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Bases psíquicas e culturais da morte, perda e luto

1. Identifique as ideias principais dos Caps. III e IV (A morte do outro e A


morte interdita) do livro História da morte no ocidente.

III. Morte do outro

O autor começa o capitulo identificando as principais atitudes mediante a morte


expressas nos capítulos anteriores, sendo a primeiro referente a uma época
mais antiga. É a atitude de resignação diante da morte, aceitação do fato de
que todos morrem. A segunda, atitude, que nasce no século XII, refere-se a
importância da própria existência e seria o que o autor chama de: a morte de si
mesmo.

No século XVIII, a morte ganha um sentido novo. Segundo o autor “Exalta-a,


dramatiza-a, deseja-a impressionante e arrebatadora.” P. 66, o homem passa a
se ocupa menos de sua própria morte, tendo como importância e a partir de
então surge nos séculos XIX e XX, um culto aos túmulos e cemitérios.

No final do século Xv até o século XVI os temas da morte possuem um certo


sentido erótico. “Do século XVI ao XVIII, cenas ou motivos inumeráveis, na arte
e na literatura, associam a morte ao amor. Tânatos a Eros - temas erótico-
macabros ou temas simplesmente mórbidos, que testemunham uma extrema
complacência para com os espetáculos da morte, do sofrimento, dos suplícios.”
P. 67.

No século XII a morte era mais particular, familiar e domada. Mas houve uma
ruptura que passou pelas fantasias eróticas. E pelo mundo dos fatos reais.
Desta forma perdendo seu caráter erótico e reduzidos à Beleza. A morte não
mais era desejável, e sim, admirada por sua beleza: denominada morte
romântica.

Antes a morte do outro era esperada, solene e naturalmente vista. Já no século


XIX, a morte do outro se tornou um momento de dor, angustia, a solenidade
deu lugar a dramaticidade. “Naturalmente, a expressão da dor dos
sobreviventes é devida a uma intolerância nova com a separação. Mas não é
somente diante da cabeceira dos agonizantes e da lembrança dos
desaparecidos que se fica perturbado. A simples ideia da morte comove.” P.
69.

“A grande mudança que surge no fim do século XVIII e que se tornou um dos
traços do Romantismo: a complacência para com a ideia da morte.” P. 70.

“A segunda grande mudança refere-se à relação entre o moribundo e sua


família.” P. 70.

“O testamento foi o meio para cada indivíduo exprimir, frequentemente de


modo muito pessoal, seus pensamentos profundos, sua fé religiosa, seu apego
às coisas, aos seres que amava, a Deus, bem como as decisões que havia
tomado para assegurar a salvação de sua alma e o repouso de seu corpo.” P.
71.

Comentário; O testamento era como se fosse um resumo de todas as boas


ações que o morto realizou, como uma espécie de legado que ele deixou.

“O testamento foi então, completamente laicizado no século XVIII. Como


explicar esse fenômeno? Pensou-se (e esta é a tese de M. Vovelle) que essa
laicização era um dos sinais da descristianização da sociedade.” P. 72

“Aproximadamente desde o século XII, o luto excessivo da Alta Idade Média


efetivamente ritualizou-se. Começava apenas após a constatação da morte e
traduzia-se por uma indumentária, por hábitos e por uma duração fixados com
precisão pelo costume.” P. 73

“Assim, do fim da Idade Média ao século XVIII, o luto possuía uma dupla
finalidade. Por um lado, induzia a família do defunto a manifestar, pelo menos
durante um certo tempo, uma dor que nem sempre experimentava. Esse
período podia ser reduzido ao mínimo por um novo casamento precipitado,
mas nunca era abolido. Por outro lado, o luto tinha também o efeito de
defender o sobrevivente, sinceramente submetido à provação, contra os
excessos da dor, pois impunha-lhe um certo tipo de vida social, as visitas de
parentes, vizinhos e amigos que lhe eram feitas e no decorrer das quais a dor
podia ser liberada sem que sua expressão ultrapassasse, entretanto, um limite
fixado pelas conveniências.” P. 73

“No século XIX esse limite não mais foi respeitado, o luto sedes enrola com
ostentação além do usual. Simulou até não estar obedecendo a uma obrigação
mundana e será expressão mais espontânea e mais insuperável de uma
gravíssima dor; chora-se, desmaia-se, desfalece-se e jejua-se como outrora os
companheiros de Roland ou de Lancelot. É como um retorno às formas
excessivas e espontâneas- ao menos na aparência – da Alta Idade Média,
após sete séculos de sobriedade.” P. 73

“Esse exagero do luto no século XIX tem um significado: os sobreviventes


aceitam com mais dificuldade a morte do outro do que o faziam anteriormente.
A morte temida não é mais a própria morte, mas a do outro. Esse sentimento é
a origem do culto moderno dos túmulos e dos cemitérios.” P. 73 – 74

“O acúmulo local dos mortos nas igrejas, ou nos pátios das mesmas, tornou-se
repentinamente intolerável ao menos para os espíritos "esclarecidos" da
década de 1760. Aquilo que durava há quase um milênio sem provocar reserva
alguma já não era suportado e se tornava objeto de críticas veementes.” P. 76.

Comentário: passou-se a se preocupar com questões higiênicas e de saúde,


devido ao mal cheiro, e contaminação dos cadáveres, muitos passaram a
enxergar isso como desonra aos mortos.

“Os mortos não mais deviam envenenar os vivos, e os vivos deviam


testemunhar aos mortos, através de um verdadeiro culto leigo, sua veneração.
Os túmulos tornavam-se o signo de sua presença para além da morte.” P. 76.

“Agora, queria-se não só que se voltasse ao lugar exato onde o corpo havia
sido colocado, mas também que esse lugar pertencesse, como propriedade
exclusiva, ao defunto e a sua família. Foi então que a concessão da sepultura
se tornou uma certa forma de propriedade, subtraída ao comércio, mas com
perpetuidade assegurada. Foi uma grande inovação. Vai-se, então, visitar o
túmulo de um ente querido como se vai à casa de um parente ou a uma casa
própria, cheia de recordações. A recordação confere ao morto uma espécie de
imortalidade, estranha ao começo do Cristianismo.” P. 76.
Comentário: Como se a sepultura fosse sua última morada e por isso se
enfeitava, quanto mais arrumada a sepultura mais importante o morto e mais
cuidadosa a família, que fica encarregada de sua manutenção, além das
visitas.

“Assim, o cemitério retomou um lugar na cidade, lugar ao mesmo tempo físico


e moral, que havia perdido no início da Idade Média, mas que havia ocupado
durante a Antiguidade.” P. 78

IV. A morte interdita

O autor começa falando de como ocorreram mudanças em relação a atitude


diante da morte, ao longo dos séculos estudados e que tais mudanças por
serem gradativas são quase imperceptíveis para os contemporâneos.

“A morte, tão presente no passado, de tão familiar, vai se apagar e


desaparecer. Torna-se vergonhosa e objeto de interdição”. P. 84

“Sem dúvida, encontramos, na origem, um sentimento já expresso na segunda


metade do século XIX: aqueles que cercam o moribundo tendem a poupá-lo e
a ocultar-lhe a gravidade de seu estado.” P. 85

‘Em suma, a verdade começa a ser problemática. A primeira motivação da


mentira foi o desejo de poupar o enfermo de assumir sua provação. Porém,
bem cedo esse sentimento, cuja origem conhecemos (a intolerância com a
morte do outro e a nova confiança do moribundo nos que o cercam), foi
superado por um sentimento diferente, característico da modernidade: evitar
não mais ao moribundo, mas à sociedade, mesmo aos que o cercam, a
perturbação e a emoção excessivamente fortes, insuportáveis, causadas pela
fealdade da agonia e pela simples presença da morte em plena vida feliz, pois,
a partir de então, admite-se que a vida é sempre feliz, ou deve sempre
aparentá-lo.” P. 85

“Entre 1930 e 1950, a evolução vai se precipitar. Esta aceleração é devida a


um fenômeno material importante: o deslocamento do lugar da morte. Já não
se morre em casa, em meio aos seus, mas sim no hospital, sozinho. Morre-se
no hospital porque este tornou-se o local onde se presta os cuidados que já
não se podem prestar em casa.” P. 85 – 86

“Antigamente era o asilo dos miseráveis e dos peregrinos; primeiro tornou-se


um centro médico, onde se cura e onde se luta contra a morte. Continua tendo
essa função curativa, mas começa-se também a considerar um certo tipo de
hospital como o lugar privilegiado da morte. Morre-se no hospital porque os
médicos não conseguiram curar. Vamos ao hospital não mais para sermos
curados, mais precisamente para morrer.” P. 86

“A morte no hospital não é mais ocasião de uma cerimônia ritualística presidida


pelo moribundo em meio à assembleia de seus parentes e amigos, a qual
tantas vezes mencionamos. A morte é um fenômeno técnico causado pela
parada dos cuidados, ou seja, de maneira mais ou menos declarada, por
decisão do médico e da equipe hospitalar. Inclusive, na maioria dos casos, há
muito o moribundo perdeu a consciência. A morte foi dividida, parcelada numa
série de pequenas etapas dentre as quais, definitivamente, não se sabe qual a
verdadeira morte, aquela em que se perdeu a consciência ou aquela em que se
perdeu a respiração...Todas essas pequenas mortes silenciosas substituíram e
apagaram a grande ação dramática da morte, e ninguém mais tem forças ou
paciência de esperar durante semanas um momento que perdeu parte de seu
sentido.” P. 86

“A cremação exclui a peregrinação.” P. 88

Comentário: É verdade que a cremação substitui a peregrinação, a ida


constante aos. Entretanto, muitas pessoas guardam urnas com as cinzas de
seus entes queridos em casa, como uma forma de manter aquele que se foi
por perto, como se uma parte da pessoa não tivesse ido embora.

“Estaríamos enganados do princípio ao fim se atribuíssemos essa fuga diante


da morte a uma indiferença em relação aos mortos. Na realidade, o contrário é
que é verdadeiro.” P. 88

“inglês Geoffrey Gorer" que mostrou como a morte tornou-se um tabu e como,
no século XX, substituiu o sexo como principal interdito. Antigamente, dizia-se
às crianças que se nascia dentro de um repolho, mas elas assistiam à grande
cena das despedidas, à cabeceira do moribundo. Hoje, são iniciadas desde a
mais tenra idade na fisiologia do amor, mas quando não veem mais o avô e se
surpreendem, alguém lhes diz que ele repousa num belo jardim por entre as
flores”. P. 89

Comentário: A morte se tornou um tabu, motivo de dor e sofrimento, afastar as


crianças dela, é poupa-la dessa dor. Sobre o fato de hoje ser mais permitido
falar sobre sexualidade do que morte, não sei se é tão natural assim, acho que
ambos assuntos são grandes tabus da nossa sociedade. tem-se a ideia de
preservar a inocência da criança.

“Uma causalidade imediata aparece prontamente: a necessidade da felicidade,


o dever moral e a obrigação social de contribuir para a felicidade coletiva,
evitando toda causa de tristeza ou de aborrecimento, mantendo um ar de estar
sempre feliz, mesmo se estamos no fundo da depressão. Demonstrando algum
sinal de tristeza, peca-se contra a felicidade, que é posta em questão, e a
sociedade arrisca-se, então, a perder sua razão de ser.”

“Uma causalidade imediata aparece prontamente: a necessidade da felicidade,


o dever moral e a obrigação social de contribuir para a felicidade coletiva,
evitando toda causa de tristeza ou de aborrecimento, mantendo um ar de estar
sempre feliz, mesmo se estamos no fundo da depressão. Demonstrando algum
sinal de tristeza, peca-se contra a felicidade, que é posta em questão, e a
sociedade arrisca-se, então, a perder sua razão de ser.” P.89

Comentário: A morte que antes era encarada com naturalidade, se tornou um


tabu, porque as pessoas estão constantemente a procura da felicidade, a
tristeza e sofrimento são sentimentos que constantemente tentamos reprimir.
Acho que por isso a depressão é um dos grandes males do século XXI, porque
quando a pessoa não encontra a felicidade ela acaba se sentindo frustrada e
se deprimindo, evitando pedir ajuda porque não quer demonstrar fraqueza e
falar de sua dor. Existe a ideia de um dever moral de ser feliz e se você não é,
a culpa é sua, deve tá fazendo alguma coisa errada.

“Não podemos nos impedir de pensar que esta preferência, reconhecida há


algum tempo pelo embalsamamento, tenha um sentido, mesmo que este seja
difícil de interpretar. Este sentido poderia realmente ser o de uma certa recusa
em admitir a morte, seja como um fim familiar ao qual se está resignado, seja
como um signo dramático à maneira romântica. Este sentido vai se tornar mais
aparente à medida que a morte se vai tomando objeto de comércio e lucro. Não
se vende bem o que não tem valor por ser demasiado familiar e comum, nem o
que provoca medo, horror ou sofrimento. Para vender a morte, é preciso torná-
la atraente, mas pode-se admitir que os funerais directors, novo nome dos
undertakers a partir de 1885, não teriam obtido sucesso sem uma certa
cumplicidade da opinião pública. Apresentam-se não como meros vendedores
de serviço, mas como doctors ofgriej, que têm uma missão, assim como os
médicos e os padres; esta missão consiste, desde o começo do século, em
ajudar os sobreviventes enlutados a voltar à vida normal.” P. 94

Comentário: É possível fazer uma comparação do embalsamento de antes com


o empalhamento de animais de estimação, que também é uma forma de não
aceitar a morte do seu bichinho, além de também ser uma comercialização da
morte, pois ser empalhador já é considerada uma profissão, sem falar no fato
de animais empalhados, serem usados como objetos decorativos.

“Portanto, o luto não é mais um tempo necessário e cujo respeito a sociedade


impõe: tornou-se um estado mórbido que deve ser tratado, abreviado e
apagado.” P. 94

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