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Dez/2018 - Mar/2019
Realizado em serigrafia, o álbum temático CAMINHO,
Uma beleza, a beleza
Palácio Itamaraty.
Apoio: Fundação Alexandre Gusmão
uma homenagem a Aníbal Machado, revela os tempos
Design gráfico: Luiza Ceruti
da experiência humana, no âmbito da Natureza. A Maria Luísa Tavora
Concepção museográfica: Vanessa Ventura
Curadoria: Maria Luisa Távora luminosidade como temática comanda as durações e para a Revista História, Setembro de 2015
Organização e montagem: Comissão RE50 respectivas variações. Fayga transmuda o tempo da
Henrique Cardoso, 1998. Xilogravura.
experiência estética vivida com a Natureza em espaço Fayga Ostrower foi uma figura especial no universo
Série: Posse do presidente Fernando
gravado através de uma visão lírica do mundo. artístico brasileiro. Desenhou, pintou com aquarela,
Sem título, 1993. Litografia. ilustrou periódicos, livros e poemas de escritores como
9208, 1992. Litografia; conhecida de seu acervo artístico. A realidade é absorvida pelo mundo imaginário, uma Carlos Drummond de Andrade e Cecília Meireles, criou
8103, 1981. Litografia; apresentar ao público brasileiro uma parcela ainda pouco
revelação secreta que transcende os limites do fenô- capas de discos e de livros, fez estampas de tecidos,
8024, 1980. Litografia; Com esta exposição, o Ministério das Relações Exteriores busca
meno objetivo e do visível. Uma subjetividade instaura- desenhou joias e projetos de murais para edifícios.
8004, 1980. Litografia; -se criando ritmos singulares. A cor, em um jogo de Além de artista plástica, foi uma pensadora e uma teóri-
8003, 1980. Litografia;
de estado e de governo estrangeiros que visitam Brasília.
opacidades e transparências, ganha formas e se estru- ca sobre a arte, escrevendo livros e artigos e circulan-
do pelo Brasil e pelo mundo para proferir palestras e
redor do mundo e a encomenda de obras para presentear chefes
tura em assimetrias, gerando um dinamismo próprio
orientar cursos em instituições universitárias, museus e
8002, 1980. Litografia; 1950, e envolveu a realização de exposições da artista brasileira ao
como experiência do ser no mundo.
centros culturais. Mas foi na gravura que encontrou o
Sem título, 1980. Litografia; uma longa colaboração com o Itamaraty, que remonta aos anos
especialmente para o Palácio dos Arcos. Esta obra é resultado de
seu meio preferencial de expressão, ao qual dedicou
Sem título, 1980. Litografia;
políptico de sete gravuras realizado por Fayga Ostrower
7801. Serigrafia, 1978;
Um dos destaques da coleção de gravuras do Ministério é o toda a vida.
7415, 1974. Serigrafia;
7413, 1974. Serigrafia; diariamente visita o Itamaraty. Polonesa de família judaica, emigrada adolescente
VI - Noite, 1974. Serigrafia; simples de divulgar a arte brasileira junto ao público estrangeiro que para o Brasil em 1934, Fayga explorou com
IV - Tarde; V - Crepúsculo; gravuras de um importante artista contemporâneo, uma forma sensibilidade os efeitos das cores, sempre buscando
resultados suaves. Um dos exemplos de sua
administrativo. Cada sala de espera recebeu uma coleção de
Álbum CAMINHO. I - Aurora; II Manhã; III- Dia;
maturidade inventiva é o Painel do Itamaraty, feito para
de arte para os gabinetes e espaços de trabalho do bloco
Sem título, 1973. Serigrafia;
o Ministério das Relações Exteriores, em Brasília.
Um aspecto pouco conhecido deste projeto é a coleção de obras
7103, 1971. Xilogravura;
1968. Xilogravura; Palácio Itamaraty.
encomendas de obras para integrar as estruturas e os interiores do Em 1967, quando terminaram as obras do Palácio do
Itamaraty, destinado a abrigar o ministério que ainda
Políptico do Itamaraty. I, II, III, IV, V, VI e VII,

dobra 1
melhores criadores brasileiros, muitos dos quais receberam
funcionava no Rio de Janeiro, o embaixador Wladimir
Sem título, 1961. Xilogravura; de um extraordinário esforço colaborativo que mobilizou os
do Ministério das Relações Exteriores na nova capital foi o resultado Murtinho procurou a artista. A ideia era complementar o
Obras incluídas na exposição: Mais do que qualquer obra de Oscar Niemeyer, o projeto da sede acervo de obras brasileiras do palácio do Rio com
outras aquisições para o prédio construído em Brasília.
dobra 2 Murtinho estava interessado em comprar seis gravuras
de Fayga para compor as paredes de uma sala dedica-
Amanhecer, Manhã, Dia, Tarde, da a ela – àquela altura uma artista reconhecida inter-
dobra 3 Crepúsculo e Noite. 1974. Serigrafia nacionalmente, contemplada em 1957 com o grande
prêmio em gravura na Bienal de São Paulo e em 1958
na Bienal de Veneza.
No conjunto das litografias, outra possibilidade imagi-
nativa explorada por Fayga Ostrower, emergem paisa- Diante da rara oportunidade de ter uma exposição
gens imaginárias. exclusiva e permanente em lugar de circulação de
intelectuais e personalidades interessados na cultura
Experimenta-se uma sensação de ausência de esforço artística do Brasil, Fayga fez uma contraproposta: em
pois suas formas resultam da suavidade dos gestos vez de juntar seis gravuras diferentes, ela faria uma
precisos. Áreas de transparências comparecem como obra especialmente para a sala. Pensou em criar várias
o vocabulário expressivo da gravuras que se relacionassem visualmente por suas
revelação de um clima de cores e formas, e que funcionassem como uma espé-
poesia e de lirismo no qual cie de painel. Precisou de nove meses e meio, em
se desdobram. regime de dedicação exclusiva, para concluí-lo. O

8024, 1980.
resultado foi uma série de trinta painéis.
Evocam o tempo vivo e
original – perpetuamente se Ao voltar para buscar as obras, Wladimir Murtinho
recriando. O espaço flui por surpreendeu-se ao ver uma pilha de gravuras coloca-
entre as formas diáfanas e sinuosidades, em toques das à parte, em um canto do ateliê da artista. Eram
certeiros da artista, que promovem avanços e recuos, soluções abandonadas pela autora e que, por isso
expansão e contenção. Suas paisagens poéticas reve- mesmo, podiam revelar como se dera aquele processo
lam-se em relações espaço temporais. criativo. O embaixador propôs-lhe, então, realizar uma
exposição didática, na qual ela pudesse apresentar o
Sua presença dentro do abstracionismo conjunto abandonado juntamente com o painel pronto.
no Brasil é das maiores. Estruturando De junho a julho de 1968, a proposta concretizou-se em

Fayga transparências e organizando


magicamente o aparente caos, exerceu
uma exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro, onde o público pôde compreender de maneira
mais concreta os interesses que conduziram Fayga na
entre cores uma progressão de ordem musical, com
composição definitiva do Painel do Itamaraty.
suas memórias da paisagem interior.
e transparências Walmir Ayala, 1989
Por causa dessa exposição, considerada pela crítica Até 1953, sua obra preocupara-se em desvelar o drama o espectador talvez estranhe o longo tempo de sustentar uma movimentação constante em variações
especializada a melhor daquele ano, a artista recebeu humano diário com uma temática voltada para a pobreza, elaboração para êste painel. acontece, porém, que no ou inversões, afim de ligar o painel rítmicamente de
o prêmio Golfinho de Ouro, conferido pelo Conselho maternidades sofridas e acolhedoras, crianças de morro, decorrer do trabalho, isto é, partindo de uma idéia inicial ponta a ponta. procurei esta linha motriz, que talvez não
Estadual de Cultura do Rio de Janeiro, e uma quantia ambientes de subúrbio – conteúdo de caráter social, e procurando ampliar e definí-la, apresentaram-se poderia ter sido outra diante das decisões já tomadas,
em dinheiro. Em 1970, o painel feito para o Ministério comum aos pintores e gravadores dos anos 40. O Painel tantas opções, e das mais fascinantes, que me senti também dentro da diagonal.
das Relações Exteriores proporcionou à artista mais do Itamaraty corresponde a um momento privilegiado da obrigada a experimentá-las extensivamente antes de
uma distinção, desta vez junto à Organização das arte de Fayga na tendência da abstração. Através das aceitar ou abandoná-las. de fato, diante desta multitude comecei então a elaborar os vários problemas, quer
Nações Unidas. Na comemoração dos 25 anos da finas camadas de cor, dos ritmos criados pelas formas, inesperada de possibilidades, a elaboração interna se dizer comecei a trabalhar nas gravuras individuais,
instituição, cada país que integrava a entidade ofere- do tratamento do espaço gravado e da técnica da prolongou por muito mais tempo do que, ao empreender cortando as matrizes e tirando as primeiras provas, e aí
ceu-lhe uma obra de presente. O governo brasileiro xilogravura, a artista vai além das aparências do mundo o trabalho, eu tinha previsto. me deparei com a tarefa mais grave : como terminar
escolheu o Painel do Itamaraty e encomendou a Fayga visível. Como singularidade de sua gravura, a composi- cada gravura em si e, no entanto, fazer com que elas
outra cópia da obra. ção nasce colorida e uma leveza se afirma através da quando o itamaraty me pediu várias gravuras, com o crescessem entre si, pois queria que constituíssem
exploração de tramas delicadas e complexas das textu- dado adicional de que seriam colocadas como conjunto soluções independentes e transições ao mesmo tempo.
O painel constitui uma síntese das preocupações de ras que a impressão sobre a madeira possibilita. separado em uma de suas salas de recepção no novo o que mais me custou foi exatamente êste ponto, foi
Fayga Ostrower. Ela estrutura o espaço a gravar com palácio em brasília, imediatamente veio-me à mente a manter diante de mim a visão do conjunto e não apenas
diáfanas camadas de cor e pesquisa ritmos em planos Com Fayga Ostrower, a xilogravura ganhava outra imagem uma série. seriam gravuras individuais, considerar gravuras isoladas. as 60 versões aqui
de transparência que se interpenetram e provocam um dimensão artística. Trabalhando com a matriz de madei- independentes, porém interligadas por côres e rítmos expostas representam uma parte das soluções que
contínuo buscar de imagens – que ra, ela criou uma verdadeira sinfonia das cores, o que que, em conjunto, poderiam funcionar como uma surgiam – só em provas de trabalho devo ter
se organizam, se desfazem, se movem, gerando outras era inusitado se considerarmos a tradição desta técnica espécie de políptico. tôda vez que pensava nela, esta ultrapassado a tiragem final do painel.
formações. Há um dinamismo na evocação das entre nós, tendo como seu grande representante Goeldi idéia ganhava em lógica e ressonâncias emotivas. por
imagens, resultando em um verdadeiro exercício para (1895-1961), mestre dos contrastes do preto e branco. fim, envolvia minha imaginação de modo tão total, enquanto algumas partes do conjunto ràpidamente se
o olhar. A gravura de Fayga, artista autodidata, resultou inicial- absorvendo pensa- encaminhavam para uma solução definitiva, outras me
mente da admiração pela gravadora alemã Käthe [...] a obra dela tem mentos, emoções, detiveram porque, por menores que fôssem as alterações
Na abstração sensível valoriza-se a criação de formas Kolwitz (1867-1945) e seu entendimento do papel da organização sem recordações de necessárias para melhor ajustar sua forma ou côr, ou
imaginadas livremente pelo artista, que se serve de sua arte inserido no plano existencial de transformações perder o seu caráter experiências artesa- apenas a consistência da côr em opaci-dade ou
intuição para compor e estruturar o trabalho. sociais; outra influência foi ado pintor francês Paul lírico. A gravura de nais e formais ainda
recentemente feitas,
transparência, exigiam uma série de alterações
Este jogo de formas Cézanne (1839-1906). Fayga segue o legado deste
livres foi levado a [...] a importância artista, realizando composições ordenadas e estrutura-
Fayga foi sempre um que, por assim subseqüentes nas outras gravuras, afim de reestabelecer o
equilíbrio total do conjunto, e principalmente a sua
cabo por Fayga e do trabalho dela na das pela cor, na compreensão de que a arte é uma elemento de reflexão. dizer, acabou crian- dinâmica. muitas versões excluí com uma pena imensa ;
outros artistas nos linguagem abstrata linguagem específica, um campo próprio de investiga- do vida própria. uma considero-as boas gravuras. porém, não levavam o
anos 60. Desde a é exatamente o de ção do homem. Frederico Morais ,1989. vida pela qual eu conjunto adiante, ou porque não cresciam
década anterior, a era responsável,
uma artista que, como se estivesse esperando um filho meu. pode parecer
suficientemente, ou porque já formulavam um clímax
gravura atraía
interesse no Rio de
desde o começo, exagêro, mas é verdade que durante mêses eu só
antecipado, ou então ainda, porque de repente se
tornavam demais autônomas para poder integrar-se
Janeiro, onde foram buscou no seu comia, sonhava, dormia, ou não dormia, em função num contexto, a esta altura já mais ou menos definido.
criados vários trabalho fundar dêste painel e dos problemas que dia a dia se me
ateliês para o ensino significação da apresentavam. pois, à medida que os dias se somavam, o que eu almejava era alcanças unidade e diversidade
de suas técnicas. A nova linguagem. para finalmente acumular-se nos 7 mêses, o trabalho se ao mesmo tempo, como se estivesse tratando de um
Escola Nacional de tornava mais fascinante e mais tenso. sem me dar tema com variações, mas também queria que o
Belas Artes, o conta, eu tinha embarcado numa perfeita aventura, na começo, desenvolvimento e fim se sustentassem
Instituto Municipal
Ferreira Gullar, 1989 Políptico do Itamaraty, 1968. Xilogravura
busca de algo que ainda era desconhecido, me mùtuamente. nisto buscava chegar ao momento exato
de Artes, o Museu de Arte Moderna e a Escolinha de Foi inédita a utilização da escala monumental para um escapava, embora ao mesmo tempo seu alvo onde a expansão do espaço articulado pudesse
Arte do Brasil foram responsáveis por esse trabalho de trabalho em xilogravura. Incluindo as margens de cada parecesse tão próximo, quase ao alcance de minha plenamente identificar-se com o próprio formato do
divulgação e expansão da gravura, compreendida não uma das pranchas, o painel tem 1,04m de altura por mão. quase. mas se muitos daquêles dias terminavam painel. não deveria ser maior, nem menor. prever êste
só como uma técnica multiplicadora de imagens, mas 2,80m de largura. A obra de Fayga invade o ambiente com um sentido de profunda frustração, é verdade momento me era impossível, só poderia reconhecê-lo
também como um instrumento para a criação artística. do observador. A dominante vertical das sete pranchas, também que, nessa tensão contínua e na emoção que quando porventura chegasse. surgiria então a minha
Fayga desempenhou papel central nesse contexto, com o espaço gravado em transições suaves das cores apesar de tudo se renovava, vim a aprender muito. foi, última opção dentro do trabalho de composição. até aí,
produzindo suas obras e escrevendo sobre os princí- em transparências, favorece a ideia de transcendência, sem dúvida, além de outras, uma experiência é claro, cada passo que dava, me propunha opções
pios da arte abstrata. Em seu livro Acasos e Criação de espiritualidade. O painel foi estruturado a partir do maravilhosa de aprendizado. semelhantes procurei julgar os resultados com tôda
Artística (1990), dedica-se a analisar e a dimensionar a entrelaçamento de diagonais, numa audácia cromática minha capacidade emotiva e intelectual, pos me senti, e
questão do acaso, elemento fundamental para a de vermelhos e alaranjados. Mesmo utilizando cores a imagem que, embora vagamente, desde o início havia sinto-me, profundamente envolvida.
abstração expressiva, cujas obras estruturam-se quentes, a artista alcança uma leveza desconcertante. se formado dentro de mim e que me guiava em sua
também a partir de certos achados propiciadores de procura, foi a de um largo espaço constante, se realizei êste momento final, só o espectador poderá
sua criação. A uma prática intensa Fayga integrava As formas criam um movimento no espaço gravado que desdobrando-se através de transparências e côres dizer. eu mesma ainda não consegui desligar-me por
uma profunda reflexão sobre a arte. provoca o espectador, sendo preciso atravessar com o luminosas. mas como articular uma área destas, completo de tantas outras possibilidades que também
olhar as múltiplas camadas de cor superpostas, o que monumental para a gravura, principalmente levando-se passaram a existir – necessitaria de um recuo temporal
Naqueles anos muitos artistas do Rio e de São Paulo gera o sentido de algo sempre em mutação, no ritmo do em conta seu caráter íntimo e seus meios técnicos maior afim de poder julgar o trabalho feito, não como
exploraram a abstração, tanto a partir de soluções próprio observador. À sua maneira, Fayga cria um fluxo restritos? parti para as primeiras opções: uma autor, mas como apreciador.
ligadas à geometria e à racionalização da composição constante de imagens ao qual o espectador vai aderin- composição que deveria basear-se em diagonais e
quanto à abstração sensível, baseada na liberdade do, sendo levado a um mundo de poesia, a uma atmos- contra-diagonais, bem como numa escala colorística
onde dominariam côres quentes, laranjas e vermelhos, Texto de Fayga Ostrower para o catálogo da
individual e na imaginação como princípios organiza- fera imaterial. A um lugar onde talvez estivesse aquilo
exposição de apresentação do Políptico do
dores das formas. Ao optar pela segunda via, Fayga que ela sempre perseguia: “uma beleza não sei qual, que por fim poderiam contrapôr-se à côr de prata. e
Itamaraty e dos estudos feitos para chegar ao
construiu em suas gravuras uma visão lírica do mundo. uma beleza, a beleza”. ainda, concomitantemente, uma tessitura gráfica conjunto definitivo. MAM, Rio de Janeiro, junho
servindo como espécie de fio melódico capaz de de 1968. Foi mantida a grafia original.

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