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Carla Aparecida Arena Ventura

Emanuele Seicenti de Brito


Gustavo D’Andrea
(Organizadores)

PANDEMIA, DIREITOS HUMANOS E VULNERABILIDADE


SOCIAL

Série CEDiHuS: Saúde e Direito


Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

INFORMAÇÕES EDITORIAIS

© 2021 by Carla Aparecida Arena Ventura et al.

E-mail para contato com os organizadores: gustavo.dandrea@fvm.edu.br

Capa: Carla Cristina Barizza


Serviço de Criação e Produção Multimídia
Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP/USP)
Imagens gratuitas: www.pixabay.com/pt (Licença Creative Commons CC0).

ISBN: 978-65-996341-0-9.

Publicado por: VOLPE MIELE, Ribeirão Preto-SP


https://www.fvm.edu.br
Ano da publicação: 2021

Conselho Editorial

Profa. Dra. Isabel Amélia da Costa Mendes (USP)


Profa. Dra. Marciana Moll Fernandes (UNIUBE)
Profa. Dra. Jete Jane Fiorati (UNESP)
Prof. Dr. José Carlos de Oliveira (UNESP)
Prof. Dr. Thiago Lemos Possas (FESL)
Profa. Dra. Jeniffer Sati Pereira (IPEBJ)
Profa. Dra. Ariadne Andrade Costa (UFJ)

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

“Os flagelos, na verdade, são uma


coisa comum, mas é difícil
acreditar neles quando se abatem
sobre nós. Houve no mundo
tantas pestes quanto guerras. E
contudo, as pestes, como as
guerras, encontram sempre as
pessoas igualmente
desprevenidas”.

Albert Camus, A peste.

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

APRESENTAÇÃO
O avassalador acontecimento histórico da disseminação do “novo
Coronavírus” SARS- Cov-2 (COVID-19), monopoliza a pauta mundial, sendo
escopo de estudo sob diversos campos da ciência. A feição de tal fenômeno,
absolutamente inesperado, grave e exponencial, impôs, aos países afetados, a
necessária adoção de medidas sanitárias, econômicas, políticas e jurídicas de
enfrentamento.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos visando mitigar as
desigualdades sociais no âmbito da saúde, bem como, as deletérias formas de
exclusão asseveradas durante este período, aprovou resoluções em prol de
prerrogativas fundamentais nas Américas, estabelecendo padrões e
recomendações, com a convicção de que as medidas adotadas pelos Estados na
atenção e contenção da pandemia devem ter como centro o pleno respeito aos
direitos humanos
A partir das discussões sobre tais resoluções, o Grupo de Estudos e
Pesquisas em Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento
(GEPESADES), realizou trabalhos notáveis que clarificam, com profundidade
teórica e vetor prático, a premencia da incorporação dos direitos humanos na luta
contra a COVID-19 pela gramática do direito fundamental à saúde.

Assim sendo, o presente livro está dividido em quatro partes. As três


primeiras partes abarcam temas vinculados ao reconhecimento, redistribuição e
representação de direitos humanos fundamentais previstos nas resoluções da
CIDH, partindo de perscpetivas como o constitucionalismo, concepções de
direitos humanos, judicialização da saúde e justiça social em tempos pandemicos.
Divindindo-se nos seguintes temas: I. Estados de exceção, liberdades
fundamentais e Estado de Direito; II. O direito humano à saúde e outros DESCA
(direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais) no contexto das pandemias;
e III. Grupos em situação de especial vulnerabilidade. A parte 4 é dedicada ao
assunto que tem sido a principal linha de pesquisa do GEPESADES em seus 10
anos de existência: direitos humanos, vulnerabilidade e Saúde Mental; tratando
de temas articulados sobre uma base interdisciplinar que envolve o binômio
saúde mental e garantia de direitos fundamentais.

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Por fim, os trabalhos organizados visam trazer ao leitor novas perspectivas


e questionamentos concernentes ao combate à pandemia através da constante
reafirmação dos direitos humanos. Este desejo norteia-se pela necessidade de
avanços contra a COVID-19 e contra as iniquidades por ela asseveradas,
almejando consensos em prol de direitos e emancipação social.
Boa leitura!

Emanuele Seicenti de Brito

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

SOBRE OS AUTORES
Aline Cristina Castellane Arena. Graduada em Enfermagem pela UNIP/RP.
Especialista em Estratégia de Saúde da Família pela UNIFESP e Especialista em
Administração Hospitalar pela UNIP/RP.

Ana Beatriz Zanardo Mion. Enfermeira, Mestranda em Ciências pelo


Programa de Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP). Membro do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento
(GEPESADES).

Anna Maria Meyer Maciel. Enfermeira, Especialista em Enfermagem em


Saúde Pública, Mestre e Doutora em Ciências pelo Programa de Enfermagem em
Saúde Pública da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo.

Arthur Luís Barbosa Martins. Graduando em Enfermagem pela Escola de


Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP).
Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem, Saúde Global,
Direito e Desenvolvimento (GEPESADES).

Brenda Alice Andrade Vidigal, Mestranda em Ciências na Escola de


enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Graduada em
enfermagem pela Universidade do Estado do Amazonas.

Bruno de Paula Checchia Liporaci. Mestre em Ciências pelo Programa de


pós-graduação em Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto EERP/USP. Especialista em Direitos Humanos pela Faculdade de
Direito de Ribeirão Preto (USP). Aperfeiçoamento em Bioética Clínica e Social
pela Redbioética - UNESCO. Especialista em Gestão Pública pela FAPP/ UEMG.
Graduado em Direito. Graduado em Serviço Social. Membro do Grupo de Estudos
e Pesquisas em Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento
(GEPESADES).

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Bruno H. Longo da Silva. Psicólogo Clínico e Institucional. Especialização em


Saúde Mental pela Universidade de Ribeirão Preto – UNAERP. Membro do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem, Saúde Global, Direito e
Desenvolvimento (GEPESADES).

Camila Museti, Doutoranda em psicologia pela FFCL USP-Ribeirão Preto.


Mestre em desenvolvimento regional pelo Uni-FACEF (Franca-SP). Especialista
em direito do trabalho pela Unhaguera-Uniderp. Docente na graduação do curso
de Direito da Faculdade de Educação e Meio Ambiente (FAEMA). Advogada.

Carla Aparecida Arena Ventura. Professora Titular do Departamento de


Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas. Líder do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento
(GEPESADES) e Coordenadora do Centro de Educação em Direitos Humanos e
Saúde (CEDiHuS).

Carla Regina de Souza Teixeira. Enfermeira. Professora Associada junto ao


Departamento De Enfermagem Geral e Especializada da Escola de Enfermagem
de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP).

Emanuele Seicenti de Brito. Mestre e Doutora em Ciências. Professora


Colaboradora da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo (EERP/USP). Professora Substituta da Universidade Federal do
Amazonas (UFAM).

Felicialle Pereira da Silva. Enfermeira. Professora Adjunta da Universidade


de Pernambuco. Mestre em Enfermagem e Doutora em Neuropsiquiatria e
Ciências do Comportamento (UFPE). Pós doutoranda em Enfermagem
Psiquiátrica (EERP/USP). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento (GEPESADES) e do
Grupo de Estudos e Pesquisa Enfermagem na Promoção à Saúde de Populações
Vulneráveis (GEPEV).

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Flávia Souza Peret Paulino. Graduanda em Enfermagem pela Escola de


Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP/USP).
Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem, Saúde Global,
Direito e Desenvolvimento (GEPESADES).

Francinele Valdivino. Advogada e coordenadora de compliance, graduada em


Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais, unidade Frutal/MG.
Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade Estácio de Sá. Pós graduanda
em Direito Digital e Compliance pela Escola Brasileira de Direito (Ebradi).
Técnica em gestão de empresas pela escola TecnoSert.

Gisele Cristine de Oliveira. Professora, Pedagoga pela Instituição


Anhanguera Educacional, Pós-graduada em Psicopedagogia pela Faculdade São
Luís, Licenciatura em Letras com Habilitação em Português e Inglês pelas
Faculdades Integradas de Ariquemes, Graduanda em Direito pela Estácio
Ribeirão Preto.

Gustavo D’Andrea. Advogado. Mestre e Doutor em Ciências (USP). Docente


na Universidade Paulista (UNIP). Coordenador Acadêmico na Faculdade Volpe
Miele (FVM).

João Batista Caldeira de Oliveira Júnior. Mestre pela Universidade


Estadual Paulista (UNESP). Professor Universitário em Cursos de Graduação e
Pós-Graduação (Direito Público). Analista da Justiça Federal 3º Região.
Professor na Escola Superior de Direito Público (UNITÁ). Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento
(GEPESADES), Grupo Promoção da Saude Usp Ribeirão Preto, grupo Vigostki
estudo das obras Usp Ribeirão Preto.

Juliana Silva Bernardini Gomes. Enfermeira da Prefeitura Municipal de


Ribeirão Preto Bacharel e licenciatura em Enfermagem EERP Especialista em
Saúde Pública com ênfase em saúde da família. Especialista em Coordenação de
Grupo Operativo Pichon Riviere.

Jussara Carvalho dos Santos. Bacharel em Enfermagem pela Faculdade de


Enfermagem da UNICAMP. Especialista em enfermagem em saúde mental e

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

psiquiátrica pela Escola Paulista de Enfermagem da UNIFESP. Mestre e Doutora


pela Escola de Enfermagem da USP. Professora do Departamento de
Enfermagem Materno Infantil e Psiquiátrica da Escola de Enfermagem da USP.
Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem, Saúde Global,
Direito e Desenvolvimento (GEPESADES).

Letícia Olandin Heck Enfermeira, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto


da Universidade de São Paulo (EERP/USP). Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento
(GEPESADES).

Lucas Souza Teixeira. Graduando em direito. Membro do Grupo de Estudos


e Pesquisas em Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento
(GEPESADES).

Maria Luiza dos Santos Barbosa. Graduanda em Licenciatura e Bacharelado


em Enfermagem pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade
de São Paulo (EERP/USP). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento (GEPESADES).

Mariluci Piconez Arena Ventura. Licenciada em Pedagogia pela UNESP


Araraquara. Especialização em AEE (Atendimento Educacional Especializado)
pela Universidade Federal do Ceará. Especialização em Violência Doméstica pelo
LACRI (Laboratório da Criança USP São Paulo).

Marina Liberale. Enfermeira Especialista em Laboratório do Departamento de


Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo. Mestre em Ciências pela Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto/USP. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento (GEPESADES).

Matheus Bottaro Pereira da Silva. Oficial Administrativo do Hospital das


Clínicas da Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto. Bacharel em Direito
pela Universidade Estácio de Sá.

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Michelle Andrea Marcos. Especialista em Direito Público Material pela


Universidade Gama Filho. Graduada em Direito pelo Centro Universitário Moura
Lacerda. Graduada em Letras pela Estácio. Professora de Direito e de Língua
Portuguesa. Advogada.

Milena dos Santos Fortunato. Especialista em Políticas Públicas para a


Socioeducação pela Escola Nacional de Socioeducação (Universidade de
Brasília). Especialista em Educação Para Relações Étnico-Raciais pela
Universidade Federal Fluminense. Especialista em Educação Inclusiva pelo
Centro Universitário Barão de Mauá. Graduada em Pedagogia pelo Centro
Universitário Claretiano. Atua como Agente Socioeducativo na Fundação
CASA/SP. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem, Saúde
Global, Direito e Desenvolvimento (GEPESADES).

Murillo Sapia Gutier. Advogado. Mestre em Direito Público. Professor de


Direito Constitucional e Processual. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas
em Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento (GEPESADES).

Patrícia de Paula Queiroz Bonato. Advogada. Mestra em Direito e


Desenvolvimento pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto (FDRP/USP).
Doutoranda em Ciências na Escola de enfermagem de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (EERP/USP).

Pedro Paulo Fernandes de Aguiar Toneto. Advogado. Mestrando em


Ciências pelo Programa de Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem
de Ribeirão Preto (EERP/USP). Bolsista CAPES pelo PROEX (Programa de
Excelência Acadêmica). Membro do Grupo de Investigação em Reabilitação e
Qualidade de Vida (GIRQ). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em
Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento (GEPESADES).

Rachel Torres Salvatori. Especialista em Regulação de Saúde Suplementar da


Agência Nacional de Saúde Suplementar com atuação na Diretoria de
Fiscalização. Professora da Trevisan Escola de Negócios do curso de MBA em
Gestão da Atenção em Saúde. Professora do Centro Universitário São Camilo do
curso de MBA em Gestão de Planos de Saúde. Especialização em Gestão de

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Sistemas e Serviços de Saúde pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio


Arouca (ENSP-FIOCRUZ). Especialização em Saúde Suplementar pela
Universidade de Brasília (UnB). Doutora em Ciências (EERP/USP). Mestre em
Enfermagem Faculdade de Enfermagem da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UFRJ). Graduação em Enfermagem pela UFRJ. Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento
(GEPESADES).

Rafael Araujo dos Santos. Advogado. Especialista em Direito Processual.


Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Enfermagem, Saúde Global,
Direito e Desenvolvimento (GEPESADES).

Raphael Alves da Silva Enfermeiro, graduado pelo Centro Universitário


Maurício de Nassau (UNINASSAU). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa
Enfermagem na Promoção à Saúde de Populações Vulneráveis (GEPEV).

Rita de Cassia Consule. Advogada. Mestranda em Ciências pelo Programa de


Enfermagem Psiquiátrica da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da
Universidade de São Paulo (EERP/USP). Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Enfermagem, Saúde Global, Direito e Desenvolvimento
(GEPESADES).

Tatiana Reis Pimentel. Enfermeira de Estratégia de Saúde da Família em


Ribeirão Preto/SP. Especialista em Estratégia de Saúde da Família pela UNIFESP
e Especialista em Atenção Domiciliar pela UFSC.

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

SUMÁRIO

5 APRESENTAÇÃO

7 SOBRE OS AUTORES

PARTE 1
Estados de exceção, liberdades fundamentais e Estado de Direito

COVID-19: estado de exceção, legalidade


extraordinária e princípios constitucionais
16 Rafael Araujo dos Santos
Murillo Sapia Gutier
Pedro Paulo Fernandes de Aguiar Tonetto
Emanuele Seicenti de Brito

PARTE 2
O direito humano à saúde e outros direitos econômicos, sociais,
culturais e ambientais no contexto das pandemias

As contradições existentes na judicialização da


saúde para obtenção do direito do cidadão
56 brasileiro em meio a pandemia
Lucas de Souza Teixeira
Carla Regina de Souza Teixeira

Justiça em tempos de pandemia


66 Bruno de Paula Checchia Liporaci
Francinele Valdivino
João Batista Caldeira de Oliveira Júnior

PARTE 3
Direitos Humanos de Grupos em situação de especial
vulnerabilidade durante a pandemia de COVID-19

Reflexões sobre a saúde e direitos da população


84 negra frente à pandemia de COVID-19
Jussara Carvalho dos Santos
Milena dos Santos Fortunato

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Pandemia e população em situação de rua:


98 contexto e políticas
Anna Maria Meyer Maciel
Gustavo D’Andrea

Atuação da enfermagem à população indígena


durante a pandemia de COVID-19 – desafios e
evidências
112 Ana Beatriz Zanardo Mion
Arthur Luís Barbosa Martins
Carla Aparecida Arena Ventura
Letícia Olandin Heck

Vulnerabilidades na Infância e na Adolescência:


legislações, cenários, perspectivas e a pandemia
de COVID-19
Juliana Silva Bernardini Gomes
131 Matheus Bottaro Pereira da Silva
Bruno H. Longo da Silva
Jussara Carvalho dos Santos
Maria Luiza dos Santos Barbosa
Mariluci Piconez Arena Ventura
Marina Liberale

Os reflexos da imunossenescência e da violência


sofrida por idosos brasileiros frente a covid-19
156 Aline Cristina Castellane Arena
Gisele Cristine de Oliveira
Tatiana Reis Pimentel
Rachel Torres Salvatori

Pessoas com deficiência em privação de liberdade


no Brasil e Covid-19
176 Patrícia de Paula Queiroz Bonato
Emanuele Seicenti de Brito
Jussara Carvalho dos Santos
Flávia Souza Peret Paulino

PARTE 4
Direitos Humanos, Vulnerabilidade e Saúde Mental

O direito humano à saúde mental no contexto da


pandemia de COVID-19
197 Ana Beatriz Zanardo Mion
Rita de Cassia Consule
Arthur Luís Barbosa Martins
Bruno de Paula Checchia Liporaci
Carla Aparecida Arena Ventura

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Violência de gênero e saúde mental no contexto da


pandemia da COVID-19
227 Brenda Alice Andrade Vidigal
Camila Museti
Michelle Andrea Marcos

Interfaces da violência e Direitos Humanos na


área psiquiátrica: usuários, família e
243 profissionais de saúde
Felicialle Pereira da Silva
Emanuele Seicenti de Brito
Raphael Alves da Silva

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

COVID-19: estado de exceção, legalidade


extraordinária e princípios constitucionais
Rafael Araujo dos Santos

Murillo Sapia Gutier

Pedro Paulo Fernandes de Aguiar Tonetto

Emanuele Seicenti de Brito

RESUMO

Este capítulo visa, prima facie, empreender uma análise sobre a disseminação
global do Coronavírus e seus desdobramentos políticos, observando no
panorama de ações de confronto da pandemia e se o atendimento de
necessidades foi gerenciado ou não em prol das finalidades instituídas
democraticamente pelo Estado. Isto posto, após detida análise dos contextos
materiais e constitucionais de aplicação, comportamento de Estados de Exceção,
operacionalização e interpretação dos direitos fundamentais, legalidade
extraordinária e teoria dos limites dos limites; far-se-á uma ligação entre os
parâmetros hermenêuticos e a Resolução n.º 1 da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos (CIDH), com a finalidade de estender as reflexões
constitucionais para a realidade pandêmica de toda a população latino-
americana.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais, Princípios Constitucionais, Estado de Exceção,
COVID-19.

INTRODUÇÃO

O fato inarredável da disseminação global do “novo Coronavírus” SARS-


Cov-2 (COVID-19) monopoliza a pauta mundial, sendo escopo de estudos sob
diversos campos da ciência. A feição de tal fenômeno, absolutamente
inesperado, grave e exponencial, impôs, aos países afetados, a necessária
adoção de medidas político-jurídicas, reverberando, principalmente, sobre o
âmbito jurídico de proteção dos vulneráveis. Isto posto, enfatiza-se a importância
do Direito e suas considerações a respeito da condução justa dos rumos
coletivos ante a crise. Preocupação que, invariavelmente, induz o foco de análise
para o estudo de direito constitucional, seus marcos teóricos e implicações

16
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

práticas; ancorando-se em normas nacionais ou internacionais que compõem


(ou podem compor) o bloco de constitucionalidade fundamental.

Tais reflexões requerem direta incidência no âmbito normativo, assim


como das dimensões socioeconômicas, considerando que este estudo almeja
lidar com a diferenciação entre decisões baseadas em necessidades da crise
(legalidade extraordinária) e medidas de exceção discricionárias; clarificando,
por assim dizer, a distinção entre os conceitos de estado de exceção e legalidade
extraordinária. À luz dessa cisão conceitual, questões importantes se configuram
para o ordenamento jurídico e seus operadores ao lidar com a pandemia.
Dúvidas sobre quais as respostas a serem ofertadas ante tantas determinações
dadas pelos profissionais da saúde e não pelo Direito ou como decidir em tempos
de crise sem ferir a base dos direitos fundamentais, são o liame para uma saída
deste momento tão nebuloso.

Buscar-se-á, portanto, refletir a constituição, definindo, em um primeiro


momento - para denunciar o problema jurídico -, o que vem a ser o Estado de
Direito, bem como, a ideia (defendida por alguns juristas) de legalidade por
ocasião excepcional, fazendo um contraponto com a noção de perpetuação do
estado de exceção e como isso afeta a implementação de direitos fundamentais,
notadamente em tempos pandêmicos.

A detecção de excessos na restrição de direitos de liberdade, ora sendo


total para uma parte da população, ora permitido “com cuidados” para outras
pessoas em mesma circunstância, reputa-se oportuna para a demarcação da
estrutura dos direitos fundamentais, a sua consideração como princípios,
delimitando o suporte fático, o conteúdo essencial, o âmbito de proteção dos
direitos e suas restrições no contexto da literatura constitucional e precedentes
do Supremo Tribunal Federal. Para tanto, a teoria alemã “limites dos limites” soa
como importante vetor interpretativo na contenção do poder estatal,
primordialmente no que concerne à natureza do princípio da proporcionalidade,
que visa impedir excessos e insuficiências na implementação de direitos
fundamentais, ensejando um prisma de ressignificação da liberdade enquanto
valor intersubjetivo para a sociedade.

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

À luz dessas perspectivas, far-se-á uma breve revisão doutrinária do


tema, assim como uma análise das decisões da Suprema Corte Brasileira quanto
ao enfrentamento da Covid-19, para, por fim, ante os valores apresentados, urdir
um diálogo de fontes que integre a manifestação jurídica interna e Resoluções
da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, conceituando - em síntese e
de forma não exauriente – uma interlocução possível entre as prerrogativas
internas e externas dos direitos fundamentais na pandemia, norteados por
parâmetros amplamente democráticos e plurais.

2. Aproximação constitucional sobre o tema

Neste breve tópico, será introduzida uma análise das questões


estruturais no enfrentamento de crises constitucionais, em tempos de
anormalidade ou de emergência. Cabe ressaltar que, no presente momento,
uma parcela da doutrina defende que, embora a pandemia seja um evento muito
grave, não estão preenchidos os suportes fáticos para a decretação de Estado
de Defesa ou de Sítio, havendo sim, o que denominam de legalidade
extraordinária. Desta maneira, após apresentação dos elementos constitucionais,
verificar-se-á como foram adotadas as medidas de supressão de direitos
fundamentais e se essas medidas observam o direito essencial da liberdade,
igualdade e proporcionalidade, traçando um paralelo com a noção de Estado de
Exceção.

2.1 O Estado de Direito e a solução formal das crises

A demarcação do que vem a ser o Estado de Direito


contemporaneamente ou Estado Constitucional, deve ser o “ponto de partida” de
qualquer abordagem acerca da teoria dos direitos fundamentais. O estudo do
modelo de Estado “[...] é o produto do desenvolvimento constitucional no atual
momento histórico” (CANOTILHO, 2013), não podendo ser dissociado deste tipo
de análise questões sociais e intersubjetivas, uma vez o claro propósito de traçar
um limite deontológico de atuação e responsabilização estatal. Nesta linha de
ideias, Canotilho enaltece uma visão do verso e anverso sobre o Estado de
Direito, aludindo que este modelo tem em seu âmbito de atuação e limitação, em

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

seu verso aparente, o Direito posto. Ao reverso, o “Estado de Não Direito” é


marcado pela arbitrariedade, com uma racionalidade ditada pelos ocupantes do
poder e não pela Constituição, com o traço marcante da desigualdade e injustiça
na aplicação do “Direito” (CANOTILHO, 1997), disfunção presente no âmbito
jurídico nacional.

Medidas extraordinárias são aquelas tomadas em tempos de crise


(ABBOUD, 2020). Em outras palavras, a decisão tomada é circunstancial,
ocasional, não se estendendo ao “tempo de normalidade”, mas, tendo suas
balizas demarcadas pelo Direito; apanágio presente no verso legítimo do direito.
A exceção, ao contrário, tem por propósito a suspensão do Direito, para substituir
o viés jurídico, por medidas políticas, de força e, não raro, de compadrio; inflexão
presente no direito reverso.

Em um Estado Democrático Constitucional, pressupõe-se que todos os


poderes públicos estão sujeitos à Constituição Federal. Como ressaltado no
estudo do Poder Constituinte, as Constituições Democráticas são mecanismos
de auto vinculação adotados pela soberania popular, visando se proteger de
suas paixões e fraquezas, como Ulisses e as sereias, na Odisseia de Homero
(SARMENTO; SOUZA NETO, 2012)12.

No texto força normativa da Constituição, Konrad Hesse (1991) ressalta


que a Magna Carta não é um texto completo, não abarcando todas as situações
possíveis, obviamente. Nesta linha de raciocínio, defende-se a ideia de que a

1
Elster cita a Odisseia de Homero, em que Ulisses faz viagem de navio e, sendo alertado que
havia duas sereias em uma ilha de rochedos que possuíam um canto irresistível, fazendo com
que atraísse os homens de forma descontrolada e acarretassem sua ruína.
2
Segundo Sarmento-Souza Neto (2012), “Uma conhecida versão desta justificativa é a teoria do
pré-compromisso, bem simbolizada pela história grega de Ulisses e das sereias, contada no
Canto XII da Odisseia de Homero. O barco de Ulisses passaria ao largo da ilha das sereias, cujo
canto é irresistível, levando sempre os marujos a se descontrolarem e a naufragarem. Sabendo
disso, o herói mitológico ordena aos marinheiros que tapem os próprios ouvidos com cera, e que
amarrem os braços dele, Ulisses, ao mastro do navio, para impedir que conduzisse o barco em
direção à ilha (ele não quis que seus ouvidos fossem também tapados, para não se privar do
privilégio de ouvir o canto das sereias). Mas Ulisses, astutamente, antecipa que, ao passar
próximo da ilha, poderia perder o juízo e determinar aos marujos que o soltassem do mastro. Por
isso, ordena aos seus marinheiros, de antemão, que não cedam em nenhuma hipótese àquele
seu comando. Ulisses instituiu um pré-compromisso: ciente das suas paixões e fraquezas futuras,
delas se protegeu”.

19
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Constituição deve estar preparada para momentos de crise, tendo que regular
situações excepcionais, de estado de necessidade que, não raro, acabam por
ocorrer.

Por essas razões, um dos lenitivos iniciais na luta contra o autoritarismo


nacional é o debate sobre o papel da Constituição nas crises e a exclusão de
qualquer maniqueísmo teórico entre vontade social e conteúdo normativo,
aglutinando os “princípios de legitimação do poder e de decisões relativas às
políticas públicas” (SERRANO; BONFIM; SERRANO, 2020, p. 172). A teoria
Constitucional tem apresentado como forma de aplicação da norma a criação de
um modelo integrativo, assim como foi proposto por Rudolf Smend que, em
citação lapidar do consagrado constitucionalista Paulo Bonavides (2007, p. 180),
leciona que deve haver uma integração entre fato e norma. Senão vejamos:

O sentido da Constituição não se volve intencionalmente para as


particularidades, senão para a totalidade do Estado e de seu processo
integrativo, Smend acha que isso não só permite como exige uma
interpretação constitucional flexível e complementar, distinta das
demais interpretações jurídicas, de ordinário, muito menos maleáveis.

Nada obstante, o neo-constitucionalismo tem propugnado, dentre essa


nova realidade, não mais apenas emparelhar o texto constitucional à concepção
de limitação do poder político; mas, para além disso, busca-se a eficácia da
Constituição, retirando do texto seu caráter meramente retórico, passando a dar-
lhe maior eficácia, essencialmente diante da expectativa de concretização dos
direitos fundamentais (BARROSO, 2006).

Este desiderato de eficácia mostra-se presente na Carta Magna,


defronte a possibilidade de supressão da “autonomia político-administrativa”
prevista aos estados federados (art. 18, caput, da CRFB/88), ante a situações
de anormalidade, suprimindo-se, temporariamente, a mencionada faculdade.
Sua instituição fica consignada aos limites presentes no artigo 34 da Constituição
Federal, definindo a competência privativa para sua decretação ao detentor
legitimo do cargo de Presidente da República (art. 84, X), apresentando-se de
forma espontânea ou provocada.

20
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Sua aplicação tem como finalidades precípuas a defesa do Estado


(União e pacto federal), seu princípio federativo, a defesa das finanças estaduais
e da ordem constitucional (SILVA, 2005); sublinhando-se que “a democracia é o
equilíbrio mais estável entre os grupos de poder” (SILVA, 2005 p. 761).

Ademais, havendo risco à ordem pública ou a paz, pela atribuição de


competência do art. 21, inciso V, da CRFB/88 (possibilitando até mesmo a
supressão de direitos fundamentais conforme art. 139, I a VII da CRFB/88), pode
a União, por ato do Presidente, após consultados o Conselho da República e o
Conselho de Defesa Nacional, decretar o estado de defesa ou de sítio
(SERRANO; BONFIM; SERRANO, 2020), competindo ao Congresso Nacional a
sua aprovação ou suspensão3, procedimentos que englobam o, assim chamado,
sistema constitucional de crises. Por esses parâmetros, o conteúdo do sistema
de crises (título V, artigos 136 e seguintes da CRFB/88) tem por epíteto em seu
capítulo inicial, a designação “Da Defesa do Estado e das Instituições
Democráticas”. Reiterando-se o compromisso com o regime democrático (SILVA,
2005).

Cabe entender que o sistema constitucional de crises fixa:

[...] normas que visam à estabilização e à defesa da Constituição contra


processos violentos de mudança ou perturbação da ordem
constitucional, mas também à defesa do Estado quando a situação
crítica derive de guerra externa. Então, a legalidade normal é
substituída por uma legalidade extraordinária, que define e rege o
estado de exceção. (SILVA, p. 617-618)

Entretanto, refletindo o paradigma de efetivação fática da norma


constitucional presente na doutrina (BARROSO, 2006), preliminarmente citada,
é inequívoco que as referidas regras de estabilização, ainda que relativas ao
fenômeno de legalidade extraordinária, não constituem os únicos métodos
constitucionais possíveis (SERRANO; BONFIM; SERRANO, 2020). A
necessidade de se arquitetar mecanismos de estabilização ganha proeminência.

3
CF/88, Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: IV - aprovar o estado de
defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas
medidas;

21
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Nada obstante, boa parte da doutrina se delimita sobre a visão


interpretativa do jurista Ronald Dworkin (STRECK. 2020, p. 386) que, no âmbito
de sua construção teórica, aponta a existência da teoria integrativa do direito;
método que mobiliza e identifica as práticas jurídicas com sua leitura sob a
“melhor luz”, exigindo da decisão uma correta adequação institucional e a uma
melhor justificativa substantiva, a saber:

[...] qualquer juiz obrigado a decidir uma demanda descobrirá, se olhar


nos livros adequados, registros de muitos casos plausivelmente
similares, decididos há décadas ou mesmo séculos por muitos outros
juízes, de estilos e filosofias judiciais e políticas diferentes, em períodos
nos quais o processo e as convenções judiciais eram diferentes. Ao
decidir o novo caso, cada juiz deve considerar-se como um complexo
empreendimento em cadeia, do qual essas inúmeras decisões,
estruturadas, convenções e práticas são a história; é seu trabalho
continuar essa história no futuro por meio do que ele faz agora. Ele
deve interpretar o que aconteceu antes porque tem a responsabilidade
de levar adiante a incumbência que tem em mãos e não partir em
alguma nova direção. Portanto, deve determinar, segundo seu próprio
julgamento, o motivo das decisões anteriores, qual realmente é,
tomando como um todo o propósito ou o tema na prática até então
(DWORKIN, 2005, p. 235).

Notadamente esse parâmetro hermenêutico é tão fundamental que se


consubstanciou na promulgação do novo código processual pelo art. 926 do
CPC/2015 (STRECK, 2021), critério procedimental que exige do aplicador (ou
intérprete autêntico da norma) plena consciência do aspecto social que circunda
a carta política e sua leitura republicana, mantendo-se a coerência, integridade
e estabilidade do regime jurídico.

Abordar a estrutura normativa da Constituição Federal acerca dos


direitos fundamentais e, por fim, vislumbrar outras medidas possíveis e eficazes
em favor de um diálogo entre as soberanias da América Latina, talvez seja o
método mais eficaz de definir estratégias populares para uma governança que
sirva como meio capacitador de processos e ações contra a disseminação do
vírus e morte de vulneráveis; descartando injustiças e arbitrariedades, dirigindo-
se, em essência, por regimes democráticos autônomos, deliberados e plurais.

22
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

2.2 A ideia de legalidade extraordinária: a posição de Streck e Serrano

A doutrina capitaneada por Serrano aduz que a anomia é a marca


característica do Estado de Exceção, uma vez que há a ausência de norma,
apresentando-se como perspectiva mais fácil à suspensão de direitos ou para o
atendimento de uma situação emergencial. Ressalta-se, por outro lado, que na
legalidade extraordinária há uma resposta jurídica a uma necessidade pública
ou situação emergencial, não havendo – nesta modalidade de legalidade – uma
supressão de direitos, uma vez que o Poder Público age, nesta perspectiva, com
muito mais intensidade por dever e não por poder. O autor em comento enfatiza
que “o exercício desse dever esbarra, porém, em limitações. Os governantes
não podem se utilizar dos poderes excepcionais que lhe são conferidos nestes
momentos para fins políticos, como perseguir adversários” (SERRANO, 2020).
Pode-se dizer que - à luz destas interpretações - o escopo das ditas
medidas de legalidade extraordinária, alternativas a interpretação meramente
textual da constituição, se articularam pelos seguintes parâmetros:

[...] as medidas mais eficazes e, portanto, legítimas, em tese, à adoção


pelo mecanismo da legalidade extraordinária imposta pela atual
pandemia, podem ser classificadas em afastamento de compromissos
fiscais e de regras procedimentais, tais como aquelas relativas ao
processo licitatório, condicionamentos sanitários e de saúde pública,
limitações à liberdade, ao exercício de atividades econômicas e, ainda,
intervenção do Estado na propriedade (SERRANO; BONFIM;
SERRANO, 2020, p. 175).

Norteando-se pelos mesmos critérios, assevera Streck que, a


decretação do estado de defesa pressupõe a ocorrência de ameaça grave e
iminente a instabilidade institucional ou atingimento por calamidades de grandes
proporções na natureza, o Estado de Sítio pressupõe a ocorrência de comoção
grave de repercussão nacional, fatos que demonstrem a ineficácia das medidas
tomadas durante o estado de defesa, declaração de estado de guerra ou
resposta à agressão armada estrangeira4. Critérios que no prisma do jurista,
malgrado a pandemia, não se consubstanciam plenamente e, assim sendo, não

4
Sobre o preenchimento do suporte fático, vide MORAES, Guilherme Peña de.

23
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

seriam idôneos para tratarem do combate ao Covid-19. Em tom irônico, o jurista


utiliza a famosa expressão de Jellinek (apud AVILA, 2001), que diz: “é
desproporcional matar um pardal com um tiro de canhão”.

Serrano-Bonfim-Serrano (2020) sublinham que a relação da legalidade


extraordinária, se dá com a “preservação da ordem constitucional do Estado”,
em que, nesta perspectiva, utiliza-se mecanismos próprios para a conservação
de direitos fundamentais e instituições democráticas, sem deixar de lado a
manutenção do próprio Estado de Direito.

Igualmente favorável à legalidade extraordinária, Abboud (2020) ressalta


que a jurisdição constitucional brasileira - até o momento - nas questões ligadas
ao enfrentamento do Covid-19, teve por propósito agir no sentido da proteção de
direitos fundamentais. Enfatiza obviamente que toda crise é ruim por si só, mas
as funções públicas podem atuar de modo ambivalente reduzindo, por um lado,
os efeitos da crise sanitária ou, dependendo de suas imposições, ser seu
catalizador, intensificando os efeitos maléficos deste evento.

Na crise, a única resposta fora da barbárie é primar pelas regras


democraticamente edificadas, admitindo que é possível trabalhar com medidas
extraordinárias, mas tais ferramentas excepcionais devem ser balizadas dentro
das “regras do jogo” republicano. Dito isto, diante da indagação sobre quais as
condutas do tecido democrático a serem observadas no combate à pandemia -
por uma metodologia que visa mapear a manifestação do poder - tecer-se-á uma
crítica por imanência do que vem a ser o “estado de exceção” na perspectiva da
literatura constitucional e filosófica, tomando como paradigma o pensamento de
Hobbes, Giorgio Agamben e outros jusfilósofos do poder.

2.3 O Estado de Exceção – formação e fundamentos

Na apresentação da obra Teologia Política, de Carl Schmitt, Eros Grau


ressalta que “a exceção está no interior do direito, não fora dele”. A exceção, na
visão de Grau, confirma o Direito, uma vez que “a exceção não é trazida para
dentro do direito, eis que se encontra nele...” (GRAU, 2006). Sua conclusão,

24
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

inclusive, ganha reverberação na obra direito posto e direito pressuposto em que


o jurista escreve que o direito público não há de ser concebido exclusivamente
como produto das relações lógico-formais normativas, seu campo de ação atinge
o contexto social pressuposto: O direito [...] não é uma simples representação
da realidade social, externa a ele, mas, sim, um nível funcional do todo social.
Assim, enquanto nível da própria realidade, é elemento constitutivo do modo de
produção social (GRAU, 2006, p. 21).

À luz desse contexto, essencialmente, ao se falar em Estado de Exceção,


temos que perquirir acerca de “como o Direito age em momentos excepcionais?”
(SERRANO, 2016).

No pensamento de Carl Schmitt, a exceção é compreendida como


situação que não é cabível na normalidade estabelecida pelas normas gerais.
Na exceção, há uma “não compreensão” da situação no ordenamento jurídico,
vale dizer, o mero ordenamento não o contempla, acarretando, neste sentir, em
situação de anomia. Esta constatação se justifica uma vez que no direito positivo
não há descrição da situação ocorrida, ao ponto de Eros Grau (2006) ressaltar
que “a exceção está no direito, ainda que não se a encontre nos textos
normativos de direito positivo”.

Serrano, por outro prisma, preleciona que na realidade, há uma


suspensão do direito para a sobrevivência do Estado e da sociedade. O Estado
de “exceção” foi positivado, pela primeira vez, na Constituição de Weimar, de
1919, no seu artigo 48 5 . Entretanto, sua origem epistemológica pode ser
atribuída, com muita antecedência, ao pensador Thomas Hobbes.

O filósofo contratualista imaginava um modelo de Estado com a “figura


do soberano”, em que o ser humano era um ser em estado selvagem, em guerra
constante com o outro. O ser humano em estado selvagem é um ser em guerra

5
“Art. 48. Caso a segurança e a ordem públicas sejam seriamente (erheblich) perturbadas ou
feridas no Reich alemão, o presidente do Reich deve tomar as medidas necessárias para
restabelecer a segurança e a ordem públicas, com ajuda se necessário das Forças Armadas.
Para este fim ele deve total ou parcialmente suspender os direitos fundamentais (Grundrechte)
definidos nos artigos 114, 115, 117, 118, 123, 124, and 153”.

25
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

constante e, nesta linha de ideias, o mais forte se impõe sobre o mais fraco,
impulsionando a sociedade política a se organizar de modo a coibir que um se
sobreponha ao outro por intermédio da força (BARRETO, 2005). A organização
da sociedade, pelo raciocínio de Hobbes, é a de buscar essencialmente a paz
social. O soberano é investido de poderes amplos com o propósito de garantir a
paz e a segurança, de modo que Hobbes vislumbra o governante com função
assecuratória.

A ideia de contrato social – que assegurou uma pauta de direitos para a


“vida social” moderna –, no pensamento de Hobbes, é posterior ao Estado e ao
soberano, em que este não é obrigado a obedecê-lo nos casos em que a paz e
a segurança estejam ameaçadas. Esta linha de pensamento afirma que a
sociedade e os indivíduos devem obedecer ao contrato social. Contudo, sempre
que a paz e a segurança estiverem sob ameaça de um inimigo (externo ou
interno), o soberano não é obrigado a seguir o contrato social, podendo afastá-
lo e decidir a melhor sorte dos súditos. Como se percebe, há uma visão
autoritária nas ideias de Hobbes, que mesmo contextualizado por sua
fundamentação antropológica, pode se constatar uma lógica que padece por seu
caráter autoritário ao se personificar os desígnios constitucionais (VALIM, 2017).

A compreensão hobbesiana de sociedade ainda encontra eco na


atualidade. Como exemplo dos sintomas oriundos deste catecismo segregatório,
temos a famigerada fala do senso comum “direitos humanos para humanos
direitos”, em que está introjetada a ideia do inimigo. Possibilitando a delimitação
de concepções em que o importante é garantir a segurança do “homem de bem”
contra o “homem do mal”, impondo e exigindo um discurso virulento de combate
à figura do inimigo interno (SERRANO, 2016). Manifestações, que têm sua
origem na lógica de Hobbes, em que a discricionariedade da força assume a
proteção da segurança e da paz social.

Com esta lógica, há uma negação de direitos para o grupo inimigo que,
supostamente, ameaça a “paz social”, negando a própria humanidade desse
grupo “inimizado”. Trabalha-se com a superestrutura de uma violência unilateral

26
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

do Estado para garantir a ordem social, elegendo um arquétipo, um tipo ideal,


ou camada da população como figura do inimigo para se retroalimentar.

Sem a figura do inimigo, em um ambiente de paz e ordem, a figura do


soberano deixa de ter sentido, tornando-se totalmente dispensável; talvez, por
essa ligação lógica, o interesse dos que almejam o poder em sustentar a
presença de um inimigo que perturba a paz para a legitimação da presença do
soberano6, requerendo discursivamente a manutenção de um constante estado
de insegurança.

Sem espanto, percebe-se que a situação pandêmica no Brasil seguiu


esses pressupostos, haja vista sua ampla exploração como vetor de perturbação
da paz. Sub-repticiamente o arcabouço constitucional dos direitos fundamentais
é ignorado pelo próprio executivo, ensejando uma claudicante delimitação fática
da norma fundamental que a todo momento é desacreditada. O constante
aviltamento de direitos ocasiona uma disfunção que - por sua vez -, impossibilita
qualquer debate mais amplo sobre a necessidade ou não de restrição a direitos
fundamentais amparados na proporcionalidade; a omissão do Poder Público
Federal em adotar medidas idôneas para o combate ao Covid-19, ao ponto de
os próprios ministros do Supremo Tribunal Federal ressaltarem que há um
desgoverno7, indicando que o contratualismo hobbesiano – ideologia violenta,
ineficaz e antagônica - se tornou o “modus operandi” da república. Este
fenômeno remete o jurista ao pensamento de Giorgio Agamben.

Na obra Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua, Agamben (2004)


ressalta que a “vida nua” é aquela que se pode dispor sem que seja necessário

6
Interessante ponderar que, o soberano que age de forma tirânica, propicia a eclosão do direito
de resistência. Tirano como sendo aquele que não respeita os direitos dos cidadãos e, uma vez
que o soberano que se transforma em tirano, há movimentos buscando a sua retirada do poder,
sendo considerada a matriz embrionária do impeachment, que nasce com o reconhecimento de
direitos ao povo (SERRANO, 2016).

7
Nas palavras da Ministra Carmen Lúcia, do STF, “O que o Supremo disse é que a
responsabilidade é dos três níveis [federativos] — e não é hierarquia, porque na federação não
há hierarquia —- para estabelecer condições necessárias, de acordo com o que cientistas e
médicos estão dizendo que é necessário, junto com governadores, junto com prefeitos. Acho
muito difícil superar [a pandemia] com esse descompasso, com esse desgoverno”. Disponível
em https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2020/06/24/acho-dificil-superar-a-
pandemia-com-esse-desgoverno-diz-carmen-lucia.htm?cmpid=copiaecola

27
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

realizar sacrifícios e sem o cometimento de homicídios. Nesta linha de


pensamento, ele enaltece um duplo enfoque, paradoxal discursivo, em que o
sujeito é insacrificável, mas exposto à morte. Com a não adoção de políticas
idôneas de saúde, com o abandono dos hospitais, por exemplo, temos uma
circunstância padrão de dupla exceção, pois, ao adaptar essa situação trágica
ao pensamento de Agamben, têm-se o vislumbre da exclusão de muitas vidas
pelo Estado. Exclusão dos serviços de saúde, e inclusão na exposição à própria
sorte caso seja infectado pelo Covid-19. Morte sem sacrifício, capturada pela
exposição ao desamparo, à própria sacrificabilidade. Eis a vida nua (AGAMBEM,
2004; CASTRO, 2012).

Neste contexto, Edgardo de Castro (2012) ressalta que “a sacralidade


da vida é, então, uma produção política ou, para expressá-lo em outros termos,
a contraparte do poder soberano, da vitae necisque potestas (poder de vida e de
morte)”. Por meio do estado de exceção há uma apreensão da vida pelo
Soberano e tal se dá, no contexto brasileiro, pela proteção insuficiente dos
direitos fundamentais sociais de saúde.

2.4 Estrutura normativa da Constituição Federal acerca dos


direitos fundamentais

O texto constitucional contemporâneo, por outro lado, foi estruturado de


forma polissêmica de modo a assegurar a mais ampla gama de direitos
fundamentais, como um corolário multidimensional da dignidade humana. No
constitucionalismo contemporâneo erigiu-se uma estrutura normativa
principiológica, contendo força normativa e aplicabilidade plena, adotando-se,
intrinsecamente como método de resolução dos problemas, mecanismos
abertos para a solução dos casos, como a ponderação e teorias da
argumentação jurídica.

Em outras palavras, se concebe formalmente, no Estado Constitucional,


que os direitos fundamentais não são apenas declaratórios, mas adrede munidos

28
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

de um sistema de garantias, com instrumentos idôneos para o controle de


conformidade constitucional das leis e atos normativos do poder público
(GUASTINI, 2007). A Constituição é considerada como “verdadeira norma
jurídica e não como simples declaração programática” (FIGUEROA, 2009); ou
seja, as normas constitucionais - sem exceção - independentemente do
conteúdo ou estrutura, são dotadas de aplicabilidade, vinculando seus
destinatários, não sendo mero programa político com recomendações vazias aos
poderes ou particulares (CARBONELL, 2009).

Afirma-se ainda que a Constituição interpretada se assenta sob o


entendimento de que as categorias de direitos humanos fundamentais, nela
previstos, integram-se num todo harmônico (SILVA, p. 185), construindo normas
implícitas para suprir as omissões, intentando abarcar em plenitude as relações
públicas, integrando categorias dos direitos sociais sempre sob o influxo das
prerrogativas individuais, direcionando o reconhecimento de forma plural e
abrangente (CARBONELL, 2009).

A hermenêutica constitucional tem por finalidade fixar critérios para canalizar


a leitura do texto constitucional, norma que, inclusive, tem como adjetivo o
pluralismo interpretativo (COELHO, 2010). Essas técnicas não pretendem
engessar a interpretação, mas sim unir um mínimo de racionalidade e
transparência sobre a atividade decisória.

A metodologia interpretativa fixa uma miríade de regras e princípios e o


intérprete é aquele que trabalha os seus múltiplos significados (CARBONELL,
2009). A hermenêutica é a “arte do mal-entendido” (COELHO, 2010), que visa
superar a dificuldade de interpretação dos conceitos constitucionais,
supraconstitucionais e infraconstitucionais. Salienta a literatura especializada
que tal técnica é como um “vício virtuoso”, dada a multiplicidade de critérios para
o alcance da norma.

Grosso modo, a ciência interpretativa estabelece que os enunciados


constitucionais são consubstanciados em princípios, regras e postulados
normativos. Outrora, a norma era considerada em si o preceito vinculante do
ordenamento constitucional, ao passo que os princípios eram, meramente,

29
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

conselhos sem vinculação ao legislador ou aplicador. Entretanto, considerações


desta estirpe estão superadas, de modo que, atualmente, concebe-se a norma
jurídica como gênero, ao passo que os princípios e as regras são espécies.
Admite-se, ainda, a existência de metanormas, brocardos que versam sobre a
aplicação de outras normas.

Ultrapassada a exposição básica do sistema principiológico formal na


Constituição, a dificuldade que exsurge é alcançar uma definição completa do
que vem a ser um princípio, sua aplicação e como eles podem emancipar o ser
e livrar-nos de arbitrariedades.

Dentre as várias definições, a concepção de Robert Alexy tem sido muito


utilizada pela literatura constitucionalista e pelo Supremo Tribunal Federal,
partindo-se do entendimento de que princípios são “normas que ordenam que
algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas
e fáticas existentes” (ALEXY, 2008). Para ele, princípios são normas jurídicas
que ordenam a realização de ações e “são caracterizados por poderem ser
satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua
satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das
possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado
pelos princípios e regras colidentes” (ALEXY, 2008).

Fala-se, consequentemente, dos mandamentos de otimização. Tal


construção jurídica aponta que o princípio não determina o grau exato do seu
cumprimento ou precisamente o que deve ser decidido, mas sim, regula a
direção a ser dada pela decisão, daí se falar em mandamento prima facie, ou
seja, um mandamento preliminar, provisório, que somente será (ou não) um
mandamento definitivo, depois de sopesado com os demais princípios em jogo
no caso concreto. Obedecem à lógica do convencimento parcimonioso e
motivado, ou seja, conforme as circunstâncias fáticas e jurídicas do caso
concreto ganham penetração e efetividade. Justamente por isso, os princípios
possuem um peso relativo, vale dizer, é um peso que depende das
circunstâncias do caso concreto, aplicando-os em maior ou menor grau de
incidência.

30
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Robert Alexy (2008) defende a ideia de que as regras são normas que são
sempre satisfeitas ou não satisfeitas”. O jurista ensina que, se uma regra vale,
então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos.
Regras contêm, portanto, determinações no âmbito daquilo que é fática e
juridicamente possível. Isso significa que a distinção entre regras e princípios é
uma distinção qualitativa, e não uma distinção de grau. Toda norma é ou uma
regra ou um princípio” (ALEXY, 2008).

Em sendo válida a regra, o comando nela contido deve ser praticado, uma
vez que apresenta comandos definitivos. Ou é ou não é cumprida, a não ser que
haja situação excepcional que enseje a sua superabilidade. Segundo o
jusfilósofo, as regras:

(a) São mandamentos definitivos, fixando a exata medida de condutas a


serem praticadas.

(b) Aplica-se a lógica do tudo ou nada;

(c) Aplicabilidade por meio da subsunção das normas, em que há a


premissa maior (norma), premissa menor (fato) e a conclusão.

Dentro do prisma constitucional, temos, ainda, os postulados normativos.


Ávila afirma que são “deveres de segundo grau”, integrando o âmbito das
“metanormas”8, que estabelecem “estrutura de aplicação” e, ainda, fixam a forma
de raciocinar e argumentar 9 com relação a outras normas, os princípios,
chamadas por ele de “normas de primeiro grau” (AVILA, 2016).

No caso de conflito entre o direito de liberdade e direito à saúde, temos que


ambas são normas de primeiro grau. Qual delas irá ceder para prevalência da
outra, dependerá de uma decisão, cuja aplicação é estruturada por uma

8
Para ele, metanormas são “normas de segundo grau”.
9
Segundo Ávila (2016, n. 3.1), “[...] os postulados, de um lado, não impõem a promoção de um
fim, mas, em vez disso, estruturam a aplicação do dever de promover um fim; de outro, não
prescrevem indiretamente comportamentos, mas modos de raciocínio e de argumentação
relativamente a normas que indiretamente prescrevem comportamentos. Rigorosamente,
portanto, não se podem confundir princípios com postulados.”

31
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

metanorma. Como exemplo de metanormas, temos o postulado da


proporcionalidade, que não é utilizado diretamente na solução do caso concreto,
mas sim, para estruturar a aplicação de princípios.

A questão que se coloca é se - e quais - os direitos fundamentais são


vislumbrados como princípios (ALEXY, 2008; SILVA, 2005; BOROWSKI, 2003).
No contexto da pandemia, a Lei n.º 13.979/20, (que dispõe sobre as medidas
para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância
internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019),
apresenta como estrutura de interpretação o método de aplicação binário da
“regra”, com a lógica do “tudo ou nada”. As soluções dadas ao combate ao Covid-
19 são regularmente feitas com a mesma lógica. O problema é que o que está
em colisão é a liberdade das pessoas, que é contraposta com o direito à saúde
pública e, consequentemente, o direito à vida.

Como afirmado acima, tanto a liberdade, quanto o direito à saúde são


mandamentos de otimização, contendo um comando preliminar, provisório ou
prima facie, devendo ser ponderado com outras normas. Não são mandamentos
definitivos, de modo a fixar a exata medida de condutas, não podendo, por
conseguinte, ter aplicabilidade por meio de mera subsunção das normas.

As vigas principiológicas impõem que a aplicação dos valores se manifeste


na maior medida possível, conforme as possibilidades fáticas e jurídicas
existentes. Por serem mandamentos de otimização, há a possibilidade de serem
concretizados em diferentes graus, ante as possibilidades reais e jurídicas. Na
prática a interpretação de princípios deve nos livrar de déspotas arbitrários e nos
dar a melhor solução para o combate a pandemia; entretanto, indaga-se
retoricamente: os direitos fundamentais podem ser operacionalizados e
aplicados de maneira efetiva, razoável e proporcional? Vejamos.

2.5 Direitos fundamentais e seu arquétipo: base para a crítica

A dogmática alemã desenvolveu de forma considerável a consagração,


operacionalização e aplicação dos direitos fundamentais. Inúmeros
pressupostos edificados pela doutrina e pelos Tribunais daquele país são

32
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

traduzidos e citados pela literatura constitucional brasileira. Muito difícil,


atualmente, vermos livros de direito constitucional ou de direitos fundamentais
que não enunciem os pressupostos teóricos “alemães”. Como várias destas
questões estruturais foram absorvidas pelo Supremo Tribunal Federal nos
últimos anos, traçaremos as balizas teóricas e precedentes “brasileiros” acerca
da teoria dos direitos fundamentais, para, no momento oportuno, analisar a
proporcionalidade10 ou não das medidas tomadas.

2.5.1 Sobre o suporte fático dos direitos fundamentais

O direito trabalha com textos jurídicos que precisam ser interpretados


para se retirar o conteúdo jurídico das normas, conforme o contexto. O texto
elenca uma “descrição hipotética de uma situação, que, se concretizada,
motivará o surgimento da relação em questão” (SCHOUERI, 2019).

A ideia sinteticamente é de que o direito, em geral, trabalha com juízos ou


descrições hipotéticas 11 , pelos quais a doutrina alemã denomina de suporte
fático abstrato que, por sua vez, se praticados ou preenchidos, acarretam uma
consequência prevista na lei, ensejando o suporte fático concreto, após a prática
da conduta ou ato previsto no suporte fático abstrato (norma); vale dizer, “é a
ocorrência concreta, no mundo da vida, dos fatos ou atos que a norma jurídica,
em abstrato, juridicizou” (SILVA, 2010).

Virgílio Afonso da Silva (2010) salienta que “a forma de aplicação dos


direitos fundamentais – subsunção, sopesamento, concretização ou outras –
depende da extensão do suporte fático”. Os elementos constituintes do suporte
fático de um direito fundamental são demarcados pelo “âmbito de proteção” e a
“intervenção”. A primeira expressão significa o que vem a ser protegido pelo
direito, ao passo que a segunda consiste “[n]aquilo contra o que se protege”.

10
O Código de Processo Civil Brasileiro, Lei n. 13.105/15 enaltece que a proporcionalidade deve
ser levada em consideração na tomada de decisões. Para boa parte da literatura processual
brasileira, o legislador adotou a teoria de Robert Alexy, que se vale da proporcionalidade como
critério para solucionar colisões de direitos fundamentais. Sobre o tema, vide o nosso: GUTIER,
Murillo; GUTIER, Santo. Manual de Direito Processual Civil. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020.
11
Em direito tributário são denominados de hipótese de incidência.

33
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Para o preenchimento do suporte fático concreto, é imprescindível a intervenção,


obviamente indevida, ao direito protegido (NOVELINO, 2020).

Dividindo os direitos fundamentais em individuais, oponíveis contra o Estado


(direitos de defesa), e direitos sociais, direitos por intermédio do Estado (direito
a prestações), ante a diferença diametral de posturas, temos suportes fáticos e
intervenções igualmente opostas. Em outras palavras, o âmbito de proteção de
direitos de defesa12, como as liberdades públicas, são ações dos cidadãos que
não podem ser afetadas, atrapalhadas ou eliminadas pelo Estado. Haverá
intervenção nesta classe de direitos se justamente houver a afetação, embaraço
ou eliminação do bem jurídico liberdade, igualdade, segurança ou propriedade.
Contudo, no âmbito dos direitos prestacionais, como o são os direitos sociais em
geral, singularizado aqui pelo direito à saúde, o âmbito de proteção são as ações
estatais para a concretização destes direitos, ao passo que haverá intervenção
em caso de omissões, ou seja, no não agir ou na ação deficiente (SARLET,
2009).

Esta análise é relevante, uma vez que no combate à Covid-19, temos as


duas vertentes. Direitos de defesa da população, que têm sofrido intervenções
em seu direito de liberdade para estancar os males da pandemia, assim como
direito de assistência estatal, de modo a fomentar o artigo 196 quanto ao direito
à saúde curativa (atendimento dos infectados) e/ou preventiva (vacinação e
profilaxia).

2.5.2 Sobre o conteúdo essencial de um direito fundamental

Todos os direitos fundamentais precisam ter eficácia no plano concreto.


Quando se fala em proteger estes direitos, deve–se ter em mente que a “[...]
garantia de proteção do núcleo essencial dos direitos fundamentais aponta para
a parcela do conteúdo de um direito sem a qual ele perde a sua mínima eficácia,

12
Pilares do Estado Liberal, com ampla proteção na CF/88.

34
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

deixando, com isso, de ser reconhecível como um direito fundamental” (SARLET,


2013).

O conteúdo essencial de um direito fundamental depende do marco


teórico adotado, como será exposto abaixo. Esta teoria foi edificada para evitar
que a regulamentação legal dos direitos acarretasse a sua desconfiguração, ou
seja, ao definir o conteúdo essencial de um direito fundamental, busca-se
impedir a descaracterização do mesmo pelo legislador quando for regulamentá-
lo (SILVA, 2009; NOVELINO, 2018). O conteúdo essencial não funciona apenas
como um limite ao legislador, mas, também, como pauta interpretativa ao Poder
Judiciário, vale dizer, o núcleo essencial deve proteger o direito contra todos os
poderes públicos.

Para a demarcação do conteúdo essencial dos direitos fundamentais,


temos duas teorias desenvolvidas na Alemanha e reproduzidas pela literatura
constitucional brasileira, reverberando, em alguma medida, nos precedentes do
STF. A primeira vertente é denominada de Teoria Absoluta, que parte do
pressuposto que há um núcleo duro do direito fundamental, que significa o
conteúdo a ser protegido dentro do direito, definindo-lhe de forma absoluta, não
autorizando sua violação em hipótese alguma, tendo o seu contorno delineado
por intermédio da interpretação. Vis à vis, a hermenêutica do direito fundamental
é que define o conteúdo essencial.

O núcleo duro é considerado “intransponível”, de modo que, ao


regulamentar o âmbito de proteção, traça-se um limite de intervenção que
respeite o núcleo duro. O que significa perceber que havendo desrespeito para
além do convencionado, o intérprete deve denunciar a existência de intervenção
inconstitucional. O legislador só pode, para esta teoria, regulamentar a parte
periférica do direito fundamental, isto é, a única parte passível de intervenção
legislativa. O Ministro do STF, à época, Carlos Ayres Britto, na ADPF n. 130, que
versou sobre a recepção ou não da lei de imprensa, salientou que a liberdade

35
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

de imprensa apresenta um núcleo duro, não permitindo ao legislador adentrar


em matérias nuclearmente afetas à imprensa13.

Outra teoria proeminente – e com precedentes do STF a respeito –, é a


denominada teoria relativa. Para esta teoria, as restrições aos direitos
fundamentais devem ser justificadas e analisadas à luz do princípio da
proporcionalidade, não havendo o estabelecimento de um núcleo duro por
interpretação. Presente neste caso, um certo grau de relativismo axiológico, uma
vez que não estabelece um ponto arquimediano de proteção, sendo necessário
analisar, em cada fato, se houve ou não a violação do direito fundamental, não
havendo, portanto, barreiras intransponíveis. O núcleo duro é estabelecido caso
a caso, ante a proporcionalidade acerca da violação ou não do direito
fundamental. Assim sendo, nesta teoria, a definição do âmbito de proteção
dependerá das circunstâncias fáticas e, obviamente, das demais normas
aplicáveis no contexto. Esta teoria trabalha a ideia de ponderação dos bens
jurídicos envolvidos, caso a caso14. E embora com metodologias diversas, tanto
a teoria absoluta, quanto a relativa, são “avizinhadas” no que tange aos efeitos
práticos (SARLET, 2013).

2.6 Teoria dos Limites dos Limites

13
Nas palavras do ex-ministro, “a atividade que já era ‘livre’ (incisos IV e IX do art. 5º), a
Constituição Federal acrescentou o qualificativo ‘plena’ (§ 1º do art. 220). Liberdade plena que,
repelente de qualquer censura prévia, diz respeito à essência mesma do jornalismo (o chamado
‘núcleo duro’ da atividade). Assim, entendidas as coordenadas de tempo e conteúdo da
manifestação do pensamento, da informação e da criação lato sensu, sem que não se tem o
desembaraço trânsito das ideias e opiniões, tanto quanto da informação e da criação. Interdição
à lei quanto às matérias nuclearmente de imprensa, retratadas no tempo de início e de duração
do concreto exercício da liberdade, assim como de sua extensão ou tamanho do seu conteúdo.
[...] As matérias reflexamente de imprensa, suscetíveis, portanto, de conformação legislativa, são
as indicadas pela própria Constituição, tais como: direitos de resposta e de indenização,
proporcionais ao agravo; proteção do sigilo da fonte (“quando necessário ao exercício
profissional”; responsabilidade penal por calúnia, injúria e difamação; diversões e espetáculos
públicos” (STF – ADPF n. 130).
14
O STF, no RE n. 603.583/RS, no caso acerca da constitucionalidade do exame da Ordem
dos Advogados do Brasil (“Exame da Ordem”), o Tribunal enalteceu que este exame passa
pelo crivo da proporcionalidade, não violando o núcleo essencial da liberdade profissional. Nas
palavras do Ministro Luiz Fux, “no que concerne, por seu turno à eventual violação do núcleo
essencial da liberdade profissional, também não se enxerga sua ocorrência. Como visto acima
[princípio da proporcionalidade],[14] qualquer bacharel em Direito pode prestar o Exame da
Ordem quantas vezes for necessário até a sua aprovação, sendo certo que não há qualquer
limitação numérica de aprovados...”

36
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

O jurista Ingo W. Sarlet (2013) explica que “eventuais limitações dos


direitos fundamentais somente serão tidas como justificadas se guardarem
compatibilidade formal e material com a Constituição”. A questão que se coloca
é: como não afetar outros direitos fundamentais? Quais os limites? É possível
falar em um conteúdo essencial? O grande desafio é a mensuração, na prática,
da constitucionalidade das restrições aos direitos fundamentais. Uma parte
significativa da doutrina constitucionalista ressalta que o parâmetro a ser
utilizado para tanto é a regra da proporcionalidade15, que propicia o controle da
limitação aos direitos fundamentais, de modo a evitar o excesso do poder público
na prática dos seus atos (FERNANDES, 2020).

Ao se fazer a limitação de um direito fundamental, é preciso urdir um


duplo controle, formal e material. Será formal quando se averiguar se a
autoridade que praticou o ato é dotada de competência para tanto, se o
procedimento foi observado, assim como a forma. No plano material de controle,
vislumbra-se a investigação acerca da proteção do núcleo essencial dos direitos
fundamentais, de conformidade com a proporcionalidade. Sarlet (2013) enaltece
que deve ser perquirido, ainda, se não houve retrocesso na limitação dos direitos
fundamentais, o que é vedado.

A teoria dos “limites dos limites”, surgida na Alemanha, tem por propósito
discutir os limites a esta limitação dos direitos fundamentais, pois apresenta
requisitos para que a restrição dos direitos fundamentais seja considerada
legítima ou de conformidade com a Constituição. Há um paradoxo interessante
acerca dos direitos fundamentais, que surgiram para limitar o Poder do Estado,
de modo a conter seu arbítrio, mas estes direitos podem ser limitados pelo
próprio Estado, por intermédio das Leis. Basicamente, esta teoria afirma que a
atividade de limitação do poder do Estado deve ser limitada, vale dizer há limites
ao poder estatal de limitar direitos fundamentais por Lei. Quando esta lei surgir,
restringindo direitos fundamentais, deve observar certos limites (MENDES, 2004;
PIEROTH; SCHINK, 2012; NOVELINO, 2018; FERNANDES, 2020; PEREIRA,

15
Há autores que enaltecem a proporcionalidade como princípio (maioria), como regra (Virgílio
Afonso da Silva) ou como postulado (Humberto Ávila).

37
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

2018). Ao se adotar esta teoria, qualquer restrição a direito fundamental só será


válida se obedecer a certos requisitos elementares.

Quando se fala em restrição a direitos fundamentais, é comezinho


afirmar que por meio da reserva legal se permite ao legislador interferir nos
direitos fundamentais ou autorizar a Administração a interferir neles (PIEROTH;
SCHINK, 2012). Novelino (2018) explica que “a restrição estatal aos direitos
fundamentais revela um paradoxo: tais direitos, ao mesmo tempo em que são
limitações ao poder do Estado, podem também ser limitados por ele. Por isso, a
importância de que a atividade limitadora do Estado seja, também, uma atividade
limitada”. Em outras palavras, a noção elementar de direitos fundamentais, na
acepção liberal, é a de limitar os poderes do Estado que, por meio de Lei, limita
o âmbito de atuação dos direitos fundamentais.

Na busca em demarcar os contornos das restrições aos direitos


fundamentais, os seguintes critérios devem ser estabelecidos: (a) dever de
respeito ao conteúdo essencial do direito fundamental ressalvado; (b) dever de
explicitação do alcance da restrição em um texto normativo, de forma clara e
precisa, vedando-se o uso de condicionamentos implícitos, de modo a
salvaguardar a segurança jurídica; (c) dever de limitar de forma não casuística,
ou seja, a norma restritiva deve ser geral e abstrata, como regra; (d) uso da
proporcionalidade e suas subdimensões adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito na análise da medida a ser tomada.

2.6.1 Limites dos limites no STF

Acerca desta teoria, o Supremo Tribunal Federal (STF) não tem muitos
precedentes a respeito. Na ADI n. 4.578, assim como ADC 29 e 30, julgadas
conjuntamente, salientou o STF que não pode haver arbitrariedade na
intervenção restritiva legislativa, enfatizando que “[...] as restrições legais aos
direitos fundamentais sujeitam-se aos princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade e, em especial, àquilo que, em sede doutrinária, o Min. Gilmar
Mendes [...] denomina de limites dos limites (Schranken-Schranken), que dizem
com a preservação do núcleo essencial do direito”.

38
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

No julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada (STA) n° 233, o


ministro Gilmar Mendes equiparou a teoria dos limites dos limites como proibição
de excesso. Salientou, o então presidente do STF à época que “o princípio da
proporcionalidade, também denominado princípio do devido processo legal em
sentido substantivo, ou ainda, princípio da proibição do excesso, constitui uma
exigência positiva e material relacionada ao conteúdo de atos restritivos de
direitos fundamentais, de modo a estabelecer um "limite do limite" ou uma
"proibição de excesso" na restrição de tais direitos”.

Nos Recursos Extraordinários n. 1.241.641/RS e 1.202.477/RS, o STF


enalteceu que os direitos fundamentais não são absolutos, enfatizando apenas
a vertente de necessidade de observância do princípio da legalidade. O Ministro
Fachin, relator do precedente, enfatizou que “existem direitos que não se
sujeitam a reservas legais, outros que se sujeitam a reservas legais simples e
outros, ainda, que se sujeitam a reservas legais qualificadas”. No caso de
restrições de forma direta ou de forma indireta, deve incidir o princípio da
“reserva de lei restritiva”, assim como a interpretação restritiva e não a ampliativa.

3 Jurisdição Constitucional e a Pandemia de Covid-19

No território brasileiro, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi chamado a


se pronunciar sobre as medidas tomadas pelo Executivo Federal face à Lei nº
13.979/2020, sendo, os julgados de maior repercussão ao longo de 2020. Em
sede de ADI n. 6.362/DF, versou-se sobre a autorização para a requisição de
bens e serviços para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente
do coronavírus. Já na ADI 6.343 MC-Ref/DF, enfrentou-se o tema de
competência da União sobre o monopólio para regulamentar as medidas a
serem tomadas para o combate à pandemia, entendendo que também os
Estados e Municípios podem fazê-lo. No final de 2020, tivemos as ADIs 6.586/DF
e 6.587/DF; ARE 1.267.879/DF, que versaram sobre a autorização a
determinação compulsória de vacinação.

39
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) n° 6.347, sobre a Lei de


Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar n° 101/00) e a Lei de Diretrizes
Orçamentárias, a Corte Constitucional salientou que estas Leis são compatíveis
com a Constituição e, assim sendo, não é possível criar políticas públicas não
previstas no orçamento, sem a correspondente fonte de custeio. A crise do
COVID-19 ensejou uma necessidade de mudança abrupta na alocação
orçamentária, necessitando de medidas emergenciais para estancar ou minorar
seus efeitos, afetando, sobremaneira, o planejamento orçamentário, sem tempo
hábil para majorar ou criar tributos para suprir os custos destas políticas públicas
emergenciais.

Nesta linha de ideias, a ADIN em comento buscou a suspensão


momentânea da Lei de Responsabilidade Fiscal, ante a calamidade pública,
quanto ao dispositivo que alude acerca da necessidade de indicação da fonte de
custeio correspondente. Por maioria, o STF permitiu a implementação de
políticas públicas emergenciais, com a indicação posterior da fonte de custeio,
que, ao fim e ao cabo, teve por propósito a promoção e proteção de direitos
sociais, notadamente a saúde.

Na ADI 6.343/DF, a Corte Suprema enfatizou que todos os entes


federados possuem competência concorrente para adotar as providências
normativas e administrativas necessárias ao combate da pandemia, uma vez
que o Brasil é um Estado federal de modelo cooperativo, que exige o apoio
mútuo, notadamente em situações de calamidade pública, como o da pandemia
do Covid-19. Neste precedente, enfatizou o STF que a Lei 13.979/2020 é “norma
geral em matéria de proteção e defesa da saúde”, nos termos do art. 24, § 1º, da
CF/88, e, como tal, deve ser “observada pelos entes federativos como forma de
coesão social e harmonia federativa diante do regime cooperativo”.

Nesta ação direta de inconstitucionalidade, o STF se pronunciou, de


forma não analítica, acerca da proporcionalidade, ressaltando que:

Há um espaço discricionário da Administração Pública competente


para instituir medidas que entenda necessárias para o combate à
pandemia, para além das mínimas recomendadas pelos órgãos
internacionais. Esse espaço se verifica, em diferentes contornos, para
todos os entes federativos, embora seja, em qualquer caso, limitado

40
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

pela proporcionalidade e juízo de ponderação frente aos valores


constitucionais em conflito.

Em outra passagem, nesta mesma ADI n. 6.343, aventou-se,


discretamente e não analiticamente, o requisito da necessidade como elemento
da proporcionalidade, ao enaltecer a questão das alternativas ao enfrentamento
da pandemia e as restrições aos direitos fundamentais.

No entanto, é importante realçar que nem toda a medida mais protetiva


à saúde pública será legítima constitucionalmente, dado que sequer o
direito à vida configura valor absoluto. Em qualquer caso, deve-se
avaliar a proporcionalidade da medida, para que não se adote um
remédio ineficaz, mais amargo do que o necessário ou inferior às
alternativas. É importante afinar o discurso para evitar populismos e
histerias, reconduzindo-o aos institutos jurídicos havidos para tanto.

Na ADI 6347, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, referendou


a medida cautelar anteriormente deferida para suspender a eficácia do art. 6º-B
da Lei nº 13.979/2020, incluído pelo art. 1º da Medida Provisória nº 928/2020,
que versava sobre o atendimento prioritário de acesso à informação.

Na ADPF 770 e ACO 3.451 o STF enalteceu as “fraquezas e virtudes”


do Sistema Único de Saúde que foram reveladas com a pandemia, sendo o
governo o principal responsável pela implementação de políticas públicas de
saúde nesta perspectiva pandêmica, de modo a resguardar os direitos à vida e
à saúde, considerados, nestes precedentes como direitos fundamentais.
Considerou que o direito à saúde é abrangente, conglobando direito à medicina
curativa e preventiva, visando-se promover outros direitos sociais, como o
saneamento básico, moradia, trabalho, lazer, alimentação e campanhas de
vacinação.

Para tanto, o STF asseverou a necessidade de atuação proativa dos


poderes públicos em todos os níveis federativos, de modo a propiciar medidas
universais de vacinação. Nesta decisão conjunta, salientou que a ANVISA
dispõe de 72h para apreciar o pedido de autorização de “vacinas” e, em caso de

41
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

silêncio administrativo, será interpretado como “concedida a autorização” 16 .


Igualmente, citando o RE n. 657.718/MG, o STF aduziu que é possível, de forma
excepcional, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em
caso de mora não razoável da ANVISA para apreciar o pedido 17 . Por fim,
ressaltou que se houver o descumprimento do plano nacional de
operacionalização da vacinação contra a Covid-19 ou se houver mora da União
para a cobertura a contento, poderão os Estados, Distrito Federal providenciar
para a população de seus territórios as vacinas aprovadas pela Anvisa ou, se
esta não fizer tempestivamente, se aprovadas por alguma agência estrangeira.

No final do ano de 2020, o STF em julgamento da ADI n.º 6625 realizou


uma “retrospectiva” do que foi decidido pela Corte Constitucional, em que
salientou que a Lei n° 13.979/2020 apresenta uma “estrutura racional e
tecnicamente adequada” para enfrentar o “surto pandêmico”, edificando uma
permissão jurisprudencial para que as autoridades adotassem, no âmbito das
respectivas competências, determinadas medidas profiláticas e terapêuticas,
dentre as quais sobressaem as seguintes: isolamento, quarentena, restrição à
locomoção, uso de máscaras, exames médicos, testes laboratoriais, coleta de
amostras clínicas, vacinação, investigação epidemiológica, tratamentos médicos
específicos, requisição de bens e serviços, exumação, necropsia, cremação e
manejo de cadáveres, conforme permissivo no art. 3°, I, II, III, III-A, IV,V VI e
VII18.

16
Curioso que, em direito administrativo, o silêncio administrativo não produz efeito algum, como
regra. Para eu o silêncio produza efeitos, deve estar previsto em lei. O art. 3º, § 7º-A da Lei
13.979/20 enaltece que “§ 7º-A. A autorização de que trata o inciso VIII do caput deste artigo
deverá ser concedida pela Anvisa em até 72 (setenta e duas) horas após a submissão do pedido
à Agência, dispensada a autorização de qualquer outro órgão da administração pública direta ou
indireta para os produtos que especifica, sendo concedida automaticamente caso esgotado o
prazo sem manifestação”.
17
No RE 657.718, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, o STF salientou que ““[...] É possível,
excepcionalmente, a concessão judicial de medicamento sem registro sanitário, em caso de
mora irrazoável da ANVISA em apreciar o pedido (prazo superior ao previsto na Lei nº
13.411/2016), quando preenchidos três requisitos: (i) a existência de pedido de registro do
medicamento no Brasil (salvo no caso de medicamentos órfãos para doenças raras e ultrarraras);
(ii) a existência de registro do medicamento em renomadas agências de regulação no exterior; e
(iii) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil”.
18
E previu mais: “a autorização excepcional e temporária para importação e distribuição de
quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e insumos da área da saúde sujeitos à
vigilância sanitária sem registro na Anvisa considerados essenciais para auxiliar no combate da
pandemia, desde que [...]” registrados em pelo menos uma de quatro autoridades sanitárias

42
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Ainda de acordo com a referida Lei, essas medidas somente podem ser
implementadas pelas autoridades “com base em evidências científicas e em
análises estratégicas”, assegurados, sempre, o direito à informação e ao
tratamento gratuito, bem assim “o pleno respeito à dignidade, aos direitos
humanos e às liberdades fundamentais das pessoas” (art. 3°, §§ 1° e 2°, I, II e
III). Com este entendimento, a ponderação de bens jurídicos é feita apenas sob
o prisma dos médicos, que, obviamente, possuem a visão apenas sob a
perspectiva da saúde e vida sob o viés da medicina e não sob o prisma jurídico.
Há um deslocamento da esfera de decisão para o aparato médico, o que
configura, sob o prisma jurídico-político, um certo paternalismo médico (MARTEL,
2010).

Analisando estas decisões prolatadas ao longo de 2020, não se


averiguou a introjeção do debate acerca da teoria dos limites dos limites, ou a
discussão normativa entre princípios e regras. O STF entendeu que tais medidas
são compatíveis com a Constituição, podendo ser adotadas pelas autoridades
dos três níveis político-administrativos da Federação, respeitadas as esferas de
competência que lhes são próprias19. Ricardo Lewandowski, no julgamento da
ADI n. 6625 de 30 de dezembro de 2020, afirmou que todas as medidas
adotadas “corresponderam plenamente às expectativas, revelando-se
essenciais ao enfrentamento da Covid-19”.

Apenas nas ADIs 6.586 e 6.587, que versaram sobre a obrigatoriedade


da vacinação, o STF enfrentou novamente o princípio da proporcionalidade, no
voto da lavra do Ministro Gilmar Mendes, que aduziu que:

A utilização do princípio da proporcionalidade ou da proibição de


excesso no direito constitucional envolve, como observado, a
apreciação da necessidade (Erforderlichkeit) e adequação
(Geeignetheit) da providência legislativa. No caso em tela, a dificuldade
de fixar soluções interpretativas definitivas a partir do teste de

estrangeiras que indica, “autorizados à distribuição comercial nos respectivos países” (art. 3°,
VIII).
19
ADI 6.341-MC-Ref/DF, redator do acórdão Min. Edson Fachin; ADI 6.343-MC-Ref/DF, redator
do acórdão Min. Alexandre de Moraes; ADPF 672/DF, Rel. Min. Alexandre de Moraes; e ADIs
6.362/DF, 6.587/DF e 6.586/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski.

43
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

proporcionalidade advém da natural incompletude dos textos


normativos que tutelam políticas públicas cuja calibragem é
naturalmente mutável, no caso de acordo com circunstâncias de
enfrentamento da pandemia. Daí porque, como se depreende da leitura
dos dispositivos questionados, as medidas individuais profiláticas de
saúde adotadas pela Lei 13.979/2020 são, em última análise, apenas
nomeadas e não descritas pormenorizadamente. A mera referência ao
tratamento de “vacinação e outras medidas profiláticas” na alínea “d”
do dispositivo questionado não permite divisar a extensão dessa
obrigatoriedade e tampouco as penalidades derivadas do seu
descumprimento.

Neste voto, o Ministro Gilmar Mendes ressaltou que a natureza do


diploma de n.º 13.979/20 é de “leis de medida”, em que há um papel híbrido entre
ação executiva e ação legislativa, de modo que a questão da vacinação
obrigatória, sem imposição de vacinação forçada, atende a uma finalidade
legítima em uma democracia, uma vez que devem ser observados limites de
respeito à integridade física e moral daqueles que são contra a vacinação. Outra
restrição firmada à vacinação compulsória, é a de eventual vulnerabilidade física
em receber a vacina, vedando-se a imposição em tais casos. Ainda, que deve
ser resguardado direito à informação de modo a propiciar a liberdade de
consciência das pessoas 20 . Todo esse aparato para a vacinação deve ser
norteado pela proporcionalidade.

Contraditoriamente, na ADI 6.625, que versa sobre a ampliação do prazo


de vigência dos dispositivos do artigo 3º ao 3º-J da Lei n. 13.979/20,21 o STF
entendeu que a ampliação não abrange os artigos 3º. Enfatizou, citando Goffredo
Telles Jr., que “superada a crise, as medidas de exceção deixam de ser
necessárias: a própria lei as suprime, e sua vigência se exaure”. Reconheceu
que há um vínculo entre a Lei 13.979/20 e o Decreto Legislativo n. 06/2020, “que

20
Conforme o voto de Gilmar Mendes, “Nesse ponto, desde que observados os critérios que
constam da própria Lei 13.979/2020, especificamente nos incisos I, II, e II do § 2º do art. 3º, a
saber, o direito à informação, à assistência familiar, ao tratamento gratuito e ao “pleno respeito
à dignidade, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais das pessoas”, tem-se no todo
preservada as garantias de liberdade de consciência, no limite possível” (STF - ADI 6586 / DF)
21
No pedido, o Partido Rede Sustentabilidade postulou a a extensão aqui pleiteada limitada ao
dia 31/12/2021 ou até o término da emergência internacional de saúde decorrente do
coronavírus, em decisão da Organização Mundial de Saúde, o que ocorrer por último [...].

44
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

decretou a calamidade pública para fins exclusivamente fiscais, [...] vencendo


em 31 de dezembro de 2020”.

O relator desta ADI, ministro Ricardo Lewandowski aduziu que deve-se


dar primazia aos princípios da prevenção e precaução no trato da saúde pública
e, assim sendo, determinou que “as medidas excepcionais abrigadas na Lei n°
13.979/2020 continuem, por enquanto, a integrar o arsenal das autoridades
sanitárias para combater a pandemia”, uma vez que “a insidiosa moléstia
causada pelo novo coronavírus segue infectando e matando pessoas, em ritmo
acelerado, especialmente as mais idosas, acometidas por comorbidades ou
fisicamente debilitadas”.

O que soa de forma atípica nesta decisão – ainda em sede liminar – é


que o relator reconheceu que ainda estamos distantes de nos livrarmos da
pandemia, prorrogando a vigência da Lei própria, mas não os artigos 3°, 3°-A,
3°-B, 3°-C, 3°-D, 3°-E, 3°-F, 3°-G, 3°-H e 3°-J, “inclusive dos respectivos
parágrafos, incisos e alíneas”. Estes dispositivos são os mais gravosos para a
liberdade das pessoas. Apenas para exemplificar, o artigo 3º da Lei 13.979/20
fala da possibilidade de I - isolamento; II - quarentena; III - determinação de
realização compulsória de: a) exames médicos; b) testes laboratoriais; c) coleta
de amostras clínicas; d) vacinação e outras medidas profiláticas; e) tratamentos
médicos específicos; III-A – uso obrigatório de máscaras de proteção individual;
IV - estudo ou investigação epidemiológica; V - exumação, necropsia, cremação
e manejo de cadáver; [...]. Em outras palavras, tendo em vista esta ADI n. 6.625,
estas medidas ainda são possíveis, uma vez que tiveram a prorrogação deferida
pela Corte Suprema, ao menos por enquanto, considerando que o suporte fático
pandêmico não mudou. Verificando a liminar em comento, nada foi dito acerca
do cotejo dos limites dos limites e seus substratos teóricos.

A ideia de proibição de excesso é utilizada para aferir a intervenção em


direitos de defesa, que estabelecem direitos fundamentais contra o arbítrio do
Estado, como o resguardo das liberdades públicas, visando impedir que o
Estado atue de forma desproporcional, e muito onerosa, em que se proíbe a
restrição excessiva de qualquer direito fundamental, estando “presente em

45
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

qualquer contexto em que um direito fundamental esteja sendo restringido”


(AVILA, 2009).

Há uma outra feição do princípio da proporcionalidade que é a da


proibição de proteção deficiente ou insuficiente (SARLET, 2009), que atua em
sentido inverso do afirmado no parágrafo anterior. Esta proibição de medidas
insuficientes tem por propósito impedir que a proteção de um direito fundamental
fique aquém do necessário para a proteção do seu conteúdo essencial, o que
geralmente se dá em direitos prestacionais (direitos sociais), como o direito à
saúde, em que as medidas adotadas pelo Estado devem ser suficientes para a
proteção do direito assegurado.

4 Consenso, integração e diálogo com instâncias do constitucionalismo


latino-americano.

Noutro giro, em âmbito internacional, logo em abril de 2020, quando a


pandemia da Covid-19 já afligia as Américas de forma mais brusca, foi aprovada
pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) a sua primeira
Resolução do ano (01/2020) que aborda, como diz o próprio título, “Pandemia e
Direitos Humanos nas Américas”.

Explicitando diretamente as desigualdades regionais do continente e


reconhecendo seu histórico de violência, preconceito e abuso ambiental, a citada
resolução apela para que os povos americanos procurem saídas conjuntas e
urgentes para o combate à Covid-19.

Novamente reconhecendo que as Américas são terrivelmente desiguais,


as restrições aos Direitos Humanos se dariam à maneira de suas desigualdades.
Para ao mesmo tempo conter o vírus e salvaguardar a economia, a resolução
estabelece “padrões e recomendações, com a convicção de que as medidas
adotadas pelos Estados na atenção e contenção da pandemia devem ter como

46
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

centro o pleno respeito aos direitos humanos” (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS


AMERICANOS, 2020).

A partir de seu terceiro subitem, a resolução delibera sobre as restrições


às liberdades fundamentais no âmbito da pandemia. Antes de citar as
recomendações da CIDH, é importante mencionar que as ditas restrições se
encontram no que se denominou, anteriormente, em “estado de exceção”. Assim
definido por Rocha, et al (2007):

Forma momentânea de governar prevista na própria Constituição em


que se permite afastar direitos individuais, sociais e políticos protegidos
no intuito final de manter estes mesmos direitos e o próprio Estado. A
ordem constituída prevê mecanismos para manutenção de suas
estruturas abrindo mão das mesmas, temporariamente.

Cumpre ressaltar que o momento não é de autoritarismo extremo ou


mesmo de ruptura constitucional. A retirada de liberdades individuais de que
trata a resolução é estritamente na medida necessária para o manejo da
pandemia, em completo acordo com a teoria “dos limites dos limites”. É o que
diz seu art. 20, em que “restrições devem cumprir o princípio de legalidade,
serem necessárias numa sociedade democrática e serem estritamente
proporcionais para atender a finalidade legítima de proteger a saúde”
(ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 2020).

Mesmo antes dos números oficiais atingirem o Brasil, em 6 de fevereiro


de 2020, foi promulgada a Lei 13.979 que dispõe sobre as medidas para
“enfrentamento da emergência de saúde pública” causada pela Covid-19. O seu
art. 3.º estabelece as medidas que podem ser adotadas pelo Estado e quem tem
o poder para efetivá-las (BRASIL, 2020). Isto, pois, já havia uma breve
experiência com a pandemia da H1N1 em 2009, com um plano para seu combate
estabelecido em 2010.

O que fazer para combater a disseminação do vírus, em teoria, o Estado


tem conhecimento. A CIDH em sua resolução recomenda sobre a maneira com
a qual essas medidas de combate serão aplicadas para principalmente coibir
abusos. Exemplificando, a Comissão recomenda medidas não discriminatórias

47
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

ou que incitem ódio nacional (arts. 21 e 22), garantia dos direitos humanos de
primeira geração (art. 23) e garantia do devido processo legal (art. 24).

Assim, qualquer tipo de restrição às liberdades individuais deve (ou


deveria) seguir o denominado sopesamento, definindo como objetivo, no caso
concreto, quais dos princípios afetados têm maior peso no caso concreto, sem
que um necessariamente derrogue o outro (ALEXY, 2008).

Esse é exatamente o caso dos arts. 27 e 28 da resolução: as restrições


devem ser baseadas estritamente no melhor conhecimento científico a fim de
que o impacto seja proporcional às medidas positivas adotadas. Ainda, que haja
meios idôneos para assegurar as medidas de controle e avaliações periódicas
sobre sua manutenção (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 2020).

Ainda, a resolução trata nos artigos 30 a 37 sobre o acesso à informação


nos tempos de pandemia e suas eventuais restrições. Entretanto, sem qualquer
opinião política a ser destacada, a presidência da república, por meio da Medida
Provisória 928/2020 tentou alterar a Lei 13.979 inserindo um artigo, no caso o
6º-B, que dificultaria o acesso a determinados dados relativos ao enfrentamento
da covid-19.

Desde 2011 possuímos a Lei nº 12.527 que trata do acesso à informação.


A medida provisória citada acima criava uma série de impedimentos e restrições
especificamente no que tratava de dados sobre a pandemia. Não à toa o
Conselho Federal da OAB ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade
no Supremo Tribunal Federal (ADI 6351/DF) e obteve amplo êxito.

Nas palavras do Relator Ministro Alexandre de Moraes:

A publicidade específica de determinada informação somente


poderá ser excepcionada quando o interesse público assim determinar.
Portanto, salvo em situações excepcionais, a Administração Pública
tem o dever de absoluta transparência na condução dos negócios
públicos, sob pena de desrespeito aos artigos 37, caput, e 5º, incisos
XXXIII e LXXII, pois, como destacado pelo Ministro CELSO DE
MELLO, “o modelo político-jurídico, plasmado na nova ordem
constitucional, rejeita o poder que oculta e o poder que se oculta”
(Pleno, RHD n. 22/DF, Red. p/ Acórdão Min. CELSO DE MELLO, DJ,
1-9-95).

48
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

[...]

Diante do exposto, reiterando os fundamentos da decisão


monocrática que proferi, VOTO no sentido de REFERENDAR A
MEDIDA CAUTELAR concedida, para determinar a suspensão da
eficácia do art.6º-B da Lei 13.979/2020, incluído pelo art. 1º da
Medida Provisória 928/2020.

Assim como explicitado acima, aglutinando os princípios destacados


pela resolução, o acesso à informação é regra, mesmo em tempos de pandemia.
Eventual interesse do Estado em proteger informações não deve em nenhum
momento estar acima do interesse público em obter esclarecimentos que afetam
a saúde e o bem-estar de todos.

Nota-se que a todo momento existem conflitos de interesse entre


princípios constitucionais. Em regra, como dito nos itens anteriores, nenhum
deles está acima do outro, visto que ontologicamente todos estão dentro de
nossa lei maior. Ocorre que no que diz respeito a situações cotidianas, em
especial agora dentro de uma pandemia, alguns princípios vão se sobressair
conforme sua dimensão de validade. Explica assim Dworkin (2002):

Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a


dimensão de peso ou importância. Quando os princípios se
intercruzam (por exemplo, a política de proteção aos compradores de
automóveis se opõe aos princípios de liberdade de contrato), aquele
que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de
cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o
julgamento que determina que um princípio ou uma política particular
é mais importante que a outra frequentemente será objeto de
controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte integrante do
conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso
ele tem e o quão importante ele é.

A resolução da CIDH nos diz, a todo momento, que o interesse coletivo,


principalmente no que afetar a saúde pública, deve ser colocado sempre em
primeiro lugar. O Estado, por seu prisma, não poderá utilizar do momento
excepcional, pelo qual passamos, para avançar em pautas autoritárias ou em
restrições de direitos sem qualquer parâmetro justificável.

Conflitos dessa estirpe, portanto, requerem a avaliação preambular de


quais os direitos a serem restringidos (liberdade de reunião, locomoção, etc.),

49
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

por quanto tempo e qual sua real eficácia. Somente assim se respeitarão os
direitos coletivos e as liberdades individuais, principalmente das populações
mais vulneráveis, às quais o sopesamento costuma pender em seu desfavor.

Considerações finais

Todo um arcabouço teórico acerca da estrutura dos direitos


fundamentais, com a consideração do suporte fático dos direitos, conteúdo
essencial, restrições permitidas ou não, limites dos limites, teoria dos princípios,
e análise das dimensões do princípio da proporcionalidade articularam-se em
uma análise do Supremo Tribunal Federal e sua atuação no decorrer da
pandemia. Com exceção do leading case “vacinação obrigatória”, em que que
se fez em maior ou menor medida tal análise, este critério para a manutenção
do conteúdo essencial dos direitos fundamentais permanece como ponto omisso
na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal.

A ideia de proibição de excesso, utilizada para aferir a intervenção em


direitos de defesa, que estabelecem direitos fundamentais contra o arbítrio do
Estado, como o resguardo das liberdades públicas, visando impedir que o poder
público atue de forma desproporcional, de forma muito onerosa, quedou-se
silente. Há um pacto de silêncio quanto a traçar as linhas divisórias do que é
proporcional ou não nas medidas do artigo 3º da Lei 13.979/20. Não se
demarcou o discurso acerca do que é proibição ou restrição excessiva do direito
fundamental de liberdade das pessoas, notadamente no cotejo da Livre Iniciativa,
princípio este de envergadura constitucional, embora, silenciosamente
desconsiderado.

A outra feição do princípio da proporcionalidade, que é a da proibição de


proteção deficiente ou insuficiente (SARLET, 2009), que veda a adoção de
medidas insuficientes na proteção de um direito fundamental, impedindo que
fique aquém do necessário para a proteção do seu conteúdo essencial, verifica-
se, pela leitura dos precedentes do STF, que o governo federal agiu e age de
forma inconsequente, não protegendo, a contento, o direito à saúde no combate
à Covid-19. Boa parte das decisões citadas acima tiveram meramente comandos

50
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

formais dirigidos ao Executivo para fazer cumprir a Constituição Federal quanto


à implementação de políticas públicas de saúde.

Sob estes prismas, da proibição de excesso e da proibição da proteção


deficiente, verifica-se que, não raro, a consagração de direitos fundamentais no
texto constitucional não passam de uma “constitucionalização simbólica”. Há
uma dualidade de perspectivas. Em uma primeira vertente, temos o significado
social e político dos textos constitucionais, e em outra perspectiva, temos a real
implementação do plano normativo nos casos concretos, ou seja, temos uma
“relação inversa da sua concretização normativo-jurídica” (NEVES, 2007). Em
outros termos, há uma evidente discrepância entre o papel simbólico e a escassa
concretização jurídica do enunciado normativo previsto no texto, em clara
distinção entre fato e norma (densidade normativo-constitucional), em que se
verifica uma privação – negação de concretização jurídica no plano fático.

Na perspectiva traçada por Neves (2007), o conteúdo de uma


constituição/legislação simbólica pode ter por tipologia: “a) confirmar valores
sociais, b) demonstrar a capacidade de ação do Estado e c) adiar a solução de
conflitos sociais através de compromissos dilatórios”.

Inúmeros direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal


apresentam uma “força simbólica”. Entretanto, o reconhecimento, no
constitucionalismo contemporâneo, de que os princípios jurídicos devem
vetorizar a prática decisória, contendo força normativa e aplicabilidade plena na
solução dos casos, com a chamada constitucionalização dos direitos (NEVES,
2007), ainda claudica em efetividade ante a sua desvinculação com a justiça
cotidiana.

Por fim, ante tudo quanto exposto, o estudo sobre as decisões, leituras
constitucionais e resoluções internacionais de direitos humanos em momentos
de crise, no que tange às medidas de controle social para o enfrentamento do
Coronavírus, podem fornecer material precioso para a sociedade aberta de
intérpretes, indicando, por sua vez, um contra-argumento agonístico que
possibilite, por meio de um trabalho constante e sério, exercer uma gestão

51
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

democrática da vida de todo cidadão latino-americano, respeitando liberdades


individuais, objetivos de igualdade e desejos de emancipação social.

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55
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

As contradições existentes na judicialização da


saúde para obtenção do direito do cidadão
brasileiro em meio a pandemia
Lucas de Souza Teixeira

Carla Regina de Souza Teixeira

RESUMO

No Brasil, o direito universal e integral à saúde tem sido permeado por


contradições e suas maiores conquistas vieram de manifestação social; e
principalmente na área jurídica. Esse texto baseia-se principalmente nas
medidas tomadas pelo poder Judiciário que interfere nos protocolos clínicos e
diretrizes de tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS). Em contrapartida,
abordaremos também, a questão atual do COVID-19 exemplificando com a
terapêutica medicamentosa em diabetes. Se por um lado, recentemente
obtivemos o avanço da inclusão da insulina glargina como medicamento
essencial pela sua alta demanda de processos judiciais em nosso país. Por outro
lado, restrições foram impostas na inclusão de possíveis novos medicamentos.
Contudo, destaca-se que os desafios enfrentados pela população brasileira na
pandemia impulsionaram mudanças no fornecimento de medicamentos e
insumos por 3 meses pelo governo como forma de auxiliar as pessoas com
doenças crônicas. Todos estes apontamentos necessitam de reflexões futuras.
Palavras-chave: Judicialização da saúde, SUS, COVID-19.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal do Brasil e a Declaração Universal dos Direitos


Humanos têm sido os pilares de estruturação nos processos de judicialização
em saúde. Com o intuito de gerenciar, organizar, sistematizar e implementar as
ações em saúde no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) dispõe de pilares
básicos, que consistem na universalidade no acesso aos serviços, na
integralidade da assistência e na equidade na distribuição dos recursos. Assim,
criado pela Constituição Federal de 1988, e regulamentado em 1990 pelas Leis

56
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Orgânicas de Saúde, o SUS tem buscado alcançar a garantia aos cidadãos do


direito universal e integral à saúde (BRASIL, 1988; BRASIL, 1990).

No entanto, garantir este direito evidencia os limites e possibilidades do


SUS, que tem evoluído e se aprofundado com a seguinte contradição: a própria
Constituição Cidadã tem como finalidade garantir direitos na área da saúde que,
na prática, não são assegurados plenamente a todos os cidadãos. A partir desta
contradição, diversos grupos da sociedade têm buscado a materialização de
seus direitos constitucionais no campo do Direito, como meio efetivo para
superar a contradição entre os direitos constitucionais e as práticas das políticas
públicas de saúde (MACHADO, 2008). Apesar dos avanços nas políticas e ações
públicas voltadas para atender as demandas dos usuários por uma saúde
integral, ainda é possível observar, de acordo com alguns estudos, que o SUS
ainda enfrenta dificuldades para atender regularmente as necessidades dos
usuários (MESSEDER, OSORIO-DE-CASTRO, LUIZA, 2005; VIEIRA, ZUCCHI,
2007; ROMERO, 2008; CHIEFFI, BARATA, 2009; BORGES, UGÁ, 2010;
PEREIRA et al. 2010; PEPE et al. 2010).

Um dos exemplos desta contradição é o tratamento medicamentoso às


pessoas com diabetes em nosso país. Embora tenha sido constatado em muitos
estudos, que nas ações judiciais há solicitações de medicamentos já presentes
nas listas oficiais. Alguns estudos têm apontado que nas ações pleiteando
medicamentos não pertencentes às listas públicas destaca-se que a insulina
glargina apareceu como um dos medicamentos mais demandados (CHIEFFI,
BARATA, 2009; MACHADO et al., 2011; FIGUEIREDO, 2010; SANTOS et al.,
2018; ANDRADE et al., 2018; MASSUDA et al., 2018).

Quando abordamos a universalidade e isonomia do SUS, observou-se


no pensamento de Oliveira e Noronha (2011) que a judicialização não privilegia
apenas a classe dos demandantes, pois a ingerência judicial impulsiona a
criação de políticas públicas que beneficiam a todos. Em outras palavras,
demandas judiciais repetitivas que condenam o Poder Público a fornecer
determinado medicamento geram um indicativo de que esse fármaco precisa ser
disponibilizado pelo SUS.

57
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Desta forma, os gestores ao realizarem o planejamento da aquisição de


medicamentos, tem, por um lado, a obrigatoriedade de cumprir a ação judicial
em curto prazo; e por vezes podem ficar comprometidos. Segundo Ramos et al.,
(2016), no contexto macropolítico, o processo de judicialização, parece colocar
em risco os pressupostos do SUS, na medida em que as ações, em sua maioria,
não beneficiam o coletivo, bem como não respeitam as diretrizes do sistema,
tendendo a promover descaracterização do SUS, com consequente prejuízo à
cobertura universal à saúde no país.

E diante desta situação, com o incremento de processos judiciais na


solicitação deste medicamento, a insulina glargina impulsionou o avanço
profundo no quesito da judicialização na atenção em diabetes. Em 13 de
novembro de 2019, houve publicação pelo Ministério da Saúde da atualização
do Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) para Diabetes Mellitus tipo
1. Nesta publicação, foi incluída a insulina análoga de ação prolongada, ou seja,
a insulina glargina. Ao considerar que para a aplicação deste medicamento há
necessidade de aprender o manejo da caneta de aplicação, se tornou necessária
a capacitação dos profissionais da saúde e pacientes para o manejo desta
terapêutica (BRASIL, 2019).

O objetivo do PCDT é garantir o melhor cuidado de saúde possível diante


do contexto brasileiro e dos recursos disponíveis no Sistema Único de Saúde,
de forma a garantir sua sustentabilidade. Podem ser utilizados como materiais
educativos aos profissionais de saúde, auxílio administrativo aos gestores,
regulamentação da conduta assistencial perante o Poder Judiciário e
explicitação de direitos aos usuários do SUS (BRASIL, 2019).

Desta maneira, no início do ano de 2020 urgia a necessidade de se


educar para a implementação da glargina como medicamento essencial. Mas
em março, a Organização Mundial da Saúde declarou pandemia por coronavírus
em nosso país.

58
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

As demandas da terapia medicamentosa no diabetes em tempos de COVID-


19

Este avanço recente na judicialização da terapêutica medicamentosa no


diabetes, com a inclusão do medicamento glargina como medicamento essencial,
carrega outra contradição a ser contemplada, principalmente nos tempos da
pandemia por COVID-19 no ano de 2020. Em março de 2020, restrições foram
impostas pelo judiciário na inclusão de possíveis medicamentos de alto custo,
como o que ocorreu com a insulina glargina.

Sabemos que a população brasileira é quem sustenta o Estado, e todo


o investimento feito no SUS fica condicionado a essa relação existente entre a
tributação arrecadada e o direcionamento dessa verba. Atualmente, com a
pandemia do COVID-19, os gastos em saúde (e seus afins) estão sendo
astronômicos, atraindo todas as atenções para a administração ao combate da
doença e prejudicando todas as outras áreas da saúde necessitadas da atenção
estatal. Nesse contexto, podem existir até limitações de medicamentos
fornecidos para o paciente, o que se intensifica ainda mais pelo fato da pessoa
precisar de uma receita médica para a obtenção do medicamento, isso quando
não necessitar da interferência judiciária.

No entanto, para o tratamento em diabetes possuímos medicamentos


que permanecem de alto custo, como por exemplo as bombas de insulina entre
outros. Nesta direção, temos a lei nº 10.938, de 19 de outubro de 2001, que
regula a questão de distribuição dos medicamentos fornecidos pelo Estado. Os
fornecimentos de medicamentos de alto custo devem ocorrer baseados em
avaliações criteriosas, alicerçadas em protocolos clínicos e diretrizes
terapêuticas referenciados pela boa prática da medicina baseada em evidências,
levando em conta, dentre outros, os conceitos de custo-benefício e o custo-
efetividade.(ROMANELLI, 2016)

Entretanto, a questão debatida vem em conflito desde 2016 e somente


julgada recentemente em março de 2020, no Recurso Extraordinário n. 566471,
quando ficou decidido que o Estado não é obrigado a fornecer medicamentos de
alto custo solicitados judicialmente, quando não estiverem previstos na relação

59
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional, do


Sistema Único de Saúde (SUS).

A decisão se embasa justamente na capacidade finita de arrecadação


do Estado, para o fornecimento de tais medicamentos, que pode ser prejudicada
por uma ação judicial que só impacta uma pessoa. Porém, cabe salientar que
existem exceções, ainda não oficialmente decididas. No voto da maioria dos
ministros, ficou relatado:

Na hipótese de pleito judicial de medicamentos não previstos em listas


oficiais e/ou Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDT’s),
independentemente de seu alto custo, a tutela judicial será excepcional
e exigirá previamente - inclusive da análise da tutela de urgência -, o
cumprimento dos seguintes requisitos, para determinar o fornecimento
ou ressarcimento pela União: (a) comprovação de hipossuficiência
financeira do requerente para o custeio; (b) existência de laudo médico
comprovando a necessidade do medicamento, elaborado pelo perito
de confiança do magistrado e fundamentado na medicina baseada em
evidências; (c) certificação, pela Comissão Nacional de Incorporação
de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC), tanto da
inexistência de indeferimento da incorporação do medicamento
pleiteado, quanto da inexistência de substituto terapêutico incorporado
pelo SUS; (d) atestado emitido pelo CONITEC, que afirme a eficácia,
segurança e efetividade do medicamento para as diferentes fases
evolutivas da doença ou do agravo à saúde do requerente, no prazo
máximo de 180 dias. Atendidas essas exigências, não será necessária
a análise do binômio custo-efetividade, por não se tratar de
incorporação genérica do medicamento"; e do voto do Ministro Roberto
Barroso, que fixava a seguinte tese: “O Estado não pode ser obrigado
por decisão judicial a fornecer medicamento não incorporado pelo SUS,
independentemente de custo, salvo hipóteses excepcionais, em que
preenchidos cinco requisitos: (i) a incapacidade financeira de arcar
com o custo correspondente; (ii) a demonstração de que a não
incorporação do medicamento não resultou de decisão expressa dos
órgãos competentes; (iii) a inexistência de substituto terapêutico
incorporado pelo SUS; (iv) a comprovação de eficácia do medicamento
pleiteado à luz da medicina baseada em evidências; e (v) a propositura
da demanda necessariamente em face da União, que é a entidade
estatal competente para a incorporação de novos medicamentos ao
sistema (STF, RE 566471, Relator MIN. MARCO AURÉLIO, 21 de
agosto de 2020).

Desta forma, fica entendido que o Estado pode ser obrigado a fornecê-
los, desde que comprovadas a extrema necessidade do medicamento, a
incapacidade financeira do paciente e de sua família para sua aquisição. O
entendimento também considera que o Estado não pode ser obrigado a fornecer
fármacos não registrados na agência reguladora.

60
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

A pandemia revelou a necessidade de se rever a desburocratização do


fornecimento de medicamentos em nosso país, principalmente em uma
população com condição crônica como o diabetes.

Destaca-se o projeto de lei 928/20 que altera a Lei n° 10.858, de 13 de


abril de 2004, para desburocratizar a retirada de medicamentos populares
durante situação de pandemia, epidemia ou calamidade. Como recomendação
por meio de NOTA INFORMATIVA Nº 1/2020-SCTI E/GAB/SCTIE/MS para
reorganização dos processos de trabalhos das farmácias, permite-se a
dispensação dos medicamentos por três meses. (MINISTÉRIO DA SAÚDE,
2020)

Embora o governo federal e alguns estados tenham feito planos e


compromissos iniciais, conhecendo os riscos de mau prognóstico entre os
indivíduos que vivem com diabetes e / ou outras doenças não transmissíveis se
infectados pelo SARS-CoV-2, na prática observou-se a não cobertura dessas
pessoas. A estratégia de distribuição de medicamentos e suprimentos médicos
por 90 dias, conforme recomendado por diferentes organizações, a fim de evitar
viagens mensais, foram eficazes para apenas 21% dos 64,5% que receberam
seus medicamentos e insumos pelo SUS. Esse fornecimento de medicamentos
e insumos por 3 meses, evitando as rondas mensais em unidades públicas de
atenção básica ou farmácias, pareceu ser uma das únicas políticas específicas
de proteção aos diabéticos e outras doenças no Brasil. (BARONE et al., 2020)

Contudo, valoriza-se que os desafios da pandemia mostraram que o


quão flexível pode ser o poder judiciário e o Estado frente a mudanças que
possam facilitar ou dificultar o acesso ao tratamento de uma pessoa com
condição crônica, como o diabetes em nosso país.

Considerações finais

Como bem observado, a discussão sobre a judicialização da saúde


torna-se cada vez mais complicada, considerando-se que um dos melhores
mecanismos de exigir o direito de fornecimento de um medicamento por meio da

61
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

justiça desmantelou-se; dificultando a inclusão de novos medicamentos nos


moldes dos PCDT’s.

Além de que, com a recente decisão do poder Judiciário, essa


possibilidade só ocorrerá por meio de requisitos, possuindo uma vastidão de
burocracias. Nesse sentido, é importante analisar qual seria a nova maneira de
conseguir um direito básico garantido pela Constituição Federal que só atende a
porcentagem de pessoas que pleiteiam medicamentos de alto custo inclusos na
lista gerada pelo PCDT. Sendo assim, nas entrelinhas, quem não se enquadra
nessa porcentagem e condições, perdeu o seu direito essencial à saúde para o
mesmo órgão que um dia foi a principal ferramenta da sua obtenção.

Se por um lado esta mudança ocorreu em meio a pandemia em nosso


país, por outro lado, tivemos leis que desburocratizaram a aquisição de
medicamentos essenciais para o tratamento das pessoas com condições
crônicas. Portanto, estamos vivendo um novo ambiente em relação a
judicialização da saúde, em que dependemos exclusivamente de decisões
vindas do Poder Judiciário que influenciam o Estado, correndo o risco de não
voltarmos ao que era antes.

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65
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Justiça em tempos de pandemia


Bruno de Paula Checchia Liporaci

Francinele Valdivino

João Batista Caldeira de Oliveira Júnior

RESUMO

Em pleno século 21, no ano de 2020, o mundo é assolado por uma pandemia,
causando uma doença que desorganizou a vida de todos em matérias sociais e
econômicas, influenciando todos os aspectos da sociedade. Como medida inicial
dos governantes foram pautados o isolamento social em alguns lugares, e onde
a doença estava mais grave foi realizado o lockdown. A partir deste evento, com
o fechamento das fronteiras e o isolamento social, começam a surgir demandas
judiciais relacionadas à pandemia, visando garantir Direitos dos cidadãos em
questões relacionadas de saúde atreladas ao princípio da justiça social e dos
pressupostos constitucionais que embasam o Direito à Vida e o Direito à Saúde.
Dessa forma, este trabalho centra-se em demandas judiciais no estado de São
Paulo relacionadas ao coronavírus e sua resolução enfocando o princípio da
Justiça.

Palavras-chave: Aceso aos Direitos, Princípios, Tribunais, Covid- 19, Pandemia.

INTRODUÇÃO

Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde elevou a


contaminação do Sars-CoV 2, causador da Covid-19 à condição de uma
Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) (MATOS;
BARBIERI e COUTO, 2020).
Nessa perspectiva, o mundo, na história mais recente da humanidade,
não havia presenciado uma doença tão grave e de relevância social, econômica
e até política como é o caso da Covid-19, surgindo várias discussões sobre os
sistemas de saúde mundiais, que revelaram fragilidades nos serviços de saúde
no âmbito mundial (MATOS; BARBIERI e COUTO, 2020).
O Brasil, um dos países mais afetados pela doença, tem tido dificuldade
para o seu enfretamento por parte das autoridades públicas. As ações neste

66
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

sentido têm sido ineficazes ou praticamente nulas, com o recorrente argumento


negacionista do governo. Pode-se verificar que esses fatores foram
preponderantes para o agravamento da situação sanitária excepcional que ora
atravessamos e que, consequentemente, tem levado a um processo de
judicialização na esfera da saúde pública brasileira (SANGALETTE et al., 2020).
Considerando a resposta jurisdicional para as questões relativas ao
impacto social dessa nova realidade, este estudo busca explicitar e analisar a
aplicação do princípio da justiça nas decisões judiciais no que diz respeito à
Covid-19. Analisaremos, igualmente, como o judiciário brasileiro tem
recepcionado demandas que envolvem especificamente direitos fundamentais
como o direito à saúde, com foco em aspectos que abrangem a colisão entre
direitos.

Conceito de Justiça

Com a pandemia de Covid-19, a temática da Justiça veio à tona em vários


trabalhos acadêmicos, nos telejornais e no âmbito dos Tribunais de Justiça, pois
começou a se ter uma maior demanda que preconizava o Princípio da Justiça,
principalmente em questões relacionadas ao acesso a leitos de UTI e,
consequentemente, acesso aos serviços de saúde (SANTOS,2020).
Vale destacar que o Princípio da Justiça se caracteriza como fundamental
para o Direito, usado para representar abstratamente o equilíbrio nas interações
sociais, para que haja igualdade entre os indivíduos e, assim, remetendo-se ao
justo, ou seja, a justiça. Para tanto, vale rememorar o desenvolvimento
principiológico da Justiça que tem as suas bases na filosofia aristotélica. No livro
Ética a Nicômaco, Aristóteles menciona que há uma importância relacional entre
a “ação humana” referentemente à “justiça” e “injustiça”.
Assim, Aristóteles considerava a justiça como a maior das virtudes, uma
vez que todas as demais virtudes estariam abrangidas por ela. Esse grande
pensador relacionou também a proporcionalidade (igualdade) como paradigma
básico para se alcançar a “verdadeira” justiça (ARISTÓTELES: 1933).
Para Aristóteles, o Princípio da Justiça possui duas distinções, uma é a
sua aplicabilidade legalista, disposta em regras aplicadas pelo Estado perante

67
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

sua população. A outra é a ideia de justiça particular, característica de


proporcionalidade perante o indivíduo, dando o aspecto de igualdade, o que
ensejará equidade. Esta se aplica ao conceito de universalidade e
vulnerabilidade, pois trata de oferecer condições de restauração social,
oferecendo o máximo de igualdade para um indivíduo em suas necessidades e,
assim, contrabalanceando o meio social (SANTOS, 2020).
Outro importante pensador da Teoria da justiça é John Rawls, o qual
ensina que “a justiça é a primeira virtude das instituições sociais, como a verdade
ou dos sistemas de pensamento” (RAWLS,2000. p. 3).
Atualmente, as discussões acerca do Princípio da Justiça, no âmbito da
saúde, tendem a ser por questões de financiamento como, por exemplo, o
financiamento da saúde por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) ou do
Estado, uma vez que os recursos são finitos e não conseguem abarcar toda a
sociedade, razão pela qual o fenômeno da judicialização da saúde tornou-se tão
comum hodiernamente, tendendo a buscar um ideário do justo nas decisões
judiciais, o que consiste em uma tarefa valorativa do magistrado.
Como bem lembrou o filósofo supramencionado, o magistrado deverá
sempre primar na sua ação em distribuir proporcionalmente a cada parte
exatamente o que ela mais necessita naquele instante, dignificando a atividade
jurisdicional com ênfase na observância de valores inestimáveis à dignidade da
pessoa humana (NUNES, 2011).
Há casos, porém, em que existem colisões de direito e, muitas vezes, o
magistrado se vê em uma encruzilhada, precisando ponderar os direitos
principiológicos, fazendo julgamento do justo, do essencial para tentar equilibrar
o acesso universal ao Direito à Saúde.

Do acesso ao direito à saúde e da colisão de direitos


O acesso efetivo ao Direito à Saúde é pressuposto para uma vida digna,
pois, tendo saúde garantida conseguimos acessar os demais direitos. Porém, a
saúde é pré-requisito para o referido acesso (ANADOM, 2010). Vejamos:

A dignidade humana está diretamente relacionada com o mínimo


existencial (ou essencial), que deve ser buscado pelo Estado
Democrático de Direito concebido pelo ordenamento constitucional de

68
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

1988. Por certo que o direito à vida e à saúde estão inseridos no


mínimo existencial, recebendo proteção especial do sistema jurídico
constitucional, pois comandos normativos a esse respeito
caracterizam-se cláusula pétrea e preceitos de aplicabilidade imediata,
dotados de máxima efetividade (FRANCISCO, 2008, p. 873)

Contudo, podem surgir barreiras que impedem o exercício do acesso à


saúde, ligadas a fatores econômicos e sociais, o que torna a garantia de direitos
ineficiente. O fator econômico, além de muitas vezes ser do próprio indivíduo
que pleiteia o direito à saúde, também pode ser do ente estatal que esbarra em
orçamentos anuais ineficazes, o que traz um déficit e prejuízo para a saúde da
população no acesso ou na eficácia da qualidade do serviço oferecido (SANTOS,
2020).
Dessa forma, para sanar esses percalços que dificultam o acesso ao
direito à saúde, há o princípio da Igualdade, que está umbilicalmente conectado
com a proporcionalidade. Nossa Constituição, promulgada em 1988, prevê o
princípio da igualdade material no seu artigo 3º, inciso III, ao expressar como
sendo objetivo fundamental do Estado brasileiro a erradicação da pobreza e a
marginalização, bem como a redução das “desigualdades sociais e regionais”.
Moraes explica que nossa Constituição, ao adotar o princípio da igualdade,
prevê, em realidade, uma igualdade de aptidões, de “possibilidades virtuais”, no
sentido de que todos os cidadãos, perante a lei, têm que ter um tratamento
isonômico. Esclarece o autor, outrossim, que o que se veda seriam as
diferenciações arbitrárias ou discriminações absurdas. E conclui: “o tratamento
desigual dos casos desiguais, na medida que se desigualam é exigência
tradicional do próprio conceito de justiça...” (MORAES:2006, p. 31)
Dessa forma, a Igualdade aqui referida é a igualdade horizontal que
muitas vezes não é aplicada, como exemplifica Silva e Almeida filho (2009,
p.220):
No campo da saúde, tal condição é plenamente aplicável. As
necessidades de serviços de saúde e mesmo as necessidades de saúde
variam de pessoa para pessoa. Se decidirmos aplicar a fórmula de
Whitehead, de acesso igual para necessidades iguais, os problemas
práticos serão insuperáveis.

É necessário, portanto, se chegar a noção de igualdade vertical, como


justiça equitativa, justiça corretiva pautada na teoria de Aristóteles: a equidade

69
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

teria mais potencial que a igualdade, no sentido de considerar que as pessoas


são diferentes e, portanto, têm necessidades específicas (SANTOS,2020).
Dessa forma, torna-se possível, e porque não dizer conforme à justiça, as
chamadas ações afirmativas ou “affimatives actions” em que, em certos casos,
para certos grupos, por exemplo, o tratamento é diferenciado para se atingir um
equilíbrio. É o que ocorre, v.g., com idosos, negros, etc. A isonomia, de acordo
com esse autor, é verdadeira regra de ouro erigida à condição de princípio
(BULOS:2012 p. 341 e ss.).
Sendo assim, a própria justiça esbarra na vida, na saúde, na equidade e
igualdade, colidindo com outros princípios e demais direitos fundamentais.
Nesse contexto, Robert Alexy elaborou sua teoria dos direitos
fundamentais, assegurando a importância de se ter a exata noção, antes, do que
deva ser compreendido pela expressão “norma” (ALEXY, p. 51 e ss). Antes de
tratar especificamente sobre a colisão de princípios, esse autor tomou o cuidado
de preestabelecer a distinção de regras e princípios e de delimitar a noção de
norma de direito fundamental para então elaborar uma ponderação de direitos.
No caso da Constituição brasileira, o direito à saúde surge no arcabouço
desses chamados direitos e princípios essenciais no artigo 1º do Título I (Dos
Princípios Fundamentais quando se refere à dignidade da pessoa humana) e do
Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais), capítulo II, artigo 6º, como
“direito social”.
Vale lembrar que existe diferença entre regra ou regramento e princípio.
Assim, em apertada síntese, para evitarmos o afastamento do nosso objetivo
inicial, lembramos que este tem um maior grau de abstração que o primeiro e
que possui um teor axiológico alto. Já o regramento é mais descritivo e
pormenorizado.
Com a pandemia que acomete praticamente a todos, sem estabelecer
qualquer discriminação enquanto gênero ou condição social, por vezes tem se
verificado a possibilidade de que direitos, que são essencialmente fundamentais,
possam colidir, como é o caso do acesso à saúde. A título de exemplo,
destacamos o direito à saúde, por meio da vacina, e o direito de recusa
consubstanciado no inciso II do art. 5º da CF/88, o qual dispõe que “ninguém
será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

70
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Ora, mas qual o critério apropriado em se tratando de colisão de direitos


que sejam fundamentais? A solução apontada em doutrina é a “ponderação” ou,
como ensina Robert Alexy, o sopesamento dos interesses. O autor explica que
deverá um princípio ceder em desfavor de outro, não havendo que se falar em
nulidade porquanto ambos, por essência, são princípios: “o que ocorre é que um
dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições”
(ALEXY, 2008, p. 93 e ss).
Portanto, quando não se cumpre o acesso aos seus Direitos, há a
possibilidade de judicializar a questão da Saúde, começando uma lide judicial
para fazer valer este direito. Utilizando a analogia da aplicabilidade da lei com os
princípios norteadores da igualdade e da equidade, o magistrado tende a tomar
sua decisão quando há o encontro entre os Direitos da Vida, Saúde, Economia
e outros direitos sociais, tentando estabelecer a Justiça.

O direito à saúde e as demandas judiciais distribuídas durante a pandemia


de Covid-19

Considerando a classificação dada pela Organização Mundial de Saúde,


no dia 11 de março de 2020, como pandemia do Novo Coronavírus (Covid-19),
bem como que a situação demandou o emprego de medidas de prevenção,
controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública, a fim de evitar
a disseminação da doença, pode-se afirmar que a crise sanitária atravessada
pelo mundo em decorrência da pandemia de Covid-19 colocou em destaque o
conflito de direitos que há muito se discute no ordenamento jurídico brasileiro,
qual seja: direito à saúde vs. direito de igualdade.
O conflito desses direitos não é matéria nova para o judiciário brasileiro.
Contudo, ante o cenário da pandemia de Covid-19, a briga por leitos de hospitais
tornou-se ainda mais acirrada, fazendo com que a discussão sobre tais direitos
subisse para outro patamar.
De acordo com “O Globo”, em maio de 2020, o Brasil já possuía cerca de
100 (cem) ações judiciais distribuídas para fins de pleitear vagas de leitos de UTI,
em razão da pandemia de Covid-19. Senão, vejamos um trecho da matéria: “(...)
com o avanço da pandemia do coronavírus, a briga por leitos de UTI começa a

71
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

esbarrar na Justiça, que já soma ao menos cem ações por vagas no país” (2020,
online, s.p.).
Antes de adentrar no mérito das ações judiciais, destacamos a
importância da discussão em tela por meio da transcrição de relevante trecho do
artigo científico escrito pela autora Eloá Carneiro Carvalho (e outros) para a
Revista Latino-Americana de Enfermagem, publicada em agosto de 2020.
Vejamos:

(...) a judicialização na saúde consiste em obter bens e direitos nos


tribunais, os quais são importantes para a garantia da saúde do
cidadão que, em diversas situações, vem sendo negada, geralmente
pela omissão dos poderes Executivo e Legislativo. Com a pandemia,
analisar a judicialização poderá colocar foco e trazer à discussão a
importância de dar voz e visibilidade ao enorme contingente da
sociedade brasileira que não é assistido pelo Poder Público
(CARVALHO, 2020, online, s.p.).

A saúde é uma das condições fundamentais para o processo de


crescimento, desenvolvimento e progresso da sociedade, de modo que “a vida
saudável, para além da responsabilidade do indivíduo em âmbito privado, deve
merecer proteção e tutela do Poder Público” (CARVALHO, 2020, online, s.p.).

Da metodologia empregada, dos materiais utilizados e dos resultados da


pesquisa

Utilizando-se do método de estudo qualitativo, documental, do tipo estudo


de caso, realizou-se a análise de ações judiciais relacionadas ao Covid-19
propostas no estado de São Paulo, no período de Fevereiro a Outubro de 2020.
De acordo com informações divulgadas no "Painel Coronavírus" pelo
Ministério da Saúde (BRASIL, online, s.p.) até novembro de 2020, o estado de
São Paulo liderou o ranking de infecções, com os maiores números de casos
acumulados de Covid-19, bem como de óbitos registrados, sendo esta a razão
de se delimitar a pesquisa em relação a este estado especificamente.
Os dados foram coletados por meio de pesquisas na internet, mais
especificamente no site eletrônico do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP),
nos campos de pesquisas intitulados como “consultas de jurisprudência” e
“consulta de julgados de 1º grau”, que possuem acesso público.

72
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Como documentos foram utilizadas as sentenças e acórdãos (decisões


de 1ª e 2ª instância) proferidas no âmbito do TJSP.
A escolha do lapso temporal mencionado levou em consideração que: (i)
o Brasil registrou o primeiro caso da doença Covid-19, no dia 26 de fevereiro, na
cidade de São Paulo; (ii) a classificação dada pela Organização Mundial de
Saúde, no dia 11 de março de 2020, como pandemia do Novo Coronavírus; (iii)
o período representa a evolução dos casos e de mortes por infecção de Covid-
19.
Foi realizada a pesquisa com foco na busca de casos que demonstrassem
a aplicação do princípio da justiça no que diz respeito ao Direito à Saúde, as
medidas empreendidas pela população e autoridades públicas no enfrentamento
da doença, bem como que refletissem a judicialização de leitos de hospitais
durante a pandemia de Covid-19.
Para fins de pesquisa foram utilizadas as palavras-chave “Covid-19”, “leito
de hospital” e “justiça”, obtendo-se como resultado da busca 184 (cento e oitenta
e quatro) julgados no âmbito do TJSP.
Após a apuração do conteúdo dos julgados, notou-se que a maior parte
não possuía relação com os objetivos da pesquisa e tratavam de assuntos tais
como: (i) ação de cobrança movida por empresas fornecedoras de plano de
saúde (sistema suplementar) em face dos seus contratantes (consumidores); (ii)
discussão acerca da cobertura obrigatória (ou não) de determinados serviços no
contrato do plano de saúde, não relacionados a concessão de leitos hospitalares;
(iii) possibilidade de proibir a entrada e permanência de acompanhantes junto
aos pacientes em razão da pandemia; entre outros.
A partir desse processo, foram excluídos os julgados que não tratavam
especificamente da aplicação do princípio da justiça e incluídos na análise
aprofundada apenas 06 (seis) julgados que continham conteúdo pertinente aos
objetivos da pesquisa, conforme discriminados a seguir:

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Nº processo Tipo de ação Assunto

101295702.2020.8.26.0071 Ação Popular Utilização de bens públicos

100336650.2020.8.26.0286 Ação Civil Pública Violação dos princípios


administrativos

300325177.2020.8.26.0000 Agravo de Instrumento Ação individual referente à


realização de cirurgia
“eletiva”.

100197678.2020.8.26.0566 Obrigação de fazer Ação individual referente à


cumulada com tutela de realização de cirurgia
urgência antecipada “eletiva”.

100512594.2019.8.26.0541 Obrigação de fazer Ação individual referente à


cumulada com tutela de realização de cirurgia
urgência antecipada “eletiva”.

205369534.2020.8.26.0000 Agravo de Instrumento Ação individual referente à


realização de cirurgia
“eletiva”.

Dos principais assuntos abordados nos casos analisados

Dentro das discussões promovidas no interior dos julgados analisados, os


principais assuntos envolviam a utilização de bens públicos durante a crise
sanitária de Covid-19, a desobediência às medidas de prevenção e contenção
da Covid-19, bem como a realização de cirurgias eletivas durante o estado de
pandemia, conforme expostos a seguir.
a) Da inércia do poder estatal e a utilização de bens públicos durante a
pandemia de Covid-19

A ação popular nº 1012957-02.2020.8.26.0071 foi distribuída na data de


30 de junho de 2020 por cidadão da cidade de Bauru/SP e buscava pleitear a
abertura e funcionamento dos leitos do Hospital das Clínicas de Bauru (estrutura
ociosa naquele momento), até o fim do estado de calamidade pública em razão
da pandemia de Covid-19, para fins de acomodação dos pacientes
contaminados pela doença.

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Em razão da abertura do hospital na data de 01 de julho de 2020 (01 dia


após a distribuição do processo), houve a perda superveniente do objeto da ação,
motivo que levou à extinção da demanda sem resolução do mérito.
Embora a ação tenha perdido o seu objeto, mostrou-se pertinente na
medida em que expôs a inércia do estado em momento crítico, posto que
mantinha 40 leitos para média e baixa complexidade, destinados a pacientes
com Covid-19, que estavam indisponibilizados.
b) Da desobediência as medidas de prevenção e contenção do Covid-19
adotados pelo governo do Estado de São Paulo

A ação civil pública nº 1003366-50.2020.8.26.0286, ajuizada pelo


Ministério Público de São Paulo em face do município da Estância Turística de
Itu, em razão deste último ter desobedecido preceito contido no bojo da lei nº
13.979/2020, colocou em destaque a necessidade de obediência às medidas de
prevenção e contenção do Covid-19 como forma de garantir a toda a população
o direito à saúde, à justiça e a própria dignidade humana.
Referida lei estabeleceu medidas para enfrentamento da emergência de
saúde pública, determinando o isolamento social e a quarentena, bem como que
os estados e municípios criassem medidas específicas para seus territórios.
O governador de São Paulo, por sua vez, editou o Decreto Estadual nº
64.920/20, que regulamentou o plano de flexibilização da quarentena, com
previsão de enquadramento dos municípios em cinco fases: vermelha (I), laranja
(II), amarela (III), verde (IV) e azul (V). Cada fase autoriza a abertura parcial e
controlada de determinados tipos de comércios e serviços.
O Município de Itu foi classificado na fase laranja (fase II) e possuía
autorização para proceder com a abertura de shopping center, comércio e
serviços, com capacidade de 20%, horário reduzido de 4 horas e adoção de
protocolos específicos. Contudo, autorizou o funcionamento e atendimento
presencial em salões de beleza, barbearias e clínicas de estética, autorização
esta que somente seria permitida na fase amarela, de modo que estaria
acarretando risco à saúde pública e violando a repartição constitucional de
competências.

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Após amplo debate acerca da questão com exercício pleno da ampla


defesa e contraditório pelas partes, sobreveio sentença de total procedência do
pleito, em que o juízo declarou a nulidade parcial do Decreto Municipal nº
3.491/2020, especificamente em relação à autorização para funcionamento de
salões de beleza, barbearia e clínicas de estética enquanto o Município se
mantivesse classificado na fase II (laranja), do Plano São Paulo de flexibilização
da quarentena para enfrentamento do Covid-19, instituído pelo Decreto Estadual
nº 64.994/2020.
O juízo também determinou ao município que se abstivesse de adotar
medidas de flexibilização que fossem mais amplas do que aquelas contidas nas
normas estaduais de combate ao coronavírus, sob pena de multa a ser arbitrada
em caso de descumprimento da ordem.
No caso narrado houve a sobreposição do direito à saúde em face dos
direitos econômicos, demonstrando a necessidade de enfrentamento da
pandemia de Covid-19 como forma de garantir a dignidade humana, ainda que
para isso seja necessário proceder com o fechamento ou limitação da atividade
empresarial em determinados ramos de negócio.
c) Da realização de cirurgias eletivas durante a pandemia de Covid-19

Foram localizados 04 (quatro) julgados relacionados à realização de


cirurgias eletivas durante a pandemia de Covid-19.
Em um dos casos analisados (Agravo de Instrumento nº 3003251-
77.2020.8.26.0000), foi distribuída a ação ordinária de obrigação de fazer em
face da prefeitura de Penápolis, a fim de obrigá-la ao fornecimento, no prazo de
30 dias, de aparelho Eletrodo Gerador para Neuro estimulação medular,
objetivando a realização de cirurgia de implante voltada ao tratamento de dor
crônica que acometia pessoa idosa (74 anos), com necessidade de internação
em leito de UTI.
A medida cautelar foi concedida pelo juiz de primeira instância sob o
fundamento de que a pessoa idosa poderia vir a sofrer dano irreparável, com
possível agravamento do quadro clínico e comprometimento da higidez,
destacando em sua decisão interlocutória que um dos princípios em que se

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

assenta a República Federativa do Brasil é justamente o da dignidade da pessoa


humana (art. 1º, inciso III).
Inconformado, o Ministério Público interpôs o recurso de agravo de
instrumento, o qual foi acolhido pela 12ª Câmara de Direito Público do Estado de
São Paulo nos seguintes termos:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO ORDINÁRIA. DECISÃO QUE
DEFERIU TUTELA DE URGÊNCIA VOLTADA A COMPELIR O
PODER PÚBLICO A FORNECER APARELHO ELETRODO
GERADOR PARA NEUROESTIMULAÇÃO MEDULAR, PARA FINS
DE CIRURGIA "ELETIVA" DE IMPLANTE VOLTADA AO
TRATAMENTO DE DOR "CRÔNICA" NA COLUNA QUE ACOMETE A
PARTE AGRAVADA. Inviabilidade. Não demonstrada a "urgência" na
realização do procedimento em questão, visto se tratar de cirurgia
"eletiva" que exigiria a internação de pessoa idosa de 74 anos de idade
em leito de UTI, medida que iria na contramão de expressa
recomendação do Ministério da Saúde para evitar a ida de pacientes
aos hospitais e postos de saúde neste momento de crise deflagrada
pelo Covid-19 – exceto nos casos de extrema necessidade -, o que,
num primeiro momento, não se verificou. Neste cenário, a agravada se
enquadra em grupo "de risco" de contaminação do novo Coronavírus,
bem como deve ser levado em consideração que a realização de tal
cirurgia "eletiva" e, a princípio, "não emergencial", poderia retirar
importante vaga de leito de UTI, destinada prioritariamente – neste
momento de grave crise sanitária - aos pacientes que realmente se
encontram em estado grave de saúde. Decisão reformada. RECURSO
PROVIDO. (TJSP, 2020, online)

O julgamento buscou a aplicação da medida mais justa ao caso concreto.


Isso, porque foi colocado diante do judiciário o conflito entre o direito à saúde e
o direito de igualdade, tendo ao final sido dada a prioridade a internações em
leito de UTI aos pacientes que demonstrassem maior estado de gravidade no
quadro clínico.
Notou-se também que a decisão, além de mitigar o direito à saúde, foi
proferida com nítido caráter de medida de prevenção e contenção ao Covid-19,
pois, caso a cirurgia eletiva tivesse sido pleiteada, poderia colocar em risco
também a vida do paciente em razão de sua idade avançada (grupo de risco) e
da exposição a que ficaria sujeito em caso de internação em leito de UTI.
Situações análogas foram identificadas nos autos dos processos de
número 1001976-78.2020.8.26.0566, 1005125-94.2019.8.26.0541 e 2053695-
34.2020.8.26.0000, todos julgados no âmbito da justiça estadual de São Paulo,
em que a realização de cirurgias eletivas foi preterida, dando-se prioridade ao
atendimento dos casos mais gravosos, principalmente aqueles relacionados ao
contágio por Covid-19.

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Quanto ao tema, o Tribunal de Justiça de São Paulo adotou forte


posicionamento, considerando sempre o atual estado de calamidade, senão
vejamos outro exemplo:
Agravo de instrumento. Plano de saúde. Decisão agravada que deferiu
o pedido liminar de imposição à prestadora de serviços de cobertura
dos procedimentos cirúrgicos para retirada de excesso cutâneo.
Beneficiária do plano de saúde que se submetera à cirurgia bariátrica
prévia. Inconformismo. Acolhimento parcial. Situação de calamidade
pública. Excepcionalidade. Exposição desnecessária ao risco de
contaminação por Covid-19 que pode e deve ser evitada. Risco de
morte decorrente do fato subjacente (pandemia) que se sobrepõe ao
teórico direito material ao ato cirúrgico. Suspensão dos prazos de
atendimento em regime de internação eletiva enquanto o país estiver
na fase de mitigação da pandemia. Negócio jurídico que, neste
momento peculiar, deve ser interpretado dentro de todo o complexo
jurídico. Proeminência das decisões emanadas das autoridades
públicas sanitárias e de saúde pública. Suspensão da tutela
antecipatória deferida, a bem da preservação da saúde da própria
conveniada. Agravo parcialmente provido (TJSP, 2020, online).

Na supracitada decisão o tribunal considerou que "o risco de morte


decorrente do fato subjacente pandemia se sobrepõe ao teórico direito material
ao aludido ato cirúrgico" (TJSP, 2020, online).
O posicionamento, o Tribunal considerou em suas decisões que a
Agência Nacional da Saúde (ANS), em reunião extraordinária realizada em
25/03/2020, prorrogou, em caráter excepcional, os prazos máximos de
atendimento para a realização de consultas, exames, terapias e cirurgias que
não fossem urgentes, suspendendo a realização de procedimentos eletivos,
conforme notícia divulgada no portal da agência:

Os prazos atuais, definidos na Resolução Normativa (RN) nº 259,


serão mantidos para os casos em que os tratamentos não podem ser
interrompidos ou adiados por colocarem em risco a vida do paciente:
atendimentos relacionados ao pré-natal, parto e puerpério; doentes
crônicos; tratamentos continuados; revisões pós-operatórias;
diagnóstico e terapias em oncologia, psiquiatria e aqueles tratamentos
cuja não realização ou interrupção coloque em risco o paciente,
conforme declaração do médico assistente (atestado).
Também ficam mantidos os prazos para atendimentos de urgência e
emergência. Para esses casos, portanto, os prazos máximos de
atendimento permanecem os mesmos.
Ficam suspensos também os prazos de atendimento em regime de
hospital-dia e atendimento em regime de internação eletiva, anunciado
anteriormente pela reguladora para quando o país entrasse na fase de
Mitigação da pandemia. A partir de amanhã (26/03), essa suspensão
será mantida, só que com duração até 31/05/2020 (BRASIL. ANS,
2020, online).

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Assim, em que pese a necessidade de fazer valer o direito à saúde a todo


cidadão brasileiro, missão conjunta da união, estados e município, os casos
analisados demonstraram a mitigação do direito frente ao estado de pandemia,
sendo dada a devida prioridade aos casos de pacientes em estado críticos e
contagiados pelo Covid-19, postergando os demais não urgentes.

Da mitigação e sopesamento dos direitos colocados para discussão


O estudo demonstrou que a aplicação dos direitos não foi realizada de
forma inflexível pelos magistrados julgadores, posto que ao enfrentarem
situações em que havia o conflito de direitos de econômicos, sociais, individuais
e coletivos, foi realizada a devida mitigação.
Nos casos em que houve afronta ao próprio Direito à Saúde e o
desrespeito às medidas de prevenção e contenção da doença, notou-se
posicionamento firme do poder judiciário no sentido de fazer valer as medidas
mais rigorosas de combate ao vírus, posto que o enfrentamento da pandemia é,
em suma, uma forma de exercício do Direito à Saúde e da própria Dignidade
Humana.
Contudo, a mitigação do próprio Direito à Saúde, nos casos dissecados,
pode ser vista como aplicação da clássica máxima aristotélica , em que “tratar
igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas
desigualdades” nada mais é que a aplicação da própria justiça em seu sentido
mais puro.

Considerações finais

O Artigo 5º, caput, e o inciso I da Constituição Federal estabelecem que


todos são iguais perante a lei. Do mesmo modo, o Direitos à Vida e à Saúde
estão garantidos nos artigos 6º e 196 da magna carta. Com a crise sanitária da
pandemia do Covid-19, houve o aumento do conflito pertinente a esses direitos
fundamentais, tornando a discussão acerca do assunto ainda mais acirrada.
A inacessibilidade ao Direito à Saúde ou sua afronta acaba por desaguar
no judiciário por meio da propositura de demandas judiciais, sejam elas
individuais ou coletivas. Nesses casos, o magistrado, visualizando eventual
confronto entre os Direitos (Direito à Vida, à Saúde, Direitos Econômicos ou

79
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Sociais), utilizará a analogia e os princípios norteadores da igualdade e equidade


na tomada de decisão, por meio de um sopesamento e tendo como objetivo final
a prestação jurisdicional e o estabelecimento da medida mais justa ao caso
concreto.
Após a análise dos casos judicializados no âmbito do estado de São Paulo,
notou-se que houve a mitigação e sopesamento dos direitos pelo magistrado
julgador do caso, ora sendo mitigado o direito econômico, ora mitigando o próprio
direito à saúde.
Por fim, observamos que o grande contingente de demandas relacionadas
ao Direito à Saúde e que acabam por desaguar no judiciário é motivo de
preocupação, tendo em vista que apontam a inépcia dos Poderes Legislativo e
Executivo no que tange ao fornecimento e garantia de exercício do mencionado
direito, bem como a urgente necessidade de implantação de ferramentas e
políticas públicas que o tornem efetivo.

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

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83
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Reflexões sobre a Saúde e Direitos da


População Negra frente à pandemia de
COVID-19.
Jussara Carvalho dos Santos
Milena dos Santos Fortunato

RESUMO

A pandemia de COVID-19 desvelou as injustiças sociais, econômicas e raciais


existentes no Brasil. Considerando que as desigualdades sociais colocam a
população negra em situações mais precárias de adoecimento e morte, sendo
distinto o seu impacto quando comparado por outros grupos populacionais na
estrutura social, fica evidente a necessidade de implementar aos
afrodescendentes medidas de apoio econômico e garantir o acesso a serviços
de saúde de modo universal, com enfoque intercultural e informação clara,
acessível e inclusiva, com a finalidade de reparar problemas históricos
agravados pela pandemia de COVID-19. Essa iniquidade racial acarreta
dificuldades que, por meio do determinante social racismo, interfere indireta e
diretamente nos direitos, nas relações profissional-paciente e no acesso a
serviços ofertados pelo estado, inclusive nos serviços de saúde. O Objetivo
deste capítulo foi contribuir para a reflexão sobre a saúde e direitos da população
negra brasileira frente à pandemia da Covid-19.

Palavras-chaves: população negra, saúde, direitos humanos, COVID-19,


desigualdade social, racismo.

INTRODUÇÃO

No início de 2020, o mundo passou a viver sob o domínio do medo com a


chegada de um novo vírus, denominado SARS-COV-2. Em 30 de janeiro de
2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que a Covid-19 havia
atingido proporções internacionais e expressou sua preocupação com os países
cujo sistema de saúde não suportaria a demanda de casos, podendo chegar ao
colapso. No dia 11 de março de 2020, a OMS revelou que se tratava de uma
pandemia (OPAS, 2020), e expressou sua preocupação com os países em
desenvolvimento, onde as medidas de prevenção da disseminação do vírus são
ainda mais difíceis do que nos países desenvolvidos devido à desigualdade
social existente.

84
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Em 10 de abril de 2020, a Comissão Internacional de Direitos Humanos


(CIDH) aprovou a resolução n.º1, com o objetivo de orientar as ações de todos
os países para a manutenção de direitos e garantias fundamentais durante a
pandemia de COVID-19, pois versam sobre direitos econômicos, sociais,
culturais e ambientais (DESCA) para populações em situação de vulnerabilidade.
Essa resolução destacou que todos os países devem adotar algumas medidas
para proteger as pessoas negras e garantir seus direitos, tais como:

72. Prevenir o uso excessivo da força baseado na origem étnico-racial


e padrões de perfilagem racial, no âmbito dos estados de exceção e
toques de recolher adotados pela pandemia; 73. Implementar medidas
de apoio econômico, bônus e subsídios, entre outros, para as pessoas
afrodescendentes e comunidades tribais que se encontram em
situação de pobreza e pobreza extrema, e outras situações de especial
vulnerabilidade no contexto da pandemia; e 75. Garantir o acesso a
serviços de saúde pública integral de forma oportuna a pessoas
afrodescendentes e comunidades tribais, incorporando um enfoque
intercultural e garantindo a esta população informação clara, acessível
e inclusiva sobre os procedimentos médicos nelas praticados (CIDH,
2020, p. 17).

No Brasil temos um cenário ainda mais complicado devido ao racismo


praticado, e que é negado por muitos, o que significa seu não enfrentamento e,
por consequência, seu agravamento. De acordo com Guimarães (2004, p.33):
“(...) a reprodução ampliada das desigualdades raciais no Brasil coexiste com a
suavização crescente das atitudes e dos comportamentos racistas”, o que
prejudica o acesso à saúde integral e universal pela população negra e,
logicamente, interferirá nas ações de prevenção e de combate ao Covid-19.
Tendo em vista esse contexto, o presente capítulo tem como objetivo
contribuir para a reflexão sobre a saúde e direitos da população negra brasileira
frente à pandemia da Covid-19.

Quem são os negros brasileiros?


Atualmente, o Brasil conta com mais de 212 milhões de habitantes,
sendo que 56,1% se autodeclaram negros (pretos e pardos) (IBGE, 2019b). De
acordo com dados da Síntese de Indicadores Sociais, de 2012 a 2018, no
mercado de trabalho, os negros continuam nas posições em que os rendimentos
são mais baixos, como construção civil, e trabalhos domésticos. Essas
atividades são caracterizadas por informalidade em razão da dinâmica de
contratações (sazonalidade, trabalho por empreitada, maior sensibilidade a

85
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

fatores conjunturais etc.). Quando se olha para o recorte por raça/cor, verifica-
se que é significativamente maior a participação da população negra em
ocupações informais (47,3%), quando comparada com os trabalhadores brancos
(34,6%).Dessa forma, as atividades administrativas e financeiras que possuem
renda mensal superior à média são compostas por mão de obra majoritariamente
branca. Numa média geral, em 2018, as pessoas brancas ganharam
aproximadamente 73,9% mais que as pessoas pretas e os homens ganharam,
em média, 27,1% mais que as mulheres (IBGE, 2019).
Os dados revelam a desigualdade racial, que se mantem desde a abolição
da escravidão no Brasil, em 1888. Sabe-se que a população negra representa
parcela significativa das comunidades tradicionais (quilombolas, ribeirinhas, de
pescadores artesanais, de pessoas em situação de rua, de pessoas privadas de
liberdade, de pessoas que vivem na extrema pobreza, em domicílios
inadequados e sem saneamento básico, de pessoas que possuem menor
rendimento ou sobrevivem da informalidade, daqueles que dependem do lixo de
natureza reciclável ou não; de empregadas domésticas, de cuidadoras de idosos,
dos idosos negros, dos que estão em situação de insegurança alimentar e
hídrica) que têm dificuldades de acesso a serviços e equipamentos de saúde,
assistência social, segurança e educação (IBGE, 2019).
Percebe-se uma enorme disparidade nas taxas de desocupação e,
mesmo quando comparados com os mesmos anos de escolaridade, as pessoas
negras estão em desvantagem. De acordo com IBGE, Grafico 18 (2019,b): o
total de taxa de desocupação para pessoas brancas foi de 9,5%, enquanto que
para os negros foi de 14%. Essas desigualdades raciais se estendem em muitas
outras áreas, conforme esta mesma fonte:
Homens e mulheres pretos ou pardos têm restrições em maior
proporção, quando comparados a homens e mulheres brancos, para
todas as dimensões analisadas. Pretos ou pardos tinham maiores
restrições à Internet (23,9%), saneamento básico (44,5%), educação
(31,3%), condições de moradia (15,5%) e à proteção social (3,8%).
Todos esses valores estão acima dos percentuais registrados para
homens ou mulheres brancas (...) (IBGE, 2019, p. 73).

No campo da Educação não é diferente, a formação eurocêntrica que


alicerça nossa sociedade e é reforçada pela falácia da democracia racial leva
professores e educadores a reproduzirem consciente ou inconscientemente os

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

mesmos preconceitos que deveríamos combater (MUNANGA, 2005). Roza


(2017) aponta que o sistema de ensino é um fiel reprodutor das estruturas sociais,
pois reserva-se à cultura eurocêntrica uma falsa supremacia que, por sua vez,
tende a elevar barreiras diante de outras culturas e expressões que se
fundamentam em origens diversas a ela. É neste sentido que a criança negra
fica apartada de sua identidade em ambiente escolar, toda sua história é negada
e em seu lugar lhe é imposta uma história em que sua participação é subalterna
e inferiorizada.
Em 2003, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva promulgou a Lei 10.639
que obriga as instituições de ensino a incluírem o ensino da História e da Cultura
africana e afro-brasileira em todos os seus níveis. Foi elaborado um parecer do
Conselho Nacional de Educação (Parecer 003/2004), sob a relatoria da
Professora Doutora Petronília Beatriz Gonçalves e Silva, com a finalidade de
regulamentar a lei em questão, assegurando que as diferentes fontes históricas
que compõem a matriz nacional estejam garantidas nos estabelecimentos de
ensino em todo território nacional.
Após dezessete anos da promulgação da lei, muitos debates, muita
cobrança dos Movimentos Sociais Negros, mas nenhuma vontade política, e a
lei continua não sendo aplicada na prática, e sim como um mero tópico em
documentos como Planos Político Pedagógicos das escolas, em sua grande
maioria. Ainda, o trabalho que deveria ser multidisciplinar e transversal se limita
ao Dia da Consciência Negra. A escola que hoje se apresenta, de sobremaneira
para a população negra, não cabe no pensamento ‘Freireano’: “Educação não
transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o
mundo”. Na verdade, a escola, como está estruturada hoje, é uma instituição
racista vinculada a uma estrutura racista e que não está avançando rumo ao
futuro, ao contrário, está estagnada e cumprindo a tarefa de formar massa de
manobra e mão de obra barata.
Em relação à segurança, o Atlas da Violência de 2020 aponta que as
populações jovem, negra e periférica são vítimas da sociedade brasileira racista,
pois são eles que mais morrem em ações policiais e de outras formas de
violência devido à negligência do Estado. A exemplo, os casos de homicídio de
pessoas negras (pretas e pardas) aumentaram 11,5% em uma década e a taxa

87
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

entre não negros (brancos, amarelos e indígenas) fez o caminho inverso,


apresentando queda de 12,9% (IPEA, 2020). Desta forma, os dados
supracitados evidenciam o racismo estrutural que existe no país.
Os dados sobre a saúde da população negra demonstram que todas as
desvantagens nos outros setores da vida como mercado de trabalho/rendimento,
escolaridade e moradia culminam em grandes possibilidades de iniquidades em
saúde. São necessárias, então, reflexões sobre o racismo para que seu combate
seja feito por meio de Políticas Públicas de Ação Afirmativa, como por exemplo,
na área da saúde, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra
(PNSIPN), que é fruto dos esforços dos movimentos sociais negros que
começaram a discutir na década de 1980 sobre como o racismo impedia o pleno
exercício do direito à saúde, ou seja, o atendimento universal sem que
características como cor de pele, local de moradia, sexo, entre outros, fossem
fatores que impedissem um atendimento de qualidade no Sistema Único de
Saúde (SUS). Embora a Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) garanta
a universalidade no acesso à saúde, na prática, a população negra ainda estava
e permanece à margem (BRASIL, 2013).
A PNSIPN, em consonância com os princípios estabelecidos pelo SUS,
promove a Universalidade, Integralidade e Igualdade nas relações que envolvem
o sistema de saúde brasileiro. Sendo que cerca de 80% dos negros só podem
contar com o atendimento dos SUS, é necessário que esse sistema funcione
para essa população, por isso os esforços de muitos Movimentos Sociais para a
verdadeira implementação da PNSIPN (ONU BRASIL, 2018).
Na prática a Criação dessa Política visa:
I – Inclusão dos temas Racismo e Saúde da População Negra nos
processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da
saúde e no exercício do controle social na saúde;
II – Ampliação e fortalecimento da participação do Movimento Social
Negro nas instâncias de controle social das políticas de saúde, em
consonância com os princípios da gestão participativa do SUS,
adotados no Pacto pela Saúde;
III – Incentivo à produção do conhecimento científico e tecnológico em
saúde da população negra;
IV – Promoção do reconhecimento dos saberes e práticas populares
de saúde, incluindo aqueles preservados pelas religiões de matrizes
africanas;
V – Implementação do processo de monitoramento e avaliação das
ações pertinentes ao combate ao racismo e à redução das
desigualdades étnico-raciais no campo da saúde nas distintas esferas
de governo;

88
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

“VI – Desenvolvimento de processos de informação, comunicação e


educação, que desconstruam estigmas e preconceitos, fortaleçam uma
identidade negra positiva e contribuam para a redução das
vulnerabilidades (BRASIL, 2013).

A população negra também é a que mais sofre, adoece e morre por


doenças evitáveis, por causa da baixa qualidade de vida demonstrada pelos
seguintes indicadores: mortalidade de recém-nascidos antes dos seis dias de
vida, infecções sexualmente transmissíveis, mortes maternas (incluindo óbitos
por abortos sépticos), hanseníase e tuberculose (ONU BRASIL, 2018). A falta
de moradia adequada, renda que seja suficiente para satisfazer as necessidades,
saneamento básico, condições de emprego e subemprego são fatores que
favorecem o adoecimento levando essa população à encabeçar as estatísticas.

O Racismo à brasileira
O racismo corresponde à teoria de superioridade de uma ‘raça’ sobre
outra, que tem suas origens primitivamente justificadas sob argumentos de
linhagem nobre. Seguido por tentativas religiosas, posteriormente tentou-se
demonstrá-lo por meio de argumentos biológicos, com testes baseados em
características físicas dos indivíduos como o formato craniano, e dos lábios
(HOFBAUER, 2006). Segundo o mesmo autor, a análise do DNA passou a
mudar completamente o entendimento sobre raça no campo conceitual, pois, de
acordo com as análises, o conceito de raça baseado na biologia foi
cientificamente derrubado, uma vez que diferenças genéticas entre os grupos se
mostraram infinitamente pequenas para determinar que os seres humanos se
dividiram em diferentes raças. Nesse sentido, a prática do racismo já não ocorre
com base na teoria da inferioridade biológica e há uma migração para o campo
cultural, isto é, o entendimento de que uma cultura é superior a outra cumpre o
mesmo papel de discriminar e excluir certos grupos de pessoas (HOFBAUER,
2006).
Almeida (2020) afirma que a cor da pele ainda é a principal característica
que leva à discriminação racial no Brasil. Para o autor, o racismo não é somente
uma herança do regime escravocrata, ele se reestrutura na necessidade de
manter os privilégios da população dominante, se consolidando nas relações
sociais. Dessa forma, como já foi abordado acima, as pessoas negras são

89
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

rejeitadas dos círculos sociais, do mercado de trabalho formal, das políticas


educacionais e de distribuição de moradias, mesmo sendo "livres".
A promoção da vinda de europeus para o Brasil marca a tentativa
(frustrada) da eliminação dos negros pelo branqueamento (ou
embranquecimento) da população. Esse projeto favoreceu os imigrantes, que
tiveram ajuda para adquirir suas moradias, em detrimento dos homens e
mulheres negros, sendo os primeiros contratados como assalariados nos
mesmos espaços onde os negros trabalhavam em regime de escravidão
(ALMEIDA,2020). Enfim, o longo processo de liberdade não incluiu socialmente
os negros, pelo contrário, a história e as estatísticas nos mostram que as
necessidades dos negros sempre foram negligenciadas ou ignoradas.
O racismo institucional é cruel porque mesmo com aparentes ‘portas
abertas’ das instituições aos negros, existe uma barreira no direito ao acesso
aos serviços, trazendo maiores prejuízos a essa população. Ele se manifesta
quando instituições públicas ou privadas de maneiras muito sistemáticas,
mesmo que subjetivas, dispensam um atendimento que deixa claro o incômodo
que a presença da pessoa negra desperta nesses espaços. Revela-se no modo
rude de tratar, ou de ignorar as demandas dessa população. Na falta de atenção
às suas necessidades e até mesmo na dispensa de um tempo menor de
atendimento aos seus membros. Além disso, algumas instituições concedem
maiores oportunidades de ascensão tendo como base a cor de pele e/ou cultura,
mantendo assim cargos hierarquicamente superiores nas mãos de homens
brancos, reduzindo a possibilidade de mulheres e negros ascenderem a esses
lugares (GAUDIO, 2019). Segundo o autor, o domínio desse grupo, de certa
forma, determina o que é normal (padrão socialmente aceito) e o que é
considerado inferior, ultrapassado, aculturado.
A partir desse olhar preconceituoso e tratamento diferenciado baseado no
racismo, a discriminação se faz presente nas diferenças socioeconômicas e,
consequentemente, financeiras dos indivíduos negros que mantem uma posição
hierarquicamente subalterna, com subempregos, diferenças salariais em relação
ao mesmo número de anos de estudos de pessoas brancas e um maior
aproveitamento da força física, em detrimento da capacidade intelectual
(GAUDIO, 2019).

90
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

No Brasil, a prática de racismo é crime previsto na Constituição Federal e


regulamentado por outros dispositivos legais. No preâmbulo da nossa
Constituição há garantia dos direitos individuais e sociais na nação brasileira,
sendo consolidados na Constituição Federal: o Art. 3º - IV nos assegura:
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade
e quaisquer outras formas de discriminação”. Comprometida com a erradicação
da pobreza, das desigualdades sociais e com a formação de um país livre e
democrático, afirma em seu Art 5º, XLII: “a prática do racismo constitui crime
inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”
(BRASIL, 1988).
Ainda na legislação vigente, temos a Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010,
que institui o Estatuto da Igualdade Racial, alterando a Lei n. 7.716/1989. No Art.
1º, lemos: “Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir
à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos
direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às
demais formas de intolerância étnica” (BRASIL, 2014). O Código Penal também
nos dá uma visibilidade da importância desse assunto na nossa sociedade. No
artigo 140 lemos sobre a injúria racial, suas definições e alcances, bem como as
penas previstas.
Além desse arcabouço legislativo, existe o Sistema Nacional de
Promoção da Igualdade Racial (Sinapir), criado em 2013, que é um dos avanços
mais significativos resultantes do Estatuto. O sistema permite a organização e
articulação de políticas públicas e serviços com o objetivo de garantir a
efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa de direitos e o combate à
discriminação. Atualmente, de acordo com Secretaria Nacional de Políticas de
Promoção da Igualdade Racial (SNPIR), o Sinapir conta com a adesão de 22
estados, tendo a participação de 100% dos estados das regiões Sul, Sudeste e
Centro-Oeste. Entretanto, na região Norte, apenas 57,14% dos estados
efetivaram suas adesões e 66,6% no Nordeste (BRASIL, 2020b)
Contudo, ainda há muito o que avançar nas políticas públicas
relacionadas à população negra no país, pois se necessita da implementação de
políticas públicas de ação afirmativa e ações que garantam o enfrentamento
efetivo ao racismo e à discriminação. Também, é necessário que se reconheça

91
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

que o racismo está presente nas diversas instituições e nas práticas dos
profissionais que nelas atuam, bem como é um determinante social que interfere
na qualidade de vida da população negra e deve ser combatido por todos.

A pandemia de Covid-19 frente a saúde da população negra


A pandemia da Covid-19 tem revelado os grupos populacionais que
historicamente foram negligenciados. A Covid-19 pode ter impactos muito mais
mortais para a população negra, pois o racismo reproduz direta ou indiretamente,
se concretizando em desvantagens em todos os aspectos da vida do negro no
Brasil (GOES, RAMOS, FERREIRA, 2020). A exemplo disso, em meados de
abril de 2020 (um mês após o anúncio da pandemia), as agências de notícia já
começaram a publicar notícias demonstrando as diferenças raciais em relação
às internações e mortes no Brasil.
O Jornal eletrônico Outras Mídias trouxe a matéria: “Covid-19: mortes de
negros e pobres disparam”, demonstrando por meio de estatísticas de interações
e óbitos como esta doença estava afetando os paulistas e cariocas. A matéria
mostrou que o número de internações foi praticamente o mesmo, porém o
número de mortes havia aumentado 5 vezes para os negros, enquanto que para
as pessoas brancas foi 3 vezes. Além disso, a matéria vem mostrando como
morrem mais pessoas em bairros periféricos, quando comparados com bairros
nobres nesses Estados (Brasilândia x Moema, em São Paulo, e Copacabana x
Campo Grande, no Rio de Janeiro). Como vimos acima, é nos bairros periféricos
que os negros mais estão localizados (MUNIZ, FONSECA, PINA, 2020).
Apesar desse contexto, nos 20 primeiros Boletins Epidemiológicos, o
quesito raça/cor não foi utilizado como categoria de análise para asituação
epidemiológica da Covid-19. Sua utilização só se deu após os posicionamentos
das seguintes entidades: Grupo de trabalho Racismo e Saúde da Associação
Brasileira de Saúde Coletiva, da Coalizão Negra e da Sociedade Brasileira de
Médicos de Família e Comunidade (SANTOS, et al 2020). Os autores afirmam
que mesmo após a sua inclusão como categoria de análise no Boletim
Epidemiológico do Ministério da Saúde, quase o dobro dos registros sobre
raça/cor não é preenchido nas diferentes fichas de notificação da Covid-19,
mostrando assim a magnitude da invisibilidade do tema. Essa é a dificuldade de

92
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

mensurar o alcance da pandemia no Brasil, pois se verifica a baixa adesão e


interesse no uso dessas informações, o que expressa mais uma vertente
multidimensional do racismo em plena pandemia da Covid-19.
Somente a partir do Boletim Epidemiológico referente à semana 21 da
pandemia Covid-19, observa-se que o número de casos confirmados com
estratificação da raça/cor ignorada totalizava 51,3% do total de 117.598 casos
confirmados. Isso representa mais da metade dos casos confirmados cuja
raça/cor é desconhecida (BRASIL, 2020), evidenciando a subjetividade do
racismo institucional. Esse processo de discriminação indireta que ocorrem no
seio das instituições, resultantes de mecanismos que contribuem para a
naturalização e reprodução da desigualdade racial, enfim a adoção à
necropolítica. Dessa forma, evidencia-se a continuidade do raciocínio sobre
mecanismos e condições institucionais para “deixar morrer” os negros.
O que é esperado do Governo Federal é a liderança e comunicação
efetiva com os demais entes federativos, buscando maneiras construtivas para
o enfrentamento dos efeitos da Covid-19 na população, em especial a população
negra que é a mais atingida. Ao invés disso, o Governo Federal apenas se
preocupou em colocar a economia em primeiro plano e minimizar os sinais e
sintomas da Covid-19, deixando a população negra à mercê de sua própria sorte.
Ademais, a postura governamental tem influenciado negativamente o
comportamento da população ante as recomendações da Organização Mundial
da Saúde (OMS) sobre o isolamento social, o que fez crescer de forma
acentuada o número de infectados, as hospitalizações e mortes pelo SARS-
COV-2.
Segundo a OMS (THE LANCET, 2020), a África tem sido um bom
exemplo de combate à Covid-19, pois 1,5% dos casos de Covid-19 e 0,1% das
mortes em todo o mundo correspondem a esse continente. De acordo com Zhao
et al. (2020), o motivo desse resultado positivo em relação a pandemia de Covid-
19 se dá pela ampla unidade nacional, que envolve diferentes países em
colaboração internacional, a fim de responder de forma programática e
coordenada para a preservação de vidas. O que não tem ocorrido no Brasil.
Para Góes, Ramos, Ferreira (2020), há a necessidade de implantar no
Brasil ações que visem a prevenção e controle da pandemia, reconhecendo que

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

as atuais crises econômica, política, ideológica e moral são transversalizadas


pelo racismo. Sabe-se que os desdobramentos da pandemia de Covid-19 e à
policrise sanitária, social, política, econômica e moral, penalizam as pessoas
negras que vivem numa sociedade cuja estrutura foi construída sobre o racismo.
Dessa maneira, tal conjuntura influencia e direciona as decisões políticas, assim
como a elaboração de estratégias de proteção social e políticas públicas na área
da saúde.
Ainda segundo os autores acima, o Sistema Único de Saúde (SUS)
precisa garantir a integralidade do cuidado das pessoas diagnosticadas com
Covid-19 por meio das suas redes de atenção à saúde. As Equipes de Saúde da
Família devem contribuir com o acompanhamento da população mais vulnerável,
fazendo a educação em saúde sobre medidas de prevenção, testagem para a
Covid-19, assistência aos casos mais leves, o monitoramento de grupos de risco,
a vigilância dos casos e óbitos por Covid-19 (pautada por dados fidedignos,
especialmente, o quesito raça/cor). Dessa forma, observa-se a urgente
necessidade de articulação intersetorial e advocacy pela garantia do direito à
vida em todas as suas dimensões, bem como o combate ao racismo.
Entende-se também que as ações emergenciais comunitárias devem
buscar auxiliar no atendimento das necessidades básicas (alimentação e
redução da insegurança alimentar e hídrica, melhoria nas condições de moradia,
acesso à educação e informações qualificadas pela internet, ocupação e
geração de renda), aspectos esses que estão intimamente ligados ao acesso e
acessibilidade aos serviços de saúde (SANTOS et al., 2020).
Por fim, Santos et al. (2020) afirmam que sociedades orientadas por
agendas políticas neoliberais, negligenciam os serviços públicos e enfraquecem
a capacidade da sociedade em dar respostas a problemas complexos,
ampliando assim as vulnerabilidades das populações historicamente
discriminadas. Como resultado, tem-se o aumento do contágio e de mortes pela
Covid-19, devido a um sistema de saúde precarizado e subfinanciado, escassez
de pessoal treinado, privação de materiais para diagnóstico, terapêutica eficaz e
infraestrutura construída, além do racismo institucional que prejudica o acesso
ao cuidado. Portanto, o Brasil tem um cenário desafiador para um controle
efetivo da Covid-19, principalmente, na população negra.

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observou-se que o racismo está presente nas instituições do Estado
Brasileiro, interferindo diretamente nas relações entre população negra e
profissionais que atuam nessas instituições. Esse racismo se manifesta limitando
o acesso aos serviços, as possibilidades de diálogos e no número alarmante de
indicadores que evidenciam o apartheid social à brasileira.
No mesmo ano em que o Estatuto da Igualdade Racial completa dez anos,
o Brasil e o mundo enfrentam um cenário complexo e difícil. Se antes os desafios
eram na sua maioria conhecidos, a pandemia do novo coronavírus aponta para
horizonte de curto, médio e longo prazo de aumento da desigualdade social a
níveis nunca antes vistos, implicando em um cenário desafiador para a
população negra.
A pandemia do novo Coronavírus tem agravado a vulnerabilidade social
das populações negras, pois elas estão sendo afetadas pelos impactos na saúde,
econômicos e sociais. Assim, evidencia-se a importância do fortalecimento do
SUS, da proteção das garantias e dos direitos para todos cidadãos negros.

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97
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

PANDEMIA E POPULAÇÃO EM
SITUAÇÃO DE RUA: CONTEXTO E
POLÍTICAS

Anna Maria Meyer Maciel

Gustavo D’Andrea

RESUMO

O objetivo do capítulo foi entender como o Direito à Saúde deve ser interpretado no cenário de
pandemia quando o público-alvo se encontra em situação de vulnerabilidade social. Nesta
proposta teórica, analisa-se um caso real, relacionado ao atendimento de pessoas em situação
de rua que testaram positivo para a Covid-19, ocorrido em um município do interior paulista
divulgado em meios de comunicação, problematizando-o à luz de um framework conceitual
qualitativo de Direito à Saúde. Ademais, buscou-se relacionar essa perspectiva científica com a
definição de pandemia e vulnerabilidade social. Ao se aplicar o framework conceitual acima
citado ao contexto de disseminação da Covid-19 na população em situação de rua, é possível
indicar questões macro e micropolíticas que incidem sobre os seus quatro aspectos: legislativo,
sociopolítico, bioético e de demandas específicas. A literatura define pandemia como a
propagação mundial de uma nova doença que envolve elementos biomédicos e psicossociais
nos quais a vulnerabilidade social, inclusive a vivenciada pela população em situação de rua,
incide na discussão sobre necessidades sociais, em especial, sobre o acesso à assistência em
saúde. Nesse sentido, apresenta-se e discute-se o panorama nacional e local sobre a legislação
acerca da proteção social à população em situação de rua, no contexto da Covid-19. Conclui-se
que essa população permanece frequentemente invisível e esquecida na prática, sobretudo em
cenários sanitários específicos nos quais a visão biomédica limita a compreensão abrangente
sobre direito à saúde, necessária para produzir cuidados ampliados e diversificados.

Palavras-chave: Direito à Saúde, Vulnerabilidade, População em Situação de Rua, COVID-19.

INTRODUÇÃO

O presente capítulo tem como objetivo entender como o Direito à Saúde


deve ser interpretado em situações de pandemia quando o público-alvo se
encontra em situação de vulnerabilidade social. Tal objetivo se justifica tendo em
vista que as recomendações de prevenção e ação face ao risco de contágio, no
contexto da COVID-19, nem sempre consideravam que parte da população não
tem acesso aos recursos necessários para agir de acordo. Nos meios digitais de
discussão e nas comunicações de políticas públicas, tornou-se popular a
expressão “fique em casa”, complementado criticamente em vários meios,
remetendo à população carente, com a pergunta: “que casa?”

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Para alcançar o objetivo proposto, contextualizamos o tema com a


descrição breve de um fato divulgado em meios de comunicação,
problematizando a questão à luz de um framework conceitual qualitativo de
Direito à Saúde, buscando inter-relacionar essa perspectiva com a noção de
vulnerabilidade social. Além de analisar criticamente a postura estatal a respeito
desse contexto, buscamos frisar que a discussão não deve se restringir ao
momento atual, devendo na verdade servir como tópico de desenvolvimento
para políticas públicas em situações análogas que possam ocorrer no futuro.

Um caso real

Para contextualizar, portanto, fazemos referência a um acontecimento


real, relacionado à condição de vulnerabilidade, que chegou a um dos serviços
de saúde de um município do interior paulista brasileiro. Esse fato foi noticiado
pela imprensa local e envolveu um casal em situação de rua, trabalhadores de
saúde e profissionais do direito.

A mulher e seu companheiro buscaram um dos polos municipais de


atendimento a pessoas com suspeita de COVID-19. Segundo representante da
Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a
mulher, que apresentava sintomas respiratórios leves sugestivos da doença, foi
atendida pela equipe de saúde e realizou o teste para diagnóstico. Enquanto
aguardava o resultado do exame, o casal foi orientado a cumprir isolamento
social em casa. Mas, que casa?

Após alguns dias, o casal compareceu ao serviço de saúde e a mulher


recebeu a confirmação do diagnóstico da doença. De acordo com o gerente do
serviço de saúde que atendeu o casal, assim que a doença foi diagnosticada e
a situação de vulnerabilidade foi constatada, foi-lhes oferecido um leito para o
primeiro pernoite no próprio polo de atendimento, sendo que a partir do segundo
até o décimo quinto dia, o isolamento social seria feito em uma das casas de
apoio a pessoas nessa condição de vulnerabilidade.

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Embora a medida temporária para mitigar os efeitos da doença tenha


sido oferecida, o casal não aceitou a estadia inicial e tampouco o recolhimento
posterior propostos, retornando à praça central do município, levando também à
potencial chance de disseminação do vírus. O representante da OAB afirmou
que a falta de estrutura das áreas da saúde e da assistência social do município,
que não possuem uma rede de apoio multiprofissional especializada para
acolher e orientar esse grupo populacional, fez o casal rejeitar a medida não
farmacológica e voltar à rua (OAB, 2020).

O caso nos chama à reflexão por ser uma situação típica em que as
políticas públicas possuem exigências implícitas de condições que não são regra
na população. Ter uma casa onde se isolar não é a realidade de todos. Além da
questão do déficit habitacional, a existência da população que vive nas ruas
deveria preocupar os gestores públicos no momento de avaliarem as medidas
de saúde pública a serem aplicadas. No entanto, a população de rua é
praticamente invisível nas estatísticas (SASSE; OLIVEIRA, 2019)

Conceito de direito à saúde e contexto da pandemia

Ao nos vermos sob a necessidade de analisar questões de saúde


pública inseridas em determinados contextos, podemos fazer uso de um
framework conceitual de Direito à Saúde, desenvolvido para uso em pesquisas
qualitativas (D’ANDREA et al., 2017). Segundo esse framework, Direito à Saúde
pode ser entendido como “a garantia normativa (aspecto legislativo), a realização
prática individual e coletiva (aspecto sociopolítico), a responsabilidade moral
(aspecto bioético) e o reconhecimento da exigibilidade (aspectos das demandas
específicas) − e, repetindo, em determinado contexto − da atenção ao
completo bem-estar físico, mental e social (saúde) ou ao equilíbrio vital integral
do ser humano (outra forma possível de se conceituar saúde, numa perspectiva
mais integradora)” (D’ANDREA et al., 2017, p. 71).

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Traduzindo esse conceito para o contexto das políticas relativas à


COVID-19 e à situação da população de rua, temos que o aspecto legislativo se
refere às diretrizes de prevenção e observação a serem adotadas pela
população; o aspecto sociopolítico se refere às escolhas do poder público
relativas às políticas adotadas, sendo nesse caso a situação de “ficar em casa”
o máximo possível; o aspecto bioético se refere à necessidade de acolher cada
demanda de forma completa e responsável, sem recusas infundadas ou
falsamente fundadas; o aspecto das demandas específicas se refere claramente
à situação de pandemia, dentro do contexto da vulnerabilidade social; tudo isso
dentro de uma compreensão integral da noção de saúde.

Colocando o caso exemplificativo descrito face a face com o framework


conceitual de Direito à Saúde, fica claro que o atendimento baseado em
recomendações generalizadas indicadas a partir tão-somente da gravidade de
sintomas, não alcança a realização dos direitos sociais atrelados à Saúde. Cabe,
portanto, aprofundarmos as noções sobre o contexto de pandemia e o conceito
de vulnerabilidade, para entendermos em que a atenção à saúde, em tempos de
pandemia, se particulariza quando o público-alvo é a população de rua.

Uma definição simples de pandemia, segundo consta no portal da


Organização Mundial da Saúde, é assim colocada: “uma pandemia é a difusão
mundial de uma nova doença” (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2010).
Nesse sentido, normalmente os governos procuram reconhecer formalmente a
situação, como ocorreu no Brasil em fevereiro de 2020, quando o Ministério da
Saúde publicou uma portaria para declarar emergência em Saúde Pública de
importância nacional (BRASIL, 2020a).

No entanto, essa definição não alcança o significado e impacto social


que uma pandemia pode ter.

Pfister (2020) publicou em junho de 2020, um comentário no site The


European Sociologist, tecendo uma crítica à visão da pandemia do COVID-19
sob uma perspectiva exclusivamente fundada no paradigma do controle, sob

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

ponto de vista biomédico. Não deixando de considerar a importância desse


prisma, a autora defende que a realidade social não pode ser negligenciada,
inclusive sugerindo a definição social de pandemia. Ela explica o motivo dessa
preocupação: “O momento em que a pandemia viral se torna uma realidade
social é o momento de sua definição social; e o momento em que ela se torna
um desastre é quando há uma disrupção na realidade tomada como certa.”

Remetendo a um trabalho de Philip Strong datado de 1990 sobre um


modelo de epidemia psicológica, Pfister aborda três tipos de epidemias que
tendem a surgir ao lado de epidemias biológicas, todas elas no campo da
psicologia humana e suas interações sociais: a epidemia do medo e da suspeita;
a epidemia da explicação e da desorientação coletiva; e a epidemia de ação,
esta última referente às respostas sociais a uma epidemia ou pandemia.

É preciso, por isso, que tenhamos em mente que uma pandemia não
representa apenas um aspecto especial biomédico. É mais do que isso. Uma
pandemia deve ser vista no sentido psicossocial, sendo que um dos problemas
nesse campo é a questão da vulnerabilidade.

Compreensão sobre vulnerabilidade

Vulnerabilidade é um conceito polissêmico, multifatorial e complexo.


Está associada à privação, precariedade ou desigualdade no acesso à renda,
bens e serviços públicos atrelada à fragilidade de vínculo afetivo-relacional e de
pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por
deficiências, dentre outras), que afetam de diferentes formas e intensidade
indivíduos, famílias, grupos e comunidades. Ademais, tem ainda relação direta
com a violação de direitos humanos fundamentais pois reduz a capacidade de
autodeterminação e reação para proteger interesses próprios em razão dos
déficits acima citados (BRASIL, 2009a; MAFFACCIOLLI; OLIVEIRA, 2018;
NEVES, 2007; SANCHES; BERTOLLOZZI, 2007).

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

A vulnerabilidade pode abarcar fatores individuais, coletivos e


contextuais, os quais predispõem ao adoecimento. O primeiro fator consiste na
existência de fatores do próprio indivíduo que propiciam a ocorrência de um
agravo. O segundo fator considera o acesso aos serviços de saúde e sua
organização, a relação entre os profissionais de saúde e usuários, as ações para
controle de agravos e os recursos ofertados para atender a população. E o
terceiro fator refere-se às condições de socialidade nas quais o indivíduo está
inserido (AYRES et al. 2006; WALDOW; BORGES, 2008).

Considerando a forma de ser, estar e viver das pessoas no mundo,


entende-se que a vulnerabilidade social pode conformar as necessidades de
saúde apresentadas aos serviços de saúde, pelos indivíduos, famílias, grupos e
comunidades. Por isso, identificar as pessoas nessas condições e os fatores
determinantes para essa situação podem contribuir para formular ações com
vistas à melhoria da qualidade de vida dessa população (MAFFACCIOLLI;
OLIVEIRA, 2018; TRINDADE et al., 2015). Em outras palavras, descobrir quem,
de fato, é a pessoa que se atende no serviço de saúde, respeitando-a em sua
dignidade, pode ampliar as chances de reconhecer as singularidades marcadas
por contextos de exclusão social (AYRES, 2013; MAFFACCIOLLI; OLIVEIRA,
2018).

No contexto da vulnerabilidade social, as pessoas em situação de rua


reproduzem contextos familiares historicamente marcados por iniquidades de
diversas dimensões representados fundamentalmente por baixa escolaridade e
qualificação profissional, pobreza, marginalização, desemprego, violência, uso
de drogas lícitas e ilícitas associadas à rede de apoio frágil ou inexistente
(FIORATI et al., 2015, 2016).

Brasil, pandemia e População de rua

Em maio de 2020, o Ministério da Cidadania publicou uma portaria


(BRASIL, 2020b) aprovando uma nota técnica voltada especificamente a tratar
de recomendações gerais para a garantia de proteção social à população em

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

situação de rua, abrangendo inclusive imigrantes, no contexto da pandemia do


COVID-19. Esse tipo de iniciativa é importante de ser conhecida e analisada em
âmbito local, pois tendo a forma de nota técnica possui um referencial conceitual
e bibliográfico relevante para que os municípios e estados se alinhem de forma
fundamentada à necessidade de efetivar políticas direcionadas a usuários
vulneráveis.

Podem-se destacar alguns itens da referida nota técnica, tendo em vista o


tema do presente capítulo:

a) As medidas emergenciais focalizadas na população em situação de rua


devem abranger a totalidade dos serviços disponíveis, mesmo que não
haja recebimento de recursos públicos específicos;
b) A nota técnica é voltada para o âmbito da Assistência Social, como foco,
portanto, no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), considerando
também as recomendações do Ministério da Saúde;
c) A nota técnica frisa a necessidade de compatibilização local;
d) A população de rua é heterogênea, abrangendo grande diversidade
étnica, geográfica (inclusive internacional), sexual, de dependências
químicas etc.
e) Essa população apresenta problemas recorrentes de saúde,
evidenciando frágil condição de saúde física e mental, agravável no
contexto da COVID-19.

Quanto aos riscos mais específicos de exposição à infecção pela COVID-19,


a nota técnica destaca:

a) Exposição a riscos nos espaços públicos, agravada pela vulnerabilidade


à violência, más condições de alimentação e higiene, etc.;
b) Dificuldades para o distanciamento social, seja por falta de moradia, seja
pelo caráter coletivo dos serviços de acolhimento.

104
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

No item 2.8.2, a nota técnica lista treze itens correspondentes às provisões


fundamentais que devem estar presentes nos planos locais de contingência.
Nota-se que, ao abranger acessos como orientações e informações claras, itens
básicos de subsistência, moradia provisória ou outra solução de acolhimento,
segurança de renda, suporte a transporte, entre outros itens, torna claro que o
atendimento negligente que enseje a perda do contato com o usuário e seu
retorno às condições precárias de vida vai totalmente de encontro às
recomendações.

A nota técnica continua extensivamente, provendo substanciais


recomendações de como as gestões locais podem se organizar e como adequar
os recursos humanos no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS)
nesse contexto. Além disso, frisa-se a articulação com o Sistema Único de Saúde
(SUS) e com o Sistema de Justiça, órgãos de defesa de direitos e Organizações
da Sociedade Civil, Comunidades Terapêuticas, incluindo temas como
referenciamento, comunicação ágil, acesso a medicamentos, fornecimento de
alimentação adequada etc. A nota técnica possui, também, recomendações mais
detalhadas e aprofundadas para diversos contextos, de média ou alta
complexidade, bem como em relação a casos suspeitos ou confirmados de
COVID-19 e ações voltadas a apoiar a adesão às recomendações sanitárias, a
qualidade de vida e o manejo do estresse, incluindo uma seção especial voltada
ao público juvenil em situação de rua.

Políticas Locais

Em Ribeirão Preto, município ao noroeste paulista com 683.777 mil


habitantes, (FUNDAÇÃO SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISE DE DADOS
(SEADE), 2020) há aproximadamente 2 mil pessoas vivendo em situação de rua,
cujo perfil é de indivíduos migrantes ou não, dentre os quais alguns são egressos
do sistema penitenciário, que ocupam imóveis vazios e assentamentos
irregulares em todas as regiões do município. Esse grupo populacional tem
algum comprometimento físico e/ou mental associado à história familiar de
violência, abandono ou exclusão social. Tal segmento sobrevive da mendicância,

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

da realização de eventuais “bicos” (ambulantes ou artistas de rua), do tráfico de


drogas, da prática de pequenos delitos, da coleta e venda de recicláveis e do
atendimento assistencialista de caridade comunitária (FIORATI et al, 2015;
RIBEIRÃO PRETO, 2017a).

A Secretaria Municipal de Assistência Social, em consonância com os


princípios e diretrizes da Política Nacional de Assistência Social e com as
premissas do Sistema Único de Assistência Social, construiu o Plano Municipal
de Assistência Social para implementar e gerir um conjunto de medidas de
proteção social básica e especial nas 51 entidades e organizações da rede
socioassistencial do município. Tais medidas objetivam acolher esse segmento
populacional e contribuir para: restaurar e preservar sua autonomia, autoestima,
cidadania, dignidade, integridade, promover ações de reinserção sócio familiar
com fortalecimento de vínculos interpessoais que oportunizem a construção de
novos projetos de vida (RIBEIRÃO PRETO, 2017b).

Essas medidas são representadas por benefícios e programas sendo


eles: transferência de renda, bolsa família, erradicação do trabalho infantil, renda
cidadã, ação jovem, amigo do idoso, apoio alimentar etc. Ademais são
desenvolvidos diversos projetos: centro de qualificação social e profissional,
banco de alimentos, casamento comunitário, núcleo de atendimento
especializado à mulher, assistência jurídica, viva leite, dentre outros (RIBEIRÃO
PRETO, 2017b).

Tendo presentes as recomendações da referida nota técnica do


Ministério da Cidadania, tentamos confrontar esse material com as informações
disponibilizadas on-line pela Prefeitura de Ribeirão Preto-SP. Encontramos uma
página dedicada especificamente ao enfrentamento da COVID-19, em que se
encontram vários materiais, informativos e notas técnicas relacionadas ao
contexto (RIBEIRÃO PRETO, s/d). Entre os materiais está o Plano de
Contingência local, (RIBEIRÃO PRETO, 2020a), no qual não se encontra uma
seção dedicada especificamente à população em situação de rua. Na lista de
notas técnicas, no dia em que a consultamos, estavam disponíveis sete notas

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

técnicas, sendo a última numerada como Nota Técnica nº 9, faltando as Notas


Técnicas nºs 5 e 6, sem qualquer informação a respeito de sua retirada ou
revogação. Relativamente às Notas Técnicas nº 7 e 9, seus links direcionaram a
páginas de erro 404 (página não encontrada). Dentre as notas técnicas
disponíveis, não havia notas técnicas referentes à atenção de saúde ou
psicossocial à população em situação de rua.

Esse resultado, pensando em um olhar do usuário que acessa a página


mencionada, demonstra que a população em situação de rua não teve, na
localidade, abordagem no Plano de Contingência e nas notas técnicas
disponíveis. Para corroborar com essa conclusão, encontramos no documento
de “orientações à população em geral” (RIBEIRÃO PRETO, 2020b), entre as
orientações listadas, a que define: “evite circular em ambientes públicos se
apresentar sintomas de gripe”.

Discussão

Longe de elaborar uma análise crítica a respeito de políticas públicas


locais ou de maior abrangência, este capítulo foi construído para incentivar à
reflexão. O referencial visitado, quando visto de maneira integrada, gera mais
perguntas do que respostas, mas perguntas que se fazem necessárias para
trazer à tona questões fundamentais e que não podem ser deixadas em segundo
plano.

A população em situação de rua, no Brasil, ganhou status relevante


merecedor de uma política nacional própria – a Política Nacional para a
População em Situação de Rua (BRASIL, 2009b). Porém, mais de dez anos
depois do decreto que instituiu tal política nacional, a população de rua
permanece frequentemente invisível e esquecida na prática. A crítica de Pfister
(2020) mostra com clareza que um olhar puramente biomédico prejudica a noção
de que a saúde e a doença têm, também, um caráter psicossocial forte e
presente. De nosso framework conceitual, essa noção estaria representada
principalmente no elemento contextual do Direito à Saúde.

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Entende-se, assim, que determinados segmentos sociais podem


apresentar maior ou menor possibilidade de adoecer. O estado de doença (com
ou sem internação/hospitalização), de incapacidade e de sofrimento também
podem ser considerados uma vulnerabilidade. Independentemente da origem da
condição de vulnerabilidade, o cuidado pode ser desenvolvido para curar, aliviar,
minimizar as circunstâncias que, muitas vezes, extrapolam a ordem fisiológica
(WALDOW; BORGES, 2008).

Nos encontros com os usuários, a abordagem das distintas dimensões


e aspectos da vida permitem trilhar os caminhos que instrumentalizam os
trabalhadores de saúde para produção de cuidados mais integrados, integrais e
humanos nos contextos de vulnerabilidade social. Em outras palavras, trilhar os
caminhos significa acompanhar as pessoas, estar com elas e para elas para
ressignificar o cuidado, em suas diferentes fases do ciclo vital, em seus
diferentes momentos sociais ao longo da vida. Estes elementos moldam
diferentes necessidades que devem ser reconhecidas, compreendidas aos olhos
de quem busca o serviço e atendidas em nome da defesa da vida, do respeito,
da diversidade, da autonomia e da dignidade (MAFFACCIOLLI; OLIVEIRA,
2018; WALDOW; BORGES, 2008).

Importante dizer que o exemplo real acima citado junta-se a tantos


outros, no contexto da vulnerabilidade que, diariamente, recebem atenção nos
serviços de saúde. Pode-se compartilhar atos de discriminação quanto ao
gênero, raça, opção sexual, estilo de vida, idade, condição de saúde
(MAFFACCIOLI; OLIVEIRA, 2018).

Relevante, também, termos sempre presente o debate sobre a distância


e escassez de pontes entre, de um lado, as propostas oficiais publicadas pelo
Poder Público voltadas à população em situação de rua e, de outro lado, a
realização prática dessas propostas, que podem ter a forma de políticas, normas,
recomendações, planos de contingência etc.

108
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

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em Ribeirão Preto. G1. 2020. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/ribeirao-
preto-franca/noticia/2020/05/18/oab-oficia-prefeitura-a-explicar-isolamento-de-
moradores-de-rua-com-covid-19-em-ribeirao-preto.ghtml. Acesso em 20 maio
2020.

PFISTER, S. M. Theorising – The Social Definition of the Corona Pandemic. The


European Sociologist, v. 45, n. 1, s/p. Disponível em:
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1/theorising-%E2%80%93-social-definition-corona-pandemic. Acesso em 18 set.
2020.

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https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/ssaude/pdf/pms-rp-2018-2021.pdf. Acesso
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RIBEIRÃO PRETO. Secretaria Municipal de Saúde. Plano Municipal de


Assistência Social. 2018-2021. Ribeirão Preto, 2017b. Disponível em:
https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/files/scidadania/pdf/2021-2018-pmas.pdf.
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RIBEIRÃO PRETO. Secretaria Municipal de Saúde. Enfrentamento ao Novo


Coronavírus e COVID-19. Ribeirão Preto, s/d. Disponível em:
https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/portal/saude/enfrentamento-ao-novo-
coronavirus. Acesso em: 20 agosto 2020.

RIBEIRÃO PRETO. Secretaria Municipal de Saúde. Plano de Contingência para


o Enfrentamento da Covid-19. Ribeirão Preto, 2020a. Disponível em:
https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/files/ssaude/pdf/covid-plano-contigencia.pdf.
Acesso em: 20 agosto 2020.

110
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

RIBEIRÃO PRETO. Secretaria Municipal de Saúde. CORONAVIRUS –


PANDEMIA DE COVID-19ORIENTAÇÕES À POPULAÇÃO EM GERAL.
Ribeirão Preto, 2020b. Disponível em:
https://www.ribeiraopreto.sp.gov.br/files/ssaude/pdf/r-populacao-coronavirus.pdf.
Acesso em: 20 agosto 2020.

SÁNCHEZ, A. I. M.; BERTOLOZZI, M. R. Pode o conceito de vulnerabilidade


apoiar a construção do conhecimento em saúde coletiva? Ciênc. Saúde Colet.,
São Paulo, v. 12, n. 2, p. 320-323, 2007.

SASSE, C.; OLIVEIRA, N. Invisível nas estatísticas, população de rua demanda


políticas públicas integradas. Agência Senado, 2019. Disponível em:
https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/especial-cidadania/especial-
cidadania-populacao-em-situacao-de-rua. Acesso em 18 set. 2020.

TRINDADE, L. L.; et al. Grupos vulneráveis e seus fatores condicionantes na


ótica dos profissionais de saúde da Atenção Básica. Rev. Jornada Científica,
Lorena, v. 1, n. 1, p. 2015.

WALDOW, V. R.; BORGES, R. F. The caregiving process in vulnerability


perspective. Rev. Latino-Am. Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 16, n. 4, p. 765-
771, jul./ago. 2008.

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em:
https://www.who.int/csr/disease/swineflu/frequently_asked_questions/pandemic
/en/. Acesso em 18 set. 2020.

111
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Atuação da enfermagem à população


indígena durante a pandemia de COVID-
19 – desafios e evidências
Ana Beatriz Zanardo Mion

Arthur Luís Barbosa Martins

Carla Aparecida Arena Ventura

Letícia Olandin Heck

RESUMO

Objetivo: Mapear as evidências científicas disponíveis em bases de dados sobre a atuação da


enfermagem com a população indígena durante a pandemia de COVID-19. Método: Trata-se de
revisão integrativa da literatura, em que foi realizada busca nas bases de dados Pubmed; BVS -
LILACS, CINAHL, Embase, Scopus e Web of Science. Resultados: A amostra consistiu em 6
artigos e a análise permitiu elencar duas categorias temáticas para a discussão, sendo elas: “A
atuação da enfermagem superando o cuidado direto à população indígena no contexto da
pandemia de covid-19”; “Especificidades da atuação da enfermagem junto à população indígena
no contexto da pandemia de COVID-19”. Conclusão: As evidências demonstram que se faz
imprescindível levar em consideração as particularidades da população indígena em seus modos
de vida para que o processo do cuidado seja realmente eficaz.

Palavras-chave: Saúde Indígena, Enfermagem, COVID-19.

INTRODUÇÃO

Atualmente, o denominado novo SARS-CoV-2, causador de infecções


respiratórias e da doença COVID-19, mudou o cenário mundial de saúde, que
sofreu alterações desde a primeira detecção em dezembro de 2019, na China.
Em janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) confirmou a
circulação do novo coronavírus e o declarou como pandemia (LANA et al, 2020).
A pandemia da COVID-19 é considerada como um dos maiores desafios
sanitários no mundo no século XXI (BARRETO et al, 2019). As populações
brasileiras foram atingidas de diversas maneiras, o que resultou em inúmeras
consequências individuais e para as diferentes comunidades.

112
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Territórios rurais e remotos são caracterizados, dentre outros elementos,


pela oferta de serviços e tamanho da população. Esses espaços incluem
populações indígenas, quilombolas e povos da floresta e ribeirinhos, que são
denominadas populações do campo, florestas e águas (PCFA). Esses povos são
assistidos pela Política Nacional de Saúde Integral das Populações do Campo,
da Floresta e das Águas (PNSIPCF) (FLOSS et al, 2020).

Nesses contextos, o trabalho de profissionais de saúde foi fortemente


afetado, especialmente dos enfermeiros, que compõem a maioria nos serviços
públicos e privados, sendo considerados essenciais na estrutura das profissões
e organização da saúde. Dessa forma, é preciso reconhecer que profissionais
de enfermagem estão na linha de frente dos atendimentos aos casos de COVID-
19, com papel relevante no combate à pandemia. A atuação do profissional de
enfermagem é fundamental, não apenas em razão de sua capacidade técnica,
mas, também, por constituir a maior categoria profissional (SOUZA E SOUZA;
SOUZA, 2020).

A população indígena, especificamente, destaca-se com o pior índice de


desenvolvimento humano e pobreza, acesso precário à saúde, elevada
mortalidade infantil e prevalência de infecções. O racismo institucional e a perda
progressiva de territórios também resultam em desassistência e insegurança
alimentar (FLOSS et al, 2020).

Dessa forma, a população indígena é considerada como população em


situação de vulnerabilidade. O cuidado ao indígena se distancia do modelo de
saúde biomédico, comum nas sociedades ocidentais, pois essa população
possui um entendimento e sistematização do cuidado em saúde próprios,
relacionado diretamente à natureza e também à religião. Apesar da
singularidade de práticas de cuidado, a população indígena brasileira usufrui dos
serviços e ações do Sistema Único de Saúde (SUS) (RIBEIRO; FORTUNA;
ARANTES, 2015). Reforça-se, portanto, que a saúde rural brasileira deve ser
inclusiva, refletindo sua diversidade (FLOSS et al, 2020).

De acordo com Oliveira et al, (2020), grande parte da população


indígena possui probabilidade de ser impactada pela transmissão da doença, por

113
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

ser classificada como população de vulnerabilidade social isolada, devido às


limitações de assistência à saúde e dificuldade no transporte de infectados.
Assim, há a possibilidade de subnotificação e também a não vigilância dos
possíveis agentes de dispersão da doença, gerando consequências em relação
ao controle da transmissão da COVID-19.

Rocha et al (2020) corroboram essa ideia em estudo realizado com a


população indígena em Manaus, destacando a estrutura deficiente dos serviços
de saúde na região, adicionada à falta de hospitais regionais de referência e de
infraestrutura adequada para atendimento aos pacientes graves de COVID-19.
Deve-se considerar, ainda, a falta de profissionais qualificados para a tomada de
decisões dos casos graves, já que o enfrentamento da pandemia em territórios
indígenas é dependente da Atenção Primária à Saúde (APS). Assim,
enfermeiros possuem contato direto com a comunidade, realizando a
comunicação com outros profissionais da equipe de saúde e com unidades para
o atendimento, sendo desenvolvidas ações de gestão, assistência e ensino.

Reforçando esta ideia, Santos; Pontes; Coimbra Junior (2020),


destacam a atuação do Estado frente às políticas públicas direcionadas às
minorias étnico-raciais brasileiras. Para os autores, os impactos, consequências
e o enfrentamento relacionados à doença abrangem desde o medo de sair das
aldeias à não possibilidade de realização dos ritos funerários tradicionais. A
convivência coletiva faz parte da vida, do trabalho e do lazer da população
indígena, dificultando o distanciamento social preconizado pela OMS diante do
contexto da pandemia. Nessas regiões, muitas vezes, o sinal de internet e
telefone são limitados a pontos específicos, sendo necessário compartilhar com
outros moradores (FLOSS et al, 2020).

Nessa perspectiva, podemos dizer que o perfil epidemiológico e sanitário


da população indígena aumenta o risco de morte por COVID-19 (FLOSS et al,
2020) e as ações nos territórios indígenas são desenvolvidas por equipes
multidisciplinares, nas quais a presença da enfermagem acontece em tempo
integral e em que, além do contato direto, esses profissionais mantém diálogo
com unidades de referência no âmbito do SUS (ROCHA et al, 2020). A partir

114
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

disso, ressalta-se a importância da atuação da enfermagem frente à saúde de


populações indígenas e seus contextos.

Dessa forma, considerando a relevância do sistema de saúde e da


equipe de saúde, em especial da enfermagem, para melhorar a questão
relacionada a vulnerabilidade da população indígena no contexto da pandemia
de COVID-19, o objetivo deste estudo foi mapear as evidências científicas
disponíveis em bases de dados sobre a atuação da enfermagem com a
população indígena durante a pandemia de COVID-19.

MÉTODO

Trata-se de revisão integrativa da literatura, que permite a identificação


do “estado da arte” de um tema-assunto, e por meio de suas fases constitutivas,
a produção de uma pesquisa de caráter qualitativo que possibilita unir e discutir
a literatura empírica e teórica, permitindo aos autores-pesquisadores identificar
tendências e evidências que justifiquem e/ou fundamentam seu estudo
(TEIXEIRA et al., 2014). É o tipo mais amplo de métodos de revisão de pesquisa,
possibilitando a inclusão simultânea de pesquisas experimentais e não
experimentais, a fim de entender melhor um fenômeno preocupante
(WHITTEMORE; KNAFL, 2005). Este estudo passou pelas seguintes etapas,
adaptadas do modelo de Whittemore e Knafl (2005): Identificação do problema;
Pesquisa de literatura; Análise de dados e Conclusão.

Etapa de identificação do problema

O estágio inicial de qualquer método de revisão consiste na identificação


clara do problema que a revisão está abordando e o objetivo da revisão.
Posteriormente, são determinadas as variáveis de interesse (ou seja, conceitos,
população-alvo, problema de saúde). Assim, este estudo apresentou a seguinte
questão norteadora: Quais são as evidências disponíveis sobre a atuação de
enfermagem à população indígena durante a pandemia de COVID-19?

Considerando a estratégia PICo, onde, “P’’ refere-se à população ou


problema de estudo, “I” se refere ao fenômeno de interesse e “Co” representa o
contexto em que está inserido o fenômeno de estudo (JOANNA BRIGGS, 2014).

115
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

A estratégia foi utilizada neste trabalho da seguinte maneira: P=


população indígena; I= possibilidades de atuação da enfermagem; Co=
pandemia de COVID-19. A revisão buscou, portanto, identificar, analisar e
sintetizar as evidências publicadas na literatura científica relacionando os
desafios vivenciados pela população indígena perante a pandemia de COVID-
19.

Estágio de pesquisa de literatura

Foram realizadas buscas nas seguintes bases de dados: Pubmed; BVS


- LILACS, CINAHL, Embase, Scopus e Web of Science, com descritores e
palavras chave em português e/ou inglês, dependendo da base de dados, a fim
de abranger mais artigos. Assim, as bases de dados pesquisadas, as estratégias
utilizadas e os resultados obtidos podem ser vistos no quadro a seguir:

Quadro 1: Base de dados pesquisadas, estratégia de busca e


resultados, Ribeirão Preto, 2020.

BASES DE DADOS ESTRATÉGIAS UTILIZADAS RESULTA


DOS

PUBMED ("covid 19" OR "covid-19" OR coronavirus) AND 13


(Indigenous OR (Indian* AND American)) AND
(Nurs*)

BVS - LILACS ("covid 19" OR "covid-19" OR coronavirus) AND 27


(Indio* OR Indígena* OR Indigenous OR Indian*)
AND (Nurs* OR Enferm*)

CINAHL ("covid 19" OR "covid-19" OR coronavirus) AND 3


(Indigenous OR Indian* AND American) AND (Nurs*)

EMBASE ('covid 19'/exp OR 'covid 19' OR 'covid-19'/exp OR 18


'covid-19' OR 'coronavirus'/exp OR coronavirus) AND
('indigenous'/exp OR indigenous OR (indian* AND
('american'/exp OR american))) AND nurs*

SCOPUS ( ( "cvid 19" OR "cvid-19" OR coronavirus ) AND 5


( indigenous OR ( indian* AND american ) ) AND
( nurs* ) )

WEB OF SCIENCE ("covid 19" OR "covid-19" OR coronavirus) AND Não


(Indigenous OR (Indian* AND American)) AND retornou
(Nurs*)

116
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

TOTAL 66

Fonte: Próprio estudo.

Considerando que a pandemia de COVID-19 representa contexto único,


nunca, até então, vivenciado, não foram utilizados filtros para as seleções nas
buscas das bases de dados, com o objetivo de abranger o maior número de
artigos possíveis. De tal maneira, das buscas nas 06 bases de dados retornaram
66 publicações e, após a exclusão dos duplicados (15), restaram 51 publicações.

Durante a primeira etapa de seleção dos estudos, foi realizada a leitura


dos títulos e resumos para identificar se respondiam à pergunta norteadora da
pesquisa e, como resultado, foram incluídos 16 estudos. Após essa etapa, foi
realizada a seleção dos artigos incluídos na etapa anterior por meio de leitura na
íntegra, sendo incluídos 06 estudos. Durante as etapas, foram excluídos estudos
que se enquadravam como revisões de literatura, trabalhos apresentados em
congressos, teses e dissertações, cartas e editoriais.

Ressalta-se que o estágio de identificação das publicações duplicadas e


as etapas de seleção dos artigos foram realizados com auxílio do software
Rayyan QCRI, que é uma aplicação desenvolvida pelo Qatar Computing
Research Institute, especificamente direcionada para a o acordo inter-juízes
numa revisão sistemática de literatura. Oferece gratuitamente a aplicação online
em <https://rayyan.qcri.org/> e ainda tem a possibilidade de ser descarregada
para dispositivos móveis. Aceita a importação de referências em vários formatos
e permite ainda a condução de revisão simultânea por mais do que um
investigador. A aplicação tem um tutorial disponível online que fornece
orientações a novos utilizadores (CAMILO; GARRIDO, 2019). Assim, a análise
dos artigos foi realizada por pares e os possíveis desempates, por uma terceira
pessoa.

O Fluxograma Prisma foi adaptado do modelo de Galvão, Pansani e


Harrad (2015) e sintetiza as fases da revisão. Foram realizadas adaptações por
este estudo ser uma revisão integrativa da literatura e não sistemática.
Fluxograma 1 - Fluxo da informação com as diferentes fases da revisão

117
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Estudos identificados
nas bases de dados:
N= 66

Estudos duplicados:
N= 15

Estudos incluídos:
N= 51

Estudos excluídos após


leitura de título e resumo:
N= 35

Estudos incluídos após


leitura de título e resumo:
N= 16

Estudos excluídos após


leitura na íntegra:
N= 29
Estudos incluídos após
leitura na íntegra:
N= 06

Fonte: Próprio estudo

118
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Estágio de análise de dados

Os artigos selecionados neste estudo foram listados e analisados, de


acordo com autores, periódico, título, país, ano, idioma, nível de evidência,
categoria da discussão e segundo Nível de Evidência, adotando-se a
classificação proposta de Melnyk e Fineout-Overholt (2001): a) Questão Clínica
e seus respectivos níveis: Intervenção ou Diagnóstico/ teste diagnóstico (com
níveis de I ao VII); b) Prognóstico/Predição ou Etiologia (com níveis de I a V); e
c) Significado (também com níveis de I a V).

RESULTADOS

Dos artigos incluídos neste estudo, todos (100%) foram publicados no


ano de 2020 e estavam disponíveis no idioma inglês. Em relação aos países de
origem, dois artigos (33%) eram provenientes dos Estados Unidos da América,
dois artigos (33%) eram provenientes do Brasil, a Austrália e a Nova Zelândia
contribuíram com um artigo (17%) cada. Todos os artigos (100%) foram
classificados na questão clínica de significado, com três artigos (50%)
classificados com nível de evidência IV, dois artigos (33%) com nível de
evidência III e um artigo (17%) com nível de evidência II. A análise dos artigos
está sintetizada no Quadro II.
Quadro 2: Análise dos artigos segundo título, autores, periódico
publicado, país, ano/idioma, objetivo, resultado e nível de evidência, Ribeirão
Preto, 2020.

Título Autores Periódico País/Ano/ Objetivo Resultado Nível de


Idioma Evidência
A SARS- Hirschman, Jocelyn; MMWR. EUA/2020 Analisar um surto Os resultados da Questão
CoV-2 Kaur, Harpriya; Morbidity /Inglês de SARS-CoV-2 investigação do surto clínica:
Outbreak Honanie, Kay; and ilustrando os levaram a liderança do Significado
Illustrating Jenkins, Royce; Mortality desafios em HHCC e da tribo Hopi a Nível: IV
the Humeyestewa, Duane Weekly limitar a fortalecer a educação
Challenges A.; Burke, Rachel M.; Report propagação do da comunidade por
in Limiting Billy, Tracy M.; Mayer, vírus - Tribo Hopi. meio de
the Spread Oren; Herne, Mose; representantes de
of the Virus - Anderson, Mark; saúde da comunidade,
Hopi Tribe, Bhairavabhotla, enfermeiras de saúde
May-June Ravikiran; Yatabe, pública e campanhas
2020. Graydon; Balajee, S. de rádio.
Arunmozhi

119
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Responding Chalmers, Linda Nursing Nova Analisar e Essas respostas Questão


to the State Praxis in Zelândia/ responder o críticas ao relatório clínica:
of the Aotearoa 2020/Ingl “State of the SoWN serão valiosas Significado
World's New ês World's Nursing para a Aotearoa Nova Nível: IV
Nursing Zealand 2020 report in Zelândia e para o
2020 report Aotearoa New público internacional
in Aotearoa Zealand”. de
New enfermagem. Deixar
Zealand: de investir na produção
Aligning the doméstica da força de
nursing trabalho de
workforce to enfermagem neste
universal momento e, em vez
health disso, continuar a
coverage contar com a imigração
and health de enfermeiras
equity. qualificadas
internacionalmente
seria antiético.
COVID-19 Graziela Almeida The Brasil/202 Discutir os Apesar dos avanços na Questão
and Cupertino,Marli do American 0/Inglês desafios para o atenção à saúde clínica:
Brazilian Carmo Journal of atendimento à indígena no país, ainda Significado
Indigenous Cupertino,Andréia Tropical população existem muitos Nível: III
Populations Patrícia Gomes, Medicine indígena no desafios devido à
Luciene Muniz Braga, and contexto da vulnerabilidade social
and Rodrigo Siqueira- Hygiene pandemia COVID- dessa população,
Batista 19 no Brasil. cujas terras continuam
sendo exploradas
ilegalmente.
Culturally • Cuellar N.G. Journal of Estados Fornecer uma Cada organização Questão
Congruent • Aquino E. Transcult Unidos/20 visão geral da apresentou temas clínica:
Health Care • Dawson M.A. ural 20/Inglês National Coalition comuns aos diferentes Significado
of COVID-19 • Garcia-Dia M.J. Nursing of Ethnic Minority grupos e perspectivas Nível: II
in Minorities
• Im E.-O. Nurse únicas que cada grupo
in the United
• Jurado L.-F.M. Associations enfrenta durante este
States: •A Lee Y.S. (NCEMNA), desafio. Discussão:
Clinical apresentar dados Este artigo fornece
• Littlejohn S.
Practice epidemiológicos uma introdução aos
• Tom-Orme L.
Paper From COVID-19 em problemas que os
the National• Toney D.A. cinco grupos grupos minoritários
Coalition of étnico-raciais, estão enfrentando. É
Ethnic identificar imperativo que os
Minority estratégias de dados sejam coletados
Nurse saúde para determinar a
Associations culturalmente extensão do impacto
congruentes para do COVID-19 em
cada grupo e diversas comunidades
fornecer do país.
orientações para
a prática e
pesquisa.
Risk Factors Rita de Cássia The Brasil/202 Analisar as O estudo forneceu Questão
for Menezes Soares, American 0/Inglês relações de evidências de que clínica:
Hospitalizati Larissa Rodrigues Society of diversos fatores idade avançada, sexo Significado
on and Mattos, Letícia Tropical clínicos, masculino, raça Nível: III
Mortality due Martins Raposo Medicine comorbidades e asiática, indígena ou
to COVID-19 and características desconhecida,
in Espírito Hygiene demográficas com comorbidades
hospitalização e (tabagismo, doença

120
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Santo State, óbito pelo COVID- renal, obesidade,


Brazil 19. doença pulmonar,
diabetes e doença
cardiovascular), bem
como febre e falta de ar
aumentaram o risco de
hospitalização .
Roadmap to Nikki Moodie , James Australian Australia/ Apresentar uma Nossas Questão
recovery: Ward , Patricia Journal of 2020/Ingl visão geral de recomendações clínica:
Reporting on Dudgeon , Karen Social ês nossas enfatizam a Significado
a research Adams , Jon Altman , Issues recomendações autodeterminação e o Nível: IV
taskforce Dawn Casey , Kyllie para o relatório financiamento com
supporting Cripps , Megan Davis , Roadmap base nas
Indigenous Kate Derry, Sandra necessidades
responses to Eades, Samantha eqüitativas para apoiar
COVID-19 in Faulkner, Janet Hunt, as comunidades
Australia Elise Klein, Siobhan indígenas na
McDonnell, Ian Ring, recuperação do
Stewart Sutherland e COVID-19, abordando
Mandy Yap a persistência de
moradias superlotadas
e um foco na força de
trabalho,
especialmente para
comunidades regionais
e remotas.
Fonte: Próprio estudo

Para melhor compreender os resultados deste estudo, foram elencadas


duas categorias temáticas para a discussão, sendo elas: “A atuação da
enfermagem superando o cuidado direto à população indígena no contexto da
pandemia de covid-19”; “Especificidades da atuação da enfermagem junto à
população indígena no contexto da pandemia de COVID-19”.

DISCUSSÃO

A atuação da enfermagem superando o cuidado direto à população


indígena no contexto da pandemia de covid-19

Desde a colonização pelos europeus, os povos indígenas sofrem com o


avanço de doenças antes não existentes no cotidiano. Em 2020, com a
pandemia de COVID-19, as mais de 400 etnias indígenas estão sofrendo com
um novo vírus. No Brasil, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI) é responsável
pelo atendimento da população, já no âmbito da saúde, a Secretaria Especial de
Saúde Indígena (SESAI) do Ministério da Saúde é responsável pela execução

121
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

da Política Nacional de Atenção à Saúde de Povos Indígenas (PNASPI). Mesmo


com a disponibilização de recursos financeiros, a implementação do cuidado
ainda é fragilizada, pois existem desafios como a descontinuidade do
atendimento, a escassez de insumos, equipamentos, a rotatividade de
profissionais, assim como as dificuldades na comunicação intercultural. Além
disso, também há a dificuldade no acesso aos serviços de saúde (CUPERTINO
et al., 2020).

É imprescindível levar em consideração que essas populações possuem


seus modos de vida, produção e reprodução social relacionados, de forma
majoritária, com a terra. Além disso, são populações consideradas
negligenciadas devido a seus piores indicadores socioeconômicos,
desenvolvimento humano e de saúde. A população indígena, especificamente,
destaca-se com o pior índice de desenvolvimento humano e pobreza, com
acesso precário à saúde, elevada mortalidade infantil e prevalência de infecções.
Eles também têm que lidar com o racismo institucional e a perda progressiva de
territórios, que resultam em desassistência e insegurança alimentar (FLOSS et
al., 2020). Os riscos dos determinantes sociais da saúde também são maiores
em pessoas de grupos carentes e minoritários, os quais possuem acessos
limitados a cuidados e serviços de saúde que são culturalmente congruentes.
Dessa forma, durante a pandemia de COVID-19, grupos desfavorecidos
experimentam resultados negativos desproporcionais ao vírus (CUELLAR et al.,
2020).

As práticas culturais, como o uso comum de objetos e vivência em


comunidade, reforçam o medo de que a COVID-19 se dissemine cada vez mais,
levando à morte de grande parte da população indígena. Outro fator que
favorece esse temor é o de que as atividades socioeconômicas não indígenas
podem favorecer a disseminação. Acrescido ao risco de invasores que
continuam explorando os territórios indígenas ilegalmente, há também os fatores
de riscos associados ao COVID-19 e presentes nas populações, como
obesidade, hipertensão e diabetes (CUPERTINO et al., 2020). Nessa
perspectiva, estudo avaliou as características demográficas e clínicas para
identificar os fatores de risco associados à hospitalização e óbito por COVID-19,

122
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

e forneceu evidências que ser indígena é um fator que aumenta o risco de


hospitalização (SOARES; MATTOS; RAPOSO, 2020).

Considerando os desafios, a população indígena tem se organizado para


lidar com a pandemia de COVID-19 e, dentre as respostas de sucesso, enfatiza-
se a busca constante da autodeterminação das organizações indígenas, já que
a liderança estratégica mitigou o risco e promoveu medidas de proteção durante
as fases iniciais do surto, como por exemplo: a proibição de acesso para
viajantes às tribos, o desenvolvimento de mensagens-chave para alertar sobre
o distanciamento em línguas locais e o controle e preparação dos serviços de
saúde locais realizados em conjunto com a comunidade local (MOODIE et al.,
2020).

A comunicação tem se mostrado ferramenta valiosa com esta


população, principalmente devido à falta de compreensão do vírus. Materiais
educativos adaptados culturalmente são alternativas importantes no manejo
desse aspecto. Entretanto, a comunicação torna-se desafiadora em espaços e
ambientes ausentes de eletricidade ou conexão à internet. Outro desafio
vivenciado é relacionado ao transporte, já que para aqueles carentes de
transporte, a carona é o único meio de acesso aos cuidados de saúde,
impossibilitando assim o distanciamento social (CUELLAR et al., 2020).

Algumas medidas do Ministério da Saúde foram implantadas, como o


encaminhamento de equipes multiprofissionais, plataforma online para
discussão de casos entre médicos, a expansão de leitos, envio de suprimentos
e materiais e construção de hospital campanha. Menciona-se, também, a ação
estratégica “O Brasil depende de mim”. Todavia, ainda há necessidade de
implantação imediata de política de atenção à população indígena brasileira
(CUPERTINO et al., 2020). Em relação aos casos de coronavírus, os serviços
que prestarem assistência à saúde indígena fora das aldeias, devem considerar
os costumes da cultura local, como acompanhamento de familiares e rituais de
sepultamento singulares de cada etnia. Ainda, no processo de cuidado, as
lideranças indígenas devem ser ouvidas para que possam atuar favorecendo o
acesso e possibilitando melhores resultados para as ações de educação em

123
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

saúde e acompanhamento das famílias (RIBEIRO; ROSSI, 2020). Dessa forma,


reforça-se que a saúde rural brasileira deve ser inclusiva, refletindo sua
diversidade (FLOSS et al., 2020).
Especificidades da atuação da enfermagem junto à população
indígena no contexto da pandemia de COVID-19

A dificuldade e vulnerabilidade enfrentadas pelos povos indígenas em


relação à notificação de casos de contágio, óbitos e povos afetados por COVID-
19 é uma realidade na população indígena. Em 20 de setembro de 2020 o
SESAI divulgou que foram mais de 28 mil casos e 443 mortes, porém a
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) afirma que os dados não são
a realidade, pois há subnotificação devido a não contabilização daqueles que
vivem fora das terras homologadas. Segundo a APIB, em 30 de setembro foram
mais de 34 mil casos confirmados e 832 óbitos, sendo 158 povos afetados - o
que revela a negligência do estado em relação à saúde indígena e as medidas
de combate à pandemia. Assim, a pandemia causou maior vulnerabilidade em
uma população que já estava vulnerável, devido aos ataques históricos e à
maneira que o Estado Brasileiro os trata (MONDARDO, 2020). Nesse contexto,
a pandemia de COVID-19 revelou e intensificou iniquidades étnico-raciais. Os
diferentes cenários brasileiros reforçam a necessidade do desenvolvimento e
implementação de novas políticas e organizações, bem como ofertas de serviços
de saúde, a partir de estratégias de distribuição de insumos e organização do
processo de trabalho (FLOSS et al, 2020).

A assistência prestada à população indígena deve considerar suas


especificidades e o contexto em que se inserem, de modo a garantir que os
serviços de saúde estejam dispostos a acolher as demandas próprias da
comunidade e integrá-las na gestão do cuidado. Nesse processo, os
profissionais de enfermagem exercem papel fundamental, pela proximidade com
os usuários do serviço de saúde, especialmente devido ao diálogo que mantêm
com os usuários e com os outros profissionais, como no caso específico da
população indígena, com a equipe multidisciplinar de saúde indígena. Assim, o
enfermeiro desempenha papel fundamental por interligar usuários e os demais

124
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

profissionais, podendo participar e executar os planos de cuidado de forma mais


eficiente (RIBEIRO; ROSSI, 2020).

O controle e preparação dos serviços de saúde devem ocorrer em


parceria e com liderança dos povos indígenas, pois, dessa maneira é possível
coordenar e programar respostas efetivas à pandemia, já que os serviços de
saúde indígena estão mais familiarizados com os determinantes sociais da
saúde das áreas locais, as considerações culturais, estando mais bem
equipados para aconselhar sobre as necessidades locais (MOODIE et al., 2020).

Exemplo de como essa parceria é importante, destacando o papel do


enfermeiro, foi visto durante um surto de COVID-19 na tribo Hopi, que levou um
hospital local e a tribo a fortalecerem a educação da comunidade por meio de
representantes de saúde da comunidade, enfermeiras de saúde pública e
campanhas de rádio. Assim, uma Equipe de Resposta de Emergência Hopi e
enfermeiras de saúde pública do hospital local coordenaram como ficaria a
habitação na tribo e forneceram apoio, alimentação e outras necessidades
durante o isolamento e a quarentena. Conformaram, ainda, uma equipe de
comunicação com foco na educação e mitigação da comunidade com
mensagens sobre o uso de máscaras, higiene das mãos e o distanciamento
físico. É muito importante nesses casos da população indígena ou quando a
interação familiar seja grande, enfatizar maneiras seguras de seguir com esse
contato, usar máscara, lavar as mãos com frequência e tentar manter o
distanciamento social entre os familiares, pois são formas de ajudar a minimizar
a propagação de doenças (HIRSCHMAN et al., 2020).

Diante das particularidades dessa população, os enfermeiros devem


compreender que as diretrizes de lavagem das mãos e distanciamento social
podem não ser possíveis em virtude da escassez de encanamentos internos e
habitações coletivas. Diante disso, ações como o fornecimento de máscaras
para os membros da família e auxílio na aquisição de desinfetante para as mãos,
explicando a motivo de tais medidas, podem ser alternativas viáveis para
contenção do vírus nesse âmbito. Após o contato com o vírus, os indivíduos
podem utilizar produtos de limpeza tradicionais de sua tribo. Se mostra

125
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

importante também incentivar as práticas tradicionais de saúde nas


comunidades, uma vez que são bastante valorizadas localmente (CUELLAR et
al., 2020).

As orientações e medidas de proteção, como lavar as mãos, utilização


de máscaras e álcool em gel, são interpretadas pelas populações indígenas
conforme suas especificidades culturais, exigindo uma comunicação
culturalmente competente. Caso contrário, materiais educativos, informativos e
campanhas, não alcançam de forma efetiva essa população, por não estarem
disponíveis em seus idiomas nativos (FLOSS et al, 2020).

Dessa forma, a integração dos povos indígenas na gestão das ações de


promoção de saúde e prevenção da doença implementadas nas aldeias, ocorre
desde a educação em saúde e monitoramento das famílias, até a identificação
precoce da sintomatologia e reabilitação, considerando a identidade da etnia, o
estabelecimento de relação dialógica com as lideranças indígenas e toda a
comunidade, a compreensão dos significados atribuídos por cada povo indígena
à COVID-19 e de seu particular modo de vida na gestão de medidas de saúde
durante a pandemia, o isolamento social da comunidade e o tratamento de
pessoas com sintomas para covid-19 fora da aldeia, com garantia de respeito à
cultura indígena de cuidado em saúde (RIBEIRO; ROSSI, 2020). Assim, a
atuação da enfermagem na saúde pública das comunidades se faz vital para a
implementação da educação, prevenção, controle de doenças, incluindo testes
e rastreamento, além da comunicação eficaz com os indivíduos sobre a COVID-
19 (CUELLAR et al., 2020).

Também se mostra essencial à realização de exames de saúde mental,


buscando sintomas de depressão, ideação suicida, violência doméstica e abuso
infantil, condições que são observadas presentes e podem acontecer de forma
intensificada diante da pandemia (CUELLAR et al., 2020). Considerando as
singularidades e o contexto biopsicossocial da população indígena, nas aldeias
onde há acesso telefônico ou acesso à internet, os agentes indígenas de saúde
e comunidade, em geral, podem receber apoio de telemedicina e assim, evitar o
trânsito de profissionais de saúde vindos de outras áreas, limitando o risco de

126
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

contaminação. Dessa maneira, a equipe de saúde especializada pode


acompanhar remotamente, explicando sinais e sintomas da doença e
propiciando acompanhamento à distância (RIBEIRO; ROSSI, 2020).

Além dos cuidados diretos, os enfermeiros, como profissionais


essenciais na organização dos serviços de saúde, possuem o conhecimento
necessário e o dever de defender as populações em situação de vulnerabilidade,
apontando desigualdades nos sistemas de saúde e se fazendo presentes no
desenvolvimento de políticas públicas de saúde. O profissional enfermeiro deve
possuir, também, conhecimento sobre as leis e diretrizes tribais ao desempenhar
suas atividades, aprimorando sua comunicação com o paciente e sua
comunidade, a fim de fornecer mensagens precisas e compreensíveis
(CUELLAR et al., 2020), além de ressaltar o apoio financeiro e logístico contínuo
dos mecanismos de resposta para esta população (MOODIE et al., 2020). Dessa
forma, o enfermeiro possui papel crucial no planejamento de ações e luta por
políticas públicas para melhorar a qualidade de vida da população indígena,
além de ser essencial na atuação de prevenção e cuidado a essa população.

Porém, mesmo diante de toda importância da equipe de enfermagem no


contexto da pandemia de COVID-19 com a população indígena, constata-se
ainda a escassez de enfermeiros nessa frente, o que prejudica a organização de
medidas preventivas. Devido a essa escassez é importante assegurar que os
agentes indígenas de saúde recebam treinamento adequado (RIBEIRO; ROSSI,
2020). Nessa perspectiva, é necessária uma análise de como aumentar e reter
profissionais de saúde para lidar com a população indígena. Além do mais, é
necessário ter também pessoas da população indígena atuando em conjunto
com a equipe de saúde, para que eles contribuam com suas experiências em
saúde pública indígena e doenças infecciosas locais. É importante também
mobilizar e aumentar a força de trabalho nas comunidades indígenas para que
se preparem para outros possíveis surtos futuros de COVID-19, além de outras
doenças (MOODIE et al., 2020).

Por fim, para os enfermeiros, é preciso ter competência cultural, a partir


da compreensão e legitimação do modo de vida, trabalho e lazer das populações

127
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

indígenas, bem como suas visões dos processos de saúde e doenças. Este
atributo permite ações voltadas à educação em saúde, visando mudanças em
prol da contenção da COVID-19, qualificando o cuidado e reduzindo as
iniquidades (FLOSS et al, 2020).

CONCLUSÃO

As evidências demonstram que se faz imprescindível levar em


consideração as particularidades da população indígena em seus modos de vida
para que o processo do cuidado seja realmente eficaz. Considerando os
inúmeros desafios vivenciados por essa população, que se intensificaram
durante a pandemia de COVID-19, a população indígena tem se organizado para
lidar e vencer esses desafios. Dessa forma, a assistência prestada à população
indígena deve considerar as necessidades da população e as ações devem ser
planejadas em conjunto, entre equipe de saúde e a própria população. Além
disso, foi destacado o papel do enfermeiro no planejamento de ações e luta por
políticas públicas para melhorar a qualidade de vida dessa população, além de
ser essencial na atuação de prevenção e cuidado a essa população, por meio
de práticas educativas, rastreamento e ações em conjunto.

Por fim, enfatiza-se que as evidências disponíveis sobre a atuação da


enfermagem à população indígena durante a pandemia de COVID-19 são
poucas, mesmo diante de toda magnitude e importância do tema, sendo esta
uma limitação do estudo, que apesar de ter buscado várias bases de dados, teve
poucos resultados e um número menor ainda de artigos incluídos. Porém,
ressalta-se a importância dos estudos incluídos, que forneceram evidências
relevantes sobre a atuação do enfermeiro com essa população. Por fim,
recomenda-se que mais estudos sejam realizados para evidenciar como se dá
essa relação entre o profissional enfermeiro e a população indígena, afim de,
fortalecer a atuação. Dessa forma, espera-se que este capítulo influencie novos
estudos que possam aprofundar a compreensão sobre esta relação.

128
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

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130
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

VULNERABILIDADES NA INFÂNCIA E
NA ADOLESCÊNCIA: legislações, cenários,
perspectivas e a pandemia de COVID-19
Juliana Silva Bernardini Gomes
Matheus Bottaro Pereira da Silva
Bruno H. Longo da Silva
Jussara Carvalho dos Santos
Maria Luiza dos Santos Barbosa
Mariluci Piconez Arena Ventura
Marina Liberale

RESUMO
Direitos e garantias fundamentais são direitos inerentes à pessoa humana e estão ligados à
defesa da dignidade humana. À luz do artigo 227 da Constituição Federal, em 1990, sancionou-
se a Lei nº 8.069, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), instrumento
normativo dos direitos das crianças e dos adolescentes no Brasil. Entretanto, apesar das leis
garantirem direitos fundamentais e a dignidade humana ser inerente às crianças e adolescentes,
sabe-se que no Brasil, essa população ainda presencia várias violações de direitos, o que agrava
as suas situações de vulnerabilidade. Neste capítulo serão apresentados alguns cenários e
indicadores sobre as condições de maior ou menor vulnerabilidade vivenciadas por crianças e
adolescentes tanto no período de pré-pandemia, quanto um olhar para os primeiros sete meses
de pandemia de COVID-19.

Palavras-chaves: Criança, Adolescente, Direitos Humanos, Vulnerabilidade Social, COVID-19

INTRODUÇÃO

O mundo vem enfrentando desde o final de 2019 um período de


emergência sanitária sem precedentes provocado pela pandemia do vírus que
causa a COVID-19. Mesmo antes desse período, crianças e adolescentes já
eram consideradas grupos vulneráveis pelo fato de que, segundo Sierra e
Mesquita (2006), estarem em processo de desenvolvimento físico e psicológico,
possuírem formação educacional incompleta e carecerem de proteção de um
adulto. Tanto é que no Brasil em 13 de julho de 1990, sancionou-se a Lei nº
8.069, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), instrumento
normativo dos direitos das crianças e dos adolescentes (BRASIL, 1999a). Com

131
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

ele, abarcou os preceitos da Convenção sobre os Direitos da Criança das


Nações Unidas (ONU) e definiu os direitos, bem como, as garantias
fundamentais às crianças e aos adolescentes à luz do artigo 227 da Constituição
Federal (BRASIL, 1990a).

A pandemia da COVID-19 pode afetar a garantia dos direitos das crianças


e adolescentes, em virtude dos sérios riscos que a doença representa para a
vida, a saúde e a integridade pessoal, bem como seus impactos de imediato,
médio e longo prazo (CIDH, 2020). Nesse sentido, a Comissão Interamericana
de Direitos Humanos elaborou e aprovou em 10 de abril de 2020, a Resolução
01/2020, que estabelece recomendações aos países e enfatiza que a atenção e
a contenção da pandemia devem ter como centro o pleno respeito aos direitos
humanos, em atenção especial aos grupos de maior vulnerabilidade, o que inclui
a proteção e a garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes.

Com o intuito de conhecer os direitos das crianças e adolescentes e


refletir sobre o cenário brasileiro, algumas indagações mobilizaram a redação
deste capítulo: quais as garantias e os direitos das crianças e adolescentes?
Quais direitos estão sendo violados? E quais se agravaram no contexto da
pandemia de COVID-2019?

Para tanto, esse capítulo foi estruturado da seguinte forma: primeiro, uma
apresentação dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes.
Segundo, uma apresentação de alguns cenários e indicadores sobre as
condições de maior ou menor vulnerabilidade vivenciadas por crianças e
adolescentes na pré-pandemia; e por último, no período de pós pandemia da
COVID-19. Vale destacar que embora exista uma ampla gama de componentes
a serem observados, o enfoque deste capítulo será para os indicadores de
escolarização, de trabalho infantil e de violência doméstica.

132
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

1 - Direitos Fundamentais das Crianças e dos Adolescentes

1.1 Direitos, Garantias e a Dignidade da Pessoa Humana

Os Direitos e Garantias Fundamentais são resultados de conquistas de


diversas lutas históricas. Eles foram inspirados nos pactos e acordos de direitos
humanos, baseados no princípio da dignidade humana. Vão além de meras
garantias materiais e/ou garantias formais. Além de irrenunciáveis, também são
inalienáveis, invioláveis, imprescritíveis e universais (ALMEIDA PRADO, 2007;
RAMOS et al., 2020).

Com base no Art. 1º, III22 da Constituição da República Federativa do


Brasil (CF), estabelece-se que a dignidade da pessoa humana é um dos
fundamentos que constituíram o Estado Democrático de Direito, juntamente com
sua promulgação.

Nas palavras de Ramos (2020, p. 113), “a raiz da palavra “dignidade” vem


de dignus, que ressalta aquilo que possui honra ou importância”. Ainda
complementa que (p. 113) “consiste em atributo que todo indivíduo possui,
inerente à sua condição humana, não importando qualquer outra condição
referente à nacionalidade, opção política, orientação sexual, credo etc”.

A Constituição Federal de 1988 trouxe uma gama de direitos e garantias


considerados fundamentais para a manutenção do ordenamento jurídico, que
estão dispostos em seu Título II (BRASIL, 1988b). Como por exemplo, pode-se
mencionar o Art. 5º da CF, que é o artigo que mais prevê direitos e garantias.
Ressalta-se que os direitos e garantias não são previstos taxativamente pela
Constituição Federal e tão somente por ela, pois há previsão de direitos e
garantias em diversos diplomas legais, tais como, o ECA, o Estatuto do Idoso,
assim também, em outras Leis.

22
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como
fundamentos:
I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político. [...].

133
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Direitos fundamentais são aqueles que constam, principalmente, na


Constituição Federal e as garantias fundamentais são medidas previstas que
visam a proteção desses direitos (ALMEIDA PRADO, 2007; RAMOS et al., 2020).
Nesse sentido, José Afonso da Silva (2020, p. 415), expõe que:

[...] os direitos são bens e vantagens conferidos pela norma, enquanto


as garantias são meios destinados a fazer valer esses direitos, são
instrumentos pelos quais se asseguram o exercício e gozo daqueles
bens e vantagens.

Em observância ao supracitado, nota-se que a diferenciação de direitos e


garantias não é expressa tão nitidamente pelos diplomas legais. Essa distinção
está muitas vezes imperceptível, visto que, na maioria das previsões de direitos,
as garantias estão ali de forma tácita, ou seja, a divisão está oculta, cabendo ao
intérprete visualizá-la. Por exemplo, algumas formas de identificar a garantia do
direito são palavras como: é assegurado ou é inviolável, assim como outras.

Nesse sentido, direitos e garantias fundamentais são direitos inerentes à


pessoa humana e estão ligados à defesa da dignidade humana, pois tratam-se
de garantias formalizadas ao longo do tempo e estão atrelados às concepções
de direitos humanos.

Com relação à temática deste capítulo, faz-se necessário a observância


do Art. 22723, da CF/1988, que versa sobre a proteção integral da criança e do
adolescente, impondo ao Estado, à família e sociedade, o dever de cumprir em
caráter absoluto o melhor interesse e à proteção integral desses indivíduos. Essa
previsão constitucional deu ensejo a criação do ECA, de forma a regulamentar
assuntos peculiares voltados ao público infanto-juvenil e frisar que o alicerce do
ECA é a proteção integral das crianças e adolescentes. Portanto, o subtópico
seguinte sintetiza informações relevantes sobre este Estatuto.

23
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e
ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração,
violência, crueldade e opressão.

134
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

1.2 Previsão no Estatuto da Criança e do Adolescente

Em 13 de julho de 1990, sancionou-se a Lei nº 8.069, que dispõe sobre o


ECA, instrumento normativo dos direitos das crianças e dos adolescentes no
Brasil, que abarcou os preceitos da Convenção sobre os Direitos da Criança das
Nações Unidas e definiu os direitos, bem como, as garantias fundamentais às
crianças e aos adolescentes (BRASIL, 1990a).

O ECA surgiu para regulamentar a previsão do Art. 227, da CF/1988,


sendo assim, a existência desse diploma legal consiste, principalmente, em
atender à Constituição e possibilitar a efetivação da proteção integral, que é o
fundamento de sua criação, vide Art. 3º, caput24 do ECA. O poder constituinte
originário entendeu que estes indivíduos necessitavam de atenção maior à tutela
do Estado, determinando-se pelo Art. 227, da CF 1988, que essa atenção fosse
priorizada.

O ECA possui 267 artigos, que preveem direitos, criam políticas e


medidas assecuratórias, assim como deveres às crianças e aos adolescentes,
reconhecendo que a infância e a juventude são fases do desenvolvimento
humano, e por isso propõem prover a proteção integral desses indivíduos. Uma
definição importante que o ECA traz é que criança é aquela com idade até doze
anos incompletos, e adolescente aquele com idade entre doze e dezoito anos
(BRASIL, 1990a).

Com o advento do ECA, surgiu também a criação do Conselho Tutelar25,


o qual faz parte de uma rede de proteção às crianças e aos adolescentes, que
tem como principal função zelar pelos direitos e garantias infanto-juvenis. As
atribuições deste Conselho estão previstas no Art. 136 do ECA (BRASIL, 1990a).

Diante do que foi abordado, em relação aos direitos e garantias, assim


como a menção dos diplomas legais, no subtópico seguinte são discutidos os

24
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa
humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei [...]
25
Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado
pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente [...].

135
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

conceitos de vulnerabilidade e violação, aquilo que possivelmente pode


prejudicar a efetivação dos direitos e garantias.

1.3 Da Vulnerabilidade à Violação de Direitos

A fragilidade e a dependência de crianças e adolescentes, principalmente


de famílias em situação de pobreza, pode colocá-los em condição de
vulnerabilidade. Entende-se por vulnerabilidade como suscetibilidade de uma
pessoa ou grupo (física, emocional, econômica, política, cultural ou social) de
sofrer um dano e futuramente ter dificuldades em se recuperar dos seus efeitos
(NICHIATA et al., 2008). Nesse sentido, a desigualdade social torna esse público
submisso ao ambiente físico e social em que se encontra, podendo afetar todas
as dimensões do ser humano (SIERRA; MESQUITA, 2006).

Diante da definição acima, a criança e o adolescente são vulneráveis pelo


fato de estarem em processo de desenvolvimento físico e psicológico, possuírem
formação educacional incompleta e carecerem de proteção de um adulto, pois
tais fatores implicam incapacidade deles sozinhos se recuperarem de um dano
sofrido (SIERRA; MESQUITA, 2006).

Violação de direitos é toda e qualquer situação que ameace ou transgrida


os direitos da criança ou do adolescente, em decorrência da ação ou omissão
dos pais ou responsáveis, da sociedade e do Estado, configurando-se por meio
do abandono, da negligência, de conflitos familiares, além de todas as formas
de violência (física, sexual e psicológica) (BARBIANI, 2016; SIQUEIRA; ALVES;
LEÃO, 2012).

Desta maneira, com o intuito de que não se agravem as situações de


vulnerabilidades vivenciadas pelas crianças e pelos adolescentes e, portanto,
não tenham seus direitos violados, é necessário aplicar as leis existentes e
investir em políticas públicas que valorizem a proteção integral das crianças e
dos adolescentes, pois como abordado abaixo, esse público ainda vivencia
situações de violações de direitos.

136
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

2 Um breve panorama acerca das vulnerabilidades vivenciadas por


crianças e adolescentes no contexto brasileiro

Como mencionado na primeira parte do capítulo, os direitos e garantias


fundamentais são resultados de conquistas sociais, impulsionadas pelos pactos
e acordos de direitos humanos, baseados no princípio da dignidade humana.
Entretanto, apesar da dignidade humana ser inerente às crianças e adolescentes,
sabe-se que no Brasil, essa população, que tem seus direitos garantidos pelo
ECA, tem seus direitos violados, o que agrava sua situação de vulnerabilidade.

Nesta segunda parte, são apresentados alguns cenários e indicadores


sobre as condições de maior ou menor vulnerabilidade vivenciadas por crianças
e adolescentes em períodos anteriores à pandemia de COVID-19. Embora exista
uma ampla gama de componentes a serem observados, a atenção deste
capítulo se debruça para os indicadores de escolarização, de trabalho infantil e
de violência doméstica.

2.1 Escolarização

Enquanto direito fundamental, a escolarização tem sido um recurso


essencial para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. É por meio da
interação entre pares e o aprendizado das competências definidas pela Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) que esse processo ocorre. Segundo Brasil
(2017c), é por meio da escolarização que acontece “a mobilização de
conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e
socioemocionais), atitudes e valores, para resolver demandas complexas da vida
cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (p.8)”.

Para que a escola exerça seu papel é importante que todos os alunos
estejam matriculados e frequentando a escola. Políticas públicas vêm sendo

137
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

direcionadas para assegurar o acesso e permanência dos alunos na escola. Os


últimos dados da escolarização no Brasil, de pessoas entre 0 a 5 anos de idade
que frequentam a escola, cresceram 1,7 pontos percentuais entre 2016 e 2019,
atingindo a marca de 74,7% (BRASIL, 2019d).

É importante ressaltar que somente em 2013 a escolarização se tornou


obrigatória a partir dos 4 anos (BRASIL, 2019d). Ainda assim, 67% das crianças
entre 0 a 1 ano de idade não frequentavam a escola por opção dos pais ou
responsáveis e 27,5% não possuíam creches ou escolas próximas às suas
residências, falta de vagas ou não foram aceitas por conta da idade. Com 2 a 3
anos de idade, estes números foram de 53,5% e 39,9%, respectivamente.

Já entre pessoas de 6 e 14 anos, a taxa de escolarização é ainda maior,


de 99,7%, ou seja, 25,8 milhões de estudantes frequentavam a escola. Esse
número indica que o país tem se aproximado cada vez mais da universalização
do ensino nesse período de vida (BRASIL, 2019d). Entretanto, o abandono tem
sido um problema crescente nos anos seguintes, principalmente no final do
ensino f,undamental e início do ensino médio. Conforme levantamento feito pela
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD, 2019) a taxa de
escolarização entre 15 e 17 anos atingiu a máxima de 89,2%, e a queda desse
percentual, em comparação às faixas etárias anteriores, se deu em decorrência
do abandono e da evasão escolar.

O abandono escolar é um fenômeno presente desde os primórdios da


institucionalização do processo de ensino-aprendizagem. Assim, a evasão e o
abandono de crianças e adolescentes da escola ocorrem por diversas
finalidades, mas a literatura aponta que os principais causadores desses
problemas estão relacionados às vulnerabilidades sociais e à violação de direitos.
Além disso, observam-se fatores como a extensão territorial do Brasil, as
multiplicidades culturais, as desigualdades socioeconômicas e de infraestrutura
(ALMEIDA; OLIVEIRA, 2017).

Outro dado importante levantado pela PNAD (2019, p. 10) apontou que
"50 milhões de pessoas, 20,2% não completaram o ensino médio, seja por terem
abandonado a escola antes do término desta etapa, seja por nunca tê-la

138
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

frequentado". Ainda segundo a pesquisa, os principais fatores que motivaram o


abandono foram: precisavam trabalhar (39,1%); não tinham escola na localidade,
vaga ou turno desejado (3,2%); por gravidez (9,9%); tinha de realizar afazeres
domésticos ou cuidar de pessoas (5,2%); problemas de saúde permanente
(3,7%); não tinha interesse em estudar (29,2%); outros motivos (9,6%).

Além disso, as barreiras ou percalços que potencializam o abandono


escolar acarretam em impactos no acesso a trabalhos dignos, mão de obra
qualificada e mudanças socioeconômicas importantes, principalmente se
consideradas as distâncias e desigualdades sociais do Brasil (SILVA-FILHO;
ARAÚJO, 2017). Portanto, o abandono escolar atua como uma consequência da
violação de direitos que se inicia desde os primeiros anos do processo de
escolarização, mas que, ao mesmo tempo, é um fator que contribui para a
perpetuação das vulnerabilidades sociais e econômicas.

2.2 Trabalho Infantil

O ECA, no Capítulo V, garante o direito da criança e do adolescente à


profissionalização e proteção no trabalho, estabelecendo em seu artigo 60, a
proibição de qualquer trabalho realizado por menores de quatorze anos de idade,
exceto em condição de aprendiz (BRASIL, 1990a). Entretanto, tendo em vista a
situação de pobreza de várias famílias e a necessidade de contribuir com a renda
familiar e, em algumas circunstâncias, assegurar a própria subsistência, crianças
e adolescentes destinam-se para o trabalho precoce marcado pela precariedade
ou até mesmo inexistentes condições ocupacionais salutares (CARVALHO,
2008).

Apesar da proibição legal do trabalho infantil, a PNAD de 2016 evidencia


dados alarmantes no Brasil. Cerca de 4,6% das crianças e adolescentes entre 5
a 17 anos estavam em alguma ocupação na semana da pesquisa, tendo em
média, 25,3 horas trabalhadas por semana. Entre os adolescentes com 14 a 17
anos, 11,9% encontrava-se ocupada, destinando em média 26,9 horas semanais.
Nessa mesma pesquisa, realizando um recorte por sexo, do total de crianças
que estavam realizando algum tipo de trabalho, 34,7% eram do sexo feminino e

139
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

65,3%, do sexo masculino. Já em relação a cor e raça, há a prevalência de


crianças pretas e pardas (64,1%), quando se compara com crianças brancas
(35,9%).

Segundo Guimarães e Asmus (2010), esses levantamentos estão


relacionados com as múltiplas desigualdades presenciadas no Brasil, que
podem estar presentes entre as diferentes classes sociais. Por exemplo, as
crianças com baixa renda que exercem trabalhos em ricas empresas de caráter
multinacional, com o intuito de contribuir com a renda familiar versus famílias
com alta renda que têm condições de oferecer uma educação de qualidade para
suas crianças e adolescentes.

Todavia, é importante salientar que a pobreza, a desigualdade e a


exclusão social não podem ser consideradas os únicos fatores decisórios para a
prevalência do trabalho infantil no Brasil, sendo fundamental, portanto, citar
outros fatores associados para o agravamento do trabalho infantil, como a forma
de organização da produção e a escolaridade, fatores relacionados à natureza
cultural, econômica e de organização social da produção (GUIMARÃES; ASMUS,
2010).

Introduzidos de maneira precoce no mercado de trabalho, crianças e


adolescentes realizam as mais diversas atividades, constituindo-se como mão-
de-obra desqualificada e barata (SILVEIRA; OLIVEIRA; FIGUEIRÊDO, 2018).

No que se refere ao grupamento e atividades no Brasil, a PNAD evidencia


que dos indivíduos entre 5 a 13 anos, 47,6% realizavam trabalhos agrícolas e
52,4% não agrícolas. Por outro lado, aproximadamente 21,4% das crianças e
adolescentes na faixa etária de 14 a 17 anos exerciam trabalhos na área agrícola
e 78,6% não agrícola (BRASIL, 2016e). Dentre as atividades apontadas pela
pesquisa, as atividades não agrícolas se dividem em: comércio e reparação,
sendo 21,4% entre 5 a 13 anos e 27,2% entre 14 a 17 anos; serviços domésticos,
desempenhado por 6,3% dos indivíduos entre 5 a 13 anos e 6,4% entre 14 a 17
anos (BRASIL, 2016e).

Essas formas de trabalho realizadas de maneira precoce possuem


riscos e danos decorrentes da ocupação para à saúde das crianças e

140
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

adolescentes. Diariamente estão expostos a condições como a radiação solar,


calor, umidade, chuva, contato com animais peçonhentos, transporte e uso de
ferramentas que levam ao peso excessivo, bem como doenças respiratórias e a
contaminação com alguns tipos de agrotóxicos (CARVALHO, 2008). Esses
eventos expõem as crianças e os adolescentes a queimaduras e câncer de pele,
envelhecimento prematuro (CARVALHO, 2008), desidratação, além de
submetê-los à muitas horas de trabalho, diminuindo a frequência à escola
(GUIMARÃES; ASMUS, 2010).

Além do trabalho infantil ser ilegal, a situação dessa população é


agravada por não possuírem seus direitos trabalhistas e condições de trabalho
salutar. Esses contextos possuem impactos negativos na vida da criança e do
adolescente, no que tange ao rendimento escolar, além de não abarcar o grupo
de estudantes que realizam alguma forma de trabalho e nem em trabalhadores
que estudam (CRUZ-NETO; MOREIRA, 1998). Além disso, como pôde-se
observar no tópico “escolarização”, a necessidade de trabalhar também constitui
um dos motivos para o abandono escolar.

Diante desta realidade, para que o ECA seja colocado em prática a fim de
garantir os direitos das crianças e adolescentes que estão submetidos ao
trabalho infantil, são necessárias, segundo Guimarães e Asmus (2010), políticas
sociais que objetivam o combate ao trabalho infantil. Salientam ainda que é
imprescindível que essas políticas não sejam estabelecidas apenas pela
perspectiva de renda e, especialmente, sejam traçadas de maneira que não
objetivem apenas a retirada das crianças do trabalho, mas que criem condições
para que sejam descontinuadas, englobando ações de prevenção, em
consonância às instituições pertinentes, incorporando as crianças e
adolescentes e suas famílias, como melhoria do sistema educacional e a criação
de programas de geração de emprego e renda (GUIMARÃES; ASMUS, 2010).

141
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

2.3 Violência doméstica

Outra violação de direitos que está presente na vida cotidiana de muitas


crianças e adolescentes é a violência doméstica. Vitolo et al. (2005) afirmam que
as violências no convívio familiar, sejam elas violência física, sexual,
emocional/psicológica e negligência, podem ser caracterizadas quanto maus
tratos, e são fatores de riscos consideráveis ao pensar em transtornos mentais,
déficits cognitivos, abuso de drogas e até mesmo o suicídio em crianças e
adolescentes.

Quadros et al. (2016) argumentam que a violência doméstica constitui um


problema de saúde pública e que muitas vezes está atrelada a outras condições
que tendem a aumentar as vulnerabilidades presentes na vida desses sujeitos.
Alguns marcadores sociais, tais como: gênero, identidade sexual, raça e
deficiências físicas ou mentais são preditores que caracterizam grupos mais
vulneráveis às violências por parte de pais e cuidadores.

Embora o ECA (BRASIL, 1990a) tenha sido criado com o intuito de


proteger e garantir que políticas públicas, frente a defesa do desenvolvimento
dessa população aconteçam, os números demonstram que as denúncias e
casos de violência estão crescendo cada vez mais no país.

Conforme os dados do DataSUS sobre as notificações de violência


doméstica, sexual e/ou outras violências contra crianças e adolescentes, houve
aumento de 18 mil para 140 mil casos reportados aos serviços de saúde entre
os anos de 2009 e 2018. Trata-se de um número expressivo, com aumento de
quase 700% em um período de 9 anos (BRASIL, 2020n).

Além disso, fazendo um recorte sobre os principais agressores, em 2018,


foi observado que 25% destes se tratavam de mães e 15% de pais. Ou seja,
40% das agressões ocorridas no ambiente doméstico e que são denunciadas
acontecem por parte dos genitores da criança e do adolescente (BRASIL, 2020n).

Entretanto, para Romaro e Capitão (2007) é necessário considerar que a


partir da criação do ECA (BRASIL, 1990a), houve esforços dos governos e da

142
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

sociedade civil em articular campanhas sobre como identificar e quais as


repercussões da violência doméstica na infância e adolescência, bem como a
divulgação de canais específicos para denúncias. Portanto, esses mesmos
autores já consideravam que elevados índices de violência nos anos seguintes
também poderiam estar associados a esse fator.

Quadros et al. (2016) defendem que é fundamental o investimento em


políticas públicas de conscientização de familiares, educadores e da
comunidade em geral sobre os impactos da violência e quais ações alternativas
podem ser utilizadas no cuidado e proteção de crianças e adolescentes,
principalmente os que já se encontram em situação de vulnerabilidade.

Observa-se que há uma correlação entre a violência doméstica e a


intensificação das desigualdades sociais ao longo da vida dessas pessoas, uma
vez que os prejuízos gerados pelos maus tratos tendem a prejudicar o
desenvolvimento dito saudável e a colocar em risco a rede de proteção, uma vez
que os agentes que deveriam zelar pelo cuidado, são os tidos agressores
(QUADROS et al., 2016).

Mesmo antes da pandemia de COVID-19 no início de 2020 - e que será


abordado no subtópico abaixo -, crianças e adolescentes já vivenciavam
situações de vulnerabilidade. Aqui foram apresentados indicadores no que tange
à escolarização, trabalho infantil e violência doméstica. Pode-se observar que
essas vulnerabilidades estão relacionadas com a violação de direitos
estabelecidos na Constituição de 1988 e garantidos no ECA de 1990.
Condicionados a essas vulnerabilidades estão a extensão territorial do Brasil, as
pluralidades culturais, as desigualdades socioeconômicas bem como a
infraestrutura.

143
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

3 A pandemia e um breve panorama das vulnerabilidades vivenciadas por


crianças e adolescentes no contexto brasileiro

3.1 Contexto e breve panorama da SARS-CoV-2


Em dezembro de 2019, foi identificado em Wuhan na China a transmissão
de um novo Coronavírus, o SARS-CoV-2. Os Coronavírus são uma grande
família de vírus comuns em muitas espécies diferentes de animais, incluindo
camelos, gado, gatos e morcegos. Raramente os Coronavírus que infectam
animais infectam seres humanos, entretanto, o SARS-CoV-2 infectou pessoas e
logo o vírus foi disseminado e identificado em vários países (BRASIL, 2020f).

Em um cenário com mais de 110 mil casos distribuídos em 114 países, no


dia 11 de março de 2020, a OMS decretou pandemia da COVID-19
(CAVALCANTE et al. 2020). No Brasil, os primeiros casos foram confirmados no
mês de fevereiro, e diversas ações foram implementadas a fim de conter e
mitigar o avanço da doença. Em 3 de fevereiro de 2020, o país declarou
Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) (BRASIL, 2020)
antes mesmo da confirmação do primeiro caso, e isso permitiu o
estabelecimento de políticas para tentar desacelerar a taxa de transmissibilidade
e, consequentemente, o aumento do número de casos (CAVALCANTE et al.
2020).

Diversas medidas sanitárias e preventivas foram tomadas pelos estados


brasileiros. Por exemplo, o estado de São Paulo, epicentro da pandemia,
publicou o Decreto Nº 64.881 no dia 22 de março de 2020, oficializando a
quarentena no Estado de São Paulo, no contexto da pandemia de COVID-19.
Com isso ficou suspenso atendimento presencial ao público em
estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços. As escolas estaduais e
municipais foram fechadas e as intuições de saúde reduziram no que foi possível
o número de atendimentos.

144
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

As várias medidas que foram adotadas pelos diferentes estados tiveram


o intuito de reduzir/desacelerar a contaminação do novo Coronavírus por meio
do isolamento ou do distanciamento social. Vale destacar que desde o início da
quarentena e no decorrer desses sete meses de pandemia - momento da
redação deste capítulo - todas as medidas adotadas foram e estão sendo
avaliadas continuamente. Foram resultados dessas avaliações que permitiram
que cada estado brasileiro pudesse flexibilizar e promover a reabertura gradual
de vários estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços.

Entretanto, cabe salientar que até a finalização deste capítulo o retorno


das instituições escolares ainda estava em avaliação/discussão. De qualquer
forma, na ausência de tratamento seguro e eficaz e, na ausência de vacina, a
quarentena ainda é realidade no Brasil. Logo a seguir, são analisadas mais
algumas das vulnerabilidades agravadas durante a pandemia do novo
Coronavírus.

3.2 Reflexões dos indicadores e das estimativas/projeções em relação a


pandemia da Covid-19

A pandemia da COVID-19 pode afetar a garantia dos direitos das crianças


e adolescentes em virtude dos sérios riscos que a doença representa para a vida,
a saúde e a integridade pessoal, bem como seus impactos de imediato, médio e
longo prazo (CIDH, 2020). Nesse sentido, a Comissão Interamericana de
Direitos Humanos elaborou e aprovou em 10 de abril de 2020, a Resolução
01/2020, que estabelece recomendações aos países e enfatiza que a atenção e
a contenção da pandemia devem ter como centro o pleno respeito aos direitos
humanos.

As medidas restritivas e preventivas adotadas pelos estados brasileiros


afetaram diretamente as crianças e adolescentes. Uma dessas medidas foi o
fechamento das mais de 180 mil escolas de educação básica existentes no país,
segundo dados do CENSO da Educação Básica de 2019 (BRASIL, 2020h, p. 61).

145
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Com a impossibilidade de continuar com o ensino presencial, foram


criadas opções para a continuidade da aprendizagem em casa, com enfoque nas
plataformas virtuais e no ensino remoto. Vale destacar que no Brasil, antes da
pandemia, a legislação não permitia que a educação infantil e o ensino
fundamental fossem feitos por plataformas virtuais. Porém, nesse período de
excepcionalidade, foi elaborada pelo Ministério da Educação a Portaria Nº 544,
de 16 de junho de 2020 (BRASIL, 2020j) que permitiu as aulas remotas e
determinou o prazo desta permissão.

O ensino remoto é uma modalidade de ensino nos diferentes níveis da


educação básica, e foi adotado de forma temporária por conta da pandemia,
devido ao distanciamento geográfico de professores e alunos (CUNHA et al.,
2020).

Vários mecanismos e ferramentas foram criados e/ou aprimorados para


que os alunos pudessem dar prosseguimento às aulas de maneira remota: aulas
online ao vivo ou gravadas (vídeo-aulas) transmitidas via TV aberta, rádio,
redes sociais (Facebook, Instagram, Whatsapp, Youtube), páginas/portais
eletrônicos das secretarias de educação, ambientes virtuais de aprendizagem
ou plataformas digitais/on-line, como o Google Classroom e o Google Meet,
além de aplicativos; disponibilização de materiais digitais e atividades
variadas em redes (CUNHA et al., 2020).

Sendo o Brasil um território com diferentes realidades, não demorou muito


para que inúmeros problemas viessem à tona: acesso à internet, falta de
aparelhos eletrônicos compatíveis com a possibilidade de ensino remoto e,
mesmo quando há a tecnologia e as ferramentas em casa, dados da UNICEF
(2020a) apontam que crianças e adolescentes podem não ser capazes de
aprender remotamente por meio dessas plataformas devido a outros fatores em
casa, incluindo pressão para fazer tarefas domésticas, obrigação de trabalhar,
um ambiente ruim para aprendizagem e falta de apoio para seguir o currículo
online ou sua transmissão.

146
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Apesar das dificuldades na implementação e adaptação do ensino


remoto, pesquisas do Instituto Datafolha, encomendadas pela Fundação
Lemann, Itaú Social e Imaginable Futures (2020), mostram que de maio a julho
de 2020, as redes públicas de ensino continuaram buscando alternativas de
atividades escolares não-presenciais para os seus estudantes, passando de
74% para 82% os alunos com acesso a algum conteúdo pedagógico.

De alguma forma percebem-se esforços para garantir a igualdade de


acesso à educação para todos os estudantes. Porém um dado alarmante da
pesquisa citada acima é o aumento do percentual de alunos cujos pais temem
que desistam da escola por não estarem acompanhando as atividades, de 31%
em maio e junho, para 38% em julho. Este índice é maior para o ciclo dos anos
Finais, 43% e, como foi apresentado e discutido no subtópico 2 - Escolarização,
os dados de abandono escolar nos anos finais antes da pandemia já eram
elevados, a possibilidade que esse indicador agrave uma situação que já era
complexa, é ainda maior. Essa situação preocupa, pois o abandono escolar atua
como uma consequência da violação de direitos e das garantias das crianças e
adolescentes e serve de alerta para planejamento a curto e médio prazo.

Como foi visto acima, se de um lado foi necessária a adoção de medidas


preventivas que visaram restringir a aglomeração e circulação de pessoas, por
exemplo, o fechamento de todas as escolas, por outro lado, apesar de todos os
esforços para implementar e adaptar uma educação baseada no ensino remoto,
tal medida pode agravar ainda mais as desigualdades históricas de
aprendizagem no país, especificamente o aumento do abandono escolar. Além
disso, a escola é um fator de proteção principalmente para as crianças e
adolescentes em situações de vulnerabilidades, seja por ser um lugar onde se
tem garantido uma alimentação saudável, seja por diminuir a exposição ao
trabalho infantil e à violência doméstica, pois como alerta a OPAS/OMS no Brasil
(2020), com os responsáveis retornando a seus postos de trabalho, em especial
nas comunidades em condição de vulnerabilidades, as crianças correm o risco
de ficar sozinhas ou aos cuidados de irmãos e vizinhos e, com isso, mais
expostas à negligência e ao trabalho infantil.

147
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Com a pandemia do novo coronavírus, a taxa de desemprego chegou a


12,9% em maio e 14,4% em agosto de 2020, a maior taxa registrada na PNAD
desde seu início, ou seja, um alarmante número de 13,8 milhões de
desempregados no Brasil até o final de outubro desse ano (BRASIL, 2020m).

Conforme dados da UNICEF (2020b) desse mesmo ano, 30,4 % dos


responsáveis por estes jovens perderam seus empregos e 15,7% passaram a
ganhar menos, o que gera uma instabilidade na economia familiar. Segundo
pesquisa realizada pelo Banco Mundial em outubro de 2020, a estimativa é que
a pobreza global pela primeira vez em mais de duas décadas aumente. A
mencionada pesquisa demonstra também que dentre os novos pobres do
mundo, 82% vivem em países considerados de renda média, como o Brasil
(ONU, 2020).

A crescente taxa de desemprego e a diminuição da renda dos


responsáveis pelas crianças e adolescentes agravam ainda mais a situação de
vulnerabilidade (UNICEF, 2020c). Um dado que comprova essa hipótese é o
aumento das denúncias pelo DISQUE 100 (BRASIL, 2020o) contra violências de
crianças e adolescentes. Segundo o DISQUE 100, é um canal telefônico que
recebe, analisa e encaminha denúncias de violações de direitos humanos
relacionadas aos seguintes grupos: crianças e adolescentes, pessoas idosas e
com deficiência, dentre outros. Criada há mais de duas décadas, antes por
organizações não governamentais, desde 2003 tornou-se de responsabilidade
do governo Federal e, depois da Secretaria de Direitos Humanos, vinculada à
Presidência da República. Para se ter uma ideia, no final do mês de março de
2020, o registro era de 19 casos de denúncias específicas contra as crianças e
adolescentes; já no final de junho, esse número subiu para 720 casos, com maior
número de denúncias de violência física e psicológica (BRASIL, 2020i).

148
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Outro ponto importante a ser considerado é que a situação de isolamento


social gerada pela pandemia do COVID-19, segundo Oliveira et al. (2020),
também serve de gatilho para o aumento da violência doméstica, pois, com as
escola fechadas, crianças e os adolescentes ficam mais próximos de figuras
abusivas, representadas muitas vezes por uma desorganização da rotina familiar
que acaba sendo intensificada pela mudança restritiva de espaço e isolamento,
gerando tensão e ansiedade em todo núcleo familiar. Este comportamento
abusivo nem sempre é consciente, muitas vezes incutido pela desculpa de estar-
se impondo limites e repreendendo por comportamentos inapropriados dos
jovens, comportamento este também intensificado nesta fase de pandemia,
devido à ansiedade da mudança de rotina. Apesar da literatura apontar dados
que comprovam o aumento das vulnerabilidades sofridas pelas crianças e
adolescentes, faltam ainda atualização desses números e estudos para que
possamos ter um real mapeamento do impacto gerado nestes grupos. Para
Marques et al. (2020), há indícios de que o número de indivíduos que sofrem
violência doméstica esteja encoberto pela diminuição da jornada de trabalho e
ou estímulo do trabalho remoto (teletrabalho) realizado pelos cuidadores, pelo
fechamento ou diminuição do horário de atendimento das instituições protetivas,
tais como a delegacia de mulheres, conselhos tutelares, dentre outros. Nesse
contexto, destaca-se, também, a importância de um maior incentivo às
pesquisas e atenção às políticas de saúde direcionadas a este público.

A Lei 14.022/20, de 07 de julho de 2020 (BRASIL, 2020l) de combate à


violência doméstica durante a pandemia, garante que enquanto durar a
pandemia, os processos que envolvam atos de violência doméstica e familiar
cometidos contra mulheres, crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas
com deficiência sejam mantidos, sem suspensão, sendo também considerados
urgentes.

149
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Apesar de muitos serviços estarem suspensos presencialmente, a lei


citada acima diz que o poder público deverá adotar as medidas necessárias para
garantir a manutenção do atendimento presencial de mulheres, idosos, crianças
ou adolescentes em situação de violência, com a adaptação dos procedimentos
sanitários, vigorando enquanto durar o estado de emergência de saúde, na
tentativa de que haja uma certa garantia às medidas protetivas na intenção de
trabalhar a prevenção e repressão à violência doméstica e familiar durante a
necessidade de isolamento social (BRASIL, 2020l).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No mesmo ano em que o ECA completa trinta anos, o mundo passa


por um cenário de excepcionalidade. Se antes os desafios eram na sua maioria
conhecidos e complexos, a pandemia do novo coronavírus aponta para horizonte
de curto, médio e longo prazo de dúvidas e incertezas: qual o impacto na vida
das crianças e adolescentes a vivência dessa pandemia? Qual a dimensão do
impacto do fechamento das escolas na aprendizagem escolar e para o
desenvolvimento infantil? Qual o impacto que o ensino remoto terá no abandono
escolar? Qual a dimensão do impacto do aumento da violência doméstica no
desenvolvimento infantil?

Uma coisa é certa: a pandemia do novo Coronavírus pode agravar a


vulnerabilidade social de crianças e adolescentes, pois elas estão sendo
afetadas de alguma maneira ou em algum grau pelos impactos econômicos e
sociais. Evidencia-se, dessa forma, a importância do fortalecimento da proteção
das garantias e dos direitos das crianças e adolescentes, principalmente para
àquelas em situação de maior vulnerabilidade.

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Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

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155
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Os reflexos da imunossenescência e
da violência sofrida por idosos
brasileiros frente a covid-19.

Aline Cristina Castellane Arena

Gisele Cristine de Oliveira

Tatiana Reis Pimentel

Rachel Torres Salvatori

RESUMO

A pandemia global de COVID-19 que estamos atravessando não tem precedentes em nossa
geração. Sabe-se, até o momento, que a principal medida para evitar a disseminação do vírus é
o isolamento social. Contudo, idosos foram expostos a situações de vulnerabilidade em virtude
do confinamento, da fragilidade física e da relação de codependência estabelecida nos lares,
gerando um cenário alarmante. O presente artigo faz uma breve reflexão sobre os efeitos da
pandemia na vida dos idosos e sobre como o governo e a sociedade civil têm se organizado para
minimizar as consequências para esse grupo.

Palavras-chave: Idosos, Pandemia, Saúde, Violência.

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, província de Hubei na


China, foram relatados vários casos de pneumonia de origem desconhecida,
cujo quadro mostrou-se atípico, caracterizando síndrome respiratória por um
novo vírus de rápida evolução. Ficou evidente que, caso não fossem tomadas
medidas urgentes para sua contenção, esse vírus poderia levar muitas pessoas
a óbito. (TEICH, 2020)

Tratava-se de uma gripe diferente que tinha manifestações clínicas


comuns como: tosse, febre, fadiga, mialgia, dispneia; levando a algumas
disfunções de órgãos como, por exemplo, a síndrome do desconforto respiratório

156
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

agudo (SDRA), lesões renais, cardiopatias e casos graves de choque e morte.


(LIMA, 2020)

A Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o surto como


Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) em janeiro
de 2020, e em 11 de março de 2020, ele foi considerado uma pandemia. (TEICH,
2020)

Com efeito, no Brasil, em 03 de fevereiro de 2020, foi declarada a


Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN), nos termos
fixados pelo Ministério da Saúde. Posteriormente, foi sancionada a Lei n°13.979,
de 06 de março de 2020, que dispôs sobre as medidas de enfrentamento da
emergência decorrente do Novo Coronavírus - COVID-19. (LIMA, 2020)

O primeiro caso confirmado de COVID-19 no Brasil foi registrado em 26


de fevereiro de 2020, no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), em um homem
de 61 anos de idade, morador de São Paulo que esteve na Itália. O registro do
primeiro óbito pela COVID-19 no Brasil ocorreu em 17 de março de 2020. Dessa
vez, um homem de 62 anos de idade, hospitalizado em uma rede especializada
de saúde para a população idosa, que sofria de diabetes mellitus (DM) e
hipertensão arterial sistêmica (HAS). (HAMMERSCHMIDT, 2020)

No início de abril de 2020, a infecção por COVID-19 já estava presente


em 184 países e nos 05 continentes do mundo, com o registro de 1.429.437
casos e 82.074 mortes em todo mundo. (TEICH, 2020)

O boletim epidemiológico do Ministério da Saúde brasileiro já registrava,


em 04 de abril de 2020, 10.278 casos confirmados e 431 mortes pela COVID-
19; sendo que mais de 80% dos óbitos foram de pessoas idosas. A mesma
proporção de óbitos apresentava fatores de risco relacionados a cardiopatias e
DM. (LIMA, 2020)

Observa-se ainda que idosos com 80 anos ou mais (14,8%) morreram


mais que idosos de 70 a 79 anos (8,0%) e idosos de 60 a 69 anos (8,8%).
(BARBOSA, 2020)

157
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

No ano de 2020, no mundo, havia 1,1 bilhão de idosos, com uma


projeção de 3,1 bilhões para o ano de 2100. O aumento também coincide com a
situação brasileira, que possui 29,9 milhões de idosos em 2020 e prevê 72,4
milhões em 2100. (HAMMERSCHMIDT, 2020)

A população idosa é a mais vulnerável para COVID-19, como também


para outras complicações causadas pelo novo coronavírus, como: síndrome
respiratória aguda grave (SRAG), síndrome gripal (SG) e a síndrome respiratória
do Oriente Médio (MERS-COV). Essa nova doença respiratória, COVID-19,
apresenta grande letalidade na população acima de 60 anos, que necessita,
portanto, priorizar medidas de controle, como a diminuição do contágio e da
exposição a aglomerações humanas, sem contudo o prejuízo de não receberem
ações da atenção à saúde, já que muitos necessitam de assistência nessa área.
(GOIÁS, 2020)

Dados socioeconômicos evidenciam que, no Brasil, os idosos


acometidos pela COVID-19 são, em sua maioria, mulheres, que possuem baixa
escolaridade e vivem de renda domiciliar de até meio salário mínimo. (BARBOSA,
2020)

Desse modo e, considerando os impactos que a pandemia por COVID-


19 vem trazendo ao mundo, principalmente para as populações mais vulneráveis
a essa doença, consideramos relevante apresentar neste estudo as principais
consequências relatadas em estudos científicos para a população idosa e refletir
sobre como o governo e a sociedade civil têm se organizado para minimizar as
consequências paraesse grupo.

MATERIAIS E MÉTODOS

Foram selecionados 20 artigos científicos, de 2020, das bases de dados


Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), ScientificElectronic Library Online (Scielo) e
Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (Lilacs) com as
palavras-chave coronavírus, idosos, pandemia, violência, saúde e COVID-19
que se relacionavam diretamente com o tema investigado. Foram integradas as

158
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

palavras-chave em Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) "coronavírus", "idosos",


"COVID-19", dentre as outras, e suas combinações integradas pelo "and". Após
o levantamento, foram observados inicialmente 25 artigos. Como etapa
eliminatória, procedeu-se à leitura completa dos artigos na integra, para
identificar a essência da temática proposta. Ao final da leitura, foram excluídos 5
artigos que não contemplavam a temática do estudo.

No desenvolvimento do estudo, revelou-se importante realizar buscas


complementares em outros sítios institucionais oficiais relevantes para o objeto
da pesquisa. Assim, foram realizadas buscas sistemáticas complementares de
normas e documentosnas seguintes fontes: os sítios de Estados com planos de
contenção da COVID-19, como São Paulo, Goiás e Santa Catarina; sítio
eletrônico da Organização Pan-Americana da Saúde – OPAS, sítio eletrônico do
Ministério da Saúde e Cartilha do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos
Humanos.

Dados Epidemiológicos

A divulgação dos dados epidemiológicos da COVID-19 no Brasil ocorre


por meio do Boletim Epidemiológico Especial. A edição do Boletim - 36 apresenta
a análise referente à Semana Epidemiológica 42 (do dia 11/10 a 17/10) de 2020.
A situação epidemiológica da COVID-19 no mundo, até o final da Semana
Epidemiológica (SE) 42 de 2020, era de 39.425.546 casos confirmados de
COVID-19. O país com o maior número de casos foi o Estados Unidos
(8.050.141), seguido pela Índia (7.432.680), Brasil (5.224.362), Rússia
(1.369.313) e Argentina (965.596). Em relação aos óbitos, foram confirmados
1.105.403 no mundo até o dia 17 de outubro de 2020. O país com maior número
acumulado de óbitos foi os Estados Unidos (218.599), seguido do Brasil
(153.675), Índia (112.998), México (85.704) e Reino Unido (43.429). Até o final
da SE 42, 69,5% - 39.425.546 das pessoas infectadas por COVID-19 no mundo
se recuperaram. O país com o maior número de recuperados foi a Índia

159
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

(6.597.209 ou 24,1%) do total mundial, seguido do Brasil (4.635.315 ou 16,9%)


e Estados Unidos (3.220.573 ou 11,8%). (BRASIL, 2020)

A primeira notificação de um caso confirmado de COVID-19 no Brasil,


recebida pelo Ministério da Saúde, foi em 26 de fevereiro de 2020. Dessa data
até 17 de outubro de 2020, foram confirmados 5.224.362 casos e 153.675 óbitos
por COVID-19, sendo que o maior registro no número de novos casos (69.074
casos) e de novos óbitos (1.595 óbitos) ocorreu no dia 29 de julho. Durante a
SE 42, a taxa de incidência até o dia 17 de outubro de 2020 foi de 2.486 casos
por 100 mil habitantes, enquanto a taxa de mortalidade foi de 73,1 óbitos por 100
mil habitantes. (BRASIL, 2020)

Na distribuição dos registros de casos por COVID-19 na SE 42, segundo


a Unidade da Federação (por 100 mil hab.), observa-se o Estado de São Paulo
com o maior número de casos (1.062.634), seguido pelo Estado da Bahia
(334.697) e o Estado de Minas Gerais (333.998). Em relação aos registros de
óbitos, temos o Estado de São Paulo com o maior número de óbitos (37.992),
seguido pelo Estado do Rio de Janeiro (19.715) e o Estado do Ceará (9.207).
Entre os casos de COVID-19 hospitalizados, 249.096 (56,3%) são do sexo
masculino e a faixa etária mais acometida é a de 60 a 69 anos de idade, com
91.157 (20,6%). Dentre os óbitos por COVID-19 hospitalizados, 86.929 (57,8%)
são do sexo masculino e a faixa etária mais acometida é a de 70 a 79 anos,
38.595 (25,7%). (BRASIL, 2020)

Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT)

As manifestações clínicas da COVID-19 são variáveis entre os casos


confirmados. A maior proporção dos casos apresenta sintomas leves, como:
febre alta e recorrente, tosse seca, desconforto ao respirar, coriza e congestão
nasal. Todavia, também são evidenciados dor de cabeça, lesões cardíacas e
renais, perda do paladar e olfato e manifestações gastrointestinais. Já nos casos
mais graves, ocorrem evoluções para pneumonia e SDRA, que, sem tratamento
adequado, evoluem para morte. (FIGUEIREDO, 2020)

160
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

A transmissão do vírus se dá de pessoa para pessoa. O vírus é


detectado no escarro, salivas e secreções da garganta e do nariz, por exame
morfológico. Assim, espalha-se por pequenas gotículas liberadas pelo nariz e
pela boca da pessoa infectada. (FERRARI, 2020)

Infelizmente a população idosa é mais vulnerável aos quadros mais


graves da doença. Estudos realizados na Itália e China comprovam que mais de
50% dos óbitos da COVID-19 nesses países foram em pessoas de idade igual
ou superior a 60 anos, de modo que este perfil é semelhante a diversos outros
países. (FIGUEIREDO, 2020)

A vulnerabilidade da população idosa à COVID-19 é caracterizada por:


imunossenescência (diminuição da eficácia do sistema imunológico), processo
natural do envelhecimento, doenças crônicas não transmissíveis preexistentes
que comprometem a capacidade funcional do organismo e ainda dificultam a
resposta imune. (FIGUEIREDO, 2020)

É importante salientar que a incidência da COVID-19 no Brasil e no


mundo é maior nos indivíduos adultos; porém, a letalidade é maior na população
idosa, especialmente, aquelas com DCNT. (BARBOSA, 2020)

Para Figueiredo, as principais DCNTs presentes nos casos de COVID-


19 são a hipertensão arterial sistêmica (HAS), o diabetes mellitus (DM) e as
doenças cardiovasculares. (FIGUEIREDO, 2020)

No Brasil, até 25 de maio de 2020, a morbidade associada aos 69,3%


dos óbitos do país ocorreram na população idosa, sendo que 64% possuía, ao
menos, uma condição crônica. (BARBOSA, 2020)

As DCNTs abrangem patologias que afetam os sistemas cardiovascular,


respiratório, endócrino, renal e o câncer. As DCNTs estão presentes em 70%
dos brasileiros que evoluíram para óbito por COVID-19. (ESTRELA, 2020)

No Brasil, como no mundo, a taxa elevada de DCNT atinge indivíduos


de todas as classes sociais, gênero, raça/cor e idade. Contudo, afeta de forma
intensa os grupos vulneráveis ligados à pobreza, à baixa escolaridade e à raça
negra. (ESTRELA, 2020)

161
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

A Vigilância de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não


Transmissíveis (VIGITEL), em 2018, registrou que a população idosa brasileira
era de 30 milhões; e que cerca de 60% possuíam a HAS e 23% DM. (BRASIL,
2020)

Em uma pesquisa nos EUA, abrangendo 1527 pacientes infectados pela


COVID-19, a prevalência de HAS foi de 17,1%, seguida de 16,4% de doenças
cardíacas e cerebrovasculares e 9,7% de DM. Em outro estudo dos EUA com
5700 pacientes, foi evidenciado a prevalência de HAS (3026 ou 56,6%),
obesidade (1737 ou 41,7%) e DM (1808 ou 33,85%). (KAWAHARA, 2020)

Em um estudo na Itália, com 1591 pacientes, a HAS foi a comorbidade


mais prevalente com (509 [49%]), seguida por doença cardiovascular (223 ou
21%) e DM (180 ou 17%). (KAWAHARA, 2020)

Infelizmente, estas comorbidades não estão presentes apenas nos


casos mais graves, mas, também, são prevalentes nos casos de óbitos. Em um
estudo na China, 10,5% dos óbitos foram por doença cardiovascular; sendo
7,3% em pacientes diabéticos e 6,0% em pacientes hipertensos. Na Itália, dentre
os óbitos registrados, 69% foram de pacientes hipertensos, 31,7% de diabéticos
e 27,5% de portadores de doenças cardiovasculares. (KAWAHARA, 2020)

A OPAS publicou, em maio de 2020, vários documentos, de uma série


de notas descritivas, que abordam as DCNTs (DM, HAS, asma, câncer, doença
cardiovascular e doença renal crônica) em relação à COVID-19, por meio de
perguntas e respostas, com informações sobre os riscos dessas doenças
associadas à COVID-19. (OPAS, 2020)

Medidas governamentais

A vivência da pandemia atual tem aumentando as incertezas do futuro


e, com isso, houve um agravamento das doenças crônicas devido a sintomas
psicológicos, como a ansiedade, a depressão e os distúrbios do sono. Esses
sintomas psicológicos desencadeiam o desequilíbrio funcional do organismo,

162
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

podem provocar o descontrole da pressão arterial sanguínea, da glicemia e


crises asmáticas. (ESTRELA, 2020)

No cenário da pandemia, as consultas e exames eletivos foram


suspensos, e o medo de se deslocar do domicílio para comprar e/ou adquirir as
medicações contribuiu para a perda do controle das outras doenças. (ESTRELA,
2020)

O Ministério da Saúde, com intuito de minimizar as complicações dessas


doenças, prorrogou a validade das receitas de medicações de uso contínuo;
preconizou e reforçou as orientações do uso de máscaras faciais para a
população em geral; promoveu o afastamento de pessoas com comorbidades
de suas atividades laborais presenciais e recebeu denúncias de instituições que
não disponibilizassem as condições adequadas de trabalho. (ESTRELA, 2020)

Para evitar um colapso da rede assistencial do SUS, o Ministério da


Saúde e as Secretarias de Saúdes Estaduais publicaram diversos protocolos
para o manejo clínico da COVID-19, com orientações para o monitoramento dos
grupos de risco e casos confirmados por teleatendimento, telemedicina e/ou
visita domiciliar, por meio do acolhimento com classificação de risco e
direcionamento de fluxo, para separar os indivíduos com sintomas respiratórios
dos demais. (ESTRELA, 2020)

A telemedicina foi regularizada durante a pandemia pelo Conselho


Federal de Medicina, com o objetivo de reduzir as idas frequentes da população
de risco, como idosos, no serviço de saúde. Esse serviço contempla consultas
por vídeo-consulta ou via telefone para o controle dos fatores de risco e
monitoramento dos sintomas respiratórios. (KAWAHARA, 2020)

O Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil), de


2018, evidenciou que 75,3% dos idosos brasileiros dependiam exclusivamente
dos serviços do SUS, de maneira que 83,1%, no período de 1 ano, realizaram,
pelo menos, uma consulta médica. (BRASIL, 2020)

163
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

A OPAS afirma que os sistemas de saúde das Américas não estão


lidando, adequadamente, com as necessidades da população idosa no
enfrentamento da COVID-19. E que, mesmo antes da pandemia, 50% da
população idosa, em alguns países de baixa e média renda, já não tinham
acesso a serviços essenciais de saúde.

Segundo a OPAS, a COVID-19 expôs não apenas a fragilidade das


pessoas idosas quanto ao vírus, mas, também, dos sistemas e ambientes que
os apoiam.

A Secretaria de Saúde do Estado de Santa Catarina, por meio de uma


nota técnica, recomendou o isolamento social domiciliar voluntário para os
idosos e pacientes com DCNT e, caso apresentassem algum sintoma
respiratório, contactar o serviço de saúde por telefone, evitando seu
deslocamento à unidade; orientou, também, restringir ao máximo o contato dos
idosos com crianças menores de 14 anos, por serem portadoras assintomáticas
da COVID-19; reforçou a responsabilidade pelo autocuidado e manter o uso
correto de suas medicações contínuas.

Foi determinado pelo Ministério da Saúde, assim como pela OMS, a


adoção de formas de comunicação à distância e o isolamento social para evitar
a propagação e a ampliação da circulação do vírus, reforçando, principalmente,
que as pessoas idosas devem evitar aglomerações, reduzir as visitas em seus
domicílios, evitar comparecer às unidades de saúde por motivos de pequena
importância e reduzir as visitas de familiares e amigos, quando hóspedes em
instituições de longa permanências para idosos (ILPI). (GOIÁS, 2020)

Idosos Institucionalizados

Em 30 de abril de 2020, o Ministério da Saúde lançou o Plano Nacional


de Contingência Para o Cuidado às Pessoas Idosas (ILPI). Esse plano previa
busca ativa dessa população, atendimento remoto pelos canais telesus,
testagem de sintomáticos e internação hospitalar em situação de impossibilidade
de isolamento. (BRASIL, 2020)

164
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

O Brasil possui 78.200 idosos vinculados a essas instituições, e cerca de


31.720 profissionais ligados aos seus cuidados. (BRASIL, 2020)

Os idosos institucionalizados são mais frágeis e apresentam, na maioria


das vezes, dependência funcional, na qual há um maior comprometimento para
sua recuperação, em uma agressão aguda da doença. Esses idosos, por
residirem em um ambiente coletivo, com outros idosos, e, por serem assistidos
por profissionais que frequentam outros locais de risco, como serviços de saúde
e até transportes públicos, se tornam mais vulneráveis à COVID-19. (MORAES,
2020)

As ILPIs são o principal fator de risco para a propagação da COVID-19,


SRAG e a SG, devido às condições existentes nessas instituições. (MORAES,
2020)

A Secretaria de Saúde do Estado de Goiás, por meio de uma nota técnica,


recomendou que as Unidades de Atenção Primária à Saúde promovessem
ações de saúde, voltadas para população idosa em geral e institucionalizadas,
com ou sem sintomas respiratórios.

Para os idosos sem sintomas da COVID-19 deve-se: estimular a


vacinação contra a influenza, sempre observando os critérios do MS;
disponibilizar, para equipe de saúde, aparelhos telefônicos e aplicativos de
mensagens instantâneas, visando que ela oriente a população idosa, diante de
dúvidas e esclarecimentos, evitando, com isso, seu deslocamento às unidades
de saúde; orientar sobre as consultas e intervalos de cada caso individualmente;
orientar os idosos a realizarem os cuidados de higiene pessoal e domiciliar,
assim como o uso de máscara e uso do álcool em gel quando necessário. Já
com os idosos institucionalizados sem sintomas respiratórios deve-se orientar os
profissionais de saúde, visitantes e os idosos residentes quanto aos cuidados de
higiene pessoal, etiqueta respiratória, higienização das mãos e manter a limpeza
e desinfecção de superfícies da instituição, para a prevenção e controle do
COVID-19 na instituição; reduzir a frequência, duração e números de visitas,
elaborando cronograma para evitar aglomerações nas instituições; avaliar os
visitantes, ao chegar, sobre sintomas gripais recentes e se tiveram contatos com

165
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

pessoas suspeitas de COVID-19; não permitir a visita de pessoas com sintomas


e/ou que tiveram contato com pessoas suspeitas. (GOIÁS, 2020)

Já para os idosos com sintomas da COVID-19 no atendimento nas


Unidades de Atenção Primária à Saúde, deve-se acompanhar o quadro clínico,
observando sempre a variação dos sintomas, bem como os sinais que são,
taquicardia, febre alta, dificuldade para respirar, alteração do estado mental,
como confusão e letargia, dentre outros. (GOIÁS, 2020)

Para os idosos institucionalizados com sintomas da COVID-19, além do


mencionado acima, deve-se alojá-los em quartos isolados, individuais,
ventilados e com banheiro em anexo, se possível, para evitar o trânsito em áreas
comuns da instituição e definir profissionais para atendimento exclusivos a
residentes diagnosticados com COVID-19. (GOIÁS, 2020)

Tecnologia e Estigmas

O cenário atual da pandemia reforçou os estigmas na população idosa,


uma vez que ela é o agente social vulnerável. (DOURADO, 2020) Reforçou
preconceitos da sociedade, com criações de diversos materiais de mídia, como
vídeos, imagens, frases e músicas, expondo os idosos e valorizando
características negativas, como a dificuldade desta população em cumprir o
distanciamento social. A confirmação de risco ficou mais evidente com decretos
estaduais e municipais, impondo ou sugerindo que os idosos fiquem em casa, o
que pode ter elevado a angústia por não ser mais possível a organização do
cotidiano como antes. Houve bloqueio dos cartões de gratuidade no transporte
público e o afastamento compulsório do trabalho, dentre outras medidas para
manter o distanciamento social. (HAMMERSCHMIDT, 2020)

É importante salientar que o agravamento da infecção pela COVID-19


não está apenas associado às alterações fisiológicas, mas, também, aos fatores
sociais e econômicos. (ESTRELA, 2020)

Existem outros fatores que podem impactar os riscos relacionados à


COVID-19 na população idosa, tais como: limitação funcional, que pode incluir

166
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

desde as necessidades humanas básicas até a execução de tarefas diárias do


cotidiano e o desconhecimento de novas tecnologias que promovem o contato
virtual com familiares nesse período de isolamento. (LIMA-COSTA, 2020)

O uso da internet pelos idosos ainda é um desafio enorme a ser


percorrido, pois existe uma divisão das pessoas na temática virtualidade: os
nativos digitais e os imigrantes digitais. Enquanto que o nativo digital já cresce
ao redor das tecnologias digitais, os imigrantes digitais são os que aprendem as
tecnologias digitais. Sendo assim, a sociabilidade digital na população idosa, na
maior parte do tempo, é executada com limitações, desconfianças e dificuldades.
(DOURADO, 2020)

O Instituto Paulista de Geriatria e Gerontologia José Ermírio de Moraes,


da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, publicou um informativo para
os idosos, seus cuidadores e familiares, de como lidarem com informações e
notícias falsas, sobre a COVID-19, assim como, abordou assuntos como
alimentação saudável, higiene bucal, exercícios, mesmo dentro de casa e
prevenção de quedas no domicílio.

Medidas preventivas

Estudos sobre o isolamento social mostram que se isso não fosse


adotado pela comunidade mundial, a contaminação por COVID-19 poderia
chegar a um intervalo de 60% a 80% da população do planeta. (ESTRELA, 2020)

Até maio de 2020, o Brasil registrou um índice de isolamento social de


43,9%, valor abaixo do recomendado pelas autoridades sanitárias, que é de 70%.
Dentre os estados com maior índice, esteve o Amapá, com 52,6%, e com a
menor taxa de isolamento, o estado de Goiás, com 37,2%.(BARBOSA, 2020)

Em um inquérito telefônico ELSI-COVID-19 sobre a adesão de medidas


preventivas (distanciamento social, uso de máscara e higienização das mãos)
no período de 26 de maio à 08 de junho de 2020, com a participação 6.123
pessoas com idade média de 63,4 anos, foram revelados alguns resultados
importantes: com relação à frequência que saiu de casa, nos últimos 7 dias que

167
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

antecederam à pesquisa, 32,8% responderam que nunca haviam saído,


enquanto 15,7% saíram quase todos os dias, 36,3% saíram de 1-2 vezes e
15,2% saíram de 3-5 vezes; o uso da máscara facial enquanto saíram de casa
foi de 97,3% contra 0,7% que nunca usaram a máscara facial ao sair; a
higienização das mãos com água e sabão ou álcool gel foi 97,3% contra 0,7%
que nunca higienizaram; o motivo pelo qual saíram de casa foi 74,2% para
comprar alimentos e remédios, seguidos de 25,1% para trabalhar. (LIMA-COSTA,
2020)

O profissional de saúde deve orientar a população idosa, familiares e


seus cuidadores, da importância do isolamento social. Indivíduos com idade
superior a 60 anos e DCNT devem ter o atendimento prioritário ao chegarem ao
serviço de saúde com sintomas respiratórios. (GOIÁS, 2020)

A população idosa com suspeita de COVID-19 ou assim diagnosticada


deve ser monitorada a cada 24 horas, por meio telefônico ou presencial, de
acordo com a avaliação clínica, conforme critérios definidos pelo MS. Caso o
idoso em tratamento domiciliar piore, ele deve ser encaminhado para outro nível
de cuidado do SUS, sendo, portanto, responsabilidade da unidade de saúde o
seu encaminhamento. (GOIÁS, 2020)

A prevenção ainda é o único tratamento. Medidas como lavar as mãos


com água e sabão e/ou utilizar álcool em gel, frequentemente; desinfetar
superfícies, em geral, e objetos de uso costumeiros, como o celular; minimizar o
compartilhamento de objetos; evitar levar as mãos nos olhos, boca e nariz; ter
etiqueta respiratória; evitar aglomerações; evitar contato com pessoas
sintomáticas e o uso correto da máscara facial em boca e nariz são essenciais
para reduzir a propagação viral. (KAWAHARA, 2020)

Violência contra idosos

A lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, que dispõe sobre o Estatuto


do Idoso, o qual foi criado para regular o direito das pessoas com 60 anos ou

168
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

mais; prevê punições para quem violar tais direitos, o que corresponde a um
avanço sociojurídico. (BRASIL, 2020)

De acordo com dados do Governo, a população idosa tem sido alvo de


violência crescente durante a pandemia, com causas multifatoriais, sendo o
segundo grupo mais vulnerável no País, o que representa mais de 30% do total
de denúncias. (BRASIL, 2020)

Violência é um termo bastante abrangente, podendo ser visível ou não,


como é o caso da violência psicológica, que pode deixar marcas de sofrimento
profundo como desesperança, medo e depressão. Em geral, as violências
praticadas contra a pessoa idosa podem ser: física, psicológica, institucional,
patrimonial, sexual, discriminação, abuso financeiro e negligência. (USHER,
2020)

Por via de regra, os casos de denúncias correspondem, em sua maioria,


às agressões sofridas em casa, o que reflete um desafio de barreira quase
intransponível, uma vez que as queixas costumam ser retiradas em razão da
relação de interdependência entre as partes.

O ano de 2019 registrou um total de 36.181 denúncias de violência


contra idosos. Em contrapartida, até o final de setembro de 2020, foram
registradas 62.109 denúncias, o que evidencia uma inflação do problema em
virtude do isolamento imposto e prováveis ambientes deficitários que causam
aglomeração indesejável.Dentre as vítimas, a maioria foram mulheres. (BRASIL,
2020)

Ademais, a população idosa sofre com o desmerecimento, inclusive de


sua capacidade produtiva. Fazem-se urgentes medidas de conscientização de
cuidados e prevenção, com olhar mais atento para um tema de tamanha
importância, haja vista que a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística é a de que em onze anos a população idosa será maior do que a de
crianças e de adolescentes, o que impactará a sociedade como um todo.
(BRASIL, 2020)

169
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Ignorar a presença do idoso, deixando de dialogar com ele, bem como a


manipulação sentimental e o abandono psicológico a que pode estar exposto,
somam-se a sintomas que levam ao agravamento de patologias preexistentes.
É importante ressaltar que a violência psicológica geralmente é desencadeada
por todas as outras violências.

Para o enfrentamento do problema, é necessário observar situações que


configurem a violência ou comprovem coação e, não menos importante, oferecer
denúncia. Atualmente, o principal canal para denúncias tem sido o disque 100;
contudo, também é possível denunciar pelo aplicativo Direitos Humanos,
Delegacias Especializadas, Assistência Social e Conselho de Direitos da Pessoa
Idosa. (BRASIL, 2020)

A violência familiar durante a pandemia é multifatorial, incluindo estresse


econômico, instabilidade relacionada a situações cotidianas, maior exposição a
relacionamentos interpessoais tóxicos e de exploração, opções reduzidas de
suporte, etc. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2020)

Dentre os tipos de violação sofridos pelos idosos durante a pandemia,


cresceram as denúncias relacionadas à violência institucional, uma vez que
houve diminuição de atendimento em unidades de saúde nos primeiros meses
de pandemia. Destarte, exposição de risco à saúde foi a maior causa de
denúncias. (BRASIL, 2020)

A violência contra o idoso é crime, com sanções que impõem pagamento


de multa, podendo chegar à reclusão. O Estatuto do Idoso, em seu Artigo 19,
parágrafo 1º, dispõe que “considera-se violência contra o idoso qualquer ação
ou omissão praticada em local público ou privado que lhe cause morte, dano ou
sofrimento físico ou psicológico”.

Diante do exposto, faz-se evidente a importância de pensar políticas


próprias que tratem o problema, uma vez que o sistema não pode descartar as
pessoas mais velhas. Destituir a pessoa do seu valor configura verdadeiro
atentado contra a dignidade humana. A sociedade precisa olhar o idoso não
como um peso, mas com o valor que ela possui.

170
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Tanto no âmbito das instituições de longa permanência quanto dentro do


seio familiar, a violência contra idosos deve ser tratada no cerne do problema,
que oscila entre causas multifatoriais, adotando medidas de prevenção e
proteção para garantia de melhor qualidade de vida.

Diálogo, compaixão e empatia podem resgatar idosos de situações


traumáticas e restaurar sua autonomia enquanto sujeito de direitos. Tal premissa
deve ser promovida e respeitada.

Ageísmo (discriminação devido à idade) também é um tipo de violência


contra a pessoa idosa. Refere-se à forma preconceituosa e desrespeitosa de
tratar características físicas do idoso, criando estereótipos na tentativa de
inferiorizá-lo ou diminui-lo, gerando até mesmo condutas excludentes. (BRASIL,
2020)

Toda forma de violência deve ser repudiada e combatida. Para isso faz-
se imprescindível a participação de todos.

CONCLUSÕES

O enfrentamento da COVID-19 constitui grande desafio em qualquer


setor da sociedade. Contudo, idosos em situação de vulnerabilidade podem
apresentar quadros mais graves da doença, maior número de internação e
elevada taxa de mortalidade. As medidas essenciais para a prevenção e
enfrentamento a serem adotadas e que foram apresentadas nesse estudo fazem
parte do protocolo divulgado pela OMS.

Por tratar-se de um grupo em situação de vulnerabilidade, observou-se


que, em tempos de pandemia, o cenário diante dessas pessoas se agrava,
impactando de forma relevante o aumento dos casos de diversos tipos de
violação de direitos humanos, que consistem em violências físicas, psiquícas,
financeiras, dentre outras.

Em relação às medidas que podem ser tomadas para amparar os idosos


vítimas de violência durante a pandemia, constatou-se que políticas públicas

171
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

precisam ser criadas para aumentar e facilitar a divulgação de canais de


denúncia.

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175
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Pessoas com deficiência em privação de


liberdade no Brasil e Covid-19
Patrícia de Paula Queiroz Bonato

Emanuele Seicenti de Brito

Jussara Carvalho dos Santos

Flávia Souza Peret Paulino

RESUMO

Com o cenário de instabilidade e de ameaça à saúde pública instalado com a pandemia por
Covid-19, a preocupação com a população que se encontra privada de liberdade foi redobrada
nas Américas. Considerando ser essa a região mais desigual do mundo (CIDH, 2020), a
Comissão Interamericana de Direitos Humanos aprovou, em abril de 2020, a Resolução nº
1/2020. Especificamente quanto à realidade das pessoas com deficiência física em privação de
liberdade, a Resolução recomenda, no item 78, o ajuste dos ambientes físicos de privação da
liberdade e atenção médica, tanto em instituições públicas como em instituições privadas. Desse
modo, o presente trabalho tem por objetivo compreender se as medidas recomendadas pela
referida Resolução têm sido implementadas no Brasil. Para tanto, foi realizada revisão narrativa
da literatura, cuja coleta de dados realizou-se nas bases de dados PubMed, Web of Science,
Scopus e HeinOnline. Os resultados foram organizados em quatro categorias, que foram
apresentadas e discutidas. Conclui-se pela dupla vulnerabilidade das pessoas com deficiência
física que se encontram privadas de liberdade no Brasil em tempos de pandemia por Covid-19.
Apesar da considerável amplitude das normas que regulamentam essa situação, a realidade da
maioria das unidades prisionais é imprópria à permanência com dignidade humana das pessoas
que nelas habitam.

Palavras-chave:vulnerabilidade social,pessoas com deficiência, privação de liberdade, saúde


prisional, COVID-19.

INTRODUÇÃO

A garantia do direito à saúde nos presídios brasileiros, especialmente


para as pessoas privadas de liberdade no regime fechado de reclusão, é
praticamente impossibilitada pela taxa de encarceramento no país: atualmente,
existem ao menos 755 mil pessoas no sistema, que congrega um déficit de
312.925 vagas (BRASIL, 2019). Essa conjuntura de superlotação é, em si,
propícia ao agravamento de condições de saúde individuais pretéritas
(FERNANDES, 2014).

176
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Nesse contexto, é imprescindível considerar o caráter seletivo do


sistema de justiça criminal brasileiro, que opera a partir de uma engenharia de
seleção de pessoas socialmente mais vulneráveis, ou seja, criminaliza de modo
secundário26 indivíduos com baixa capacidade material e social para enfrentar
os riscos de vida e de saúde (FREITAS, 2013; JANCZUERA, 2012).

Perante o cenário exposto, refletindo que a saúde representa um dos


maiores desafios na gestão do sistema prisional, o problema é ainda mais
relevante, pois existem presos que concentram uma terceira vulnerabilidade
para além da questão social e criminal: são pessoas com deficiência física.

A despeito da existência da Norma Reguladora Brasileira 9050/94 da


Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) estabelecer parâmetros
mínimos de acessibilidade às pessoas nessas condições em presídios, é certo
que a maioria das unidades prisionais brasileiras sequer apresenta estrutura
arquitetônica e também de pessoal próprias para garantir dignidade humana,
segurança e mesmo saúde aos presos sem deficiência.

No Brasil, existem ao menos 4.167 pessoas com deficiência que


cumprem pena privativa de liberdade no Brasil. Destas, 64% encontram-se em
unidades que não foram adaptadas para suas condições específicas, o que
prejudica “sua capacidade de se integrar ao ambiente e, especialmente, se
locomover com segurança pela unidade” (BRASIL, 2017, p. 37).

Com o cenário de instabilidade e de ameaça à saúde pública instalado


com a pandemia por Covid-19, doença causada pelo coronavírus SARS-CoV-2,
a preocupação com a população que se encontra privada de liberdade foi
redobrada. Por essa razão, aliado ao fato de as Américas serem a região mais
desigual do mundo (CIDH, 2020), a Comissão Interamericana de Direitos
Humanos aprovou, em abril de 2020, a Resolução nº 1/2020.

26
A criminalização secundária é “a ação punitiva exercida sobre pessoas concretas” (ZAFARONI, 2013),
que significa a incursão de pessoas em alguns dos tipos penais originados da criminalização primária, ou
seja, do resultado do processo legislativo (lei).

177
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Especificamente quanto à realidade das pessoas com deficiência física


em privação de liberdade, a Resolução recomenda, no item 78, o ajuste dos
ambientes físicos de privação da liberdade e atenção médica, tanto em
instituições públicas como em instituições privadas, para que tais pessoas
“possam gozar independência possível e ter acesso a medidas como o
isolamento social e a lavagem frequente das mãos, entre outras” (CIDH, 2020,
p. 18).

Desse modo, o presente capítulo tem por objetivo compreender se as


medidas recomendadas pela referida Resolução têm sido implementadas no
Brasil. Não ignorando o duplo desafio que é a perquirição sob qualquer aspecto
relacionado ao sistema prisional no país devido à dificuldade de obtenção de
dados, a presente pesquisa se realizou por meio de revisão narrativa de literatura
baseada em livros, legislações e artigos científicos publicados que abordam a
temática relacionada à execução penal de pessoas com deficiência física no
contexto da pandemia de Covid-19.

Como categorias de análises, buscou-se classificar e analisar os estudos de


acordo com a particularidade de cada temática identificada no material reunido,
prosseguindo com a análise da fundamentação teórica de cada um dos textos.

2 Material e Método

Trata-se de revisão narrativa de literatura, cuja coleta de dados realizou-


se nas bases de dados PubMed, Web of Science, Scopus e HeinOnline. Foram
considerados artigos publicados até 16 de novembro de 2020, indexados na
base de dados Pubmed e Scielo, para os seguintes descritores e suas
combinações ("saúde prisional" OR "saúde") AND (prisões OR prisão OR
“cárcere” OR "sistema prisional") AND ("pessoa com deficiência") AND "Brasil"
AND ("covid 19" OR coronavírus OR pandemia).

Na base de dados Pubmed, foram encontrados 136 artigos para os


descritores (“COVID19” and “Prisons”). Quando acrescido o descritor “Brasil”, o
número total de artigos passou ser 1 artigo, o qual se repetiu na base de dados
Scielo e Web of Science. Para a base de dados Scielo, foram encontrados 7

178
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

artigos para os descritores (“COVID19” and “Prisons”), dentre os quais 3 se


repetiam, sendo selecionados apenas 2 artigos quando se acrescenta o descritor
“Brasil”. Não foram encontrados resultados para a busca dos demais descritores
quando combinados ao descritor ("pessoa com deficiência"), mas havia um que
estava relacionado aos fatores de risco para COVID19.

A coleta também incluiu dados secundários disponibilizados em relatórios


oficiais dos sistemas de informação INFOPEN- Levantamento Nacional de
Informações Penitenciárias dos anos de 2017 e 2019.

Os dados foram organizados em categorias, detalhadas no próximo item.

3 Resultados e Discussão

Tutela jurídica da pessoa com deficiência física no Brasil

O marco da tutela jurídica da pessoa com deficiência no Brasil é a


Constituição de 1988, seguida da Lei Federal n. 7.853/89, que estabelece
normas gerais de apoio às pessoas com deficiência, sua integração social, sobre
a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
- Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas
pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, dentre outras
providências.

Anteriormente, a Emenda Constitucional n. 12 de 1978 trouxe uma tímida


tentativa de tutela assegurando à pessoa com deficiência

a melhoria de sua condição social e econômica especialmente


mediante: I – educação especial e gratuita. II – assistência, reabilitação
e reinserção na vida econômica e social do país. III – proibição de
discriminação, inclusive quanto à admissão ao trabalho ou ao serviço
público e salários. IV – possibilidade de acesso à edifícios e
logradouros públicos (BRASIL, 1978).

Porém, esses direitos não foram incorporados à Constituição, pois a


emenda foi apenas agregada ao final do texto constitucional, reforçando, nas
palavras de Araujo e Anselmo (2013), a “segregação, reconhecendo direitos,
mas não incluindo-os no texto geral”.

179
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Com o advento da CRFB/88, o Estado Brasileiro passa a ter o dever de


promover a inclusão das pessoas com deficiência, promovendo a habilitação e
reabilitação dessas pessoas, bem como a promoção de sua integração à vida
comunitária (BRASIL, 1988). Além disso, proíbe “qualquer discriminação no
tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência” (art. 7º,
XXXI); garantindo, por sua vez, o pagamento de um salário-mínimo para a
pessoa com deficiência que não possuir meios de prover a própria manutenção
ou de tê-la provida por sua família (art. 203, V).

Para que certos direitos sejam exercidos é necessário a garantia do direito


à acessibilidade da pessoa com deficiência. Nesta senda, a Constituição prevê
que “a lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios
de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de
garantir acesso adequado às pessoas com deficiência” (art. 227, §2º), e que a
lei disporá também sobre a “adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso
público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes, a fim de
garantir acesso adequado às pessoas com deficiência (art. 244) (BRASIL, 1988).

Ademais, com o desiderato de atender ao dever constitucional de


promover a acessibilidade das pessoas com deficiência, tivemos a promulgação
tardia – diga-se de passagem -, em 2000, da Lei 10.098 que estabelece normas
gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com
deficiência ou com mobilidade reduzida, mediante a supressão de barreiras e de
obstáculos nas vias e espaços públicos, bem como, no mobiliário urbano, na
construção e reforma de edifícios, nos meios de transporte e de comunicação.

No âmbito internacional, tivemos em 2006, a adoção da Convenção das


Nações Unidas (ONU) sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD)
que entrou em vigor em 2008. Ratificada pela União Europeia em 2010 e, no
total, por 156 Estados em 2015. A UN-CRPD corresponde ao tratado mais
recente da lista de declarações dos direitos humanos da ONU, a partir da
aprovação pela ONU da Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948.
Os Estados signatários reconhecem que os princípios da CDPD devem ser
incorporados em suas legislações nacionais. Dentre os princípios orientadores,

180
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

estão o respeito pela dignidade e autonomia individual, incluindo a liberdade de


fazer as próprias escolhas, sem qualquer discriminação, ensejando a
participação e inclusão plena na vida em sociedade, proporcionando igualdade
de oportunidades e acessibilidade.

A ideia geral da CDPD é fornecer um quadro jurídico abrangente para


acabar com a discriminação sofrida diariamente pelas pessoas com deficiência,
afirmando o direito ao acesso a serviços de habilitação, reabilitação e inclusão
na comunidade para pessoas com deficiências. Além disso, a Convenção exige
a participação substantiva das pessoas com deficiência na aplicação dos direitos
enumerados (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2006).

A Convenção e seu protocolo facultativo foram ratificados pelo Brasil em


2008, vigendo inicialmente no plano interno em 2009. Com base na CDPD, foi
instituída em 2015 a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
(Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a “assegurar e a promover, em
condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais
por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (BRASIL,
2015).

A convenção em seu art. 2º considera pessoa com deficiência aquela que


“tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou
sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua
participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as
demais pessoas” (grifo nosso). Dispõe também que para a avaliação da
deficiência serão considerados os impedimentos nas funções e nas estruturas
do corpo; os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais; a limitação no
desempenho de atividades e a restrição de participação. Assim, o fator
determinante da deficiência segundo a lei “é o meio em que a pessoa está
inserida, e não o impedimento em si”, reforçando mais uma vez a importância do
direito à acessibilidade das pessoas com deficiência, presente em todo o corpo
da convenção, em especial no título III, que trata da acessibilidade das pessoas
com deficiência como o direito que “garante à pessoa com deficiência ou com

181
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer seus direitos de


cidadania e de participação social”.

O quadro a seguir resume as principais normas brasileiras sobre os


direitos das pessoas com deficiência.

Quadro 1. Resumo da legislação brasileira sobre a proteção dos direitos


das pessoas com deficiência
Ano Legislação Assunto
1978 Emenda Assegura aos Deficientes a melhoria de sua condição
Constitucional n. social e econômica.
12
1988 Constituição Art. 7º, XXXI – veda discriminação no trabalho e no
Federal salário; art. 23, impõe aos entes federados o dever de
cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e
garantia das pessoas com deficiência; art. 24, XIV, que
atribui à União, Aos Estados e ao Distrito Federal legislar
sobre a proteção e integração social destas pessoas; art.
37, VIII, dispõe sobre a reserva de mercado no serviço
público; art. 203, IV, estabelece como objetivo da
assistência social a habilitação e reabilitação e a
promoção da integração da pessoa com deficiência à vida
comunitária; art. 208, II garante atendimento educacional
especializado; arts. 227 e 244 tratam do atendimento à
criança e ao jovem com deficiência e a garantia de
acessibilidade.
1989 Lei n. 7853 Dispõe sobre o apoio as pessoas portadoras de
deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria
Nacional para integração da pessoa portadora de
deficiência (Corde), institui a tutela jurisdicional de
interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina
a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras
providências.
2000 Lei n. 10.098 Estabelece normas gerais e critérios básicos para a
promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de
deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras
providências.

2015 Lei nº 13.146 Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com


Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

O cumprimento da pena privativa de liberdade por pessoas com deficiência


física

Atualmente, a despeito de as normas primordiais que regulamentam o


direito de pessoas com deficiência constituírem-se por meio da Convenção
Internacional sobre Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo

182
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Facultativo, bem como o Estatuto da Pessoa com Deficiência; no âmbito


brasileiro, na esfera das execuções penais há um tratamento mais
pormenorizado para esse contexto, que são as Regras Mínimas das Nações
Unidas para o Tratamento de Presos.

Trata-se de um conjunto de diretrizes gerais sobre o tratamento ofertado


aos indivíduos presos que foi estabelecido em 1929, pela Comissão
Internacional Penal e Penitenciária, e aprovado em 1934 pela Liga das Nações
Unidas (LEAL, 2010). Em maio de 2015, essas regras mínimas foram alteradas
no sentido de incorporar parâmetros mais modernos de tratamento das pessoas
custodiadas, especialmente em matéria de direitos humanos, levando em
consideração instrumentos internacionais como o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais e a Convenção contra a Tortura e Outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e seu Protocolo
Facultativo, razões pelas quais são também conhecidas por “Regras de Mandela”
(BRASIL, 2016).

Especificamente sobre a condição de vulnerabilidade das pessoas com


deficiência que cumprem pena privativa de liberdade, a Regra 2, item 2,
estabelece que “as administrações prisionais devem ter em conta as
necessidades individuais dos reclusos, particularmente daqueles em situação de
maior vulnerabilidade” (BRASIL, 2016, p.03), e que as medidas tomadas para
proteção dos presos com necessidades especiais não serão consideradas
discriminatórias.

Além disso, aduz a Regra 5, item 2, que as administrações prisionais


deverão proceder aos ajustes possíveis, a fim de permitir a vida em base de
igualdade das pessoas com deficiências físicas, mentais ou qualquer outra
incapacidade.

Em relação à disciplina e imposição de eventuais sanções, as Regras de


Mandela estabelecem a proibição de confinamento solitário para pessoas com
deficiência física (Regra 45, item 2).

183
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

No direito brasileiro, essas Regras foram adaptadas e resultaram na


edição da Resolução 14/1994 do Conselho Nacional de Política Criminal e
Segurança Pública- CNPCP, que estabeleceu as 65 Regras Mínimas para o
Tratamento do Preso no Brasil. Sobre a prisão de pessoas com deficiência física,
o documento menciona apenas a obrigatoriedade de exame médico quando do
ingresso do preso ao estabelecimento penal a fim de, entre outras finalidades,
“assinalar as deficiências físicas e mentais que possam constituir um obstáculo
para sua reinserção social” (Art. 18, IV).

No que tange à Lei de Execução Penal- LEP, Lei nº 7.210/1984,


vislumbra-se uma completa omissão a respeito da execução da pena por
pessoas com deficiência se limitando - a norma alhures - apenas a declarar que
os sentenciados deverão ser classificados e distribuídos de acordo com sua faixa
etária e sexo biológico, requerendo respeito à sua integridade física e moral.

Ante a ineficiência do tratamento legal, levando em conta a realidade de


superlotação das prisões brasileiras, assim como as inúmeras dificuldades por
parte da administração penitenciária para gerenciar a execução de penas por
pessoas tão distintas e vulneráveis, em 2019 pendeu sob análise, na Câmara
dos Deputados, o Projeto de Lei 7.602/2014, de autoria da então deputada
federal Mara Gabrilli, proposta legislativa de que a pessoa com deficiência goze
da prerrogativa de cumprir pena em estabelecimento distinto, exclusivo e
adaptado à sua condição. Tal proposta pretendia o acréscimo do art. 43-A e seu
parágrafo único à Lei de Execuções Penais, estabelecendo a obrigatoriedade de
cumprimento da pena privativa de liberdade por pessoas com deficiência em
locais adequados às suas necessidades, e que os custos decorrentes das
adaptações deveriam ser deduzidos dos recursos do Fundo Penitenciário
Nacional – FUPEN. No entanto, fugazmente, o projeto foi arquivado em janeiro
de 2019 devido ao fim da legislatura, nos termos do Artigo 105 do Regimento
Interno da Câmara dos Deputados.

Diretrizes para arquitetura prisional no Brasil e saúde pública

Elaborada no Comitê Brasileiro de Acessibilidade (ABNT/CB–40), pela


Comissão de Edificações e Meio, a Norma Técnica NBR 9050 estabelece

184
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

critérios e parâmetros técnicos quanto à construção, instalação e adaptação de


edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos, antepondo o conceito
de acessibilidade27 (ABNT, 1994).

Com primeira edição em 1994, atualmente a norma conta com


periodicidade de revisão a cada cinco anos, por meio de análise sistemática, e
orienta parâmetros para questões relacionadas à arquitetura penal no Brasil,
vislumbradas em distintos documentos setoriais.

Editada em 2011 pelo Ministério da Justiça, as Diretrizes Básicas para


Arquitetura Penal estabelecem regras específicas para construção e reformas
de unidades prisionais. Sendo referência para obras nacionais com fins penais,
a revisão da diretriz contempla pontos presentes em resoluções anteriores, e
traz marcos importantes, como, por exemplo, a inserção de conceitos como
acessibilidade, conforto ambiental, além de considerar recomendações de
outros órgãos governamentais, como o Ministério da Saúde e Educação
(MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2011).

Quanto às recomendações gerais, destacam-se orientações que não se


articulam com à arquitetura penal, mas também à saúde dos indivíduos presos,
dentre as quais é interessante citar: atenção para sobrecarga e superfluxos por
locais onde transitem pessoas presas; limitações quanto à capacidade geral dos
estabelecimentos prisionais, módulos de celas e previsão de celas individuais
em penitenciárias e presídios públicos que apresentam celas coletivas;
necessidade de ao menos uma cela com instalação sanitária, por módulo,
segundo os parâmetros de acessibilidade (NBR 9050/2004); disposições para
cela acessível segundo parâmetros previstos na NBR 9050/2004; valores
mínimos de área, diâmetro e cubagem de celas coletivas; e estratégias
bioclimáticas e dimensionamento para aberturas, destacando-se exigência para
ventilação cruzada, considerando-se as localizações de abertura das entradas
de ar (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2011).

27
Segundo a NBR 9050: “Possibilidade e condição de alcance, percepção e entendimento para a
utilização com segurança e autonomia de edificações, espaço, mobiliário, equipamento urbano e
elementos”

185
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Ademais, com vistas a criar condições promissoras para o respeito às


normas internacionais e nacionais no que se refere à custódia da população com
deficiência, bem como apoiar e operar a execução penal brasileira promovendo
a dignidade humana, a Nota Técnica DEPEN nº 83/2020 apresenta uma série
de recomendações em atenção aos procedimentos de custódia de pessoas com
deficiência a serem desenvolvidas pelos órgãos de administração prisional
(DEPEN, 2020).

Para disposição das normas são considerados conceitos intrínsecos aos


direitos da população com deficiência, sendo aqui apresentados, em específico,
os direitos das pessoas com deficiência física. Cabe destacar que a nota retoma
o conceito de acessibilidade referido pela NBR 9050 e complementa:

“Barreiras” qualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que


limite ou impeça a participação social da pessoa, bem como o gozo, a
fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade, à liberdade de
movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à informação, à
compreensão, à circulação com segurança.
“Acessibilidade” possibilidade e condição de alcance para utilização,
com segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos
urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação, inclusive
seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços e instalações
abertos ao público, de uso público ou privados de uso coletivo, tanto na
zona urbana como na rural, por pessoa com deficiência ou com
mobilidade reduzida.
“Adaptação razoável” adaptações, modificações e ajustes necessários
e adequados que não acarretem ônus desproporcional e indevido,
quando requeridos em cada caso, a fim de assegurar que a pessoa com
deficiência possa gozar ou exercer, em igualdade de condições e
oportunidades com as demais pessoas, todos os direitos e liberdades
fundamentais. (DEPEN, 2020, P.14)

No documento são tratadas questões referentes à alocação, com ênfase


na necessidade de garantir às pessoas com deficiência, que cumprem pena
restritiva de liberdade, celas com acessibilidade ou adaptação razoável,
atribuindo máxima responsabilidade ao gestor prisional. Torna-se essencial para
alocação da pessoa com deficiência: espaço adequado para o descanso (cama,
colchão, lençol e travesseiro); boa ventilação e iluminação; água corrente e
potável disponível na cela; fácil acesso ao setor de saúde e de assistência social
e banheiro adaptado.

186
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Uma vez ausente a possibilidade da alocação determinada, consideram-


se espaços de convivência compartilhados com presos de grupos vulneráveis,
sendo também vetadas medidas de confinamento que possam agravar
condições limitadoras associadas à deficiência física (DEPEN, 2020)

Mesmo em conformidade às diretrizes básicas para construção e


reformas de unidades prisionais, a superlotação é um dos principais obstáculos
para aplicação da arquitetura penal no Brasil. Em resolução publicada em12 de
abril de 2018, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciaria,
considerando patamares insustentáveis no que concerne à carência de vagas,
dispõe sobre a flexibilização das Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal,
editadas pela Resolução nº 9, de 18 de novembro de 2011. (CNPCP, 2018)

No art. 4 da referida Resolução, ficam suprimidos o item 2 do Anexo I, das


“Possibilidades, requisitos e elementos essenciais para a concessão do
financiamento”, bem como as notas de rodapé referentes à Tabela 2 do Anexo
IV: “Dimensões mínimas para celas”, apresentada a seguir.

Tabela 1: Dimensões mínimas para celas


Capacidade Tipo Área Diâmetro Cubagem
(vaga) mínima mínimo mínima
(m²) (m³)

01 Cela 6,00 2,00 15,00


individual
02 7,00 2,00 15,00
03 7,70 2,60 19,25
04 8,40 2,60 21,00
05 Cela 12,75 2,60 31,88
coletiva
06 13,85 2,85 34,60
07* 13,85 2,85 34,60
08** 13,85 2,85 34,60
Fonte: MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2011.
* Capacidade válida até que o Sistema Nacional de Informações Penitenciárias do Departamento
Penitenciário Nacional comprove a extinção do contigente de presos em Delegacias de Polícias por período
superior ao necessário para a conclusão dos procedimentos investigatórios policiais, ou até 5 de maio de
2015 (cf. Resolução CNPCP Nº 2/2011).

** Capacidade válida até que o Sistema Nacional de Informações Penitenciárias do Departamento


Penitenciário Nacional comprove a extinção do contingente de presos em Delegacias de Polícias por
período superior ao necessário para a conclusão dos procedimentos investigatórios policiais, ou até 5 de
maio de 2015 (cf. Resolução CNPCP Nº 2/2011).

187
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Em rigor, também fica determinada a reedição dos Anexos da Resolução


09/2011, excluindo das tabelas as colunas verticais que tratam da metragem
quadrada dos módulos, com exceção para os módulos de Vivência Coletiva,
Vivência Individual e de Saúde (CNPCP, 2018).

As disposições relacionadas à flexibilização despertam considerável


preocupação, uma vez que se cria a possibilidade de agravo das condições
limites de superlotação, como pouca ventilação e condições sanitárias precárias,
que contribuem para a progressão de doenças infecciosas, como a Covid-19,
nesta população.

Covid-19 nas Américas e Resolução n. 1/2020 da CIDH

As Américas possuem uma profunda desigualdade social e discriminação


estrutural, cuja pobreza constitui problema transversal a todas as nações da
região (CIDH, 2020).

Essa desigualdade social (saneamento básico insuficiente, insegurança


alimentar e hídrica, desastres ambientais e contaminação, falta de moradia
adequada, altos índices de trabalhadores informais e renda precária, taxas
elevadas de violência, contexto de repressão e uso desproporcional da força do
Estado e crises penitenciárias) afeta milhões de pessoas do continente, tornando
o impacto socioeconômico da Covid-19 preocupante e impedindo que medidas
básicas de prevenção contra a doença (uso de máscaras e higiene das mãos)
sejam tomadas por essas pessoas, em particular as pessoas privadas de
liberdade com ou sem deficiência.

A pandemia de Covi-19 desvelou as condições insalubres e desumanas


destinadas às pessoas privadas de liberdade. O distanciamento social em uma
instituição prisional é utópico, pois as pessoas privadas de liberdade vivem em
ambientes superlotados e com pouca ventilação, compartilham banheiros e
chuveiros, refeitórios, pátios e salas de aula (MEYER et al., 2020).

188
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

A higienização das mãos é prejudicada por falta de acesso a sabão e pela


restrição do uso de álcool, pois temem o uso para a ingestão ou motins
(WURCEL et al., 2020). Dessa forma, considera-se que o combate da Covid-19
nas instituições prisionais é um desafio, visto que a precariedade do setor é fruto
de descaso crônico do poder público e da sociedade civil e, em tempos de
pandemia, o cenário prisional se agrava com a sobreposição de problemas,
resultando no superisolamento e possível piora da saúde mental (CARVALHO,
SANTOS, SANTOS, 2020).

Dessa maneira, entende-se que a pandemia representa grandes desafios


políticos, sanitários e econômicos para os países do continente americano,
surgindo a necessidade de adoção de medidas de atenção e contenção urgentes,
necessárias e com base no Direito Internacional dos Direitos Humanos para
proteger a todos, sem exceções.

Nesse sentido, em 10 de abril de 2020, a Comissão Internacional de


Direitos Humanos (CIDH) aprovou a resolução n.º1, que apresentou como
objetivo orientar as ações dos países de modo global para a manutenção de
direitos e garantias fundamentais durante a pandemia de Covid-19. Essas
orientações versam sobre direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais
(DESCA) para populações em situação de vulnerabilidade, motivo pelo qual se
torna essencial a adoção de políticas para prevenir de forma eficaz e efetiva o
contágio, bem como de medidas de segurança social e acesso a sistemas de
saúde pública que facilitem o diagnóstico e tratamento oportuno e com baixo
custo, a fim de proporcionar às populações em situação de vulnerabilidade uma
atenção integral à saúde física e mental, sem discriminação e estigmas.

Assim, todos os países, em especial os do continente americano, devem


adotar medidas de forma imediata e diligente para prevenir a ocorrência de
violações do direito e promover a integridade pessoal e a vida, bem como aplicar
medidas de cunho intersecional e atentando às necessidades e ao impacto
diferenciado dessas medidas nos direitos humanos dos grupos de pessoas de
com ou sem doenças preexistentes, especialmente, as privadas de liberdade
(CIDH, 2020).

189
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

A resolução n.º 1/2020 da CIDH destaca que todos os países devem


adotar algumas medidas para proteger as pessoas privadas de liberdade e
garantir seus diretos, tais como: adotar medidas para enfrentar a aglomeração
nas unidades de privação da liberdade; assegurar que se avaliem os pedidos de
benefícios carcerários e medidas alternativas à pena de prisão; adequar as
condições de detenção das pessoas privadas de liberdade para impedir o
contágio intramuros pela Covid-19 e garantir que todas as unidades contem com
atenção médica; estabelecer protocolos para a garantia da segurança e da
ordem nas unidades de privação da liberdade para prevenir atos de violência
relacionados com a pandemia e respeitando os padrões interamericanos, bem
como assegurar que toda medida que limite os contatos, comunicações, visitas,
saídas e atividades educativas, recreativas ou de trabalho seja adotada com
especial cuidado e depois de uma estrita avaliação de proporcionalidade.

A resolução também prevê o ajuste dos ambientes físicos de privação da


liberdade e atenção médica em todas as instituições para que as pessoas com
deficiência possam ter independência e acesso a medidas de isolamento social
e lavagem frequente das mãos; adotar os ajustes razoáveis e apoios necessários
para garantir que as pessoas com deficiência possam exercer seus direitos
humanos em condições de igualdade em contextos de medidas de isolamento
ou contenção; e dotar estratégias acessíveis de comunicação a fim de informar
em formatos acessíveis sobre evolução, prevenção e tratamento (CIDH, 2020).

Diante desse cenário, Yang e Thompson (2020) apontam que sentenças


sejam alternativas à privação de liberdade para pessoas que cometeram delitos
leves. A OMS (2020) orienta que deixem as prisões os indivíduos que compõem
o grupo de risco para Covid-19, caso não ofereçam perigo à sociedade. Loefgren
et al. (2020) apontam que a interrupção da prisão de indivíduos por crimes leves,
com a redução geral de detenções em aproximadamente 83%, resultaria em
71,8% menos infecções na população encarcerada, o que levaria a 2,4% menos
infecções entre os funcionários e a 12,1% na comunidade em geral.

Assim, as políticas públicas de combate à desigualdade precisam dar


suporte na medida em que haja libertação dessas pessoas, lembrando que

190
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

muitos egressos das instituições carcerárias não possuem rede social. Tal fato
levaria ao efeito contrário ao desejado, pois estas pessoas recém libertadas
poderiam se contaminar e passar a ser transmissores do Covid-19 ao buscarem
por renda, moradia, ou se tornarem parte da população em situação de rua
(GORMAN, RAMASWUAMY, 2020). Para tanto, compreende-se que há um
consenso em liberar presos e suspender visitas, mas sem deixar de lado a
educação em saúde e testes em massa na população carcerária, que ajudariam
nas projeções epidemiológicas e na criação de indicadores em saúde dessa
população.

No Brasil não é diferente. O sistema prisional enfrenta a superlotação


cuja taxa de ocupação corresponde ao dobro de sua capacidade (CNMP, 2019;
DEPEN, 2019; WALMSLEY, 2018), o que é considerado um problema de
descumprimento de direitos humanos.

Em 2019, a população privada de liberdade do Brasil era quase de 750


mil pessoas encarceradas, sendo que mais de um terço está presa aguardando
julgamento (BRASIL, 2019). Esse número é 10 vezes maior que o total de
encarcerados do ano de 1995, sendo considerada a terceira maior população
carcerária do mundo. Essas pessoas vivem em situação precária e sofrem,
frequentemente, com a violação de direitos e garantias fundamentais
estabelecidas pela Constituição e por leis que regulam o sistema penal. Além
da insalubridade, há insuficiência de bens essenciais (inclusive comida e água
potável), alta taxa de disseminação de doenças infecciosas e de violência
perpetrada entre pessoas presas ou causada por agentes penitenciários.

A exemplo dessa violação de direitos: em 2018, apenas 37,7% das


unidades do estado de São Paulo, o estado mais rico da federação, contavam
com a presença de médico diariamente e 20% delas não forneciam qualquer tipo
de atendimento às pessoas em privação de liberdade (CNMP, 2019; DEPEN,
2019; WALMSLEY, 2018).

A Recomendação 62/2020, do Conselho Nacional de Justiça- CNJ,


converge com as orientações da OMS, pois envolve medidas desencarceradoras,
de não aprisionamento e de ações sanitárias. Também, sugere que juízes e

191
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

juízas reconsiderem prisões provisórias que já tenham se estendido por mais de


90 dias, impostas a pessoas acusadas de crimes que não envolvam violência ou
grave ameaça à pessoa.

No entanto, a Recomendação 62 teve pouco impacto sobre decisões em


habeas corpus, de acordo com o estudo de Vasconcelos, Machado, Wang
(2020). Os autores apontam que a maioria dos pedidos foi negada e a referência
nas decisões à Recomendação 62 não levou juízes e juízas a concederem a
saída antecipada ou a prisão domiciliar mesmo nos casos em que os juízes
mencionam um grupo de risco ou quando o crime cometido pela pessoa presa
não envolve violência ou grave ameaça (por exemplo, tráfico de drogas, maioria
das impetrações julgadas).

Para Vasconcelos, Machado, Wang (2020), ao desconsiderar que a


possibilidade de contágio é mais alta dentro de unidades prisionais, o Tribunal
de Justiça parece ignorar a realidade e os riscos aos quais as pessoas em
privação de liberdade estão expostas, mesmo sendo grupos de risco.

Ademais, a resistência por parte da maioria dos desembargadores e


desembargadoras em implementar a Recomendação 62 não é surpreendente à
luz de estudos anteriores. Outra pesquisa já mostrou que os Tribunais de Justiça
brasileiros tende a não conceder habeas corpus, mas também que dificilmente
recomendações de cortes superiores sobre encarceramento são seguidas por
tribunais de instâncias inferiores (MACHADO, BARROS, GUARANHA, PASSOS,
2018). Portanto, é necessário reconhecer os sérios efeitos da pandemia diante
do contexto de encarceramento em massa e entender que a soltura em maior
medida dessas pessoas em privação de liberdade é a única alternativa para
evitar a disseminação desenfreada do vírus e a consequente perda de vidas
humanas.

Considerações finais

Por todo o exposto, constata-se a dupla vulnerabilidade das pessoas


com deficiência física que se encontram privadas de liberdade no Brasil em
tempos de pandemia por Covid-19. Em que pese a existência de um arcabouço

192
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

normativo de considerável amplitude, que compreende desde as Regras de


Mandela à Resolução n. 14/1994 do Conselho Nacional de Política Criminal e
Segurança Pública, a realidade da maioria das unidades prisionais é imprópria à
permanência com dignidade humana das pessoas que nelas habitam.

Há uma profunda lacuna jurídica no que tange à implementação dos


direitos das pessoas com deficiência no ambiente prisional com vistas à
igualdade material. A despeito de a Norma Reguladora Brasileira 9050/94 da
ABNT estabelecer os parâmetros mínimos de acessibilidade às pessoas com
deficiência física nos presídios, a maioria das penitenciárias brasileiras sequer
apresenta estrutura própria para receber presos que não estejam nessa
condição.

A Lei de Execução Penal, por outro lado, reconhece, no art. 41, VII, como
direitos do preso a assistência material à saúde; no entanto, é completamente
silente no regramento específico da acessibilidade dos condenados com
deficiência física, o que se trata de um problema relacionado à saúde individual.

No contexto da pandemia provocada pelo Covid-19, a dinâmica prisional


representa um enorme desafio com vistas à contenção de contaminações e de
agravos à saúde dos presos em decorrência desta doença, uma vez que
medidas basilares para o combate, como a higienização das mãos e uso de
álcool em gel, são prejudicadas pela falta de acesso a sabonetes e pela restrição
do uso de álcool.

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tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina
a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 25 out. 1989. Disponível em:
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196
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

O direito humano à saúde mental no


contexto da pandemia de COVID-19
Ana Beatriz Zanardo Mion

Rita de Cassia Consule

Arthur Luís Barbosa Martins

Bruno de Paula Checchia Liporaci

Carla Aparecida Arena Ventura

RESUMO

Objetivo: Identificar notícias encontradas sobre a saúde mental e/ou pessoas com transtorno
mental no contexto da pandemia de COVID-19. Método: Trata-se de pesquisa descritiva e
documental baseada em notícias publicadas em meios eletrônicos de sites institucionais e
governamentais, sendo eles Ministério da Saúde do Brasil (MS), Organização Pan-Americana
da Saúde (OPAS) e Organização Mundial da Saúde (OMS). Resultados: A amostra consistiu
em 20 notícias e a análise permitiu elencar quatro categorias temáticas para discussão, sendo
elas: Promoção à Saúde Mental e Prevenção de Transtornos Mentais durante a pandemia de
COVID-19; Questões relacionadas ao suicídio e COVID-19; Acesso aos Serviços de Saúde
Mental e COVID-19; Investimentos em Saúde Mental. Conclusão: A pandemia de COVID-19
trouxe grande evidência para a área de saúde mental, já que muitas têm sido as preocupações
sobre as vivências das pessoas durante a pandemia e suas possíveis consequências na saúde
mental das pessoas.

Palavras-chave: Saúde Mental; Direito à Saúde; COVID-19.

INTRODUÇÃO

As doenças sempre assolaram o mundo. Nesse contexto, na antiguidade


não se sabia, ao certo, como lidar com elas. Somente com a Revolução Científica
e o nascimento do método científico, surgem formas de tratamento de doenças,
conhecendo-se melhor a forma de transmissão, os agentes etiológicos e o
comportamento das doenças. Apesar dos avanços, pode-se ainda argumentar
que as doenças continuam assombrando a humanidade, já que, eventualmente
os agentes etiológicos, como vírus, sofrem mutações e acabam desenvolvendo
novas doenças com grande potencial de disseminação e também de letalidade

197
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

(MIRANDA, 2017).

Nessa perspectiva, o mundo atualmente tem vivenciado uma difícil e


cruel realidade com o surgimento do novo coronavírus (SARS-CoV-2), causando
uma pandemia de magnitude global e com sérias consequências econômicas e
sociais. O SARS-CoV-2 foi identificado pela primeira vez na cidade de Wuhan
na China no final de dezembro em 2019, se alastrando rapidamente. Em 30 de
janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu uma declaração
de estado de emergência de saúde pública internacional, o que colocou os
países em estado de atenção na questão da saúde pública (ONU, 2020a), e em
11 de março de 2020 foi declarado pandemia pela OMS (ONU, 2020b).

Após a OMS decretar pandemia houve uma grande agitação mundial,


de governos, sociedade civil, empresários, acadêmicos e outros, que se
mobilizaram para traçar os passos do novo cenário em razão da pandemia.
Dessa forma, várias resoluções de saúde pública foram publicadas como
medidas de amparo para a população, dentre elas a Resolução 1 da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos, centrada na pandemia e possíveis
violações de direitos humanos nas Américas, especialmente com foco nos
países em desenvolvimento, que são os mais fragilizados para combater
efetivamente uma emergência sanitária global (OEA, 2020).

Nessa resolução, a OEA coloca questões norteadoras de organização,


estratégias de enfrentamento, medidas de proteção e promoção de saúde para
minimizar os impactos da pandemia e salientar a proteção dos direitos humanos
em populações vulneráveis, destacando os seus impactos imediatos, riscos e os
problemas envolvidos na situação dos eixos sanitários, econômicos, sociais,
culturais e ambientais (OEA, 2020).

Assim, considerando a vulnerabilidade como fragilidade, principalmente,


dentro da esfera civil, alguns grupos se destacam como os mais vulneráveis,
como as pessoas com transtornos mentais. A saúde mental está ligada
integralmente à saúde física, comprometendo o seu estado de bem estar social.
Desse modo, as pessoas com transtornos mentais têm a sua saúde mental
comprometida por alterações mentais que provocam quadros de desvio de

198
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

humor, alterações nervosas, desvio de personalidade e outros fatores que levam


ao estigma e preconceito social (NOGUEIRA; AZEVEDO, 1982).

Considerando a importância e complexidade da saúde mental, as


pessoas com transtornos mentais enfrentam desafios relacionados ao acesso a
serviços de saúde. Muitas vezes os serviços de saúde mental são centralizados
nas grandes cidades e os das áreas rurais são mínimos. Para obter um serviço
de saúde mental eficaz e alcançar todos os lugares, é necessária uma política
governamental relacionada à distribuição equitativa de pessoal de saúde com
habilidades especiais e instalações de saúde mental (TRISTIANA et al., 2018).

Ainda, diante desses desafios, em tempos de pandemia e de isolamento


social, o distanciamento e a mudança drástica do cotidiano podem causar
sensação de desesperança, solidão, medo e incertezas. Vivencia-se um
momento atípico provocado pela pandemia da COVID-19, que gera sentimentos
como medo, angústia, impotência e incerteza. O impacto emocional que a
pandemia do novo coronavírus tem provocado globalmente é algo muito
preocupante, sendo importante buscar estratégias práticas de saúde mental para
lidar com os transtornos que o vírus já está causando, assim como aqueles que
aflorarão após a pandemia (OLIVEIRA, E. N., 2020).

Nesse cenário, o objetivo deste estudo é identificar, por meio de


publicações em sites institucionais e governamentais, notícias encontradas
sobre a saúde mental e/ou pessoas com transtorno mental no contexto da
pandemia.

Método

Esta foi uma pesquisa descritiva e documental baseada em notícias


publicadas em meios eletrônicos de alguns sites de institucionais e
governamentais. Dessa forma, os dados deste estudo foram secundários,
coletados junto às mídias dos sites das seguintes instituições: Ministério da
Saúde do Brasil (MS), Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) e
Organização Mundial da Saúde (OMS).

199
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Inicialmente, as notícias foram buscadas usando a ferramenta de busca


dos próprios sites, por meio da utilização das palavras-chave (Filtros), em um
período de busca de janeiro de 2020, mês que a OMS emitiu uma declaração de
estado de emergência de saúde pública internacional (ONU, 2020a) à outubro
de 2020, mês em que foram realizadas as buscas nos sites, já que é interessante
demarcar o espaço temporal para a busca para se obter uma abrangência maior
no sucesso na coleta da informação (PORTO, 2007).

Foram utilizados como critérios de inclusão: notícias que abordassem


temas relacionados à saúde mental/transtorno mental e covid-
19/pandemia/coronavírus. Foram excluídas notícias que abordavam somente
uma temática, ou seja, que abordavam saúde mental/transtorno mental e não
abordavam covid-19/pandemia/coronavírus, ou o contrário e notícias repetidas
do mesmo site. As instituições pesquisadas e seus respectivos sites, bem como
os filtros utilizados e as notícias encontradas podem ser vistas no quadro a seguir.

Quadro 1: Instituições de pesquisa segundo sites, filtros e resultados, Ribeirão


Preto, 2020.

Instituição Site Primeira Segunda Busca Período da Notícias Notícias Notícias


Busca (Filtros) busca encontrad excluídas selecionad
(Filtros) as (n) as (n)
inicialment
e (n)
Ministério da https://w Transtorno Saúde mental 01/01/2020 32 notícias 22 10 notícias
Saúde do ww.gov. mental AND AND COVID-19 à notícias
Brasil br/saud COVID-19 31/10/2020
e/pt-br
Organização https://w Título: Título: covid-19 01/01/2020 11 notícias 06 05 notícias
Pan- ww.pah Saúde Tópico: mental – notícias
Americana da o.org/pt/ mental health 31/10/2020
Saúde taxonom Tópico:
y/term/6 coronavírus.
71
Organização https://w Título: Título: Ano: 2020 11 notícias 06 05 notícias
Mundial da ww.who. “Coronaviru “Coronavirus notícias
Saúde int/ s disease disease (COVID-
(COVID-19, 19)” e “Mental
Mental disorders”
health”
Fonte: Próprio estudo.

Foram realizadas duas buscas em casa site. No site do Ministério da


Saúde <https://www.gov.br/saude/pt-br> na primeira busca foram utilizadas as

200
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

palavras-chave (Transtorno mental AND COVID-19) e na segunda busca, as


palavras-chave (Saúde mental AND COVID-19). Os seguintes filtros foram
utilizados em ambas as buscas: Somente notícias, Opção “Apenas em Ministério
da Saúde”, período de 01/01/2020 à 31/10/2020 e ordenadas das mais antigas
para as mais novas.

Na primeira busca foram encontradas 07 notícias, sendo excluída


apenas 01 por não estar relacionada ao objetivo do estudo. Na segunda busca
foram encontradas 25 notícias, das quais 21 foram excluídas, sendo que 14 não
estavam relacionadas ao objetivo do estudo e 07 eram repetidas da primeira
busca. Das repetidas, 06 foram selecionadas na primeira busca e 01 não estava
relacionada ao objetivo. Ao final restaram 10 notícias selecionadas, sendo 06 da
primeira busca e 04 da segunda busca.

No site da OPAS <https://www.paho.org/pt/taxonomy/term/671> na


primeira busca, utilizou-se no campo “Título” o termo “Saúde Mental”, e no
campo “Tópico”, em que se podia selecionar somente os termos disponíveis,
utilizou o termo “coronavirus”. Na segunda busca no campo “Título” utilizou-se o
termo “covid-19” e no campo “Tópico” utilizou-se o termo disponível “mental
health”. As duas buscas utilizaram o mesmo critério para data, sendo notícias
publicadas entre 01/01/2020 a 31/10/2020.

A primeira busca obteve 05 notícias e a segunda busca obteve 06


notícias, totalizando 11 notícias. Destas, 03 notícias apareciam em ambas às
buscas, sendo repetidas. Assim, foram consideradas 08 notícias do site da
OPAS. Destas 08 notícias, 03 foram excluídas, sendo que 02 foram excluídas
por serem notícias sobre vídeos e a outra por estar noticiando as atividades das
instituições no tempo de pandemia, não necessariamente sendo atividades
sobre saúde mental.

Já no site da OMS <https://www.who.int/> foi utilizado o mecanismo da


ferramenta, que possui termos pré-definidos, os quais foram selecionados a
partir da temática desejada. Na primeira busca, foram selecionados os termos
“Coronavirus disease (COVID-19)” e “Mental disorders” com restrição das
notícias para o ano de 2020, uma vez que o site não permite restringir por meses,

201
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

a qual não retornou nenhum resultado; na segunda busca foram selecionados


os termos “Coronavirus disease (COVID-19)” e “Mental health”, também com
restrição para o ano de 2020. Dessa forma, foram obtidas 11 notícias, das quais
04 foram excluídas por não se encaixarem na temática e 02 foram excluídas por
serem propagandas de materiais, resultando em 05 notícias a serem lidas e
discutidas.

Análise dos dados

Para melhor consistência de análise, foi utilizada a análise de conteúdo


dividida em três fases fundamentais: a pré-análise, a exploração do material e o
tratamento e análise final dos resultados. Bardin (1994) enfatiza como fases da
análise de dados:

Na primeira fase é estabelecido um esquema de trabalho que deve ser


preciso, com procedimentos bem definidos, embora flexíveis. A
segunda fase consiste no cumprimento das decisões tomadas
anteriormente, e finalmente na terceira etapa, o pesquisador apoiado
nos resultados brutos procura torná-los significativos e válidos
(BARDIN, 1994, p.226).

A análise documental é definida por Bardin (1994) como uma operação


de exploração do material visando representar o conteúdo de documentos sob
uma forma diferente da original, buscando-se o fácil acesso ao observador e
permitindo a ele o máximo de informação no aspecto quantitativo, com o máximo
de pertinência no aspecto qualitativo. A análise documental permite passar de
um documento primário (bruto) para um documento secundário (representação
do primeiro), que é a síntese ou condensação dos registros de notícias ou a
indexação por classificação em palavras-chave.

Nesse sentido, com base no objetivo deste estudo, analisou-se na


segunda etapa os pontos importantes que corroboraram para evidenciar as
dificuldades/vulnerabilidades das pessoas para garantir o direito à saúde mental
durante a pandemia de Covid-19.

Os resultados foram, portanto, sistematizados com base nos objetivos


iniciais, buscando-se a construção de conhecimento científico sobre o objeto

202
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

pesquisado e a interpretação dos dados das notícias relacionadas ao corpus


existente (BARDIN, 1994).

Resultados

Das notícias selecionadas, foram extraídos dados por meio de um roteiro


dividido em duas partes. A Parte A do roteiro foi construída adaptada do modelo
apresentado por Porto (2007), em que as notícias selecionadas foram
organizadas em um quadro contendo as seguintes informações: Número da
Notícia, Tipo de Mídia, Título, Ano e mês de Publicação, Nome da instituição,
Endereço Eletrônico da Mídia, Autor (Quadro 2). Na parte B, foi elaborada de
acordo com os objetivos da pesquisa, foram extraídos os seguintes dados:
Temática da notícia e objetivo principal (Quadro 3).

Quadro 2. Notícias encontradas nos sites das instituições, segundo Tipo de


Mídia, Título, Ano e mês de Publicação, Nome da instituição, Endereço
Eletrônico da Mídia, Autor, Ribeirão Preto, 2020.

Número Tipo de Título Ano e mês de Nome Endereço Autor


da Mídia publicação instituição Eletrônico da Mídia
Notícia
01 Notícias Ministério da Publicado em Ministério da https://www.gov.br/s Por Nucom
Saúde garante 22/04/2020 Saúde aude/pt- SAPS com
suporte 21h59 (Agência br/assuntos/noticias/ Tinna Oliveira,
psicológico a Saúde) ministerio-da-saude- da Agência
profissionais do garante-suporte- Saúde
SUS psicologico-a-
profissionais-do-sus
02 Notícias Ministério da Publicado em Ministério da https://www.gov.br/s Por Tinna
Saúde quer 06/05/2020 Saúde aude/pt- Oliveira, da
saber como 14h26 (Agência br/assuntos/noticias/ Agência Saúde
anda a saúde Saúde) ministerio-da-saude-
mental do quer-saber-como-
brasileiro anda-a-saude-
mental-do-brasileiro
03 Notícias Profissionais de Publicado em Ministério da https://www.gov.br/s Tinna Oliveira
saúde contam 08/05/2020 Saúde aude/pt- com
com suporte 23h39 (Agência br/assuntos/noticias/ NUCOM/SGT
psiquiátrico no Atualizado em Saúde) profissionais-de- ES
SUS 09/05/2020 saude-contam-com- Da Agência
16h58 suporte-psiquiatrico- Saúde
no-sus

203
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

04 Notícias Mais de 970 mil Publicado em Ministério da https://www.gov.br/s Por Nicole


profissionais de 13/06/2020 Saúde aude/pt- Beraldo, da
saúde cadastrados 00h18 (Agência br/assuntos/noticias/ Agência Saúde
para atuar no Saúde) mais-de-970-mil-
combate à Covid- profissionais-de-
19 saude-cadastrados-
para-atuar-no-
combate-a-covid-19
05 Notícias Ministério da Publicado em Ministério da https://www.gov.br/s Ministério da
Saúde reúne 24/08/2020 Saúde aude/pt- Saúde, com
especialistas para 22h48 (Agência br/assuntos/noticias/ informações
falar sobre saúde Atualizado em Saúde) ministerio-da-saude- do Nucom
mental 24/08/2020 reune-especialistas- SGTES
23h08 para-falar-sobre-
saude-mental
06 Notícias Ministério da Publicado em Ministério da https://www.gov.br/s Marina Pagno
Saúde investe 29/10/2020 Saúde aude/pt- Ministério da
mais de R$ 65 18h15 (Agência br/assuntos/noticias/ Saúde
milhões na Atualizado em Saúde) ministerio-da-saude-
ampliação da rede 29/10/2020 investe-mais-de-r-65-
de saúde mental 18h25 milhoes-na-
ampliacao-da-rede-
de-saude-mental
07 Notícias DSEI Porto Velho Publicado em Ministério da https://www.gov.br/s NUCOM/SES
prepara CASAI 10/07/2020 Saúde (SESAI aude/pt- AI
para isolamento 12h50 Notícias) br/assuntos/sesai_no
de pacientes com Atualizado em ticias/dsei-porto-
COVID-19 13/07/2020 velho-prepara-casai-
14h14 para-isolamento-de-
pacientes-com-covid-
19
08 Notícias Ministério da Publicado em Ministério da https://www.gov.br/s Ministério da
Saúde e 28/08/2020 Saúde aude/pt- Saúde/
Associação 21h15 (Agência br/assuntos/noticias/ NUCOM/SGT
Brasileira de Saúde) ministerio-da-saude- ES
Psiquiatria firmam e-associacao-
acordo de brasileira-de-
cooperação psiquiatria-firmam-
acordo-de-
técnica
cooperacao-tecnica
09 Notícias Pazuello defende Publicado em Ministério da https://www.gov.br/s Larissa Lima,
tratamento 03/09/2020 Saúde aude/pt- da Agência
precoce de casos 19h22 (Agência br/assuntos/noticias/ Saúde
de Covid-19 Saúde) pazuello-defende-
tratamento-precoce-
de-casos-de-covid-
19
10 Notícias Ministério da Publicado em Ministério da https://www.gov.br/s Ministério da
Saúde investe no 24/09/2020 Saúde aude/pt- Saúde
auxílio à saúde 16h48 (Agência br/assuntos/noticias/
mental no Atualizado em Saúde) ministerio-da-saude-
combate à Covid- 25/09/2020 investe-no-auxilio-a-
19 18h05 saude-mental-no-
combate-a-covid-19
11 Comunic COVID-19 5 out 2020 OPAS https://www.paho.org OPAS
ados de interrompe /pt/noticias/5-10-
imprens serviços de 2020-covid-19-
a saúde mental na interrompe-servicos-
maioria dos saude-mental-na-

204
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

países, revela maioria-dos-paises-


pesquisa da revela-pesquisa
OMS
12 Comunic Países devem 18 ago 2020 OPAS https://www.paho.org OPAS
ados de ampliar oferta de /pt/noticias/18-8-
imprens serviços de 2020-paises-devem-
a saúde mental ampliar-oferta-
para lidar com servicos-saude-
efeitos da mental-para-lidar-
pandemia de com-efeitos-da
COVID-19
13 Notícias OPAS/OMS e 22 mai 2020 OPAS https://www.paho.org OPAS
do país UNICEF /pt/noticias/22-5-
capacitam 2020-opasoms-e-
migrantes unicef-capacitam-
venezuelanos migrantes-
em promoção da venezuelanos-em-
saúde mental de promocao-da-saude-
crianças e mental
adolescentes
14 Comunic Pandemia de 10 set 2020 OPAS https://www.paho.org OPAS
ados de COVID-19 /pt/noticias/10-9-
imprens aumenta fatores 2020-pandemia-
a de risco para covid-19-aumenta-
suicídio fatores-risco-para-
suicidio

15 Comunic OPAS incentiva 11 set 2020 OPAS https://www.paho.org OPAS


ados de comunidades a /pt/noticias/11-9-
imprens apoiarem as 2020-opas-incentiva-
a pessoas no comunidades-
enfrentamento apoiarem-pessoas-
da pandemia de no-enfrentamento-
COVID-19 da-pandemia-covid
16 Comunic Global challenge 07 de outubro de WHO https://www.who.int/n WHO
ado for movement on 2020 ews/item/07-10-
mental health 2020-global-
kicks off as lack of challenge-for-
investment in movement-on-
mental health mental-health-kicks-
leaves millions off-as-lack-of-
investment-in-
without access to
mental-health-
services
leaves-millions-
without-access-to-
services
17 Comunic COVID-19 5 de outubro de WHO https://www.who.int/n WHO
ado de disrupting 2020 ews/item/05-10-
imprens mental health 2020-covid-19-
a services in most disrupting-mental-
countries, WHO health-services-in-
survey most-countries-who-
survey
18 Comunic World leaders, 01 de outubro de WHO https://www.who.int/n WHO
ado de celebrities to join 2020 ews/item/01-10-
imprens WHO’s Big 2020-world-leaders-
a Event for Mental celebrities-to-join-
Health on 10 who-s-big-event-for-
October mental-health-on-10-

205
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

october
19 Comunic World Mental 27 de agosto de WHO https://www.who.int/n WHO
ado de Health Day: an 2020 ews/item/27-08-
imprens opportunity to 2020-world-mental-
a kick-start a health-day-an-
massive scale- opportunity-to-kick-
up in investment start-a-massive-
in mental health scale-up-in-
investment-in-
mental-health
20 Comunic Substantial 14 de maio de WHO https://www.who.int/n WHO
ado de investment 2020 ews/item/14-05-
imprens needed to avert 2020-substantial-
a mental health investment-needed-
crisis to-avert-mental-
health-crisis
Fonte: Próprio estudo.

Quadro 3. Notícias elegidas dos sites das instituições, segundo temática da


notícia e objetivo principal, Ribeirão Preto, 2020.

Nº da notícia Temática Objetivo principal


01 Ministério da Saúde disponibilizará, Esperamos que os profissionais obtenham alívio para o
entre maio e setembro, um canal para seu sofrimento, utilizando o que já se sabe de
teleconsulta psicológica destinado a intervenções que funcionam e que têm base científica.
médicos, enfermeiros, técnicos de O projeto testará também que tipo de técnica pode ser
enfermagem, entre outros envolvidos mais adequada para essas situações de crise.
nos atendimentos de coronavírus.
02 Investigação com intuito de rastrear os O objetivo é rastrear a existência de depressão,
principais transtornos mentais, que ansiedade e estresse na população brasileira devido à
podem surgir em indivíduos, diante do pandemia da COVID-19.
cenário da pandemia mundial e, neste Com o intuito de avaliar o impacto da pandemia da
momento, em que muitos se COVID-19 na saúde mental do brasileiro, o Ministério da
encontram em distanciamento social. Saúde disponibilizou um questionário online para as
pessoas responderem como se sentem diante de todo o
processo que envolve o enfrentamento da pandemia. O
objetivo é rastrear a existência de depressão, ansiedade
e estresse na população brasileira e, posteriormente,
subsidiar políticas públicas nas unidades de atenção
psicossocial.
03 A ação estratégica “O Brasil Conta Essa medida visa cuidar da saúde mental dos
Comigo” garante atendimento psíquico profissionais contratados pelo Governo Federal para
aos profissionais que estão na linha de auxiliar os gestores do Sistema Único de Saúde (SUS)
frente do combate à COVID-19. nas ações de enfrentamento à pandemia nos estados.
04 Por meio da estratégia Brasil Conta Parte final da notícia, com subtítulo: Saúde Mental:
Comigo, médicos, enfermeiros, Lançamento de uma ação integrada de prevenção ao
técnicos de enfermagem, entre outras suicídio e automutilação entre adolescentes durante e
categorias, se inscreveram para apoiar pós pandemia do novo coronavírus, quando muitos
o enfrentamento à pandemia em todo acabam desenvolvendo quadros de transtornos
o país. mentais, como depressão e ansiedade.

206
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

05 Ação ‘Mentalize’ abordará temas como O Ministério da Saúde promove uma série de ações
ansiedade, depressão, transtornos de com o objetivo de informar à população sobre questões
aprendizagem e envelhecimento em envolvendo doenças mentais, na expectativa de
três encontros virtuais com objetivo de promover saúde e bem-estar do brasileiro diante da
desmistificar e reduzir estigmas pandemia da Covid-19. A primeira iniciativa consiste em
relacionados a doenças mentais. três eventos virtuais do programa “Mentalize: sinal
amarelo para atenção à saúde mental”.
06 Municípios brasileiros receberão Investimento para ampliação e abertura de novos
recursos para habilitação de 74 Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), Serviços
Centros de Atenção Psicossocial Residenciais Terapêuticos (SRT), Unidades de
(CAPS), 100 Serviços Residenciais Acolhimento (UA) e Serviços Hospitalares de Referência
Terapêuticos (SRT), duas unidades de (SHR) nos municípios brasileiros.
acolhimento e 144 Serviços
Hospitalares de Referência
07 No município de Guajará Mirim (RO), o O cuidado com a saúde mental dos pacientes indígenas
Distrito Sanitário Especial Indígena com COVID-19 também é uma preocupação da
(DSEI) Porto Velho estruturou uma Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), do
Casa de Saúde Indígena (CASAI) para Ministério da Saúde. As orientações técnicas sobre
receber exclusivamente pacientes com saúde mental foram repassadas pela SESAI aos 34
COVID-19 que necessitam de Distritos. A atuação dos psicólogos é importante neste
isolamento. O local tem uma Equipe momento de pandemia para evitar a depressão que o
Multidisciplinar de Saúde Indígena isolamento pode causar. “Esse atendimento é feito
(EMSI) disponível durante 24 horas presencialmente com psicólogo nas CASAIS e
para acompanhamento dos sintomas. remotamente nas aldeias que possuem internet. Essa
ação visa melhorar a qualidade de vida e dar o apoio
necessário aos pacientes”, explica o coordenador do
DSEI Porto Velho, Luiz Tagliani.
08 A iniciativa tem como foco a oferta Iniciativa tem como foco a oferta educacional para a
educacional para a formação e formação e qualificação dos profissionais do SUS,
qualificação dos profissionais do SUS, promoção da saúde mental e prevenção de doenças
promoção da saúde mental e mentais.
prevenção de doenças mentais.
09 Medida aumentaria as chances de Durante a participação no seminário virtual realizado
recuperação e diminui a ocorrência de pela Escola Superior do Ministério Público da União
casos mais graves (ESMPU) nesta quinta-feira (3), o ministro interino da
Saúde, Eduardo Pazuello, reforçou a importância do
tratamento precoce aos primeiros sintomas de Covid-19.
Na oportunidade, o ministro interino apresentou o
programa Mentalize, lançado no final de agosto para
promover ações de saúde mental ao brasileiro diante do
cenário de Covid-19. “O programa foi pensado para
tratar as consequências dos distúrbios emocionais e
psicológicos que poderão surgir”, afirmou.
10 Municípios brasileiros vão receber Os recursos irão financiar a aquisição de medicamentos
cerca de R$ 650 milhões para para saúde mental ofertados no SUS no âmbito do
aquisição de medicamentos essenciais Componente Básico da Assistência Farmacêutica,
para a saúde mental, em virtude dos constantes no Anexo I da Relação Nacional de
impactos causados pela pandemia da Medicamentos Essencias - Rename.
Covid-19.
11 A pandemia de COVID-19 interrompeu A pandemia está aumentando a demanda por serviços
serviços essenciais de saúde mental de saúde mental. Os países relataram interrupção
em 93% dos países em todo o mundo, generalizada de muitos tipos de serviços essenciais de
enquanto a demanda por saúde saúde mental: Mais de 60% dos países destacaram
mental está aumentando, de acordo interrupções nos serviços de saúde mental para pessoas
com uma nova pesquisa da OMS. A vulneráveis, 67% viram interrupções no aconselhamento
pesquisa com 130 países fornece os e psicoterapia; 65% nos serviços críticos de redução de
primeiros dados globais que mostram danos; e 45% nos tratamentos de manutenção com
o impacto devastador da pandemia no agonista opióide para dependência de opióide.
acesso aos serviços de saúde mental

207
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

e ressalta a urgente necessidade de


mais financiamento.
12 Os países das Américas devem “A pandemia de COVID-19 causou uma crise de saúde
expandir e investir em serviços de mental em nossa região em uma escala nunca vista. É a
saúde mental para lidar com os efeitos ‘tempestade perfeita’ em todos os países, pois vemos
da pandemia de COVID-19, disse necessidades crescentes e recursos reduzidos para
nesta terça-feira (18) a diretora da atendê-las. É urgente que o apoio à saúde mental seja
Organização Pan-Americana da considerado um componente crítico da resposta à
Saúde (OPAS), Carissa F. Etienne. pandemia”, disse a diretora da OPAS. “Os serviços de
saúde mental e violência doméstica são essenciais e
devemos enfatizar a abordagem das lacunas reveladas
pela pandemia.
13 A Organização Pan-Americana da O minicurso está sendo conduzido virtualmente desde 1º
Saúde/Organização Mundial da Saúde de maio e seguirá até esta sexta-feira (22) como parte do
(OPAS/OMS) e o Fundo das Nações projeto “Fortalecimento de Capacidades Locais em
Unidas para a Infância (UNICEF) Saúde Mental e Apoio Psicossocial no Contexto do Fluxo
estão promovendo minicursos Migratório em Boa Vista”, financiado pelo governo do
direcionados a migrantes Japão. Os participantes são assistentes e facilitadores
venezuelanos para capacitá-los como dos Súper Panas, espaços seguros para as crianças
promotores de saúde mental para onde são realizadas atividades recreativas, educativas e
crianças e adolescentes. de apoio psicossocial nos 13 abrigos da Operação
Acolhida, em Roraima.
14 O coronavírus está afetando a saúde A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS)
mental de muitas pessoas, alertou, nesta quinta-feira (10/9), que a pandemia da
principalmente profissionais de saúde. COVID-19 pode aumentar os fatores de risco para
Dados recentes apontam aumento na suicídio, incitando as pessoas a falarem abertamente e
angústia, ansiedade e depressão. de forma responsável sobre o assunto. A ideia é que,
mesmo com o distanciamento físico, as pessoas
permaneçam conectadas com familiares e amigos e
aprendam a identificar os sinais de alerta.
15 A Semana do Bem-Estar 2020, que As comunidades devem apoiar seus membros para
acontece de 12 a 19 de setembro, ajudá-los a lidar com o estresse durante a pandemia de
destaca a importância do apoio COVID-19, disse a Organização Pan-Americana da
psicossocial durante a pandemia Saúde (OPAS) antes do lançamento de sua campanha
anual da Semana do Bem-Estar, que vai de 12 a 19 de
setembro deste ano. A Semana do Bem-Estar 2020
destaca a campanha “Juntos Somos Mais Fortes”, que
visa conscientizar sobre a saúde mental, a participação
comunitária e a fornecer ferramentas e informações para
promover o apoio psicossocial em tempos difíceis.
16 Investimento em saúde mental A Organização Mundial da Saúde, em colaboração com
a United for Global Mental Health e a World Federation
for Mental Health, está incentivando pessoas de todos os
países a apoiarem um movimento global que pede um
maior investimento em saúde mental.
17 Interrupção dos serviços de saúde A pandemia COVID-19 interrompeu serviços essenciais
mental de saúde mental em 93% dos países em todo o mundo,
enquanto a demanda por saúde mental está
aumentando, de acordo com uma nova pesquisa da
OMS. A pesquisa em 130 países fornece os primeiros
dados globais que mostram o impacto devastador do
COVID-19 no acesso aos serviços de saúde mental e
ressalta a necessidade urgente de mais financiamento.
18 Divulgação de evento sobre Em 10 de outubro, Dia Mundial da Saúde Mental, líderes
subfinanciamento dos serviços de mundiais e celebridades reconhecidas
saúde mental internacionalmente e defensores da saúde mental se
reunirão para o Grande Evento da Organização Mundial
da Saúde para a Saúde Mental. O primeiro evento online
da OMS para a promoção da saúde mental enfocará a

208
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

necessidade urgente de abordar o subinvestimento


crônico do mundo em saúde mental - um problema que
foi colocado em destaque durante a pandemia COVID-
19.
19 Investimentos em saúde mental Relativamente poucas pessoas em todo o mundo têm
acesso a serviços de saúde mental de qualidade. Em
países de renda baixa e média, mais de 75% das
pessoas com transtornos mentais, neurológicos e por uso
de substâncias não recebem nenhum tratamento para
sua condição. Além disso, o estigma, a discriminação, a
legislação punitiva e as violações dos direitos humanos
ainda são comuns.
20 Investimento em saúde mental A pandemia de COVID-19 está destacando a
necessidade de aumentar urgentemente o investimento
em serviços de saúde mental ou corre o risco de um
aumento maciço nas condições de saúde mental nos
próximos meses, de acordo com um resumo de política
sobre COVID-19 e saúde mental publicado hoje pelas
Nações Unidas.
Fonte: Próprio estudo.

Para sintetizar melhor os resultados, emergiram as seguintes categorias


e subcategorias da análise das notícias:

1) Promoção à Saúde Mental e Prevenção de Transtornos Mentais durante a


pandemia de COVID-19:

1.1) Atenção a grupos que vivenciam situações de maior vulnerabilidade;

1.2) Necessidade de pesquisas em saúde e desenvolvimento de políticas;

2) Questões relacionadas ao suicídio e COVID-19;

3) Acesso aos Serviços de Saúde Mental e COVID-19;

4) Investimentos em Saúde Mental.

Discussão

1) Promoção à Saúde Mental e Prevenção de Transtornos Mentais durante a


pandemia de COVID-19:

Esta temática foi abordada em 09 notícias, sendo esta a mais presente


neste estudo. Entre as notícias analisadas, 07 foram no Ministério da Saúde e
02 da OPAS. As notícias abordavam questões relacionadas às questões práticas

209
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

de promoção à saúde e estratégias de prevenção, bem como salientam alguns


pontos importantes sobre grupos específicos que são descritos a seguir.

A rápida disseminação do SARS-CoV-2 pelo mundo, a falta de


informações sobre a doenças e as incertezas que a circundam se caracterizam
como fatores de risco à saúde mental da população em geral. Tal cenário é ainda
mais agravado com a divulgação e compartilhamento de mitos e informações
equivocadas sobre o vírus e as medidas de prevenção, bem como pela
dificuldade da população em compreender as orientações oficiais (SCHMIDT et
al., 2020).

As notícias destacaram, também, a importância de promover ações de


saúde mental à população, desenvolvendo programas para tratar consequências
de distúrbios emocionais e psicológicos que podem surgir com a pandemia de
COVID-19 (LIMA, 2020). Dentre as intervenções voltadas à população,
observam-se materiais informativos e educativos, bem como atendimentos
psicológicos online que podem auxiliar na promoção da saúde mental (SCHMIDT
et al, 2020). Além disso, são destacadas ações que levam informações à
população sobre a temática de doenças mentais, no intuito de promover saúde
e bem-estar diante da pandemia de COVID-19 (BRASIL, 2020c).

De acordo com Schmidt et al (2020), dentre as temáticas que vêm sendo


abordadas pelos profissionais de saúde junto à população, enfatiza-se as
informações relacionadas aos sintomas de transtornos mentais comuns, e que
podem se manifestar durante este período. Nesse contexto, eventos
educacionais foram promovidos, abordando questões acerca de ansiedade,
depressão, transtornos de aprendizagem, gravidez na adolescência e uso de
drogas lícitas e ilícitas, com foco na prevenção de possíveis transtornos e na
promoção da saúde mental, buscando também desmistificar e reduzir estigmas
relacionados às doenças mentais (BRASIL, 2020c).

Na literatura, aspectos estressores relacionados a surtos globais de


saúde, como Síndrome respiratória aguda grave (SARS), Síndrome respiratória
do Oriente Médio (MERS) e Ebola, se demonstraram responsáveis pelo aumento
de sofrimento psíquico e surgimento de transtornos mentais comuns entre

210
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

prestadores de cuidados de saúde, revelando que esses profissionais podem


desenvolver distúrbios psiquiátricos de curto e longo prazo (RAMOS-
TOESCHER et al., 2020). Dessa forma, é evidenciada a necessidade de apoio
e suporte psicológico entre os profissionais da saúde que prestaram assistência
contra à pandemia de COVID-19, tendo que vista a exposição desses
profissionais ao trabalho intenso, riscos de contaminação elevados e condições
adversas, podendo vivenciar ansiedade, depressão, irritabilidade, transtorno de
estresse agudo e Burnout (OLIVEIRA, T., 2020a).

É importante ressaltar que os profissionais da saúde que atuam na linha


de frente serão aqueles que escutarão as queixas e irão fornecer apoio
psicológico às pessoas que buscam os serviços de saúde. Portanto, o
atendimento psicológico a esses profissionais pode contribuir para oferecer
suporte e orientação sobre o manejo dessas situações (SCHMIDT et al., 2020).
Diante disso, houve projetos que buscaram desenvolver ações para o tratamento
de problemas relacionados à saúde mental e infecção pelo SARS-CoV-2 para
os profissionais de saúde, como atendimento por teleconsulta e teleintervenções
embasadas em evidências científicas, além de estratégias para prevenção de
futuros problemas relacionados ao sofrimento psíquico (OLIVEIRA, T., 2020a).

Dessa forma, além da saúde mental dos profissionais de saúde atuantes


na pandemia ser considerada uma prioridade, sua atuação nos serviços de
saúde mental também o foi, em virtude da maior demanda, com alertas para
traumas psíquicos, doenças mentais, dificuldades econômicas e suicídio, o que
gera maior necessidade por uma capacitação adequada desses profissionais.
Contudo, se faz necessário medidas de intervenção que busquem reduzir os
impactos à saúde mental, com esforços de curto, médio e longo prazo
(OLIVEIRA, T., 2020c).

Nessa perspectiva, é relevante salientar ações educativas aos


profissionais de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS) para formação e
qualificação desses profissionais a atuarem na promoção da saúde mental e
prevenção de doenças mentais. Estas capacitações foram realizadas visando à
proteção, saúde e bem-estar da população diante da pandemia (BRASIL, 2020a).
Faro et al. (2020) ressaltam a importância de os profissionais de saúde estarem

211
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

capacitados para os desafios do cuidado frente à pandemia, e que esse


investimento na assistência e na ciência são essenciais para minimizar os
impactos negativos na saúde mental da população.

Estudo realizado por Grey et al. (2020) demonstra que o papel do


suporte social percebido relacionado à saúde mental durante a pandemia
permanece ausente. Entretanto, um dos pontos levantados é a participação
comunitária conjunta na promoção da saúde mental e o apoio psicossocial
durante a pandemia, por meio de ferramentas e informações presentes na
comunidade (OPAS, 2020b). Pode-se compreender que fortalecer as ações em
comunidade promove a criação de vínculos, os quais podem contribuir para o
manejo de situações de estresse (OPAS, 2020b), visto que aqueles com menor
apoio social relataram altos níveis de solidão em tempos de COVID-19 (LEE et
al., 2020). Essas ações, além de atuarem na prevenção, contribuem para o
empoderamento e engajamento dos indivíduos, construindo comunidades
unidas e saudáveis e facilitando a colaboração coletiva, ao mesmo tempo que
promovem a saúde (OPAS, 2020b).

1.1) Atenção a grupos que vivenciam situações de maior vulnerabilidade

É essencial que os grupos considerados em situação de vulnerabilidade


possuam um maior foco, uma vez que quando não identificados e assistidos, as
consequências e implicações da pandemia se manifestam de forma muito mais
intensa, aumentando as desigualdades em saúde (RODRIGUES;
CAVALCANTE; FAERSTEIN, 2020).

a) Indígenas

As comunidades indígenas possuem suas próprias estratégias para a


manutenção da vida, saúde mental e psicossocial, como rituais, rezas,
comemorações, dentre outros que representam um conjunto de práticas
coletivas, e encontram-se suspensas, no momento, em virtude do contexto de
pandemia e exigência de isolamento social preconizado pela OMS (BRASIL,
2020d). Dessa forma, a preocupação com a saúde mental indígena também se
mostrou presente nos achados, com estratégias para atuação de psicólogos de
forma presencial e remota nas aldeias que possuem internet, tais ações visam

212
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

melhorar a qualidade de vida e o enfrentamento da pandemia e do isolamento


(BRASIL, 2020e).

b) Migrantes, crianças e adolescentes

A migração é considerada um fator de risco para a qualidade de vida


desses indivíduos, impactando negativamente nas condições de saúde. O
estado de Roraima, por exemplo, que recebe migrantes vindos da Venezuela, já
enfrentava dificuldades na assistência e proteção desses indivíduos, antes
mesmo do fluxo migratório venezuelano (RODRIGUES; CAVALCANTE;
FAERSTEIN, 2020).

Considerando que a população migrante vivencia diversos desafios –


como ruptura de laços afetivos, nova língua, dificuldade de acesso a serviços e
risco de abuso e violência – os quais podem ser intensificados pelo contexto de
pandemia e impactar negativamente no desenvolvimento das crianças e
adolescentes nesse ambiente, é fundamental que existam ações de promoção à
saúde e prevenção de transtornos mentais com esses indivíduos. A partir da
análise das notícias, nota-se que houve atividades com migrantes para capacitá-
los para atuarem como promotores de saúde mental com o público de crianças
e adolescentes em abrigos migrantes (OPAS, 2020c).

Em virtude da pandemia de COVID-19, a suspensão das atividades


escolares e o confinamento em casa acabaram por gerar medos, incertezas e
ansiedades no público infanto-juvenil (OLIVEIRA et al., 2020). Esses aspectos
afetam o bem-estar e a qualidade de vida, e se manifestam de forma ainda mais
intensa em crianças e adolescentes migrantes (RODRIGUES; CAVALCANTE;
FAERSTEIN, 2020). Nesse âmbito, o oferecimento de apoio psicossocial para
crianças e adolescentes migrantes busca mitigar os efeitos da pandemia e ajudar
a lidar com o estresse e os desafios do isolamento social. Mostra-se, portanto,
de suma importância o fortalecimento das capacidades locais para prevenção
de doenças futuras (OPAS, 2020c).

213
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

1.1) Necessidade de pesquisas em saúde e desenvolvimento de políticas

Houve a necessidade de rastreamento da existência dos principais


transtornos mentais, tais como depressão, ansiedade e estresse, diante do
cenário da pandemia, buscando compreender como a população brasileira
enfrentou a pandemia e o processo de distanciamento social, mostrando-se
essencial a atenção às alterações nos hábitos da população que influenciam a
saúde mental e evolução destes transtornos (OLIVEIRA, T, 2020b). É importante
ressaltar que, para que a ciência tenha impacto na sociedade futura, a produção
de conteúdo científico exige investimentos de médio e longo prazos
(CARVALHO; LIMA; COELI, 2020), uma vez que essas pesquisas e
investigações são ferramentas essenciais para subsidiar o desenvolvimento de
políticas públicas em unidades de atenção psicossocial (OLIVEIRA, T., 2020b).

2) Questões relacionadas ao suicídio e COVID-19

A temática de suicídio surgiu de forma significativa em 02 notícias, sendo


01 na OPAS e 01 no MS, devido à preocupação de que a pandemia da COVID-
19 pode aumentar os fatores de risco para suicídio, em razão de o novo
coronavírus estar afetando a saúde mental de muitas pessoas, principalmente
de profissionais de saúde. Dados recentes apontam aumento na angústia,
ansiedade e depressão, somadas às questões de violência, transtornos
decorrentes do consumo de álcool, abuso de substâncias e sentimento de perda,
que se tornam fatores importantes que podem aumentar o risco de uma pessoa
decidir tirar a própria vida (OPAS, 2020e).

Dentre as causas, o isolamento social, a vulnerabilidade econômica, o


aumento do medo, a redução de atividades físicas e a exacerbação do uso de
álcool são fatores de risco para depressão, ansiedade e outros transtornos,
aumentando o risco de suicídio (SCHUCK, et al., 2020). Entretanto, os principais
fatores por trás dos suicídios durante a pandemia de COVID-19 repousam na
incapacidade da pessoa e da sociedade em lidar com a situação (THAKUR; JAIN,
2020).

214
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Por isso, estratégias de prevenção são necessárias, principalmente para


as populações mais vulneráveis, como as pessoas com transtornos mentais,
idosos, trabalhadores da área da saúde e sobreviventes da COVID-19, de forma
que o emprego de medidas de prevenção seja capaz de atenuar o impacto da
pandemia para a saúde mental da população (SCHUCK et al., 2020).

Thakur e Jain (2020) recomendam a implantação de intervenções de


caráter sócio-psicológicas como, serviço de tele aconselhamento com resposta,
24 horas por dia, 7 dias por semana, para apoio emocional, mental e
comportamental. No Brasil, o MS, em parceria com os Ministérios da Justiça e
Segurança Pública, da Mulher, Família e Direitos Humanos, e a Associação
Brasileira de Psiquiatria (ABP), lançou uma ação integrada de prevenção ao
suicídio e automutilação entre adolescentes durante e pós-pandemia do novo
coronavírus, visando qualificar profissionais de saúde, educadores da rede
pública e privada de ensino, líderes de associações religiosas, profissionais de
conselhos tutelares, entidades beneficentes e movimentos sociais para
abordagem de adolescentes entre 11 e 18 anos (BERALDO, 2020).

3) Acesso aos Serviços de Saúde Mental e COVID-19

A temática surgiu como importante assunto em 03 notícias, duas do site


da OPAS e uma do site da OMS. Algumas populações vulneráveis, como
pessoas com condições psicológicas pré-existentes, foram amplamente
esquecidas durante a pandemia de COVID-19, e considerando as restrições
rigorosas e o grande medo de contaminação, além de um sistema de saúde
sobrecarregado, eles dificilmente têm acesso para manter os tratamentos e
acompanhamentos regulares, resultando em agravamento dos sintomas pré-
existentes ou recaídas (PENG; WANG; XU, 2020).

Em dados específicos, a pandemia de COVID-19 interrompeu serviços


essenciais de saúde mental em 93% dos países em todo o mundo, enquanto a
demanda por saúde mental está aumentando: 67% relataram interrupções no
aconselhamento e psicoterapia; mais de um terço (35%) informaram
interrupções nas intervenções de emergência, incluindo àquelas para pessoas

215
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

que tiveram convulsões prolongadas; síndromes de abstinência de uso grave de


substâncias; e delírio, 30% relataram interrupções no acesso a medicamentos
para transtornos mentais, neurológicos e uso de substâncias (OPAS, 2020a;
WHO, 2020a).

Pesquisa realizada na região italiana da Lombardia caracteriza essas


limitações, abordando que as atividades nos Centros de Saúde Mental da região
foram mantidas somente para as pessoas com transtornos mentais graves,
pessoas com graves problemas sociais ou sentenças judiciais. Nos casos novos
e de emergência, a triagem é feita por telefone para entender a demanda do
paciente e, quando necessário, é agendada consulta. Nos estabelecimentos de
internações psiquiátricas, embora tenham continuado normalmente, as
atividades externas foram suspensas, incluindo férias em casa e visitas de
parentes (PERCUDANI et al., 2020).

Na Índia, a pandemia e o bloqueio do COVID-19 também levaram ao


colapso dos serviços regulares de saúde mental em grande medida, pois
imediatamente após o bloqueio gerado pela pandemia, os serviços ambulatoriais
foram fechados em vários locais, e os serviços de saúde foram limitados aos
serviços de emergência ou dedicados a pacientes com infecção pelo COVID-19.
Em alguns locais, profissionais de saúde mental foram envolvidos em alguns
desses serviços (GROVER et al., 2020).

Exacerbando esse quadro, vale ressaltar que há um subfinanciamento


crônico pré-existente à pandemia para a saúde mental: antes da pandemia, os
países gastavam menos de 2% de seus orçamentos nacionais de saúde em
saúde mental e lutavam para atender às necessidades de suas populações
(OPAS, 2020a; WHO, 2020a).

Considerando também que o custo psicológico da pandemia já é aparente


tanto na população em geral como especificamente em pessoas com transtornos
mentais (particularmente aqueles com transtorno mental grave), os sistemas de
saúde mental precisam de uma resposta sustentada aos desafios colocados pela
COVID-19 (MORENO et al., 2020). Infelizmente, embora 89% dos países
tenham relatado que a saúde mental e o apoio psicossocial fazem parte de seus

216
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

planos nacionais de resposta à COVID-19, apenas 17% desses países têm


financiamento adicional total para cobrir essas atividades (OPAS, 2020a).
Segundo fala da diretora da OPAS, Carissa F. Etienne:

“Os países das Américas devem expandir e investir em serviços de


saúde mental para lidar com os efeitos da pandemia de COVID-19. A
pandemia de COVID-19 causou uma crise de saúde mental em nossa
região em uma escala nunca vista. É a ‘tempestade perfeita’ em todos
os países, pois vemos necessidades crescentes e recursos reduzidos
para atendê-las. É urgente que o apoio à saúde mental seja
considerado um componente crítico da resposta à pandemia.” (OPAS,
2020d).

Vale ressaltar que a OMS emitiu orientações aos países sobre como
manter os serviços essenciais, incluindo serviços de saúde mental, durante a
pandemia de COVID-19 e recomenda que os países aloquem recursos para a
saúde mental como um componente integral de seus planos de resposta e
recuperação (WHO, 2020a). Os passos mais eficazes são contratar e treinar
mais profissionais de saúde e integrar a saúde mental e o apoio psicossocial nos
sistemas de atenção primária à saúde para que sejam facilmente acessíveis
àqueles que mais precisam deles (OPAS, 2020a). A OPAS tem ajudado os
países a fortalecerem políticas e serviços e expandirem o aprendizado virtual
para profissionais de saúde para que saibam como identificar e apoiar
sobreviventes de violência durante a pandemia (OPAS, 2020d).

Dessa forma, a manutenção dos serviços existentes e a promoção de


novas práticas que ampliem o acesso a serviços de saúde mental para pessoas
que já têm ou que desenvolveram transtornos mentais durante a pandemia deve
ser uma prioridade. As práticas implementadas que estão sendo eficazes devem
ser refinadas e ampliadas, e tanto a utilidade quanto às limitações da prestação
de saúde remota devem ser reconhecidas (MORENO et al., 2020). A resposta à
pandemia COVID-19 envolve principalmente estruturas governamentais ou
institucionais, sendo importante compreender o estado dos serviços de saúde
mental e o papel dos profissionais de saúde mental (GROVER et al., 2020).

4) Investimentos em Saúde Mental

Esta categoria teve atribuição de 6 notícias advindas 02 do sítio do MS

217
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

e 04 do sítio da OMS que destacam, de um modo geral, a ampliação dos


recursos financeiros para a saúde mental com investimentos nos Centros de
Atenção Psicossociais (CAPS), Residências Terapêuticas (RT) (PAGNO, 2020;
WHO, 2020c; WHO, 2020e), também quanto ao financiamento dos
medicamentos psiquiátricos (BRASIL, 2020b). Duas notícias focaram no anúncio
/ chamamento para um evento que tinha como principal fator de objetivo, alçar
recursos financeiros para a saúde (WHO, 2020b; WHO, 2020d).

As notícias expõem que apenas 2% dos recursos financeiros em saúde


ficam para a saúde mental, sendo este insatisfatório para a grande demanda
existente. O Brasil é um dos países que menos gasta com saúde mental no
mundo (OLIVEIRA, E. F. A., 2017).

Segundo dados do Relatório The Burden of mental disordes in the region


of the American, publicado ao final de 2018, os investimentos em saúde estão
abaixo do que é necessário para os países das Américas e 1/3 do número total
de incapacidades na população das Américas é atribuído a transtornos mentais.
Assim sendo, a indicação do relatório é que haja um aumento do financiamento
na área da Saúde Mental. Outrossim, até o momento se tem um déficit nos
gastos com este segmento de saúde na região das Américas. O relatório ainda
cita algumas maneiras de realocar recursos para a saúde mental, como novas
parcerias e outros recursos (OPS, 2018; OPAS, 2019).

Juntamente com o financiamento para a melhoria na rede também é


necessário investir na melhoria do sistema de assistência farmacêutica, para
medicamentos relacionados à saúde mental que estejam na Relação de
Medicamentos Essenciais (RENAME). Isso se deve ao próprio caráter
descentralizador do Sistema Único de Saúde (SUS) e da política de assistência
farmacêutica, uma vez que o sistema é dividido solidariamente entre União,
Estados e Municípios, sendo este último com maior encargo na questão; já no
caso da política de assistência à saúde, a precarização se dá devido à deficiência,
e muitas vezes ausência, de psicotrópicos na lista de medicamentos essenciais,
já que algumas vezes não há local definitivo para armazenamento e controle dos
estoques (SOUSA, 2007).

218
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Outro fator evidenciado nas notícias foi o movimento que as plataformas


digitais hoje em dia fazem em prol de apelo para o investimento em Saúde
Mental, como movimentos como #More for Mental Health, a marcha virtual em
virtude da Saúde Mental, os disparos em plataformas digitais de apelos para o
financiamento. Observa-se, então, que as mídias sociais virtuais podem ser
usadas por órgãos científicos de pesquisadores para realizar comunicações
científicas e também abarcam um público muito maior devido à sua facilidade de
globalização pelo acesso universal digital, aproximando pessoas de fato de
realidades científicas. Dessa forma, um fato evidenciado para a urgência do
financiamento em saúde mental é a própria pandemia de 2020, pois com ela
evidenciou-se aumento da demanda de Saúde Mental, devido a diferentes
fatores: pânico da pandemia, medo de se contaminar, agravamento da situação
de saúde mental pelo isolamento, o próprio isolamento e fatores relacionados
com aspectos sociais, culturais, econômicos, trabalhistas e demais (ABJAUDE
et al., 2020).

CONCLUSÃO

A pandemia de COVID-19 trouxe grande evidência para a área de saúde


mental, já que muitas têm sido as preocupações sobre as vivências das pessoas
durante a pandemia e suas possíveis consequências na saúde mental das
pessoas. Nesse cenário, surgiram grandes (porém não novos) desafios para o
setor da saúde mental, evidenciando sua necessidade de ser tratada como
prioridade em relação aos setores de saúde, financiamento e políticas públicas.

Os desafios não são novos, já que não é de hoje que este setor vive
obstáculos com subfinanciamentos, preconceito, estigma e lacunas em sua
visibilidade, já que pouco se fala e se discute sobre as pessoas que já convivem
com transtornos mentais, principalmente em meio a uma emergência de saúde
pública. Dessa forma, enfatiza-se a necessidade de que novas políticas públicas
sejam pensadas para as pessoas que necessitam dos serviços de saúde mental
durante e após a pandemia. É importante, também, que sejam elaboradas e
implementadas ações e políticas pensando nas pessoas que já conviviam com

219
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

transtornos mentais antes de pandemia e passaram períodos (mais conturbados


do que de costume) para conseguir acesso aos serviços e à medicação, para
que isso não se repita em outras possíveis enfermidades epidêmicas. Em suma,
espera-se que os achados deste estudo fomentem o interesse e promovam a
discussão e o desenvolvimento de novos estudos sobre as pessoas com
transtornos mentais e os desafios vivenciados em diferentes situações, como a
pandemia de COVID-19.

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225
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

226
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Violência de gênero e saúde mental no


contexto da pandemia da COVID-19

Brenda Alice Andrade Vidigal


Camila Museti
Michelle Andrea Marcos

RESUMO

O presente estudo objetiva analisar, ainda que de forma não exaustiva, a vulnerabilidade da
mulher ocasionada pela violência de gênero e agravada pelo contexto da pandemia da COVID-
19, especialmente sob o enfoque da saúde mental. É notável que todo e qualquer contexto
pandêmico atinja a saúde mental dos indivíduos, que muitas vezes se veem privados de uma
série de direitos anteriormente possuídos (como o direito de locomoção, saúde, trabalho, lazer
etc.) e se deparam com várias incertezas para o futuro. Igualmente notável é a desigualdade
entre homens e mulheres que ainda insiste em permanecer na sociedade, historicamente
ocasionada por uma cultura patriarcal, resultante dos mais variados tipos de violência contra as
mulheres descritos na Lei Maria da Penha, notadamente a violência física, psicológica, sexual,
patrimonial e moral. Resta observar se há um aumento da violência de gênero no contexto da
pandemia da COVID-19, na tentativa de refletir e propor algumas possíveis formas de reduzir
esse grave problema de saúde pública que é a violência doméstica e familiar contra a mulher.
Assim, faz-se necessária tal pesquisa bibliográfica, pautada em artigos os mais recentes
possíveis, visto que o recorte feito é dinâmico.

Palavras-chave: COVID-19; Saúde mental; Violência contra a mulher; Lei Maria


da Penha.

1 INTRODUÇÃO

É certo que a violência contra a mulher se tornou um verdadeiro câncer


em toda a sociedade brasileira e mundial, necessitando, por isso, de uma
atuação conjunta do Poder Público e da sociedade no combate a esse grande
problema de saúde pública.

A violência de gênero é considerada um problema social que possui


raízes históricas e culturais, o que limita a mulher e a coloca em posição de
vulnerabilidade, evidenciando a desigualdade de gênero que permeia as
entranhas da sociedade.

227
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

No contexto da pandemia da COVID-19, viu-se o número de casos de


violência doméstica aumentar. Somente no Rio de Janeiro, os casos
aumentaram cerca de 50% durante a quarentena, segundo dados do Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro.

Conforme Vieira, Garcia e Maciel (2020), as organizações de combate e


enfrentamento da violência doméstica se vêm preocupadas com esses
indicativos de aumento da violência doméstica e trazem como motivos
determinantes a convivência forçada com o agressor, o estresse econômico e
os temores acerca do coronavírus. Uma realidade triste de se observar.

Tem-se, na violência doméstica, a reprodução de um modelo patriarcal


de sociedade, que segrega, exclui e domina a mulher, colocando-a em posição
de vítima das mais variadas espécies de agressões. Por não haver uma situação
de equilíbrio necessária, houve a imposição e criação de uma Lei que trata das
mulheres em situação de extremo sofrimento e desigualdade. Uma legislação
protetiva, que busca o conceito de igualdade tanto firmado pela Constituição
Federal de 1988, ou seja, tratar os desiguais na medida de sua desigualdade.

Assim, a Lei Maria da Penha é um instrumento em favor dessas


mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. Corresponde a um avanço
em termos legislativos, mas que requer ainda uma mudança de mentalidade das
pessoas para que se torne realmente efetiva.

2 Contexto da Pandemia da Covid-19

Inicialmente, a COVID-19 - nome da síndrome respiratória ocasionada


pelo novo coronavírus - foi detectada ao final do ano de 2019 na cidade de
Wuhan, capital da província da China. Para Faro, Bahiano e Nakano (2020, p.
1), a COVID-19 atingiu as pessoas em diferentes níveis de complexidade, sendo
que os casos mais graves foram acometidos de uma insuficiência respiratória
aguda exigente de cuidados hospitalares intensivos, inclusive com o uso de
ventilação mecânica.

228
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Ao final de janeiro de 2020, o grande aumento do número de casos


caracterizou a infecção como um surto, fazendo com que a Organização Mundial
de Saúde (OMS) declarasse essa situação uma emergência em saúde pública
de interesse internacional (OLIVEIRA, LUCAS E IQUIAPAZA, 2020, p. 1).

De acordo com Oliveira, Lucas e Iquiapaza (2020, p. 1), trata-se de um


vírus isolado pela primeira vez em 1937, sendo descrito como coronavírus pelo
fato do seu perfil, na microscopia, assemelhar-se a uma coroa. Entre os anos de
2002 e 2003, a OMS notificou 774 mortes devido à síndrome respiratória aguda
grave (Sars-CoV) e, em 2012, na Arábia Saudita, foram confirmadas 858 mortes
causadas pela síndrome respiratória do Oriente Médio (Mers-CoV), ambas as
complicações tendo sido causadas por membros da família do coronavírus.

Atualmente, o planeta se depara com o RNA do vírus em mutação,


sendo expandido com sintomas mais leves que a Sars-CoV e Mers-CoV, mas
com maior transmissibilidade, o que acaba ocasionando impactos consideráveis
para os sistemas de saúde. Isolando o vírus nos casos iniciais, pesquisadores
identificaram a mutação genética em uma proteína de superfície “spike”, que o
vírus usa a fim de atacar o organismo humano e se multiplicar. Paulatinamente,
surgiram na literatura informações sobre seu período de incubação, entre dois e
dez dias, e sobre propagação por meio de gotículas, mãos ou superfícies
contaminadas. Concomitantemente, a mídia noticiava o grande aumento de
pessoas infectadas e número de mortes na cidade de Wuhan (OLIVEIRA,
LUCAS E IQUIAPAZA, 2020, p. 1).

Ainda, houve grande aceleração da propagação dos casos para outras


áreas geográficas, devido, conforme Oliveira, Lucas e Iquiapaza (2020, p. 1), à
globalização e ao desconhecimento para adoção de medidas restritivas para
viajantes. Assim, a OMS declarou a COVID-19 como pandemia em março de
2020 e instituiu quais medidas essenciais para prevenção e enfrentamento
deveriam ser adotadas. Entre essas medidas, encontram-se a higienização das
mãos com água e sabão ou álcool em gel sempre que possível; a proteção das
pessoas em volta ao espirrar ou tossir, com o uso do cotovelo flexionado ou
lenço descartável; a manutenção da distância social (mínimo de um metro),

229
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

evitando aglomerações; e a utilização de máscara em caso de quadro gripal ou


infecção pela COVID-19.

Já no Brasil, no dia 3 de fevereiro de 2020, foi declarada Emergência em


Saúde Pública de Importância Nacional, mediante a Portaria nº 188 do Ministério
da Saúde, decorrente da infecção humana causada pelo novo coronavírus (Sars-
CoV-2). Mesmo que nessa época não havia nenhum registro de caso confirmado
no país, essa ação visou o favorecimento de medidas administrativas tomadas
com maior agilidade a fim de que o país começasse a se preparar para o
enfrentamento da pandemia (OLIVEIRA, LUCAS E IQUIAPAZA, 2020, p. 1).

Oliveira, Lucas e Iquiapaza (2020, p. 1) informam que o primeiro caso de


infecção pelo novo coronavírus foi notificado pelo Ministério da Saúde no dia 26
de fevereiro, em São Paulo, servindo de alerta para todo o país. Embora as
medidas de higienização das mãos e etiqueta respiratória tenham sido
reforçadas, o avanço da doença tem sido rápido, evoluindo de casos importados
para a transmissão comunitária em período inferior a trinta dias. Casos
importados são aqueles em que é possível identificar a origem do vírus, em geral,
quando uma pessoa o adquire em viagens ao exterior, vindas de países como
China e Itália. E transmissão comunitária se dá quando a origem da doença já
não pode mais ser identificada.

De acordo com Faro, Bahiano e Nakano (2020, p. 1), até meados de


abril de 2020 haviam sido contabilizados mais de dois milhões de casos
notificados e quase 150 mil mortes no mundo, com os Estados Unidos (EUA)
liderando a quantidade de óbitos (mais de 25 mil).

2.1 Pandemia e Saúde Mental

Apesar de extremamente importante a adoção das medidas de proteção


a fim de impedir a contaminação das pessoas pela Covid-19, sobretudo pelo
risco de que pessoas assintomáticas que permanecem na comunidade possam
infectar outras pessoas até o seu isolamento - o que aumenta o desafio de
controle da pandemia -, nota-se que, por mais que isso seja reforçado
diariamente pelo Ministério da Saúde, a adesão às medidas restou em novo

230
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

aprendizado para a população, principalmente quanto ao distanciamento e


isolamento social, ameaçados “em parte pelo risco do aumento do desemprego,
queda de rendimento e/ou muitas vezes por minimizar o potencial risco da
pandemia” (OLIVEIRA, LUCAS E IQUIAPAZA, 2020, p. 1).

Em termos de medidas de proteção, faz-se necessário distinguir


algumas nomenclaturas utilizadas. Faro, Bahiano e Nakano (2020, p. 1)
argumentam que o distanciamento social “implica na manutenção de uma
distância espacial - cerca de dois metros - entre o indivíduo e outras pessoas,
quando fora de casa”, o que resulta, por exemplo, na recomendação de evitar se
reunir em grupos ou frequentar lugares cheios e aglomerações.

Outras medidas empregadas são a quarentena e o isolamento. Como


bem afirmam Faro, Bahiano e Nakano (2020, p. 1), a quarentena visa à restrição
da circulação de pessoas que foram expostas a uma doença contagiosa,
buscando observar se estas adoecerão. Já o isolamento diz respeito à
separação das pessoas doentes/infectadas por alguma doença transmissível,
das pessoas não doentes. O intento de separar as pessoas visa diminuir a
probabilidade de contaminação e, consequentemente, a busca por serviços de
saúde e o número de mortes.

Entretanto, apesar dos benefícios, muitas vezes a quarentena implica na


vivência de situações desagradáveis que possibilitam impactos na saúde mental
das pessoas, envolvendo estressores como: necessidade de afastamento dos
amigos e familiares, incerteza quanto ao tempo de distanciamento, medo, tédio,
dentre outros. Em estudos obtidos em situações pandêmicas, constataram-se
alguns transtornos mentais comuns que podem ser desencadeados por causa
da quarentena, como os transtornos de ansiedade e depressão (FARO,
BAHIANO e NAKANO, 2020, p. 1).

De acordo com Pereira et al (2020, p. 12), há uma grande preocupação


com a saúde mental da população em meio a uma difícil crise no âmbito social,
como é o caso da pandemia da COVID-19, que tem sido qualificada “como um
dos grandes problemas de saúde pública do Brasil e do mundo nas últimas
décadas”. Nesse contexto, as pessoas saudáveis têm intensificados níveis de

231
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

estresse e ansiedade pelo medo, e as pessoas com transtornos mentais


preexistentes experimentam um aumento nos sintomas.

Ainda, durante o processo de isolamento social, vários países - incluindo


o Brasil - decretaram medidas que determinaram o fechamento de escolas,
universidades, shoppings, escritórios, comércios em geral, entre outros. Estas
medidas resultaram em um impacto profundo na economia global, o que
aumenta o surgimento do estresse nas pessoas, além do próprio sentimento de
perda do direito de ir e vir (PEREIRA ET AL, 2020, p. 15/16).

Dessa forma, os autores observam a existência de diversos fatores a


contribuir para manifestações ansiosas e depressivas em pessoas isoladas
socialmente, ambas podendo ser destacadas como uma reação ao estresse. O
sentimento de incerteza causado pela impossibilidade de o indivíduo saber em
quanto tempo precisamente a crise será solucionada, bem como os limites
impostos pelas medidas preventivas de isolamento social, geram uma constante
falta de controle. Há ainda, a nível individual, chance de alterações drásticas nos
planos futuros, além da separação brusca do ambiente social ou familiar. Ainda,
as chamadas fake news e as inúmeras notícias negativas exibidas pela mídia
sobre a COVID-19 podem gerar nas pessoas um constante estado de alerta,
causado pelo medo de se contaminar e de morrer (PEREIRA ET AL, 2020, p.
16/17).

3 Saúde Mental e Violência contra a mulher

Os transtornos mentais constituem uma das principais causas da baixa


qualidade de vida, prejuízo no desenvolvimento cognitivo e físico, perda de renda
e capacidade produtiva, dificuldade de participação social, entre outras
decorrências (RAZZOUK, 2016). Quando há prejuízo na saúde mental de um
indivíduo, todo seu potencial de desenvolvimento pessoal e de contribuição para
a sociedade também fica prejudicado pela perda de capital mental. Existe,
portanto, um “valor intrínseco” à saúde mental intimamente relacionado a
benefícios pessoais, sociais e econômicos (RAZZOUK, 2016a).

232
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), uma em cada


quatro pessoas desenvolverá algum tipo de transtorno mental ao longo da vida
(OMS, 2001), podendo ser estes transtornos de diversas ordens, entretanto os
transtornos mentais comuns, como a depressão e ansiedade, são os mais
frequentes na população, em especial nas mulheres (WHO, 2017).

Atualmente, o número de pessoas com transtornos mentais comuns,


sendo os principais a depressão e os transtornos de ansiedade, está
aumentando particularmente entre os países em desenvolvimento em que a
renda é baixa.

Estes dados evidenciam que os transtornos de humor, em especial a


depressão, têm forte impacto sobre o peso global das doenças, especialmente
por se tratar de uma patologia altamente incapacitante nos âmbitos pessoal,
social e para os serviços de saúde (WHO, 2014).

Quando analisado o contexto da mulher em situação de violência, pode-


se compreender que esta vivencia episódios recorrentes de insegurança, medo,
tristeza, sensação de abandono, solidão, desesperança, e estes sentimentos por
um longo tempo ou de maneira intensa podem vir a desencadear transtornos
psiquiátricos (BARRETO; DIMENSTEIN; FERREIRA, 2014).

Estudos que tinham por objetivo evidenciar a associação entre violência


e o desenvolvimento de transtornos mentais, demonstraram que mulheres com
parceiros violentos possuem três vezes mais chance de apresentar sintomas de
depressão (SCHRAIBER; BARROS; CASTILHO, 2010). Além da depressão,
sintomas como ansiedade também se tornaram comuns (DILON et al., 2013).

Conforme mencionado, muitos são os fatores que podem predispor as


mulheres ao desenvolvimento de transtornos mentais, assim como interferir no
seu bem-estar (SENICATO; BARROS, 2012; COELHO et al, 2009). Sabe-se que
as doenças psiquiátricas são responsáveis por muito sofrimento, no entanto, as
causas da mortalidade por doenças mentais ainda não foram desvendadas por
sua multifatoriedade (OMS, 2003).

233
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

A Organização Mundial da Saúde (2001) destaca o desafio para se


definir saúde mental, sendo ainda mais complexo categorizar o que a determina.
Porém, a saúde mental não está somente para o não desenvolvimento de
transtornos psíquicos. Ainda assim, são elencados fatores econômicos e sociais
determinantes da saúde mental, como o vínculo empregatício, escolaridade,
situação de pobreza, habitação e urbanização.

Cada um desses determinantes citados acima se relaciona com a


desigualdade das classes sociais, porém o desenvolvimento de transtornos
mentais também possui predominância no gênero feminino, visto as
características biológicas próprias das mulheres e as diferentes maneiras de
lidar com os fatores econômicos, sociais e ambientais (WHO, 2014).

Tendo em vista a maior predisposição das mulheres em desenvolver


transtornos mentais comuns, em decorrência das alterações no sistema
endócrino que ocorrem no período pré-menstrual, pós-parto e menopausa; as
pequenas diferenças no cérebro, com algumas características mais comuns no
de mulheres do que no de homens; e as desigualdades de gênero, que têm
dentre as consequências desde a sobrecarga de trabalho doméstico às altas
taxas de violência (JOEL et al., 2015; ARAÚJO, 2005; KUMAR, 2013).

Segundo um estudo realizado no interior de São Paulo com mulheres


adultas em situações de vulnerabilidade e desenvolvimento de transtornos
mentais, constatou-se que a idade, cor da pele/raça, nível de escolaridade,
ocupação, renda familiar per capita, estado conjugal e número de filhos estavam
estatisticamente associados a esses transtornos. Ainda nesse estudo pode-se
constatar que as mulheres com até 8 anos de estudo apresentaram uma
prevalência de transtornos mentais comuns 2,67 mais elevada do que aquelas
com 13 anos de estudo ou mais (SENICATO; AZEVEDO; BARROS, 2018). No
que se refere à violência, os autores observaram que mulheres que sofreram
algum tipo de violência no último ano que antecedeu a entrevista apresentaram
2,28 mais transtornos mentais comuns comparadas àquelas que não relataram
ter sofrido.

234
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a violência é a


principal causa associada à depressão em mulheres (WHO, 2000). Em uma
pesquisa multicêntrica realizada em 10 países, incluindo o Brasil, verificou-se a
associação que há entre a violência e transtorno mental comum, sendo este
aspecto avaliado pelo SRQ-20, além da associação entre violência e
pensamentos suicidas e tentativas de suicídios (ELISBERG et al., 2008).

4 Violência contra a mulher no Brasil e a Lei Maria da Penha

No Brasil, o tema da violência contra a mulher só ingressou na agenda


política a partir do final dos anos de 1980, período de redemocratização, quando
os primeiros serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência advieram.
Conforme Campos, Tchalekian e Paiva (2020, p. 1), a violência contra a mulher
passou a ser considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como um
grave problema de saúde pública e violação de direitos humanos em 2002. Essa
classificação apoiou a promulgação da Lei Maria da Penha, a criação dos
Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e o aprimoramento
de atendimentos multidisciplinares no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

No ano de 2006, no Brasil, foi sancionada a principal lei que visa o


combate da violência contra a mulher, porém isso só foi possível a partir da
denúncia da brasileira Maria da Penha na Organização dos Estados Americanos
(OEA), vítima constante das violências proferidas pelo seu marido.

Como consequência, houve recomendação expressa para que o Brasil


implementasse uma legislação específica sobre o tema da violência doméstica.
Assim foi sancionada em 7 de agosto de 2006 a Lei nº 11.340/06, intitulada “Lei
Maria da Penha” (BRASIL, 2006).

A Lei Maria da Penha é tida como uma das três melhores legislações do
mundo sobre o tema da violência doméstica e trata de forma pormenorizada
sobre os tipos de violência, os lugares em que estas se dão, bem como as
medidas a serem utilizadas para coibir tais atos agressores.

235
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Pela legislação, é configurada a violência doméstica e familiar contra a


mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte,
lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial
(BRASIL, 2006).

A Lei 11.340/06 (BRASIL, 2006) elenca 5 (cinco) tipos de violência


contra a mulher. São elas: violência física, violência psicológica, violência sexual,
violência patrimonial, violência moral; sendo que a violência se dá, conforme o
art. 5º:, no âmbito da unidade doméstica, no âmbito familiar e em qualquer
relação íntima de afeto.

Para Campos, Tchalekian e Paiva (2020, p.1), “o detalhamento das


modalidades de violência definidas na lei ampliou a compreensão sobre suas
expressões e situações que, como as diferentes formas de humilhação, não
eram definidas como violência”. Desse modo, ampliou-se a compreensão a
respeito da construção cultural e histórica das relações desiguais de poder entre
homens e mulheres.

A mulher em situação de violência doméstica encontra-se em estado de


vulnerabilidade, e atentando-se a isso a Lei Maria da Penha trouxe uma série de
medidas que buscam auxiliar a vítima e preservar sua integridade física e
psíquica.

A Lei 11.340/06 (BRASIL, 2006) elenca como “Direitos e Providências


para as Mulheres em Situação de Violência Doméstica” as chamadas Medidas
Protetivas de Urgência. Estas medidas de proteção visam à interrupção imediata
da agressão. Sendo assim, o juiz pode determinar o afastamento do lar,
proibição de aproximação da mulher, de seus familiares e das testemunhas;
restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores; prestação de
alimentos provisionais ou provisórios.

Além disso, poderá ainda o juiz solicitar a inclusão da mulher em


programas assistenciais do governo; manutenção do vínculo trabalhista por até
6 meses; assistência prestada de forma articulada entre a União, Distrito Federal,
Estados e Municípios para aplicação da Lei Orgânica de Assistência Social,

236
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Sistema Único de Saúde, Sistema Único de Segurança Pública, entre outras


normas e políticas públicas de proteção.

Emergencialmente, se for o caso, a mulher tem direito a matricular o filho


na escola mais próxima do seu domicílio. Em caráter prioritário, podem ser
determinadas ações conjuntas do Poder Judiciário, Ministério Público e
Defensoria Pública; Direito à Assistência Judiciária; e Direito a serem atendidas
por corpo policial especializado nas Delegacias das Mulheres.

O Juiz poderá, ainda, encaminhar a mulher e seus dependentes a


programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento; determinar a
recondução da mulher e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após
afastamento do agressor; determinar o afastamento da mulher do lar, sem
prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos.

Em 2019, a Lei 13.827/19 (BRASIL, 2019) acrescentou o artigo 12-C à


Lei Maria da Penha, o que representou um avanço legislativo e uma
desburocratização do procedimento, permitindo que o agressor pudesse ser
afastado do lar pela própria autoridade policial. Senão vejamos:

Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à


integridade física da mulher em situação de violência doméstica e
familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente
afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:

I - pela autoridade judicial;

II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de


comarca; ou

III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não
houver delegado disponível no momento da denúncia.

5 Violência contra a mulher em meio à pandemia da Covid-19

Os autores Marques et. al. (2020, p. 1), ao resgatarem o modelo


proposto pela OMS para sintetizar as dimensões individuais, relacionais,
comunitárias e sociais atuantes na ocorrência das violências, perceberam que a
crise sanitária, social e econômica trazida pela pandemia da COVID-19, bem
como suas necessárias medidas de proteção e enfrentamento são possíveis de

237
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

aumentar o risco de violência contra a mulher. Para muitas mulheres, tais


medidas majoram os trabalhos domésticos e os cuidados com crianças, idosos
e familiares doentes. Além disso, “restrições de movimento, limitações
financeiras e insegurança generalizada também encorajam os abusadores,
dando-lhes poder e controle adicionais”.

Na dimensão comunitária, a pandemia reduz ou interrompe o acesso aos


serviços públicos e instituições que compõem a rede social dos indivíduos,
prejudicando a busca por ajuda, proteção e alternativas, bem como desloca as
prioridades dos serviços de saúde para as ações voltadas à assistência aos
pacientes com casos suspeitos de COVID-19. Todos esses fatores contribuem
para patrocinar a manutenção e o agravamento dos casos de violência já
instalados (MARQUES ET. AL., 2020, p. 1).

Como bem assevera Marques et. al. (2020, p. 1), no âmbito relacional
pesa o maior tempo de convivência com o agressor. Além disso, na dimensão
social, reduzindo o contato da vítima com familiares e amigos, são reduzidas as
possibilidades de a mulher criar ou fortalecer uma rede social de apoio para
buscar ajuda e sair da situação de violência. A convivência ao longo do dia todo,
especialmente entre famílias de baixa renda vivendo em domicílios de poucos
cômodos e grande aglomeração, reduz a possibilidade de denunciar com
segurança o agressor, o que acaba desencorajando a mulher.

Já na dimensão individual, podem agravar a violência: o aumento do


nível de estresse do agressor causado pelo medo de adoecer, “a incerteza sobre
o futuro, a impossibilidade de convívio social, a iminência de redução de renda,
além do consumo de bebidas alcoólicas ou outras substâncias psicoativas”. A
sobrecarga da mulher com o trabalho doméstico e o cuidado com filhos, idosos
e doentes também pode reduzir sua capacidade de evitar conflito com o agressor,
além de torná-la mais vulnerável à violência psicológica. O medo da violência
também atingir seus filhos é mais um fator paralisante que dificulta. Por fim, a
dependência financeira em função da estagnação econômica causada durante
a pandemia é outro aspecto que dificulta o rompimento da situação (MARQUES
ET. AL., 2020, p. 1).

238
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Corroborando o pensamento dos autores acima citados, Campos,


Tchalekian e Paiva (2020, p.1) mencionam dados colhidos no Fórum Brasileiro
de Segurança Pública, uma vez que, comparados com 2019, em 2020 os casos
de feminicídio cresceram 22,2% entre março e abril e aumentaram 37,6% as
ligações para o 190 para situações de violência doméstica em abril (período em
que todo o país já adotava medidas de isolamento social). Por outro lado,
reduziram 28,2% dos registros de estupro e de estupro de vulnerável, o que,
para os autores, trata-se de um dado preocupante, já que pode indicar que as
vítimas não estão conseguindo denunciar a violência.

6 Considerações Finais

Por meio de estudos de revisão bibliográfica foi possível constatar que a


violência contra a mulher observada no ano de 2020 não é consequência direta
da pandemia de COVID-19 em curso, apesar de ser evidente a intensificação de
uma violência historicamente estruturada, expressão de um sistema de poder
patriarcal que ganha novas facetas neste contexto.

Com as incertezas e mudanças de planos causadas pela pandemia, e


com a diminuição ou perda de alguns direitos (trabalho, lazer, saúde, direito de
ir e vir etc.), são criados ou agravados transtornos mentais comuns, tais como
ansiedade e depressão, além do próprio estresse. E isso vale tanto para os
homens, que já tendem a “resolver” os seus problemas pautados na
agressividade e então podem se tornar ainda mais violentos, quanto para as
mulheres, o que as deixa mais emocionalmente vulneráveis.

O resultado dessa soma não poderia ser mais preocupante, o que


demanda a tomada de medidas pontuais a fim de reduzir os alarmantes dados
estatísticos de violência contra a mulher.

Sugerem-se algumas medidas: 1 - garantir o atendimento 24 horas do


Ligue 180, Disque 100 (violação aos direitos humanos) e 190 (Polícia Civil), e a
manutenção do trabalho dos Conselhos Tutelares por plantão presencial ou
remoto para denúncias de violação de direitos; 2 - garantir a agilidade do

239
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

julgamento das denúncias de violência contra a mulher, visando à instalação das


medidas protetivas de urgência que se fizerem necessárias; 3 - reforçar as
campanhas publicitárias que tenham como foco central a importância de que
terceiras pessoas que tomarem conhecimento de uma situação de violência de
gênero denunciem; 4 - incentivar as iniciativas de apoio às mulheres em situação
de violência, baseando-se no acolhimento e aconselhamento psicológico,
socioassistencial, jurídico e de saúde; 5 - criar novas casas de abrigos e/ou
ampliar vagas nas já existentes; 6 - ampliar o atendimento de agravos na saúde
mental e uso abusivo de álcool e outras substâncias; 7 - ampliar apoio para
cestas básicas e outros insumos básicos para a sobrevivência; e 8 - criar
protocolos éticos de sigilo no atendimento remoto pelos profissionais.

Assim, com a ajuda de toda a sociedade, será possível reduzir o


agravamento dos casos de violência de gênero durante a pandemia e no período
pós-pandêmico, auxiliando as mulheres cujos parceiros são agressores a terem
um problema a menos para se preocupar.

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242
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

INTERFACES DA VIOLÊNCIA E
DIREITOS HUMANOS NA ÁREA
PSIQUIÁTRICA: USUÁRIOS, FAMÍLIA E
PROFISSIONAIS DE SAÚDE
Felicialle Pereira da Silva

Raphael Alves da Silva

Emanuele Seicenti de Brito

RESUMO

Introdução: a violência de um modo geral é um indicador negativo de qualidade de vida, sendo


complexa e multicausal. Os direitos humanos são garantias fundamentais para vida, dignidade,
segurança, honra e liberdade, as quais todos os indivíduos adquirem com o seu nascimento.
Objetivo: refletir sobre a violência psiquiátrica, família, profissionais de saúde e violação dos
direitos humanos. Método: ensaio teórico reflexivo baseado na literatura sobre a temática da
violência e sua interface na área psiquiátrica. Resultados e Discussão: o tema da violência na
área psiquiátrica possui várias interfaces, considerando-se que apresenta em sua historicidade
um longo processo de violações de direitos humanos por tratamentos cruéis e degradantes,
isolamentos e exclusões. A violência por exclusão sempre fez parte das trajetórias envolvendo
sofrimento psíquico e família, e ainda se perpetua no imaginário social e na não efetivação de
políticas públicas. A doença mental afeta ou é afetada pela violência intrafamiliar. O desgaste e
a intolerância são muitas vezes responsáveis por violência e abusos, os quais na maioria das
vezes também são subnotificados. O ambiente de trabalho que envolve a assistência às pessoas
em sofrimento psíquico também demanda uma maior carga emocional, tendo em vista as
consequências de interações mediadas por sintomas, comportamentos, características
específicas do cuidado e das condições reais de trabalho. Conclusão: compreende-se que a
violência é um fenômeno multifacetado que circunda a prática dos profissionais de saúde, em
todas as especialidades. As equipes de saúde que atuam no âmbito da área psiquiátrica e de
saúde mental devem possuir empoderamento para prestar assistência especializada e suporte
aos quesitos de justiça no contexto da violência nos moldes da assistência integral.

Palavras-chave: Direitos Humanos, Saúde Mental, Violência

INTRODUÇÃO

A violência de um modo geral é um indicador negativo de qualidade de


vida, sendo complexa e multicausal. É considerada um grave problema de saúde
pública e, portanto, sua compreensão tem sido alvo de questionamentos para

243
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

combatê-la no sentido da produção de intervenções eficazes, que envolvam


todas as áreas da sociedade: saúde, segurança pública e direitos humanos
(MINAYO, 2006).

De acordo com Organização Mundial de Saúde (OMS), a violência é


conceituada pelo uso intencional da força ou poder, por meio de ameaça ou
agressão real, contra si mesmo, outra pessoa, ou contra um grupo ou
comunidade, que resulta ou tem grande probabilidade de resultar em ferimentos,
morte, prejuízos psicológicos, problemas de desenvolvimento ou privação.
Compreende-se, desta forma, que representa um problema de causas
multifatoriais, e que acompanha toda a história da humanidade (OMS, 2002).

Os direitos humanos são garantias fundamentais para vida, dignidade,


segurança, honra e liberdade, as quais todos os indivíduos adquirem com seu
nascimento. Portanto, são direitos universais e sem restrições, independente de
raça, credo e convicções políticas. Neste sentido, as violações ou a falta de
atenção aos direitos humanos não apenas contribuem e/ou exacerbam
problemas de saúde na população, como podem trazer outras sérias
consequências, tais como maior risco de exposição à violência (ONU, 1948).

As consequências da violência afetam a saúde física e mental das


pessoas, uma vez que podem provocar mortes, lesões, traumas físicos e
psicológicos, e não obstante, possuem o potencial de agravar os transtornos
mentais prévios, e/ou se apresentam como fatores predisponentes para o
desencadeamento de outros transtornos, como o estresse pós-traumático,
depressão e ansiedade. Portanto, trata-se de um fenômeno que demanda
compreensão e investimento para melhor diagnóstico, notificação e intervenção.
Devido a esta realidade, o enfrentamento da violência se apresenta como saber
necessário, que demanda uma atuação multiprofissional, transdisciplinar e
intersetorial (DINIZ, 2017).

Aos profissionais de saúde no contexto do compromisso com o cuidado


ao ser humano nas diversas áreas de atuação, cabe o desenvolvimento das
ações de promoção da saúde, bem como o reconhecimento de populações
vulneráveis no quesito da violência. Essa ação é necessária para sejam

244
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

potencializadas intervenções para garantia dos direitos humanos, viabilizando-


se oportunidades e vivências positivas para o acolhimento, intervenções e
elaboração de estratégias de prevenção à violência (LIRA, CASTRO, 2020;
ALBUQUERQUE, OLIVEIRA, DIAS, 2019).

Dentre os cenários e população vulnerável para violência, apresentamos


neste capítulo uma ênfase para reflexão na área psiquiátrica, considerando os
contextos que envolvem os pacientes, familiares e profissionais de saúde.

A violência no contexto das pessoas com transtornos mentais

O tema da violência na área psiquiátrica possui várias interfaces,


considerando-se que apresenta em sua historicidade um longo processo de
violações de direitos humanos por tratamentos cruéis e degradantes,
isolamentos e exclusões. De acordo com o artigo 5° da Declaração Universal
dos Direitos Humanos de 1948, “ninguém será submetido a tortura nem a penas
ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes” (ONU, 1948), entretanto,
durante muito tempo, esse tipo de conduta vitimou milhares de pessoas com
transtornos mentais, isolando-os da sociedade.

A história da Psiquiatria no Brasil e no mundo foi marcada por violações


de Direitos Humanos, legitimando o acesso aos direitos apenas aos sujeitos
considerados “normais”. No Brasil, os avanços obtidos por meio da Lei Federal
10216/2001 redirecionou o cuidado na área de saúde mental/psiquiátrica,
concedendo à loucura o papel social de cidadania e direitos inscritos por meio
de políticas públicas, garantindo o melhor tratamento, consentâneo às
necessidades das pessoas com transtornos mentais. (FACCHINETTI,
VENÂNCIO, 2018; BRASIL, 2001).

A lei 10.216/01 estabelece as formas de internamento no Brasil, que deve


ser indicada apenas quando os recursos extra hospitalares se apresentarem
insuficientes. Além disso, o internamento é um recurso de saúde, e não de
segurança pública. Assim, quando ocorrer de forma involuntária, deve ler laudo
médico que justifique os motivos e ser comunicado ao Ministério Público. A

245
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

periculosidade não deve ser o fundamento da internação, dessa forma, segundo


a lei, os manicômios judiciários deveriam ser questionados pelas características
asilares e segregadoras (BRASIL, 2011).

A Constituição Federal, no artigo 196 diz que: “A saúde é direito de todos


e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas visando o
acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para a sua promoção,
proteção e recuperação” (BRASIL, 2012). A atual Política de Saúde Mental no
Brasil, orientada pelos princípios do Movimento da Reforma Psiquiátrica,
mantém a proposta da substituição progressiva de um modelo centrado na
assistência hospitalar, por uma rede de cuidados centrada no usuário e no seu
território (BRASIL, 2011).

Entretanto, apesar dos avanços conquistados pelo advento da Reforma


Psiquiátrica, ainda se verifica a existência de preconceitos em torno da doença
mental que podem comprometer a proteção dessas pessoas, no sentido de
resguardar o direito ao tratamento digno e comprometido para o interesse do
indivíduo. No que concerne à violência, ao mesmo tempo em que se considera
a população com transtornos mentais em risco, também são consideradas “de
risco” pela sociedade, o que gera o sofrimento de ordem social. Nesse contexto,
entretanto, apesar das evidências da inadequação do modelo manicomial,
verifica-se ainda a necessidade de encontrar caminhos para a superação desse
modelo, uma vez que, neste âmbito, a violência historicamente se destacou
contribuindo com a produção do sofrimento psíquico (TOSTES et al., 2018).

Além disso, podem ser citados outros aspectos que se destacam


desfavoravelmente nesses cenários, tais como aqueles originados pelas
barreiras de acesso ao tratamento, falta de suporte financeiro para custear o
tratamento, despreparo das equipes de atendimento, dentre outras condições.
Nos anos que sucederam o processo de desinstitucionalização, as melhores
ofertas de cuidado às pessoas em sofrimento psíquico passaram por debates
polêmicos para o reconhecimento da autonomia e o lugar social destas
pessoas (CARVALHO, DELGADO, 2016).

246
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

Nessa linha de pensamento, a violência por exclusão sempre fez parte


das trajetórias envolvendo sofrimento psíquico e família, e ainda se perpetua no
imaginário social e na não efetivação de políticas públicas. Instituições de
cuidado, comunidade, família e profissionais de saúde são essenciais ao
tratamento do sofrimento psíquico, entretanto, também podem ser autores de
violência, que não raramente são subnotificadas (PAULA et al., 2017).

O transtorno mental, por sua vez, produz sintomatologias que são


comumente agravadas pela descontinuidade do tratamento, pela falta de suporte
adequado, negação, burocratização, falta de acesso e negligência. Tais fatores
constituem importante fator de risco para desorganização psíquica e para o
desencadeamento de situações de hetero agressividades e/ou violência auto
infligida, que inclui as ideações suicidas e auto mutilações. As relações
interpessoais entre o paciente e família, por sua vez, podem se tornar
desgastantes e ambivalentes, produzindo maior estresse e conflitos no ambiente
familiar (RAMOS, CALAIS, ZOTESSO, 2019).

Há geralmente outros impasses na sociedade pela dificuldade em


conviver com o diferente, gerando o isolamento e a falta de oportunidades que
dificultam o desenvolvimento das potencialidades da pessoa com transtorno
mental que, na mesma medida, geram outros moldes de violência, que se
evidenciam pelo preconceito, abandono e privação de cuidados. Neste contexto
de sofrimento, também estão incluídas as pessoas que fazem uso abusivo de
substâncias psicoativas e as pessoas com comorbidades psiquiátricas (PAULA
et al., 2017; RAMOS, CALAIS, ZOTESSO, 2019).

Além disso, existe uma relação que envolve a desinstitucionalização com


a presença de pessoas com problemas mentais vivendo nas ruas. Estima-se que
com a desinstitucionalização relacionada à reforma psiquiátrica, muitos dos
pacientes que viviam internos em hospitais psiquiátricos encontram-se nas ruas
sem tratamento, pela não compensação de serviços extra hospitalares para a
demanda necessária, o que se configura como grave violação aos direitos
humanos. Acredita-se que a falta de suporte adequado para este público

247
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

aumenta a vulnerabilidade às práticas de delito e criminalização (VENTURINI,


2019).

As desigualdades sociais geram violência pela violação dos direitos


humanos, invisibilidade social, negação das necessidades básicas como higiene,
alimentação, abrigo, entre tantos outros, que expõem pessoas ao risco de
adoecer e morrer, e à exposição a vários tipos de violência (PAULA et al., 2017;
DINIZ, 2017). Este cenário se interliga diretamente com a violência estrutural,
que diz respeito às desigualdades sociais, fazendo com que pessoas em
situação de rua sejam passadas para a outra margem da sociedade, como
indivíduos sobrantes, sem utilidade social. Estas formas de viver os tornam alvos
de outras violências, apesar de que muitos são rotulados como violentos (PAULA
et al., 2017).

Neste sentido, esse fato também pode contribuir para o aumento da


população carcerária e a consequente superlotação, que por sua vez, contribui
para o aumento da violência nos ambientes de encarceramento, e desta forma,
pode afetar tanto os internos, como os funcionários dessas instituições
(VENANCIO, SOARES, VIEIRA, 2018). Pessoas em crise psiquiátrica podem
apresentar comportamento ofensivo aos padrões convencionais aceitos pela
sociedade, podendo mais facilmente serem abordados por policiais iniciando
hospitalização de emergência.

A pessoa em sofrimento psíquico pode apresentar características na crise


que pode ser alvo de abusos e violações de direitos, pois nessa fragilidade, não
possui a capacidade mental e civil para se auto afirmar e se defender. Também
lhe pode faltar coerência e clareza nas palavras, a lucidez, a lógica e até a
linguagem. As sequelas causadas por uma crise podem chegar a tais gravidades
nas quais o ser humano pode perder as habilidades habituais e vir a ter
comprometimento de sua qualidade de vida (BATISTA, 2020).

Vale destacar que o sofrimento psíquico não tem repercussões apenas


pontuais, sendo preciso reconhecer a relevância do acompanhamento
interdisciplinar baseado na singularidade de cada caso. A discussão sobre
tratamento e práticas coercitivas de cuidado deve envolver a compreensão de

248
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

que a existência de uma doença mental não deve justificar uma privação,
salvaguardando as situações com o propósito de proteger o indivíduo e terceiros
de danos graves, que devem ser o último recurso. Apesar disso, existem
medidas que se contrapõem no mercado assistencial, priorizando o hospital
psiquiátrico para lidar com o sofrimento psíquico (VENANCIO, SOARES, VIEIRA,
2018).

Suporte familiar no contexto da violência psiquiátrica

A doença mental afeta ou é afetada pela violência intrafamiliar. O


desgaste e a intolerância são muitas vezes responsáveis por violência e abusos,
os quais, na maioria das vezes, também são subnotificados. A violência
geralmente é culturalmente compreendida, dificultando sua investigação,
especialmente dentro das famílias. As sequelas de violência, por sua vez,
aumentam o nível de ansiedade das pessoas com transtornos psiquiátricos, e
não raramente desencadeiam situações de crise, ou o agravamento seu
agravamento (SANTOS, 2020).

As patologias psiquiátricas também possuem expressões carregadas de


subjetividades, em que diagnósticos iguais se apresentam de formas diferentes
nos indivíduos, a depender do grau de suporte, cultura, da educação e qualidade
de vida que estes recebem. Teorias de crise explicam que os sintomas podem
ser agravados por estímulos e mudanças na vida de uma pessoa, podendo
desencadear ou agravar o sofrimento psíquico existente. A psicose, por exemplo,
constitui característica de algumas doenças mentais ou representa o
agravamento de alguns transtornos que se apresentam com a perda do juízo da
realidade (MARTINS et al., 2016; ASSIS, OLIVEIRA, CASTRO, 2019).

Neste contexto de crise, a pessoa vivencia um contato deficiente com a


realidade, podendo induzir ao comportamento agressivo para outras pessoas,
ou mesmo dirigido para si próprio. O cenário também favorece aos acidentes
domiciliares, como àqueles relacionados aos derivados por envenenamentos,
quedas por sonolência, ou pelos efeitos colaterais de psicotrópicos, além da
privação de cuidados.

249
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

O comportamento agressivo muitas vezes gera hostilidades no cotidiano


familiar no que diz respeito à vida social, ao lazer, à relação afetiva entre os
membros da família, à rotina doméstica e às finanças, podendo ocorrer quando
há presença de familiar com transtorno mental (MELLO, 1997; SILVA;
SADIGURSKY, 2008). Outros aspectos, como os sentimentos de aflição, medo,
receio e desconfiança que a família sente ao se deparar com inúmeras barreiras
para o enfrentamento dos problemas interferem na assistência adequada ao
ente familiar (MACHADO, 2011).

Por fim, é importante destacar que as mudanças no modelo de atenção à


saúde mental, de uma lógica manicomial para comunitária têm apresentado
repercussões para os familiares envolvidos no cuidado, devido à sobrecarga
evidenciada no contexto do cuidado de pessoas com transtornos mentais. O
atual modelo de atenção à saúde mental reforça os direitos de cidadania e de
receber o melhor cuidado para si próprio, ou um familiar, devendo este ser
reconhecido como principal provedor. Torna-se essencial acolher, capacitar e
dar suporte ao cuidador familiar para o benefício do cuidado e para saúde mental
de toda família.

Violência psiquiátrica no contexto do profissional de saúde

O ambiente de trabalho que envolve a assistência às pessoas em


sofrimento psíquico também demanda uma maior carga emocional, tendo em
vista as consequências de interações mediadas por sintomas, comportamentos,
características específicas do cuidado e das condições reais de trabalho. No que
diz respeito ao trabalho no ambiente psiquiátrico, a equipe de profissionais pode
se envolver em situações de violência pela necessidade de intervir diante do
sofrimento psíquico dos pacientes e seus familiares. Além disso, a insuficiência
de condições adequadas de trabalho é uma realidade que demanda esforços
físicos e psíquicos que afetam a saúde do trabalhador (MONTEIRO, PASSOS,
2019).

No que diz respeito ao trabalho na dimensão institucional, cabe salientar


que a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), instituída pela Portaria 3.088/2011,
apresenta diversos componentes estratégicos e pontos de atenção que devem

250
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

estar preparados para acolher a pessoa com transtorno mental dentro do seu
território de abrangência. Estudo realizado sobre a violência no cenário
psiquiátrico apontou que a violência psicológica foi um fator presente quando a
equipe é agredida pelo paciente durante os cuidados (BRASIL, 2011).

Nestas situações, a ação é vista como ameaça à integridade e segurança


dos profissionais. Este estudo também faz referência à violência perpetrada pelo
familiar, que pode projetar na equipe o próprio desgaste e agir com hostilidade
(BRASIL, 2011; MONTEIRO, PASSOS, 2019). Após a identificação dos
problemas de saúde, os profissionais de saúde devem estar aptos para
desenvolver o planejamento das intervenções, durante e após a violência.

A ênfase na prevenção deve ser priorizada por meio da atenção


qualificada, fazendo a ponte entre os usuários, família, comunidade e
profissionais de saúde. Na prevenção da violência, o profissional de saúde deve
apreender e buscar informações que possam contribuir para o planejamento de
formas de intervenção. Assim, sua atuação pode se dar por meio de orientações
individuais, por programas educacionais, pelo compartilhamento e
conscientização à população sobre a natureza dos transtornos mentais, dos
tipos de emergências psiquiátricas e o suporte necessário para onde e quando
devem ser acessados (MACHADO, ARAÚJO, FIGUEIREDO, 2019).

É importante ressaltar que nem sempre as situações de violência e


crimes envolvendo a área psiquiátrica são identificadas como tais, uma vez que
muitos destes indivíduos podem nunca ter tido uma avaliação psiquiátrica
pregressa. Portanto, é necessário o investimento em uma equipe multi e
interdisciplinar para atuar na atenção básica, nas equipes de matriciamento, bem
como na capacitação dos componentes da RAPS, que, por sua vez, devem estar
aptos para acolher e intervir em parceria com a justiça, de acordo com as
singularidades de cada caso, para que os serviços sejam efetivamente
acionados (BARRETTO, FIGUEIREDO, 2019; BRASIL, 2011).

Inseridos em cada área de atuação, os profissionais de saúde devem


estar capacitados para identificar as situações de violência, agressões e maus

251
Pandemia, Direitos Humanos e Vulnerabilidade Social

tratos, além de avaliar, cuidar e prestar assistência especializada às vítimas,


agressores e familiares nos diversos tipos de violência.

Considerações Finais

Compreende-se que a violência na área psiquiátrica é um fenômeno


multifacetado que envolve os usuários, familiares e profissionais de saúde. A
violência é um agravo de saúde pública, e, portanto, deve ser de
responsabilidade intersetorial, evidenciando-se a necessidade de investimentos
em recursos humanos e materiais para atuar na prevenção e intervenção. As
equipes de saúde que atuam no âmbito da área psiquiátrica e de saúde mental
devem possuir empoderamento para prestar assistência especializada e suporte
aos quesitos de justiça no contexto da violência nos moldes da assistência
integral.

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