Você está na página 1de 4

Quando o melhor pode

a r ti go c on v i d a d o
ser o pior: como pensar
a biodiversidade na
restauração ecológica
Sergius Gandolfi
Ricardo Ribeiro Rodrigues DOI: 10.7724/caititu.2013.v1.n1.d02

When the best can be the worst: how to


think biodiversity in ecological restoration
Abstract: The results of controlled experiments of ecological restoration tend
to produce general rules recommended for the restoration of different kinds
of degraded conditions. Such rules are defined as “the best” protocols and
“the best” plant species for restoring degraded conditions in any situation.
However, as local conditions change from place to place, optimum protocols
can perform badly in the field. Moreover, following blindly such rules could Resumo: Os resultados de experimentos controlados
induce the use of few plant species in restoration. As these species can sobre restauração ecológica tendem a produzir
adapt to few conditions, they limit the success of such initiatives and fail to regras gerais recomendadas para restauração de
achieve the goal of ecological restoration, that is to develop, with time, a diferentes tipos de condições degradadas. Essas regras
self sustainable system with high biodiversity. We argue that: (a) restoration são definidas como os “melhores” protocolos e as
plans using higher numbers of plant species can deal better with unknown “melhores” espécies vegetais para restaurar qualquer
local conditions; and (b) the success of ecological restoration depends on situação degradada. Contudo, como as condições
the permanent monitoring of the system under restoration and on the locais variam entre diferentes áreas, protocolos
adoption of actions for its adaptive management in order to correct eventual ótimos podem ter desempenho ruim no campo. Além
unwanted trajectories that would not guarantee the effective restoration of disso, usar cegamente essas regras pode induzir
the area. ao uso de poucas espécies na restauração. Como

revista caititu, Salvador, n. 1, p. 17–20, set. 2013.


tais espécies se adaptam a poucas condições, elas
Key-words: ecological restoration protocol; restoration goals; restoration restringem o sucesso dessas iniciativas e deixam de
monitoring; adaptive management; tropical forest cumprir o objetivo da restauração ecológica, que é o de
desenvolver, no tempo, um sistema autossustentável
com alta biodiversidade. Argumentamos que: (a)
À medida que a criação de novas Unidades de Conservação vai planos de restauração que usem números maiores de
espécies vegetais podem lidar melhor com condições
se tornando difícil, sobretudo em paisagens onde há poucos locais desconhecidas; e (b) o sucesso da restauração
e pequenos remanescentes a serem preservados, e à medida ecológica depende do monitoramento permanente
que crescem as áreas degradadas por todo o país, aumenta do sistema em restauração e da adoção de ações de
manejo adaptativo, corrigindo as possíveis trajetórias
o interesse pela restauração ecológica de florestas tropicais. indesejadas que não garantiriam a efetiva restauração
Esse movimento de valorizar a restauração, apesar de ainda da área.
lento, tem sido contínuo e crescente, atraindo pesquisadores
Palavras-chave: protocolo de restauração ecológica;
e interessados em desenvolver projetos que visam preservar e objetivos da restauração; monitoramento da
restaurar a biodiversidade regional. restauração; manejo adaptativo; floresta tropical

17
No entanto, a bagagem conceitual protocolos padronizados e prontos de
que muitos pesquisadores e interessa- restauração.
dos trazem para o campo da restaura- Uma espécie ou combinações de
ção ecológica por vezes contrasta com o espécies, espaçamentos entre mudas,
próprio objetivo de se restaurar e manter métodos de combinação de espécies,
a biodiversidade. manejos de espécies e outros podem
Experimentos muitas vezes são fei- produzir resultados semelhantes, mas
tos a fim de se encontrar qual é a me- não idênticos, pois o solo, o clima, as ca-
lhor espécie para a restauração de uma racterísticas de degradação variam entre
determinada condição de degradação, sítios. A própria origem das sementes e
avaliando a sua germinação, seu cres- das mudas empregadas nas ações de
cimento, a sua sobrevivência num dado restauração pode resultar em respostas
conjunto de condições de solo, ou de distintas das esperadas. Dessa forma, o
intensidade de luz etc., a fim de se en- monitoramento permanente dessas áreas
contrar a espécie “milagrosa” para cada restauradas, apontando a necessidade de
tratamento analisado. manejos adaptativos, que se expressam
Experimentos de comparações entre na adoção de ações corretivas, são as
métodos de restauração, como plantio, ferramentas fundamentais para o suces-
semeadura, transplante etc., são feitos so das ações de restauração ecológica.
com o objetivo de se tentar descobrir qual Portanto, devem ser complementares da
é o melhor método para ser prescrito, de restauração e não apenas enfeites supér-
forma genérica, para todas as situações fluos de prescrições universais.
de degradação. A melhor espécie testada numa con-
Espaçamentos de plantio, formas de dição controlada pode ser uma boa
adubação, de irrigação etc. são testadas ferramenta para ajudar no início da res-
visando construir um protocolo geral de tauração, mas não é o objetivo final do
restauração, para ser aplicado em todas processo. Múltiplas espécies fornecem
as condições de degradação. múltiplas contribuições, na cobertura
Essa maneira de formular as questões da área, na melhoria do solo, na atração
científicas da restauração ecológica ter- de polinizadores, de dispersores etc. Até
mina, via de regra, na prescrição da me- porque se a solução da restauração fosse
lhor espécie, ou do melhor método, ou conseguir produzir essa simplificação e
do melhor manejo, na maioria das vezes solucionar apenas um único problema
restringindo muito a diversidade vegetal específico, certamente bastaria encontrar
usada ou manejada nas ações de restau- espécies exóticas tão ou mais eficientes
ração, e não a ampliando. que uma dada nativa. O pensamento na
Podem existir e até são comuns áreas restauração não é o da produtividade ou
degradadas similares, mas nunca áreas da redução de custos como um fim em si.
absolutamente idênticas, pois cada área A questão da restauração é a da criação
tem uma história própria de uso, de de- de um sistema biodiverso e sustentável.
gradação e de abandono e paisagens dis- Quando se testam dez espécies na-
tintas no seu entorno. Assim, cada área a tivas de ocorrência regional para delas
ser restaurada tem peculiaridades únicas escolher-se uma só, na verdade, estão se
e demanda soluções específicas e não descartando nove que poderiam ter con-

REVISTA CAITITU  Gandolfi & Rodrigues – Biodiversidade na restauração ecológica 18


tribuição tão ou mais importante do que tauração, até porque isso invariavelmen-
aquela espécie escolhida, simultanea- te resulta em enorme simplificação dos
mente ou em outro momento da restau- processos e no uso de baixa diversidade,
ração daquela área, ou em outra condição tornando a restauração muito vulnerável
ambiental não testada, mas existente às mudanças atuais ou futuras da área
na área. A opção pela biodiversidade, ao degradada. Mais do que uma seleção
contrário, é a opção pelas dez espécies e da melhor espécie, do melhor método
não apenas pela “melhor”, devendo-se ou do melhor manejo, temos que con-
então trabalhar para que possam ser con- seguir dispor de um grande “menu” de
sorciadas segundo diferentes densidades opções que poderão ser distintamente
e arranjos espaciais ou temporais orien- adotadas, manipuladas e consorciadas
tados por experimentos bem conduzidos. de acordo com as especificidades locais
No entanto, mesmo essas experimenta- da área degradada, buscando sempre a
ções serão sempre aproximações frente formação de comunidades e ecossiste-
à infinidade de diferentes situações de mas restaurados que sejam biodiversos
degradação, com distintos potencias e e que se autoperpetuem. Assim, cuidado:
restrições que aguardam solução. a opção cega pelo melhor pode ser, na
Dessa forma, concentrar os estudos restauração ecológica, a escolha do pior
nos processos ecológicos é muito mais para a biodiversidade e sustentabilidade
importante do que tentar identificar a da área em restauração.
espécie ou o método milagroso de res-

REVISTA CAITITU  Gandolfi & Rodrigues – Biodiversidade na restauração ecológica 19


Sobre os autores

Sergius Gandolfi é Professor DR nível 2 do Departamento


de Ciências Biológicas da Escola Superior de Agricultura
“Luiz de Queiroz”, da Universidade de São Paulo e um dos
coordenadores do Laboratório de Ecologia e Restauração
Florestal (LERF) dessa Universidade, com muitas publicações
em Ecologia e Restauração Florestal.
E-mail: sgandolf@usp.br

Ricardo Ribeiro Rodrigues é Professor DR nível 2 do


Departamento de Ciências Biológicas da Escola Superior
de Agricultura “Luiz de Queiroz”, da Universidade de São
Paulo e um dos coordenadores do Laboratório de Ecologia e
Restauração Florestal (LERF) dessa Universidade, com muitas
publicações em Ecologia e Restauração Florestal.
E-mail: rrresalq@usp.br

Acesse o site do Laboratório de Ecologia e Restauração Floresta

O que achou desse texto? Clique para opinar.

revista caititu, Salvador, n. 1, p. 17–20, set. 2013.


Citação
Gandolfi S, Rodrigues RR. 2013. Quando o melhor pode ser o pior: como pensar
a biodiversidade na restauração ecológica. Revista Caititu – aproximando teoria
ecológica e aplicação 1(1): 17-20 doi:10.7724/caititu.2013.v1.n1.d02

Arbitragem
Esse texto não foi submetido à avaliação por pares
Editor: Pedro Luís Bernardo da Rocha, Universidade Federal da Bahia, Brasil

Copyright
© 2013 Gandolfi, Rodrigues. Este é um texto de acesso livre distribuído sob os termos
da Licença Creative Commons, que permite uso, distribuição e reprodução sem fins
comerciais em qualquer mídia, contanto que os autores e fonte sejam creditados.

20

Você também pode gostar