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A ‘REVOLUÇÃO NO VESTUÁRIO’:

PUBLICIDADE DE MODA, NACIONALISMO


E CRESCIMENTO INDUSTRIAL NO BRASIL
Artigo

DOS ANOS 1960


Maria Claudia Bonadio*

Resumo: Estudo sobre a publicidade da Rhodia Têxtil, veiculada nas revistas


O Cruzeiro e Manchete entre 1960-1964, que consiste em editoriais de moda e
reportagens que cobrem a passagem dos desfiles de moda da Rhodia no
exterior, tendo como mote a qualidade internacional da moda produzida no
País, observando como tal estratégia provavelmente foi fundamental para o
crescimento da empresa e para a “revolução no vestuário”, ocorrida no Brasil
a partir dos anos 1960.
Palavras-chave: moda, consumo, publicidade, indústria têxtil.

Abstract: This article analyzes the advertising of Rhodia Têxtil, published in


magazines O Cruzeiro and Manchete between 1960-1964. These campaigns consisted
of fashion editorials and reports about the passage of Rhodia fashion shows in abroad,
where the motto was the international quality of fashion produced in the country. I
also noting how this strategy has probably been crucial to the company’s growth
and to “revolution in clothing”, held in Brazil from the 1960s.
Key words: fashion, consumerism, advertising, textile industry.

“O Náilon foi a base de crescimento empresarial da Du Pont


na década de 1950, mas a empresa finalmente resolveu que o
Brasil não seria um dos locais onde instalaria fábricas desse
produto. Na década de 1970, tal decisão parecia lamentável,
do ponto de vista da Du Pont. Rhône-Poulenc a partir de uma
licença daquela empresa desenvolveu o negócio do náilon no
Brasil, atingindo a casa dos 100 milhões de dólares anuais.
(...) A decisão da Du Pont de não fabricar náilon no Brasil não
teve maiores efeitos na industrialização do país. Para o Brasil
pouca diferença fazia se Du Pont ou Rhône-Poulenc controlasse
a manufatura de náilon. Mas se Du Pont, Rhône- Poulenc,

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Hoescht e ICI tivessem, todas, decidido não fazer náilon o
Brasil, então a industrialização brasileira teria sofrido, e não
apenas os lucros da Du Pont.’
(Peter Evans. A Tríplice Aliança)

E m 1958, a Companhia Química Rhodia Brasileira, através de sua subsidiária Com-


panhia Brasileira Rhodiaceta1 – filial brasileira da firma francesa Rhône-Poulenc –
obtém a exclusividade das patentes para a fiação das fibras de poliéster no Brasil,
através de um acordo firmado junto à Imperial Chemical Industries, da Inglaterra. A partir
desse ano e até 1968 – quando se instala no país sua primeira concorrente de peso: a
Safron Teijin - a empresa torna-se “um monopólio virtual sobre o segmento de produção
das fibras sintéticas uma vez que produzia fibra de poliéster, filamentos de naylon 6.6,
poliéster e fibras acrílicas. Seus concorrentes possuíam plantas menores e eram a Suda-
mtex (empresa de capital americano que desde meados dos anos 1960 produzia filamen-
tos de poliéster no Rio de Janeiro), a Celanese do Brasil (filial de empresa americana que
produzia fios de naylon 6.6 em São Bernardo do Campo)”. (CORRÊA e MONTEIRO
FILHA, 2002) Dados do IPEA (Instituto de Planejamento Econômico e Social) demons-
tram que a nova matéria-prima é rapidamente aceita no mercado consumidor: em 1960,
o consumo aparente de fibras sintéticas no Brasil era de 5.731 toneladas. Cinco anos mais
tarde, esse número quase triplica, somando 15.041 toneladas, e saltando para 56.640
toneladas em 1970. (CORRÊA e MONTEIRO FILHA, 2002)
A introdução no mercado brasileiro dos filamentos sintéticos ocasionaria uma ver-
dadeira “revolução no vestuário” (CARDOSO DE MELLO e NOVAIS, 2000, p. 507),
pois o preço final desses produtos – mais barato que os resultantes das fibras naturais,
portanto mais acessíveis às camadas médias da população – permitiu a ampliação do
guarda-roupa dos brasileiros, especialmente no que diz respeito ao então incipiente mer-
cado das roupas prontas para vestir2 (ABREU, 1986; DURAND, 1988). Colabora sobre-
maneira para a popularização desses produtos a implantação no país, pela Rhodia, de
uma ampla política publicitária que, além de garantir sua fatia de mercado entre as con-
fecções e indústrias têxteis, visava a conquistar o gosto dos brasileiros, vendendo não
apenas seus produtos e marcas (Tergal, Rhodianyl, Crylor, etc) mas, com ele, a idéia de
que a empresa era responsável pela criação de uma “moda nacional” com qualidade
internacional.
A tarefa de criar um mercado para o fio sintético no Brasil foi confiada à equipe da
Standard Propaganda3 coordenada por Livio Rangan, gerente de publicidade da empresa4
e que optou por anunciar diretamente à consumidora final5. Inicia-se, então, a produção
periódica de editoriais, reportagens e anúncios para jornais e revistas (femininas e de
variedades), e de desfiles, que conjugavam elementos da cultura nacional (música, arte e
pintura), a fim de associar o produto da multinacional à criação de uma “moda brasilei-
ra”. O objetivo final era conquistar o “segmento ‘mais exigente’ estabelecendo concorrên-
cia tanto com os tecidos brasileiros em fibras naturais como com os tecidos finos importa-
dos” (DURAND, 1984, p. 44).
Considerando que até o final dos anos 1950 eram raras as produções editoriais de
moda no país, uma vez que a maior parte das fotografias de moda divulgadas nas revis-
tas nacionais eram compradas de agências internacionais de notícias (como, por exem-
plo, Dalmas e UPI), é possível afirmar que a publicidade da Rhodia, nos anos 1960, am-
plia significativamente a movimentação do campo da moda no Brasil através das seguin-
tes ações: i) produção e veiculação periódica em jornais e revistas de grande circulação de

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um grande volume de fotografias de moda em anúncios, editoriais e reportagens de cu-
nho publicitário – que chegavam a ocupar até 60 páginas (numa média de pelo menos 4
páginas de anúncio por edição das revistas) – e muitas vezes eram mais bem elaborados
que o material produzido pelas próprias revistas; ii) apresentação de desfiles espetacula-
res que mesclavam moda e apresentações musicais para a FENIT (Feira Nacional da In-
dustria Têxtil)6; iii) encomenda de peças das coleções “Seleção Rhodia Moda” a costurei-
ros nacionais e internacionais e de estampas para peças da mesma coleções a artistas
plásticos nacionais – visando exclusivamente agregar valor aos produtos e marcas Rho-
dia, uma vez que tais produtos não eram comercializados; e iv) formação de um grupo de
modelos para atuação exclusiva em suas peças publicitárias.
Neste artigo, analiso as campanhas publicitárias da Seleção Rhodia Têxtil7 divulga-
das nas revistas O Cruzeiro entre 1960-1962 e Manchete entre 1963 e 1964, observando
como colaboraram para a formação e a aceleração do campo da moda no Brasil através
da associação entre moda, brasilidade, artes plásticas e alta-costura, e propagação da
idéia de que a produção de moda colaboraria para que o país se tornasse “um igual no
concerto das nações civilizadas”8.

A “moda brasileira internacional”: Os Cruzeiros da Moda

“Quando leio, numa revista de moda, que o acessório é primaveril, que este tailleur
(cuja fotografia me é apresentada) tem um ar jovem e descontraído, ou que neste ano o
que está na moda é o azul, não posso deixar de dar a essas frases uma estrutura semân-
tica: em todos os casos, sejam quais forem os meandros metafóricos do enunciado, trata-se de
me impor uma relação de equivalência entre um conceito (primaveril, juventude, moda
este ano) e uma forma (acessório, tailleur, azul), entre um significado e um significan-
te.” (Roland Barthes, “Neste ano o azul está na moda”)

As revistas O Cruzeiro e Manchete pertencem à segunda geração das revistas brasi-


leiras e se caracterizavam pela publicação de grandes reportagens ilustradas, que valori-
zavam as riquezas naturais do país, a exploração da Amazônia, as grandes fazendas, a
vida quotidiana dos gaúchos ou dos nordestinos, as novas indústrias, ou seja, elementos
que podem ser considerados indicativos de uma auto-afirmação da identidade nacional,
sob a ótica do desenvolvimentismo (SEGUIN DES HONS, 1985, p. 30)
O Cruzeiro surge no mercado em 1928, mas é entre 1955-1960, período em que se
destacam as grandes reportagens de aventura (em muitos casos de cunho sensacionalis-
ta, produzidas pela dupla formada pelo jornalista David Nasser e pelo fotógrafo Jean
Manzon), que a revista alcança suas maiores tiragens9. A revista Manchete, por sua vez, é
lançada em 1952, a fim de rivalizar com O Cruzeiro; tinha como principais atrativos a boa
qualidade gráfica e visual (a revista era impressa em papel glacê), que permitia à revista
privilegiar a imagem em relação ao texto, adotando um modelo de paginação idêntico à
francesa Paris-Match. Obedecia à seguinte distribuição: 20% de texto, 30% de títulos e
espaço em branco e 50% de fotografias (frequentemente coloridas) (SEGUIN DES HONS
, 1985).
As parcerias da Rhodia com O Cruzeiro e Manchete acontecem entre 1960-1964,
através de “reportagens” que cobriam a passagem das promoções da Rhodia no exterior,
nas quais o mote principal era a “qualidade internacional da moda produzida no país”.
Tais campanhas geravam um grande volume de material publicitário e chegavam a ser
divulgadas em 4 ou 6 números das revistas, ocupando ao longo desse período uma média
de 80 páginas. Na maior parte das edições, tais campanhas apareciam no formato de

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reportagens que ocupavam em média 4 páginas e cobriam desde a viagem do grupo de
modelos, o making-off da realização das fotografias para o editorial de moda, até os des-
files realizados nos diversos países pelos quais as promoções da Rhodia haviam passado.
Em O Cruzeiro, as promoções da Rhodia acontecem entre 1960 e 1962 e compõem-
se de séries de reportagens denominadas respectivamente I, II e III Cruzeiro da moda.
Manchete, por sua vez, é o principal meio de divulgação das promoções Brazilian Look e
Brazilian Style, publicadas respectivamente em 1963 e 1964. Após esse período, as princi-
pais campanhas publicitárias da Rhodia Têxtil passarão a ser veiculadas em revistas diri-
gidas ao público feminino, especialmente Claudia (Abril) e Jóia (Bloch) – que reservavam
espaço privilegiado para a seção de moda – ambas pertencentes à geração de revistas
femininas criadas entre o final dos anos 1950 e o início dos anos 1960.
A primeira reportagem sobre o “I Cruzeiro da Moda” foi veiculada em agosto de
1960 e compunha-se de matérias ricamente ilustradas sobre os desfiles das “Seleções Albè-
ne, Rhodia e Rhodianyl”, realizados na França, Alemanha e diversas cidades brasileiras. O
texto da matéria informa que o objetivo dessas promoções era divulgar na Europa as
criações nacionais em moda e influenciar a moda internacional, através da associação do
novo produto com o café, cuja qualidade já era internacionalmente reconhecida. O texto
de Alceu Penna detalha a estratégia:

Lançar uma linha de expressão brasileira, basicamente uma ‘linha café’ capaz de influenci-
ar a moda internacional, é uma tarefa árdua e custosa. De início, como divulgar essa brasi-
leiríssima linha café para torná-la conhecida na Europa, e depois do resto do mundo que, em
matéria de modas, tem olhos constantemente voltados para o velho continente?

De fato não haveria uma solução mais ousada e direta: apresentar uma coleção de linha café
na capital da moda. Reunir o mundo da alta-costura, a alta-sociedade, o cinema e a arte
parisiense numa grande festa, durante a qual seriam desfilados pelos nossos manequins os
modelos brasileiros. (O Cruzeiro, 10/09/1960, p. 136)

A estratégia de divulgação da “moda café” no exterior incluía em seu roteiro a


realização de fotografias de moda, um desfile na Maison de L’Amerique Latine em Paris e
também no hotel L’Atlantique em Hamburgo, nos quais as manequins da Rhodia apresen-
tariam “uma coleção de 100 modelos com todos os detalhes da moda 1961 – do maiô ao
vestido de gala”, tudo confeccionado em tecidos e padrões nacionais (O Cruzeiro, 10/09/
1960, p. 136).
As reportagens sobre a promoção são publicadas ao longo dos meses de setembro e
outubro. Na reportagem de 24 de setembro de 1960, uma série de fotos mostra as mane-
quins embarcando para a Europa no avião “Super G” da Air France e o texto busca ressal-
tar a conexão da moda criada por Paris com o café e consequentemente com o Brasil:

Tudo começou quando os diversos tons de verde do grão e das folhas do café, quando os tons
castanhos e marrons dos cafés torrados, as gamas do vermelho do seu fruto maduro e o azul
puro dos céus dos cafezais do Brasil, foram escolhidos como as cores da moda, pelos papas
da elegância feminina em Paris.

Nesse trecho, a reportagem insinua que, se os criadores da moda internacional bus-


caram inspiração em um produto símbolo do país para impor uma nova tendência, logo:
“o Brasil está na moda”. O texto prossegue destacando que “a tudo isso juntou-se a
imaginação fabulosa dos maiores pintores brasileiros do momento, que criaram dentro
dessa linha, os mais belos padrões para a excepcional qualidade dos tecidos produzidos

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no Brasil”10 (O Cruzeiro, 29/10/1960) Em resumo, o texto busca valorizar a moda nacio-
nal, demonstrando a importância das cores da nossa flora como fonte de inspiração e
também destacando a qualidade e a raridade da matéria-prima nacional.
A associação entre a moda produzida no Brasil e a alta-costura é outra estratégia
utilizada pela publicidade da Rhodia para valorizar a moda nacional11. Nessa mesma
matéria frisa-se que “dos cem modelos criados para a coleção café, mais de vinte são alta-
costura”. Em outra reportagem dessa série (publicada em 29 de outubro), o destaque é a
participação do fotógrafo Georges Dambier12 – que registrou a passagem da Linha Café
por Paris – “famoso nos meios da haute-couture e artísticos”. Em um momento exagerada-
mente ufanista, a matéria destaca que a expectativa por parte dos franceses pelo desfile
da coleção café em Paris era “semelhante a dos grandes lançamentos das casas de alta-
costura francesas” (O Cruzeiro, 29/10/960).
A campanha promocional da “Linha Café”, além de agregar valor à produção de
moda nacional, busca também falar diretamente à consumidora, suscitando-lhe o desejo
do consumo. Para tanto, associa a promoção à aventura:

“O Super G da Air France levou a Paris quatro dos mais belos manequins brasileiros:
Sandra loura e esguia; Inge, intelectual e sorridente; a aristocrática Mariela e a linda
gaúcha Lucia. Começava a voar numa linda aventura ‘O Cruzeiro da moda’”. (O Cruzei-
ro, 24 de setembro de 1960)

Na foto que ilustra a reportagem, as manequins aparecem diante do avião cami-


nhando com passos firmes. Essa imagem permite ao leitor imaginar que se caminha para
o futuro. A imagem, por sua vez, imprime à publicidade um caráter que, segundo João
Manuel Cardoso de Mello e Fernando Novais, caracterizam esse período: “a sensação
dos brasileiros, ou de grande parte dos brasileiros (...) de que faltavam alguns passos para
nos tornarmos uma nação moderna” e criando a ilusão de um acesso ao primeiro mundo
através da moda. (CARDOSO DE MELLO e NOVAIS, 2000, p. 506.) Levando-se em
conta a definição da palavra aventura (arriscar à ventura; ou ousar fazer), noto que, ao
associar “O Cruzeiro da Moda” a essa ação, a publicidade propõe à mulher o uso de um
produto que, apesar de novo e desconhecido, é garantido pela sua associação com a alta-
costura 13.
Os II e o III “Cruzeiro da moda” apresentam reportagens que cobrem os desfiles da
“Seleção Rhodia Moda” na Argentina e nos Estados Unidos e editoriais de moda fotografa-
dos em ambos os países, que seguem explorando o caráter internacional da moda brasileira
e sua “aproximação” com a alta-costura. Optei aqui por analisar e descrever o III Cruzeiro
da Moda, promoção veiculada na revista O Cruzeiro entre setembro e agosto de 196214.
A reportagem publicada em 15 de setembro destaca que, além de criações dos cos-
tureiros brasileiros Dener, Guilherme Guimarães, Marcílio, Rui Sphor e José Nunes, fo-
ram encomendados modelos a Oleg Cassini (EUA), Givenchy, Chanel, Pierre Cardin,
Lanvin-Castillo, Jacques Heim, Nina Ricci, Phillip Venet e Gerad Pipart (França). Essas
criações são denominadas respectivamente “seleção USA” e “seleção francesa”, o que
provavelmente visa a conferir um status superior às peças, pois a palavra seleção (ato ou
efeito de selecionar, escolha fundamentada) conota um valor mais elevado do que “enco-
menda” (O Cruzeiro, 15/09/1962).
Ao escolher denominar as peças dos costureiros estrangeiros de “seleção EUA” e
“seleção francesa”, a publicidade Rhodia visa a criar no consumidor a impressão de que a
empresa trabalhou como o curador de um museu, ou seja, uma pessoa qualificada que
elege um determinado artista e escolhe dentre suas criações os trabalhos que deverão ser
expostos15.

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A preocupação em mostrar uma “moda mundial” é bastante evidente nas imagens
e legendas que compõem a série de reportagens dessa promoção. Em uma delas, o cená-
rio da fotografia é a boate nova-iorquina El Marocco, cuja decoração é composta, entre
outras coisas, por um tecido zebrado. A legenda informa que a casa noturna é “mundial-
mente conhecida”. O conjunto composto por esses elementos – uma boate localizada na
cidade de Nova York, cujo nome, apesar de grafado em espanhol, faz referência a um
país africano, continente que é citado também pela decoração – constitui um espaço des-
territorializado, ou seja, “resultante da combinação de pedaços dispersos aleatoriamente
pelo planeta” e que poderia estar geograficamente localizado em qualquer um desses
países, uma vez que nada o caracteriza como norte-americano (ORTIZ, 1996, p. 109).
Outros espaços escolhidos corroboram com essa idéia, a saber: a área verde com um
moinho de vento em Bridgehampton, destacado pela reportagem, faz lembrar a Holan-
da; a foto em que a modelo Lucia posa trajando uma bombacha estilizada ao lado de um
cowboy na Feira Mundial Seattle; ou ainda a foto em que as modelos posam em frente ao
restaurante Granados, especializado em comida espanhola, e localizado no Greenvich
Village, em Nova York.
Segundo Walter Benjamim (1985, p. 174), as legendas das fotografias, “orientam a
recepção num sentindo predeterminado, a contemplação livre não lhes é adequada”. No
caso, além de ressaltarem o caráter desterritorializado da moda apresentada, também
fazem referência ao nacional ao creditar os fabricantes das roupas, uma vez que tanto a
Rhodia (produtora do fio), quanto as tecelagens, malharias e confecções estão geografi-
camente localizadas no Brasil. Essas campanhas publicitárias, portanto, servem “não
tanto para anunciar produtos, mas para promover o consumo como modo de vida”, no
caso: o sentimento de pertencimento a uma sociedade mundial e de primeiro mundo,
através do consumo de objetos de fabricação nacional (LASCH, 1983, p. 102).

Entre o tradicional e o novo: a coleção Brazilian Look


Se, por um lado, as campanhas da Rhodia Têxtil visavam a destacar a qualidade
internacional de seus produtos e marcas, por outro, procuravam também frisar seu as-
pecto nacional. A partir de 1962, esse objetivo será evidenciado através dos nomes dados
às coleções: Brazilian Nature (1962), Brazilian Look (1963), Brazilian Style (1964), Brazilian
Primitve (1965), Brazilian Fashion Team (1966), grafados em inglês, porém compostos de
palavras cognatas, ou já incorporadas ao vocabulário nacional, que ao mesmo tempo
frisavam sua origem brasileira e seu caráter internacional.
A preocupação em associar tais produtos e marcas ao Brasil – entendido pelas cam-
panhas como uma terra repleta de riquezas naturais, de natureza próspera e exuberante
– é evidenciada também através das estampas criadas por artistas plásticos para algumas
peças da coleção e na composição gráfica dos editoriais de moda, ou seja, nos logotipos
das coleções, nas chamadas para os editoriais de moda, em frases impressas sobre as
fotos e nas legendas dessas imagens.
Assim, enquanto nas promoções divulgadas na revista O Cruzeiro os textos que
acompanhavam as reportagens e as chamadas para as fotografias frisavam os vestidos
criados por costureiros internacionais a partir de tecidos fabricados com os fios da Rho-
dia, simbolizando a “a alta-costura francesa brasileira” (A Cigarra, setembro de 1960)16, a
partir de 1963 – quando as campanhas passam a ser divulgadas especialmente na revista
Manchete – a participação de costureiros internacionais nas campanhas começa a dimi-
nuir, o que é perceptível nos dois anos em que tais campanhas se concentram nessa revis-
ta para divulgar as coleções Brazilian Look (1963) e Brazilian Style (1964). Como as estra-
tégias publicitárias empregadas em ambas as campanhas é muito semelhante, aqui optei

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por analisar apenas a coleção Brazilian Look, que recebeu maior divulgação na revista,
aparecendo num total de 6 números e 58 páginas, enquanto a coleção Brazilian Style,
aparece apenas em 2 números e 42 páginas17.
No especial que apresentava a coleção Brazilian Look, fotografada na Itália, em Por-
tugal e no Líbano e divulgada na edição de 14/09/1963, são apresentados apenas 3
modelos desses costureiros (2 de Bill Blass e 1 de Frederico Forquet), contra 35 dos costu-
reiros brasileiros Dener (10), Fernando José (1), Guilherme Guimarães (3), João Miranda
(3), José Nunes (9), José Ronaldo (6), Marcílio Menezes (1 modelo) e Rui Sphor (2). O
mote da campanha passa a ser “a nova moda brasileira”, idéia que será explorada tam-
bém nas fotografias que compõem o editorial.
Locada num canal em Veneza, a foto que abre o editorial reúne as modelos Lucia e
Paula que vestem respectivamente “Vestido de José Nunes, em crepe Rhodia da Tecela-
gem Seda Sul América. Saia em autêntica pele de onça da Bahia”, e; “Robe de hotesse de
José Ronaldo em Florella Rhodia das Indústrias Têxteis Azzis Nader”, estampado com
“Flores Tropicais” (coloridas em verde, amarelo e azul) criadas por Aldemir Martins. Sob
essas imagens aparece a seguinte frase: “O antigo e o novo, um contraste de rara beleza”,
idéia que é novamente explorada nas legendas que aparecem entre colunas no estilo
coríntio ao lado dos créditos dos vestidos na parte inferior da página:

“Temas bem brasileiros – e como tudo o é que brasileiro bastante novos e cheios de vida –
formaram um magnífico constate com a grade de ferro, as estátuas, as gôndolas e as paredes
de Veneza. Paula e Lucia vestem modelos que trazem em si a personalidade, as cores e as
formas daquilo que o Brasil tem de mais autêntico.” (O Cruzeiro, 14/09/1963)

A mistura da arquitetura das cidades históricas italianas (Veneza, Roma e Pisa, por
exemplo) com a “nova moda brasileira” aparece com frequência nesse editorial, tanto
nas legendas das fotos: “Ponte Vecchio e Moda nova” ou “Sobre as escadas projetadas
por Michelangelo, a Jovem Moda Brasileira”, como na composição fotográfica que apre-
senta as modelos sobre pedestais em no Fórum Romano ou entre as colunas da Torre de
Pisa. A utilização de tais recursos pode ser interpretada como uma forma de transferên-
cia de significados, ou seja, a fusão de um bem de consumo (ou das marcas Rhodia) a
uma representação do mundo culturalmente constituído – no caso, transformar o status
do produto têxtil nacional a partir de sua associação com a excelência dos diversos estilos
arquitetônicos das cidades italianas, e consequentemente seu status histórico e patrimoni-
al, nos moldes propostos por Grant MacCracken:

“É principalmente o aspecto visual da propaganda que conjuga o mundo e o objeto, elemen-


tos entre os quais busca-se fazer transferência de significados. O material verbal funciona
sobretudo como uma espécie de lembrete que instrui o espectador/leitor acerca das proprie-
dades salientes que se supõe estarem sendo expressas pela parte visual do anúncio. O texto,
especialmente as manchetes, torna explícito o que já estava implícito na imagem, fornecen-
do instruções sobre como a parte visual do anúncio deve ser lida.” (MACCRACKEN,
2003, p. 108)

Outro recurso usado pelas campanhas aqui analisadas como forma de transferên-
cia de significado são as estampas criadas por artistas plásticos para algumas peças das
coleções. Além de explorar a questão da “raridade” e da excelência de tais peças em
razão de terem sido criadas por artistas, no período estudado, a maior parte dos temas
representados nas estampas faz menção direta ao Brasil, através de imagens figurativas
que representam de forma literal temas “brasileiros”, tais como o cangaço e a natureza

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exuberante18 (estampas de Aldemir Martins), a cidade de Ouro Preto19 (Volpi e Paulo
Becker) ou elementos das religiões afro-brasileiras20 (Rubem Valetim). Mesmo nas peças
de estamparia abstrata, procura-se fazer a conexão com a brasilidade, como, por exem-
plo, no vestido estampado por Ivan Serpa com manchas amarronzadas que, segundo a
legenda, representam “manchas de café”, ou no vestido estampado por Manabu Mabe
com manchas azul celeste que, conforme a legenda, “transporta para o tecido a beleza do
céu tropical noturno”. Ou ainda, como define a legenda de dois vestidos estampados por
Aldemir Martins:

“Os estampados brasileiros caracterizam-se pelo forte acento local. Pelo fato de serem bem
brasileiros é que conseguem ter categoria internacional. Aqui o fruta-pão e o cangaceiro do
nordeste contrastam maravilhosamente com as escadarias de Piazza di Spagna em Roma.”
(O Cruzeiro, 14/09/1963)

Enquanto nos editoriais de moda o objetivo era frisar a categorial internacional dos
produtos brasileiros, nas reportagens que cobriam a passagem dos desfiles de moda das
coleções da Rhodia no exterior buscava-se frisar o sucesso de tais eventos nas diversas
cidades em que aconteciam, como, por exemplo, na reportagem Manchete exporta moda,
veiculada em 24 de agosto de 1963 na revista Manchete, na qual as fotos mostravam a
platéia lotada durante o desfile realizado no Líbano e cujos textos frisavam o destaque
dado à moda brasileira pela imprensa internacional:

“A coleção Brazilian Look foi exibida na Embaixada do Brasil, em Roma, uma semana
antes da abertura do festival da moda italiana, em Florença. A imprensa italiana compare-
ceu em peso e comentou de maneira unânime ‘A semana da moda começou com uma avant-
première brasileira de grande categoria e originalidade’. A mostra (...) teve grande impor-
tância, pois revelou à Europa o grau de amadurecimento e artístico de nossa indústria
têxtil”.

Na reportagem “Moda brasileira em cenário medieval” (Manchete, 14/09/1963), o


texto destaca que “três mil pessoas aplaudiram com entusiasmo modelos de Dener, José
Nunes, Fernando José, Guilherme Guimarães, João Miranda, Rui e Marcílio” e a presença
na platéia de personalidades como o diretor de cinema Luchino Visconti e das “estrelas”
Claire Bloom e Píer Angeli – informando muito rapidamente: o desfile aconteceu em meio
ao tradicional Festival dos Dois Mundos21 da cidade de Spoleto, o que leva a crer que a
platéia estrelada e o grande número de espectadores se justifica muito mais em razão do
festival de música do que do desfile.
Ao que tudo indica, as promoções da Rhodia não faziam no exterior o sucesso divul-
gado pelas reportagens; entretanto, em alguns casos, esses eventos contavam com o apoio
das embaixadas ou dos adidos culturais do Brasil no exterior. Sabe-se, por exemplo, que o
desfile realizado em Roma, em 1963, no palácio Dora Phamphilj, contou com o apoio do
embaixador Hugo Gouthier e de sua esposa Lais Gouthier. Segundo Fernanda Queiroz
(1988), o estilista Guilherme Guimarães (que criou vestidos para o evento) se lembra de que
esse desfile contou com grande participação da alta sociedade italiana, graças à influência
da embaixatriz brasileira que atuou na organização do evento. O acontecimento é lembra-
do também pelo biógrafo de Dener, Carlos Dória (1988), segundo o qual, apesar de serem
distribuídos apenas 400 convites para o evento, 790 pessoas apareceram.
Segundo Rodolfo Volk (22 de novembro de 2002)22, a repercussão era muito pequena
e apenas em 1966, por ocasião da copa do mundo na Inglaterra, a coleção Brazilian Team,
(cuja inspiração era o futebol) foi tema de uma reportagem em jornal estrangeiro, o londri-

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no The Times. Isso, entretanto, não foi suficiente para garantir o sucesso da coleção no
exterior. Questionado se em alguma ocasião foram convidados para levar os “shows da
Rhodia” a algum evento fora do Brasil, Rodolfo Volk respondeu que isso ocorreu apenas
duas vezes, ambas em 1968, quando o show Momento 68 foi solicitado por um Cassino no
Estoril, em Portugal, e por uma casa noturna em Buenos Aires, na Argentina.23
É importante ressaltar que, apesar de não alcançar grande repercussão fora do Bra-
sil, as viagens prosseguem, sendo utilizadas como forma de promoção da marca durante
todo o tempo em que Lívio Rangan atua como diretor de publicidade da Rhodia (1960-
1970). O texto de uma peça publicitária da promoção Brazilian Style (1964) explicita um
dos objetivos dessas campanhas e também sua sintonia com os já citados ideais desenvol-
vimentistas, ao informar que as viagens eram, sobretudo, “um instrumento direto de
propaganda para o Brasil no exterior evidenciando seu amadurecimento industrial e ar-
tístico. Ao mesmo tempo que incentivaram o turismo para a nossa terra”24.
Não há dados que confirmem a relação entre as campanhas da Rhodia e o incentivo
ao turismo para o Brasil; entretanto, ao se utilizarem de imagens de viagens internacionais
pela publicidade, e levando em conta que nos anos 1960 ainda era reduzido o número de
brasileiros que podiam desfrutar de viagens turísticas ao exterior, tais promoções ofereciam
ao consumidor a sensação que Collin Campbell (2001, p. 34) denomina “prazer imaginati-
vo”, ou seja, “as pessoas ‘desfrutam’ dessas imagens em grande parte da mesma forma que
desfrutam de um romance ou filme”. O mesmo autor destaca “a atividade fundamental do
consumo (...) não é a verdadeira seleção compra ou uso dos produtos, mas a procura do
prazer imaginativo, a que a imagem do produto se empresta, sendo o consumo verdadeiro,
em grande parte, resultado desse hedonismo ‘mentalístico’” (CAMPBELL, 2001, p. 34).
Tais proposições permitam também entender porque tais campanhas reúnem personalida-
des e simbologias do que pode ser chamado “universo de privilégios”, colocando em evi-
dência não só o fio sintético, mas, junto com ele, personalidades, artistas plásticos, nomes
da alta moda internacional e espaços consagrados da arquitetura.
Tais campanhas tornaram-se espaços de consagração da griffe – “a marca que não
muda a natureza material do objeto, mas a natureza social do objeto” – avalizados com a
participação de indivíduos que, pertencentes ao mencionado universo de privilégios, con-
correm para a introdução e dignificação do novo (BOURDIEU, 1983. p. 160).
No Brasil dos anos 1960, a “grande classe média brasileira” que vinha se estabele-
cendo era um grande grupo com uma “certa disponibilidade econômica” e em busca de
algo mais que bens de primeira necessidade, predisposto a consumir um vestuário “na
moda e original”. Daí a necessidade de um tipo de publicidade que vendesse não apenas
a utilidade das roupas confeccionadas em tecidos derivados dos fios sintéticos (Tergal,
Rhodianyl, Rhodalba, Rhodimper etc), mas também a série de dispositivos e signos distin-
tivos associados a ela.

Considerações Finais
A observação dos números permite afirmar que tais campanhas foram eficientes e a
partir de meados da década de 1960 e até o início dos anos 1970 – quando a direção geral
da Rhodia diminui significativamente o investimento em campanhas publicitárias para a
área têxtil e encerra a produção periódica de desfiles, anúncios e editoriais de moda – a
empresa aparece no topo de todos os rankings das maiores empresas têxteis e químicas
nacionais.
O crescimento geral da empresa no período pode ser observado a partir da análise
dos rankings anuais “Quem é quem na economia brasileira” e “500 maiores sociedades
anônimas do Brasil”, cadernos especiais publicados respectivamente pelas revistas Visão

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e O Dirigente Industrial/FGV, que passam a ser publicados a partir de 1967. No primeiro
ano da medição, a Rhodia, era a 3a. maior empresa na área de Têxteis, Vestuário e Arte-
fatos e a 1ª no setor Químico e Petroquímico (Visão, 07/09/1967. pp. 135, 137 e 158).
No ranking das 500 maiores sociedades anônimas do Brasil, realizado por O Diri-
gente industrial/FGV, publicado em 1969, a posição do grupo Rhodia é ainda mais favorá-
vel; nessa classificação ocupava o 6o. lugar na classificação geral e o 5o. em lucro do ano,
permanecendo em 1o. lugar entre as indústrias químicas e entre as indústrias têxteis e do
vestuário (O Dirigente Industrial, 10/1969, pp. 34, 40 e 45). No “Quem é quem na Indús-
tria Brasileira”, de 1969, o grupo Rhodia continua a ocupar as melhores colocações, per-
manecendo como a maior entre as empresas do setor de produtos químicos e petroquími-
cos, posição que atinge também no ranking das indústrias têxtil, do vestuário e artefatos
(O Dirigente Industrial, 10/1969, pp. 34, 40 e 45).

Figura 01: O Cruzeiro, 29/10/1960.

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Em 1970, a Rhodia - Indústrias Têxteis e Químicas deixa de figurar entre as 10
maiores empresas do país no ranking de Visão; permanece, entretanto, como líder nas
duas áreas onde atua: a química e o têxtil. Cabe ressaltar que a ausência da Rhodia entre
as 10 maiores empresas de 1970 não significa estagnação ou queda na rentabilidade da
empresa, o que ocorre é que essas cifras não são tão grandes quanto àquelas atingidas por
outras empresas em atuação no país, em especial as do setor público, que nesse ano atin-
gem índices superiores aos das indústrias têxteis e químicas (Visão, 29/08/1970).
Ou seja, nos anos 1960, os fios sintéticos passaram a reinar nos guarda-rou-
pas dos brasileiros, e sua ascensão foi significativamente impulsionada pela Rhodia. Tam-
bém é possível afirmar que o investimento da empresa em publicidade de moda colabora
sobremaneira para movimentar o campo da moda no país, tanto é que estudos, reporta-
gens e memórias frequentemente apontam as promoções da empresa nos anos 1960 como
ponto de partida para a profissionalização do campo e constituição de uma cultura de
moda no Brasil; e um, pouco mais adiante, do impulsionamento do mercado de confec-
ções (ver, por exemplo: DURAND, 1984).
Observo também que o sucesso comercial desses produtos, ao menos na primeira
metade dos anos 1960, resulta em grande parte das promoções publicitárias aqui analisa-
das25 que, ao tomar por motes principais alardear a “qualidade internacional da moda
nacional” e “o acento tipicamente brasileiro” da moda produzida a partir dos produtos e
marcas Rhodia, estariam em consonância com as idéias nacionalistas então em voga que
se pautavam pelo desenvolvimentismo econômico (e a consequente superação do subde-
senvolvimentismo) e para as quais “de ‘periferia’ dever-se-ia atingir de maneira planeja-
da a condição de centro” (MOTA, 1985, p. 156).
Entretanto, apesar do alarde propagado pelas campanhas da Rhodia acerca da
excelência de seus produtos, talvez a melhor definição para a situação da moda brasileira
em âmbito internacional seja uma imagem publicitária da coleção Café, veiculada na
revista O Cruzeiro em 29/10/1960. Trata-se da imagem que apresenta em primeiro plano
a modelo Lucia Cury e ao fundo, a torre Eifel, criando a impressão que, apesar da busca
pela especificidade nos produtos de moda nacionais – explicitada na estampa da echarpe
e sombrinha portadas pela manequim e estampadas por Heitor dos Prazeres com moti-
vos da colheita do café – durante muito tempo permaneceríamos à sombra da moda
parisiense (figura 01).

Notas
1
Em 1965, Rhodia e Rhodiaceta fundem-se e passam a ser denominadas Rhodia Indústrias Químicas e
Têxteis S.A.
2
Esse mercado é impulsionado também pela crescente urbanização do país – é apenas no final dos anos 1950
que a maior parte da população passa a se concentrar nos centros urbanos – e a consequente transformação
dos hábitos de consumo dessa população. A entrada das mulheres no mercado de trabalho, ao ampliar a
renda das famílias, também colabora para o crescimento do mercado de roupas prontas. Apesar do impulso
sofrido por esse mercado nos anos 1960, apenas na década de 1980 é que as roupas prontas superariam o
número de peças confeccionadas em casa em costureiras ou modistas.
3
Fundada em 1933, por Cícero Leuenroth, João Alfredo de Souza Ramos e Peri de Campos, a Standard
Propaganda – então uma das mais antigas e maiores agências de propaganda do Brasil – foi responsável
pela conta da Rhodia nos anos aqui enfocados (Propaganda, ano XV, no 188, Janeiro de 1972, pp.6-11).
4
Livio Rangan (1933-1984), italiano que chega ao Brasil em 1953. Inicialmente atua como professor de latim
do Colégio Dante Alighieri e repórter do jornal Fanfulla. Nesses tempos, começou a organizar grandes
espetáculos de ballet e passou a percorrer empresas em busca de patrocínio. Apresentou seus projetos à
Rhodia, ganhou a simpatia dos diretores da empresa e foi contratado para atuar como gerente de
publicidade, cargo que exerceu até 1970.
5
Até então, a maioria dos anúncios da empresa eram voltados para as indústrias e confecções, ou seja, o

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consumidor direto dos fios e fibras sintéticas, e priorizava a propaganda em veículos de comunicação
setorizados, como por exemplo: Química e Derivados (publicação do grupo técnico Abril) ou Revista Têxtil
(órgão oficial da primeira escola de tecelagem).
6
A feira é inaugurada em 1958, mas a Rhodia faz sua primeira participação apenas em 1963. Os desfiles da
Rhodia, ao mesclarem desfile de moda e cenários espetaculares com apresentações musicais de renomados
músicos brasileiros, como Nara Leão e Sérgio Mendes (1964), ou Caetano Veloso e Gilberto Gil (1968),
alavancam a bilheteria da mesma a partir de 1964 (entre 1958-1970 a feira era aberta ao público mediante
compra de ingresso) (BONADIO, 2005).
7
Apesar dos fios e fibras sintéticas derivados do náilon serem fabricados em sua maioria pela Companhia
Brasileira Rhodiaceta, nos anúncios eram denominados Seleção Rhodia Moda. Portanto, ao referir-me aos
anúncios analisados no texto e à empresa, optei por denominá-los respectivamente: Seleção Rhodia Têxtil
e Rhodia Têxtil.
8
Assim, é possível considerar que tais publicidades podem ser consideradas exemplo daquilo que Marilena
Chauí define como a soma do “verde-amarelismo” ao “desenvolvimentismo” – processo iniciado nos
anos 1950, que pretendia expressar “a mudança da ordem dentro da ordem” (CHAUÍ, 1986).
9
Publicada pelos Diários Associados, a revista semanal O Cruzeiro é lançada em 1928 e circula até 1975.
Entre 1955-1960, atingiu tiragens recordes, que oscilavam entre 600.000 e 700.000 exemplares. Ao longo de
sua trajetória, a revista teve como redatores semanais alguns dos principais nomes do jornalismo, ilustração,
fotografia e da literatura nacional, entre os quais destaco: Davida Nasser, Jean Mazon, Millôr Fernandes,
Péricles Maranhão, Alceu Penna, Luis Carlos Barreto, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Nelson
Rodrigues e Gilberto Freyre.
10
Criaram estampas para a coleção café os seguintes artistas plásticos: Aldemir Martins, Danilo di Prete,
Heitor dos Prazeres, Milton Dacosta, Maria Leontina, Lívio Abramo, Maria Bonomi, Leontina, Faiga
Ostrower, Renina Katz, Arnaldo Pedroso D´Horta.
11
Oficialmente, ou seja, segundo o Estatuto de Chambre syndicale de la haute couture (criado em 1868), a
denominação alta-costura é juridicamente protegida e só podem fazer uso dessa denominação empresas
que figurem numa lista elaborada por uma comissão eleita e sancionada pelo Ministro das Indústrias.
<www.modeaparis.com/vf/toutsavoir/index.html > (site oficial da Fédération Française de la Couture,
Acesso em 14 maio 2009. Portanto, as publicidades da Rhodia aqui analisadas utilizam o termo no sentido
que lhe é atribuído pelo senso comum, ou seja: “A arte de criar e confeccionar roupas femininas sofisticadas
e originais, esp. peças únicas adquiridas por uma só cliente”. Cf: www.uol.com.br/houaiss Acesso em 14
maio 2009.
12
Georges Dambier (Paris, 1925-). Fotografo de moda que iniciou na profissão no final dos anos 1940,
captando cenas da noite parisiense. A partir de 1952, passa a atuar como fotografo de moda em diversas
publicações (Elle, Vogue, Marie France, Les Jardim des Modes), atingindo o auge de sua popularidade entre o
final dos anos 1950 e início dos anos 1960. <www.georges.dambier.fr/georges.dambier.html> Acesso em
13 mar 2009
13
Segundo definição do dicionário Houaiss, a aventura é homônimo de aventurar, palavra cuja acepção é “1.
V.t.d. Expor ou arriscar à ventura. 2. Ousar dizer ou fazer. (...) 7. Atrever-se.” Cf: <www.uol.com.br/
houaiss> Acesso em 11/07/2005.
14
As reportagens e editoriais de moda resultantes do III Cruzeiro da moda, foram veiculadas em todas as
edições da revista O Cruzeiro entre 04 de setembro e 23 de outubro de 1962.
15
Elenco as duas definições mais comuns da palavra “seleção”. Segundo o dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa: ato ou efeito de selecionar; escolha a partir de critérios e objetivos bem definidos; predileção.
Cf: <www.uol.com.br/houaiss> Acesso em 14 maio 2009.
16
Não é possível determinar com precisão
17
As coleções são divulgadas respectivamente nas seguintes datas: Brazilian Look: 06/07; 13/07; 20/07; 27/07;
24/08 e 15/09 de 1963. Brazilian Style: 15/08 e 29/08 de 1964.
18
Ver: NAXARA, 2001 e CARVALHO, 1998.
19
Segundo Reginaldo, desde os anos 1920, quando a cidade é “redescoberta” pelos intelectuais. especialmente
após ser elevada à condição Monumento Nacional (1933) e, em seguida, Patrimônio Nacional (1938) junto
à primeira leva de tombamentos realizados no país durante o primeiro governo de Getúlio Vargas, Ouro
Preto passa a ser dimensionada no imaginário coletivo brasileiro como um poderoso símbolo da identidade
brasileira (GONÇALVES, 1988, p. 172).
20
SCHWARCZ, 2000, p. 178.
21
O Festival dos Dois Mundos é organizado todo ano, entre o final de junho e o meio de julho na cidade de

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Spoleto. Criado em 1958 por Gian Carlo Menotti, o festival visa a encorajar a aproximação multidisciplinar
entre o teatro, a dança e as artes visuais do Velho Mundo (Europa) com o Novo Mundo (América). Desde
1977, uma versão americana do festival, denominada Spoleto Festival USA, acontece na cidade de
Charleston, na Carolina do Sul, entre os meses de maio de junho.
22
Assistente de Lívio Rangan que atuava como “relações públicas internacionais” da publicidade da Rhodia.
23
Cf. depoimento de Rodolfo Volk, concedido à Maria Claudia Bonadio. São Paulo, 22 de novembro de 2002.
24
Cf. peça promocional da promoção Brazilian Style encartada na revista Jóia, no. 132, 07/1964.
25
Além das campanhas aqui analisadas, também compunham a publicidade dos produtos e marcas da
Rhodia Têxtil: anúncios veiculados nas diversas revistas brasileiras, outdoors, publicidade nos pontos de
vendas e os standes e desfiles na FENIT. Sobre isso ver: BONADIO (2005)

Referências

Entrevista
Rodolfo Volk. São Paulo, 22 de novembro de 2002. (concedida à Maria Claudia Bonadio)

Revistas
Jóia, Bloch, Rio de Janeiro: 07/1964, no. 132.
Manchete, Bloch, Rio de Janeiro: 06/07; 13/07; 20/07; 27/07; 24/08 e 15/09 de 1963; 15/08 e 29/08 de 1964.
O Cruzeiro, Diários Associados, Rio de Janeiro: 10/09/1960, 31/08/1960, 15/09/1962, 29/101960.
O Dirigente Industria, Sociedade Editorial Visão, São Paulo: 10/1969
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Visão, Sociedade Editorial Visão, São Paulo: 07/09/1967; 29/08/1970

Webgrafia
<www.modeaparis.com/vf/toutsavoir/index.html> (site oficial da Fédératiom Française de la Couture)
Acesso em 14 maio 2009
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<www.uol.com.br/houaiss> Acesso em 14 maio 2009

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* Doutora em História Social pela Unicamp, professora do Centro Universitário Senac e autora do livro
“Moda e sociabilidade: mulheres e consumo na São Paulo do anos 1920” (Ed. Senac)

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