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de 1896. O artista nasceu com uma condição clínica chamada lábio leporino, sendo seu caso
bastante grave, com total abertura entre o palato, a boca e as narinas. A condição do lábio
leporino, mesmo submetido às inúmeras cirurgias ao longo dos anos, acompanhou o artista
por toda sua vida e influenciou diretamente na sua forma de se comunicar com o mundo, uma
vez que através da fala ele enfrentava dificuldades de compreensão.
Aos 20 anos de idade inicia seus estudos na Konigliche Bayetische Academie der
Bildenden, em Munique, Alemanha, onde o artista descreve sua formação como rígida,
dividida entre disciplinas de desenho e pintura. Durante sua educação artística, Guignard teve
a oportunidade de viajar por inúmeras cidades europeias, agregando um vasto conhecimento
e absorvendo diversas influências do modernismo europeu e de grandes nomes das artes
visuais.
Fiz meus estudos na Alemanha sob uma disciplina de muito rigor.
Três anos de pintura e seis de desenho. Custou muito, mas foi. E hoje
estou contentíssimo de ter estudado tanto. Naturalmente, aprendi
pelos métodos acadêmicos, mas depois, meu instinto pessoal me
guiou para a minha personalidade e liberdade completa
(GUIGNARD apud MORAIS, 1974, p.18).
A presença de Guignard na educação tem seu início ainda na cidade do Rio de Janeiro
em âmbitos diversos, porém, é em 1931 na Fundação Osório que o artista alcança
efetivamente seu caráter de educador, foi “contratado para ensinar desenho e pintura na
Fundação Osório, localizada no Rio Comprido, Rio de Janeiro (...) Local em que permanece
lecionando até 1943.” (ZÍLIO, 1983, p.85). Pouco se conhece do referido período do artista
frente a instituição pela pouca documentação encontrada. O principal documento que se
refere à sua atuação enquanto professor de arte é a dedicatória da então reitora da instituição.
Com a mão de uma verdadeira calígrafa, a educadora e reitora Cassilda Martins deixou no
Álbum-arquivo de Guignard, no Rio, em Julho de 43, um memorável depoimento sobre seu
método de ensino, por assim dizer, intuitivo, como que instintivo (FROTA, 2005. p.43).
É importante ressaltar que a dificuldade de compreensão externa levou Guignard a
desenvolver formas paralelas de linguagem, sendo a pintura uma das suas principais fontes de
comunicação com o mundo e com suas sensações. Ver Guignard é também compreender
parte das suas sensações e interpretações do mundo e acima de tudo, é perceber o lirismo,
conforme descrito pelo crítico de arte Ronaldo Brito, como uma tradução da arte.
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O artista deixaria a seguinte anotação: "A folhinha marcava 28 de junho de 1932, foi uma tarde num
“concerto do teatro municipal que uma dama desconhecida fixou de repente seus olhos em mim.
Forcei-me da melhor maneira a pensar se conhecia ou não. A partir desse dia, um ânimo novo,
desconhecido, atravessa o espírito de minha vida. A força de seus olhos me deixou num estado de
grande perturbação. Seria o amor que já me enviava suas flechas venenosas?” FIUZA, M. Livro
reproduz cartões de amor de Guignard para Amalita. O Tempo, Belo Horizonte, s.p., 19 set. 2007.
Disponível no site
<http:liwww.otempo.combridiversão/magazinellivro-reproduz-cartões-de-amor-de-guignard-para-amali
ta-1.309858
Nas imagens de dois desses três cartões, em frente e verso, vemos os corações sempre
presentes, próximos de olhos atentos, flores, objetos que marcam interesses entre as artes
visuais e a música. Em uma das imagens, lemos “ART DESSINS MODERNE”. Ali, há uma
demarcação clara da forma como ele encontrou
para, em sua timidez, viver e reviver os lances do amor que lhe causava o frisson entre
pequenos e grandes abalos. Até esse momento, o nome da amada ainda não
era conhecido.
No verso do segundo cartão, apresenta-se um desenho de máscaras cravadas de
flechas. Foi no baile de Camaval de 1933, como ele mesmo escreve em francês, que
“começou a felicidade”, pois encontrou coragem para abordar a jovem, solicitando uma
dança e descobriu seu nome: Amalita. “Elle se dit nommer “Amalia, Amalita que! doux nom
viens de Amar?” A afeição alimentada pelo artista era, ao mesmo tempo, o motivo de uma
grande inquietação. Ele buscou saber sobre a moça, descobriu sobrenome, onde morava,
como poderia se encontrar com
ela e com as irmãs.
Acabou conseguindo certa proximidade com Amalita Fontenelle. Ficaram “amigos,
saíam juntos para irem a concertos e ao cinema, sempre em companhia de uma das irmãs da
pianista. Essas cartas e os cartões desenhados-escritos jamais foram enviados a Amalita Não
se sabe se ele se declarou ou não, se ela correspondeu ou não ao amor do artista, Temos
apenas os marcos em papel de uma paixão que precisava ser vivida ainda que em um mundo
paralelo e fantasioso.
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Segundo Carvalho (2007), Adelaine Guerrini de Andrade, viúva de Nonê (filho de Oswald de
Andrade), guardava o álbum há anos, desde que o recebera de seu sogro. Ela procurou
representantes do acervo de Guignard em 1987 para apresentar o material, que, após ser avaliado,
foi desmontado, para facilitar sua exposição e conservação. Ele tinha quarenta e seis folhas, sendo
que somente dezesseis foram utilizadas. Atualmente, uma pequena parte se encontra no Museu
Casa Guignard em Ouro Preto e as demais ficam guardadas na Superintendência de Museus e Artes
Visuais - SUMAV, órgão do Governo do Estado de Minas Gerais.
lettres. Já dão o tom da escrita que é falada, que não tem vírgula e nem ponto final. Escrita
que, por vezes, é palavra solta, um “amor” aqui, um “guiama” lá, que se espalham pelo
espaço do suporte circundando as imagens. O jogo de cores esmaecidas, linhas e formas
compõem um amor que precisa ser grito visual no silêncio do atelier.
Guignard viveu seus últimos dezoito anos de vida em Minas Gerais, contribuindo
como artista e educador, revelando paisagens, pessoas e os movimentos artísticos de sua
época. Foi neste estado, que Guignard perseguiu as paisagens montanhosas, com cenários
líricos, transparentes e luminosos, com igrejas surgindo das brumas e balões coloridos
subindo aos céus. A partir de 1954, Guignard começa a passar longas temporadas em Ouro
Preto, sendo constantemente visto com seu cavalete pelas ruas da cidade. Foi aqui em Ouro
Preto, local que chamava de “cidade amor inspiração”, que o artista completou sua obra,
“perseguindo a luminosidade de nossos céus e a paisagem barroca, representada de forma
fantástica, poética e comovente em seus quadros”.