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“Quando leio, numa revista de moda, que o acessório é primaveril, que este tailleur
(cuja fotografia me é apresentada) tem um ar jovem e descontraído, ou que neste ano o
que está na moda é o azul, não posso deixar de dar a essas frases uma estrutura semân-
tica: em todos os casos, sejam quais forem os meandros metafóricos do enunciado, trata-se de
me impor uma relação de equivalência entre um conceito (primaveril, juventude, moda
este ano) e uma forma (acessório, tailleur, azul), entre um significado e um significan-
te.” (Roland Barthes, “Neste ano o azul está na moda”)
Lançar uma linha de expressão brasileira, basicamente uma ‘linha café’ capaz de influenci-
ar a moda internacional, é uma tarefa árdua e custosa. De início, como divulgar essa brasi-
leiríssima linha café para torná-la conhecida na Europa, e depois do resto do mundo que, em
matéria de modas, tem olhos constantemente voltados para o velho continente?
De fato não haveria uma solução mais ousada e direta: apresentar uma coleção de linha café
na capital da moda. Reunir o mundo da alta-costura, a alta-sociedade, o cinema e a arte
parisiense numa grande festa, durante a qual seriam desfilados pelos nossos manequins os
modelos brasileiros. (O Cruzeiro, 10/09/1960, p. 136)
Tudo começou quando os diversos tons de verde do grão e das folhas do café, quando os tons
castanhos e marrons dos cafés torrados, as gamas do vermelho do seu fruto maduro e o azul
puro dos céus dos cafezais do Brasil, foram escolhidos como as cores da moda, pelos papas
da elegância feminina em Paris.
“O Super G da Air France levou a Paris quatro dos mais belos manequins brasileiros:
Sandra loura e esguia; Inge, intelectual e sorridente; a aristocrática Mariela e a linda
gaúcha Lucia. Começava a voar numa linda aventura ‘O Cruzeiro da moda’”. (O Cruzei-
ro, 24 de setembro de 1960)
“Temas bem brasileiros – e como tudo o é que brasileiro bastante novos e cheios de vida –
formaram um magnífico constate com a grade de ferro, as estátuas, as gôndolas e as paredes
de Veneza. Paula e Lucia vestem modelos que trazem em si a personalidade, as cores e as
formas daquilo que o Brasil tem de mais autêntico.” (O Cruzeiro, 14/09/1963)
A mistura da arquitetura das cidades históricas italianas (Veneza, Roma e Pisa, por
exemplo) com a “nova moda brasileira” aparece com frequência nesse editorial, tanto
nas legendas das fotos: “Ponte Vecchio e Moda nova” ou “Sobre as escadas projetadas
por Michelangelo, a Jovem Moda Brasileira”, como na composição fotográfica que apre-
senta as modelos sobre pedestais em no Fórum Romano ou entre as colunas da Torre de
Pisa. A utilização de tais recursos pode ser interpretada como uma forma de transferên-
cia de significados, ou seja, a fusão de um bem de consumo (ou das marcas Rhodia) a
uma representação do mundo culturalmente constituído – no caso, transformar o status
do produto têxtil nacional a partir de sua associação com a excelência dos diversos estilos
arquitetônicos das cidades italianas, e consequentemente seu status histórico e patrimoni-
al, nos moldes propostos por Grant MacCracken:
Outro recurso usado pelas campanhas aqui analisadas como forma de transferên-
cia de significado são as estampas criadas por artistas plásticos para algumas peças das
coleções. Além de explorar a questão da “raridade” e da excelência de tais peças em
razão de terem sido criadas por artistas, no período estudado, a maior parte dos temas
representados nas estampas faz menção direta ao Brasil, através de imagens figurativas
que representam de forma literal temas “brasileiros”, tais como o cangaço e a natureza
“Os estampados brasileiros caracterizam-se pelo forte acento local. Pelo fato de serem bem
brasileiros é que conseguem ter categoria internacional. Aqui o fruta-pão e o cangaceiro do
nordeste contrastam maravilhosamente com as escadarias de Piazza di Spagna em Roma.”
(O Cruzeiro, 14/09/1963)
Enquanto nos editoriais de moda o objetivo era frisar a categorial internacional dos
produtos brasileiros, nas reportagens que cobriam a passagem dos desfiles de moda das
coleções da Rhodia no exterior buscava-se frisar o sucesso de tais eventos nas diversas
cidades em que aconteciam, como, por exemplo, na reportagem Manchete exporta moda,
veiculada em 24 de agosto de 1963 na revista Manchete, na qual as fotos mostravam a
platéia lotada durante o desfile realizado no Líbano e cujos textos frisavam o destaque
dado à moda brasileira pela imprensa internacional:
“A coleção Brazilian Look foi exibida na Embaixada do Brasil, em Roma, uma semana
antes da abertura do festival da moda italiana, em Florença. A imprensa italiana compare-
ceu em peso e comentou de maneira unânime ‘A semana da moda começou com uma avant-
première brasileira de grande categoria e originalidade’. A mostra (...) teve grande impor-
tância, pois revelou à Europa o grau de amadurecimento e artístico de nossa indústria
têxtil”.
Considerações Finais
A observação dos números permite afirmar que tais campanhas foram eficientes e a
partir de meados da década de 1960 e até o início dos anos 1970 – quando a direção geral
da Rhodia diminui significativamente o investimento em campanhas publicitárias para a
área têxtil e encerra a produção periódica de desfiles, anúncios e editoriais de moda – a
empresa aparece no topo de todos os rankings das maiores empresas têxteis e químicas
nacionais.
O crescimento geral da empresa no período pode ser observado a partir da análise
dos rankings anuais “Quem é quem na economia brasileira” e “500 maiores sociedades
anônimas do Brasil”, cadernos especiais publicados respectivamente pelas revistas Visão
Notas
1
Em 1965, Rhodia e Rhodiaceta fundem-se e passam a ser denominadas Rhodia Indústrias Químicas e
Têxteis S.A.
2
Esse mercado é impulsionado também pela crescente urbanização do país – é apenas no final dos anos 1950
que a maior parte da população passa a se concentrar nos centros urbanos – e a consequente transformação
dos hábitos de consumo dessa população. A entrada das mulheres no mercado de trabalho, ao ampliar a
renda das famílias, também colabora para o crescimento do mercado de roupas prontas. Apesar do impulso
sofrido por esse mercado nos anos 1960, apenas na década de 1980 é que as roupas prontas superariam o
número de peças confeccionadas em casa em costureiras ou modistas.
3
Fundada em 1933, por Cícero Leuenroth, João Alfredo de Souza Ramos e Peri de Campos, a Standard
Propaganda – então uma das mais antigas e maiores agências de propaganda do Brasil – foi responsável
pela conta da Rhodia nos anos aqui enfocados (Propaganda, ano XV, no 188, Janeiro de 1972, pp.6-11).
4
Livio Rangan (1933-1984), italiano que chega ao Brasil em 1953. Inicialmente atua como professor de latim
do Colégio Dante Alighieri e repórter do jornal Fanfulla. Nesses tempos, começou a organizar grandes
espetáculos de ballet e passou a percorrer empresas em busca de patrocínio. Apresentou seus projetos à
Rhodia, ganhou a simpatia dos diretores da empresa e foi contratado para atuar como gerente de
publicidade, cargo que exerceu até 1970.
5
Até então, a maioria dos anúncios da empresa eram voltados para as indústrias e confecções, ou seja, o
Referências
Entrevista
Rodolfo Volk. São Paulo, 22 de novembro de 2002. (concedida à Maria Claudia Bonadio)
Revistas
Jóia, Bloch, Rio de Janeiro: 07/1964, no. 132.
Manchete, Bloch, Rio de Janeiro: 06/07; 13/07; 20/07; 27/07; 24/08 e 15/09 de 1963; 15/08 e 29/08 de 1964.
O Cruzeiro, Diários Associados, Rio de Janeiro: 10/09/1960, 31/08/1960, 15/09/1962, 29/101960.
O Dirigente Industria, Sociedade Editorial Visão, São Paulo: 10/1969
Propaganda, Referência, São Paulo: ano XV, no 188, 01/1972.
Visão, Sociedade Editorial Visão, São Paulo: 07/09/1967; 29/08/1970
Webgrafia
<www.modeaparis.com/vf/toutsavoir/index.html> (site oficial da Fédératiom Française de la Couture)
Acesso em 14 maio 2009
<www.georges.dambier.fr/georges.dambier.html> Acesso em 13 de mar 2009
<www.uol.com.br/houaiss> Acesso em 14 maio 2009
Bibliografia
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Arte e política. Tradução: ROUANET, S.P. Prefácio: GAGNEBIN, J.M. São Paulo, Brasiliense, 1985, pp 165-
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de Doutorado em História), IFCH, Unicamp, Campinas, 2005. Disponível em: <libdigi.unicamp.br/
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* Doutora em História Social pela Unicamp, professora do Centro Universitário Senac e autora do livro
“Moda e sociabilidade: mulheres e consumo na São Paulo do anos 1920” (Ed. Senac)