Por meio da práxis da pesquisa etnográfica, bem como por meio do aporte oferecido pela
autora Cláudia Fonseca, pode-se perceber como a etnografia tem como caracteristicas de
método a valorização da narrativa, o uso do diário de campo, a observação participativa, a
inserção no meio, a naturalização de sua presença nos locais de pesquisa, o esforço de
compreender o ponto de vista do outro, a sua relação com a vida, bem como perceber a sua
visão do seu mundo.
Sendo Fonseca praticante experiente da etnografia, influenciada pelos princípios da
pesquisa de campo de Malinowski e inserida no contexto da pesquisa, a autora chama a
atenção e faz refletir sobre o quanto deve-se estar atento ao que rodeia os pesquisadores e
o quanto é difícil se despir de conceitos e pré-conceitos. Não é por acaso que Malinowski
insiste na necessidade da inserção do pesquisador no ambiente de pesquisa de maneira
concreta, afim de que os membros daquele espaço social sintam-se tão à vontade na sua
presença que deixem de perceber o pesquisador como elemento externo, estranho ao meio,
e vejam-no com naturalidade.
Antropóloga por formação e convicção, Fonseca (1999, p. 58 e 59) nutre uma estreita
relação com o método etnográfico. Acredita ser este um método que, além de ser um
instrumento importante para a compreensão intelectual de nosso mundo, também pode ter
uma utilidade prática. Para ela, “a etnografia é calcada em uma ciência, por excelência, do
concreto” e tem como start do método a interação entre o pesquisador e o objeto de estudo.
Afirma, ainda, que este método “[...] requer do pesquisador boa dose de paciência (para
registrar coisas aparentemente inúteis) e coragem para construir modelos […] equilibrados
a partir de fragmentos da vida social minada de contradições e ambivalências” (FONSECA,
2004, p.07).
A análise reflete o olhar detalhado, criterioso, da autora sobre os fatos, um olhar para além
dos nexos e relações que se estabelecem, um olhar que possibilita descobrir os fenômenos
embutidos em fatos aparentemente corriqueiros ou comuns, um olhar que leva em
consideração a corporalidade das informações através dos gestos, expressões que por
vezes falam muito mais que as palavras. Um olhar que só consegue ter aquele que observa
de forma participante, que imerge no mundo do objeto de estudo sem perder de vista a
intencionalidade científica. O olhar etnográfico, cuidadoso, que busca evitar equívoco do
reducionismo da etnografia a um método que se fecha em técnicas e orientações centradas
no individual e desprezam a análise social. Neste sentido, Fonseca, “indo além das falas,
apostando na observação das práticas sociais, (fez uma) abordagem (que) apoia-se menos
na linguagem normativa dos ritos do que na lógica informal da vida cotidiana inscrita no
fluxo de comportamentos” (2004, p.07), sem perder de vista os princípios científicos
delineados por Malinowski. Assim, a etnografia se justifica como método no próprio ato da
práxis etnográfica, abrindo caminho para se estabelecer como método antropológico dentro
do campo das ciências sociais.
TEMA DA PESQUISA
Diante das visitas à escola Estadual Prof. José Fernandes Machado e observando a
sociabilidade entre os estudantes e os membros da comunidade escolar, esse estudo tem
como tema de pesquisa a questão da cultura no ambiente escolar, pensando como os
membros da comunidade escolar manifestam das mais diversas maneiras as suas culturas,
hábitos, saberes, modos de ser e de pensar. Por meio da linguagem, das vestimentas,
cortes de cabelo, gostos musicais etc. foi possível perceber uma interessante variedade de
expressões culturais na escola, passando tanto pelos alunos, quanto pelos próprios
funcionários da escola, durante o dia-a-dia escolar. Sendo a cultura um dos campos
principais da antropologia, acreditamos que pode haver uma interessante abordagem
antropológica das mais diversas manifestações da cultura, em seu sentido amplo, dentro do
ambiente escolar. A cultura é um meio de expressar diversidade, tendo também por
consequência um significado político, pois é por meio da cultura que podemos encontrar e
reconhecer o outro, sendo um meio para resolver rivalidades políticas. Além disso, a
discussão da cultura permite pensar os choques culturais, mais presentes do que nunca na
nossa sociedade contemporânea, a partir da questão do que é cultura, tendo em vista que o
significado de cultura é algo que está em jogo na nossa sociedade, tendo as mais diversas
consequências políticas, sociais, econômicas, e, tendo em vista o espaço escolar, também
tem consequências educacionais, fundamentais para pensar o papel transformador que o
professor pode ter dentro da escola, na perspectiva de uma educação transformadora.
A escola é muito mais do que um espaço de ensino, e além disso, muitas vezes, na
perspectiva dos jovens, a função principal da escola nem é o aprender, mas sim a troca de
experiências, de vivências e porque não a troca cultural, sendo então a escola um espaço
em que a juventude forja a sua própria subjetividade, seus gostos e hábitos, sendo um
espaço definidor da cultura e também dos valores que serão carregados por esses jovens
durante a vida toda, o que só faz o papel do professor ser ainda mais fundamental,
pensando de forma criativa e não engessada de contemplar as diversas subjetividades que
se apresentam na escola.
Sendo a sociedade permeada por uma série de contradições, e estando a escola dentro do
seio da sociedade, não deixa a escola de expressar as diversas contradições da sociedade.
Os alunos e toda a comunidade escolar trazem essas contradições para o pátio da escola e
para a sala de aula, conferindo um caráter político às ações dos sujeitos, que estão em
constante busca por espaços de representação, bem como a busca por legitimação de seus
discursos, e inclusive de imposição desses discursos, numa estratégia de controle de poder.
E, sendo uma escola um dos espaços que muitas vezes está a serviço de condicionar a
juventude para aceitar os valores e a ideologia dominante das classes dominantes, bem
como é por exemplo a igreja, os jornais, a televisão e uma série de mecanismos de
transmissão da ideologia dominante da sociedade civil burguesa, cabe pensar a
necessidade de se enfrentar e se romper com esses paradigmas, no sentido de construir
uma educação libertadora, feita pelos explorados e oprimidos, e não por exploradores e
opressores. Assim, pensar a cultura é pensar quais são os caminhos pelos quais a própria
juventude, por meio dos seus próprios signos, hábitos e gestos, podem se auto-determinar,
construindo sua própria subjetividade para além das amarras da ideologia burguesa, por
exemplo rompendo a perspectiva mercadológica de cultura, bem como as amarras do
conservadorismo, que buscam o controle dos corpos da juventude, tentando impor padrões
e normas de gênero, sexualidade estéticos, religiosos e morais.
A pesquisa também tem como fim pensar formas de intervenção do professor na escola e
na sala de aula levando em consideração a diversidade de culturas que se encontra neste
meio. Como fazer com que os estudantes pensem não apenas a sua cultura, mas também a
cultura dos outros alunos e membros da escola? Como os alunos podem, por meio das
diferenças, se verem uns nos outros? Essas são algumas das questões que norteiam essa
pesquisa.
Em meio a uma sociedade permeada por discursos e paradigmas, tendo consequências
sociais e políticas, como se vem vendo no Brasil dos últimos anos, essa pesquisa busca
pensar a práxis educativa que reflita essas diversas narrativas e visões de mundo, que
muitas vezes se colocam em meio a uma disputa de espaços e poderes, de dominação,
numa relação que tem muitas consequências quando se pensa que a sociedade é dividida
por classes sociais, e permeada por questões de raça, gênero, sexualidade, entre outros.
Como podemos pensar as diferentes ideologias dentro da escola? Como pensar o conceito
de alienação no ambiente escolar? Como pensar os diferentes gostos culturais dos
membros da comunidade escolar, como modos de se vestir, cortes de cabelo, músicas,
gírias, tribos urbanas etc.? Esses são alguns dos aspectos gerais que essa pesquisa busca
refletir.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FONSECA, Claudia. Quando cada caso NÃO é um caso: pesquisa etnográfica e educação.
Rev. Bras. Educ. [online]. 1999, n.10, pp. 58-78.
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