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Título: A chegada das lágrimas

Subtítulo: Os porquês da idade adulta


Autor: Jaime Kemp

Normalmente, entre 5 e 7 anos as crianças passam por uma fase em que


quase enlouquecem os adultos que as rodeiam, principalmente, aos pais. Elas
perguntam sobre tudo. São verdadeiros cientistas procurando respostas. E
muitas vezes nós, os adultos, acabamos sufocando essas mentes curiosas e
argutas, que estão descobrindo a vida e clamam por maiores explicações.
Esse é um paralelo de como nos sentimos quando somos surpreendidos
por situações inesperadas. Podemos até não crivar a Deus de perguntas, mas
nossos corações e mentes assumem a forma de um enorme ponto de
interrogação: Por que eu, Senhor?
Dennis Kizziar, um grande amigo, contou-me certa vez a história de um
canário que se chamava “Por que eu?”. A avezinha tinha donos muito ricos.
Certo dia, quando a empregada limpava o fundo de sua gaiola com o aspirador
de pó, ela tropeçou e com o tranco a mangueira saiu do lugar e acabou
sugando o pobrezinho para dentro do tambor do aparelho.
Imediatamente, prevendo a bronca que levaria se alguma coisa
acontecesse a “Por que eu?”, ela desligou o aparelho, abriu a tampa e lá
estava ele... Completamente marrom e coberto pela poeira, ofegante e
debatendo-se à procura de ar.
Apavorada, a senhora tirou-o dali, levou-o até a torneira mais próxima e
lhe deu um bom banho de água fria para limpar a sujeira. Em seguida, pegou
o secador de cabelo de sua patroa e, no ar bem quente, foi secando o
aterrorizado canário que mal podia respirar diante da fúria turbinada daquele
vendaval.
Sempre dou risada ao imaginar o pobre bichinho! Porém, quando paro e
penso no que está por trás daquela ilustração, percebo que muitas vezes na
vida eu me senti no lugar daquele canário que, sem mais nem menos foi
sugado, ficou sem ar e empoeirado, recebeu o impacto de ser agarrado e
inesperadamente colocado sob um jato de água gelada para, em seguida,
sofrer o choque térmico do ar super aquecido de um secador!

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Foram muitas vezes em que, se não verbalizei, certamente pensei: por
que eu, Senhor?
Há uma frase de C. S. Lewis, o grande teólogo inglês, que fala muito
comigo: “Deus sussurra em nossos prazeres, mas grita em nossas dores”. E o
Senhor gritou comigo e com minha família, principalmente nos anos de 1997 e
98. Durante aquele período eu me apeguei ainda mais à Palavra de Deus, pois
não entendia o porquê dos sofrimentos e da dor que estávamos passando nos
âmbitos familiar e ministerial. Fui, literalmente, levado a pensar e a meditar
nos propósitos de Deus no sofrimento de seus filhos. Minha busca acabou
resultando em um livro chamado “Onde está Deus em meu sofrimento?”.
Neste artigo compartilho parte do que aprendi. Se vocês tiverem
oportunidade, leiam o livro.
Judith, minha esposa, e eu vivemos momentos dramáticos quando, por
muito pouco, não perdemos nossa filha Márcia, que adoeceu de repente.
Depois, nosso genro, marido de Melinda, nossa filha mais velha, teve sérios
problemas de saúde. Mais para frente, eu sofri um seqüestro relâmpago que
me traumatizou profundamente. Paralelo a isso tudo, Judith precisou fazer
uma delicada cirurgia que poderia afetar profundamente sua audição. Além
disso, meu sogro faleceu, e uma de minhas irmãs também. Além dessas, ainda
outras situações nos acometeram, mas acho que as citadas já são suficientes
para demonstrar as dores e perdas que atravessamos.
Algo que temos descoberto ao longo destes anos é que nenhum de nós
está imune a tristezas, provações e sofrimentos, apesar de haver uma
corrente cristã que pregue esse tipo de teologia (Evangelho da Prosperidade).
Seria muito bom se fosse assim! Os portadores dessa mensagem distorcida
pregam que é propósito do Senhor que estejamos sempre ricos, saudáveis,
felizes e que isso não é uma prerrogativa, mas um direito. Como será que eles
lidam com a parte do livro de Hebreus que mostra os heróis da fé e os
sofrimentos pelos quais passaram?
Há situações pelas quais atravessamos que são realmente frutos de
erros, de pecados, conseqüências inevitáveis da lei “quem semeia, colhe”.
Porém, há pessoas piedosas, que mantém a consciência limpa perante Deus,

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com ministérios abençoados, mas que estão sofrendo e muito, seja com
enfermidades súbitas, ou com algum outro problema pessoal ou de família.
Creio que nessas horas, o mais importante é irmos à Palavra e ao Pai,
não tanto para saber o Por quê de estarmos sendo afligidos, mas para
entender Para quê!
No auge de nossas provações derramei minha aflição, confusão e medo
no altar do Pai Celestial, dia após dia. Aos poucos, pela dura experiência
tenho aprendido de modo muito prático que o Senhor é o nosso refúgio e
socorro bem presente nas horas das mais profundas dúvidas, receios e
sofrimentos.
A passagem de 2 Coríntios 1.3-11 mostra um dos motivos de Deus
permitir o sofrimento.
“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de
misericórdias e Deus de toda consolação. É ele que nos conforta em toda a
nossa tribulação, para podermos consolar aos que estiverem em qualquer
angústia, com a consolação com que nós mesmos somos contemplados por
Deus. Porque, assim como os sofrimentos de Cristo se manifestam em grande
medida a nosso favor, assim também a nossa consolação transborda por
meio de Cristo. Mas, se somos atribulados é para o vosso conforto e salvação;
se somos confortados, é também para o vosso conforto, o qual se torna
eficaz, suportando com paciência os mesmos sofrimentos que nós também
padecemos. A nossa esperança a respeito de vós está firme, sabendo que,
como sois participantes dos sofrimentos, assim o sereis da consolação” (1
Coríntios 1.4-7).
A Palavra coloca de forma clara que Deus nos consola em nossas
tribulações. E, depois acrescenta que devemos também consolar aos que
sofrem, com a mesma consolação com que fomos contemplados. Quem é
consolado, consola. O Senhor nos supre, para suprirmos.
O ser humano, em geral, é egoísta, sempre mais preocupado com seu
próprio conforto do que com a carência de seu semelhante. A Palavra de
Deus, então nos declara que a tribulação produz perseverança. Para criar
caráter no coração de seus filhos, o Senhor permite que experimentem
dificuldades, dores, provações. Para que possamos receber o conforto que

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necessitamos, em primeiro lugar de Deus e depois das outras pessoas, é
preciso que sejamos confortados em nossas próprias dores. Quando
aprendemos a correr para os braços do Pai, aconchegando-nos a seu peito e
permitindo que Ele nos console, então conseguimos agir da mesma forma com
os outros.
Nesse trecho de 2 Coríntios capítulo 1, Paulo utiliza as palavras
consolação e conforto nove vezes. A palavra no grego “parakletos” está
intimamente relacionada ao ministério do Espírito Santo (João 14.16; 15.26;
16.7). O grande “Parakleo” é o Deus de toda consolação.
Em sua dor mais lancinante, o Senhor deseja segurá-lo e Paulo nos revela
que o propósito disso é: “... consolar aos que estiverem com qualquer
angústia, com a consolação que nós mesmos fomos contemplados por Deus (2
Coríntios 1.4b).
Não sei se houve algum outro momento em minha vida em que chorei
mais do que naquela fase turbulenta pela qual nossa família passou. No
entanto, o essencial foi descobrir os muitos “parakleos” que o Senhor
providenciou para cada um de nós. E, mais do que nunca, agora reconheço
que um dos propósitos do sofrimento é experimentar o conforto de Deus e
assim nos tornarmos aptos para ministrar graça aos que sofrem.

Jaime Kemp é doutor em ministério familiar e diretor da LC – Sociedade Religiosa Lar


Cristão. Foi missionário da SEPAL – Serviço de Evangelização para a América Latina -
por 31 anos e fundador de VPC – Missão Vencedores Por Cristo. É palestrante e autor
de 50 títulos. Casado com Judith Kemp é pai de 3 filhas e avô de 3 netos.

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