal algum. Por isso já me usaram para caluniar,
para me colocar como mulher vulgar. Mas no meu pensamento, nunca
passa tais coisas. Sempre converso sem malícia, sempre querendo
ajudar, sempre fico querendo resolver problema e talvez alguém me
julga mal, mas não é esse meu pensamento. Tenho o coração puro e sem
maldades, sem pensar em usar alguém para desfrutar dos meus desejos.
Isto está longe de mim, só quero o bem e o amor sincero de irmã em
Cristo. Vejo todos com[o] se fossem meus irmãos e peço a Deus que
me conserve sempre assim, sem malícia e sem maldade, quero que
todos sejam humildes e puros de coração para não cair em tentação
(SANTOS, 1997, p. 20).

Pela perspectiva de que a palavra também é uma ação performática chamamos a


atenção para as palavras fluidificai e descarregai, que são palavras usuais no espiritismo
e religiões afros. Fechar o corpo, um ritual praticado pelo Candomblé e Umbanda. A
utilização das ervas nativas brasileiras pela Umbanda e pelo Candomblé, utilizadas para
a purificação dos corpos, vem do sincretismo da mesma com os conhecimentos dos
indígenas nativos que já utilizavam ervas em rituais de banhos a vapor, juntando
elementos do fogo e da água, elementos sagrados, para a purificação do espírito e curas
de doença54. Arruda e palha de alho significam proteção, o alecrim, clareza mental, a

54
No Vale do Ribeira, uma das principais áreas de mata Atlântica do país, e morada de dez tribos guaranis
dos subgrupos Mbya e Ñandeva situada no Estado de São Paulo, a técnica da defumação com ervas ainda
é muito utilizada para tratamentos de constipação e bronquite pela população, principalmente pela
população da área rural.
147

guiné (guiné-caboclo) significa proteção e força e o sal para a limpeza espiritual


(descarrego). Os banhos de purificação é herança africana e indígena. A arruda é uma
erva muito utilizada para rituais de purificação, afastar os chamados espíritos obsessores
e “maus-olhados”. Sendo uma planta muito utilizada por benzedeiras e curandeiros
também.

Arruda: Planta aromática usada nos rituais porque Exu a indica contra
maus fluidos e olho-grande. Suas folhas miúdas são aplicadas nos ebori,
banhos de limpeza ou descarrego, o que é fácil de perceber, pois se o
ambiente estiver realmente carregado a arruda morre. Ela é também
usada como amuleto para proteger do mau-olhado. Seu uso restringe-se
à Umbanda. Em seu uso caseiro é aplicada contra a verminose e
reumatismos, além de seu sumo curar feridas (VENTURA, 2011, p. 69).

Outro apontamento que fazemos é em relação ao seu nome. Nota-se que o título
“Benzedeira do Algodão”, apesar de ainda ser utilizado para se referir a ela, com o tempo
ficou um pouco esquecido e ela passou a ser mais conhecida como a “Médium do
Algodão” (um termo mais ligado ao espiritismo), ou ainda, “Mulher do Algodão”. Esses
últimos nomes pelos quais ela ficou mais conhecida nas últimas décadas possuem uma
narrativa espiritual. A distância do meio de seu grupo inicial, o das benzedeiras e produz
um “status” mais individual.
Outra característica que merece destaque, é que, no espaço como um todo, mesmo
dentro da capela onde está o seu “auto-memorial” não há nenhuma imagem de marido ou
filhos. Como abordamos no primeiro capítulo, Natalino não parece ter sido muito atuante
na trajetória religiosa da esposa. Ele menciona em um dos vídeos que aquilo tudo para
ele não fazia sentido, mesmo que recentemente Edelarzil, em uma de suas palestras, disse
ter gravado a pedido dele, para recordação, não achamos maiores evidências quanto à sua
participação. Ele seguiu uma carreira paralela, política e comercial. Os filhos de Edelarzil,
também aparecem como colaboradores no espaço administrativo, dando suporte, porém,
não encontramos destaque no espaço sagrado. Ou seja, o mundo sagrado é o mundo
sagrado de Edelarzil.
Poderíamos citar muitos depoimentos referentes a Edelarzil como uma mulher de
“oração forte” ou “santa mulher”, alguns desses que ouvimos pessoalmente, de pessoas
que frequentam há muito tempo os rituais de Edelarzil e creem nos resultados.
Percebemos que existe um contraste que subdivide a maneira como Edelarzil se apresenta
publicamente, na condição de medianeira, jamais dizendo possuir um poder, mas sim um
dom e a forma como ela se apresenta em sua iconografia, em seu local de performance,
numa parede estratégico-especial, com memórias enaltecedoras de sua pessoa enquanto
148

médium. Essa “imagem” subjetiva transmitida através de seus quadros parece ser mais
coerente com a forma que as pessoas a enxergam, quase uma santa viva. Quanto aos
“contrastes” não significa que eles sejam provocados conscientemente, segundo
Schechner (2006), os comportamentos e atuações performáticas que vivenciamos
podemos simplesmente não percebê-los, elas têm vida própria. São inúmeros os “eus”
que existem dentro de cada pessoa e que se analisarmos estes “eus” pouco inventamos
sobre ele, ou ainda, posso experimentar ser “além do que eu sou. “Performance é um
modo de comportamento, um tipo de abordagem à experiência humana; performance é
exercício lúdico [...]” (SCHECHNER, 2012, p. 10, grifos nossos).
Em suas palestras, Edelarzil costuma sempre salientar os sofrimentos,
perseguições e sacrifícios que teve que fazer ao longo de sua vida para continuar sua
missão. Desde a década de 1990, enquanto ainda estava em Parisi, ela já mencionava a
possibilidade de parar com os trabalhos de materialização.

Agora estou lutando para parar de trabalhar com transporte e


materializações, não sei se vai ser definitivo, só Deus se encarregará da
minha missão. Mas não ficarei totalmente parada, porque minhas
orações e consultas terão continuidade, mesmo que não venham as
romarias a minha procura, mas sempre alguém aflito chegará, aonde
estiver não negarei ajuda. Peço a Deus que a recupere dos problemas
que enfrento por excessos de trabalho. Mas tenho fé que tudo dará certo
(SANTOS, 1997, p. 29).

No livro da Estância Casa Caminho e Luz entregue a nós no ano passado, ela
voltou a afirmar: “Eu trabalho na parte espiritual desde criança. Já lutei para parar de
atender, mas não consigo” (CASA CAMINHO E LUZ, s/d, p. 6). Também voltou a
mencionar isso em uma de suas palestras na internet e quando fomos ao centro ela falou
que cada dia atrasa mais na esperança de que as pessoas se cansem e não apareçam,
porém, ela lamenta dizendo que “Nosso Senhor não quer”, o que traz alguns risos a sua
plateia.
Uma das características principais de uma benzedeira é a proximidade com o
sofrimento, elas são descritas como mulheres que sacrificam suas vidas pelo bem dos
outros e elas não costumam economizar palavras para relatar sobre os sacrifícios que
precisaram fazer na vida, é como se a eficácia da graça estivesse na medida de seu
sacrifício. O dom recebido é como se fosse um encargo que tem por obrigação levar pela
vida toda. “Desta forma, o ofício de benzedeira, semelhante ao ofício de médico, mais
que uma profissão, é visto como um sacerdócio, uma missão” (QUINTANA, 86).
149

EDELARZIL: A minha missão aqui é muito dura, porque a minha cruz


não é de madeira, não, é de ferro e aço. É difícil a pessoa que fala “eu
creio, sei que é verdade”, a maior parte diz “é magia”, “é truque”...
Essas coisas. Então eu venho sofrendo muito, muito sozinha na minha
vida. Então a traição, a calúnia e as falsidades, estão sempre em meu
caminho. Só que eu nunca perdi a fé em Deus e acho, assim, que estou
purificando a minha alma. Porque meu corpo é uma passagem aqui
(TRV 2).

Existindo também o receio de abandonar o ofício e ser “castigado (a)”, ou seja, é


uma imposição e não uma escolha da pessoa. Como podemos perceber na biografia de
Edelarzil, ela conta sua vida como uma vida marcada pelo sofrimento, tendo quase
morrido várias vezes na infância, adoecido muito por toda a sua vida, tendo perdas, sendo
perseguida por incrédulos e caluniadores, repreendida por sua família, por querer ajudar
as pessoas. Também identificamos uma visão apocalíptica em relação ao mundo. Ela, em
um de seus relatos, diz que teria tido muitas profecias enquanto ainda era criança,
entregue pelos seus “espíritos guias protetores”, mas ela não compreenderia enquanto não
crescesse. Nessas profecias, ela não deveria esperar nada de bom neste mundo, pois tudo
seria cada vez pior e chegaria um tempo em que a corrupção cresceria a tal ponto de uma
grande crise no país, onde empresários fechariam suas portas55. Sendo assim, em suas
palestras ela se mostra sempre com essa visão de mundo, não espera nada de bom e o ser
humano deve ser preparado para o pior, pois na sua concepção, encontramo-nos no “fim
dos tempos” e o ser humano só irá subsistir pela fé.

Além do poder e da força conferidos a essa pessoa, outros atributos


também lhe são designados, principalmente os de bondade e sacrifício.
Tais aspectos são, como veremos mais adiante, fundamentais para
construção das caraterísticas do atendimento. Constantemente, a
benzedura é colocada como um encargo a mais, além daquele de manter
a casa limpa, preparar a comida, lavar a roupa e cuidar do filho
deficiente (QUINTANA, 83).

Segundo Quintana, o sofrimento funciona como algo infalível no relacionamento


com o sagrado, pois dentro deste imaginário, o divino não poderia negar algo a uma alma
que se sacrifica tanto pelos outros, mais que uma oferenda a Deus, é um sistema de trocas
simbólicas, se submetendo ao sagrado elas passam a compartilhar de certa forma, do
poder divino.

55
Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=Xk1D-pTxWVo>. Acesso em: 21 fev. 2019.
150

3.6.4 Alguns símbolos utilizados por Edelarzil Munhoz Cardoso


Falaremos agora sobre alguns símbolos utilizados por Edelarzil e seus significados
em meio ao imaginário popular e em seu imaginário religioso subjacente.

O simbolismo da água

Não é segredo que a água é um dos elementos mais sacralizados pela maioria das
civilizações. Em diversas culturas podem ser encontradas relatos de águas milagrosas,
fontes com poderes mágicos de cura ou de juventude. Muitas águas curativas, até mesmo,
segundo suas propriedades minerais, acabaram sendo tidas como mágicas. “As águas são
simbolizadas, reverenciadas e consagradas desde os primórdios em todas as culturas,
teologias, crenças, mitos e religiões do planeta, com indícios que remontam ao Neolítico
(8000 a.C.)” (LAZZERINI; BONOTTO, 2016, p. 560). Há culturas e crenças religiosas
em que a água emitida pelas fontes, conectam o mundo exterior e o interior, “por onde
fluem deuses, espíritos e mesmo seus ancestrais” (LAZZERINI; BONOTTO, 2016, p.
560). Muitas nascentes foram consideradas locais de manifestação hierofânica e atraiam
e ainda atraem peregrinos em busca de contato com o divino e não é incomum que esses
muitos desses lugares tenham se tornado locais de culto e motivado a construção de
templos.

A água: Elemento que normalmente aparece na prática da benzedura,


remete às formas da natureza, ao mesmo tempo em que lembra as águas
purificadoras do batismo. “A mesma idéia da purificação do batismo
está contida nas benzeduras, feitas com água benta, características da
zona rural” (QUINTANA, 1999, p. 184).

No ritual de Edelarzil, a água é utilizada em dois momentos: para o ato do


benzimento, que acontece durante a procissão do ritual da materialização, onde ela
embebe o algodão na água e passa na testa e nos pulsos dos clientes e para molhar o
algodão já posta na peneira para materialização, para purificação ritual.

O algodão

Como dissemos anteriormente, o algodão tornou-se um elemento essencial para


os rituais de materialização de Edelarzil. Esse fora sacralizado como objeto neutralizador
e como receptor para a materialização dos objetos e legitimado através da consulta da
médium aos seus guias espirituais, em particular, Nossa Senhora do Rosário e Santo
Antônio de Pádua. Ao longo do tempo, ele foi ganhando certo ritmo dentro do ritual. No
início, as pessoas desfiavam seu próprio algodão a pedido de Edelarzil, para que se
151

dissipassem quaisquer suspeitas de fraude contra ela. No entanto, simbolicamente, o


desfiar o algodão tornou-se uma forma de “energização” do mesmo, tendo que as pessoas
mentalizarem coisas boas para si ou para quem o algodão está sendo desfiado e depois
colocados por elas mesmas em cima da peneira posta sobre o altar ou em sacos que ficam
em torno desse.
Durante a procissão de entrada, quando se dá início ao rito, Edelarzil benze as
pessoas com um chumaço de algodão molhado, passando-o na testa e nos pulsos enquanto
ora em voz alta e em seguida, o lança sobre a peneira. Outra forma, que pode ser entendida
simbolicamente, de colocar a pessoa sobre o altar?
O algodão não se trata de um elemento inédito em rituais, se faz presente em outras
profissões de fé como o Candomblé e Umbanda onde:

O algodão simboliza o branco, a pureza e o início da existência. É um


dos elementos primordiais que deram condições a o homem de produzir
suas vestimentas e de se proteger da s intempéries da natureza. O seu
uso representa o aquecimento vegetal. Pertence a um Orixalá muito
antigo, chamado Babá Rowu, um a divindade participante do início da
criação. Como o algodão está ligado aos orixás funfun é considerado
um elemento ambíguo, pois se conecta com duas polaridades, a vida e
a morte. Ele participa do nascimento, do início do iaô, mas também faz
parte do momento da morte, nos rituais de Axexê (BARROS (Org.),
2009, p. 227).

Na Umbanda são utilizadas as folhas e as sementes, para banhos e defumações


para invocar as forças do Orixá Oxalá, com energia de congregar e cristalizar. Também é
usado no meio popular para a realização de simpatias. Levantamos a hipótese de que a
assimilação simbólica não teria sido apenas através dos relatos de sua experiência na
lavoura do algodão. Por si só, o algodão é matéria, mas através dos valores simbólicos já
existentes no meio popular e que de alguma forma a médium teve acesso, assim, ela pode
integrá-lo mais tarde e ressignificá-lo dentro de seu ritual.

A procissão

Pode ser que, muitas pessoas que frequentam o centro de Edelarzil, percebam a
procissão que se forma para entrar na capela e dar início ao ritual, como uma simples fila
com o intuito organizacional. Meramente para manter a ordem das senhas. Porém, para
um católico que ali se coloca, imediatamente se invocam as significações do ato que
permeia seu imaginário. Sendo Edelarzil, declaradamente católica, não é estranha essa
forma de organização. A procissão de entrada é um hábito nos inícios de cultos e missas
católicas, aliás, a procissão é um ato praticado ativamente nas festas santorais, em dias de
152

louvor eucarístico e também penitencial. Normalmente essas, realizadas do lado de fora


da Igreja. A procissão de entrada no rito católico significa a lembrança da peregrinação
terrena. Segundo Dom Manuel Francisco:

Nos primórdios da Igreja, a procissão de entrada era muito solene. Era


feita, quase sempre, de uma igreja para outra. [...]. O sentido desta
procissão deve ser buscado no contexto mais amplo da caminhada que
as pessoas fazem de suas casas até a igreja. Ela lembra que somos
peregrinos neste mundo a caminho da casa de Pai (EVANGELIZAR É
PRECISO).56

Portanto, possivelmente, esse ato de integrar uma procissão inicial em seu rito,
trata-se de um acesso ao imaginário católico que ela recebeu de sua família e que traz
consigo em sua profissão de fé.

O número três

O número três também é de uso frequente no ato da benzeção, é o número ímpar


e o mínimo para obter eficácia. Invocar a Trindade, rezar três vezes a oração, usar três
folhas de cada erva terapêutica, passar três vezes pela benzeção. Edelarzil segue essa
lógica, o ideal é tirar três vezes no algodão e melhor ainda se for treze, porque é o número
de Santo Antônio, voltar três vezes para o ritual. Aqui o número 13 com conotação
positiva no sentido de mudança e boas “vibrações”.

Chauí (1991) observou que o três é visto em várias culturas como um


número perfeito, possuidor de harmonia, podendo conter poderes
mágicos, a autora comenta a reiterada presença desse número nos textos
religiosos: a Santíssima Trindade; nas vezes que Pedro negou Cristo;
nas virtudes cardeais (fé, esperança e caridade). Nas histórias infantis
encontramos uma situação semelhante: três são os pedidos ao gênio da
lâmpada, assim como também três vezes a madrasta vai à casa do anões
em “Branca de Neve”. Diversas são as histórias em que o número de
irmãos é três: “A gata borralheira”, “Três cisnes”, “Três plumas” etc
(QUINTANA, 1999, p. 183).

É um número com representatividade de equilíbrio, no imaginário popular até


mesmo para se ter filhos é considerado ideal ter até três filhos.

56
Disponível em: < https://www.padrereginaldomanzotti.org.br/artigo/procisso-de-entrada/>. Acesso em
11 fev.2019.
153

3.7 As materializações de Edelarzil Munhoz Cardoso

O hábito de transferir maldições, pecados e doenças para objetos, animais ou até


pessoas, é uma prática de purificação comum e antiga nas mais diversas civilizações. Isso
Frazer (1854-1941) aponta em sua pesquisa realizada em fins do século XIX. Transferir
males para objetos, em algumas culturas, muitas vezes funcionava apenas como um
veículo de permuta do mal para outra pessoa, sendo, por vezes, o objeto retirado de sua
presença. Ele identificou esse fenômeno em alguns países africanos, europeus, na Oceania
e na Índia. Segundo ele, a crença na transferência do mal “Se origina en una confusión
obvia entre lo físico y lo mental, entre lo material y lo inmaterial” (FRAZER, 1981, p.
608).
Na Europa, por exemplo, o receptáculo mais comum dos malefícios por
transferência, são as árvores e arbustos, tendo diversos rituais, como dar voltas ao redor
de uma árvore gritando: "La fiebre te hará temblar y El solme calentará" (FRAZER,
1981, p. 616) ou amarrar uma fita vermelha no pescoço do doente e na manhã seguinte o
amarrar a uma árvore com o intuito de transferir a doença, dentre tantos outros rituais.

3.7.1 A experiência estética mediante o abjeto no ritual de Edelarzil Munhoz


Ernst Cassirer diz que o ser humano é um ser compulsivamente simbólico, homo
simbólicus, sendo a função do símbolo dar significado ao homem e estruturá-lo com o
mundo (Símbolo, do grego syn-ballein = por junto). Esse, não sendo “um invólucro
fortuito do pensamento, e sim o seu órgão essencial e necessário” (2001, p.31). Então
desde que o ser humano tem consciência de mundo é um produtor de símbolos. Edelarzil
ressignificou muitos objetos dentro de seu ritual, cuja estética analisaremos. Quando
ouvimos a palavra estética, normalmente a imagem que subitamente mentalizamos, são
aqueles padrões alinhados, regulares e belos. Costumamos a associar a estética ao que é
agradável aos olhos e nos trazem sensação de prazer, se a ligarmos à religião,
imediatamente imaginaremos os belos quadros da renascença, dos templos bem
construídos e ornamentados que arrebatam a imaginação humana. Tendemos a sacralizar
a estética na religião, até por que:

A arte sacra, em união com a religiosidade, expressa a vida espiritual


do ser humano que, ao longo dos séculos, representou o seu anseio pela
experimentação e resguardo do sagrado, tido como forma ontológica e
existencial de provar uma dimensão peculiar que impele o “ser-no-
mundo” a sobrepujar a condição finita em que está encerrado. [...]. A
154

arte sacra, fruto dessa inquietação e da admiração do mistério


insondável da vida, é o produto cultural que atesta o movimento
antropológico de atribuir sentido a tudo o que se apresenta e remete ao
sobrenatural (VALVERDE; OLIVEIRA, 2005, p. 23).

Porém, a experiência estética por vezes pode se mostrar deveras desagradável,


dependendo do contexto em que se apresentam a arte ou artefato. A experiência estética,
não ocorre somente com o objeto em si, mas com todo o contexto que ele se encontra. Tal
objeto, isoladamente, seria compreendido mais objetivamente, mas o contexto em seu
derredor pode elevá-lo a níveis simbólicos, dependendo da ambientação em que ele se
encontra empregado. Esta situação particular que envolve o objeto é o que controla os
procedimentos específicos. Ao mesmo tempo, segundo Cardoso Filho, os poderes dado a
esses objetos não podem ser considerados inéditos, a experiência parte da experiência
prévia do indivíduo. De alguma maneira o despertar da experiência é uma releitura de
outras experiências agradáveis ou não. Sendo esse sentido transitório, podendo modificar
com o passar dos anos.

Como a experiência estética engloba o inesperado, a aventura e


surgimento de elementos que reconstroem, total ou parcialmente, a
experiência prévia é uma peculiaridade da perspectiva relacional da
Comunicação que permite compreender o que emerge do encontro da
criatura com o ambiente. Uma vez que pode haver qualidade estética
em qualquer experiência ordinária, o problema a ser compreendido é:
por quais motivos somente em algumas ocasiões essas qualidades
estéticas se tornam explícitas (CARDOSO FILHO, 2011, p. 44)?

Os objetos que Edelarzil Munhoz supostamente materializa no algodão em seu


ritual de benzeção, se apresentam numa linha contrária do que se é concebido como
esteticamente belo. A limpeza espiritual é promovida por meio da materialização de
objetos relacionados ao grotesco, bizarro, sendo marcadas pela sujidade, obscuridade e
relacionadas com a simbologia do mistério ou do mal, como: velas coloridas e com
diversos formatos, flores plásticas de cemitério ou até mesmo restos de animais e ossos,
acompanhados de água, terra, moscas e larvas. Ou seja, é uma experiência com a imagem
abjeta. No entanto, tais objetos extraídos têm um duplo impacto dentro do ritual, pois, ao
mesmo tempo em que podem causar estranheza ou nojo, eles são capazes de provocar
sentimento de alívio em seus “pacientes” ou “clientes”, mesmo tendo representatividade
simbólica negativa – os males extraídos, a materialização do mal –, significam a
libertação dos mesmos, recebimento de graças. Eles possuem uma linguagem própria,
que se comunicam com o interlocutor através de significados pré-sugestionados, porém,
ganham vida mediante o contexto e necessidade individuais.
155

Analisando alguns dos objetos catalogados por Edelarzil, com suas respectivas
interpretações57, podemos levantar algumas possíveis classificações:
Alguns elementos com significados já presentes no meio popular:
• Amendoim: Afetar a vida sexual da pessoa.
• Boneca (o): Para imobilizar a pessoa.
• Casca de ovo: Intriga, desavença, falsidade.
• Punhal: Traição.
Alguns elementos que revelam o imaginário negativo de Edelarzil em relação às
entidades do Candomblé e Umbanda.
• Cigarro: Trabalho de Pomba-Gira para perturbar a mente.
• Esmalte, Perfume, Batom: Trabalho para Pomba-Gira.
• Farinha Ou Farofa: Oferta para exu, para mexer com a vida.
• Vela Com Imagem/Exu/Caveira/Etc: Trabalho de alta magia.
Alguns elementos que normalmente refletem boas significações, na perspectiva
da materialização de Edelarzil, ganham significados negativos.
• Sementes: Iniciando um mau de saúde ou problemas em negócios.
• Fita Ou Vela Branca: Para tirar a paz.
• Incenso: Fechar os caminhos, não acreditar em mais nada.
Alguns apontamentos sobre esses objetos, não classificamos todos aqui devido à
extensão da lista, trata-se de um catálogo contendo 126 objetos58 identificados por
Edelarzil com seus correspondentes significados. Na primeira categoria, temos elementos
já presentes em meio popular, como por exemplo, o amendoim é conhecido por suas
propriedades consideradas afrodisíacas, então imediatamente ele fora ligado à
significação da sexualidade. Outro exemplo é a boneca, que pode nos fazer trazer à
lembrança os rituais envolvendo bonecos como os bonecos vodu, com objetivos de atingir
a pessoa a eles análogos. Já o ovo, normalmente é considerado um símbolo universal de
fertilidade e símbolo de vida, no ritual de Edelarzil, temos a impressão de seu significado
negativo vir do ditado popular “pisando em ovos”, remetendo à fragilidade da casca como
símbolo de desavença e o punhal que também consta no imaginário popular como símbolo
da traição “apunhalar pelas costas”.
A seguir temos outra categoria, os elementos que demonstram visão negativa em
relação às religiões de matriz africana, como o cigarro e objetos femininos remetidos ao

57
CASA CAMINHO E LUZ, s/d, p. 21-24
58
Que podem ser melhor observados na tabela 4 em nossos anexos.
156

espírito da Pomba Gira59, farinha ou farofa, assim como velas com formas da entidade
Exú ou caveira, sendo analisados como trabalhos de alta magia. Ou seja, no imaginário
de Edelarzil, não apenas nos objetos, mas em seu discurso, as entidades do Candomblé e
Umbanda são de trato pejorativos ou mesmo, muitas vezes, remetidos de forma direta à
conhecida “macumba”, como são denominadas, a grosso modo, as oferendas dessas
religiões no meio popular.

São materializadas as influências negativas, de inveja, de ódio ou de


trabalhos de magia negra. Quer dizer que nem todas as pessoas podem
ter trabalhos de magia negra, [...]
Nem tudo são trabalhos de magia. Porque tem pessoas que vem aqui e
não entende...aí ele sai falando que todo mundo tem macumba.
Todo mundo tem influências negativas, isso é certeza. Tem muita coisa
pior do que trabalho de magia (TRV 3)

Para nós, uma das coisas que saiu no algodão foi um esmalte vermelho e uma vela
em formato de um casal, um de costas para o outro, então disseram se tratar de magia
negra feita à Pomba-Gira para a autora com a intenção de “separar casal” (a autora não é
casada até a presente data). O que esclarece mais ainda o imaginário do mal em torno das
religiões afro-brasileiras. O que só não é pior do que pensamentos negativos, inveja dentre
outras influências que Edelarzil considera pior do que “macumba”. Segundo o
pesquisador Altierez Sebastião dos Santos, essa distinção pejorativa em relação às
religiões afro-indígenas evidencia com a presença de outras doutrinas que não são
recebidas de outra forma.

Isso se torna claro quando outros grupos religiosos como as wiccaou


outros cultos neopagãos recém-chegados ao cenário brasileiro, via
classe média, não são estigmatizados. Percebe-se que a relação que
historicamente foi estabelecida entre europeus e africanos ou indígenas
no Brasil, de dominação, permanece com desdobramentos ainda hoje
presentes na cultura e mentalidade da sociedade. No esforço de dar à
dominação uma dimensão total, diversos aspectos do ethos afro-
indígena foram, como seus portadores, tachados como “inferiores”. A
nível cultural, as expressões – tanto materiais quanto imateriais – foram
consideradas como patrimônio desimportante, impuro, incivilizado e
por isso, passível de ser desmobilizado ou suprimido. Inclui-se aqui de
forma destacada toda a perseguição institucionalizada que se abateu
sobre as formas religiosas afro-brasileiras, vítimas de violência
simbólica (SANTOS, 2016, p. 126).

Por fim, uma característica do ritual de materialização de Edelarzil é que todos os


objetos, independente de significados são analisados em seus aspectos negativos. Não há
quaisquer significações boas relacionadas a eles. Como mencionamos no texto, eles são

59
Temos aqui também uma desvalorização de elementos femininos.
157

a materialização do mal, são sujos, de aspecto repugnante. Como exemplo temos os


símbolos da semente, que tem significação normalmente boa como, a semente do
Evangelho, a semente como sinal da abundância e da benção, a cor branca que
normalmente significa pureza, iluminação e paz ou ainda o incenso utilizado por tantas
religiões para a purificação ou elevação das preces (no catolicismo), todos aqui são
observados a partir de um ângulo negativo ou totalmente contrários ao seu significado.
Segundo Bittencourt Filho (2003), a religião é uma busca coletiva de sentido e o mito, o
rito e o interdito são necessários, no caso dos objetos de Edelarzil, os objetos são um dos
elementos interditos. A mediação simbólica na narrativa cumpre a função de
estruturadora da linguagem religiosa.

Figura 58: Objetos extraídos para a autora no dia da visitação

Fonte: Fotografia do arquivo da autora

Claro que aqui precisamos consideras a polissemia dos símbolos, podendo os


mesmos ter significações boas e más, o punhal mesmo, pode ser um símbolo de justiça.
Mas o que nos salta aos olhos é que absolutamente todos os objetos extraídos nas
materializações contém significações ruins. Essa característica é que faz a originalidade
ritual de Edelarzil. Porém, são desejados, pois a não materialização significa o não
merecimento da graça, então cabendo à materialização em si, ser bem ao representar a
limpeza espiritual e o mau ao representar a sujeira retirada, ou maus “fluidos”, é o
158

imaginário da libertação de forças negativas, dos espíritos vagantes ou espíritos


demoníacos.
159

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Retomemos em uma síntese, o que apresentamos nesta pesquisa. No primeiro


capítulo analisamos, primeiramente através da perspectiva teórica da Matriz Cultural
Religiosa Brasileira e pudemos perceber que o Brasil, desde seu “nascimento”, com as
religiosidades que já estavam aqui em meio aos povos indígenas se agregou a
religiosidade do povo luso-europeu e às religiões de matriz africana. Amalgamando não
apenas a religião, como diversos traços culturais que comporam e deram forma ao que
hoje é conhecida como cultura brasileira. Uma das características que mais contribuíram
para que o catolicismo no Brasil abraçasse essas religiões de forma sincrética, por
consequência, as religiões africanas e indígenas tenham sido sincretizadas nesse processo,
deve-se ao fato de que até em fins do século XIX, sobressaía o leigo como protagonista
da religião, não tendo um clero formado tanto em número como em formação intelectual
e eclesiástica. A religião católica trazida pelos portugueses era composta por uma vertente
religiosa mais afeita ao místico e às manifestações populares do que ao catolicismo
romano oficial, facilmente integrou-se ao imaginário indígena e africano que possuíam
características místicas similares em suas culturas. Com isso, mesmo o catolicismo sendo
a religião oficial do Estado, as religiões africanas e indígenas não deixaram de ser
praticadas à margem do sistema religioso.
As mulheres tiveram maior liberdade para agir dentro desse catolicismo leigo e
sincrético, muitas sendo aceitas como verdadeiras santas, que uniram as práticas da reza
católica, com os conhecimentos indígenas curativos da floresta e os amuletos africanos,
como alternativa medicinal numa época em que a presença de médicos era escassa e um
benefício para ricos. Essas mulheres que ficaram conhecidas como rezadeiras e
benzedeiras, ofício que sobreviveu aos séculos, ao avanço da medicina e descobertas da
biomedicina. O Brasil, a partir do século XIX, recebeu o espiritismo, mesmo a
contragosto da Igreja Católica, que estava vivendo um processo de romanização e
consolidação do clero em solo brasileiro. O espiritismo foi catolicizado rapidamente,
ganhando força e se somando ao imaginário místico popular, influenciando religiões
como a Umbanda e outras novas religiões que afloraram no século XX. Também
chegaram as comunidades evangélicas pentecostais e houve uma verdadeira “explosão
gospel” a partir de meados do século XX, e a aproximação das religiões com as diversas
160

mídias que contribuíram para a propagação de personalidades carismáticas com grande


capacidade de reunir massas. Com isso, muitas variações e novas “mutações religiosas”
aconteceram nas mais variadas expressões. Nessa perspectiva, podemos notar que
Edelarzil Munhoz Cardoso recebeu diversas influências na criação de seu imaginário
religioso. No começo de sua trajetória, ao lermos sua história, pouco ela se distancia do
trajeto de uma benzedeira “comum” ao seu grupo. Sim, ela já dizia materializar objetos,
mas devemos considerar que no Brasil há uma variedade de ritos entre as benzedeira,
como pudemos perceber no capítulo primeiro, as benzedeiras de garrafadas e costura no
Paraná, entrevistadas por Hoffmann-Horochovski ou as benzedeiras de benzedura com
brasa, pena de galinha preta embebida em óleo, costura, imposição das mãos tendo em
posse um terço, como as observadas por Quintana no Rio Grande do Sul. Claro que a
materialização é um rito diferenciado, mas considerando as prerrogativas guardadas em
seu meio, a escolha divina, a resignação e sofrimentos que sacrificam sua vida para a
purificação da alma, a gratuidade, os espíritos guias, a crença num mundo espiritual onde
espíritos atormentados podem prejudicar a vida, onde a benzeção aparece como meio de
libertação de influências negativas, e de afastar os espíritos maus etc, tudo o que permeia
o imaginário de uma benzedeira estava mais presente na vida de Edelarzil, inclusive o
atendimento em sua própria casa. Foi assim até a década de 1980. A partir desta época,
quando veio o “consentimento” de seu marido Natalino, o número de pessoas atraídas
pelo “fenômeno da materialização”, deveras original em seu grupo, levou a benzedeira
Edelarzil a conquistar um espaço religioso próprio, primeiro com a doação de um
barracão em Parisi e depois com um sítio em Votuporanga. Ainda em Parisi, na década
de 1990, a peregrinação ao centro “Nossa Senhora do Rosário” era tamanha que chamou
a atenção de diversas mídias de jornais, rádio e televisão. Quando mudou-se para
Votuporanga e construiu seu centro Estância Casa Caminho e Luz, percebemos maiores
modificações.
No segundo Capítulo, podemos notar em seu espaço uma similaridade modesta da
estrutura do espaço de Edelarzil com os espaços de peregrinações católicas, como
podemos observar na figura 7. Através do “nascimento de seu espaço sagrado” podemos
perceber as influências que permeiam o imaginário de Edelarzil, de como deve ser um
centro religioso. Podemos compará-las a estruturas como a da comunidade católica
Canção Nova, por exemplo, possui restaurante, pousada, um local para as palestras
religiosas, local para oração, uma estrutura administrativa para montagem de caravanas e
demais organizações. Por todo o seu espaço, sobressaem a presença de imagens católicas
161

de Jesus, dos santos e principalmente de Maria. A capela central remete à centralização


de imagens características dos excessos da arte barroca, presente no imaginário popular
dos oratórios de benzedeiras60. A presença dos ex-votos, os testemunhos de graças
alcançadas, assim como os presentes de agradecimento. Ao mesmo que notamos outras
imagens que fogem ao imaginário católico. Ao mesmo tempo que a médium é uma pessoa
que declara seu catolicismo desde o nascimento, podemos contemplar em suas imagens,
algumas de suas variações imaginárias. Como a presença de uma casa especial para
atendimento de cartas e búzios, imagens ciganas em sua capela, um tabuleiro contendo
palavras, cristais e simbologias para atrair boas energias, livros espíritas e esotéricos. Na
década de 1990, não encontramos quaisquer menções de Edelarzil como cartomante, o
que nos leva a crer tratar-se de um ofício mais recente. Também notamos variações em
seu rito, a extinção do rito de purificação inicial com espada de São Jorge em cruz após
fixação de uma capela religiosa em seu espaço, aliás, rito utilizado por algumas
benzedeiras, Assim como a agregação de uma performance mais pendida para o midiático
pentecostal, com microfones e imposição das mãos nas pessoas enquanto se ora. Apesar
da imposição das mãos ser algo muito utilizado no ato das benzeção, a diferença está na
postura, no caminhar, no fechar dos olhos, na impostação da voz e no uso de tecnologia.
Sendo assim, percebemos que Edelarzil passou por um processo de modificação e
distanciamento do que seria comum ao rito de uma benzedeira, ganhando centralidade
em seu espaço religioso, tendo um espaço dedicado a si própria dentro da capela ritual,
onde estão fotos e homenagens, assim como uma exaltação do significado de seu nome,
que a revela como uma personalidade autônoma e forte. Essa centralidade condiz mais
com a forma como as pessoas a descrevem ou a representam imageticamente em fotos,
uma pessoa cercada pela luz, bondosa, pura, desprendida e capaz de sofrer pelos demais
a sua volta, uma “mulher santa”. Como um todo, observamos que Edelarzil, apesar de ter
se desenvolvido no, princípio de sua carreia, como uma benzedeira, com os anos
aconteceram muitas transformações através de agregações simbólicas de outros cultos
além dos símbolos católicos.
Nesse movimento relioso, permeado de hibridismo, a “Mulher do Algodão” é
apresentada como figura central. Durante o ritual, Edelarzil assume a sua performance de
médium, uma pessoa a quem é atribuída a dádiva miraculosa de transportar e materializar
os males através de objetos no algodão e tudo em seu centro gira em torno dessa

60
Podemos apontar aqui a ausência de imagens santorais negras, mesmo a santa negra Sara Kali, santificada
pelo povo cigano, aparece numa iconografia embranquecida.
162

expectativa. Sua presença é esperada, na verdade, cada vez mais esperada à medida em
que a mesma se atrasa para iniciar seu rito, mediante o discurso de que cada vez mais se
atrasará porque “quem sabe as pessoas desistam de procura-la”. Porém, a chegada
simpática e risos dos espectadores enquanto menciona essas palavras que remetem à
mediunidade o predicado de ser um fardo, nos fez brotar uma dúvida: seria o atraso uma
medida para realmente fazer as pessoas desistirem ou um método consciente ou não da
mesma fixar-se em seu potencial como médium? O fato é que as pessoas não desistem e
parecem cada vez mais curiosas ou àquelas que frequentam assiduamente o recinto
permanecem porque realmente acreditam e veem nela uma pessoa iluminada por Deus.
Edelarzil é a líder religiosa que se converte em imagem, segundo as reflexões de Klein
(2006). Seu Espaço Significativo propicia o trânsito de pessoas das diferentes profissões
de fé e de diferentes classes sociais, que se agregam por um curto período de tempo numa
communitas espontânea.
Edelarzil possui um discurso mesclado entre o discurso cristão católico sobre a
percepção de pecado e o dever de se fazer um exame de consciência com elementos do
espiritismo, como maus fluídos, desencarne, vidas passadas. O “fazer exame de
consciência” serve de método para diagnosticar erros que possam estar atraindo o mau.
Sua visão de mundo é pessimista, a narrativa de seu próprio mundo é permeado de
sofrimentos e sacrifícios, assim como suas previsões para o futuro se apresentam de forma
apocalíptica. Para ela, estamos vivendo o “final dos tempos” e que o ser humano não pode
esperar nada de bom nessa terra. Esse pessimismo se estende sobre a significação dos
objetos que ela alega extrair do algodão.
Outro ponto importante sobre Edelarzil é que, notavelmente, ao mesmo tempo em
que ela trata pejorativamente os elementos das religiões africanas, agrega elementos em
seu rito do imaginário da Umbanda e do Candomblé, como ervas específicas que são
designadas às energias dos orixás ou, até mesmo, a veneração de São Jorge que está mais
presente nessas religiões através de sua representação do orixá Ogum.
Sintetizando sobre a atuação de nossa “atriz social” em sua representação,
Edelarzil foi construindo seu imaginário religioso ao longo das décadas se tornando uma
personalidade autônoma e híbrida, podemos concluir isso analisando seu universo
simbólico, sua iconografia e comparando com seu discurso. Ela conquistou um público
razoável e das mais variadas religiões e status sociais e consolidou-se transmutando de
benzedeira à conhecida “Mulher do Algodão” ou “Médium do Algodão”. Arriscamos
163

dizer que, apesar de guardar características comuns a uma benzedeira, o termo médium
parece ser melhor condizente com sua performance religiosa nos dias atuais.
Enfim, para concluirmos esse trabalho que tecemos sob a metodologia da Cultura
Visual e Material, onde as imagens são reveladoras de sentido tanto em caráter espacial,
material e metafísico, apresentamos uma personalidade que pode bem representar essa
nova era das imagens numa teologia “imagofática”. A perspectiva da cultura visual e
material precisa ser ainda mais explorada pelos pesquisadores da religião no Brasil, sendo
esse um País profundamente imagético e visual.
164

REFERÊNCIAS

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em: 22 jan. 2019.
175

ANEXOS

TRANSCRIÇÃO DE VÍDEOS

Ipsis Litteris

Transcrição 1

HDVIDEO MS. Materialização no algodão, (13m21s). Disponível em:


<https://www.youtube.com/watch?v=McpAbwqMobE> Acesso em 05/11/2017.

Gravação para um canal do site You Tube. 2017

EDELARZIL - INTRODUÇÃO: Eu tô agradecendo a todos que estão aqui e


pedindo também que Deus os abençoe. Eu faço a minha parte, peço a Deus. Quer dizer
que não sou Deus, sou uma intermediária. E peço a Deus que todos que vêm até aqui,
recebam a graça. Mas vai depender de cada pessoa, da fé de cada pessoa. Porque tenho
fé, mas depende de cada um... E Deus disse assim: Faça a tua parte que eu te ajudarei.
Então eu vou fazer a minha parte e cada pessoa faz a sua. Então que Deus abençoe a
todos, que dê bastante saúde, paz, amor e prosperidade pra cada um. Que Deus abençoe,
que Deus ilumine todos os que estão procurando a graça e... que Deus vai abençoar cada
um deles e...quem tem fé eu tenho certeza que vai receber. Bom dia a todos! Que Deus
ilumine e que Deus os acompanhe!
Então hoje, eu estou... aqui gravando...quase não gosto de gravações, mas pelo
pedido do meu esposo, que ele quer guardar por recordação de tantos tempos de trabalho
e de luta, então eu estou gravando para passar mensagem pra todos, de amor, de fé, de
paciência, de humildade...e que Deus ilumine a todos e que Deus os acompanhe!
EDELARZIL: Boa tarde, para vocês! Que Deus ilumine vocês e que cada um
consiga alcançar a graça que vieram procurar. Tem pessoas pela primeira vez? Pouquinha
gente, muito pecado hoje.
As pessoas que estão aqui pela primeira vez e que não entendem o significado do
trabalho. O trabalho é de “transporte” e materialização. São materializadas as influências
negativas, de inveja, de ódio ou de trabalhos de magia negra. Quer dizer que nem todas
as pessoas podem ter trabalhos de magia negra..., mas influências negativas... não existe
quem não tenha. Muitas vezes as influências negativas são de uma pessoa sobre a outra.
176

Ou muitas vezes, de si próprio. Muitas vezes é a gente mesmo que atrai o mal, desde que
a gente tenha a mente negativa, desejando o mal ao próximo, tendo inveja, ódio ou
vingança. Então cada um de nós, temos o retorno que merecemos e o retorno é triste
porque vem com juros. A gente paga o dobro do que a gente a fez. Então quem está aqui
pela primeira vez..., deve ser feita a oração durante treze dias, pedindo a graça que quer
alcançar. E é pela oração, pela fé, pela penitência e pelo sacrifício, que cada pessoa
alcança a graça.
Mas antes de fazer a trezena, deve-se fazer, um exame de consciência, um exame
espiritual. Pra ver o que está acontecendo na vida de cada um de vocês...não seje de si
próprio, porque muitas vezes é a gente que atrai o mal.
Faça o exame de consciência pra ver aonde errou ou aonde está errando, porque
todos nós erramos, todos nós pecamos. Perfeito, é só Deus! Então a gente deve reconhecer
os erros, pedindo perdão a Deus dos erros que todos os dias cometemos. Fazendo as
orações, penitências, os jejuns, e retirando da sua vida, durante os treze dias da oração, o
que você é mais habituado a fazer todos os dias. Então todos nós erramos, por isso é bom
fazer o exame de consciência, pra ver aonde errou ou aonde está errando. Pra não acusar
só o vizinho. Que muitas vezes a gente erra, mas a gente nunca enxerga o erro da gente.
É fácil acusar os outros. É fácil colocar a culpa em outra pessoa, então por isso tem que
fazer o exame de consciência. Nem tudo são trabalhos de magia. Porque tem pessoas que
vem aqui e não entende...aí ele sai falando que todo mundo tem macumba.
Todo mundo tem influências negativas, isso é certeza. Tem muita coisa pior do
que trabalho de magia. Porque magia é fácil ser desfeita, mas o que vem da mente, do
coração e da língua...é difícil. Quantas vezes a pessoa que atrapalha a vida da gente,
convive com a gente... no trabalho, no lazer ou, muitas vezes, amiga. Por isso a gente tem
que estar preparada espiritualmente. Porque tem tantas pessoas que têm a mente diabólica,
por inveja, por cobiça, por ódio, por vingança...e ela atrapalha a vida da outra. Nunca se
vingar..., também, porque tem pessoas que se vinga, se cada vez fica pior, porque a gente
tem que orar para que Deus ilumine a mente e o coração de quem nos atrapalha e que eles
consigam sair das trevas e que vocês consigam sair de seus problemas. É perdoando que
a gente é perdoada. Não adianta vingança. Deus deixou a lei do retorno. Quem planta
vento, colhe tempestade, então não se preocupe. Deus tarda, mas não falha. A gente tem
que sempre perdoar.
A gente veio para este mundo. não veio por acaso, a gente veio resgatar alguma
coisa. Muitas vezes, as pessoas falar, por.tô sofrendo, mas eu nunca fiz mal a ninguém.
177

Será?... Que nunca fez mal a ninguém? A gente não precisa fazer os atos, a gente faz pelo
pensamento. Quantas vezes, pensa mal de uma pessoa e aquela pessoa, e a aquela pessoa,
talvez, até é inocente e a gente tá julgando coisa errada. Então a gente tá prejudicando.
Por isso a gente tem: “orai e vigiai”, pra não ser atingido de tanta influências negativas.
Tem muitas pessoas, também, que vêm aqui...ela vem com o coração cheio de ódio e de
vingança. Ela vem com mágoa e isso faz mal. Quer dizer que a pessoa prejudica a si
próprio.
Tem muitas ...que não perdoam e para alcançar a graça... gente tem que perdoar.
Tem muitas pessoas que tem ódio da própria família e tudo que vem do sangue é bem
pior, porque se torna uma maldição na família. Por isso eu sempre peço, pra fazer a
trezena...não é que só tenha que ser feito treze dias de oração, a gente tem que fazer todos
os dias.
Os treze dias é pra fazer o exame de consciência e ver o que a gente está fazendo
de errado. Orar a gente tem que orar todos os dias, pelo menos o Pai Nosso. Na hora de
deitar, na hora de levantar. Não só pedindo, é agradecendo a vida que Ele nos deu e pela
oportunidade que Ele nos dá de reconhecer os nosso erros e recomeçar uma nova vida.
Agora tem pessoa que tem muita preguiça de orar. Tem gente que deita e nem se
lembra de Deus, Levanta e é a mesma coisa. Quer dizer que está aberto para todas as
influências negativas. Porque a gente orando já tem as perseguições...e se a gente não orar
então? Aí você deu uma abertura para as influências negativas.
Não fique preso ao passado, porque tem muita gente que vem aqui e coloca lá no
caderno de oração, dizendo: “Dona Edelarzil, eu perdi casa, carro, imóveis, dinheiro. Eu
quero tudo de volta”. É impossível! Querer tudo de volta. Quando a gente perde, já
perdeu. A gente tem que pedir pra Deus, saúde, que é a maior riqueza. Você tendo saúde,
você luta e recomeça tudo de novo. Não é pedir de volta. Muitas vezes, a gente entrega
em dívidas os bens que a gente tem. Antes não ter as coisas e não dever do que ter as
coisas devendo. Não é?
Outros dizem que querem sair dos problemas financeiros. Primeiro faça o exame
de consciência. Que, muitas vezes a pessoa ganha 3 e gasta 5, aí ele nunca vai sair dos
problemas financeiros. Ou ele vai e compra parcelado, uma casa, um carro, ele
compra...depois no fim, vai se enrolar. Porque nem sempre as coisas dão certo. Negócios,
daí você vai passar por problemas financeiros. Pensa: “Será que não vou fazer alguma
coisa errada. Se eu ganho 3, eu tenho que gastar 1500, não posso gastar os 3. Preciso ter
uma reserva pra quando ficar doente ou alguma coisa que aparece e a gente tem que pagar.
178

Então nem tudo são trabalhos de magia, muitas vezes é que a gente é ignorante mesmo, é
que a gente não pensa e pra gente fazer as coisas tem que pensar muitas vezes. Orai e
vigiai e antes de fazer qualquer negócio, pense muito antes. Pra não ter os problemas
depois de ter que acusar o vizinho, é a gente que errou e põe a culpa no outro. É fácil por
culpa nos outro, não é?
Tem pessoas também que erra a vida inteira e ela não percebe que são os próprios
erros dela que estão bloqueando a vida dela, porque tudo vai dando errado e ela continua
com os mesmos erros. Então faça o exame de consciência e vê o que é que você está
fazendo de errado e corrija, que a gente pode errar. Mas a gente erra até quando a gente
quer. Quando a gente percebe que são os próprios erros que estão bloqueando a vida, ou
você vai melhorar e fazer as coisas certas ou vai afundar, a escolha é de cada pessoa. Deus
não deseja o mal de ninguém, não quer mal a ninguém. Deus está sempre nos ajudando,
a gente que não percebe as ajudas que Ele dá pra gente. Antes de fazer qualquer negócio,
pede para Deus: “Me dá sabedoria, ilumina minha mente e meu coração. Não deixe que
eu dê um passo errado”. Então se a pessoa tem fé, fala com Deus. Agora tem pessoas que
só pensa nos bens materiais e Deus está distante desses pensamentos dele. Ele está só
pensando que vai conseguir tal coisa: “é que vou subir, é que eu vou fazer...”, mas Deus
nunca está presente no coração e na mente dele. E para as coisas espirituais dar certo é
preciso que as espirituais esteja bem. Não pode ter bloqueios espirituais para os materiais
dar certo. Porque se você não tiver preparação espiritual, nada na tua vida vai dar certo.
Primeiro, peça a Deus sabedoria. Se você tiver rancor de alguém ódio, peça
perdão. Tire da sua mente e do seu coração toda magoa, porque daí você vai ver que sua
vida vai mudar. Agora enquanto a pessoa tiver muito orgulho, nada vai dar certo, porque
tem pessoas que tem tanto orgulho que ela diz não precisar de ninguém. Será que existe
alguém que não precisa de ninguém? Não existe. Todos nós precisamos um dos doutros.
Você pode ser um empresário bem-sucedido, mas você precisa dos empregados pra
trabalhar pra você e seus empregados de você. É um pelo outro. Até depois que morre,
para levar para o cemitério e porque achar que não precisa de ninguém.
Tem pessoas que tem tanto orgulho. Se ele tem dinheiro, ele passa pisando nos
outros e nem vê. E para que tanto orgulho se nós todos temos podridão na vida. Você
pode ter uma roupa de marca, você pode tá bem arrumado, mas na barriga só tem
podridão... é merda e vermes mesmo. Não adianta ter orgulho, todos nós somos iguais: é
branco, preto, velho, novo...rico, pobre...não tem diferença. Depois que a gente
desencarna, todos nós viramos caveira. E depois que for caveira, se você olhar para aquele
179

monte de caveira...: “será que é de rico ou pobre?” - é tudo igual - “Será que essa caveira,
quando estava revestida de carne, deitou num travesseiro de plumas ou nas pedras da
estrada?”. Você não sabe. Por isso a gente tem que ter humildade, para poder então
conseguir vencer na vida e ter pelo menos para sobreviver. Agora...tem gente que quer
ganhar o mundo inteiro. Não adianta... ganhar o mundo inteiro, porque o dinheiro compra
tudo, mas a vida ele não compra. Quando chega a hora, você pode ser milionário, mas
você vai mesmo. Tudo fica, mas a gente vai. Por isso a gente tem que ser humilde e não
falar tanto da vida dos outros, porque tem pessoas que só fala mal da vida dos outros.
É como está escrito na bíblia: “aponta o cisco no olho do outro e no teu você tem
uma trave”. Por isso a gente tem que fazer um exame de consciência para ver porque a
gente está com tantos bloqueios. Orai e vigiai e na hora de fazer a oração, tire um tempo
para Deus. Não vai fazer oração assistindo novelas, assistindo televisão, porque você não
sabe nem o que quer. Assiste novela e faz oração..., diz que fez a trezena..., ela lê treze
dias, mas não fez a trezena. A trezena a gente tem que fazer, mas fechada num quarto,
sem ouvir conversas, você mentalizar certinho o que está acontecendo na sua vida. Então
antes de fazer a oração, faça o exame de consciência. E aí você fala com Deus: Será que
atrapalhei a vida de alguém? Você pensa bem..., que você encontra. Será que eu menti?
Ah! Mas vai achar tantas mentiras! Será que fiz intrigas, levantei falsos, tive inveja,
cobiça, me vinguei, tive ódio, traí? Você encontra tudo, porque traições não é só de
homem e mulher. Tem tantos tipos de traições... de negócios, tem tanto que dá rasteira
nos negócios, sabendo que está prejudicando a outra pessoa. Então está traindo. Tudo isso
são bloqueios espirituais. E Deus dá a oportunidade para todos nós, reconhecer os nossos
erros e recomeçar uma nova vida.
Quando você estiver com a sua vida toda bloqueada, as vezes com problemas de
saúde...profissionais, financeiros, desempregos, sentimentais, imóveis para vender ou
dinheiro para receber e não consegue... não se desespere, falando que tua vida é uma
desgraça. Porque sem chamar ela já vem e se você chamou ela aposenta com você. Então
quando a gente está com tudo bloqueado na vida da gente, a gente tem que pedir a Deus:
Dai-me força, Senhor, pra mim suportar a minha cruz. Todos nós temos a nossa. “Dai-me
paciência! Ei de vencer todos os obstáculos da minha vida, porque Deus está comigo.
Quem é que vai poder me destruir?”. Se você tiver fé, você pode ter caído, você levanta
e começa tudo de novo, isto é certeza, mas pela fé. Porque, eu tenho muita fé, eu faço a
minha parte e cada um faz a sua. Eu não sou deusa, sou uma intermediária. Eu tenho
muita fé e posso ver vários problemas numa pessoa, que a gente vê que ele tá lá no final
180

do túnel, mas eu faço minha oração e falo: “Para Deus, não existe nada impossível”.
Impossível é para as pessoas que não tem fé, mas para quem tem fé, tudo é impossível.
Agora, então, eu farei a oração em conjunto, pedindo a Deus e aos guias, para que
cada um consiga alcançar as graças que vieram procurar, mas neste momento quem tiver
peças de roupas, fotos, documentos, objetos para serem abençoados.
(Impostação de voz).
“Que seja abençoado, cada pessoa que está aqui presente, que sejam abençoados
os ausentes que vocês trouxeram, que sejam abençoados todos os objetos que você
trouxeram, que sejam abençoadas as casas de cada um de vocês. Que seja abençoada a
família de vocês. Que sejam abençoados os trabalhos de vocês. Que seja abençoadas as
viagens de você... (Pai Nosso!)
Eu vos saúdo, ó Virgem Gloriosa, estrela mais brilhante do que o Sol, mais branca
do que o lírio, mais elevada nos céus do que todos os santos.

Oração à Nossa Senhora do Rosário


A vós que sois reverenciada por toda a Terra, recebei as minhas humildes
homenagens e vinde em nosso auxílio, no meio de vossos dias tão gloriosos no céu.
Não esquecei, ó Virgem Mãe, as tristezas da Terra.
Lançai um olhar de bondade para os que estão no sofrimento e que lutam contra
as dificuldades e que não cessam de umedecer os lábios nas amarguras desta vida.
Tenha piedade dos que choram, dos que oram e dos que temem. Dai a todos a
esperança e paz.
Assim seja.
**************************************************************
ORAÇÃO DE SANTO ANTONIO
Santo Antônio reza a missa
Nossa Senhora se põe no altar
Vou pedir a Santo Antônio
Para meus passos guiar.
A ti Santo portentoso
Vimos tributar Louvor.
Invoco-te ó zeloso
E constante protetor.
O Senhor nos tem enchido
181

De seus verdadeiros bens.


Santo Antônio pai querido
Que poder nos Céus não tens?
Que poder Deus te concede
Fazei o perdido achar
E entre nós sempre intercede.
Não nos deixe transviar.
Nossa crença está em perigo
Ameaçada está a moral
Santo Antônio grande amigo
Entre nós extirpe o mal.
Milagrosos são teus passos
Admirável teu poder
Maravilhas em teus braços
Quis Jesus descanso Ter
Que possa nos dar virtudes,
Com fervor de imitar
Santo Antônio a beatitude
Faz a todos alcançar.
***************************************************
Eu, coberta com o manto de Nossa Senhora da Guia, andarei, não andarei, um
cruzeiro encontrarei. Foi o anjo Gabriel que encontrou a Virgem Santíssima e a saudou
rezando Ave Maria.
Ave Maria cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois entre as mulheres e
bendito é o fruto de vosso ventre, Jesus. Santa Maria, mãe de Deus, rogai pôr nós os
pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém.
***************************************************
Que o braço do onipotente recaia sobre quem queira fazer o mal, que fique imóvel
como pedra, enquanto eu, pobre pecador, continue a serviço de Nosso Senhor. Amém.
Leva o que trouxestes.
Deus me benza com sua Santíssima Cruz.
Deus me defenda dos maus olhos, do mau olhado e de todo mal que me quiserem
fazer.
Quem faz o mal é o ferro e eu sou o aço.
182

Quem faz o mal é o demônio e eu sou o embaraço.


Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém
*****************************************************
Que Deus ilumine vocês e cada um consiga alcançar a graça que vieram procurar
e que a partir deste momento seja retirado o ódio do coração de cada um e colocado o
amor, porque só o amor constrói. Boa tarde e boa viagem! Que a partir de amanhã, vocês
tenham uma nova vida. Sem bloqueios de saúde, profissionais, financeiros, sentimentais,
sem bloqueios de imóveis para vender ou dinheiro para receber e não consegue, que Deus
ilumine e que Deus os acompanhe. Que Deus dê saúde, paz, amor e prosperidade para
cada um.
183

Transcrição 2

BRUNO MORAES. A Mulher do Algodão - [Parte 1 de 3] - Fenômeno do Algodão -


Super Paranormal - Autêntica – Verdade, [52m57s (00m00s-21m05s)]. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=mnTV-SQuc80>. Acesso em 31/05/2016.

Entrevista para o programa Mistério em 1997, Repórter Raul Silvestre.


Nesta entrevista, o repórter diz que Edelarzil descobriu o dom de materialização
desde os cincos anos.
EDELARZIL: Comecei a ver Santo Antônio, o anjo São Gabriel, Nossa Senhora
do Rosário e depois todos os santos, os guias de luz e de trevas também. Depois da
aparição de Nossa Senhora do Rosário, ela dizia assim, que, eu começasse a atender as
pessoas que tinham problemas de saúde, problemas graves e também problemas
espirituais e... que era para começar aos 13 anos.
REPÓRTER: Neste processo, os objetos são trazidos de outros locais e
materializados numa peneira coberta com algodão, embebida em água e álcool.
[...]
EDELARZIL: Sofri vários atentados de pessoas que vêm botar fogo em tudo,
...queimar. Quando morava na fazenda, teve uma vez que, pôs fogo lá, queimou tudo.
Achou que ia terminar meu dom, por causa do fogo, mas eu continuei a mesma coisa.
MARIDO: Eu queria uma vida mais tranquila e eu achava que aquele povo todo
me atrapalhava, assim. Eu queria ela mais junto de mim e quando vinha aquele povo
eu...sempre arrodiado dela, e aquilo tudo pra mim, não parecia tão importante. Aí não
teve como segurar, a pessoa chegou aqui e ela começou a atender essa pessoa escondida
e era uma pessoa de bens... ela chegou aqui e disse: “Porque você não deixa ela atender?”.
E eu disse “Não aceito!” – aí ele falou: “Mas eu vou te dar um presente e se eu te der esse
presente, você deixa? [?] Eu vou te dar um carro pra você e daí você deixa atender todo
mundo” e ele trouxe, colocou aí, eu aceitei aquilo e, por aceitar aquilo, eu perdi toda a
liberdade que eu tinha com a minha esposa.
REPORTER: Na década de 80, Dona Edelarzil que, até então, atendia pessoas
informalmente, quando alguém vinha lhe pedir ajuda, passou a atender regularmente
aqueles que vinham procurar algum tipo de cura, isto provocou uma grande romaria na
casa onde ela morava, dentro da fazenda onde o marido era empregado. O fazendeiro
chegou a dar uma outra casa para ela, só para que as consultas fossem feitas, tal era a
quantidade de pessoas que iam até o local. O trabalho dela começou a ser reconhecido
184

e ela passou a receber doações. Dona Edelarzil, construiu em Parisi o centro “Nossa
Senhora do Rosário”. É lá que ela recebe, três vezes por semana, os milhares de fiéis que
buscam curas e paz. Antes de cada sessão, ela sempre realiza uma oração em conjunto,
para pedir equilíbrio e força.
Sequência de orações.
A equipe de reportagem acompanha todo o processo de materialização e sondam
o ambiente e os utensílios, a fim de verificar possível fraude. Não houve indícios
aparentes.
EDELARZIL: Quando eu trabalhava, não usava algodão. Eu mentalizava e caiam
direto sobre as pessoas, mas machucava, sujava... caco de vidro cortava, ossos...
Machucava e as pessoas saíam sujas e com medo. Quando começava a cair, já todo mundo
queria correr. A água é para purificar e o álcool é um desinfetante... Porque tem terra de
cemitério, restos de... Vermes, o álcool mata um pouco.
REPÓRTER: Segundo Dona Edelarzil, os resíduos que se materializão, foram
usados em trabalhos de magia para prejudicar alguém ou simplesmente o resultado de
pensamentos negativos das próprias pessoas.
Sequência de materializações, os objetos são recolhidos, embrulhados e
entregues para cada pessoa queimar. Testemunhos de curas – um homem garante que
foi curado da bacia depois que ela retirou do algodão, um osso de bacia – dentre outros.
REPÓRTER: Uma comissão, organizada por médicos, psicólogos, religiosos e
autoridades da região, fez uma detalhada investigação do caso.
Dr. VICENTE AIRES: Nós levamos tudo, ela queria água, algodão, álcool e só.
Foi tirado o algodão que nós levamos, entregamos... Tiramos o algodão lá da bacia, abriu-
se os litros de álcool, molhou aquilo (o algodão) e depois jogou água e fez o fenômeno.
REPORTER: E o que a comissão decidiu?
Dr. VICENTE: A comissão diz o seguinte: que é um fenômeno paranormal de
materialização e “transformação” de objeto. Inclusive osso, muito osso, animais mortos,
sapo.
PE. SILVIO ROBERTO: Cientificamente, há uma resposta para isso, porque ela
é uma paranormal.
REPORTER: O senhor acha que é autêntico o fenômeno que acontece com ela?
PE. SILVIO ROBERTO: Creio que sim. Religiosamente eu questiono, mas como
resposta científica sim.
185

EDELARZIL: A minha missão aqui é muito dura, porque a minha cruz não é de
madeira, não, é de ferro e aço. É difícil a pessoa que fala “eu creio, sei que é verdade”, a
maior parte diz “é magia”, “é truque”... Essas coisas. Então eu venho sofrendo muito,
muito sozinha na minha vida. Então a traição, a calúnia e as falsidades, estão sempre em
meu caminho. Só que eu nunca perdi a fé em Deus e acho, assim, que estou purificando
a minha alma. Porque meu corpo é uma passagem aqui.
186

Transcrição 3

GEORGE JORGE. Fenômeno do Algodão - Materialização através do algodão.


(13m21s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=28AknnoA1uc>.
Acesso em 31/05/2016.

Globo Repórter, repórter Domingos Meirelles em 23 de agosto de 1991.

EDELARZIL: os objetos se materializavam em cima das pessoas, aí caía coisas


cortantes, caía..., machucava. Caía igual uma chuva, então a gente não sabia de quem
era... de quem nada... Sabia que estava recebendo a limpeza espiritual.
Com nove anos comecei a materializar, mas antes disso os objetos da minha casa
começaram a sair voando... Voava tudo, pratos, vassoura... Eu via os espíritos, os outros
só viam os objetos voando.
REPÓRTER: Dona Edelarzil trabalha há mais de 30 anos, chega a atender mais
de 300 pessoas num só dia. A médium diz que recebeu essa missão, muito cedo.
EDELARZIL: Desde três anos eu tenho vidência. Meu pai falava que eu era louca
e eu achava que não era normal, então eu achava que todo mundo que tava não via, só eu
via, então a louca era eu.
RERPÓRTER: Um sítio no interior de São Paulo... Dona Edelarzil diz que passou
a trabalhar aqui, para limitar o assédio do público. Senhor Natalino, o marido, diz que,
logo depois do casamento, teve que se acostumar com os mistérios que testemunhava
dentro de casa.
MARIDO: Tinha vezes que o guarda-roupas abria e fechava e eu fiquei muito
amedrontado, inclusive eu passei a dormir no canto... (de medo, diz Edelarzil).
REPÓRTER: O trabalho da médium acontece dentro de um barracão. Não era
hora de atendimento ao público, quando a visitamos.
O repórter mostra o tanque onde Dona Edelarzil realiza o trabalho e ela explica
como ela realiza o trabalho. Pondo o algodão, em cima da peneira que vai para cima
do tanque de concreto. Ele analisa o algodão antes de colocar na peneira, para ver se
há algo escondido.
REPÓRTER: O algodão, que efeito que tem dona Edelarzil?
187

EDELARZIL: O algodão é para mostrar que... branco é pureza. Desde que os


guias passam pelas pessoas..., o algodão está sujo, se o algodão ficar limpo, a pessoa não
teve merecimento da graça.
REPÓRTER: Em nenhum momento, nossa equipe deixou a sala.
O repórter narra os acontecimentos enquanto, Edelarzil recita a oração de
Nossa Senhora do Rosário e molha o algodão.
REPÓRTER: Agora começa o trabalho de materialização. A médium retira
pedaços do algodão, parece não haver nada dentro. Dona Edelarzil, indica um ponto que
começa a esquentar. Os primeiros objetos surgem em seguida (vela vermelha, pregos e
cacos de vidro).
REPÓRTER: A senhora não se corta?
EDELARZIL: Às vezes corta, mas aí cicatriza na hora.
REPÓRTER: Os objetos aparecem continuamente (terra de cemitério. Ela
explica que caco de vidro significa bloqueio). Quando atende o público, a médium diz
que limpa caminhos ao desfazer as influências negativas na vida das pessoas.
Uma sequência de pessoas é entrevistada. Tinham acabado de receber a
materialização. Uma moça tinha seu nome escrito na vela, e a palavra “separação”, a
mesma diz que para ela teve relação com a vida dela.
REPÓRTER: Como explicar o que aconteceu aqui? Se não foi truque, a ciência
tem uma hipótese.
CIENTISTA: Isso é chamado, na física, de efeito de tunelamento. Do ponto de
vista laboratorial científico, é possível você reproduzir este efeito de tunelamento... quer
dizer, o objeto sair do local e passar por outra dimensão e depois cai outra vez nessa
dimensão, mas em outro local, com partículas sub atônicas. A gente fica pensando:
“Daqui a cem anos, cinquenta anos, talvez a ciência consiga fazer essa tele transportação
com objetos maiores”.
REPÓRTER: Dona Edelarzil, diz que toda a área em torno da peneira, fica
sujeito às energias negativas. Não é só no algodão que coisas estranhas aparecem.
Durante a reportagem, senti uma forte dor, na altura do umbigo.
“Tem alguma coisa aqui no meu umbigo” (diz ele à médium).
Dona Edelarzil diz que são coisas ocultas no corpo, porque ele teria bebido
alguma coisa temperada e então retira do umbigo do repórter, algo que ela chama de
“pozinho de sapo” e um bicho. O repórter diz não ter visto nada suspeito.
REPÓRTER: Como a senhora explica isso?
188

EDELARZIL: Aí é quando a pessoa está capitando as influências negativas e daí


se transforma em bicho ou até num alfinete...
REPÓRTER: Pode ter sido um truque, um golpe de mágica, ilusionismo, se foi,
nós não conseguimos perceber. Será que todos os mistérios de dona Edelarzil, resistem
à análise de um cientista experiente?
Antes de começar o trabalho, a médium faz orações. Segundo ela, para espantar
os maus espíritos. Nas mãos, uma planta conhecida como espada de são Jorge. Dona
Edelarzil, diz que está amarrando os espíritos, conhecidos como obsessores. Começamos
a ouvir vozes estranhas. Vozes dos espíritos ou seria apenas uma simulação?
Uma sequência de gemidos que duraram, segundo o repórter, quase uma hora.
Ela não poderia começar o trabalho, sem antes, dominar todos os espíritos.
As gravações foram levadas para o Dr. Sérgio Felipe, professor da Universidade
de São Paulo, que, na época, estudava havia 20 anos, sobre a mediunidade.
Dr. FELIPE: Essas vozes, para mim, me pareceram sons guturais, que são os sons
que saem da garganta e que pareceram serem produzidos pela própria pessoa. Mas se
alguém suspeitar que seriam sons materializados, que não partiriam da própria pessoa,
uma vez que não havia ninguém no local e nem nada que pudesse produzir aquele som,
talvez valesse a pena analisar a fita de um ponto de vista eletrotécnico.
REPÓRTER: Laboratório de Fonética Forense, da Universidade de Campinas.
Averiguada pelo Dr. Ricardo Molina. Investigações Criminais. Ele identificou 12
trechos, do que seriam vozes de espíritos em diálogo com a médium. Esse, analisando se
havia superposição de vozes e frequências dos sons, chegou à conclusão de que todas
eram transmitidas por ela.
REPÓRTER: E se esses espíritos estivessem usando a voz da médium para se
comunicar?
Dr. MOLINA: Aí está fora da minha competência, o que nós podemos constatar
é que todos os sons são produzidos pelo aparelho fonatório da médium. Agora se há uma
incorporação espiritual, já não é um problema fonético, é um problema de outra natureza
e não tenho competência para julgar.
189

Transcrição 4

LUIZ ROBERTO TURATTI. Padre Quevedo: Materializações no algodão? Mentira!


(07m08s). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=cz-w_T8GbHA>
Acesso em 05/11/2017.

Globo Repórter, repórter Domingos Meirelles em 11 de outubro de 1991 com a


presença do padre Oscar G. Quevedo.

EM SÍNTESE. INTRODUÇÃO NARRATIVA: Este episódio é uma


continuação do programa Globo Repórter do dia 23 de agosto de 1991. Foi feito com a
presença do Pe. Oscar Quevedo, especialista em parapsicologia, que viu a gravação dos
trabalhos de Dona Edelarzil e garantiu que tudo não passava de um truque. Ele e a
equipe do Globo repórter visitam Edelarzil em Parisi.
REPÓRTER: Padre Quevedo verifica o tanque e consta que ao contrário do que
pressupunha, não havia um duplo fundo, verifica a peneira e algodão trazido pelo povo.
EDELARZIL (para Pe. Quevedo): Quando eu era criança, eu não trabalhava com
algodão. Quando eu mentalizava, caia em cima da pessoa.
PE. QUEVEDO: Isso é uma porta espontânea, surgem as coisas.
REPÓRTER: Ela faz todo o processo ritual, orações para afastar os maus
espíritos enquanto padre Quevedo desfia o algodão para ter certeza de que não está
sendo enganado. Mas sem tirar os olhos da médium.
PE. QUEVEDO: Eu repito, que o que ela afirma, que com regularidade, vários
(aportes?) continuamente... certamente truque.
REPÓRTER: Dona Edelarzil, realiza o trabalho sob os olhos atentos do padre,
mas não consegue nenhuma materialização. Ela interrompe a sessão para rezar
novamente por quase duas horas invocando a presença dos espíritos. Ao não conseguir
realizar a materialização, entra em desespero, recorrendo a Deus e em seguida pede
para que o padre reze de mãos dadas com ela.
REPÓRTER: Agora dona Edelarzil, vai tentar o trabalho de materialização, pela
segunda vez. Ela disse que não conseguiu da primeira vez, porque estava muito nervosa,
magoada e até mesmo ressentida com algumas críticas que o padre Quevedo tinha feito
em relação ao trabalho dela no programa anterior. Ela explicou que aqui na sala havia
muitas influências negativas, que cortavam a corrente e impediam a concentração dela.
190

Ela retorna a sessão sob o olhar do padre e acontece a primeira materialização.


Uma rosa de plástico vermelha que surge cheia de barro no meio do algodão e uma vela.
Padre Quevedo observa ser um objeto muito pequeno. Ela explica que não pode
determinar o tamanho dos objetos, não depende dela. Logo em seguida, materializa um
pedaço de osso, maior que a rosa e mais um pedaço de vela. Ele fica convencido de que
se trata de um truque.
REPÓRTER: Em que momento o senhor acha que ocorreu esse truque, se o tempo
toda a equipe ficou dentro da sala, junto com o senhor?
PE. QUEVEDO: O truque aconteceu no momento em que [?] e ela ficou aqui de
joelhos (atrás do tanque) tampada pelo algodão. Primeiro levantou as duas mãos, o que
se chama “mágica de misdirection” depois só a mão direita e a esquerda estava oculta,
poderia tirar qualquer coisa dentre as pernas, do ânus e de qualquer lugar e [?] um
movimento mínimo, é só colocar, depois fingiu “Senhor Jesus, tem que tirar alguma
coisa” e bateu nos algodões e daí poderia ter colocado e revirou para lá. Eu disse,
vulgarmente, um truque pequeníssimo.
EDELARZIL (para o repórter): Eu costumo usar, saia e blusa. Hoje eu pus calça
comprida, pra a pessoa ver que estava de calça comprida, que se põe saia... diz que
esconde por debaixo da saia. Então eu fiz tudo...aquele dia que você veio eu estava de
saia calça. Hoje pus calça apertada, porque se tiver alguma coisa...
REPORTER: Você está satisfeita com o resultado das sessões de hoje?
EDELARZIL: Eu não fiquei satisfeita, porque não realizou o que está
acostumado.
PE. QUEVEDO: A ciência não é a favor e nem contra. Neste caso, o que vi, foi
um truque vulgaríssimo.
191

Catálogo de sugestões de significado de alguns objetos:

1. Alfinete: perturbação mental da 2. Alça de caixão: desejo de morte e


pessoa. loucura.
3. Agulhas: perturbação e problemas 4. Amendoim: afetar a vida sexual
mentais. da pessoa.
5. Animal em decomposição (parte
6. Arma ou pedaço de arma: desejo
ou inteiro): trabalho de magia
de vingança.
negra.
8. Arroz ou grão: desejo de miséria,
7. Artefatos: de couro: afetar o corpo.
passar fome.
9. Arruelas: ficar em círculo, sem 10. Barata: para ficar no fundo do
saída. poço.
11. Bucha de banho: fechar os 12. Braço de boneca (o): para perder
caminhos. as forças.
13. Boneca (o): para imobilizar a
14. Brinquedo: não ser levado a sério.
pessoa.
15. Bombril: ficar com a vida 16. Cabeça, coco ou bola: afetar a
enrolada. mente.
17. Cabelo/ grampos de cabelo: 18. Caixa de fósforo: trabalho de
perturbação da mente. magia ou demanda.
19. Carretel de linha: para girar, e não
20. Carvão: sinal de destruição.
sair do lugar.
22. Casca de ovo: intriga, desavença,
21. Carrinho: para causar acidente.
falsidade.
23. Cebola: para entregar tudo de mão 24. Coração: para causar doenças
beijada. cardíacas.
25. Couro: mexer com o corpo. 26. Chifres: falsidade e traição.
27. Chinelo, calçado: prender a pessoa 28. Clips: prendendo a pessoa para
no lugar. perder, impossibilidade de agir.
29. Cola: para prender negócio, a 30. Concha do mar: para ir tudo por
pessoa. água abaixo.
31. Cebola: para entregar tudo de mão 32. Corrente: para acorrentar a
beijada. pessoa.
33. Charuto: trabalho de preto para 34. Cigarro: trabalho de pomba-gira
perturbar a mente. para perturbar a mente.
35. Coador de café ou chá: quando a 36. Casca de alho: temperar a pessoa
pessoa bebeu trabalho de magia. para enganá-la.
37. Dinheiro (nota/moeda): perda de 38. Dobradiça de porta: fechando os
negócios e desgraça. caminhos, bloqueia os objetivos.
39. Doces ou balas: adoçar para 40. Esmalte, perfume: trabalho para
enganar. pomba-gira.
41. Faca, canivete, gilete, lâminas:
42. Farinha ou farofa: oferta para exu,
cortar os negócios ou perder o
para mexer com a vida.
emprego.
43. Ferro ou aço: para tudo ficar 44. Feijão, bagaço de laranja, frutos:
difícil, nos negócios e no emprego. desejo de miséria.
192

45. Fita amarela: dar desespero, tirar a 46. Fita azul/ rosa: atrapalhar o lar,
esperança. gerando brigas e discussões.
48. Fita laranja: sentimental, bloqueio
47. Fita branca: para tirar a paz. sentimental, problemas de
desespero.
49. Fita marrom/bege/cinza: 50. Fita preta: desejo de fim, da
problemas financeiros. destruição.
52. Fita verde: tirar o ânimo para se
51. Fita roxa: dar angústia na pessoa.
sentir derrotado.
53. Fita vermelha: afetar a mente e 54. Fita de filme ou som: afetar o
nervos. sistema auditivo e visual.
55. Fósforo: trabalho de magia e 56. Flor de cemitério: desejo de
demanda. morte, ódio e vingança.
57. Formiga e insetos: para ficar 58. Folhas e ramos: para tirar a paz e
agitado e inquieto. serenidade.
60. Fígado e pedaços de carne:
59. Fios elétricos: amarrar os negócios
trabalho para exu e acabar com a
e atacar o sistema nervoso.
saúde.
61. Garfo/colher: deixar a pessoa
perturbada, sem apetite indisposto 62. Gaze: afetar a saúde.
com tudo.
63. Garrafa de bebida: tornar a pessoa 64. Garrafa/vidro de remédio: afetar a
alcoólatra, irresponsável. saúde em geral.
65. Grilo: para a pessoa pular e não 66. Incenso: fechar os caminhos, não
sair do lugar, não ter sucesso. acreditar em mais nada.
67. Insetos: para agitar a vida da
68. Isopor: ficar desligado,
pessoa, com discussões, fofoca,
perturbado.
intrigas.
69. Imagens de santo: trabalho contra
70. Lâmpada: tensão nervosa para
o espirito da luz, a favor das trevas
desequilibrar a mente.
para derrotar pessoas.
71. Latas: deixar a pessoa 72. Leite em pó: tirar a sorte e criar
desorientada. obesidade na pessoa.
73. Língua de vaca: ficar difamada,
74. Madeira: dificultar os negócios.
comentada negativamente.
75. Milho/pipoca: virar a vida da 76. Matos/plantas/raízes/pó de xaxim:
pessoa ao avesso. trabalho já enraizado, antigo.
77. Metais: para dificultar os negócios 78. Objetos redondos: para a pessoa
e atividades. ficar em círculo.
80. Ossos: dificuldades em tudo que
79. Óculos: afetar os olhos.
realizar.
81. Palito de fósforo: magia,
82. Papel: para embrulhar a pessoa.
demanda.
83. Patuá com mensagem: trabalho de
84. Peças de roupa íntima:
magia negra para liquidar a
enfraquecer o sexo.
pessoa.
85. Pemba preta/branca: ponto de 86. Penas: dificuldades e sofrimento
magia. no trabalho.
87. Pedras: tropeços e dificuldades 88. Perfume/batom: trabalho para a
com prejuízo de negócios. pomba-gira.
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89. Peças de veículos: causar 90. Peças de aço e ferro: dificultar


acidentes e quebra no veículo. tudo na vida.
91. Piche: para a pessoa ficar sem 92. Pimenta: queimação no corpo para
saída. agitar a pessoa
93. Placa de cemitério: trabalho para a 94. Plástico: para influências
morte, para não ser desfeito. negativas persistirem.
96. Pregos e parafusos: para não mais
95. Pólvora: atacar o sistema nervoso.
sair do lugar, ficar sem objetos.
97. Pedaço de vaso: desequilibrar a 98. Perna de boneca/animal: ficar
vida financeira. imobilizado.
99. Papel/caixa papelão: para a pessoa 100. Peixe/frutos do mar: para as coisas
ser embrulhada. irem por água abaixo.
101. Pilha: tensão nervosa, perigo de 102. Prendedor ou grampo de roupa:
enfarto. amarrar a pessoa nos negócios.
103. Plástico (qualquer tipo): influência
de uma pessoa que persiste no dia- 104. Punhal: traição.
a-dia.
105. Rã/sapo: desejo de doença, 106. Ratoeira: armadilha, alguém
tragédia, acidente e morte. tramando contra você.
108. Sangue/pus: graça recebida na
107. Roupas: para afetar a saúde. saúde. Extraído do corpo da
pessoa.
110. Sementes: iniciando um mau de
109. Sapato: prender a pessoa no lugar.
saúde ou problemas em negócios.
111. Serragem: para ficar no fundo do 112. Terra de cemitério: influência de
poço, desejo de morte. inveja, ódio, desavença.
113. Tapete: enganação, passar a 114. Tampas/objetos redondos: ficar
pessoa para trás para ser em círculos sem saída,
humilhada, menosprezada. desorientada, perturbada.
115. Tampa de caixão: trabalho feito
para ficar tudo escondido, para não 116. Telha/tijolo: virar sua vida do
conseguir enxergar as coisas que avesso.
são feitas.
117. Tridente: trabalho de alta magia, 118. Unha/pé de galinha: para a pessoa
garfo do diabo. andar para trás.
119. Vassoura: trabalho de magia. 120. Velas: mesmo das fitas (ver cor).
121. Vela com
122. Vela de sexo: causar impotência,
imagem/exu/caveira/etc.: trabalho
frigidez.
de alta magia.
123. Vela derretida: feito trabalho em 124. Vela preta e vermelha: para a
cemitério. pessoa não progredir.
126. Vidros: para cortar as atividades
125. Vidro de remédio: afetar a saúde.
comerciais e profissionais.
Fonte: CASA CAMINHO E LUZ, s/d, p. 21-24
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RECORTES DE JORNAL

Jornal Regional 1994 - Parte 1

Fonte: Fotografia da autora


195

Jornal Regional 1994 - Parte 2

Fonte: Fotografia da autora


196

Krantenbank Zeeland - 4 set. 1990/ Anúncio da grade horária da TV holandesa, Veronica.


Parallax - Documentário sobre paranormalidade apresentando o fenômeno de Edelarzil

Fonte: https://krantenbankzeeland.nl/issue/zni/1990-09-04/edition/0/page/5?query=edelarzil&sort=relevance
197

Krantenbank Zeeland - 11 set. 1990/ Anúncio da grade horária da TV holandesa, Veronica.


Parallax - Documentário sobre paranormalidade apresentando o fenômeno de Edelarzil

Fonte: https://krantenbankzeeland.nl/issue/zni/1990-09-11/edition/0/page/5?query=edelarzil&sort=relevance

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